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ETNOARQUEOLOGIA DA CAÇA ENTRE OS WASUSU (NAMBIKWARA)1
Rafael Lemos de Souza
UFMS/MS
Maria Aurora da Silva
SESAI/GO
O presente trabalho tem o propósito de apresentar dados de pesquisas etnoarqueológicas
realizadas entre os Wasusu, povo Nambikwara que vive no vale do rio Guaporé. Os
trabalhos foram realizados em janeiro de 2013 nas aldeias Central e Anunsu, localizadas
entre os municípios de Nova Lacerda e Comodoro, no sudoeste do estado de Mato
Grosso, Brasil. O objetivo dos estudos foi compreender a materialidade de relações
sociais e os processos históricos ligados às escolhas e uso dos espaços ocupados pelo
grupo para habitações, roças e áreas de caça. Para tanto, foram observadas duas caçadas
feitas por homens adultos, durante as quais foram registradas e analisadas técnicas de
caça, abatimento da presa, esquartejamento do animal caçado e o papel dos homens,
mulheres e de crianças na divisão do animal abatido.
Palavra chave: Etnologia; Caça; Wasusu.
Introdução
Os indígenas do grupo Wasusu são falantes da língua Nambiquara do Sul, e até
os dias de hoje se encontra inserida no tronco Nambiquara, considerado um tronco
linguístico isolado. Segundo Silva (2010) este grupo tem em seu nome o significado de
povo da flauta, denominação dada por outros indígenas falantes desse mesmo idioma.
Os Wasusu são divididos em várias aldeias segmentares. Cada aldeia pertence a
um chefe de família, ou liderança com parentesco do homem mais idoso do grupo,
sendo que os grupos agregam elementos de outras aldeias por conta das alianças
formadas por casamentos. A área territorial deste grupo de acordo com Silva, está
incluso na Terra Indígena (TI), Vale do Guaporé no sudoeste do Estado do Mato Grosso,
com 242.593, hectares, e encontra-se demarcada e homologada desde 1985 pela
Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
Conforme a autora (2010) esta TI ficava anteriormente no município de Vila
Bela da Santíssima Trindade, mas com a construção do novo traçado da BR 364,
atualmente a BR 174 e o aproveitamento de seu antigo traçado, milhares de imigrantes
oriundos de várias partes dos pais a formarem vários vilarejos e se consolidaram as 1 "Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de
agosto de 2014, Natal/RN".
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margens destas rodovias se tornando futuramente cidades sendo elas: Nova Conquista,
Nova Lacerda e Comodoro na região da TI do vale do Guaporé e Nambikwara.
A caça segundo Melatti (2007), pode parecer para muitas pessoas da sociedade
nacional como uma diversão, entretanto para a maioria das sociedades indígenas ela é
de extrema importância, pois a maioria destes grupos tem na caça a busca para
alimentos rico em proteínas. Ainda seguindo o raciocínio do autor supracitado, "um de
nós pode ir caçar se quiser, se gostar, se tiver tempo para isso; mais o índio tem de
caçar, pois é o único meio de se obter carne" (2007, p: 95).
Cabe resaltar que os Wasusu assim como seus vizinhos na TI Vale do Guaporé,
são considerados Nambikwaras da florestas, justamente por morarem neste bioma se
adaptarem bem a ele. Essas diferenças adaptativas apresentam algumas diferenças no
que se refere à alimentação.
Setz (1983) em sua dissertação de mestrado intitulada Ecologia alimentar em um
grupo indígena: Comparação entre aldeias Nambiquara de floresta e de cerrado, informa
que no caso dos Juina, grupo do cerrado, apesar deles terem uma diversidade maior de
itens em sua dieta, utilizam áreas maiores e gastam mais tempo em suas atividades, pois
sua área tem menos abundancia em recursos alimentares que os Alantesu, grupo da
floresta.
Com relação à caça, a abundancia na floresta é maior, provavelmente pela
pobreza do solo do cerrado e a densidade das florestas do vale. Setz (1983), Price
(1981) e Silva (2010), discorrem que não há relatos de caça de longa duração entre os
Nambikwaras. Entretanto, Silva informa que esta é uma pratica diária na aldeia, salvo
quando se abate uma caça de grande porte que pode sustentar uma aldeia de 30 pessoas
por 3 dias. Como a maioria das aldeia do vale não possuem geladeira as carnes para
este caso são moqueadas.
Quando um grupo sai para caçar, Oberg (1953) discorre que entre os
Nambikwaras quando vão para capturar uma caça pequena o caçador costuma ir só, no
entanto, quando estão a busca de uma caça grande que pode sustentar a aldeia por
alguns dia como uma onça ou anta os indígenas saem em grupo constituído por
membros da família.
Os Nambiquara se orgulham de serem capazes de sobreviverem na mata com
uma cultura material mínima, no lugar de artefatos, eles usam o conhecimento (Price,
1981).
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Entendemos que a partir do contato mais intenso com órgãos governamentais e
atualmente com ajudas de programas assistências é possível ver que vários grupos
podem conseguir carne não apenas pela caça, mais por base de troca e compra,
entretanto no passado os grupo do vale tinha uma resistência muito grande em comer
carne de gado, algo que vem diminuindo gradativamente.
A caça pode-se dizer que entre os Wasusu é uma atividade masculina. Porem
algumas vezes as esposas dos caçadores pode acompanha-los em parte da caçada para
buscar o animal abatido e reparti-lo.
Atualmente uma das táticas dos Wasusu é a de caçarem nas reservas legais das
fazendas, pois a densidade dessas matas é menor do que a de suas florestas que são
muito densas. Nessas reservas fica mais fácil de visualizar os rastros e a própria presa
que será abatida, alem da facilidade de locomoção que suas áreas não proporcionam.
Acompanhei as caças com indígenas jovens adultos com idade aproximada de 35
anos, sendo que estes homens nasceram em uma época que os latifundiários estavam se
instalando na região. É importante salientar que antes de um contato intenso com a
sociedade envolvente as florestas fechadas ocupavam quase que totalmente seus
territórios devido a ausência de fazendas que foram se instalando com frequência maior
na década de 1970. Os tipo de equipamentos utilizados pelos indígenas para a pratica de
caça são variados e alguns são específicos para o tipo de caça que será feita.
Os Nambiquara se orgulham de serem capazes de sobreviverem na mata com
uma cultura material mínima, no lugar de artefatos, eles usam o conhecimento (Price,
1981).
Tabus
É proibido o abate de animais de estimação, esse só é feito por outros integrantes
do grupo. Durante as caças, pode ocorrer de encontrarem alguns filhotes de animais,
como no caso dos quatis: os quatis quando pequenos algumas vezes são adotados,
conforme vão crescendo e se tornando perigoso para as crianças, (mordidas) eles são
sacrificados, entretanto é vetada o consumo de sua carne, pois como era de estimação
ele fez parte da família que o adotou.
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Os indígenas também ressaltaram que se comerem animais de estimação as
crianças podem adoecem, entretanto outra família pode consumir este animal. Outro
tabu alimentar é referente às parturientes. As mulheres com recém-nascidos não podem
comer animais que sangram muito, pois isso pode trazer complicações no pós-parto.
Elas podem comer animais como: jabuti, aves e larvas de insetos.
Tabela: Animais mais caçados pelos grupos indígenas do vale do Guaporé
Nome Popular Nome Cientifico
Anta Tapirus terrestris
Cateto Tayassu tajacu
Queixada ou Porco do Mato Tayassu pecari
Quati Nasua nasua
Paca Agouti paca
Cotia Dasyprocta SP
Jabuti Geochelone denticulata
Macaco bugio Alouatta SP
Macaco barrigudo Lagothrix lagotricha
Macaco quatá ou Macaco aranha Ateles paniscus
Macaco Prego Sapajus
Tatu canastra Priodontes maximus
Tatu galinha Dasypus novemcinctus
Ema Rhea americana
Mutum Cracidae
Jacutinga Pipile jacutinga
Veado campeiro Ozotoceros bezoarticus
Veado mateiro Mazama americana
Tamanduá bandeira Myrmecophaga tridactyla
Tamanduá mirim Tamandua tetradactyla
Quando um chefe de família sai para buscar carne pra sua família, ele vai só. Sua
esposa lhe prepara bebida, chicha de milho, banana ou cará. Ele come o que tiver
disponível dentro de casa, alimentos preparados por sua esposa. Ele examina novamente
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o fio da faca, as pontas das flechas e as penas que dão equilíbrio as flechas. Levanta-se
do chão, onde estivera sentado, examina seus objetos de caça e sai. Em tempos antigos
eles saiam completamente nus porque qualquer vestimenta o atrapalharia a perseguir
sua presa.
Eles costumam sair com um pequeno alforje pendurado nas costas onde carrega
sua faca, fumo e folhas de mamoneira para o cigarro item importante na sua caçada.
Carrega também seu arco e suas flechas. O caçador leva o mínimo de coisas possível
para sua caçada, pois ele precisa estar com o corpo livre para se mover com agilidade, e
os braços livres de qualquer peso que possam atrapalhar o esticar o arco e disparar a
flecha.
Costumam ir caminhando sem presa, sabe que está indo caçar e precisa ter
cuidado, pois em uma caça, principalmente solitária, o caçador pode ser surpreendido
por uma cobra (Itisu) ou pelo Atasu2. Existe vários perigos na floresta um homem
sozinho precisa ter atenção redobrada. Um homem quando saí para caçar sozinho
precisa voltar para casa no mesmo dia, mesmo que seja tarde da noite.
Ao ver o rastro de um animal, como o jabuti, o índio caçador segue o rastro. O
jabuti é um animal lento, por isso logo ele o encontra com certa facilidade, por isso a
preferência por matas mais abertas, pois fica mais fácil de visualizar sua caça,
principalmente se o animal for baixo. O animal é pego e virado de costas para que não
fuja. O caçador enrola e acende um cigarro de folha de mamoneira do campo, da
algumas baforadas, puxa de novo a fumaça para o peito, e assopra a fumaça sobre o
casco do jabuti, perguntando onde estão as caças daquela região, o jabuti sabe, porque
ele é lento, e muitos animais passam perto dele.
Para o lado que a fumaça seguir é o lado onde estão os animais de maior porte
que passam fazendo muito barulho, como a anta, o veado os porcos, e a onça que tem
uma pisada leve, difícil de ouvir, por isso ela usa o fator surpresa para abater uma caça.
Então o caçador observa satisfeito o rumo que a fumaça segue. Ele arranca com sua faca
embiras de uma árvore, prepara um tipo de suporte de embiras, para transportar o jabuti
ainda vivo para casa, caso não encontre outro animal, o jantar vai estar garantido com o
saboroso fígado de jabuti.
2 Atasú (diabo), segundo Silva (2010), trata-se de um personagem mítico que sempre está à espreita
tentando enganá-los, com intuito de trazer morte e destruição para as aldeias, e transformar espíritos
insepultos em ynhaukitesu - espíritos, sombra ou fantasmas que podem vir a aldeia trazer doenças, ou
mesmo se apresentar ao caçador como homem, dando informações falsas, fazendo com que ele se perca
ou morra na floresta.
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Foto 1: Jabuti capturado com suporte de embira
Fonte: Rafael Lemos de Souza.
Durante uma etapa de campo em janeiro de 2013, Rafael participou de uma
caçada de jabutis com três indígenas adultos da Anunsu. Antes da caçada ainda na
aldeia, começaram os preparativos, todos, amolavam facas e preparavam seus alforjes
colocando fumo e as folhas de mamoneira enquanto suas esposas preparavam seus
mantimentos como água, meio pacote de açúcar e chicha. Nenhum deles levava arco e
flechas, pois eles tinham decidido um dia antes que iriam caçar jabuti, Entretanto um
deles foi com uma espingarda; pois acontecesse de cruzarem intencionalmente com
outro animal eles teriam como abater a presa.
Fui com esses indígenas até a entrada de uma fazenda que ficava
aproximadamente a 8 km da aldeia, no limite de seu território. Adentramos na fazenda e
partimos para reserva legal da propriedade. Perguntei para eles se não haveria
problemas por entrarmos em terra particular, mais eles falaram que o fazendeiro não se
importava.
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Ao entrarmos na mata andamos para fazer um reconhecimento do local. Os
indígenas se dispersaram, e eu fiquei acompanhando um deles na caçada. Após 10
minutos examinando a área escolhida o indígena pede que eu fique parado (acredito que
estava fazendo muito barulho com meu caminhado sem jeito na mata) e avança mata a
dentro, cerca de 5 minutos ele volta com um jabuti. Então o caçador coloca o jabuti
virado no chão, pega sua faca e retira um pedaço de embira da arvore e faz como
suporte (foto acima) para carregar e/ou manter o jabuti sobre seu controle.
Depois de ter pego o jabuti o caçador para um pouco para descansar, abre um
pote que contem açúcar e mistura com água para beber. Depois de uns 15 minutos,
levantamos e fomos procurar outro lugar para encontrar mais jabuti. Depois de
escolhida a área novamente o indígena pede para que eu espere e ele vai procurar sua
presa, ele volta depois de meia hora e não encontra nada. Ele sugere que procuremos
outro lugar para procurar o jabuti, andamos por mais um tempo até que ele elege o lugar
onde vai vistoriar com mais precisão. Novamente me é solicitado que espere no lugar
enquanto que procura por cada canto da área que ele elegeu. Depois de 30 minutos ele
aparece com outro jabuti e refazemos todo o processo anterior.
Por volta da 16 horas, encontramos com o caçador que estava com a espingarda,
ele capturou apenas um jabuti. Voltamos para a estrada e mais a frente encontramos o
terceiro caçador, ele estava com dois jabutis bem grandes. Essa caça garantiria comida
por um dia na aldeia, que possui em torno de 50 moradores. Ao chegar à aldeia, cada
um vai com seu jabuti para a casa, mais quando o processo de preparação da carne é
feito começa a distribuição. O primeiro pedaço o caçador da para líder familiar do grupo
sendo ele: pai ou sogro, isto foi o que aconteceu nesta aldeia, os dois indígenas que não
são naturais daquela aldeia, foram em seus respectivos sogros e lhes deram uma
generosa parte da caça. Entretanto esta liderança reparte o que recebeu entre seus outros
filhos, netos e aos seus próximos. Ninguém na aldeia fica sem carne, mesmo que não
tenha participado da caça.
Ninguém fica fora da distribuição da carne. Às vezes a família do caçador fica
com a menor parte. Alguém generoso que sabe repartir o que tem, detém maior prestígio
e poder junto ao grupo. A Caça é repartida da seguinte maneira, a sogra fica com a
maior parte da caça. Uma estratégia do caçador, caso ele fique sem carne seus filhos vão
ter onde comer, Depois o restante da caça é distribuído entre os cunhados que recebem
um bom pedaço, finalmente chega a vez dos parentes mais distantes, ou mesmo taxados
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de preguiçosos, que tem preguiça de sair em busca de caça. Esses ganham um pedaço
menor.
Caça coletiva
Esta caça que descreveremos, aconteceu um dia após a caçada dos jabutis. Era
uma manhã bem cedo, uma mulher chegou correndo na escola onde estávamos
hospedados, ela trazia a noticia de que havia tatu canastra (Priodontes maximus)
próximo à aldeia. Todos ficaram atentos porque este animal é uma iguaria escassa,
difícil de se encontrar e devido a isso começou uma grande movimentação na aldeia que
animou até mesmo o velho Assegu com a possibilidade de comer o animal. Saímos
todos da casa seguindo a mulher que nos guiava aos rastros do animal. Logo alguém
gritou avisando ter encontrado o buraco do tatu e nos dirigimos para lá onde havia dois
buracos que o tatu havia feito. Nem eu e Aurora até então havíamos presenciado uma
caça ao tatu canastra, nem imaginava que fosse necessário o envolvimento de tantas
pessoas.
Maria Aurora relatou-me que uma vez foi ao local onde um casal Nambikwara
arrancaram um tatu canastra da terra, mas eles, levaram dois dias para vencer a sua
presa. Neste caso a caça ao tatu que estávamos presenciando, continha muitas pessoas
para cavar. Os indígenas cavavam em um lugar, mas o tatu ao perceber a aproximação
mudava sua direção, aí começava tudo de novo. Ao todo foram cavados quatro buracos
para pegar o animal e abatê-lo.
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Foto 2: Abertura de buraco para caça do tatu
Foto: Rafael Lemos de Souza (2013)
Como o local era próximo da aldeia a movimentação era constante, uns vinham
olhavam e voltavam para a aldeia. Algumas mulheres vinham observar os homens
tentando pegar o animal e acabavam trazendo ferramentas, chicha e água. A água que
estava sendo consumida estava em um vasilhame que antes fora utilizado originalmente
como recipiente de agrotóxico. Falamos do perigo daquele recipiente, mas os indígenas
disseram que ele foi bem lavado com sabão e que havia ficado de molho por dois dias.
Também falaram que fazia um bom tempo que usavam estes galões e ninguém ficou
doente. Entretanto resolvi experimentar um pouco da água e na mesma hora senti um
gosto forte provavelmente do produto químico deste recipiente.
Com relação a cultura material utilizada para esta caça, foram utilizados:
enxadas e enxadões para limpar a área e iniciarem as escavações dos
buracos.
Pás para retirada da terra dos buracos.
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Facões para cortar pedaços de galhos das arvores.
Faca, que foi utilizada para ferir a presa e descarna-lo.
Corda para amarar a cauda do jabuti no buraco para puxa-lo.
Galões de água para beber.
Chicha para se manter alimentados e assim permanecem no local durante
todo o processo.
Facões com a ponta quebrada para abrir tuneis nas paredes dos buracos.
Cavadeiras para aprofundar os buracos.
Machado que foi utilizado principalmente para abater o tatu e para o
descarne inicial do animal citado.
Foto 3: Reutilização de vasilhame de agrotóxico
Foto: Rafael Lemos de Souza (2013)
Penso ser importante abordar sobre os agrotóxicos, pois alem destes recipientes
usados por eles, os indígenas do vale do Guaporé sofreram na década de 1970 e 1980
com o uso por parte dos fazendeiros do "agente laranja" Tordon 155 br da fabricante
Dow Chemical que os latifundiários jogaram em cima de suas aldeias e roças de avião
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alem de "presentearem" os indígenas com os recipientes destes produtos para o
armazenamento de água.
Sabemos que desde 2002 é proibido o descarte destes recipientes:
[...] a3 devolução das embalagens de agrotóxicos pelo produtor rural, passou a
ser obrigatória desde o dia 1º de junho de 2002, quando entrou em vigor a lei
federal nº 9.974, uma versão "aprimorada" da lei de Agrotóxicos de 1989,
que regulamenta o uso, a produção e fiscalização de produtos químicos. O
objetivo é diminuir o risco de contaminação ao meio ambiente e das pessoas
que têm contato com os produtos.
Ainda neste sitio eletrônico é apresentado as recomendações para o descarte de
tais embalagens:
A lei determina que o produtor tem o prazo de 1 ano, a partir da data de
compra do defensivo, para devolver a embalagem tríplice lavada para a
unidade de recebimento credenciada. Para tanto, o agricultor deve:
Guardar a nota fiscal de compra do defensivo e a receita agronômica;
Manter temporariamente as embalagens desconta minadas na propriedade. O
local deve ser coberto, ventilado, ao abrigo de chuva ou no próprio local onde
são guardadas as embalagens cheias.
Devolver as embalagens vazias na unidade de recebimento indicada pelo
revendedor.
Houve um revezamento nas escavações os buracos feito pelos índios era de
aproximadamente 1 metros de diâmetro e aproximadamente 1,40 de profundidade, nele
tinha que caber um jovem que se arrastava dentro do buraco tirando terra na tentativa de
pegar o rabo do tatu e puxar para feri-lo com uma faca para enfraquecer o animal.
Os jovens de 18 a 30 anos eram os que mais trabalhavam cavando novos buracos
no sentido de cercar o animal, vários assuntos eram tratados na língua, mais sempre
tentavam falar em português para que entende-se o que eles estavam falando. Até
Waioko segundo índio mais velho da aldeia ajudou a cavar o buraco, queria mostrar sua
força para os mais jovens e Assegu o ancião da aldeia, ficou por volta de 40 minutos
observando os índios mais jovens cobertos de terra cavando e procurando o animal, ele
trouxe um facão, e fumo na área, acredito que era sua colaboração na caça. Quando não
havia mulheres na área da caçada principalmente Aurora, os homens ficam mais a
vontade para conversar alguns assuntos comigo e dependendo da resposta que eu dava a
eles era gargalhada na certa. Eles queriam saber principalmente porque eu não era
casado, porque eu não tinha filhos etc.
3 3 http://www.gruposinagro.com.br/descarte-de-embalagens.php
12
No início da abertura do terceiro buraco começou a sair alguns objetos como
restos de lanternas e algumas pequenas estruturas metálicas. Quis entender o porque
daquele material, ai um indígena me falou que aquela área onde estávamos caçando era
a antiga aldeia deles e que provavelmente estaríamos na área dos fundos de uma antiga
maloca, pois a 5 metros dali era uma antiga roça. Até então não tinha percebido que
naquela área as arvores eram menores e mais finas que as arvores do entorno e então
pude perceber que aquilo se tratava de um ecofato, pois se tratava de um espaço que já
tinha sido modificado pelo homem e estava se reestruturando.
Foto 4: Resto de cultura material (lanterna)
Foto: Rafael Lemos de Souza.
Neste meio tempo eles me contaram a trajetória da aldeia, pois em 1985 a
Fundação Nacional do Índio (FUNAI), ajudaram eles a se estabelecem naquela área,
que fazia parte do território dos Haihantesu4. Inicialmente eles foram deslocados para
área onde atualmente mora a liderança da aldeia, separada da grande aldeia
4 Informação sobre o que ocasionou a saída deles de seu território tradicional pode ser vista em Silva
(2010)
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aproximadamente 1 km. Está área em época de chuva alagava muito, principalmente na
entrada da aldeia.
Em menos de um eles transferiram para á área onde estávamos cavando os
buracos para pegar o animal. Pouco depois um chefe de posto da Funai, não queria
morar muito próximo aos indígenas então construiu sua casa á 150 metros daquele
ponto, entretanto o grupo resolveu se mudarem dali para mais próximo ao agente
indigenista.
Já estavam no quarto buraco, quando perceberam ter vencido o animal pelo
cansaço, um jovem adulto Hahaitesu que reside na Anunsu com os dois filhos, era o
mais esforçado, enfiou se no buraco com toda sua destreza, ficando só um pedaço de
suas pernas e pés de fora. ele com a voz abafada pediu uma faca que lhe foi entregue,
enfim ele conseguiu ferir o animal, assim ele foi puxando o bicho que resistia, parece
não lembro bem se uma corda foi entregue para amarrar e puxar.
O tatu era muito forte, e foi difícil de ser retirado do buraco, foi preciso três
homens dentro do buraco para começar a puxar a presa enquanto havia mais três
homens fora do buraco. O tatu foi retirado do buraco, os indígenas que mais trabalharam
estavam visivelmente cansados, ficou um bom saldo de buracos no solo da aldeia
antiga. o tatu morto foi colocado nas costas de um jovem que levou o animal para o
pátio da aldeia, era umas 3 da tarde, ali sob um balaio de meio porte e depois de
esquartejado suas partes foram colocadas sob folhas de bananeira e o animal foi
distribuído. Sua carne durou apenas um dia, pois esta aldeia comporta por volta de 50
moradores.
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Foto 5: Tatu canastra pronto para ser esquartejado.
Foto: Rafael Lemos de Souza.
Referencias Bibliográficas
MELATTI, Julio César. (2007) Índios do Brasil. São Paulo: Edusp.
OBERG, Kalervo. (1953) Indians tribes of Mato Grosso, Brazil. Whashington, DC:
Institute of Social Anthropology, Publ. 15.
PRICE, Paul David. (1981) What lands should be reserved? Cult. Surv. Occ. Paper,
6:59-63.
SETZ, Eleonore Zulnara Freire. (1983). Ecologia alimentar em um grupo indígena:
comparação entre aldeias Nambikwara de Floresta e de Cerrado. Dissertação (Mestrado
em Biologia). UNESP, Campinas.
SILVA, Maria Aurora da. (2010) O povo da flauta: Etnografia do povo Wasusu (MT)
Através de um olhar indigenista (1976-2010). Monografia (Graduação em
Antropologia). Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO).