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79 EVOLUÇÃO DA RENDA NAS FAMÍLIAS AGRÍCOLAS E RURAIS: Brasil, 1 9 9 2 - 1997 Mauro Eduardo Del Grossi Instituto Agronômico do Paraná - IAPAR. Rod. Celso Garcia Cid, km 375. Três Marcos. Londrina - PR, 86047-902 delgross @pr. gov.br José Graziano da Silva UNICAMP, Instituto de Economia. Caixa Postal 6135. Campinas-SP, 13083-970 graziano@eco. unicamp.br A análise das rendas recebidas pelas pessoas sempre sofre todas as limitações de pesquisas do tipo declaratórias, sendo a mais importante.delas a subestimação dos valores, em particular das rendas mais altas (Hoffmann, 1988). Mas as rendas declaradas nas PNADs, além das mesmas limitações das demais pesquisas do tipo, apresentam um viés na declaração das rendas variáveis, especialmente daquelas que não são mensais. Isso porque as PNADs pedem que as pessoas informem o rendimento do último mês no caso de serem fixos (como os assalariados), e uma estimativa da média mensal no último ano para os rendimentos variáveis. O quesito para quem tiver renda variável solicita que o declarante informe o valor médio do rendimento bruto, no caso do empregado, ou da retirada, no caso de conta própria ou empregador; entendendo-se por retirada "o ganho (rendimento bruto menos as despesas efetuadas com o empreendimento, como, por exemplo, pagamento de empregados, matéria- prima, energia elétrica, telefone etc.)" 1 . Essa formulação, para ser respondida corretamente, obrigaria o declarante a realizar várias operações aritméticas, além de ter que estimar os custos de produção passados, com os valores devidamente atualizados. 1 Ver o Manual de Entrevista da Pesquisa Básica: quesito 53, p.218-9 (IBGE, 1995).

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EVOLUÇÃO DA RENDA NAS FAMÍLIAS AGRÍCOLAS E RURAIS: Brasil, 1992-1997

Mauro Eduardo Del Grossi Instituto Agronômico do Paraná - IAPAR. Rod. Celso Garcia Cid, km 375. Três Marcos.

Londrina - PR, 86047-902 delgross @pr. gov.br

José Graziano da Silva UNICAMP, Instituto de Economia.

Caixa Postal 6135. Campinas-SP, 13083-970 graziano@eco. unicamp.br

A análise das rendas recebidas pelas pessoas sempre sofre todas as limitações de pesquisas do tipo declaratórias, sendo a mais importante.delas a subestimação dos valores, em particular das rendas mais altas (Hoffmann, 1988). Mas as rendas declaradas nas PNADs, além das mesmas limitações das demais pesquisas do tipo, apresentam um viés na declaração das rendas variáveis, especialmente daquelas que não são mensais. Isso porque as PNADs pedem que as pessoas informem o rendimento do último mês no caso de serem fixos (como os assalariados), e uma estimativa da média mensal no último ano para os rendimentos variáveis.

O quesito para quem tiver renda variável solicita que o declarante informe o valor médio do rendimento bruto, no caso do empregado, ou da retirada, no caso de conta própria ou empregador; entendendo-se por retirada "o ganho (rendimento bruto menos as despesas efetuadas com o empreendimento, como, por exemplo, pagamento de empregados, matéria-prima, energia elétrica, telefone etc.)"1. Essa formulação, para ser respondida corretamente, obrigaria o declarante a realizar várias operações aritméticas, além de ter que estimar os custos de produção passados, com os valores devidamente atualizados. 1 Ver o Manual de Entrevista da Pesquisa Básica: quesito 53, p.218-9 (IBGE, 1995).

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No caso específico das rendas agrícolas, cujos preços e custos variam sazonalmente, os cálculos seriam ainda mais complicados mesmo para aqueles produtores que tenham uma contabilidade atualizada, os quais são uma pequena minoria no país. Além disso, como a PNAD é realizada na última semana de setembro, a grande maioria dos produtores agropecuários do Centro-Sul do país - a área mais importante do ponto de vista da produção - já está iniciando um novo ano agrícola e tem que reportar às estimativas do que foi produzido (e possivelmente comercializado) no semestre anterior. Em períodos de inflação elevada, como a existente antes do Plano Real, a atualização desses valores é fundamental na medida em que se estarão somando valores de épocas e regiões diferentes, o que dificilmente é realizado.

Além disso, como observa Del Grossi (1999, p .110) , na produção familiar, há uma parcela dos produtos que são destinados ao autoconsumo que não é declarada como parte da renda total. Essa dificuldade de estimar o valor da produção autoconsumida, agravada pela dificuldade de estabelecer uma retirada média mensal de produtos sazonais, sugere que, provavelmente, a renda dos conta-própria esteja subdeclarada. Segundo o autor, uma indicação nesse sentido é o fato dos salários médios dos empregados agrícolas com registro em carteira serem maiores que os rendimentos dos trabalhadores agrícolas conta-próprias no período 1992/95, considerando-se apenas a população ocupada com domicílio rural. Essas afirmações também podem ser observadas na Figura 1, que abrange o período 1992/97.

Infelizmente, sem uma outra pesquisa de campo, não é possível corrigir essa subestimação das rendas variáveis nas PNADs, especialmente aquelas de origem agrícola. A opinião de especialistas, todavia, indica que a subestimação maior não é das rendas agrícolas, mas sim da subdeclaração das rendas mais altas. Assim, se a renda dos conta-própria está subdeclarada, a renda dos empregadores está mais subestimada ainda, e não por falha do instrumento de coleta, mas sim pela subdeclaração das rendas das pessoas mais ricas. (Hoffmann, 1999)2.

Em que pesem essas limitações, as PNADs representam a mais atualizada e abrangente base de dados do país para a análise da ocupação e dos rendimentos pessoais.

Com base nos dados da PNAD de 1990, Graziano da Silva (1999a) mostrou que dentre os residentes no meio rural as rendas não-agrícolas são

Em trabalho inédito, o autor estimou que as rendas pessoais declaradas na PNAD de 1995 subestimou o PIB per capita dos brasileiros daquele ano em mais de 40% nas regiões mais ricas do país.

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substancialmente maiores que as agrícolas dentro de uma mesma região do país. Segundo o autor, a renda média das pessoas ocupadas em atividades agropecuárias só era superior à renda média dos ocupados em serviços pessoais na região Centro-Oeste; para o restante do país e para todos os demais ramos de atividades, as pessoas residentes no meio rural e ocupadas em ramos de atividades não-agrícolas tinham uma renda média maior do que a dos que trabalhavam em atividades agropecuárias. Em alguns ramos, essa diferença chegava a ser de 4 a 5 vezes maior, como, por exemplo, no caso das pessoas ocupadas em serviços auxiliares da produção e na administração pública da região Sul. Para o país como um todo, as rendas médias das pessoas residentes em áreas rurais superam em quase um terço a renda das atividades agropecuárias. Isso significa que eram as rendas provenientes das atividades não-agrícolas que puxavam para cima a renda média das pessoas residentes no meio rural brasileiro no início dos anos 90s.

Figura 1. Evolução dos rendimentos médios do trabalho principal da população rural ocupada, segundo a posição na ocupação. Brasil, 1992-97.

E = Empregados; CTPS: registro em Carteira de Trabalho. Deflator: INPC. Fonte: Projeto Rurbano, IE/UNICAMP.

Outra constatação do autor foi que, para o mesmo ramo de atividade, a renda média das pessoas com domicílio urbano era sempre maior que a renda média das pessoas com domicílio rural. Dentre as pessoas que trabalhavam em atividades agropecuárias, em 1990, as que moravam na cidade ganhavam em média quase três vezes mais que as que moravam no campo; e a renda das pessoas ocupadas em atividades não-agrícolas que

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moravam no campo estava mais próxima da renda das pessoas com residência urbana ocupadas no mesmo ramo de atividade do que a renda das pessoas ocupadas em atividades agropecuárias. Ou seja, eram as rendas agrícolas que efetivamente puxavam para baixo a renda média das pessoas residentes no meio rural brasileiro em 1990.

Os dados das PNADs mais atuais referendam as mesmas conclusões anteriores (Figuras 2 e 3), mostrando que as pessoas ocupadas na agricultura são as com os menores rendimentos, só ganhando dos ocupados no ramo de serviços. Salienta-se que entre as pessoas ocupadas nas atividades agrícolas estão compreendidas desde os proprietários rurais até os empregados sem carteira assinada (Figura 1 ) , enquanto que entre os trabalhadores ocupados no ramo da prestação de serviços predominam os empregados com e/ou sem registro em carteira. No total das rendas rurais, a agrícola tem permanecido estagnada e com tendência de queda (Figura 4), não somente porque está se reduzindo o número de pessoas ocupadas na agricultura (Graziano da Silva & Del Grossi, 1997), mas também porque há uma tendência de queda nos preços dos produtos agrícolas pagos aos produtores rurais (Monteiro, 1 998). Nota-se que as rendas não-agrícolas da população rural vêm crescendo desde 1 9 8 1 , aproximando-se do total das rendas agrícolas, já em 1997.

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Fonte: Projeto Rurbano, IE/UNICAMP. Deflator: INPC.

Evidentemente, há muitas razões que justificam as diferenças, anteriormente apresentadas, inclusive uma provável maior subestimação das rendas agrícolas dos empregadores e conta-própria "vis-à-vis" os rendimentos

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provenientes do trabalho assalariado, como já alertamos anteriormente3. Nossa intenção, entretanto, é chamar a atenção para o fato de que as rendas das atividades agropecuárias estavam entre as menores que se pagavam no país, tanto no meio urbano quanto no rural. E que, portanto, a possibilidade de encontrar ocupações não-agrícolas era fundamental para elevar - e porque não dizer, também, estabilizar - as rendas das famílias residentes no meio rural. Gasson (1988), por exemplo, argumenta que foi só com as rendas não-agrícolas que se conseguiu atingir os dois principais objetivos sempre perseguidos, mas até então nunca alcançados das políticas agrícolas dos países desenvolvidos: estabilizar e elevar a renda das famílias rurais ao nível das urbanas.

EVOLUÇÃO DA RENDA MÉDIA FAMILIAR

Antes de mais nada, convém explicitar que, neste trabalho, nossa unidade de análise são as famílias extensas que agregam, além da família nuclear, os parentes e agregados que vivem no mesmo domicílio4. Procuramos construir, assim, uma unidade de consumo e renda das pessoas que vivem sob um mesmo teto e que partilham entre si um "fundo comum" de recursos monetários e não-monetários.

A Tabela 1 apresenta a evolução das rendas médias das famílias brasileiras no período 1992/97, segundo o local de domicílio e a tipologia que estamos considerando (Del Grossi & Graziano da Silva, 1998). Vale a pena destacar que não foram consideradas as famílias sem declaração de renda e/ou com renda nula5. Os procedimentos metodológicos adotados estão resumidos no Anexo deste volume.

3 É oportuno relembrar que em 1990, quando ainda vigorava o Plano Collor, os níveis de inflação eram bastante reduzidos, o que diminui os problemas de atualização dos valores recebidos em períodos de tempo diferentes, como no caso dos agricultores vis-à-vis os assalariados.

4 Foram excluídos os pensionistas (pagavam pensão ao responsável do domicílio), empregadas domésticas e seus parentes.

5 A justificativa para esse procedimento é que, primeiro estamos considerando as famílias extensas, ou seja, além das famílias mononucleares do IBGE, incluímos também outros familiares e agregados que residem no mesmo domicílio, o que evita a exclusão dos casais de filhos que continuam a morar na casa paterna sem outra fonte de renda. Segundo, a maioria dos casos de famílias extensas sem declaração de renda ou declaração de rendimento nulo no mês de setembro na PNAD de 1997 era de famílias não-agrícolas com residência urbana de empregadores (75 mil), conta-própria (206 mil) e outros ocupados (206 mil) e de famílias de conta própria com residência rural agrícolas (75 mil) e pluriativos (53 mil), além de outras 61 mil de conta-próprias agrícolas (20 mil) e pluriativos (41 mil) com residência urbana. Ou seja, aparentam ser casos de famílias muito mais com dificuldade de estimar um valor médio mensal para suas atividades - tal como exige o quesito da PNAD anteriormente referido - que efetivamente famílias sem qualquer rendimento.

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Antes de mais nada, é preciso chamar a atenção para a grande disparidade das rendas médias que ainda persistia em 1997 entre a situação urbana e rural e entre os diferentes tipos de famílias que estamos considerando. Assim, por exemplo, a renda média das famílias residentes no meio rural (R$ 404,16) é menos da metade da renda das famílias urbanas (R$ 1.070,80). Mesmo quando se considera o mesmo tipo de família, as diferenças ainda são substanciais: as de conta-própria que em 1997 residiam em áreas urbanas tinham uma renda média quase três vezes maior que as que residiam no campo; até mesmo entre os trabalhadores agrícolas a diferença é substancial: as famílias que residiam na cidade tinham uma renda média quase 2,5 vezes maior que aquelas que residiam em áreas rurais.

Quando comparamos as rendas médias entre os tipos de famílias em 1997, podemos notar que:

- a renda média das famílias de conta-própria agrícolas e de trabalhadores agrícolas representam um terço e um quarto, respectivamente, da renda média familiar geral, independentemente de residirem ou não na cidade, indicando que são as atividades agrícolas que geram efetivamente as menores rendas;

- a renda média das famílias agrícolas e pluriativas de conta própria e de trabalhadores residentes no meio rural são inferiores até mesmo à das famílias de não-ocupados urbanos;

- os empregadores agrícolas com residência urbana e mais de dois empregados possuíam uma renda bem superior à dos pluriativos e quase o dobro da renda familiar dos empregadores agrícolas com mais de dois empregados com residência rural, indicando claramente que os grandes proprietários agrícolas têm residência urbana.

Vale a pena alertar que a renda de empregadores agrícolas (especialmente daqueles com mais de dois empregados) mostra-se maior que a dos não-agrícolas em grande parte porque a variável posição na ocupação não discrimina bem os patrões urbanos, uma vez que muitos deles se declararam "empregados de suas próprias empresas" (Fishlow, 1973).

A Tabela 1 mostra também a evolução das rendas médias das famílias

extensas segundo o local de domicílio, no período 1992/97. O deflator é o INPC, também utilizado pelo IBGE para comparação dos resultados das PNADs entre si. Chama a atenção no conjunto das taxas de crescimento apresentadas para o período 1992/97 que a maioria delas é positiva e

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significativa. Mas, entre as rendas familiares que não crescem estão justamente as das famílias agrícolas de empregadores com até dois empregados permanentes e das famílias de conta-própria também agrícolas (as quais, ao contrário, tiveram quedas significativas), que são exatamente o público potencial do PRONAF. E isso acontece tanto para as famílias residentes nas áreas urbanas, como nas rurais. Ou seja, dentre os diferentes tipos de famílias urbanas e rurais que estamos considerando, apenas as famílias de pequenos produtores agropecuários não mostraram um crescimento estatisticamente significativo de suas rendas médias no período 1992/97. E mais, as famílias formadas exclusivamente de trabalhadores agrícolas e agricultores por conta-própria tiveram quedas significativas de suas rendas no Plano Real.

Convém lembrar, todavia, que há um relativo consenso entre os especialistas, de que parte dessa variação das rendas observadas nas PNADs se deve ao fato dos deflatores utilizados não captarem adequadamente a inflação no período devido às distorções introduzidas pelo Plano Real em 1994.

Hoffmann ( 1 9 9 8 ) , por exemplo, analisando a evolução dos rendimentos familiares desde 1979, observa que 1992 é um dos anos que apresentam os valores captados pelas PNADs mais baixos, juntamente com 1983 e 1984, por serem anos de recessão da economia brasileira. Também Del Grossi (1999, op.cit.) notou que para qualquer dos rendimentos do trabalho principal - seja agrícola ou não-agrícola - há uma queda em 1992 quando comparados com 1 9 8 1 , seguida por uma recuperação em 1995, sendo perceptível um crescimento mais acelerado das rendas obtidas pelos trabalhadores rurais ocupados em atividades não-agrícolas. Hoffmann chama a atenção ainda para a recuperação apresentada nos anos seguintes, alertando que parte do crescimento entre 1993 e 1995 pode ser devido ao deflator utilizado (INPC restrito), que não teria captado apropriadamente a inflação por ocasião da criação do Real. Ainda, segundo esse autor, entre 1996 e 1997 os rendimentos familiares médio e mediano diminuem, assumindo neste último ano valores ligeiramente mais baixos do que em 1995 (idem, op.cit., p.9.)

Para isolar o efeito do deflator em 1994, apresentamos também na Tabela 1 o subperíodo 1995-97, inteiramente sob vigência do Plano Real. Pode-se notar que as rendas médias das famílias rurais por conta-própria reduzem-se significativamente, com exceção dos conta-própria não-agrícolas. Os demais tipos de famílias rurais - ou seja, os empregadores com até dois

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e com mais de dois empregados e as famílias de trabalhadores - não mostram variações que possam ser consideradas diferente de zero dentro da margem de erro que estamos admitindo. Pior ainda, a categoria das famílias rurais de não ocupados - que é constituída basicamente de pessoas aposentadas e desempregadas - mostra uma significativa queda de 1,2% nas suas rendas médias durante o período 1995-97. Como sabemos que o valor das aposentadorias e pensões se manteve estável nesse período6, a explicação da queda da renda dessa categoria é o crescimento dos desempregados nas áreas rurais. De fato, entre 1995 e 1997 o número de famílias constituídas apenas de aposentados e pessoas procurando emprego passou de 36 mil para 41 mil, mostrando que a previdência está funcionando também como um "seguro desemprego" para as famílias sem pessoas ocupadas.

A Tabela 2 permite analisar também a composição da renda das famílias segundo o local de domicílio em 1997. Considerando-se uma hipotética "família média brasileira", a contribuição das rendas agrícolas seria de apenas 6,3%, bastante inferior às transferências recebidas na forma de aposentadoria, pensões e outros benefícios previdenciários que somavam 14,1%.

Tomando-se apenas as famílias exclusivamente agrícolas, nota-se que as aposentadorias e pensões têm maior peso entre as famílias que trabalham por conta-própria, seja entre aquelas com residência urbana (que representam 25% da renda familiar média), seja as de residência Vural (que representam 20% da renda familiar média). Atenção: isso pode derivar, em parte, da subestimação das rendas agrícolas pelas PNADs, como já alertamos anteriormente. Mas, não deixa de ser irônico observar que se tomássemos ao pé da letra o critério de só considerar como público potencial do PRONAF aquelas famílias com mais de 80% de suas rendas provenientes de atividades agropecuárias, excluiríamos "a priori" uma grande parcela das famílias de conta-própria que vivem exclusivamente de atividades agrícolas.

A Tabela 3 mostra que foram as rendas provenientes de atividades agrícolas das famílias por conta-própria e de trabalhadores que sofreram as maiores retrações no período 1995/97; e as rendas médias das famílias de conta-própria pluriativas e não-agrícolas só não acompanharam no mesmo ritmo essa queda porque, em geral, as rendas provenientes de atividades não-agrícolas das transferências sociais (pensões e aposentadorias públicas) e/ou das outras fontes de renda (previdência privada, aluguéis, rendimentos financeiros, etc.) cresceram entre 1995 e 1997.

6O valor das aposentadorias e pensões de trabalhadores agrícolas segue a variação do salário mínimo que se manteve praticamente constante entre 1995 e 1997.

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EVOLUÇÃO DAS RENDAS "PER CAPITA"

A Tabela 4 apresenta a evolução da renda "per capita" para o Brasil no período 1992/97, segundo os vários tipos de famílias extensas que estamos considerando. A renda "per capita" é, em última instância, um indicador síntese do bem-estar das pessoas, pois dá uma ideia da capacidade monetária das pessoas de adquirirem bens e serviços. Diferentemente da Tabela 1, que mostrou as rendas médias, agora vamos considerar indiretamente também as variações dos números de pessoas na família. Essa mudança no foco da análise afeta mais intensamente as famílias de conta-própria, que são mais numerosas (Del Grossi & Graziano da Silva, 1 9 9 9 ) , refletindo que a renda das famílias dos empregadores é significativamente maior que a dos conta-própria.

A renda média "per capita" dos brasileiros passou de R$ 211,81 em setembro de 1992, para R$ 306,31, em setembro de 1997, acumulando um aumento de 44,6% em 5 anos, o que corresponde a uma taxa de crescimento altamente significativa de 8,6% aa.

No total, praticamente todos os tipos de famílias que estamos analisando tiveram aumentos de renda "per capita" significativos ao longo desses 5 anos. A exceção, mais uma vez, fica por conta dos agricultores familiares - que englobam tanto os empregadores agrícolas com até dois empregados como os conta-própria agrícolas, que não tiveram aumento da renda "per capita" que pudesse ser considerado significativamente diferente de zero no período 1992/97.

Quando consideramos apenas as famílias residentes no meio rural, o quadro também parece alentador, pois até mesmo as famílias de trabalhadores rurais de todos os tipos aqui considerados - agrícolas, pluriativos e não-agrícolas - tiveram aumentos substanciais nas suas rendas médias "per capita" no período 1992/97. Mais uma vez, a exceção fica por conta das famílias dos empregadores com até dois empregados e dos conta-própria agrícolas, que não mostraram aumentos significativos de suas rendas "per capita", acompanhadas agora também das famílias de empregadores rurais pluriativos com mais de dois empregados. Ou seja, do público potencial do PRONAF que tem residência rural, apenas as famílias de conta-própria pluriativas e não-agrícolas tiveram aumentos significativos nas suas rendas per capita nos anos 1992/97.

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Nunca é demais recordar que 1992 é o "fundo do poço" das rendas declaradas nas PNADs, refletindo a aguda recessão por que passava o país desde o fracasso do Plano Collor; e que o deflator utilizado não capta adequadamente os efeitos da introdução do Plano Real, em 1994.

Por isso, apresentamos também na Tabela 4 as taxas de crescimento calculadas para o sub-período 1995/97, que nos permite vislumbrar um quadro bastante diferente do anterior: a renda média "per capita" de todas as famílias brasileiras teve crescimento zero. E quando consideramos os diferentes tipos de famílias, nota-se que apenas as de empregadores agrícolas com até dois empregados permanentes e as de conta-própria não-agrícolas mostram crescimentos significativos de suas rendas "per capita" entre 1995 e 1997. Já as famílias de conta-própria agrícolas tiveram uma significativa queda de sua renda "per capita", que passou de R$ 104,43 para apenas R$ 9 5 , 1 1 , uma redução significativa de - 4,6 % aa, entre 1995 e 1997. Também entre as famílias que residem no meio rural, as quedas da renda "per capita" foram significativas entre as famílias de conta-própria, especialmente as pluriativas. Com exceção dos empregadores agrícolas com até dois empregados, os demais grupos de famílias não mostraram uma variação da renda "per capita" no período que pudesse ser considerada estatisticamente diferente de zero, com uma margem de erro de 20%.

A relação entre renda e área na agricultura familiar

Nesta seção procuraremos detalhar um pouco mais a renda dos agricultores familiares, assim entendidos os grupos formados pelas famílias agrícolas e pluriativas dos empregadores com até dois empregados e dos conta-própria, que constituem o público potencial do PRONAF.

As Tabelas 5 e 6 apresentam a composição da renda das famílias por conta-própria e das famílias de empregadores com até dois empregados, respectivamente, segundo a tipologia que estamos considerando. Antes de mais nada, convém observar que os valores da renda apresentados diferem um pouco dos apresentados anteriormente, porque estamos considerando agora apenas aqueles declarantes que informaram tanto a sua renda como a área que possuem. E as áreas declaradas nas PNADs, além de serem uma aproximação da área total possuída pelo declarante7, também têm o inconveniente de serem uma informação menos frequente8.

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7 Os quesitos da PNAD sobre áreas são dirigidos aos empregadores e conta-própria e têm o objetivo de captar a área total das terras que compunham o empreendimento que a pessoa explorava. Portanto, para o empreendimento constituído por mais de um estabelecimento (mesmo que localizados em unidades da federação ou municípios distintos) deve-se obter as suas áreas. Entende-se por estabelecimento de atividade da agricultura, silvicultura ou pecuária todo terreno de área contínua, independentemente de tamanho ou situação (urbana ou rural), onde se processa a exploração de pelo menos uma dessas atividades. (IBGE, 1995, p.179)

8 É por isso que não desagregamos todas as situações do domicílio, principalmente para os empregadores, que ficam com boa parte das informações dos grupos de área em branco, quando utilizamos o nosso critério de no mínimo seis famílias. No total, os conta-própria ficaram com 6.500 observações e os empregadores com até dois empregados permanentes com 700 observações. Já os empregadores com mais de dois empregados tinham apenas 165 observações com declaração de área e renda simultaneamente e por isso não foram analisados.

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Tomando-se as famílias de empregadores com até dois empregados permanentes (Tabela 5), pode-se notar que:

- as rendas médias crescem com a área total possuída, tanto para as famílias urbanas como para as rurais agrícolas e as não-agrícolas;

- com exceção dos estratos de área de menos de 2 ha, os empregadores agrícolas com até dois empregados permanentes têm uma renda média familiar inferior aos pluriativos;

- na composição das rendas das famílias agrícolas, é maior o peso relativo das aposentadorias e pensões, como também das outras rendas (aluguéis, juros, etc.) "vis-à-vis" as famílias de pluriativos;

- dados adicionais, que por razões de espaço deixamos de apresentar neste trabalho, confirmam que as rendas médias familiares decrescem no sentido do urbano para o rural, e deste para -as áreas exclusivamente rurais onde predominam as atividades agropecuárias, tanto para as famílias agrícolas, como para as pluriativas.

Em resumo, a renda média das famílias de empregadores agrícolas com até dois empregados permanentes que possuem menores áreas depende mais das transferências de renda do que as famílias pluriativas e as com maiores áreas. Confirma-se também que a prevalecer o critério de acesso de no mínimo 80% da renda familiar ser proveniente de atividades agrícolas, a maioria dos empregadores pluriativos (independentemente do local de moradia) e dos agrícolas com até dois empregados permanentes ficaria fora do PRONAF.

A Tabela 6 apresenta os mesmos resultados da tabela anterior para as famílias de conta-própria. Os resultados obtidos são praticamente os mesmos, merecendo destacar que a renda das famílias de conta-própria é muito menor que a dos empregadores com até dois empregados permanentes para os respectivos estratos de áreas e tipos de família (pluriativa ou agrícola). Esse é um indicador importante de que os dois grupos de famílias -conta-própria e empregadores com até dois empregados - apresentam sistemas de produção distintos e deveriam ter tratamento diferentes de políticas públicas. Em outras palavras, não se deveria tratar os empregadores agrícolas e/ou pluriativos com até dois empregados como iguais às famílias de agricultores por conta-própria.

Note-se também que nas famílias de conta-própria agrícolas com áreas, de até 2 ha, o peso das aposentadorias e pensões chega a representar um

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terço da renda familiar; já entre os pluriativos, o peso é bem menor, situando-se na faixa dos 10 a 1 5 % entre as famílias que possuem menores áreas9. Isso significa que as transferências da Previdência Pública representam uma parcela importante para a reprodução da agricultura familiar "strictu sensu".

Como podemos verificar pelos dados da Tabela 7, para os agricultores familiares exclusivamente agrícolas que possuem pequenas áreas de terra, o peso das aposentadorias e pensões chega a representar mais de um terço da renda familiar, independentemente do local de domicílio, o que por si só seria suficiente para exclui-los do PRONAF pelo critério de origem das rendas. O fato de residir na zona urbana aumenta o peso das transferências previdenciárias na renda dos conta-própria, sugerindo que as famílias rurais têm maiores dificuldades no acesso a esses benefícios. Uma ressalva: como já alertamos anteriormente, as rendas agrícolas, por serem rendas variáveis e com periodicidade anual, devem estar subestimadas "via-à-vis" as rendas mensais fixas, como é o caso das transferências da Previdência Social. Mas os números são tão fortes que não acreditamos que isso possa mudar radicalmente o quadro anteriormente descrito.

Outra implicação fundamental é que o PRONAF não pode continuar

ignorando que uma parte cada vez mais importante da renda dos seus beneficiários potenciais provem de atividades não-agrícolas e de transferências previdenciárias do poder público. O critério de exigir que pelo menos 80% 9 Exceto para o caso das famílias com residência urbana de conta-própria pluriativos com áreas até 1 ha.

Acreditamos que neste caso se trate em boa parte de famílias de aposentados e pensionistas que cultivam pequenas hortas domésticas com a finalidade de autoconsumo e/ou complemento de suas rendas monetárias. Eles foram considerados como conta-própria uma vez que pelo nosso critério de classificar a família, basta que um de seus membros tenha informado essa sua condição de conta-própria ao responder a sua posição na ocupação.

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da renda se origine de atividades agrícolas para os produtores familiares e para os empregadores agrícolas com até dois empregados permanentes só reforça o corte de tamanho, pois apenas as famílias agrícolas com mais de 100 hectares nele se enquadram. Por outro lado, as famílias pluriativas justamente aqueles produtores que combinam atividades agrícolas e não-agrícolas para obter um nível de renda maior que as famílias que se dedicam exclusivamente às atividades exclusivamente agrícolas, seriam em grande parte excluídas do programa, situação essa cada vez mais comum no meio rural brasileiro.

Finalmente, convém explicitar que por razões de espaço deixamos de apresentar os dados segundo as novas aberturas geográficas das PNADs que possibilitaram ir além da dicotomia rural-urbano. Essas novas aberturas - quais sejam: urbano urbanizado, rural extensão urbano, povoados e núcleos rurais, além das áreas exclusivamente rurais próprias das atividades agropecuárias - foram também processadas para os mesmos formatos apresentados nas tabelas que compõem esse texto. Seus resultados mostram, em resumo, que à medida que aumenta o grau de urbanização do domicílio, cresce a renda média e a renda per capita das famílias para qualquer dos tipos analisados, seja ela exclusivamente agrícola, pluriativa ou não-agrícola. Essa é mais uma forte indicação de que são as rendas não-agrícolas que puxam a renda média das famílias urbanas para cima em relação às rurais.

RESUMO E CONCLUSÕES

Dois pontos nos parecem fundamentais para serem ressaltados a título de conclusões pelas implicações que representam em termos de políticas públicas, a saber:

a) a queda das rendas agrícolas dos pequenos produtores familiares no Plano Real;

b) a importância das aposentadorias nas rendas dos pequenos produtores familiares agrícolas.

Vejamos cada um desses pontos e suas implicações em mais detalhes.

Em trabalhos anteriores, mostramos que está ocorrendo uma queda da população rural ocupada em atividades agrícolas, e poder-se-ia esperar, portanto, uma redução de igual magnitude da população rural. Mas isso não está ocorrendo porque a PEA rural não-agrícola vem apresentando um extraordinário crescimento, o que todavia não consegue impedir que o total

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da PEA rural ainda caia a uma expressiva taxa de -0,8%ªª no período 1992/ 97 (Graziano da Silva, 1999b).

Mostramos também que está havendo um crescimento das pessoas não ocupadas que estavam procurando emprego e dos inativos, em particular dos aposentados e pensionistas residentes em áreas rurais.

O crescimento dos desempregados e aposentados residentes no campo é um dos mais importantes indicadores de que o meio rural brasileiro já se converteu também num lugar de residência, de que os espaços rurais não são mais apenas um local de trabalho, e de que as pessoas residentes no meio rural não estão necessariamente ocupadas. Essa dissociação crescente entre local de residência e local de trabalho, que há muito já ocorreu nas cidades, é mais um indicador da urbanização dos campos brasileiros e uma esperança de que num futuro próximo os trabalhadores rurais não precisem imigrar para as áreas urbanas se quiserem ser cidadãos brasileiros.

Nossos dados também apontam para uma queda da renda "per capita" dos agricultores familiares - entendidos como aqueles que trabalham por conta-própria e não contratam trabalhadores permanentes - no período 1995/97, sob vigência do Plano Real. Como consequência dessa queda da renda dos agricultores familiares, observa-se uma crescente importância das atividades e rendas não-agrícolas entre as famílias rurais por conta-própria. Em poucas palavras podemos dizer que as famílias rurais estão se transformando de famílias agrícolas em pluriativas e em famílias não-agrícolas, como demonstramos no Capítulo 2 deste volume.

Outra constatação importante a que chegamos, do ponto de vista das políticas publicas, é a importância que assumem as transferências de renda na forma de aposentadorias e pensões para os agricultores familiares. Uma das implicações óbvias desse quadro é a necessidade de termos uma política previdenciária ativa que pudesse, por exemplo, contribuir para enfrentar o problema da pobreza de regiões desfavorecidas, como é o caso de extensas áreas rurais do "miolão" do Nordeste brasileiro, por exemplo, como já alertamos em outra oportunidade (Graziano da Silva, 1999a).

Os resultados preliminares da pesquisa, com base no cadastro do INSS, que vem sendo desenvolvida pelo IPEA sob a coordenação de Guilherme Delgado (Prado, 1999), confirmam que uma parte expressiva - mais de 70% - da renda média domiciliar dos pequenos e médios municípios do interior do Nordeste tem origem no pagamento dos benefícios da previdência

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rural. E não só no Nordeste, mas também na Região Sul os benefícios recebidos por aposentados e pensionistas da zona rural representam 40% da renda média domiciliar.

Segundo a mesma pesquisa, o INSS beneficia 6,6 milhões de pensionistas e aposentados na previdência rural, distribuídos em cerca de 4 milhões de domicílios em todo o país. E acabou "funcionando como o principal programa de apoio à renda da agricultura familiar, ainda que não tenha sido esse o seu objetivo". Os autores ainda concluem que além de melhorar a renda no interior, tem funcionado como forte indutor à contenção das chamadas 'migrações indesejadas': os idosos deixam de deslocar-se para cidades maiores com receio de perder o benefício. O resto da família acaba ficando por perto pois sabe que tem ali uma renda garantida. É o efeito da Previdência Rural sobre o fluxo migratório. Também não foi previamente imaginado.

Ou seja, a principal política para a agricultura familiar hoje no Brasil está sendo feita por acaso! Triste conclusão daquela que um dia se autoproclamou como "A Nova República".

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