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EUKLEÈS THANATÓS
Newton ScheuflerProfessor de Estética e Artista Plástico
E pois com a nau no mar içamos velas... e contra o mar divino lançamos o navio negro dos argivos.
Bela nave cuja proa adornada de imagens esculpidas em ouro rasga a pele do titã Oceano. Ao pé das
muralhas de Tróia Heitor está agora parado. Ele sabe que vai morrer, Atena o enganou; todos os
deuses o abandonaram. O destino de morte (moîra) já se apoderou dele: “Não, eu não pretendo morrer
sem luta e sem glória (akleiôs) como também sem algum feito cuja narrativa chegue aos homens por
vir (essoménoisi puthesthai)”. Heitor busca a “bela morte”. A “bela morte” é a morte gloriosa, eukleès
thanatós. Ela eleva o guerreiro desaparecido ao estado de glória por toda a duração dos tempos
vindouros; e o fulgor dessa celebridade, kléos, que adere doravante a seu nome e a sua pessoa,
representa o termo último da honra, seu extremo ápice, a areté realizada.
Há para os gregos de outros tempos uma ponte inequívoca entre a Beleza, a Nobreza e a Verdade.
A partir da experiência estética aqueiojonicadoricomicenocretense poderíamos pensar uma
“Genética” do Belo, a busca pela essência do Belo enquanto Verdade. No entanto, desde Nietzsche,
tornou-se mais interessante, e apropriado, falar de uma “Genealogia” da Beleza, uma crítica do Belo, a
busca de um valor, de uma força aplicada desde sua origem, sobreposta a uma dimensão que virá a
portar a designação da Beleza – o seu nome – e é justamente esta ação de nomear que realiza o
mistério da passagem de Kaos a Kosmos...
Da mesma forma a Arte engendra a passagem do oculto ao manifesto, pois, criar é instituir o ser,
fora do qual há apenas o abismo, o vazio. Assim, se o gesto criador engendra sentido, engendra , ao
mesmo tempo, valor. Um valor instituído na origem de uma idéia – particular – de Beleza.
Onde quer que o gesto artístico se manifeste – sob a égide de qualquer uma de suas linguagens—
haverá Beleza. Não uma Beleza absoluta (Genética), mas uma Beleza instaurada pela arte como
“valor”, na busca de uma possibilidade de sentido.
Atualmente é possível falar de uma beleza horrível, de uma beleza grotesca, é possível fazer
referência a uma estética da fome, da miséria, da violência. No entanto, mesmo que em muitos
momentos seja difícil compreender os limites daquilo que podemos chamar de Arte, há uma espécie de
gesto artístico que revela o oculto, que forma o não-formado e que, inevitavelmente, dá voz à Nobreza,
à Verdade, enfim, à Beleza.
Nos dias que correm o Belo não reside mais, apenas, na obra em si. Ele foi incorporado ao fazer e
atualizado a cada vez que um artista executa uma ação criativa, pois, esta, é sempre um movimento
libertário do espírito, na medida em que a Arte é o campo privilegiado para o exercício da liberdade
humana. Se, contudo, como ainda afirmam alguns, a Arte morreu, foi uma bela morte, que deixou um
nome na história e uma narrativa aos que virão. Que a massa ignara não ultraje seu cadáver.
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