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Ética Geral e Profissional

Ética Geral e profissional - Livro Texto - Unidade I

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Ética Geral eProfi ssional

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Professora conteudista: Regina Meira Aguiar

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SumárioÉtica Geral e ProfissionalUnidade I

1 ÉTICA GERAL .........................................................................................................................................................61.1 Conceito de ética .....................................................................................................................................61.2 O conceito de ética e sua relação com a moral ..........................................................................81.3 O conceito de valor ..............................................................................................................................111.4 A história da ética ................................................................................................................................ 12

1.4.1 Gênese da ética: a noção de justiça e bem comum ................................................................. 121.4.2 Formação da ética: liberdade, igualdade e fraternidade ........................................................ 151.4.3 A evolução da ética ................................................................................................................................ 17

1.5 As teorias sobre a ética ...................................................................................................................... 221.6 A classificação da ética ...................................................................................................................... 24

1.6.1 Ética empírica ........................................................................................................................................... 241.6.2 Ética dos bens ........................................................................................................................................... 261.6.3 Ética formal ............................................................................................................................................... 271.6.4 Ética valorativa ........................................................................................................................................ 27

Unidade II

2 ÉTICA E GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA ................................................................................................ 282.1 Ética empresarial ................................................................................................................................. 32

Unidade III

3 ÉTICA PROFISSIONAL ..................................................................................................................................... 403.1 As origens da ética profissional ...................................................................................................... 423.2 A competência como valor fundamental da ética profissional ........................................ 443.3 Construir uma vida ética profissional factível ......................................................................... 493.4 Os desafios e propostas para a prática da ética profissional ............................................. 51

Unidade IV

4 A ÉTICA PROFISSIONAL EM CONTABILIDADE ....................................................................................... 564.1 O conceito de ética profissional ..................................................................................................... 564.2 A profissão contábil ............................................................................................................................. 57

4.2.1 Exemplos de pressão do patronato sobre o profissional contador .................................... 614.3 Função social da profissão contábil na era da informação ................................................. 634.4 Ética profissional em contabilidade .............................................................................................. 66

4.4.1 Ética na profissão contábil .................................................................................................................. 684.4.2 A importância da ética na formação profissional ..................................................................... 714.4.3 Relação entre a ética e a conduta do contador nas empresas ............................................ 72

4.5 Os códigos de ética .............................................................................................................................. 75

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4.5.1 O código de ética da profissão contábil ........................................................................................ 764.5.2 Os valores da ética profissional em contabilidade .................................................................... 78

4.6 Os órgãos reguladores da profissão contábil ............................................................................ 804.6.1 O Conselho Federal de Contabilidade (CFC) ................................................................................. 804.6.2 O conselho regional de contabilidade ............................................................................................ 82

4.7 A fiscalização da profissão contábil .............................................................................................. 824.7.1 Das punições ........................................................................................................................................... 83

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INTRODUÇÃO: AS URGÊNCIAS DE ÉTICA NO MUNDO ATUAL

No início do século XX, a utopia ocidental era de que nos últimos anos do segundo milênio a humanidade já teria avançado o sufi ciente para dar um salto no processo civilizatório rumo à igualdade entre povos, culturas e sexos. No início do século XXI, temos, por um lado, um mundo de evolução técnico-científi ca sem precedentes na imaginação humana e, por outro, guerras e violências desprovidas de sentido. Jamais se poderia pensar que o mundo estaria tão integrado por meio de técnicas de mídia e de transporte e tão desintegrado naquilo que se refere à alma humana. Era impensável um conhecimento científi co tão avançado a ponto de manipular os segredos mais íntimos da vida e ao mesmo tempo incapaz de evitar a morte de milhares pelo planeta, por doenças, que desde há muito se descobriu como curar. Conhecimentos médicos capazes de tornar a vida humana mais longa e, ao mesmo tempo, o surgimento de doenças promotoras da infelicidade do vazio existencial. Ninguém acreditaria que a humanidade pudesse em tão pouco tempo dispor de tecnologia automatizada e robotizada que, aplicada nos agronegócios, retirasse das relações humanas o fator de miséria que é a escassez de alimentos, sem conseguir resolver o problema da fome. Ao contrário, a aplicação da biotecnia na produção agropecuária promoveu um aumento da parcela de famintos na população mundial, além de gerar sério desequilíbrio ecológico e desemprego crônico.

No alvorecer do século XX, a humanidade não poderia prever uma ciência biomédica que fosse capaz de tocar, engendrar,

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alterar os mais herméticos segredos da vida vegetal, animal e humana. E que, ao mesmo tempo, não fosse capaz de evitar tanto o aumento da desnutrição e morte pela fome para os pobres, quanto o uso de drogas, a contaminação dos alimentos, as doenças psicossomáticas e a opulência para os abastados. Os paradoxos estão por toda a parte: enquanto uns morrem de fome, outros morrem de gordura. Enquanto se é capaz de contar os genes de animais inferiores, não se descobre a cura para as epidemias e as pandemias, uma ameaça constante para todo o mundo. Enquanto construímos máquinas inteligentes, não somos capazes de ensinar a ler e escrever a populações inteiras.

Hoje, nas sociedades modernas, cada vez mais se verifi ca uma cisão entre indivíduo e comunidade social, de tal modo que as desgraças e as calamidades que atingem determinadas camadas sociais ou grupos de indivíduos fi cam restritas a esses segmentos. Enquanto isso, os demais procuram ignorar não só as desgraças, mas até mesmo os próprios indivíduos que foram atingidos. Nesta direção vai-se delineando uma determinada tendência cultural que propõe resolver várias situações de difi culdade em que se encontra a sociedade moderna, inclusive as situações de luta e de confl itos entre raças e culturas diferentes, mediante um projeto de convivência que visa garantir segurança e bem-estar às pessoas na dimensão terrena.

Desta compreensão entende-se que os grandes problemas da humanidade de hoje, mesmo sem rejeitar a grande contribuição que a ciência e a tecnologia podem dar para superar as condições de miséria e defi ciências dos diferentes gêneros, só podem ser resolvidos por meio da reconstrução de valores que possam orientar normas e padrões gerais de conduta. O ser humano necessita de realidades transcendentes ao indivíduo, o que comporta exigências, imperativos e valores que não podem ser satisfeitos apenas com a auto-sufi ciência individual. E não é possível para as comunidades humanas e grupos sociais transcenderem por si mesmos aos interesses meramente

Os grandes problemas da humanidade de hoje só podem ser resolvidos por meio da reconstrução de valores que possam orientar normas e padrões gerais de conduta. Isso comporta exigências, imperativos e valores que não podem ser satisfeitos apenas com a auto-sufi ciência individual.

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econômicos. Portanto, mais do que nunca, no mundo em que vivemos é imperativo retomar os valores que dirijam nossa vontade de agir no sentido de buscar, além da satisfação das necessidades materiais, a reconstituição das regras de conduta, de normas de convivência que possam reduzir os antagonismos e os individualismos desenfreados. É a exigência ética de nosso tempo, é nosso dever.

Hoje, a exigência ética fundamental consiste em recuperar a possibilidade de reconstruir relacionamentos de comunhão entre pessoas e comunidades. Pretender resolver o problema da paz e da felicidade das pessoas querendo reduzir a sociedade ao indivíduo é um erro grave, porque a felicidade humana não é alcançável fora da comunhão com os outros. Tal ideia signifi ca reduzir, irremediavelmente, o homem às dimensões terrestres, fechando-o em relação a sua dimensão transcendente, que não pode ser satisfeita no plano material. Essa dimensão só pode ser satisfeita por meio dos valores que permitiram construir a civilização.

Por efeitos não desejados, como diria Max Weber, a construção da modernidade terminou por construir uma mentalidade individualista. O que vemos hoje é o resultado de um longo processo da tentativa humana de fazer uma ciência extremamente racional, voltada a fi ns racionais e desprovida de valores morais, isto é, de valor metafísico. Desde as mais antigas manifestações, idealistas ou religiosas, da disciplina de bem viver até o estudo racional das formas de conduta, houve sempre a preocupação em estabelecer razões de consenso entre os seres humanos, de modo que a virtude pudesse prevalecer sobre o vício. Tais virtudes estruturam tanto o campo político, quanto o social e o econômico no Ocidente.

O modelo consumista-individualista da convivência favorece a difusão dos males morais sociais do nosso tempo (a busca das vantagens pessoais em prejuízo dos outros, a redução das relações sociais a relações de força, a violência,

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a criminalidade, a corrupção, a ausência de regras éticas nas relações econômicas, a transgressão juvenil, entre tantos outros males). A vivência ética, solidifi cada em valores estruturadores da civilização ocidental, em todas as esferas da vida humana (familiar, cultural, social, econômica, política) é o mais potente antídoto contra os males atuais. Isso porque só é possível ser humano ao se reconhecer no outro humano. Apenas no contato com o outro é possível crescer responsavelmente em relação a si mesmo e à comunidade. Desenvolvemos, assim, a solidariedade que é a própria essência da humanidade.

Coube aos Estados nacionais o papel de civilizador, de desenvolver os laços de solidariedade nacionais. Compete ao Estado o papel de inserir as novas gerações no padrão de conduta ética, ou seja, ensinar às pessoas as linguagens e as crenças simbólicas, valores morais caros ao capitalismo. Isso se deu por meio das escolas públicas, na Europa, na passagem para a Modernidade. E, no Terceiro Mundo, à medida que chegavam as indústrias. Hoje, esses Estados, tornados mínimos pela ideologia neoliberal, não têm dado conta de instrumentalizar seus cidadãos nas capacidades necessárias à mundialização, nem de inserir as novas gerações nos valores morais de conduta exigidos pela racionalidade capitalista. E, menos ainda, de impedir que as mídias, ansiosas pelo lucro fácil, desenvolvam em jovens e adultos contravalores como o narcisismo, o hedonismo e o niilismo entre outras mazelas que os dirigem para o desejo do lucro fácil e o prazer a qualquer custo. Isso porque vivemos em uma sociedade em rede, onde tudo é feito, a despeito das fronteiras nacionais, por meio das redes de informática e de informação que vão da mídia ao tráfi co de drogas e à corrupção. E os Estados nacionais por sua essência são delimitados por fronteiras nacionais.

No Estado democrático há uma íntima relação entre Governo, – que envolve o executivo nos três níveis e o judiciário – parlamento e tributação. Todo pacto democrático está estruturado, economicamente, no consentimento dos cidadãos em entregar uma parcela de seu patrimônio e de

A vivência ética, solidifi cada em valores estruturadores da civilização ocidental, em todas as esferas da vida humana, é o mais potente antídoto contra os males atuais. Isso porque só é possível ser humano ao se reconhecer no outro humano.

A corrupção pública e a sonegação fi scal, além de lesar a capacidade do Estado de promover a igualdade, pois não terá recursos para a educação e a saúde dos mais pobres, ainda tira a confi ança dos mais ricos em aplicar recursos no país.

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seus rendimentos ao Estado, sob a forma de tributos. Esse consentimento parte do pressuposto de que essa parcela será gerida em prol do bem comum, da manutenção da coisa pública, e não do abastecimento de interesses particulares. Assim, o pagamento de impostos é um imperativo ético. A fi nalidade nuclear do Estado democrático é gerir por todos e para todos, para garantir a igualdade de direitos e deveres para todas as pessoas físicas ou jurídicas. É por isso que a corrupção pública e a sonegação fi scal, além de lesar a capacidade do Estado de promover a igualdade, pois não terá recursos para a educação e saúde dos mais pobres, ainda tiram a confi ança dos mais ricos em aplicar recursos no país. O Capital não pode se estabelecer e desenvolver-se fora de padrões éticos.

As empresas capitalistas não podem sobreviver numa sociedade em que os valores éticos ocidentais não estão estruturados nas consciências individuais. Nessas sociedades, cada trabalhador, na sua individualidade, e por sua consciência, deve agir em seu trabalho individual e solitário no sentido de evitar a fuga dos lucros da empresa. Assim, as empresas, ao se estabelecerem numa sociedade, clamam (a imprensa e o seu canal de comunicação) por valores éticos e pela educação para esses valores.

A conduta ética, desde os primórdios do Capitalismo, sempre foi um fator fundamental para o desenvolvimento das empresas capitalistas. Hoje, com a globalização da economia, essa necessidade é maior, pois o mercado global, que dirige a economia e as relações empresariais, exige confi ança. E confi ança só é possível entre grupos que possuam os mesmos valores éticos.

O debate sobre a importância de conduta ética é reacendido cada vez que ocorrem novas denúncias de fraudes e corrupções, como, por exemplo, os recentes escândalos envolvendo as grandes organizações bem como a coisa pública. Tais escândalos interferem diretamente na confi ança dos investidores e dos

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consumidores em todo o mercado e concorrem para a sociedade ensejar uma maior fi scalização em todas as empresas por parte do poder público.

Por toda essa situação de ausência de valores comuns é que as empresas propõem um retorno à ética, um estudo sistemático dos valores comuns e caros ao Ocidente por parte de todos os profi ssionais, de tal maneira que o seu agir seja sempre uma ação que promova o bem comum. Exigem um retorno à ética pautada em valores que estruturam a confi ança, sem a qual o capital e a sociedade em geral não podem existir.

Um dos objetivos de se estudar ética hoje é encontrar mecanismos que nos permitam mergulhar dentro de nós mesmos e buscar compreendermos que atitudes moralmente corretas podem promover o bem comum e que a nossa felicidade só é possível à medida que a sociedade for justa. O que signifi ca que todos tenham seus direitos garantidos, uma vez que todos cumpriram com os seus deveres.

1 ÉTICA GERAL

1.1 Conceito de ética

Etimologicamente, a palavra “ética” vem do grego ethos que signifi ca morada coletiva e vida coletiva. Daí o conceito ser usado para ações que promovam o bem comum ou a justiça no meio social. Devido ao fato de que os gregos a utilizavam no sentido de hábitos e costumes que privilegiassem a boa vida e o bem viver entre os cidadãos, com o tempo tal palavra passou a signifi car modo de ser ou caráter. Enfi m, um modelo de vida que deveria ser adquirido ou conquistado pelo homem por meio da disciplina rígida que lhe formaria o caráter e que seria transmitida aos jovens pelos adultos. Na Grécia, o homem aparece no centro da política, da ciência, da arte e da moral, uma vez que para sua cultura até os deuses eram humanos com seus defeitos e qualidades. O primeiro fi lósofo que escreveu

As empresas exigem um retorno à ética pautada em valores que estruturam a confi ança, sem a qual o capital e a sociedade em geral não podem existir.

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sobre ética foi Aristóteles. Com esse título, Aristóteles escreveu duas obras: ética a Nicômaco (seu fi lho) e ética a Eudemo (seu aluno).

Os fi lósofos gregos sempre subordinaram a ética às ideias de felicidade da vida presente e de soberano bem. Nos textos antigos, ética quase sempre parece estar relacionada com desejo inato ao homem de busca da realização do supremo bem. A fi losofi a grega preocupa-se com a refl exão sobre ética desde os primórdios. Isso porque ética, ou a sede de justiça, é uma das três dimensões da fi losofi a. As outras duas seriam a teoria e a sabedoria. Em Roma, ética passa a ser denominada “mores”; que signifi ca “moral”. No direito romano a palavra ética refere-se a normas de conduta ou princípios que regem a sociedade ou um determinado grupo e em uma determinada época. Numa palavra: lei.

A ética é histórica, o que se deve ao fato de estar solidifi cada em noções de valor, que mudam à medida que se descobrem novas verdades. O agir ético não será apenas uma simples reprodução de ações das gerações anteriores, mas uma atividade refl exiva que oriente a ação a seguir num determinado momento de nossa vida pessoal. Quando surgem questionamentos sobre a validade de determinados valores ou costumes, e a realidade exige novos valores que possam orientar a ética, surge a necessidade de uma teoria que justifi que esse novo agir, uma vez que é impossível a ação ética sem que o agente compreenda a racionalidade dessa ação. Aqui aparecem os fi lósofos que produzem uma refl exão teórica que oriente a prática ou a crítica do viver ético.

Assim, não é possível o agir ético sem uma refl exão entre o que eu devo fazer e o que eu gostaria de fazer em um determinado momento. A ação ética sempre deve buscar o bem comum e consiste na recusa de todas as ações que propiciem o mal. O agir ético vai além de um conjunto de preceitos relacionados a cultura, crenças, ideologias e tradições de uma sociedade, comunidade ou grupo de pessoas. Muitas vezes nossa ação vai

A ação ética sempre deve buscar o bem comum e consiste na recusa de todas as ações que propiciem o mal. Guiada pela razão a ética está fundamentada nas ideias de bem e virtude.

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ao sentido oposto a essas crenças, pois sendo a noção de dever seu principal valor estrutural, em algumas ocasiões, o nosso dever é justamente indignar-se com tais crenças. Uma vez que guiada pela razão e não pelas crenças, a ética, via de regra, está fundamentada nas ideias de bem e virtude, que nossa civilização considera como valores que devem ser perseguidos por todo ser humano para a promoção da vida, da maneira e onde quer que ela se manifeste.

1.2 O conceito de ética e sua relação com a moral

Frequentemente se confunde ética com moral e isso tem uma razão de ser. É que a palavra “moral” vem do latim mos (singular) e mores (plural), que signifi ca “costumes”. E a palavra “ética” vem do grego e possui o mesmo signifi cado, ou seja, “costumes”. Por isso, muitos utilizam a expressão “bons costumes” como sinônimo de moral ou moralidade. Ética e moral são sinônimos perfeitos, só modifi cados semanticamente devido às diferentes línguas de origem das duas palavras. Até o século XVIII, já que a língua ofi cial do saber acadêmico era o latim, a palavra usada é moral.

Alguns fi lósofos modernos passam a usar as duas palavras com sentido diferentes. Kant, por exemplo, defi ne como Moral o conjunto de princípios gerais (valores civilizatórios) e ética sua aplicação concreta. Portanto, ética é sempre um agir ético. Outros fi lósofos concordarão em designar por moral a teoria dos deveres para com os outros, e por ética a doutrina de salvação e sabedoria desvinculada de crenças religiosas. Hoje nós temos duas palavras usadas por muitos autores com o mesmo signifi cado: “ética” e “moral”.

Devido ao fato de o pensamento kantiano ter uma importância medular para quem se interessa pela refl exão sobre ética no mundo capitalista, preferimos compreender que ética diferencia-se de moral. Moral está mais relacionada a crenças estruturadas em valores acumulados desde a mais tenra infância

Kant defi ne como moral o conjunto de princípios gerais (valores civilizatórios) e ética, sua aplicação concreta.

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e transmitidos pelos grupos sociais de interação afetiva, tais como a família e a Igreja. Moral está diretamente relacionada à consciência de que é o lócus privilegiado dos valores, enquanto que a ética é a exteriorização da conduta humana em sociedade. Além disso, desde o início os pensadores liberais preferiram a palavra “ética” para expressar normas de conduta de grupos organizados, como, por exemplo, as categorias profi ssionais e seus códigos de ética.

Compreendemos que a moral está muito ligada à cultura e à religião. Assim, em uma cidade como São Paulo, em que convivem muitas culturas, podem também coexistir diversos tipos de moral. Esses diversos grupos de moral específi cos sempre se reportam aos valores éticos fundamentais que, na verdade, são os traços comuns da civilização. Portanto, ética é um conjunto de valores morais que permitem a permanência da civilização. Sem esses valores a civilização como conhecemos desapareceria. Seus fundamentos foram construídos durante todo o processo civilizador, e são iguais para todos os cidadãos do mundo ocidental, independentemente de cultura ou religião. Ela carrega fundamentos que tiveram origem no pensamento cristão na medida em que esses fundamentos contribuíram para a formação do pensamento ocidental. Contudo, não é a transposição pura e simples dos valores da religião para o campo civilizatório.

Hoje a imprensa costuma usar a palavra “ética” com muita frequência, às vezes até de forma abusiva. Essa insistência com que se fala de ética hoje se deve ao fato de o capitalismo ter-se mundializado, pois sem os valores éticos é impossível a reprodução da sociedade capitalista. Isso porque o capitalismo é irmão gêmeo da democracia, uma vez que ambos nascem do pensamento liberal e um não vive sem o outro. Como os pilares basilares da democracia são a liberdade pessoal, a busca da felicidade e o individualismo, não há espaço para a vigilância constante das ações individuais numa sociedade de direitos plenos. Tal sociedade é a única possível para o bem-estar do Capital.

Ética é um conjunto de valores morais que permitem a permanência da civilização. Seus fundamentos foram construídos durante todo o processo civilizador, e são iguais para todos os cidadãos do mundo ocidental, independentemente de cultura ou religião.

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Para a mentalidade moderna, ética não pode ser entendida como algo que resulta de um poder punitivo explícito, como é o caso da Moral. A punição que a transgressão do agir ético traz é de consciência individual, portanto, absolutamente individual, e essa consciência é formada no processo educativo. Se nossa consciência não considerar a apropriação da propriedade alheia, por exemplo, como um mal e sim como uma esperteza, isto é, um bem; não haverá como impedir que façamos uso indevido do que não é nosso.

Assim, a sociedade capitalista e democrática aceita a existência de diferentes formas de conduta moral no aspecto privado, desde que a conduta pública esteja em conformidade com as virtudes que a estruturam, ou seja, dentro da ética. Entende que a sociedade tem um conjunto de regras, normas e valores, que não se identifi ca com os princípios e normas de nenhuma moral em particular, mas com os valores formadores do núcleo da civilização, sem os quais a civilização entra na barbárie, a luta de todos contra todos em que os direitos – inclusive à propriedade e ao lucro – são destruídos, pois não há como obrigar as pessoas a cumprirem seus deveres. A ética é, nesse sentido, a própria defesa da civilização.

Sendo cultural, a moral é o conjunto de regras que se impõem às pessoas pelo grupo ao qual pertencem, numa ação coletiva que tende a agir de determinada maneira, sendo a consolidação de práticas e costumes observados no geral pelo receio de uma reprovação social (a pressão é externa). Partindo desse pressuposto, todo ser humano é moral ao cumprir normas de conduta oriundas de um conjunto de crenças inquestionáveis dentro de sua cultura. No entanto, ética envolve refl exão, por isso não signifi ca apenas um conjunto de normas, mas vai além. Ela é um conjunto de juízos valorativos (racionais) construídos pela civilização, assumidos e manifestados na ação individual de cada um (a pressão é interna). Está estruturada em valores de conduta. É sempre civilizatória.

A sociedade capitalista e democrática aceita a existência de diferentes formas de conduta moral no aspecto privado, desde que a conduta pública esteja em conformidade com as virtudes que a estruturam, ou seja, dentro da ética.

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1.3 O conceito de valor

Como ao tratar de ética sempre nos referimos ao conceito de valor, é importante um olhar, ainda que breve, sobre esse conceito. Ele aparece pela primeira vez no sentido que hoje damos nos primeiros trabalhos sobre economia. A ciência econômica moderna difere das demais ciências sociais pela capacidade de quantificar, senão a atividade econômica, pelo menos seus frutos, ou seja, o produto social. Está estruturada em leis universais tais como: lei da oferta e da procura, a lei do valor da moeda, entre ourtas. O que torna possível de medição e avaliação das relações econômicas, como acontecem e em que medidas acontecem, é o conceito de valor, cuja ideia essencial foi, segundo Weber, retirada da ética protestante cristã.

A utilização da ideia de valor como conceito de “algo” que é incorporado à mercadoria foi instituído pelos fundadores da Ciência Econômica: Adam Smith e David Ricardo. Tal conceito foi transportado puramente da fi losofi a moral para o âmbito econômico. A axiologia ou “teoria do valor” tem suas raízes no solo econômico e somente nos séc. XIX e XX vai expandir-se como expressão infi nita daquilo que “deve ser”, abrangendo todas as criações do espírito humano.

É o conceito de valor que permite atualização de uma unidade de medição essencial para praticamente todos os fenômenos do mundo econômico. Há duas maneiras de defi nir valor, uma delas retira o valor da relação do ser humano com a natureza e parte do pressuposto de que as pessoas têm uma série de necessidades materiais básicas e procura satisfação dessas necessidades na produção de produtos que possam satisfazê-las. Essa é a atividade econômica básica à natureza humana. Ao transformar um objeto qualquer da natureza em algo que possa melhorar de algum modo sua vida, o ser humano incorpora nessa transformação o valor essencialmente humano:

A utilização da ideia de valor como conceito de “algo” que é incorporado à mercadoria foi instituído pelos fundadores da Ciência Econômica Adam Smith e David Ricardo. Tal conceito foi transportado puramente da Filosofi a Moral para o âmbito econômico.

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o valor-trabalho e, dialeticamente, transforma o objeto em valor-utilidade, também chamado de valor de uso. Essa é a teoria do valor do trabalho.

A outra maneira de compreender valor é como os pensadores que buscam refl etir sobre a ética entendem o conceito. Para eles, valor é sempre coletivo, uma vez que valores são construções mentais elaboradas pela visão de mundo de nossa cultura, podem ser ensinados e formam nossos juízos de bem, mal, justo, injusto, belo e feio.

1.4 A história da ética

1.4.1 Gênese da ética: a noção de justiça e bem comum

Para muitos autores a experiência ética fundamental ocorre quando sentimos que o agir das pessoas está desconectado dos valores caros à civilização. É a experiência de ‘estranhamento’ frente à realidade, de sentir-se estranho (fora da normalidade) diante do modo como funciona a sociedade, ou até mesmo em relação ao modo de ser e agir de outrem. Cada vez que a sede de justiça, o que deveria ser ou o que se deveria fazer para buscar o funcionamento justo da sociedade, se estabelece, há um avanço da ética.

A história da ética, portanto, se confunde com o próprio processo civilizatório. É a própria história das ideias morais da humanidade, desde os tempos pré-históricos até nossos dias, isto é, a história da refl exão humana de como instituir normas que regulem a conduta social, na busca da felicidade individual e ao mesmo tempo o bem comum, e, portanto, instaurem a diminuição da violência. Os fi lósofos faziam a crítica da realidade social de sua época e a partir dessa crítica ofereciam saídas de como teria de ser a conduta das pessoas para evitar os infortúnios que levariam ao desaparecimento do ethos comum. A sociedade, então, considerando aquelas ideias úteis, passou a educar as novas gerações para aqueles valores. Muitas vezes, por ser um

ética é uma refl exão teórica, pautada em juízos de valor caros à civilização ocidental, que analisa e critica ou legitima os fundamentos e princípios que regem um determinado sistema moral.5

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novo dever, o Estado transformava tais normas em leis até que tais condutas fossem incorporadas às consciências individuais e, assim, lentamente, foram estruturados os valores que hoje consideramos essenciais. Nesse sentido, a ética não é imutável, mas, ao contrário, a humanidade vai abandonando valores e adquirindo outros que antes não pensava serem essenciais.

Antes de Sócrates não houve, ao menos que se saiba, uma refl exão metódica sobre a ética e o “homem moral”, por isso é que se diz que ele é o “pai da ética”. Contudo, é preciso ponderar que desde períodos mais antigos havia uma identidade perfeita entre o bem comum e o bem individual tão arraigada na mente grega que talvez tal refl exão não fosse necessária ou sequer capaz de ser concebida. Só a dissociação entre bem comum e bem individual (o público e o privado), que começa a ocorrer durante o período da decadência grega, é que justifi ca a necessidade de alguma teoria que explicasse esta dualidade.

Nossa visão de ética, hoje, deve muito, também, a Platão. Na verdade, como Sócrates nada escreveu, é em seus textos que aparece pela primeira vez o conceito de ética. Platão constrói idealmente a “Cidade Perfeita”; nela tudo e todos são guiados por uma ética muito semelhante ao ideal de perfeição social de hoje.

A ética de Platão está relacionada intimamente com sua fi losofi a política, porque, para ele, a pólis (cidade-estado) é o terreno próprio para a vida moral. Assim, buscou um Estado ideal, um estado-modelo, utópico, cujo modelo seria o corpo do ser humano. Daí vem o costume de dizermos até hoje o “corpo social”, como sinônimo de sociedade. Assim como o corpo possui cabeça, peito e baixo-ventre, também o Estado deveria possuir, respectivamente, governantes, sentinelas e trabalhadores. O bom Estado é sempre dirigido pela razão em busca da prática da justiça, que seria o equilíbrio entre os direitos e os deveres dos cidadãos na construção de uma pólis virtuosa. Portanto,

A ética não é imutável, mas, ao contrário, a humanidade vai abandonando valores e adquirindo outros que antes não pensava serem essenciais.

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é necessária a prática das virtudes. As virtudes são funções da alma humana, determinadas pela sua natureza e pela divisão de suas partes. Tais virtudes seriam todas aquelas que produzem a beleza, o bem e a verdade absoluta. Para tal prática seria necessário, à vontade, o ânimo, o que para Platão signifi cava o domínio das paixões pela razão.

Pela razão, faculdade superior característica do homem, a alma elevar-se-ia, mediante a contemplação, ao mundo das ideias. O fi m último da razão seria purifi car-se ou libertar-se da matéria para contemplar o que realmente é, acima de tudo, a ideia do bem. Para alcançar a purifi cação seria necessário praticar as várias virtudes que cada alma possui. Platão julgava que as partes da alma possuiam um ideal ou uma virtude que deveriam ser desenvolvidos para seu funcionamento perfeito. A razão deveria aspirar à sabedoria, a vontade deveria aspirar à coragem e os desejos deveriam ser controlados para atingir a temperança. Cada uma das partes da alma, com suas respectivas virtudes, estaria relacionada com uma parte do corpo. A razão manifestaria-se na cabeça, a vontade, no peito, e o desejo, no baixo-ventre. Somente quando as três partes do homem pudessem agir como um todo é que teríamos o indivíduo harmônico. A harmonia entre essas virtudes constituiria uma quarta virtude, a justiça.

Devido ao fato de ter sua teoria adotada como parcialmente verdadeira pela Igreja Católica, a ética de Aristóteles fi nca vínculos indeléveis em nossa compreensão de ética. Sua concepção ética privilegia as virtudes (justiça, coragem, fortaleza e sinceridade, a felicidade pessoal e o bem comum), tidas como propensas tanto a provocar um sentimento de realização pessoal àquele que age, quanto simultaneamente benefi ciar a sociedade em que vive. Portanto, a felicidade pessoal só é possível onde o bem comum também o é. A ética aristotélica compreende a humanidade como parte da ordem natural do mundo, por isso é denominada: ética naturalista.

Platão: As virtudes são funções da alma humana, determinadas pela sua natureza e pela divisão de suas partes. Tais virtudes seriam todas aquelas que produzem a beleza, o bem e a verdade absoluta.

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Segundo Aristóteles, toda atividade humana, em qualquer campo, tende à busca do bem supremo ou sumo bem, que seria resultado do exercício perfeito da razão, função própria do homem. Assim, o homem virtuoso é aquele capaz de deliberar e escolher o que é mais adequado para si e para os outros, movido por uma sabedoria prática em busca do equilíbrio entre o excesso e a escassez.

Na antiguidade o conceito de sábio era entendido como um homem virtuoso ou que busca uma vida virtuosa, e que assim consegue estabelecer, em sua vida, a ordem, a harmonia e o equilíbrio que todos desejam. Essa harmonia é conseguida se vivermos de acordo com a natureza – o cosmos para os gregos - , e o justo é viver de acordo com o seu lugar na natureza, uma vez que compreendiam que o cosmos, por si só, é sempre justo e bom. Uma das fi nalidades da vida humana seria encontrar seu lugar no seio dessa ordem cósmica, tal viver seria a vida ética. Assim, a prática da justiça, a virtude geral, de onde se originam todas as demais, nos tornaria semelhantes ao divino, àquilo que transcende o próprio homem, ao imortal e sábio que está no próprio homem.

1.4.2 Formação da ética: liberdade, igualdade e fraternidade

Os principais fi lósofos organizadores da ética cristã são: Santo Agostinho em A cidade de Deus e Confi ssões, e São Tomás de Aquino em Suma teológica. Durante a Idade Média, o cristianismo se estabelece como teoria no campo fi losófi co; a representação ocidental do “divino” não é mais a natureza e passa a encarnar uma pessoa: Jesus Cristo. Essa nova visão do logos provoca mudanças profundas na compreensão do que é o bem e, portanto, da ética. O cristianismo traz uma concepção revolucionária que cristaliza até nossos dias: a nova concepção de amor. A moral passa a ser entendida como a busca da perfeição “à imitação de Cristo” como característica de cada ser humano.

Aristóteles: Sua concepção ética privilegia as virtudes: justiça, coragem, fortaleza e sinceridade, a felicidade pessoal e o bem comum. A felicidade pessoal só é possível onde o bem comum também o é.5

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Essa nova concepção da pessoa humana, do indivíduo, é o próprio cerne do processo civilizador ocidental, resultando em todos os direitos da pessoa humana; contudo, é na compreensão do que é a liberdade que o cristianismo vai promover uma revolução, se comparada ao conceito da Antiguidade Clássica.

Enquanto que para os antigos a liberdade só se realizava no campo político e era entendida como sinônimo de cidadania, no cristianismo ela é deslocada para o interior de cada ser humano. A ética cristã articula liberdade e vontade; apresenta essa última como essencialmente dividida entre o bem e o mal. Foi o cristianismo que subordinou o ideal de virtude à ideia de dever e de obrigação. Fez da humildade uma virtude essencial, o que era desconhecido pelos antigos. Mais do que isso, o cristianismo também exigiu a submissão da vontade humana à vontade divina, tornando problemática e quase impossível a fi nalidade ética dos antigos, isto é, a autonomia, a capacidade de escolha por si só dos valores que norteiam as ações humanas. Se para os gregos antigos a virtude era um talento natural, para o cristianismo o que é moral ou não é o uso que se faz desses dons naturais; essa liberdade de escolha vai ser chamada pelos fi lósofos de “livre-arbítrio”. Aparece aqui a ideia do “mérito”, tão cara ao capitalismo. Não importa mais os talentos que recebemos da natureza, mas o que faremos com esses talentos; por meio deles podemos sair do estado de desigualdade natural para entrar na igualdade por nós construída. Portanto, a liberdade torna-se fundamento da moral.

Uma vez que todos são livres e iguais porque fi lhos do mesmo Deus e com direito à salvação vinda de Cristo, logo, toda a humanidade é composta por irmãos, fraternos entre si. Essa nova noção de fraternidade era desconhecida pelos antigos. No cristianismo a noção de responsabilidade individual é ao mesmo tempo universal e faz surgir uma virtude também desconhecida pelos antigos que é a caridade, ou seja, a responsabilidade pela salvação do outro, material e espiritual, seja o outro quem for. O

É na compreensão do que é a liberdade que o cristianismo vai promover uma revolução se comparada ao conceito da Antiguidade Clássica.

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amor passa de uma noção pessoal e carnal, o amor paixão, para um amor de compaixão, o amor ao próximo, sendo o próximo o outro em geral, já que todos são irmãos. A compaixão, a benevolência, a solicitude, para com os outros, até mesmo com outras formas de vida, passam a ser regras de comportamento ético.

Ser virtuoso, portanto ético, passa a ser agir em conformidade com a vontade de Deus, e esse agir é um dever, e, como Deus se manifesta na pessoa humana, a responsabilidade com o outro passa a ser um valor ético. Portanto, a autonomia tão cara aos gregos antigos dá lugar ao conceito de dever, como limite da liberdade.

1.4.3 A evolução da ética

A modernidade inicia quando começa a desaparecer a ideia de ordem universal e de hierarquia natural dos seres, cedendo para as ideias de universo infi nito, desprovido de centro e de periferia, e de indivíduo livre, átomo no interior da natureza, para o qual já não possui a defi nição prévia de lugar próprio e, portanto, de suas virtudes próprias. A ordem do mundo não é mais dada de fora do mundo, quer seja pelo cosmos, como queriam os gregos, quer seja por Deus, como pensavam os cristãos na Idade Média. Assim, a modernidade afasta a ideia medieval de um universo regido por forças espirituais secretas que precisam ser decifradas para que com elas entremos em comunhão. O mundo desencanta-se – como escreveu Weber – e passa a ser governado por leis naturais racionais e impessoais que podem ser conhecidas por nossa razão e que permitirão aos homens o domínio técnico sobre a natureza.

No livro A ética protestante e o espírito do capitalismo, Weber relaciona o papel do protestantismo cristão à formação do comportamento típico do capitalismo moderno. Weber descobre que os valores do protestantismo, tais como a

A responsabilidade, a compaixão, a solicitude e a benevolência para com os outros, e até mesmo com outras formas de vida, passam a ser regras de comportamento ético, a partir do cristianismo.5

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disciplina ascética, a poupança, a austeridade, a vocação, o dever e a valorização do trabalho como instrumento de salvação da ética protestante promovem o surgimento do capitalismo. Para Weber, tais valores são incorporados na ética ocidental como estrutura da confi ança, valor essencial à manutenção da sociedade do contrato, que é a sociedade burguesa.

Durante o período compreendido entre os séculos XVII e XX, pouco a pouco, a ética deixa de estar em conformidade com a Natureza ou com Deus para centrar sua refl exão na condição humana. No século XVIII, Rousseau faz uma crítica ao pensamento de Aristóteles, segundo o qual o homem se diferenciaria dos animais por ser racional. Para Rousseau o que diferencia o ser humano dos animais é sua capacidade de decisão por si só: a liberdade e a capacidade de aperfeiçoar-se ao longo da História. Como consequências dessa nova defi nição de humanidade: a historicidade, a igual dignidade entre os seres humanos. Por ser livre e por não ter nada a dirigir suas ações é que o ser humano é moral. É seu espírito crítico que vai dotar o homem de valores morais, pois o ser humano sempre busca o bem e nasce intrinsecamente bom.

O maior representante da ética nos últimos séculos foi sem dúvida Immanuel Kant (1724 – 1804), talvez o mais importante fi lósofo da modernidade, sobretudo para quem se interesse pelo estudo da ética e mais ainda pela ética profi ssional. Seu pensamento talvez seja aquele que mais contribuiu para a forma de pensar ética tal como pensamos hoje. O homem é livre, diz Kant, porque não está sujeito às leis físicas da natureza. Sua virtude reside na ação ao mesmo tempo voltada para interesses individuais e universais. Esses são os princípios basilares da ética kantiana: o desinteresse e a universalidade. A ação moral é a única ação verdadeiramente humana, e a liberdade consiste na faculdade de transcender as tendências naturais. Uma vez que as tendências naturais nos levam sempre ao egoísmo é preciso resistir a essas tendências. Tal resistência é denominada por ele

Weber descobre que os valores do protestantismo tais como a disciplina ascética, a poupança, a austeridade, a vocação, o dever e a valorização do trabalho como instrumento de salvação da ética protestante, promovem o surgimento do capitalismo.

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de “boa vontade”, ponto que ele vê como princípio de toda a moralidade verdadeira.

Para Kant, na natureza há leis, na ética, deveres; e a existência do dever me diz que sou naturalmente livre. Do “dever”, porque, pelo fato de ser livre e ter boa vontade e preocupação com o interesse geral, há algo em nós que ordena uma resistência e até mesmo um combate contra a naturalidade ou animalidade que exista em nós. E Kant dá um exemplo: se um tirano obriga alguém a testemunhar de modo falso contra um inocente, ele pode ceder e dizer o que é falso; mas depois teria remorso, pois algo em nós nos orienta para o bem que é a voz da razão. Isto demonstra que a testemunha sabia que podia dizer a verdade: sabia, devia, podia. E sabia por que seria irracional, uma vez que num mundo em que todos dissessem o que é falso, seria impossível viver, sendo, portanto, para nossa razão, obrigatório dizer a verdade. Essa é a prova da universalidade e necessidade da norma ética.

Essa voz da razão, que aparece sob a forma de ordens indiscutíveis, é chamada por Kant de imperativo categórico: imperativo, porque não se pode subtrair a ele, não é um conselho; e categórico, porque não admite o contrário daquilo que está mandando. Com a concepção de perfectibilidade, a ética kantiana vai propor que a liberdade humana consiste justamente na nossa capacidade de ir além das determinações naturais, de satisfazer nossos interesses particulares, para agir de acordo com os interesses gerais, isto é, universais. Por isso, a ética moderna vai repousar na ideia do mérito, ou seja, todos nós temos difi culdades em realizar nosso dever, em seguir os mandamentos da moral, apesar de todos nós o considerarmos legítimos. Daí nosso mérito em agir em conformidade com o bem comum e não em conformidade com nossos desejos e paixões. A modernidade vai valorizar toda a ação de dever, é a ética moderna fundamentalmente meritocrática de inspiração democrática.

Para Kant, na natureza há leis; na ética, deveres; e a existência do dever me diz que sou naturalmente livre.

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A partir de Kant, passa a vigorar, no campo de estudo da ética, o que se convencionou chamar de humanismo moderno. Não só no plano da moral, mas no político e no jurídico, o fundamento está unicamente na vontade dos homens, desde que se aceite como restrição a vontade dos outros. A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade dos outros. É apenas essa limitação pacífi ca que pode permitir uma vida social harmônica e feliz. E essa harmonia é uma construção humana e não mais um fato pronto pela natureza ou dada por Deus, ou seja, os homens vivendo em liberdade, mas com a vontade dirigida pelo dever (responsabilidade), na construção de uma sociedade com valores comuns que Kant chama de “reino dos fi ns”. Como seres dotados de dignidade absoluta, os homens não poderiam ser tratados como meios usados para objetivos pretensamente superiores, ou seja, o fi m absoluto digno de respeito absoluto: o centro do universo é a humanidade.

Kant elaborou um imperativo categórico da razão do agir ético: “age tendo a humanidade como fi m e jamais como meio” (não tratar os sujeitos como coisas) e “age como se a máxima de tua ação pudesse ser realizada por todos os homens e para qualquer homem” (a universalidade da razão garante a universalidade do sentido da ação). Isso signifi ca que a pessoa deve agir espontaneamente, por sua vontade e não sob coação ou por vontade alheia, só sob essa forma o comportamento será eticamente valioso. Tal comportamento terá valor universal. O que o imperativo categórico pede é que a máxima (princípio subjetivo) seja de tal natureza que possa ser elevada à categoria de lei de universal, construindo assim o conceito de igualdade como principio ético.

Kant propõe um valor absoluto para servir como fundamento objetivo dos imperativos. E esse valor absoluto é a pessoa humana. O objeto de nossos desejos tem valor relativo, é apenas um meio de alcançar nossos objetivos, pois só o homem tem valor absoluto. Sob dois prismas as pessoas diferem dos demais seres. Primeiro, uma vez que as pessoas têm desejos e

A modernidade vai valorizar toda a ação de dever: é a ética moderna meritocrática de inspiração democrática.

Kant e o imperativo categórico da razão do agir ético: “age tendo a humanidade como fi m e jamais como meio” e “age como se a máxima de tua ação pudesse ser realizada por todos os homens e para qualquer homem”.

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objetivos, as outras coisas têm valor para elas em relação aos seus projetos, as meras coisas, e isto inclui os animais, que não são humanos, considerados por Kant incapazes de desejos e objetivos conscientes. Segundo, e ainda mais importante, os seres humanos têm um valor intrínseco, isto é, dignidade, porque são agentes racionais, ou seja, agentes livres com capacidade para tomar as suas próprias decisões, estabelecer os seus próprios objetivos e guiar a sua conduta pela razão. Uma vez que a lei moral é a lei da razão, os seres racionais são as encarnações da lei moral em si. E a única forma de bondade moral poder existir são as criaturas racionais apreenderem o que devem fazer e, agindo a partir de um sentido de dever, fazê-lo.

Kant deixou para o Ocidente a ideia de que o ser humano é a única coisa com valor moral; assim, se não existissem seres racionais a dimensão moral do mundo simplesmente desapareceria. Tal refl exão foi essencial para que a humanidade deixasse de considerar seres humanos como coisa e abandonasse a ideia da escravidão de outros seres humanos como direito de propriedade, além de estruturar teoricamente a luta por direitos iguais, independentemente de diferenças físicas, psicológicas, culturais e étnicas. E como são os seres cujas ações são sempre conscientes? Kant conclui que o seu valor tem de ser absoluto, e não comparável com o valor de qualquer outra coisa. Se o seu valor está acima de qualquer preço, segue-se que os seres racionais têm de ser tratados sempre como um fi m e nunca como um meio para atingir um determinado fi m. Lança, aqui, numa construção racional, a ideia cristã da igualdade entre os homens e que será o núcleo do Estado democrático.

O Estado democrático é o conjunto de iguais dentro de um determinado espaço geográfi co. Isto signifi ca que temos o dever estrito de buscar a prática do bem, não só para nós mesmos como para as outras pessoas. Temos de lutar para promover o seu bem-estar; temos de respeitar os seus direitos, evitar fazer-lhes mal, e, em geral, empenhar-nos, tanto quanto possível, em promover a realização dos fi ns dos outros.

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Somente se reveste de valor ético a conduta autônoma, fruto da vontade do agente. A conduta heterônoma é aquela que nos faz agir pela vontade alheia, é desprovida de valor moral. “A dignidade humana exige que o indivíduo não obedeça mais normas do que as que ele mesmo se impôs, usando de seu livre-arbítrio”. Os valores kantianos de liberdade, de responsabilidade, de autonomia e de culto ao dever foram incorporados na ética ocidental como valores essenciais à civilização.

Na modernidade conservou-se do cristianismo a ideia de que é virtude a obediência à razão contra o império caótico das paixões; que a virtude é dever e obrigação em face de normas e valores universais; e que a liberdade é o poder humano para enfrentar com suas próprias forças as contingências e a adversidade; que a responsabilidade é marca da honradez virtuosa, pois não há liberdade sem responsabilidade. Mas todos esses termos perderam a universalidade pretendida, pois, lhes falta o centro ordenador: o cosmos antigo ou a providência medieval. Somente com a ideia de civilização será possível definir um novo centro que permitiria o surgimento de uma razão prática com pretensões ao universal no campo ético. Ou seja, há que se viver de acordo com um conjunto de valores expressos por deveres ou imperativos que nos pedem respeito pelo outro, sem o qual uma vida pacífica é impossível.

1.5 As teorias sobre a ética

A ética teoriza sobre as condutas morais; contudo não existe uma única teoria ética. Selecionamos Max Weber, pois foi esse autor que, no nosso entender, que mais desvelou a relação entre ética e profi ssão na sociedade capitalista. Segundo nos ensina Max Weber, há pelo menos duas teorias éticas: a ética da convicção, entendida como deontologia (estudos dos deveres) e a ética da responsabilidade, conhecida como teleologia (estudo dos fi ns humanos).

Há pelo menos duas teorias éticas: a ética da convicção e a ética da responsabilidade.

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Escreve Weber:

...toda atividade orientada pela ética pode subordinar-se a duas máximas totalmente diferentes e irredutivelmente opostas. Ela pode orientar-se pela ética da responsabilidade ou pela ética da convicção. Não que a ética de convicção seja idêntica à ausência de responsabilidade. E esta última sinta a ausência de convicção. Não se trata evidentemente disso. Todavia, há uma oposição abissal entre a atitude de quem age segundo as máximas da ética da convicção – em linguagem religiosa, diremos: “O cristão faz seu dever e no que diz respeito ao resultado da ação remete-se a Deus”- e a atitude de quem age segundo a ética da responsabilidade que diz: Devemos responder pelas consequências previsíveis de nossos dias (1959, p. 185).

Apesar de termos objetivamente só os dois tipos de ética desenvolvidos por Weber, a tradição fi losófi ca ainda difere os diversos tipos de ética dentro da mesma realidade social. Assim, faz-se comumente a seguinte divisão:

A. Ética Normativa: é aquela que se baseia em princípios e regras morais fi xas e que pouco muda com o tempo porque está essencialmente ligada ao seu objeto. Como exemplo pode-se citar a ética profi ssional e a ética religiosa. Nelas as regras devem ser obedecidas ou deixaremos de ser o profi ssional ou o religioso. O descumprimento de suas normas leva-nos a perder a essência do ser.

B. Ética Teleológica: é aquela cujos valores norteadores são julgados por muitos, até imorais. Podemos dizer que é oposta à ética normativa, pois para tal ética “os fi ns justifi cam os meios”. Como exemplo pode-se citar a ética da economia neoliberal, em que os lucros advindos da lei do mercado são sempre “morais”, não importando o número de excluídos e de miséria que provocaram.

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C. Ética Situacional: é aquela que podemos considerar uma ética amoral, ou seja, seus agentes não têm os valores bem demarcados em sua consciência. Assim, mudam de acordo com as circunstâncias e seus interesses de momento. Tudo é relativo e temporal. Como exemplo pode-se citar a ética de alguns políticos e ‘artistas’, na sociedade pós-moderna. Para essas pessoas tudo é possível, pois para quem tem poder vale tudo.

1.6 A classifi cação da ética

A ciência dos valores admite várias classifi cações, porque existem muitas escolas, ideologias ou correntes de pensamento. Quanto mais as sociedades se tornam complexas e as redes de comunicação permitem um contato entre as diversas culturas e visões de mundo, maior é o número de concepções sobre ética.

Preferimos essa classifi cação, uma vez que desenvolve as quatro formas fundamentais de manifestação do pensamento ético na história ocidental. São elas: ética empírica, ética dos bens, ética formal e ética valorativa. Na realidade, os diferentes tipos interpenetram-se e se apresentam como formas ecléticas. O sentido de separação é apenas para facilitar o estudo da ética; portanto foi necessária uma abstração da realidade.

1.6.1 Ética empírica

É aquela em que os princípios foram derivados da observação dos fatos. Mais do que isso, foi a experiência concreta na vida social que levou seus defensores a provar o fato de que sem os valores éticos a vida social é impossível. Seus defensores são chamados de “empiristas” e suas teorias da conduta baseiam-se no exame da vida moral. Segundo os empiristas, os preceitos disciplinadores do comportamento estão implícitos no próprio comportamento da maioria dos seres humanos. Para os teóricos da ética empírica,

Segundo os empiristas os preceitos disciplinadores do comportamento estão implícitos no próprio comportamento da maioria dos seres humanos.

Classes de ética: ética empírica, ética dos bens, ética formal e ética valorativa. Na realidade, os diferentes tipos interpenetram-se e se apresentam como formas ecléticas.

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não se deve questionar o que o homem deve fazer, e sim examinar o que o homem normalmente faz, pois o homem deve ser como naturalmente é, e não se comportar como as normas queiram que ele seja. O drama ocidental foi que o empirismo nos levou ao relativismo.

Como a conduta humana varia de acordo com a cultura e o

tempo histórico, a defesa que os empiristas fazem da existência de uma moral universal, natural e própria do ser humano mostra-se improvável nos dias atuais, tanto que o subjetivismo, próprio da visão da ética empírica, terminou por gerar visões de ética que são opostas ao conceito grego original - defesa da vida comunitária. É possível assim dividir as teorias éticas nascidas da ética empírica:

1.6.1.1 Ética anarquista (subjetiva)

O anarquismo repudia toda norma, todo valor, direito, moral, convencionalismos sociais, religião. Para tal visão tudo constitui exigência arbitrária, nascida da ignorância, da maldade e do medo. Assim, não há legitimidade nas normas, sejam elas morais ou jurídicas. É uma doutrina egoísta, pois nela o que vale é a vontade humana num dado momento. E esta varia de indivíduo para indivíduo, não é possível uma direção para o agir social considerado modelo.

1.6.1.2 Ética utilitarista

Toda ética busca o bem absoluto na vida social. Para a teoria utilitarista só é bom o que é útil: a conduta ética desejável é a conduta útil. A utilidade, porém, é mero atributo de um instrumento. A efi cácia técnica dos meios não corresponde ao valor ético dos fi ns. Exemplo: a arma utilizada para abater animal a ser sacrifi cado em decorrência de portar enfermidade grave é tão útil como aquela de que se serve o assaltante para liquidar sua vítima. Não existe consistência no utilitarismo como aplicação para necessidade de uma conduta ética dos

Não há legitimidade nas normas, sejam elas morais ou jurídicas. É uma doutrina egoísta, pois nela o que vale é a vontade humana num dado momento.

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homens, salvo se referente a uma fi nalidade: a obtenção do supremo bem, a felicidade das pessoas. O utilitarismo tem sentido moral, se entendido como prudente emprego dos meios aptos à consecução de fi ns moralmente valiosos.

1.6.1.3 Ética ceticista

É a ética do cético, a pessoa que põe em dúvida todas as crenças tidas como verdadeiras para as demais pessoas. Uma teoria de ética cética, portanto, é aquela em que o valor moral maior consiste justamente em colocar em dúvida todos os valores aceitos como essenciais para a maioria dos teóricos. O cético, duvidando de tudo, coloca o método fi losófi co como fi m de compreensão da realidade. É dúvida sistemática.

Aqui cabe, mesmo que sucintamente, distinguir entre dúvida metódica e dúvida sistemática. Dúvida metódica é a utilizada como método fi losófi co de busca da verdade última das coisas. Duvidar como instrumento metódico leva a um saber que se aproxima da ausência do erro. Por exemplo, a máxima de Sócrates, “só sei que nada sei”, sustenta que algo se sabe com certeza: sabe-se, ao menos, que nada se sabe. Esse é o primeiro passo no caminho do conhecimento. Sócrates compreendeu o valor da dúvida como método dialético (método de discussão). Já a dúvida sistemática, própria dos ceticistas, é aquela em que se põe em dúvida tudo e de forma permanente. Eles declaram não crer em coisa alguma e aqui, segundo alguns fi lósofos, está seu primeiro e mais profundo erro, pois se fossem realmente céticos, duvidariam até mesmo da sua afi rmação de que em nada creem.

1.6.2 Ética dos bens

A ética dos bens preocupa-se com a relação estabelecida entre o proceder individual e o supremo fi m da existência humana. A ética dos bens defende a existência de um valor fundamental denominado bem supremo, aquele que não pode

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ÉTICA GERAL E PROFISSIONAL

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ser meio de qualquer outro para se obter um fi m. Desta forma, hierarquicamente, a vida pessoal e o prazer de viver são o principal bem supremo. As manifestações mais importantes da ética dos bens são o eudemonismo (confi ança na felicidade como destino humano), idealismo ético (aspiração ao ideal) e o hedonismo.

1.6.3 Ética formal

Para tal teoria, a signifi cação moral do agir ético reside na pureza da vontade e na retidão dos propósitos do agente considerado. Tal retidão de propósito reside na boa vontade do agente ético comportar-se socialmente conforme o seu dever e por dever. Exemplifi cando: conservar a vida é um dever; portanto, se atentamos contra a vida em quaisquer circunstâncias, estaremos descumprimos o dever. Mas, se alguém perdeu todo o apego à vida e mesmo não temendo, ou até desejando, a morte, conserva a existência para não descumprir o dever de conservar a vida, sua conduta tanto externa como internamente está em acordo com a lei moral e possui valor moral pleno; por isso, seu agir é ético.

1.6.4 Ética valorativa

É a ética que pressupõe que os valores devam ser ensinados, pois seus teóricos defendem a ideia de que basta saber o que é a bondade para ser bom. O construtor dessa teoria foi Sócrates, segundo o qual basta conhecer a bondade para ser bom. Para nós, que vivemos no século XXI, tal ideia pode parecer ingenuidade, uma vez que já está profundamente gravado na nossa mente que só algum grau de coerção é capaz de evitar que o homem seja mau. Na sua época, era uma noção perfeitamente coerente com o pensamento, ainda que não com a prática da sociedade grega. Essa ideia é a base que orientará a ética ocidental.

Na ética formal a signifi cação moral do agir ético reside na pureza da vontade e na retidão dos propósitos do agente considerado. Tal retidão de propósito reside na boa vontade do agente ético se comportar socialmente conforme o seu dever e por dever.

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