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Dissertação de Mestrado
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A evolução de povoações costeiras no litoral da região Centro de Portugal.
O caso de estudo das praias de Esmoriz e Cortegaça
Nuno Rafael Almeida Andrade
Dissertação para a obtenção do Grau de Mestre em
Urbanismo e Ordenamento do Território
Orientadores
Professor Doutor António Alexandre Trigo Teixeira
Doutora Maria Amélia Vieira da Costa Araújo
Júri
Presidente: Professora Doutora Maria Beatriz Marques Condessa
Orientador: Professor Doutor António Alexandre Trigo Teixeira
Vogal: Engª Teresa Allen Gamito
Outubro de 2014 (Documento provisório)
I
AGRADECIMENTOS
Para a realização desta dissertação importa agradecer o contributo do Instituto Geográfico Português
(actual Direcção Geral do Território), pela cedência das fotografias aéreas da área de estudo, tendo
sido um apoio indispensável para as conclusões obtidas, e ao professor José Américo Pinto (à época
vereador do pelouro do Urbanismo e Gestão do Território da Câmara Municipal de Ovar) pela
disponibilidade e abertura na entrevista realizada sobre a temática que se aborda na dissertação.
Uma palavra de agradecimento aos meus orientadores, Professor António Trigo-Teixeira e à
professora Amélia Araújo pelo acompanhamento, disponibilidade e conselhos, pela paciência,
incentivo e entrega para levar este trabalho a bom porto.
O meu percurso académico, no âmbito do Mestrado em Urbanismo e Ordenamento do Território,
culmina com a apresentação desta dissertação. Ao longo deste percurso foram muitas pessoas que
me ajudaram nos momentos mais complicados que foram surgindo e nas tarefas rotineiras do dia-a-
dia, sem elas este percurso seria mais complicado.
Entre essas pessoas está naturalmente a minha família, pais, avós e irmão, para os quais só tenho
palavras de gratidão pelo esforço que fizeram para me possibilitaram esta oportunidade e que me
incentivaram nos momentos de maior dificuldade. Não posso também deixar de agradecer à Ângela
Rodrigues por ter estado sempre ao meu lado, pela motivação, insistência e pelo apoio ao longo
desta longa caminhada.
Aos meus colegas de mestrado, pela colaboração e pelos tempos passados nas várias unidades
curriculares frequentadas e pelas horas dedicadas nos trabalhos práticos, desejo-lhes as maiores
felicidades.
Aproveito para deixar um agradecimento em particular ao João Reis pela ajuda e sugestões na
elaboração da dissertação e acima de tudo pela amizade, um grande abraço.
A todos um muito obrigado!!
II
III
RESUMO A costa portuguesa caracteriza-se por ser extensa e bastante diversificada. Ao longo dos seus 900
km, desde a foz do rio Minho à foz do rio Guadiana, esta é composta por uma variação entre costa
rochosa, costa arenosa e costa alta que está relacionada com as formações geológicas presentes em
cada sector do território. Cada tipo de costa reage de maneira diferente aos agentes erosivos e à
ocupação humana. Deste modo é importante conhecer a génese da costa antes de se intervir na
defesa desta ou no planeamento desta. É ainda possível, com o conhecimento das características de
um tipo particular de costa, efectuar as melhores abordagens em termos de políticas específicas e
linhas orientadoras para a gestão desses territórios.
Desde o início dos anos 90 que o Governo Português introduziu legislação relacionada com o
planeamento e gestão das áreas costeiras, dando aos municípios com frente de mar algumas linhas
orientadoras para a sua gestão. Contudo, apesar dos esforços efectuados é durante esse período
que se dá o maior crescimento desses povoados, o que significa que o planeamento não foi
direccionado da melhor maneira.
Tendo em conta factores de habitabilidade de um local, esta investigação pretende analisar a
evolução de dois povoados costeiros, Esmoriz e Cortegaça, localizados no litoral da região Centro de
Portugal, costa essa que é severamente afectada pela erosão. Foi encontrada uma relação entre o
desenvolvimento dos povoados analisados e o planeamento efectuado para o local.
Palavras-chave: povoados costeiros; gestão costeira; erosão costeira; habitabilidade; recuo da linha
de costa.
IV
ABSTRACT Portugal has a long and varied coastline. Along its 900 km, extending from the mouth of the Minho
River to the mouth of the Guadiana River, a variation between the rocky shore, sandy shore and high
cliff coast is found, what is related to its geological formation. Each type of coastline reacts in a
different way to erosive agents and the human occupation. Therefore it is important to know the
genesis of a coast before any action is taken for shore protection. In addition, this information allows
the definition of specific policies and guidelines for each particular type of coastline.
Since the nineties the Portuguese Government has introduced legislation related to the planning and
management of coastal areas by setting guidelines for municipalities that have a seafront. However,
despite all these efforts, both the emergence and the evolution of coastal settlements were not made
in a well-planned way.
Taking into account the factors of liveability, this research aims to analyse the evolution of two coastal
villages, Esmoriz and Cortegaça, located at the Portuguese central coast, which are affected by
severe erosion. A relationship between the development of those villages and the coastal
management plans is found.
Key words: coastal settlements; coastal management; coastal erosion; liveability; shoreline retreat.
V
ÍNDICE
AGRADECIMENTOS ............................................................................................................................... I
RESUMO ............................................................................................................................................... III
ABSTRACT .......................................................................................................................................... IV
ÍNDICE ................................................................................................................................................... V
LISTA DE QUADROS ......................................................................................................................... VII
LISTA DE FIGURAS ........................................................................................................................... VIII
LISTA DE ABREVIAÇÕES ................................................................................................................... X
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 1
1.1. ENQUADRAMENTO E OBJECTIVOS ................................................................................................. 2
1.2. METODOLOGIA ............................................................................................................................ 5
1.3. ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO ..................................................................................................... 7
2. O LITORAL NA LEGISLAÇÃO PORTUGUESA ............................................................................ 9
2.1. PLANOS DE ORDENAMENTO DA ORLA COSTEIRA ........................................................................... 9
2.2. ESTRATÉGIA NACIONAL DE GESTÃO INTEGRADA DAS ZONAS COSTEIRAS ..................................... 12
2.3. REVISÃO DO REGIME APLICÁVEL À ORLA COSTEIRA ...................................................................... 14
2.4. SÍNTESE DA LEGISLAÇÃO PORTUGUESA REFERENTE À ORLA COSTEIRA ........................................ 16
3. A FORMAÇÃO DO LITORAL DA ZONA CENTRO ..................................................................... 17
3.1. A ACÇÃO DAS ONDAS E A DERIVA LITORAL ................................................................................... 17
3.2. O TIPO DE COSTA ...................................................................................................................... 19
3.3. O CRESCIMENTO DA RESTINGA ENTRE ESPINHO E CABO MONDEGO ............................................. 21
3.4. SÍNTESE DE CAPÍTULO ............................................................................................................... 23
4. A EVOLUÇÃO DAS POVOAÇÕES COSTEIRAS AO LONGO DO TEMPO ............................... 25
4.1. CARACTERIZAÇÃO DOS PALHEIROS ............................................................................................ 25
4.2. O POVOADO DE ESPINHO .......................................................................................................... 27
4.3. O POVOADO DO FURADOURO ..................................................................................................... 29
4.4. O POVOADO DA TORREIRA ......................................................................................................... 31
4.5. O POVOADO DE SÃO JACINTO .................................................................................................... 33
5. HABITAR A LINHA DE COSTA ................................................................................................... 35
5.1. O CONCEITO DE HABITABILIDADE ............................................................................................... 36
5.1.1. Riscos costeiros ............................................................................................................... 38
5.1.1.1. Erosão Costeira ......................................................................................................... 38
5.1.1.2. Inundações e galgamentos ........................................................................................ 39
5.1.2. Clima ............................................................................................................................... 40
5.2. SÍNTESE DO CAPÍTULO ............................................................................................................... 40
6. LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO ............................................... 42
VI
6.1. ENQUADRAMENTO GEOGRÁFICO ................................................................................................ 42
6.1.1. Localização ...................................................................................................................... 43
6.1.2. Factos históricos .............................................................................................................. 45
6.2. SÍNTESE DE CAPÍTULO ............................................................................................................... 48
7. A EVOLUÇÃO DE UMA POVOAÇÃO COSTEIRA – O CASO DA PRAIA DE ESMORIZ E
CORTEGAÇA ....................................................................................................................................... 50
7.1. FASE 1 – CONSTRUÇÃO INFORMAL ............................................................................................. 51
7.2. FASE 2 – CONSTRUÇÃO FORMAL ................................................................................................ 53
7.3. FASE 3 – CONSOLIDAÇÃO DOS POVOADOS COSTEIROS DE ESMORIZ E CORTEGAÇA ...................... 56
7.3.1. Os povoados no ano de 1967 ......................................................................................... 57
7.3.2. Os povoados no ano de 1984 ......................................................................................... 58
7.3.3. Os povoados no ano de 1991 ......................................................................................... 60
7.3.4. Análise Estatística ........................................................................................................... 65
7.3.4.1. População .................................................................................................................. 65
7.3.4.2. Habitação ................................................................................................................... 68
7.3.5. Análise dos resultados .................................................................................................... 71
7.4. SÍNTESE DO CAPÍTULO ............................................................................................................... 75
8. QUE FUTURO PARA OS POVOADOS COSTEIROS DE ESMORIZ E CORTEGAÇA? ............ 78
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................... 83
REFÊRENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................................... 86
ANEXOS I .................................................................................. ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED.
ANEXOS II ................................................................................. ERROR! BOOKMARK NOT DEFINED.
VII
LISTA DE QUADROS
TABELA 1 - LEGISLAÇÃO PORTUGUESA EXISTENTE PARA A ORLA COSTEIRA E OBJECTIVO PRINCIPAL DESSES DIPLOMAS; ......................................................................... 16
TABELA 2 - CLASSIFICAÇÃO DA COSTA ENTRE ESPINHO E O CABO MONDEGO PELA METODOLOGIA DE SHEPARD .................................................................................................. 20
TABELA 3 - PERÍODOS DA GESTÃO ADMINISTRATIVA DA FREGUESIA DE ESMORIZ; FONTE: (SANTOS, 1996) ............................................................................................................ 46
TABELA 4 - LUCRO OBTIDO COM A VENDA DOS TERRENOS À BEIRA-MAR PELA JUNTA DE FREGUESIA DE ESMORIZ; FONTE: AMORIM, 1986 ................................................................ 48
TABELA 5 - TAXAS DE RECUO DA LINHA COSTEIRA PARA O TROÇO ESPINHO/CORTEGAÇA; FONTE: PROT CENTRO LITORAL 1992 .......................................... 60
TABELA 6 - VARIAÇÃO DOS INDIVÍDUOS PRESENTES E RESIDENTES PARA AS SUBSECÇÕES ESTATÍSTICAS DA ÁREA EM ESTUDO; FONTE: INE ..................................... 65
TABELA 7 - VARIAÇÃO DO Nº DE INDIVÍDUOS RESIDENTES POR FAIXAS ETÁRIAS PARA AS SUBSECÇÕES ESTATÍSTICAS DA ÁREA EM ESTUDO; FONTE: INE ............................... 66
TABELA 8 - VARIAÇÃO DA RELAÇÃO DO INDIVIDUO FACE À SITUAÇÃO LABORAL PARA AS SUBSECÇÕES ESTATÍSTICAS DA ÁREA EM ESTUDO; FONTE: INE ..................................... 66
TABELA 9 - VARIAÇÃO DOS INDIVÍDUOS EMPREGADOS PARA AS SUBSECÇÕES ESTATÍSTICAS DA ÁREA EM ESTUDO; FONTE: INE ............................................................... 68
TABELA 10 - PERCENTAGEM DE EDIFÍCIOS POR TIPOLOGIA PARA AS SUBSECÇÕES ESTATÍSTICAS DA ÁREA EM ESTUDO; FONTE: INE ............................................................... 68
TABELA 11 - PERCENTAGEM DE ALOJAMENTOS POR EDIFÍCIOS EXISTENTES PARA AS SUBSECÇÕES ESTATÍSTICAS DA ÁREA EM ESTUDO; FONTE: INE ..................................... 69
TABELA 12 - NÚMERO DE EDIFÍCIOS EXISTENTES POR ANO DE CONSTRUÇÃO PARA AS SUBSECÇÕES ESTATÍSTICAS DA ÁREA EM ESTUDO; FONTE: INE ..................................... 69
TABELA 13 - PERCENTAGEM DE EDIFÍCIOS CONSTRUÍDOS NO PRÉ E PÓS 25 DE ABRIL DE 1984 PARA AS SUBSECÇÕES ESTATÍSTICAS DA ÁREA EM ESTUDO; FONTE: INE ..... 70
TABELA 14 - PERCENTAGEM DE RESIDÊNCIAS HABITUAIS ARRENDADAS PARA AS SUBSECÇÕES ESTATÍSTICAS DA ÁREA EM ESTUDO; FONTE: INE ..................................... 70
TABELA 15 - PERCENTAGEM DE ALOJAMENTOS FAMILIARES VAGOS PARA AS SUBSECÇÕES ESTATÍSTICAS DA ÁREA EM ESTUDO; FONTE: INE ..................................... 71
VIII
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 - ESQUEMA DA METODOLOGIA UTILIZADA NA INVESTIGAÇÃO FEITA À EVOLUÇÃO DOS POVOADOS COSTEIROS DE ESMORIZ E CORTEGAÇA; FONTE: PRÓPRIA ...................................................................................................................................... 6
FIGURA 2 - CONCEITO DE ZONAS COSTEIRAS (LIMITES); FONTE: RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS N.º 82/2009 ................................................................................. 13
FIGURA 3 - PROCESSO DE REFORMULAÇÃO DO "NOVO POOC" E SUA INSERÇÃO NOS IGT; FONTE: ADAPTAÇÃO DA INFORMAÇÃO OBTIDA NO DECRETO-LEI 159/2012, 24 DE JULHO .................................................................................................................................. 14
FIGURA 4 - DERIVA LITORAL, PROVOCADA PELA CONJUGAÇÃO DE DOIS FLUXOS: DERIVA DE PRAIA E DERIVA AO LONGO DA COSTA; FONTE: ADAPTADO (STRAHLER, 2010) .................................................................................................................... 18
FIGURA 5 - COSTA EM BARREIRA DO TIPO RESTINGA; FONTE: ADAPTADO U.S. ARMY CORPS OF ENGINEERS, 2002 ................................................................................................. 20
FIGURA 6 - COSTA DE PORTUGAL SEGUNDO O PORTULANO DE PETRUS VISCONTE, 1318; FONTE:HTTP://WWW.DRAPC.MIN-AGRICULTURA.PT/BASE/DOCUMENTOS/ HISTORIA_BACALHAU.HTML (CONSULTADO A 05/01/2013) ................................................ 22
FIGURA 7 - LITORAL AVEIRO ANTES DA FORMAÇÃO DA RESTINGA. RECONSTITUIÇÃO DA COSTA ENTRE ESPINHO E O CABO MONDEGO A PARTIR DOS DADOS DA CARTA GEOLÓGICA; FONTE: (SOUTO, 1923) ........................................................................ 23
FIGURA 8 - REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DOS PALHEIROS DO LITORAL DE AVEIRO; FONTE: ADAPTADO DE E. V. DE OLIVEIRA E GALHANO, 1964) .......................................... 26
FIGURA 9 - PRINCÍPIOS DO POVOADO DE ESPINHO, BASEADO NO PLANO DE MELHORAMENTO DE ESPINHO PROPOSTO PELO ENG.º JOSÉ COELHO BANDEIRA DE MELO EM 1870; FONTE: EDITADO DE (E.V DE OLIVEIRA E GALHANO, 1964) ............. 28
FIGURA 10 - A CAPELA VELHA NO INÍCIO DO SÉC. XX, NO ALTO DO ENTÃO "ROCIO" DO FURADOURO; FONTE: NEVES, 2012 ...................................................................................... 31
FIGURA 11 - MAPA TOPOGRÁFICO DA RIA D’OVAR DO SÉCULO XVIII; FONTE: E. V. DE OLIVEIRA E GALHANO, 1964 ................................................................................................... 32
FIGURA 12 - INDICADORES QUE AJUDAM A CARACTERIZAR A HABITABILIDADE DE UM LOCAL; FONTE: ADAPTADO (NEWTON, 2012) ...................................................................... 37
FIGURA 13 - GALGAMENTO NA PRAIA DO LABREGO (VAGUEIRA) DURANTE TEMPESTADE ENTRE 24 E 31 DE OUTUBRO 2011; FONTE: SERVIÇOS MUNICIPAIS DE PROTECÇÃO CIVIL DE VAGOS ............................................................................................... 39
FIGURA 14 - ENQUADRAMENTO GEOGRÁFICO DAS FREGUESIAS DE ESMORIZ E CORTEGAÇA; FONTE: OPENSTREETMAP ............................................................................. 43
FIGURA 15 - GRÁFICO TERMOPLUVIOMÉTRICO DA ESTAÇÃO METEOROLÓGICA DE AVEIRO/BARRA; FONTE: (H. A. FERREIRA, 1970) ................................................................. 45
FIGURA 16 - GRÁFICO COM AS SITUAÇÕES DE VENTOS PREDOMINANTES NA REGIÃO LITORAL DE AVEIRO; FONTE: (H. A. FERREIRA, 1970) ......................................................... 45
FIGURA 17 - COSTA OESTE DE PORTUGAL - APRESENTAÇÃO DA COSTA PRIMITIVA E ACTUAL. LOCALIZAÇÃO DOS POVOADOS ANTIGOS E RECENTES DE ESMORIZ E CORTEGAÇA; FONTE: EDITADO DE (SOUTO, 1923) ............................................................. 47
FIGURA 18 - PLANTA PARA O PROJECTO DE CONSTRUÇÃO DE UM CANAL DE NAVEGAÇÃO ENTRE O RIO DOURO E A RIA DE OVAR; FONTE: JORNAL "A VOZ DE ESMORIZ", 1957 ........................................................................................................................ 52
FIGURA 19 - GRUPO DE PALHEIROS DA PRAIA DE ESMORIZ, DESTAQUE PARA O ALINHAMENTO DAS CONSTRUÇÕES; FONTE: (E. V. DE OLIVEIRA E GALHANO, 1964) ... 53
IX
FIGURA 20 - PLANTA DA FREGUESIA DE ESMORIZ (1:10000), LEVANTAMENTO FEITO PELO ENG.º. JOÃO LOPES EM 1927; FONTE: PLANTA ORIGINAL NA BIBLIOTECA MUNICIPAL DE OVAR ............................................................................................................... 55
FIGURA 21 - CRESCIMENTO URBANO, AO LONGO DO TEMPO, DOS POVOADOS COSTEIRO DE ESMORIZ E CORTEGAÇA – 1967; FONTE: IGP 1967 (FOTOGRAFIA AÉREA 1:15000 Nº126 – VOO DGF 99/67 – 29) ....................................................................... 62
FIGURA 22 - CRESCIMENTO URBANO, AO LONGO DO TEMPO, DOS POVOADOS COSTEIRO DE ESMORIZ E CORTEGAÇA – 1984; FONTE: IGP 1984 (FOTOGRAFIA AÉREA 1:15000 Nº2973 – VOO MINHO 84.13 – 2951) ............................................................. 63
FIGURA 23 - CRESCIMENTO URBANO, AO LONGO DO TEMPO, DOS POVOADOS COSTEIRO DE ESMORIZ E CORTEGAÇA – 1991; FONTE: IGP 1991 (FOTOGRAFIA AÉREA 1:15000 Nº2978 – VOO ZONA CENTRO NORTE91.10 - 29) - ..................................... 64
FIGURA 24 - ZONAS DE MAIOR CONCENTRAÇÃO DE POPULAÇÃO - ANÁLISE DA DENSIDADE POPULACIONAL À SUBSECÇÃO ESTATÍSTICA DOS LUGARES DA PRAIA DE ESMORIZ E CORTEGAÇA; FONTE: INE ................................................................ 73
FIGURA 25 – PLANTA ESQUEMÁTICA DA PRESSÃO URBANA SOBRE A LINHA DE COSTA; FONTE: EDITADO DE (VELOSO GOMES, 1992) ..................................................................... 74
FIGURA 26 - VISTA A PARTIR DO "BAIRRO DOS PESCADORES" PARA O POVOADO COSTEIRO DE CORTEGAÇA (17/02/2013); FONTE: N. ANDRADE ........................................ 75
X
LISTA DE ABREVIAÇÕES ANPC Autoridade Nacional de Protecção Civil
CEE Comunidade Económica Exclusiva (antiga UE)
EEA European Environment Agency
EFTA European Free Trade Association
ENGIZC Estratégia Nacional de Gestão Integrada de Zonas Costeiras
FMI Fundo Monetário Internacional
IGP Instituto Geográfico Português
IGT Instrumentos de Gestão Territorial
INAG Instituto da Água
INE Instituto Nacional de Estatística
NAO North Atlantic Oscillation
PEOT Plano Especial de Ordenamento do Território
PMOT Plano Municipal de Ordenamento do Território
PNPOT Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território
POOC Plano de Ordenamento da Orla Costeira
PROT Plano Regional de Ordenamento do Território
RCM Resolução do Conselho de Ministros
VCEC Victorian Competition e Efficiency Commission
1
1. INTRODUÇÃO
Portugal é um país que se encontra “litoralizado”. As suas principais cidades encontram-se no litoral,
sendo também aí que se encontra a maioria da população. Para este crescimento contribuiu uma
forte componente migratória a partir das zonas interiores do país, onde escasseavam as
oportunidades de emprego e a qualidade de vida era mais baixa. Existe assim um contraste entre as
regiões do interior, com densidades abaixo dos 20 habitantes/km2, e as zonas costeiras, com uma
densidade média de 215 habitantes/km2, bem acima da densidade média na UE, que é de 114/ km2
(EEA, 2006). Estima–se que cerca de 75% da população portuguesa viva atualmente na zona
costeira e que este número tenha tendência a aumentar significativamente nos próximos anos
(Pereira, 2013).
Para muito deste crescimento contribuiu o aparecimento e desenvolvimento do turismo balnear. Ao
longo da época de Verão a grande parte da população deslocava-se na época de Verão para as
praias existentes no litoral para aí passar as suas férias. Esta tendência implicou a necessidade de
dotar esses locais de infraestruturas básicas para acolher essas pessoas durante a época balnear. O
crescimento da actividade turística assente no binómio “sol e praia” desde a década de 1960 não
pode ser também dissociado do processo crescente de urbanização, em especial nas áreas do litoral,
tendo-se desencadeado a construção de alojamentos hoteleiros, segundas habitações e
equipamentos turísticos em massa (Schmidt et al. 2012).
Contudo, o presente e futuro das regiões litorais obrigam a enfrentar novos desafios ao nível das
alterações climáticas, sendo a água um dos principais problemas a resolver num futuro próximo pois
está a colocar milhões de pessoas expostas aos riscos costeiros. Para as próximas décadas são
esperadas, para todo o globo terrestre, alterações nos padrões climáticos, com efeitos na localização
e severidade de grandes tempestades, frequência da ocorrência de cheias, e ainda o aumento do
nível das águas do mar, acrescendo a necessidade de rever as políticas de ordenamento do território,
aliadas a eficazes processos de prevenção contra riscos naturais (EEA, 2012).
Dado o grau de exposição, de inúmeras povoações costeiras ao longo da costa portuguesa, aos
riscos de erosão e galgamentos marinhos, Portugal tem que adaptar as suas políticas de
ordenamento do território para salvaguardar a protecção de pessoas e bens nesses locais. Nesse
sentido torna-se assim pertinente desenvolver um estudo que aborde as questões dos riscos
costeiros e do planeamento do território costeiro português.
O caso de estudo que se apresenta, localizado no extremo norte da linha de costa do distrito de
Aveiro, é um dos locais em Portugal com maiores taxas de recuo da linha de costa e classificado
como zonas de maior risco de erosão costeira. Os aglomerados costeiros de Esmoriz e Cortegaça
serão assim tema central desta investigação, da qual se procura fazer uma reflexão sobre a
problemática da ocupação urbana junto à linha de costa.
2
1.1. ENQUADRAMENTO E OBJECTIVOS
Portugal tem uma linha de costa extensa e bastante diversificada. Ao longo dos seus 900 km, que se
prolongam desde a foz do Rio Minho até à foz do Rio Guadiana, encontram-se diferentes tipos de
costa: rochosa, arenosa, baixa, alta ou em arriba que se deve à variação dos maciços geológicos que
vão sendo atravessados de norte para sul.
Dadas as especificidades de cada tipo de costa que se acaba de referir e à forma como estas reagem
aos diferentes elementos erosivos e à ocupação antrópica, é importante conhecer ao nível estrutural
e dinâmico a morfologia do território que se aborda. Nesse sentido, pode-se adiantar que todo o
território em análise se desenvolve numa tipologia de costa baixa e arenosa, constituída por dunas e
praias, o que significa que é uma zona bastante sensível e afectada pela agitação marítima.
Nesse sentido é relevante referir que as cargas exercidas pelo mar sobre aquele trecho da costa
portuguesa são caracteristicamente muito fortes principalmente no Inverno. A questão da
sobrelevação do nível do mar de origem meteorológica (“storm surge”) está intimamente relacionada
e dependente das depressões oceânicas, e as variações na intensidade dessas tempestades está
relacionada com as mudanças sazonais da NAO (North Atlantic Oscilation) e dos sistemas a ela
associadas. A NAO é um movimento de oscilação do campo de pressão atmosférica no Atlântico
norte que tem influência no clima de superfície, nos fluxos superficiais e mesmo nos fluxos das
profundidades oceânicas (ANPC, 2010).
Num trecho de costa com estas características, para além das actuais mudanças na dinâmica
marítima provocada não só pelas alterações climáticas mas também pela pressão exercida por
factores antrópicos, tem-se registado a diminuição do volume de sedimentos transportados pela
deriva para as praias, encontram-se nesses locais praias classificadas, pelo INAG, de “risco
elevado/muito elevado de erosão”.
Entende-se por risco a probabilidade da ocorrência de uma acção perigosa e respectiva estimativa
das suas consequências, directas ou indirectas, sobre o Homem provocando prejuízos neste. A
“teoria do risco” assenta na sequência Risco-Perigo-Crise (Faugères, 1990; Rebelo, 1999; Lourenço,
2003), podendo também ser entendido na relação entre perigosidade, probabilidade de ocorrência de
um processo ou acção (natural, tecnológico ou misto) com potencial destruidor (ou para provocar
danos) com uma determinada severidade, numa dada área e num dado período de tempo), e
consequência, prejuízo ou perda expectável num elemento ou conjunto de elementos expostos, em
resultado do impacto de um processo (ou acção) perigoso natural, tecnológico ou misto, de
determinada severidade (ANPC, 2009). O risco será mais elevado quanto maior for a relação entre
produto das variáveis perigosidade e consequência, sendo que a transformação do potencial de
vulnerabilidade para uma situação de risco está dependente da presença de pessoas (Pereira, 2013).
Na avaliação dos riscos costeiros deve-se entender as povoações costeiras como o elemento sobre o
qual é expectável a ocorrência de fenómenos que provoquem danos e perdas e a diminuição de
defesas naturais, recuo da linha costeira, que potenciam a acção dos fenómenos meteorológicos e
3
por consequência a severidade. Variações que ocorram nestes elementos terão assim repercussões
no nível do risco previsto para determinado local na costa.
Com a informação apresentada até ao momento, regista-se que abordagem à temática dos
problemas de erosão costeira pode ser feita por dois caminhos diferentes. Um pela vertente do
aumento da intensidade do fenómeno, ou seja, estudando a evolução da linha de costa e o avanço do
mar, ou seguindo a vertente do aumento do elemento exposto aos processos perigosos, ou seja o
progressivo crescimento de povoados costeiros, nos quais se situam pessoas e bens.
Optou-se por realizar a investigação sobre a temática da erosão costeira abordando o tema pela
temática do aumento da exposição (expansão dos povoados costeiros), pois verificou-se a
necessidade de explorar melhor este elemento da “equação do risco costeiro” no litoral da região
Centro de Portugal. Deste modo procura-se entender os motivos de desenvolvimento dos povoados
costeiros e a interferência e importância do planeamento.
Entendam-se os povoados costeiros como aglomerados de pequena dimensão populacional e que
tiveram como base de fundação a actividade piscatória durante a época de Verão, época de menor
agitação marítima. Contudo, estes povoados acabaram para evoluir para uma vertente mais turística
tendo-se construído habitações de forma a dar condições de habitação durante os períodos de férias.
Da imagem do conjunto de povoados que estão distribuídos pela costa portuguesa passa muitas
vezes a ideia errada de que “a costa portuguesa está forrada a betão”. Na verdade, e para o trecho
da costa em análise, é que apesar de actualmente existirem habitações e infraestruturas
referenciadas como estando em risco de serem destruídas pelo avanço do mar, estes povoados
nunca se desenvolveram de forma massiva, nem de modo contínuo (paralelo à costa) como em
outros locais, tanto em Portugal como a nível internacional, em situação semelhante.
Nesse sentido, e com base nas ideias de Huntington (1924; 1927) sobre o desenvolvimento das
populações e selecção do território com base nos factores climáticos, aborda-se as questões de
habitabilidade e os factores que contribuem para que determinado lugar tenha mais ou menos
condições de atracção de população. Sendo o sector norte da costa da região Centro característico
por apresentar Invernos rigorosos (frios e com algumas tempestades) e Verões ventosos (quentes
mas muitos ventosos), importa saber se este foi realmente um factor que influenciou o
desenvolvimento dos povoados costeiros.
Outro aspecto que desempenha um papel nas intervenções no território são as questões do
planeamento e ordenamento território. É relevante por isso obter informação sobre planos e
instrumentos de gestão do território implementados e com interferência naquele sector da costa,
pretendendo-se cruzar com as dinâmicas evolutivas dos povoados, permitindo aferir a importância ou
não destes instrumentos e planos para o desenvolvimento dos povoados na orla costeira.
Após décadas de ocupação das zonas junto à linha de costa, apenas em 1990, com a Resolução do
Conselho de Ministros nº 38/90, publicada na série I do Diário da República em 14-09-1990, que o
Estado se tem preocupado com o planeamento e ordenamento das zonas costeiras. Neste
4
documento legal é referido que se está perante “um território em acelerado processo de alteração”,
definindo assim directrizes para os municípios com frente marítima.
Com isto, faz-se uma abordagem a todo o território entre os concelhos de Ovar e Vagos, obtendo-se
assim uma perspectiva geral da realidade que se faz sentir nesse trecho ao nível da ocupação
urbana, focando depois a análise na freguesia de Esmoriz e Cortegaça, os locais em que a agitação
marítima é mais energética a nível nacional e europeu (Taveira-Pinto et al., 2009) e em que se
observa taxas de recuo da linha de costa muito elevadas.
Esmoriz e Cortegaça são um dos vários casos mediáticos, a nível nacional, sobre o qual se noticia os
problemas e prejuízos provocados pelos galgamentos marítimos durantes as tempestades de
Inverno. As elevadas taxas de recuo da linha de costa são sempre apontadas como o causador
destes problemas, contudo décadas antes do desenvolvimento dos povoados costeiros de Esmoriz e
Cortegaça, já o “concelho vizinho” Espinho lidava com problemas desta ordem.
A selecção do caso de estudo deve-se em muito ao conhecimento à priori que o autor possuía do
concelho e dos aglomerados que se pretende estudar e os problemas que estes tem enfrentado ao
longo das últimos anos.
Assim, este estudo pretende realizar uma caracterização e análise da evolução presente no processo
de ocupação urbana no trecho de costa aveirense, em concreto nos aglomerados de Esmoriz e
Cortegaça, explorando a possível influência dos instrumentos de Gestão Territorial tiveram nesse
mesmo processo. De modo a estruturar da melhor forma o estudo, definiu-se um conjunto de
objectivos secundários que devem ser atingidos:
1. Conhecer os principais diplomas legislativos nacionais que incidem sobre o ordenamento da
orla costeira, assim como os instrumentos e estratégias de gestão para esses territórios;
2. Apresentar o processo de formação da linha de costa da região Centro de Portugal, assim
como a sua evolução temporal;
3. Identificar os principais povoados costeiros presentes no caso de estudo, procurando
inventariar possíveis semelhanças quanto aos factores que estiveram na sua origem;
4. Compreender o conceito de habitabilidade de um território e procurar aplicá-lo ao caso de
estudo;
5. Apresentar as principais características históricas e geográficas das freguesias de Esmoriz e
Cortegaça, inferindo sobre os motivos que levaram à expansão para o litoral;
6. Perceber as várias fases de evolução dos povoados costeiros presentes no caso de estudo,
identificando como se efectivou a ocupação dessas praias e a relação com o planeamento e
ordenamento do território;
7. Averiguar, com base no conhecimento obtido sobre a evolução dos povoados, junto do
responsável pela gestão municipal destas áreas, qual o futuro desses povoados e que
estratégias se pretendem implementar na resolução de possíveis problemas.
5
A reflexão que se fará sobre este território pretende contribuir para um aumento do conhecimento
científico destes aglomerados. Sendo o planeamento uma tarefa que define estratégias futuras para
determinado território, esta ocorre no presente com base nos comportamentos passados. Nesse
aspecto, este estudo é relevante para se perceber as dinâmicas passadas dos povoados costeiros de
Esmoriz e Cortegaça, pretendendo apoiar uma possível estratégia futura.
1.2. METODOLOGIA
Ao longo da dissertação, procurou-se utilizar os métodos de investigação que melhor se adaptassem
aos objectivos que se pretendia atingir. Deste modo, para além da pesquisa bibliográfica que suporta
todos os elementos teóricos, procurou-se obter informação através do recurso à análise estatística e
cartográfica e entrevista, para se perceber se mostrar de forma clara e sintética a realidade do
território analisado.
Na Figura 1 pode-se observar a esquematização da metodologia utilizada. Assim, numa primeira fase
iniciou-se um processo de escolha do tema a abordar na dissertação tendo como assente que estaria
relacionado com as questões do ordenamento da orla costeira. Ao longo desse processo foi sendo
feita uma pesquisa bibliográfica geral para enquadrar o tema e analisar as preocupações actuais,
muita desta informação acaba por não ser apresentada mas foi fundamental para se decidir o rumo
da dissertação. Dentro de várias possibilidades, apresentadas na Fase 1.1, optou-se pela vertente
dos riscos costeiros devido à constante actualidade do tema mas também pela necessidade de
aprofundar este tema num âmbito específico. Assim, na Fase 1.2 procurou-se obter o máximo de
informação através do estudo da teoria deste tema, saber a estrutura e os objectivos dos trabalhos
realizados sobre os riscos costeiros e perceber a nível nacional qual o sector da costa mais
fragilizado de modo a escolhê-lo como área de estudo. No seguimento das informações recolhidas na
fase anterior, é apresentado na Fase 1.3 o objecto de estudo da dissertação. Foram ponderadas duas
situações, uma pela vertente da análise da evolução da linha de costa e outra pela vertente da
pressão antrópica e exposição aos riscos. Optou-se pela segunda por vários motivos, primeiro porque
a presença de pessoas e bens é elemento essencial nas questões dos riscos e nesse sentido seria
interessante ter uma perspectiva do desenvolvimento dessas pressões, em segundo porque é um
tema que não tem sido muito abordado na literatura científica o que leva ao terceiro motivo, visto que
na maioria dos casos em que aborda as questões dos riscos se opta pela criação de modelos de
projecção da linha de costa e não era intenção repetir questões já discutidas, mas sim trazer outra
abordagem para a discussão.
6
Figura 1 - Esquema da metodologia utilizada na investigação feita à evolução dos povoados costeiros de
Esmoriz e Cortegaça; Fonte: Elaboração própria
Na fase 2 procurou-se aprofundar o tema da ocupação urbana no litoral de modo a apresentar-se a
primeiras ideias da dissertação. Nesse sentido procurou-se estudar as características do sector da
costa da região Centro de Portugal e estudando os principais povoados e os mais vulneráveis à
erosão costeira (Fase 2.1). Na Fase 2.2, pretendeu-se efectuar uma recolha bibliográfica no sentido
de fundamentar teoricamente os elementos que contribuem para a problemática da ocupação da
linha de costa. Com as informações recolhidas decidiu-se o caso de estudo que seria abordado, ou
seja, o local que apresentava maior vulnerabilidade à erosão costeira e que decerta forma poderia ser
um bom exemplo do que se pretendia demonstrar (Fase 2.3).
7
Na Fase 3 o método de estudo pretendeu fazer uma abordagem ao caso de estudo. Assim, na Fase
3.1 iniciou-se a localização e caracterização dos povoados escolhidos para analisar, obtendo-se um
enquadramento geral do território na sua globalidade. Com a Fase 3.2 efectuou-se a recolha da
informação histórica, cartográfica e estatística necessária para auxiliar o estudo da evolução dos
povoados costeiros de Esmoriz e Cortegaça. A informação histórica implicou a consulta de arquivo
para encontrar referencias ao inicio dos povoados, já os dados cartográficos e estatísticos foram
tratados (Fase 3.3) em ambiente próprio, os primeiros em ArcGis 9.3 o segundos em Excel, para
facilitar a análise efectuada na fase seguinte.
Na Fase 4 chegou-se aos resultados do estudo, sendo que na Fase 4.1 fez-se a análise a esses
dados. É com base na interpretação desses valores e dados obtidos que se apresenta a forma como
os povoados estudados evoluíram ao longo do tempo (Fase 4.2). Com o conhecimento adquirido
sobre o povoado nas fases anteriores, procurou-se, na Fase 4.3, saber pelo método da entrevista
junto da administração local quais as estratégias para o futuro desses povoados. Desta forma, após
se percorrer todas as fases da investigação, realizou-se as conclusões na Fase 4.4.
1.3. ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
Ao longo deste ponto será apresentada a estrutura da dissertação, estrutura essa que pretende
acompanhar as diferentes fases de investigação abordadas anteriormente. Deste modo, pretende-se
que o texto seja coerente e estruturado na ligação entre as diferentes temáticas de modo a se atingir
os objectivos propostos.
Assim, neste primeiro capítulo introdutório pretende-se apresentar o tema a dissertação, justificando
a pertinência do assunto assim como fazer um enquadramento geral, explicitar a metodologia
utilizada e a forma como se encontra estruturado o texto.
No segundo capítulo apresenta-se o enquadramento legal do litoral português. Nesse sentido,
sintetizou-se os diplomas que regulamentam a orla costeira em Portugal, assim como os principais
planos e estratégias para a costa.
No capítulo 3 referem-se as questões teóricas relativamente à formação da costa da região Centro.
Assim, referem-se os agentes e dinâmicas que interagem na faixa costeira e permitiram que se
chegasse à forma actual da linha de costa neste sector do litoral.
No capítulo 4 são referidos os principais povoados do sector norte do litoral da região Centro. Com
isto pretende-se mostrar as principais características desses povoados e as suas origens, só desta
forma se pode compreender a ocupação da linha de costa.
Ao longo do quinto capítulo procurou-se fundamentar teoricamente os motivos que levam à ocupação
de um lugar. Desta forma é introduzido o conceito de habitabilidade como um conjunto de indicadores
relevantes para tornar um local mais atractivo que outro para se residir/habitar.
8
É a partir do sexto capítulo que se inicia a abordagem ao caso de estudo de Esmoriz e Cortegaça.
Aqui pretende-se fazer um enquadramento geográfico do local, referindo os seus principais
acontecimentos históricos, as suas características e a sua localização face aos municípios mais
próximos.
O capítulo 7 é o resultado da informação e dados recolhidos sobre o caso de estudo. Assim, é
apresentada a evolução dos povoados das praias de Esmoriz e Cortegaça ao longo de diferentes
fases de evolução, assim como os resultados da análise dessa evolução.
Já o capítulo 8 é mais prospectivo, baseia-se nas informações que se possui actualmente para se
perceber o que se pretende para o futuro e quais as soluções existentes. Nesse âmbito foi
fundamental a recolha da opinião junto da administração local sobre este assunto.
Por fim, no capítulo 9 faz-se uma síntese à investigação realizada pretendendo fazer um juízo sobre a
resposta aos objectivos propostos, assim como as conclusões retiradas da relação entre o
ordenamento do território e a evolução dos povoados.
9
2. O LITORAL NA LEGISLAÇÃO PORTUGUESA
A preocupação com o ordenamento do litoral em Portugal é antiga. Desde cedo se percebeu os
problemas que as povoações costeiras iriam sofrer, mas as intervenções tardaram a ser executados
e a matéria legal, desenvolvida mais recentemente, foi acompanhando as recomendações europeias.
São vários os trabalhos e estudos desenvolvidos em Portugal sobre as questões da erosão costeira
no litoral português (Gomes, 1998, 2007; Dias 1993, 2005, 2008, 2009), e que sustentam muito do
que se sabe hoje sobre a costa portuguesa. A costa do litoral da região centro, no trecho Espinho-
Mira e principalmente na área que será foco desta dissertação, Esmoriz-Cortegaça, é tida um dos
casos mais preocupantes e como uma das zonas mais “frágeis” ao nível da perda de território da
Europa (Dias et al., 1994; CEHIDRO/INAG , 1998; HP, 1998; Coelho, 2005; Gomes et al., 2006;
Barbosa et al., 2006; Coelho et al., 2007).
Sendo a região Centro da responsabilidade da Comissão de Coordenação da Região Centro, esta
promove em 1990 por Resolução do Conselho de Ministros nº38/90 (publicado na I série do Diário da
República em 14 de Junho de 1990) a elaboração do PROT (Plano Regional Ordenamento do
Território) do Centro Litoral. A importância dessa Resolução do Conselho de Ministros para a
temática da ocupação do litoral e do risco costeiro, prende-se com a constituição de um objectivo
onde se pretendem estabelecer “normas gerais de ocupação e utilização do território que permitam
fundamentar um correcto zonamento e integrar a sua diversidade”.
Esta RCM é assim, um alavancar da legislação aplicável à orla costeira de maneira a conter os
“problemas relacionados com o aumento da pressão em relação às alterações do uso do solo
associadas a uma ocupação urbana e industrial, novas acessibilidades (portos e auto-estradas), e
aumento do tráfego, intensificação do uso recreativo (praias, desportos náuticos) e pesca excessiva”
(Gomes e Pinto, 2003).
Apesar de haver consciência das situações de desequilíbrio, reflexo disso é a elaboração da Carta
Europeia do Litoral, em Creta no ano de 1981, após a reunião plenária da Regiões Periféricas
Marítimas da Comunidade Económica Europeia, devido à crescente procura e ocupação da faixa
costeira, só cerca de 10 anos depois se inseriu na legislação portuguesa a necessidade de
regulamentar a costa.
A regulamentação da ocupação da linha de costa aparece contemplada pelo Decreto-Lei n.º 302/90,
26 de Setembro, o qual estabelece “os princípios a que deve obedecer a ocupação, uso e
transformação da faixa costeira”.
2.1. PLANOS DE ORDENAMENTO DA ORLA COSTEIRA
Os POOC são introduzidos pelo Decreto-Lei n.º 309/93, 2 de Setembro. Este surge com a
necessidade regular a elaboração e implementação desses planos, regulamentando os critérios de
10
atribuição de uso privativo de parcelas de terrenos do domínio público marítimo destinadas à
implantação de infra-estruturas e equipamentos de apoio à utilização das praias (Gomes e Pinto,
2003).
Estes são planos sectoriais que definem as condicionantes, vocações e usos dominantes e a
localização de infra-estruturas de apoio a esses usos e orientam o desenvolvimento das actividades
conexas.
Segundo as informações recolhidas do sítio do INAG (www.inag.pt; acedido a 11 Setembro 2012), os
POOC, surgem como um instrumento de enquadramento que as pode conduzir a uma melhoria,
valorização e gestão dos recursos presentes no litoral. O INAG, no âmbito das suas competências,
promoveu a elaboração de seis dos nove POOC estabelecidos, correspondentes aos seguintes
troços: Caminha-Espinho, Ovar-Marinha Grande, Alcobaça-Mafra, Cidadela-São Julião da Barra,
Sado-Sines e Burgau-Vilamoura. A elaboração dos POOC relativos aos restantes troços, Sintra-Sado,
Sines-Burgau e Vila Moura-Vila Real de Stº António, por corresponderem maioritariamente a áreas
que integram a rede nacional de áreas protegidas, foi da responsabilidade do Instituto da
Conservação da Natureza.
Os POOC abrangem uma faixa ao longo do litoral, a qual se designa por zona terrestre de protecção,
cuja largura máxima é de 500m, contados a partir do limite da margem das águas do mar, ajustável
sempre que se justifique, e uma faixa marítima de protecção que tem como limite inferior a
batimétrica - 30.
Pelo n.º 2, do Artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 309/93, 2 de Setembro, os POOC têm como objectivos:
1. Ordenar os diferentes usos e actividades específicas da orla costeira;
2. Classificar as praias e regulamentar o uso balnear;
3. Valorizar e qualificar as praias consideradas estratégicas por motivos ambientais e turísticos;
4. Enquadra o desenvolvimento das actividades específicas da orla costeira;
5. Assegurar a defesa e conservação da natureza;
O Decreto-Lei n.º 309/93, 2 de Setembro, posteriormente alterado pelo alterado pelos Decretos-Leis
n.º 218/94, de 20 de agosto, 151/95, de 24 de Junho, e 113/97, de 10 de Maio, e mais recentemente
revisto pelo Decreto-Lei n.º 159/2012 de 24 de Julho, são, segundo Gomes e Pinto (2003), os planos
de gestão das zonas costeira que serviram de primeiro impulso na direcção de uma gestão integrada
das zonas costeiras portuguesas.
O POOC Ovar-Marinha Grande, RCM nº 142/2000, publicado a 28 de Setembro, incide sobre a área
em estudo, sendo o limite norte do plano estabelecido na “Barrinha de Esmoriz”, sendo por isso
relevante a análise da sua composição. Este plano pretende conciliar os diversos valores presentes
no trecho de costa sobre o qual incide, estabelecendo um conjunto de objectivos principais que
estruturaram a sua elaboração: valorizar, diversificar e garantir os usos e as funções da orla costeira;
proteger os ecossistemas naturais e assegurar a exploração sustentável dos recursos; melhorar as
condições de vida das populações, reforçar e melhorar as infra-estruturas e equipamentos e
11
promover uma oferta turística de qualidade; valorizar o actual tipo de povoamento, em respeito das
dinâmicas costeiras, dos valores naturais e da minimização de riscos, e promover a articulação dos
factores económicos e sociais.
Importa assim sintetizar o regulamento do presente plano, direccionando a análise para a influência
deste na área de estudo. Deste modo apresenta-se um excerto da planta síntese (Figura 2) estando
aí representados as classes de espaço, áreas de usos e restrições específicas .
Figura 2 - Excerto da Planta Síntese do POOC-Ovar Marinha Grande – pormenor sobre os aglomerados
de Esmoriz e Cortegaça; Fonte: DGT, 2014 (http://www.igeo.pt/WMS/POOC/OvarMG327)
Este sector da costa possui praias classificadas como Praia urbana com uso intensivo - Tipo I, Praia
não equipada com uso condicionado – Tipo IV e Praia com uso restrito – Tipo V. As praias de tipo I
possuem uma envolvente de núcleo urbano e por isso estão sujeitas a uma procura intensa, as praias
de tipo IV estão associadas a sistemas de elevada sensibilidade e apresentam limitações para o uso
balnear pois não garante a segurança do utente, por fim as praias de tipo V são zonas de
acessibilidade reduzida em que se encontram sistemas naturais sensíveis. Nesta planta estão ainda
identificados dois núcleos piscatórios, um de nível I (Esmoriz) e outro de nível II (Cortegaça), e um
núcleo de vocação turística de nível III (Esmoriz).
Ao nível do planeamento e gestão das áreas urbanas de Esmoriz e Cortegaça foram definidos dois
tipos de estudos a realizar, Projecto de Intervenção, da iniciativa do INAG, das frentes marítimas da
praia de Esmoriz e de Cortegaça e um PMOT, o Plano de Pormenor de Esmoriz e Cortegaça. O
Projecto de Intervenção tinha como objectivo primordial a realização de um estudo de avaliação de
soluções alternativas de defesa costeira para resolução dos problemas de erosão nas frentes
marítimas dos dois aglomerados e do parque de campismo de Cortegaça, na qual se incluía a análise
de custos/benefícios em termos ambientais, sociais, urbanísticos e económicos, prevendo-se que
após a conclusão desse estudo inicial ocorressem intervenções ao nível da qualificação e valorização
da imagem urbana destes aglomerados. O regulamento do POOC define ainda um conjunto de
índices a aplicar, ao nível da gestão urbanística, enquanto o PP previsto não entra-se em vigor. Em
12
ambos os casos não foi realizado qualquer estudo ou projecto, tendo-se ficado apenas pelas
indicações e propostas do regulamento do que se apresentou.
2.2. ESTRATÉGIA NACIONAL DE GESTÃO INTEGRADA DAS ZONAS COSTEIRAS
A Estratégia Nacional da Gestão Integrada das Zonas Costeiras (ENGIZC) é introduzida pela RCM
Resolução do Conselho de Ministros (RCM) nº 82/2009, 8 de Setembro; com o intuito de se criar uma
visão estratégica para o litoral que favorecesse a protecção ambiental e a valorização paisagística.
No mesmo sentido pretendia-se também enquadrar a sustentabilidade e qualificação das actividades
económicas que aí se desenvolvem.
Há ainda a pretensão de implementar medidas para salvaguardar a faixa costeira dos riscos naturais,
por vias de operações de monitorização e identificação de zonas de risco aptas a fundamentar os
planos de acção necessários a uma adequada protecção, prevenção e socorro.
Destaque, face ao referido anteriormente, para a criação dos programas Polis Litoral e com interesse
para a área de estudo, o Polis Litoral Ria de Aveiro (Decreto-Lei n.º11/2009, 12 de Janeiro) definido
para “as situações prioritárias, por se tratar de zonas de risco e de áreas naturais degradadas em
domínio público marítimo, torna-se necessário intervir através de operações integradas, com
dimensão significativa e, sempre que necessário, de escala supramunicipal, que visem a qualificação
costeira de forma exemplar”.
Outro facto que dever ser realçado, é que a ENGIZC segue a linha das restantes estratégias, políticas
e programas nacionais ao nível do ordenamento do território, das actividades marítimas, da natureza
e biodiversidade e do turismo. Esse facto faz com que exista coerência com as opções feitas
anteriormente.
Para além da importância dos objectivos transversais e temáticos que o ENGIZC apresenta, há um
facto que convêm realçar que se prende com a clarificação do conceito da zona costeira. Isto surge
pois as “designações de “litoral, costa, faixa costeira, faixa litoral, orla costeira, zona costeira, zona
litoral, área/região costeira” são utilizadas de modo indiferenciado ou por especialistas de diferentes
áreas para referir porções do território de dimensões variáveis, na interface entre a Terra e o Oceano”
(Veloso Gomes et al., 2006).
Esse tema é assim de todo o interesse, não só para o desenvolver desta dissertação, mas também
porque procura delimitar o litoral em diferentes zonas, o que ajudará no modo como são referidas as
diferentes áreas de intervenção, uniformizando os trabalhos desenvolvidos. Atendendo à Figura 3 e
às seguintes definições consideradas pela RCM n.º 82/2009, 8 de Setembro:
1. Litoral — termo geral que descreve as porções de território que são influenciadas directa e
indirectamente pela proximidade do mar;
2. Zona costeira — porção de território influenciada directa e indirectamente, em termos
biofísicos, pelo mar (ondas, marés, ventos, biota ou salinidade) e que, sem prejuízo das
13
adaptações aos territórios específicos, tem, para o lado de terra, a largura de 2 km medidos a
partir da linha da máxima preia -mar de águas vivas equinociais e se estende, para o lado do
mar, até ao limite das águas territoriais, incluindo o leito.
3. Orla costeira — porção do território onde o mar, coadjuvado pela acção eólica, exerce
directamente a sua acção e que se estende, a partir da margem até um máximo de 500 m,
para o lado de terra e, para o lado do mar, até à batimétrica dos 30 m;
4. Linha de costa — fronteira entre a terra e o mar, assumindo-se como referencial a linha da
máxima preia-mar de águas vivas equinociais.
Figura 3 - Conceito de zonas costeiras (limites); Fonte: Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2009
Ainda fazendo referência à ENGIZC, destaca-se as seguintes medidas, que se entende serem as que
melhor se aplicam às questões da ocupação urbana da orla costeira, tema chave desta dissertação:
1. “Medida [M_07] - (…) O reconhecimento que a zona costeira funciona como um espaço
tampão (…) é um conceito fundamental que deve ser assumido como um princípio do
ordenamento do território a integrar nos instrumentos de gestão territorial. A introdução deste
princípio associado a um estatuto non aedifcandi da orla costeira deverá ser considerada um
mecanismo de salvaguarda fundamental para as situações de risco e para os troços de maior
vulnerabilidade da zona costeira.
2. Medida [M_10] – Proceder ao inventário do domínio hídrico e avaliar a regularidade das
situações de ocupação do domínio público marítimo.
3. Medida [M_11] – Integrar no quadro dos instrumentos de gestão territorial a problemática da
gestão integrada da Zona Costeira.
(…) Devendo os planos regionais de ordenamento do território definir as normas e as orientações a
serem integradas em sede dos planos municipais de ordenamento do território” (RCM n.º 82/2009, 8
de Setembro).
14
2.3. REVISÃO DO REGIME APLICÁVEL À ORLA COSTEIRA
Após dezoito anos desde a aprovação do Decreto-Lei n.º 309/93, legislação que introduziu os POOC
no planeamento do território português, surge a necessidade de actualizar essa mesma legislação.
Deste modo, apoiada na experiencia da 1ª geração de POOC, assim como com a introdução de
novos elementos provenientes da Lei da Água, da ENGIZC e das alterações ao Decreto-Lei n.º
309/93, 2 de Setembro (uma das quais provocada pela aprovação do Decreto-Lei n.º 380/99, 22 de
Setembro que consagra os POOC enquanto planos especiais de ordenamento do território, como
instrumentos supletivos de âmbito nacional) formulou-se o Decreto-Lei n.º 159/2012, 24 de Julho,
sintetizando-se o processo na Figura 4.
Neste ponto referem-se algumas alterações provocadas pelo mais recente diploma referente ao
planeamento da orla costeira. Este “novo POOC” promove uma nova abordagem da orla costeira,
mais flexível e de gestão integrada. É ainda acrescido aos POOC, meios de identificação e
programação de medidas de gestão, protecção, conservação e valorização, para além do seu
carácter normativo e regulamentar.
Uma das maiores alterações prende-se com o alargamento do “processo de planeamento a toda a
orla costeira, abrangendo as áreas sob jurisdição portuária, sem prejuízo da devida articulação com
as autoridades competentes, e ainda a faculdade de extensão da zona terrestre de protecção, até aos
1000 m, quando tal seja justificado pela necessidade de protecção de sistemas biofísicos costeiros
localizados para além da actual faixa dos 500 m” (Decreto-Lei n.º 159/2012, 24 de Julho).
Figura 4 - Processo de reformulação do "novo POOC" e sua inserção nos IGT; Fonte: Adaptação da
informação obtida no Decreto-Lei 159/2012, 24 de Julho
Mantem-se a aposta na prevenção associada à ocupação de áreas de risco de erosão,
essencialmente nas praias marítimas. Desta forma, existe um aumento e reforço na sinalização e
15
informação referente às áreas de risco de erosão costeira, de modo a proteger pessoas e bens de
fenómenos naturais susceptíveis de causar dano.
Em relação aos objectivos a observar pelos POOC (Artigo 6º do Decreto-Lei n.º 159/2012, 24 de
Julho), realça-se que existem algumas semelhanças entre alguns objectivos gerais deste novo
diploma com os que estavam presentes no Decreto-Lei 309/92, 2 de Setembro, o que em alguns
casos não é de todo positivo. O legislador neste ponto parece, mais uma vez, esquecer a diversidade
de casos que a orla costeira portuguesa apresenta.
Nesse sentido, quando se pretende a “criação de condições para a manutenção, o desenvolvimento e
a expansão de actividades relevantes para o país, (...) bem como de actividades emergentes que
contribuam para o desenvolvimento local e para contrariar a sazonalidade” (alínea f), do n.º 1, do
Artigo 6º do Decreto-Lei n.º 159/2012, 24 de Julho), e não se faz, ou não está prevista uma distinção
entre os locais estáveis na orla costeira para os que se encontram afectados por elevadas taxas de
erosão costeira, poderemos estar diante de incompatibilidade de objectivos. É do conhecimento geral
a existência de vários aglomerados na orla costeira, os quais alguns POOC já apresentavam a opção
da retirada, que estão em zonas vulneráveis e o legislador aponta para a manutenção e para o
desenvolvimento local sem qualquer tipo de diferenciação? Será feita, em sede de cada POOC, a
distinção de cada caso e que pode sofrer esse tipo de aposta? São estas algumas dúvidas que
subsistem face à ambiguidade dos objectivos presentes no referido artigo.
Ainda relativamente ao assunto anterior parece preocupante que a ocupação da orla costeira em
áreas de risco não seja focada como um objectivo.
16
2.4. SÍNTESE DA LEGISLAÇÃO PORTUGUESA REFERENTE À ORLA COSTEIRA Tabela 1 - Legislação portuguesa existente para a orla costeira e objectivo principal desses diplomas;
Legislação Objectivo principal do diploma Decreto-Lei n.º 309/93, 2 de Setembro Regula a elaboração e aprovação dos POOC
Decreto-Lei n.º 151/95, 24 de Junho Define os POOC como planos especiais de
ordenamento do território
Decreto-Lei n.º 5/96, 29 de Fevereiro Altera o DL 151/95 por ratificação. Pretende
harmonizar o regime jurídico dos PEOT.
Portaria n.º 767/96, 30 de Dezembro Indica as normas e técnicas para a
elaboração dos POOC.
Lei n.º 48/98, 11 de Agosto Estabelece as bases da política de
ordenamento do território e urbanismo
Decreto-Lei n.º 380/99, 22 de Setembro Estabelece o regime jurídico dos
instrumentos de gestão territorial
Resolução do Conselho de Ministros n.º
142/2000, 20 de Outubro
Aprova o POOC Ovar-Marinha Grande
(importância para a área de estudo)
Portaria n.º 137/2005, 2 de Fevereiro Indica os elementos que devem acompanhar
um PEOT
Lei n.º 58/2005, 29 de Dezembro Aprova a “Lei da Água”
Lei n.º 49/2006, 29 de Agosto Estabelece medidas de protecção à Orla
Costeira
Resolução do Conselho de Ministros n.º
90/2008, 3 de Junho
Determina a realização de um conjunto de
operações de protecção e valorização da
orla costeira – Programa Polis Litoral
Decreto-Lei n.º 11/2009, 12 de Janeiro Constitui a sociedade Polis Litoral Ria de
Aveiro (importância para a área de estudo)
Resolução do Conselho de Ministros n.º
82/2009, 8 de Setembro
Aprova a Estratégia Nacional de Gestão
Integrada das Zonas Costeiras
Resolução do Conselho de Ministros n.º
39/2012, 29 de Março
Suspensão parcial (prazo de 3 anos) o
POOC Ovar-Marinha Grande.
(importância para a área de estudo)
Decreto-Lei n.º 159/2012, 24 de Julho
Regula a elaboração e a implementação dos
POOC e estabelece o regime sancionatório
aplicável às infracções praticadas na orla
costeira
17
3. A FORMAÇÃO DO LITORAL DA ZONA CENTRO
As particularidades do território que se aborda ao longo da dissertação requerem uma análise
dedicada à sua génese, deste modo obtêm-se conhecimento sobre os elementos que influenciaram.
Desta forma, pretende-se ao longo deste capítulo fazer uma análise à génese do litoral da zona
Centro, procurando-se entender a forma como se desenvolveu a linha de costa em causa,
caracterizando os agentes intervenientes nesses procedimentos.
A área de estudo insere-se no litoral da Região Centro da costa compreendida entre Esmoriz e a
Marinha Grande. Sabe-se que este sector da costa portuguesa é de formação recente, face ao tempo
de vida da Terra, em que são características as praias de baixo declive e dunas, tendo na sua génese
múltiplos factores que contribuíram para essa forma.
A acção do vento, tanto de forma directa como indirecta, é o principal agente modelador da linha de
costa. A sua acção directa, caracteriza-se pela movimentação de sedimentos. Já de forma indirecta,
gerando ondas, acaba por modelar a costa no momento da rebentação. Deste modo, pretende-se
definir a importância destes dois agentes, vento e ondas, para o litoral e para as formas que criam.
Forma-se uma praia quando a quantidade de materiais disponíveis, provenientes das fontes
sedimentares, supera o volume de sedimentos que as ondas e as correntes litorais são capazes de
retirar da costa (Paskoff, 1985). Posto isto, é relevante demonstrar-se a importância da deriva litoral
para a formação de praias e que tipos existem. Com isto, pretende-se caracterizar, da melhor forma
possível, o local de estudo quanto à sua génese.
No caso particular do sector da costa em análise, a formação das praias é estruturalmente
característica de praias de restinga. As restingas são praias de um tipo particular porque não têm
apoio algum contra afloramentos rochosos, em toda a sua extensão (Paskoff, 1985). São assim
zonas exclusivamente sedimentares, e a sua formação e manutenção depende dos materiais que
provêm da erosão provocada na costa, pela acção das ondas, e nas serras, pela acção fluvial. Tal
como refere (Paskoff, 1985) a existência de restingas depende principalmente de uma deriva litoral
bem alimentada em materiais.
Assim, nos pontos que se seguem, pretende-se apresentar a evolução do litoral e os elementos que
potenciaram o estado da linha de costa que hoje se observa.
3.1. A ACÇÃO DAS ONDAS E A DERIVA LITORAL
Como foi referido, tanto a acção do vento como das ondas são fundamentais para modelar a linha de
costa de determinado território. Estes, são dois elementos indissociáveis neste contexto, estando as
ondas dependentes da força exercida pelo vento sobre a água.
As ondas variam as suas características consoante a força exercida pelo vento. “A altura da onda é
influenciada pela velocidade e duração do vento, e o fetch que depende da distância que o vento
18
sopra da água (Strahler, 2010). As ondas viajam quilómetros sem perder energia, mas ao chegar
junto da costa, sendo afectadas por águas menos profundas, a base da onda abranda devido ao
contacto com o fundo. À superfície, a onda mantem a sua velocidade o que provoca um
desfasamento entre a base e o topo da onda acabando esta por rebentar na linha de costa. O
rebentamento da onda na costa liberta a energia transportada pela onda e que fora criada pelo vento,
esta acção é fundamental na modelação das praias.
Deste modo, durante períodos de fortes tempestades, a praia diminui e os seus sedimentos são
arrastados para o largo, voltando lentamente em períodos mais calmos (variação sazonal da praia).
As praias são assim um elemento bastante importante na costa, pois é nelas que é absorvida a
energia das ondas.
A rebentação das ondas também produz correntes que movem sedimentos ao longo da costa. Essas
correntes são fundamentais para a existência de deriva litoral.
A deriva litoral, também conhecida como transporte litoral, consiste na movimentação de sedimentos
na zona de rebentação pela acção das ondas e das correntes. As correntes geradas pelas ondas
tendem a dominar o movimento da água na zona junto à linha de costa e têm um papel fundamental
na movimentação de sedimentos. Quando a onda rebenta junto à costa, num determinado ângulo a
corrente gerada provoca uma movimentação paralela (deriva ao longo da costa) e uma perpendicular
(deriva de praia), que em conjunto formam a deriva litoral (Figura 5).
A deriva de praia, que não tem uma importância tão grande no transporte, é provocada pelo fluxo da
rebentação da onda que atinge, obliquamente, a praia “empurrando” para a praia os sedimentos
transportados. O refluxo da onda provoca o arrastamento dos sedimentos, numa direcção rectilínea,
de volta à rebentação.
Figura 5 - Deriva litoral, provocada pela conjugação de dois fluxos: Deriva de praia e deriva ao longo da
costa; Fonte: Adaptado (Strahler, 2010)
19
A deriva ao longo da costa possui uma importância maior em relação ao transporte de sedimentos.
Neste fluxo, ondas, onde o vento tem grande preponderância na sua formação, induzem as correntes
paralelas à linha de costa, sendo que estas são mais fortes na zona de espraiar da onda e diminuem
rapidamente para jusante da zona de rebentação (U.S. Army Corps of Engineers, 2002). Quando a
onda rebenta junto à costa num determinado ângulo, gera-se uma corrente paralela à linha de costa,
ficando confinada entre a zona de rebentação e a praia. É nesta corrente que se faz maioritariamente
o transporte de sedimentos no litoral.
Quando a linha de costa for relativamente rectilínea por extensos quilómetros, a deriva litoral
transporta os sedimentos na praia com a direcção do vento predominante. Neste caso, se essa linha
de costa for interrompida por uma baía, os sedimentos continuam com a mesma direcção da deriva
criando uma restinga. É exemplo deste processo, a formação do litoral na zona centro do país.
Um dado importante na deriva litoral prende-se com a quantidade de sedimentos que esta transporta.
Aqui, joga-se com a disponibilidade de sedimentos que as fontes cedem à deriva litoral e com a
velocidade e intensidade da própria deriva. Quando os sedimentos chegam a determinado sector da
praia mais rapidamente do que são retirados, então temos acumulação/crescimento da praia. Quando
ocorre o contrário, ou seja, os sedimentos são retirados mais rapidamente do que são repostos pela
deriva, então a temos diminuição/erosão da praia.
3.2. O TIPO DE COSTA
A costa é um ambiente bastante complexo e diversificado, por isso, por todo o globo existe uma
multiplicidade de formas costeiras apesar dos agentes envolvidos na modelação serem semelhantes.
“A busca por conhecer como linhas costeiras se formam e como as actividades humanas afectam
esses processos, exigiu a criação de esquemas de classificação” (U.S. Army Corps of Engineers,
2002) para os diferentes tipos de costa. Deste modo, as decisões que se fazem para determinado
tipo de costa devem ter em conta as características desta.
Para o caso particular da área que se encontra em estudo, procurou-se as definições/classificações
que melhor se adequam à morfologia de costa presente, que como se sabe deve-se à formação de
uma restinga, de acordo com três visões diferentes.
Segundo a U.S. Army Corps of Engineers (2002), que utiliza a classificação de Shepard de 1937, por
ser o método mais consensual dada a sua abrangência e detalhe permite a inclusão de todo o tipo de
costa, e por ter sido actualizado ao longo do tempo. Esta forma de classificação divide a costa em:
- Costas primárias: formada essencialmente por agentes não marinhos
- Costas secundarias: formadas por processos marinhos
Em cada uma destas divisões podemos encontrar várias subdivisões, que se avaliam consoante o
agente específico, terrestre ou marinho, que teve maior influência no desenvolvimento da costa em
20
questão. Para a costa entre Espinho e o Cabo Mondego, da análise dos critérios para a classificação
da costa de acordo com a metodologia de Shepard, resulta a Tabela 2.
As restingas caracterizam-se por serem estreitas, formando montes de areia ligeiramente acima do
nível de maré alta, e se prolongam geralmente paralela com a costa, estando presente entre o maciço
terrestre e a restinga, uma laguna ou pântano (Figura 6). Estas estão ligadas a uma fonte sedimentar
e crescem no sentido da deriva litoral, podendo durante tempestades, transformar-se em ilhas
barreira caso se cria uma barra no cordão sedimentar (U.S. Army Corps of Engineers, 2002). O termo
barreira, aplicado no conceito americano, deve-se à função desempenhada por essa forma. Assim, “o
termo barreira identifica o cume de areia como aquele que protege parte da costa do impacto directo
das ondas” (U.S. Army Corps of Engineers, 2002).
Tabela 2 – Classificação da costa entre Espinho e o Cabo Mondego pela metodologia de Shepard
II B 1 c)
Costas secundarias, moldadas primeiramente por agentes ou organismos marinhos. Em alguns casos pode ter sido uma costa primária antes de ter sido moldada pelo mar
Costas de depósitos marinhos – Formação de praias por acção das ondas e correntes
Barrier Coast/ Costas Barreira
Barrier Spits/ Restinga
Após esta classificação, encontramos noutro autor, Paskoff (1985), a mesma definição que
caracteristicamente se assemelha à costa sobre a qual recai esta investigação. Assim, este refere
que a tipologia de costa em restinga (fletcehs) “são praias de um tipo particular pois não se
desenvolvem contra um aflorado rochoso, sendo que a sua existência depende ainda de uma deriva
litoral bem alimentada em materiais”
Figura 6 - Costa em barreira do tipo restinga; Fonte: Adaptado U.S. Army Corps of Engineers, 2002
Por fim, optou-se também pela classificação feita por Strahler (2010) que define de forma genérica,
as principais tipologias de costa no globo, isto apesar de cada costa ser uma criação da acção das
21
ondas em diferentes tipos de rocha. Desta forma, este autor faz duas divisões nos tipos de costa,
definindo-as consoante a sua geomorfologia:
- Litorais de emersão; formaram-se quando a costa ficou exposta a uma diminuição do nível
médio do mar ou a um levantamento da crosta:
• Costas de ilha-barreira
• Costa de vulcões
• Costas de deltas
• Costas de falha geológica
• Costa de recife de coral
- Litorais de submersão; formaram-se quando o nível do mar parcialmente submergiu uma
costa ou quando parte da crosta afundou:
• Costas de ria
• Costas de fiords
Apesar de nestas definições não se referir a costa em restinga, caso da costa do litoral centro
português, a definição que mais se assemelha quanto à sua morfologia é a de costa em ilha-barreira,
cuja formação é idêntica a uma restinga. Assim, a “ilha de barreira é um cume baixo de areia, situada
a uma curta distância da costa, que é criado pela acção das ondas e o aumento na sua estatura
deve-se aos ventos costeiros, que devido à sua acção conseguem fortificar a ilha com dunas”
(Strahler, 2010). Entre a ilha de barreira e a “costa interior” existe uma lagoa, uma vasta extensão de
águas baixas em grande parte preenchido com depósitos de maré, tal como acontece com a restinga,
a grande diferença é que a restinga está ligada à costa rochosa.
3.3. O CRESCIMENTO DA RESTINGA ENTRE ESPINHO E CABO MONDEGO
Como já foi referido anteriormente a costa do litoral centro tem pouco tempo de vida, comparado com
a história geológica da Terra. Assim, a chamada “ria de Aveiro, interessante acidente litoral, sem
dúvida único na Península, em que o Vouga lança as suas águas” (Girão, 1922) não existia tal como
se conhece hoje. Segundo uma representação cartográfica de 1318 (Portulano de Petrus Visconte;
Figura 7), todo o território costeiro compreendido entre Espinho e o Cabo Mondego não existia.
Assim, “não existia a laguna de Aveiro, formando a costa, a partir do local onde hoje está a lagoa de
Esmoriz, existia uma grande chanfradura até ao Cabo Mondego” (Cunha, 1930).
Baseando-se apenas na datação desta imagem, dado que em termos geológicos é possível confirmar
a antiga localização da linha de costa, pode-se inferir que esta forma de litoral se manteve até uma
época relativamente recente, até porque “todos os dados antigos sobre a actividade marítima local se
referem exclusivamente ao rio Vouga, único porto acessível à navegação” (Cunha, 1930).
Mas, como justificar a evolução desta costa primitiva, para a situação actual? Visto que o “Vouga
devia desembocar muito mais para o interior, e a costa formaria uma reentrância mais ou menos
22
recortada, em frente a qual os ventos e as correntes marinhas vindas do norte mais tarde
acumularam um cordão litoral predominante rectilíneo” (Girão, 1922).
É neste contexto que se refere a importância da deriva litoral, já explicada anteriormente, e nesse
aspecto particular uma deriva bem “alimentada” em sedimentos. Assim, “os sedimentos transportados
pela corrente marítima e ventos foram convergindo ao longo da costa formando dois grandes
cabedelos” (Cunha, 1930) um que foi crescendo desde Espinho para sul e outro que cresceu no
sentido inverso a partir do Cabo Mondego.
Figura 7 - Costa de Portugal segundo o Portulano de Petrus Visconte, 1318; Fonte: http://www.drapc.min-
agricultura.pt/base/documentos/historia_bacalhau.htm (consultado a 05/01/2013)
A principal fonte de sedimentos para a deriva litoral encontra-se nos rios, e no caso em questão,
estes tem a sua proveniência maior no rio Douro, até pela dimensão da sua bacia hidrográfica, mas
também no rio Vouga. Mas como se explica a enorme disponibilidade de sedimentos na deriva litoral
naquele período?
Só dessa forma poderia ser possível surgirem restingas com esta dimensão. Assim, para este ponto,
deve-se chamar atenção para a existência de uma relação entre a erosão fluvial e o transporte de
caudal sólido pelos rios. Assim, o assoreamento das zonas estuarinas constitui um fenómeno natural,
embora em muitos casos auxiliado pela acção antrópica. Com a interferência humana nesse
processo, pois quando se retira coberto vegetal das encostas a montante, provoca uma maior
disponibilidade de sedimentos no rio devido à erosão provocada pela escorrência superficial. “As
mais antigas destas actividades humanas, directa ou indirectamente indutoras de assoreamento,
remontam aos períodos pré- históricos, em que os incêndios provocados em florestas
(nomeadamente para criação de campos de pastoreio e/ou de agricultura) tiveram como
consequência o aumento do volume sedimentar transportado fluvialmente e o assoreamento
progressivo de áreas estuarinas” (Pereira e Dias, 1994). Há ainda a considerar um relato histórico
sobre “o incêndio das grandes florestas da península, quando da conquista romana, teria favorecido a
23
erosão fluvial” (Cunha, 1930). Este processo seria concluído com as cheias dos rios que finalizariam
o processo ao levar os sedimentos para o mar, disponibilizando-os para a deriva litoral.
Para concluir o assunto da disponibilidade de sedimentos na deriva litoral que tenha contribuído para
a formação da restinga, convêm registar a opinião do “Dr. Luís Carrisso que julga insuficiente a
erosão fluvial para o justificar e sugere o estudo das alterações litorais na Galiza sujeita à erosão de
um oceano agitado” sendo que o produto dessa erosão teria “no período proto-histórico” (Cunha,
1930) colmatado os fundos do litoral junto à costa, o que contribuiu para a formação da restinga e
laguna.
Sobre este tema tem-se a noção que ocorreu um enchimento sedimentar desta baía (Figura 8), tendo
a agitação marítima concluído o processo ao criar a restinga. Tanto que “no séc. XII já temos notícia
da barra na Torreira; um novo cabedelo avançara do Carregal para sul àquele local” (Cunha, 1930).
No ano de 1808 a barra é fixada artificialmente, no local onde hoje se encontra, para aproveitar as
potencialidade portuárias e para garantir condições sanitárias às populações após as várias pestes
que assolaram a região.
Figura 8 - Litoral Aveiro antes da formação da restinga. Reconstituição da costa entre Espinho e o Cabo Mondego a partir dos dados da carta geológica; Fonte: (Souto, 1923)
O crescimento da restinga cria ainda um caso curioso em termos de administração do território que
“com a progressão do cordão litoral o concelho de Ovar atingiu no séc. XVIII o litoral; a sua câmara
manteve essa jurisdição , em 1757, quando da abertura do regueirão da Vagueira, exigindo que na
margem norte fosse colocado um marco com a palavra “Var”” (Cunha, 1930).
3.4. SÍNTESE DE CAPÍTULO
Deste modo, conclui-se este capítulo no qual se pretendeu analisar de forma sintética os elementos
que estiveram na origem da formação da costa do litoral centro. Como se referiu, é importante saber
N
24
a forma como uma costa é constituída para que se possa intervir ao nível do ordenamento do
território.
Do que se retém em grande escala deste capítulo, é que se está perante uma costa única no nosso
país e que apresenta algumas debilidades face a outros tipos de costa. Ao se olhar para esta costa,
deve-se observar muito para além do que se vê entre Espinho e o Cabo Mondego, isto porque foi
uma costa criada com sedimentos cuja proveniência é distante desta zona.
Apesar de não ter sido abordado neste capítulo, pois só se abordou o processo de formação da
restinga, é fácil de prever o que poderá ser o futuro desta costa a uma escala temporal bastante
alargada. Então se durante a formação da restinga havia um “superavit” de sedimentos, logo ocorre
o crescimento da restinga, num momento em que haja um “deficit” de sedimentos, o qual já se
verifica, prevê-se que ocorra uma diminuição da restinga até que a costa se encontre em equilíbrio.
Com esta informação há que saber avaliar e relacionar os fenómenos litorais característicos destas
formações com as condições à ocupação humana que este sector da costa oferece às populações.
25
4. A EVOLUÇÃO DAS POVOAÇÕES COSTEIRAS AO LONGO DO TEMPO
Após se estudar a forma como a zona do litoral de Aveiro se formou no passado, passará a ser
apresentada, ao longo deste ponto, o aparecimento dos povoados costeiros ao longo do sector da
costa do litoral da região Centro, sobre o qual a dissertação irá incidir.
Existe uma série de relatos e monografias que auxilia a fazer uma descrição sintetizada da
“colonização do litoral” na extensão da restinga da “ria de Aveiro”. Sabe-se à partida que nos tempos
antigos, o litoral apresentava ameaças à sua ocupação, existência de piratas argelinos, e as
populações ainda não tinham a capacidade de retirar do mar todo o seu proveito e riqueza, o peixe.
Devido à fraca atractividade do litoral, as actividades piscatórias desenvolviam-se nas águas
interiores da “ria de Aveiro”, até que, ajudado pela decadência da pesca na ria devido à peste,
criaram um “tipo de barco em forma de meia lua para atravessar a rebentação da costa, organizando-
se para a exploração do mar em campanhas” (Oliveira, 1967).
O povoamento nesta área desenvolveu-se em estreita e exclusiva relação com a actividade da arte
xávega1 e para além de ser uma actividade bastante dura e pouco rentável para o pescador, era de
igual modo precária. A actividade da xávega inseriu algumas necessidades infraestruturais que eram
exigidas pelas características desse tipo de pesca, como armazéns de redes e abrigos para gado e
pescadores, e assim foram crescendo “aglomerados, ora isolados ou pouco organizados ora
alinhados em arruamentos mais ou menos regulares” (Oliveira e Galhano, 1964) de modo a garantir
apoio à actividade piscatória durante as épocas de safra2.
Segundo Oliveira (1967), “em todo o litoral entre Douro e Vouga, os pioneiros da faina marítima e os
iniciadores do povoamento foram pescadores de Ovar”. Dada a sua experiencia na arte da pesca, na
manufactura de redes e da construção dos barcos, “estabelecem ainda colónias ao norte,
nomeadamente em Espinho, e a sul iam lançar as redes em frente a S. Jacinto e da Torreira”
(Oliveira, 1967).
Uma das particularidades que caracteriza esses aglomerados do litoral centro no passado são a
tipologia da habitação, os palheiros.
4.1. CARACTERIZAÇÃO DOS PALHEIROS
Os palheiros (Figura 9) são habitações de madeira (material essencial e abundante no litoral centro,
devido à existência em grande quantidade de pinheiros para conter as areias), em palafita
1 Encontra-se na bibliografia histórica, várias referencias à importação deste técnica da Catalunha e de França, esta acabou por ser proibida em França em 1754, o que levou à implementação no litoral vareiro, trazida por um imigrante francês, da arte xávega (ou da rede de arrasto). 2 Este termo é utilizado para referir os período da Arte de Xávega, que se realizava entre Maio a Outubro. 2 Este termo é utilizado para referir os período da Arte de Xávega, que se realizava entre Maio a Outubro.
26
(construção sobre estacaria) permitindo deste modo a circulação dos sedimentos. A sua construção
assenta em pilares que poderiam ser de madeira ou de granito, sendo que a sua estrutura era feita
em viga de pinho e as paredes que eram inicialmente em pinho, com o passar do tempo passaram a
ser construídas em alvenaria. Por fim, a cobertura era feita em junco/estorno (palha), e daí provém o
termo, mas com a evolução dos materiais, e com a vulgarização da telha de Marselha, os palheiros
ganharam outro tipo de condições, tais como a possibilidade de aumentar a altura do telhado
permitindo a utilização do sótão (Oliveira e Galhano, 1964).
Estas construções eram utilizadas para os mais variados fins: armazéns de salga e conserva de
sardinha, abrigo aos pescadores e lavradores que levavam o gado para puxar as redes, vendeiros e
taberneiros e autoridades fiscais. É com este tipo de construção que se iniciam os primeiros
povoados no litoral aveirense.
Nos primórdios, os palheiros serviam na sua maioria de abrigo, ou de habitações temporárias, às
populações que faziam da exploração do pescado o seu modo de vida. Essa “ocupação era feita
durante o período de safra ou dos banhos, porque fora dessa quadra nada havia ali a fazer, que
aguentasse a vida (...) pelas difíceis condições de habitabilidade, a falta de água e de transportes”
(Oliveira e Galhano, 1964), havia assim uma mudança de aspecto, devido ao abandono, destes
aglomerados após a época de pesca e início do Inverno.
Num período posterior, estes povoados começaram a ser frequentados por pessoas das localidades
mais próximas e por banhistas locais que aí passavam o Verão e procuravam acomodação. Deste
modo, procuravam alugar, comprar (como casa de férias) ou construir o seu próprio palheiro, “no final
do século XVIII e seguintes, os pescadores alugavam o seu palheiro ou erguiam um semelhante na
sua fisionomia para alugar a banhistas” (Oliveira e Galhano, 1964).
Figura 9 - Representação esquemática dos palheiros do litoral de Aveiro; Fonte: Adaptado de Oliveira e Galhano, 1964)
27
Com o passar do tempo, os aglomerados foram crescendo e organizando-se de forma alinhada
criando arruamentos. Esta situação levou a que as habitações criassem situações de abrigo ao vento
e, consequentemente, à diminuição da deslocação de sedimentos, tornado dispensável a construção
sobre estacaria permitindo revestir o palheiro até ao solo3 “ganhando” mais um piso.
Segundo os autores (Oliveira e Galhano, 1964) a pressão criada naquele sistema e a alteração da
arquitectura dos palheiros é assim atribuída às necessidades dos banhistas.
4.2. O POVOADO DE ESPINHO
Espinho tal como outras povoações do litoral norte e centro tiveram as suas raízes em pescadores do
Furadouro, sendo que “pouco antes de 1737 alguns pescadores do Furadouro começaram a vir para
a costa de Espinho” (Quinta, 1999). Os primeiros pescadores formaram a povoação apenas para
trabalhar a arte da xávega, e apenas aí ficavam “durante a época de safra, regressando depois ao
Furadouro durante o Inverno para proverem o seu sustento na ria de Aveiro” (Quinta, 1999).
É deste modo que se inicia o povoamento em Espinho, com um impulso da “indústria do próprio mar,
ele próprio num impulso utilitário, a convocar o pescador do Furadouro, que no Verão lhe disputava a
sardinha” (Azevedo, 1961). É a abundância desse pescado na costa de Espinho que faz com que “a
partir de 1776 começaram a ficar na costa de Espinho algumas famílias em pequenos palheiros de
tábuas, construídos no areal” (Quinta, 1999).
No ano de “1807 o lugar de Espinho já registava cerca de 125 casais de pescadores” (Azevedo,
1961), sendo que “até 1830 viviam exclusivamente da pesca” (Quinta, 1999), apesar de haver
registos de famílias de terras vizinhas aí permanecerem na “estação calmosa”. Espinho deve muito à
“abertura da linha férrea do Norte, em 1867, pois permitiu um desenvolvimento muito acelerado”
(Azevedo, 1961), e deste modo, inverter a tendência da pesca para se afirmar como “uma das mais
progressivas vilas do litoral do Norte, e um dos mais reconhecidos centros cosmopolitas de turismos
e veraneio” (Azevedo, 1961).
Deste modo ocorre uma transformação neste povoado que até “1830 era um amontoado de
palheiros, sujos e feios, disseminados sobre o dorso de uma intensa e elevada duna de areia”
(Quinta, 1999), mas a partir de “1873 a 1889 estava povoada de construções modernas e elegantes,
a poente e a nascente da linha férrea” (Quinta, 1999) como se pode verificar pela Figura 10.
Desde muito cedo que Espinho se via a contas com problemas com invasões marítimas. Os
parágrafos que se seguem demonstram alguns registos históricos associados às investidas do mar, e
os problemas que isso provocava no desenvolvimento da frente de mar nesse povoado. Posto isto,
sabe-se que entre 1834 e 1870 o mar começou a invadir Espinho, destruindo algumas habitações,
3 Registam-se exceções a este tipo de construção na praia da Tocha e nos palheiros luxuosos (palheiros construídos de forma mais cuidada, destinada a veraneantes mais exigentes) que existiram em Esmoriz e Cortegaça ( Oliveira e Galhano, 1964).
28
provocando elevada erosão na costa (Azevedo, 1961). Depois desta situação, o “ataque” do mar
repetiu-se númerosas vezes, sendo que se acentuaram em 1889, atribuindo-se então à construção
do porto artificial de Leixões, em 1891, a invasão das águas que em 1896 destruiu setenta e seis
prédios (Azevedo, 1961).
Após estes problemas, foi no início do séc. XX que começam a surgir as primeiras obras de defesa
para travar o avanço do mar em Espinho. Assim, “em 1909 construi-se um molhe, que o mar engole
no ano seguinte e em 1911 construíram-se os esporões, cujos bons efeitos se fizeram sentir até
1936” (Azevedo, 1961).
Figura 10 - Princípios do povoado de Espinho, baseado no plano de melhoramento de Espinho proposto
pelo Eng.º José Coelho Bandeira de Melo em 1870; Fonte: editado de (E.V de Oliveira e Galhano, 1964)
Espinho tinha assim todas as potencialidades para que pudesse crescer e desenvolver em torno da
indústria do mar, tanto a pesca como o veraneio já vimos que foram os grandes impulsionadores
desse crescimento. Mas o que garante “uma das grandes oportunidades à elevação de Espinho em
concelho, foi a existência, aqui, da antiga fábrica de conservas Brandão, Gomes e Cª. E do natural
factor económico que dela resultava para a região” (Azevedo, 1961). A industrialização aliada aos
potenciais de veraneio fizeram com que existisse um grande crescimento e manutenção da
população.
Espinho teve uma dinâmica evolutiva e de crescimento diferente dos demais povoados que se
desenvolveram para sul até Ílhavo desde logo porque o aglomerado principal desenvolve-se junto ao
mar. A chegada do comboio e abertura da estação desempenham um papel fundamental na orgânica
e formação da cidade, onde se destaca o desenho em quarteirão, afirmando-se como sendo mais
que um local de veraneio. Assim, ao contrário dos restantes povoados costeiros do litoral aqui
29
abordados, Espinho consegue combater a sazonalidade característica destas zonas costeiras, tendo
uma população residente superior aos demais casos no litoral aveirense.
4.3. O POVOADO DO FURADOURO
As primeiras referências ao Furadouro datam de 1354, relacionados com os campos agrícolas entre a
ria e o oceano. A essa faixa dava-se o nome de “Gelfa e, servia para a pastagem de gado em vários
lugares, desde a foz do Vouga até ao Furadouro” (Oliveira, 1967).
Diz-se que o nome de Furadouro se devia à existência de uma barra intermitente que ligava, nessa
zona, o mar e a ria. Essa povoação “a 4 km do centro da vila, era o lugar mais próximo para os
pescadores de Ovar exercitarem as suas artes, quando a abundância de sardinha os convidou a
intensificar a pesca marítima” (Oliveira, 1967).
O aparecimento da peste nas águas da ria fez com que os pescadores se virassem para o mar. Tanto
que o número de pescadores ovarenses “em 1600 eram não menos de duzentos, constituídos em
quatro Campanhas” (Pinho, 1959).
É a partir deste povoado piscatório que se desenvolvem, demográfica e culturalmente, alguns
povoados desde Espinho à Afurada e da Torreira a São Jacinto. Apesar disso, “não há grandes
registos de gente que vivia aí de forma permanente, devido ao isolamento da orla litoral” (Oliveira e
Galhano, 1964). Para além do isolamento, estes povoados estavam dependentes da actividade
marítima e deste modo, “terminada a safra pelo Natal, a praia ficava deserta durante alguns meses,
porque ninguém residia no Furadouro” ( Oliveira, 1967).
Grande parte dos registos históricos destas zonas baseiam-se na religião. Como tal, sabe-se que já
haveria uma afluência bastante assinalável de pessoas ao Furadouro para a actividade piscatória
dada a construção “em 1766, no lugar de outra ermida de madeira, lá erguida em 1759” para recolher
duas Figuras religiosas e nas alturas de maior “perigo no mar durante o trabalho de pesca, abre-se a
capelinha para o Oceano voltada” (Neves, 2012).
Até essa data o litoral era não mais que um problema para o desenvolvimento de culturas junto à vila
de Ovar. Dadas as características do litoral de Ovar, baixo e arenoso, “as ondas do mar impeliam
continuadamente as areias para terra, areias que o vento varria para a praia formando medos e
dunas que, sem obstáculo, caminham inexoravelmente alguns metros por ano para o interior,
ameaçando a povoação, as suas terras de cultura, as suas hortas e pomares” (A. Rodrigues, 2000).
Desta forma, a população de Ovar, semeou continuamente entre 1723 e 1893, um pinhal para suster
as areias no litoral e desse modo não invadir as suas culturas.
Depois de resolvida a questão do avanço das areias sobre a vila, e que segundo (A. Rodrigues, 2000)
aponta para a diminuição dos sedimentos no litoral aos longo dos anos, surgiu outro problema mas
desta vez a afectar a população que ocupava a faixa litoral, o avanço do mar. É velho o ditado entre
as gentes de Ovar em que “o mar ainda há-de retomar ao seu antigo lugar”, referindo-se à época em
30
que a linha de costa se situava relativamente perto da actual linha de caminhos de ferro. Registam-se
na história várias investidas do mar sobre os palheiros que provocou a sua destruição. “A primeira
notícia da invasão da terra do Furadouro pelo mar data de 1857, e o mar levou 15 palheiros; seis
anos depois, em 1863, já eram os palheiros na costa númerosos, confusos e muito próximos da água,
o mar destruiu mais de 30 palheiros” (Rodrigues, 2000). Depois disso, no ano de 1887 ocorreram
mais duas investidas que destruíram mais de 20 palheiros.
Na verdade, apesar do Furadouro apresentar uma indústria crescente da pesca e haver maior
movimento entre a vila e a praia, até pelo transporte de mercadorias, esse trajecto era sinuoso,
através da areia solta e da mata, tornando-o difícil e demorado. Só depois da “construção da estrada
em 1869” (Oliveira, 1967), que ligava o Furadouro à vila de Ovar, houve um crescimento do número
de palheiros dado o acréscimo de número de banhistas na época de Verão. Tanto que 1881 já se
contabilizava mais de 3004 dessa habitações, tornando-se assim no “maior aglomerado em toda
nossa costa” (Oliveira e Galhano, 1964). Outra vantagem para o desenvolvimento do Furadouro
prendeu-se com o aparecimento de “alguns catalães, conhecedores de novos métodos de conserva
de peixe e de um novo processo de pesca, a xávega, no início do último quartel do século XVIII” (A.
Rodrigues, 2000). Graças à salga e conserva da sardinha, o litoral entre Douro e Vouga, mas em
especial no Furadouro viveu um grande crescimento industrial e com isso, a necessidade da
população residir perto dos locais de produção. Assim, “o inquérito industrial de 1890 fornece-nos um
panorama completo dos depósitos de sardinha da costa do Furadouro, sendo que o número é de
aproximadamente 60 armazéns” (Rodrigues, 2000).
Por forma a comprovar-se a dimensão do povoado que crescia no Furadouro, observe-se a
informação, fornecida por (Rodrigues, 2000), relativa ao incêndio de 1881 naquela zona que destruiu
grande parte da povoação piscatória. As características do povoado, exclusivamente palheiros de
madeira, o seu tipo de construção e em ruas estreitas, sem condições de segurança, água e carência
de socorros dada a distancia para a vila, foram as condições necessárias para que “quase metade
da povoação piscatória, a do lado norte, num total de 321 casas, fossem devastadas pelo incêndio do
dia 31 de Julho de 1881” (Rodrigues, 2000).
O início do século XX está associado a um grande crescimento turístico no Furadouro, como
aparecimento em número considerável de pensões e hotéis, assim como alguns cafés. Isto significa
uma grande afirmação do Furadouro como praia de veraneio, dado que “com a decadência da pesca
na costa do Furadouro os armazéns foram diminuindo e, em 1956, existiam na praia somente 13
desses” (A. Rodrigues, 2000).
Por fim, para que se perceba a maneira de como o litoral estava a evoluir à cerca de 100 anos atrás,
devemo-nos apoiar no registo de uma capela construída no início do ultimo século. Nos anos 20/30
século XX, sabia-se “que entre a capela e a rebentação da onda do mar havia uma distância com
cerca de 100 metros” (Neves, 2012). Pela Figura 11, podemos ver que essa capela se situava onde
hoje encontramos a marginal da praia do Furadouro, podendo assim registar o assinalável recuo da 4 A 31 de Julho de 1881 ocorreu um grande incêndio no Furadouro, tendo se registado a destruição de 320 palheiros, o que explicita bem a ocupação daquela zona (Oliveira, 1967).
31
linha de costa, visto que essa capela acabou por sucumbir à “destruição pelo mar em Fevereiro de
1939” (Neves, 2012).
Figura 11 - A capela velha no início do séc. XX, no alto do então "Rocio" do Furadouro; Fonte: Neves, 2012
Actualmente a Praia do Furadouro dedica-se exclusivamente ao veraneio, mantendo um pouco à
imagem do passado a sua sazonalidade entre os meses de Verão e de Inverno.
4.4. O POVOADO DA TORREIRA
Tal como já se referiu noutros momentos, o povoado da Torreira foi fundado pelos pescadores do
Furadouro, mas também por habitantes da Murtosa. A particularidade deste povoado, assim como o
de São Jacinto que será abordado no ponto seguinte, prende-se com a proximidade entre o mar e a
ria. Desta forma, estas povoações são assim “compostas por dois aglomerados de palheiros, um à
beira-mar e outro sobre a ria, do lado oposto do areal, que é nesse sector relativamente estreito” (E.
V. de Oliveira e Galhano, 1964).
Ao se observar a Figura 12, datada do início do século XVIII, pode-se observar que o crescimento do
povoado da Torreira se inicia junto à Ria, enquanto a zona da praia aparenta ser deserta. Pode então
“supor-se que, nesses primeiros tempos, as gentes das campanhas apenas tinham à beira-mar os
costumados barracos das redes e dos barcos, onde certamente dormiam alguns pescadores durante
aquele período” (Oliveira e Galhano, 1964).
O povoado junto à ria fornecia melhores condições de desenvolvimento. A potencialidade de
embarque e transporte do pescado e mercadorias através de mercantéis para outras paragens, o
abrigo à acção das ondas, levou a que crescessem “instalações” para realizar a actividade do
negócio do pescado. Deste modo o “aglomerado da beira-Ria evolui no sentido da habitação
permanente, porque as melhores condições de existência, e possibilidades de relação com a outra
margem, criaram actividades que estimulavam a fixação em número sempre crescente de pessoas, o
da praia conservou até quase aos nossos dias, em medida considerável, o carácter de habitação
temporária, que tinha inicialmente, em relação com a pesca e seguidamente com a sua natureza de
32
estância balnear; e em qualquer do caso, ambos conhecem um período normal de vida reduzida,
durantes os meses do Inverno” (Oliveira e Galhano, 1964).
O que garante um crescimento no povoado do mar é a “produtividade” do que este oferecia aos
pescadores. Sendo aquela costa abundante em peixe, e com potencialidade para a pesca do arrasto
(arte xávega), na “última metade do século XIX, conhece um grande desenvolvimento; em 1880
armaram-se seis campanhas de xávega” (Oliveira e Galhano, 1964) o que fazia cerca de 80 homens
nesse trabalho mais um vasto número de mulheres que teria de carregar e negociar o peixe junto à
ria. Dada a necessidade de mão-de-obra, e o avolumar de trabalho “os pescadores, com o andar do
tempo, foram-se instalando preferencialmente na praia, e construindo aí os seus palheiros, que já em
1870 eram, segundo o mapa da direcção geral dos trabalhos geológicos, de 500 fogos de tábua”
(Oliveira e Galhano, 1964).
Figura 12 - Mapa topográfico da Ria d’Ovar do século XVIII; Fonte: E. V. de Oliveira e Galhano, 1964
Na obra de Egas Moniz, em que retrata a sua vida e histórias e viagens com a família, este refere
uma passagem em que vai de férias para a praia da Torreira. Nestas passagens podemos
caracterizar um pouco da povoação pelas palavras do autor que viveu esses tempos, assim à época
de 1890-1900 a Torreia “não passava de uma povoação de pescadores em que tudo era pobre e
primitivo”, ainda assim, “a casa que se arranjou, é das raras de alvenaria que há na Costa” (Moniz,
1950). Já perto da metade do século XX, sendo uma freguesia independente, a Torreira continuava a
apresentar uma sazonalidade característica destes povoados litorais, contudo “os palheiros da Ria
melhoraram com regulares construções, o seu desenvolvimento justificava” uma melhoria nos
acessos, que já eram estudados na época (ou a ponte na zona da Varela ou a estrada que ligava ao
Carregal), que permitiria “com estes melhoramentos, em poucos anos, a Torreira seria um luxo e de
33
grande frequência, devido à ria e à extensão da praia, como centro de turismo apreciado” (Moniz,
1950).
4.5. O POVOADO DE SÃO JACINTO
Este povoado, localizado na extremidade da restinga a norte da Barra de Aveiro, nunca foi alvo de
grande ocupação junto ao mar. Já foi referido anteriormente os motivos por se assemelhar ao
povoado da Torreira, ainda que não haja certezas sobre a origem dos povoadores deste local.
Segundo (Oliveira e Galhano, 1964), supõe-se que os primeiros povoadores fossem os mesmos da
Torreira, ou seja os pescadores oriundos do Furadouro, mas só encontram referências, no princípio
do século XIX, a pescadores oriundos de Ílhavo e Aveiro.
Certezas há sobre que o povoado cresceu junto à Ria, com os armazéns de salga e com espaços
para armazenar e transaccionar o pescado. Poucos eram os que habitavam a praia, a maior parte,
por serem de Ílhavo e Aveiro, “cruzavam a Ria todas as vezes que iam ao mar, porque as
inclemências da duna e a falta de água potável e de fáceis comunicações opunham-se à fixação das
pessoas” (Oliveira e Galhano, 1964). Por causa disso nunca houve propensão para o turismo de
veraneio e finda a época de safra o local ficava deserto.
Outro ponto contra a fixação da população em São Jacinto deveu-se à abertura da barra de Aveiro
em 1808. Esta tornou “a travessia da Ria difícil e perigosa, divido às correntes, e o assoreamento da
orla marítima, por elas causado, prejudicou grandemente o exercício da pesca” (Oliveira e Galhano,
1964). Esta situação levou praticamente o povoado de São Jacinto ao abandono, e os antigos
pescadores dessas água viraram-se pra as povoações mais a sul como Costa Nova e Mira.
Apesar de tudo, as campanhas5 que ficaram na praia, um total de duas em 1886, dada a sua
organização e produtividade, conseguiram “dar novo alento à pesca e reanimar a vida da localidade”,
tanto que devido ao novo sistema de retirada das redes com o gado em 1887 permitiu um aumento
para seis campanhas no ano de 1890 (Oliveira e Galhano, 1964).
Este renascer da xávega em São Jacinto, não fez com que a frente de mar se desenvolvesse, pelo
contrário, apenas a construção de “palheiros de habitação e armazéns proliferou junto à Ria, pois é aí
que vendeiros e negociantes, atrás dos pescadores do mar e Ria, se estabelecem” (Oliveira e
Galhano, 1964).
Com a queda da xávega, o pouco que restava na frente de mar desaparece de vez, e “à beira-Ria,
animado por uma vida própria, ele evolui e singra; e um estaleiro, uma fábrica de conservas, e mais
tarde um centro de aviação naval e militar, estabilizaram finalmente esse povoado” (Oliveira e
Galhano, 1964). Esse crescimento permitiu uma remodelação dos palheiros da Ria para alvenaria,
5 A importância das campanhas em termos de registo prende-se com o número de mão-de-obra, e neste caso residentes naqueles locais, que a acompanha. Geralmente eram 40 homens em cada barco, mais pessoal de terra para puxar as redes, faltando ainda as mulheres para carregar e comercializar o peixe portanto o número de pessoas por campanha é bastante considerável.
34
aliando-se a construções novas e melhores, nesse mesmo material, que se foram mantendo até aos
dias de hoje.
Referindo-se os dias de hoje, o povoado da Ria mantem-se e a frente de mar continua no mesmo
registo que fomos referindo, desocupada, mesmo não enfrentando problemas de erosão como outros
casos vizinhos (tanto para norte como para sul). São Jacinto teve que enfrentar ainda o declínio da
indústria de conservas, assim como o desaparecimento da construção naval, subsistindo apenas a
base militar, que apesar de tudo não tem a mesma ocupação de outrora, o que levou a um
despovoamento do local.
35
5. HABITAR A LINHA DE COSTA
Neste capítulo introduz-se o tema da ocupação humana da linha de costa. Procura-se identificar as
vantagens de habitar o litoral; os motivos de não existir uma ocupação em toda a extensão da linha
de costa em contra ponto a uma costa portuguesa forrada a betão, assim como descrever os
problemas que enfrentam os habitantes desses locais.
Deste modo pensa-se ser relevante introduzirmos o conceito de “liveability” (habitabilidade) presente
na literatura anglo-saxónica (Victorian Government Reports, 2008; Newton, 2012; Mccrea e Walters,
2012).
Apesar de não haver uma definição uniforme para o conceito de habitabilidade, entende-se que esta
“reflecte o bem-estar de uma comunidade e compreende as características que tornam um local num
lugar onde as pessoas querem viver agora e no futuro” (VCEC, 2008). Num sentido lato, entende-se
este conceito como englobando um conjunto de factores que influenciam a decisão pessoal para
habitar um determinado lugar. A quantificação de habitabilidade é feita, geralmente, utilizando o custo
de vida (baseado no preço de um cabaz de produtos em determinada área geográfica) e qualidade de
vida, onde se inserem dados sociais, ambientais e económicos.
As zonas costeiras diferem ao nível social e ecológico do resto do país, merecendo uma actuação
especial até pela sua vulnerabilidade. Acontece o mesmo ao longo desta, pois a costa não é toda
igual, ocorrendo situações e comportamentos diferentes consoante a sua localização geográfica.
Nesse sentido, é preciso ter em conta o conceito de habitabilidade (procurando saber o que um lugar
tem que o difere de outro) quando se procura perceber a heterogeneidade de povoações existentes
na costa portuguesa sendo que umas desenvolveram-se muito ao longo linha de costa e outras
apenas em pequenos aglomerados. Isto porque, apesar da pequena dimensão do país, Portugal
possui uma extensa linha de costa com grande variabilidade morfodinâmica e climática e cuja
influência dos centros urbanos contíguos não é feita da mesma forma.
As condições climáticas e os riscos aos quais uma população costeira estará exposta, tem
claramente um papel fundamental no desenvolvimento destas povoações. Devido a esses elementos,
existem locais em Portugal que estão bastante fragilizados, sendo que a sua manutenção se deve
apenas à intervenção de obras de engenharia pesada, tais como os campos de esporões e a criação
de paredões.
A construção e manutenção de obras de engenharia pesada, utilizadas para proteger e evitar o recuo
da linha de costa, tem um custo elevado. Neste sentido importa perceber a importância e os usos
potenciais dos territórios costeiros, assim como a necessidade de proteger as povoações costeiras
sob ameaça de destruição pelo mar, sabendo desde logo que à manutenção destes locais estará
sempre associada uma “renda” para se ocupar e manter o litoral português nos trechos mais
fragilizados.
36
5.1. O CONCEITO DE HABITABILIDADE
Residir em povoações junto à linha de costa é bastante valorizado em todo mundo “tanto pela sua
beleza natural, oportunidades de lazer que oferecem, e os benefícios económicos que resultam da
industrias costeiras tais como o turismo, a pesca e o transporte marítimo” (Academies, 2007).
Contudo deve-se dar bastante relevo a “uma das características das zonas costeiras são as múltiplas
vulnerabilidades” (Islam e Ahmad, 2004), que ameaçam vidas, propriedades e negócios. Assim tem-
se os “desastres naturais e a erosão costeira como as duas principais ameaças que as comunidades
costeiras têm de enfrentar” (Academies, 2007), mas mesmo assim a população mundial continua a
desenvolver-se para estes locais, apontando-se para “quase dois terços da população mundial -
quase 3,6 biliões de pessoas – vivem num raio de 100 milhas de um litoral” (Academies, 2007). Isto
reflecte a importância que as zonas costeiras têm tido na expansão urbana e no crescimento da
populacional, não só pelas oportunidades de negócio e empresarial mas pela sua atractividade
imobiliária.
Acontece que a linha de costa não é igual em todo mundo, e por consequência, os riscos e as
potencialidades também não sejam semelhantes para todos os locais aí situados. Isto leva a que
existam povoações com enorme crescimento populacional e expansão urbana e outros que se
restringem a pequenos povoados costeiros, à semelhança do que ocorre em Portugal e
possivelmente noutras partes do globo.
Algo que pode ajudar a compreender este fenómeno prende-se com o conceito de habitabilidade que
já introduzimos anteriormente, que é uma ferramenta bastante útil para comparar cidades e países. O
“conceito de habitabilidade é multidimensional e complexo, reflectindo a ampla gama de factores e
suas interacções que diferentes indivíduos, comunidades e empresas têm em mente quando se
pensa em habitabilidade” (VCEC, 2008). Deste modo, devem ser introduzidos alguns atributos que
ajudam a caracterizar a habitabilidade de um lugar. Assim, medidas de “comodidade residencial,
capital humano, capital social, a saúde humana, e os elementos mais qualitativos de satisfação
pessoal e felicidade” (Newton, 2012), podem ser considerados atributos que apoiam a decisão de
uma pessoa escolher um local, uma cidade, um país para habitar.
Com isto, sabe-se que independentemente da sua localização, uma cidade, centro urbano ou vila,
deve garantir um conjunto de valências e serviços, que garantam conforto ao cidadão, incentivando-o
a habitar esse local.
Tem-se ainda uma versão do conceito de habitabilidade de Mccrea e Walters (2012), que o define
como sendo parte de um índice de qualidade de vida para residentes em ambientes urbanos. Esta
versão é igualmente apoiada deste modo, “abrange os atributos de lugar de uma localização urbana
(casa, bairro, cidade) que contribuem para a qualidade de vida e bem-estar de um indivíduo”
(Newton, 2012). Com isto, pretende-se mostrar que um local que garante aos seus residentes
condições para que estes possam atingir melhorias na sua qualidade de vida vão ser mais
procurados relativamente a outros que não oferecem essas condições.
37
Os indicadores escolhidos para caracterizar a habitabilidade variam consoante as opiniões de cada
grupo de trabalho e consoante os objectivos dos estudos feitos e das características das áreas a
comparar. Das várias versões que foram estudadas e de índices abordados em diferentes artigos, é
se de opinião geral que o ideal serão indicadores que abordem por um lado o bem-estar humano, ou
seja elementos que ajudem a identificar se o local em estudo garante aos residentes não só as
funções primárias de saúde, emprego e mobilidade, mas também serviços e locais de lazer, e por
outro a qualidade ambiental onde se inserem elementos referentes à poluição do ar, água, ruído e à
presença e manutenção de espaços verdes. A Figura 13, adaptada de (Newton, 2012) sintetiza a
relação destes indicadores com a habitabilidade. Introduziu-se ainda indicadores que se considera
ser tidos em conta quando se avalia a habitabilidade de um local, tais como as questões climáticas e
os riscos que face às dinâmicas terrestres são um problema para as populações.
Figura 13 - Indicadores que ajudam a caracterizar a habitabilidade de um local; Fonte: Adaptado
(Newton, 2012)
Como os indicadores que permitem o bem-estar humano podem variar a médio prazo, consoante
várias conjunturas sociais, económicas e políticas (elementos onde o Homem pode actuar), os locais
que oferecem uma boa habitabilidade nos dias de hoje podem não garantir o mesmo anos mais tarde.
Questões ambientais e do âmbito físico, como o clima e as dinâmicas terrestres, não podem ser
alterados por mão humana e deste modo serão uma característica do lugar durante muitos anos (não
se é da opinião de introduzir as questões das alterações climáticas dada a amplitude da janela
temporal), e por isso, devem entrar na equação da habitabilidade pois essas características poderão
influenciar a segurança e escolha do local para residir.
Os indicadores (clima e riscos) introduzidos no esquema são abordados de uma forma ligeira por
Howley et al. (2009) face ao modo como a habitabilidade é afectada por condicionamentos externos
que dão insegurança aos residentes, mas também pelo ranking EIU’s Quality of Life (The Economist,
2004) que usa os indicadores climáticos como sendo importantes para aferir a habitabilidade de um
país.
38
A importância de introduzir estes indicadores, para além daqueles referidos pelos demais autores, na
avaliação da habitabilidade de um local, prende-se com as características da área de estudo, visto
pensar-se no clima e nos riscos costeiros como um elemento de diferenciação para outros locais na
costa portuguesa.
Independentemente das valências e serviços que uma local (cidade, centro urbano, vila) pode
oferecer para melhorar o conforto dos seus cidadãos, poderão existir factores naturais (clima,
dinâmicas terrestres...) que condicionem a escolha desses locais para habitar.
5.1.1. RISCOS COSTEIROS
A sociedade em geral está, nos dias de hoje, directamente associada a uma “sociedade de risco”,
dadas as inúmeras ameaças a que esta pode estar sujeita. A questão principal do risco forma-se a
partir do modo de como determinada parte da sociedade se expõe a essas ameaças.
Numa perspectiva de se entender os riscos para as povoações costeiras é importante que se aborde,
ao longo deste ponto, a relação que existe entre as dinâmicas costeiras com a perda de território que
se tem vindo a registar em vários pontos do litoral português.
Nas zonas costeiras não existe nada que seja permanente excepto a mudança (Ribeiro, 2010). Estes
locais são constantemente moldados pela acção das ondas, pela subida e descida das marés,
sedimentação regulada pelas descargas fluviais, as correntes litorais e actividades humanas. A
dinâmica litoral vai depender da intensidade das forças que se façam sentir e das características
geológicas dos diferentes trechos que compõe a linha de costa.
Os litorais arenosos, do tipo que se observa no local em estudo, são característicos pelas praias que
neles se desenvolvem. Estas, que são a base de todo o turismo balnear, são bastante dinâmicas por
natureza e estão mais expostas a perturbações provocadas pelos sistemas naturais do que qualquer
outra forma/tipologia de litoral (Paskoff, 1985).
Neste âmbito, será dado especial enfoque aos riscos de inundação e galgamento e aos riscos de
erosão costeira, pois estes coadunam-se por serem bastante expressivos na costa da Beira Litoral.
Deverá se ter atenção, quando se estuda os riscos costeiros, que “a característica principal dos
sedimentos numa praia está relacionada com a sua mobilidade” (Paskoff, 1985), deslocando-se
perpendicularmente à costa pela acção das ondas e paralelamente à mesma por acção da deriva
litoral. Por isso esta mobilidade, tão característica, permite que as praias de adaptem às condições
hidrodinâmicas que se alteram sazonalmente, o que leva a variações no seu perfil (o que por vezes
se confunde com erosão).
5.1.1.1. Erosão Costeira
Apesar de ser um problema que se pode verificar em extensões bastante grandes da linha de costa,
“a posição de princípio é de que, a erosão só passa a ser problema quando no seu avanço ela é
incomodada por património construído, que está onde não devia” (I. Oliveira, 1997).
39
Nos tempos actuais a dinâmica costeira tem culminado na regressão da linha de costa
(principalmente nas zonas de praia) e queda ou deslizamento de massas rochosas (em zonas de
arribas), ou seja, temos assistido a acções de erosão mais intensas que as de deposição, o que
provoca a fragilidades nas praias.
As causas que contribuem para a erosão costeira são várias, por isso apoiemo-nos nas ideias de
Oliveira, (1997) para as enumerar:
- Subida geral do nível médio do mar;
- Efeitos prejudiciais das obras de protecção costeira;
- Utilização e ocupação desregradas da faixa litoral;
- Obras exteriores dos grandes portos (molhes e canais de acesso);
- Enfraquecimento e, em muitos casos, a supressão tendencial das principais fontes
aluvionares naturais.
Para o mesmo autor, cada causa não tem a mesma relevância em todos os locais, isto é, a causa de
erosão da costa num determinado local poderá não ser a mesma de uma outra costa. Este aponta
ainda que “para o caso da costa oeste a norte da Nazaré (local onde se insere a área de estudo), o
enfraquecimento das fontes sedimentares parece ser cada vez mais consensualmente aceite como a
causa primeira dos seus problemas erosivos” (Oliveira, 1997).
5.1.1.2. Inundações e galgamentos
Estas situações estão associadas a tempestades que se fazem, ou fizeram sentir, sobre o mar.
Quando o espraio da onda passa a linha da crista dunar ou a crista de uma ilha-barreira estamos
perante um galgamento (Figura 14), esta situação pode levar por vezes à abertura de barras de maré
(ligação entre o mar e um plano de águas interior, imagem da direita).
As consequências no litoral estão dependentes da morfologia, batimetria, características da onda e
elevação do mar. Assim, podem ocorrer importantes alterações na costa num curto período de tempo,
pois os galgamentos provocam erosão e acumulação de sedimentos simultaneamente.
Figura 14 - Galgamento na Praia do Labrego (Vagueira) durante tempestade entre 24 e 31 de Outubro
2011; Fonte: Serviços Municipais de Protecção Civil de Vagos
40
Outro dos problemas associados aos galgamentos tem a ver com as inundações das áreas
adjacentes aos sistemas dunares. Usados na maioria das vezes para práticas agrícolas, a inundação
dos terrenos por água salgada acaba por inutilizar as produções e salinizar os solos.
5.1.2. CLIMA
O clima faz parte da base dos fenómenos naturais que ocorrem na superfície terrestre, podendo ser
visto como recurso mas também como condicionante à vida humana. Este pode ser definido como “o
conjunto dos fenómenos meteorológicos que caracterizam o estado médio da atmosfera em qualquer
ponto da Terra” (Cuadrat e Pita, 2004), consistindo na análise dos tipos de tempo num determinado
local por um período de tempo a 30 anos (recomendado pela Organização Mundial de Meteorologia).
“A importância do clima de uma região para o seu ambiente geográfico, para a vida humana e as
actividades económicas que são realizados nessa área é muito alta” (Nistor, 2009). Como se afirma
na citação anterior, as condições climáticas de determinado local condicionam/influenciam as
actividades económicas, pois cada actividade tem as suas necessidades características. Atente-se
dois exemplo simples e de rápida percepção, que demonstram essa influência:
• Agricultura, cada cultura tem as suas necessidades de horas de sol, temperatura, água, etc.,
e por isso temos produtos característicos de determinada região;
• Turismo, este pode se adequar as condições climáticas que se façam sentir, mas não vamos
acreditar que uma instância balnear ou uma instância de desportos de Inverno tenham
sucesso, para usar casos extremos, se, no primeiro caso não houver um período largo com
dias de sol e “temperaturas altas”, e no segundo não existir neve.
Ao se entender o clima como recurso fundamental para o Homem, foram-se desenvolvendo maneiras
de o utilizar de um modo viável. A questão é que o clima “é um recurso peculiar, na medida em que a
sua maior característica é a variabilidade, tanto espacial como temporal, de tal forma que uma
utilização optimizada deste recurso implica uma adaptação das actividades humanas a esta
variabilidade” (Cuadrat e Pita, 2004).
Na verdade, esta adaptação exige conhecer a maneira de como a sociedade se relaciona com o
clima. Assim, como existem condições climáticas que ajudam ao desenvolvimento de um local,
também existem situações extremas que são susceptíveis de prejudicar o desenvolvimento dos
locais.
Deste modo o estudo do clima é importante para que se possa conhecer a distribuição espacial de
situações extremas e a probabilidade de ocorrência futura. Os resultados dessas operações devem
ser aplicados numa “ordenação do território de acordo com a realidade climática e capaz de
maximizar os seus aspectos positivos e minimizar os negativos” (Cuadrat e Pita, 2004).
5.2. SÍNTESE DO CAPÍTULO Em suma, o litoral apresenta inúmeras potencialidades para a vida humana, mas é essencialmente o
status de morar junto ao mar e a pressão imobiliária que foi exercida no inicío da expansão urbana
41
que levou ao crescimento dos aglomerados e cidades no litoral português. Mas não só de
potencialidade se forma o litoral.
A variabilidade que este apresenta, não só temporal mas geograficamente, faz com que existam
locais que “convivam” com as questões dos riscos costeiros mais frequentemente, ou que tenham
uma variabilidade climática que torna desagradável a vivência desses locais durante Invernos mais
ou menos rigorosos.
Será importante apreender, depois desta introdução à ocupação do litoral, o porquê de em
determinadas zonas da costa portuguesa se ter investido na expansão urbana, apesar de exemplos
do passado nos terem indicado que não seria viável.
42
6. LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO O enquadramento histórico e territorial da área sobre o qual esta dissertação se foca é fundamental
para se compreender esse mesmo lugar. A localização geográfica de um território e as relações que
este tem com os territórios vizinhos permite perceber que tipo de influências positivas e negativas o
lugar pode estar sujeito, assim como os acontecimentos passados que influenciaram a evolução do
lugar devem ser analisados num estudo como o que aqui se pretende apresentar de modo a que seja
possível analisar as consequências de determinadas acções. Nesse sentido, este capítulo pretende
sintetizar esses aspectos apresentando tanto a sua localização como alguns acontecimentos
relevantes.
Esmoriz e Cortegaça são dois povoados, o primeiro é cidade e o segundo é vila pertencentes ao
concelho de Ovar, que distam poucos quilómetros da costa portuguesa. O desenvolvimento destes
povoados deve-se essencialmente à agricultura e à industria e iniciou-se muitos antes da formação
da actual linha de costa, sabendo-se aferir que a linha de costa primitiva se localizava igualmente
junto a estes lugares.
Com o aparecimento deste novo território, essencialmente arenoso, que se estendia desde a
localidade vizinha Espinho até à Foz do Mondego, surgiram outras actividades económicas, do qual a
pesca é o exemplo principal, que levou à expansão das povoações para junto do mar.
Contudo, os perigos que a costa apresentava e a falta de recursos essenciais travaram durante
largos anos, um maior desenvolvimento e ocupação dos lugares da praia de Esmoriz e Cortegaça.
6.1. ENQUADRAMENTO GEOGRÁFICO Os lugares da praia de Esmoriz e Cortegaça localizados no litoral da região centro, território sobre o
qual se desenvolve esta dissertação, não podem ser separados dos “povoados principais” de Esmoriz
e Cortegaça. Desta forma, é importante fazer um enquadramento geográfico destas localidades a fim
de se compreender o crescimento dos povoados costeiros.
Apesar de se fazer uma caracterização geral às freguesias em causa, é a mancha urbana que se
desenvolveu ao longo dos anos junto à linha de costa que será o foco desta dissertação. Assim, é
sobre as frentes marítimas da praia de Esmoriz (1.25 km) e a praia de Cortegaça (0,35 km) (Veloso
Gomes, 1992) que se fará a análise à evolução da construção naquele sector da costa.
As freguesias de Esmoriz e Cortegaça pertencem ao concelho de Ovar, sendo que Esmoriz assume
uma importância maior em termos de população, é o segundo núcleo urbano mais populoso do
município, e “riqueza” face a Cortegaça, tendo obtido inclusive em 1993 o estatuto de cidade. A
proximidade entre os dois núcleos é tão grande que, numa visão grosseira, se poderia dizer que se
trataria apenas de um grande aglomerado urbano. Contudo, em termos territoriais, é dentro dos
limites administrativos de Esmoriz que se concentra a maior ocupação ao longo da linha de costa.
Desta forma, pelas semelhanças existentes na sua génese e pela importância que Esmoriz assume
no contexto municipal, centrar-se-á a caracterização do território no território de Esmoriz.
43
6.1.1. LOCALIZAÇÃO
Em termos gerais Esmoriz localiza-se entre o Porto e Aveiro (Figura 15), distando em linha recta cerca
de 25km para o primeiro e 35 km para o segundo. Em termos locais, é a freguesia mais a norte do
concelho de Ovar fazendo fronteira com o concelho de Espinho. Esta confronta ainda com o concelho
de Santa Maria da Feira a nascente, com a freguesia de Cortegaça a sul e com o oceano Atlântico a
poente. Em termos estatísticos é uma freguesia com cerca de 9,05 km2, onde residem 11488
habitantes, de acordo com os dados dos censos de 2011 divulgados pelo INE, o que faz dela a
segunda freguesia do concelho com maior população. Ao nível dos acesos destaque para a
existência de um nó de acesso à A29, para o atravessamento da estrada nacional EN109 ao longo da
freguesia e para a existência da estação ferroviária da CP.
Figura 15 - Enquadramento geográfico das freguesias de Esmoriz e Cortegaça; Fonte: OpenStreetMap
A sua localização, é sem dúvida um elemento a ter conta dada a sua centralidade face a duas
cidades importantes como são Aveiro e Porto, sendo que ambas oferecem dois portos comerciais, o
que na perspectiva de uma cidade industrial acaba por ser relevante para escoar os seus produtos
para diferentes mercados.
Contudo, os concelhos vizinhos de Santa Maria da Feira e Espinho acabam por ter uma importância
maior do que o concelho de Ovar, em termos de população e actividades económicas. Desta forma,
as freguesias de Esmoriz e Cortegaça acabam por ser afectadas em termos de desenvolvimento
económico e populacional pela importância que esses concelhos foram conquistando ao longo do
tempo.
44
Com o declínio das actividades piscatórias na região, a presença de uma frente de mar, aquela que é
relevante para esta dissertação, e a sua exploração tem sido um factor de desenvolvimento para
Esmoriz e Cortegaça. As praias que têm sido nos últimos anos classificadas como Praias Bandeira
Azul, atraem bastantes banhistas dos concelhos limítrofes que não dispõem de mar, e dado o seu
fácil acesso invadem as praias de Esmoriz e Cortegaça na época de Verão.
Contudo, os problemas de erosão costeira e as taxas de recuo da linha de costa que neste sector são
as mais altas do país, têm trazido para a discussão da importância da manutenção das praias com
obras de protecção costeira.
Apesar de algumas situações pouco favoráveis, as freguesias de Esmoriz e Cortegaça, mas
principalmente a de Esmoriz, tem tentado aproveitar o seu potencial ao máximo até pelo
desenvolvimento industrial que se tem aguentado ao longo dos anos, contudo apresentam ambas
algumas debilidades nas actividades que se baseiam na “exploração” das praias.
É também importante fazer uma pequena abordagem ao clima que se faz sentir neste território litoral,
visto o clima ser um dos elementos que influencia a habitabilidade de um local.
Para fazer essa avaliação utlizaram-se os dados obtidos a partir das normais climatológicas entre
1931 e 1960 (Ferreira, 1970) para a estação meteorológica de Aveiro/Barra generalizando-os a todo
os espaço, pois a variabilidade neste ambiente não é muito importante. Da análise do gráfico
termopluviométrico (Figura 16) pode-se concluir que o clima característico desta zona pode se
classificar de “Temperado sem Inverno “Português”.6 Com isto pode-se dizer que os meses pluviosos
são entre Outubro e Março, e os períodos secos se encontram entre Junho e Setembro.
Relativamente às temperaturas destaca-se o mês de Janeiro como sendo o mês mais frio, em que a
temperatura média do ar ronda os 9,9º C, pelo contrário Agosto acaba por ser o mês mais quente
com a temperatura média do ar em cerca de 18,4º C. Nota-se assim uma clara influência oceânica,
esta vai fazer com que as temperaturas entre o Verão e o Inverno tenham uma oscilação baixas,
mantendo-se amenas ao longo do ano, já as precipitações são maiores no Inverno do que no Verão.
Quanto à direcção predominante do vento pode-se dizer que na região o vento “sopra”
preferencialmente de Noroeste e de Norte (Figura 17), mas conforme a época do ano o vento é mais
forte do quadrante Sul (durante o Inverno) e do quadrante Norte (conhecidas como as Nortadas de
Verão). Deve-se ter também especial atenção para as calmas, pois para além de ter um registo
bastante significativo de 15,5%, a este período de calmas estão muitas vezes associados dias,
principalmente ao longo das manhãs, de nevoeiro intenso factor característico desta região mais
concretamente na época do Verão.
Este sector da costa ao estar exposto às massas de ar oceânicas, estas condições vão condicionar
desde logo a evolução da linha de costa, com já se viu no capítulo 2, pois o vento sendo
predominante de Norte e Noroeste, vai fazer o transporte de sedimentos das dunas de Norte para
Sul.
6 É aplicada a classificação climática segundo E. de Martonne
45
Figura 16 - Gráfico termopluviométrico da Estação meteorológica de Aveiro/Barra; Fonte: (Ferreira, 1970)
É também relevante referir a importância deste tipo clima para os fenómenos de galgamento, em
situações de “storm surge”7 em que o nível médio do mar é sobrelevado por acção meteorológica, o
território envolvente à linha de costa pode ser inundado pelo mar.
Figura 17 - Gráfico com os ventos predominantes na região litoral de Aveiro; Fonte: (Ferreira, 1970)
6.1.2. FACTOS HISTÓRICOS
A compreensão de alguns factos históricos é sem dúvida relevante para entender o aparecimento e
desenvolvimento do local da praia de Esmoriz. Desta forma será feita uma pequena síntese de alguns
acontecimentos que podem ter contribuído para o que hoje existe junto à linha de costa.
Esmoriz surge no foral da Feira, datado de 10 de Fevereiro de 1514, concelho a que pertenceu até
1879 (Santos, 2003). Este apoiou o seu crescimento na fertilidade dos seus solos e na exploração
agrícola dos mesmo, assim como no desenvolvimento da indústria da cordoaria, bastante associado
à actividade piscatória, e da indústria tanoeira (Amorim, 1986). Com este desenvolvimento e com a
7 Ou maré de tempestade consiste na elevação da água próxima à costa, associada com um sistema de condições climáticas de baixa pressão. A maré de tempestade é causada principalmente pelos fortes ventos que empurram a superfície do Oceano. O vento faz com que a água se empilhe de forma mais elevada do que no nível do mar normal.
0 20 40 60 80 100 120 140 160 180
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
J F M A M J J A S O N D
Precipitaçãp (m
m)
Temperatura (ºC)
Meses
Precipitação
Temperatura
0 10 20 30
N
NE
E
SE
S
SW
W
NW
Direcção do Vento
Vento
46
riqueza que se gerou, levou inclusivamente a uma disputa pela gestão administrativa desta freguesia
por parte dos concelhos da Feira, Ovar e Espinho (Tabela 3).
A passagem da gestão administrativa por parte do concelho da Feira para Ovar da freguesia de
Esmoriz dá-se “por decreto de 1876, que decretou a integração da freguesia no concelho de Ovar,
integração que só ficaria completa em 1879 dada a grande oposição da Feira nesta mudança”
(Santos, 1996). Com esta mudança surge, em 1910, alguma revolta popular no sentido de trocar Ovar
por Espinho, pois estes acusavam Ovar de apenas reter receitas da freguesia e não fazer nenhum
investimento na mesma (Santos, 1996). Com este argumento, é decretada em 1926 a passagem da
posse administrativa de Esmoriz para o concelho de Espinho. Mas esta decisão só iria vigorar
durante dois anos, pois por manobras políticas, em 1928, Esmoriz foi desanexado de Espinho
retornando a Ovar (Santos, 1996).
Tabela 3 - Períodos da gestão administrativa da freguesia de Esmoriz; Fonte: (Santos, 1996)
Período de anexação Concelho de anexação
1514-1879 Feira
1879-1926 Ovar
1926-1928 Espinho
1928 – até presente Ovar
Desta forma termina um período de instabilidade administrativa que durou entre 1879-1928, ora estas
trocas da administração local dispersaram a informação sobre o passado administrativo da freguesia,
podendo inclusive ter provocado dificuldades na gestão do território.
Outro facto relevante prende-se com a evolução do novo território costeiro, sobre o qual se
desenvolveram os “novos” povoados costeiros de Esmoriz e Cortegaça (Figura 18). Assim, contra a
antiga linha de costa foi crescendo uma extensa restinga nos “tempos em que era grande a
quantidade de areia que o mar atirava para fora do seu leito, com ela foi assoreando e rectificando a
costa” (Amorim, 1986). Numa primeira fase, este crescimento de território aparentou ser prejudicial ao
quotidiano das gentes de Esmoriz. Com uma economia assente na exploração agrícola “em 1657,
havia em Esmoriz campos cobertos de areia há já muitos anos, terras que anteriormente eram
cultivadas” (Amorim, 1986) o que levou a que os agricultores se vissem na necessidade da plantação
de pinheiros para suster as areias.
47
Figura 18 - Costa oeste de Portugal - Apresentação da costa primitiva e actual. Localização dos povoados antigos e recentes de Esmoriz e Cortegaça; Fonte: editado de (Souto, 1923)
Assim, inicia-se o período da arborização das dunas do litoral que foi um acontecimento marcante em
toda a extensão da costa de Espinho à Marinha Grande, sendo que “a fixação e arborização das
dunas do litoral e o ensecamento dos seus pântanos constituíram uma das mais notáveis obras de
engenharia florestal nacional” (Vieira, 2007). Tanto no areal de Esmoriz como no de Cortegaça a
arborização não foi excepção, havendo portanto documentação de alvarás sobre a sementeira de
pinhais entre os anos de 1623 e 1633, sendo que dois séculos depois, em 1851 existe imposição
legal do tribunal da Feira para semear pinhal a quem tivesse baldios à beira-mar (Amorim, 1986).
Este terá sido o primeiro passo para a passagem do terrenos junto à “nova” linha de costa para posse
de particulares (Tabela 4), dado que em 1853 “a câmara da Feira prosseguiu a sua política de defesa
dos lavradios e oficiou os juízes de Anta, Silvalde, Paramos, Esmoriz, Cortegaça, Maceda e Arada
que tencionava proceder à sementeira e plantação nos areais desta freguesias ou conceder esses
terrenos a uma porção de pessoas que tratassem com seriedade desse importante objecto” (Amorim,
1986). Esse processo seria concluído com a venda dos areais à beira-mar pela junta de freguesia a
partir de 1896.
Para se concluir a questão da arborização do litoral, convêm realçar mais uma vez a importância
dada pela administração local a este tema, sendo que em 1920 a câmara de Ovar define, para a zona
de Esmoriz, a arborização como sendo de utilidade pública.
48
Tabela 4 - Lucro obtido com a venda dos terrenos à beira-mar pela junta de freguesia de Esmoriz; Fonte:
Amorim, 1986
Ano Lucro obtido
(escudos)
1896 a 1899 20$140
1900 a 1909 1616$407
1910 a 1919 520$835
Para concluir a síntese dos factos históricos relevantes para o tema da dissertação, é importante
referir alguns aspectos que contribuíram para a forma como foi feita a ocupação na “nova” linha de
costa, tanto pelo aparecimento dos primeiros palheiros como os relatos das primeiras investidas do
mar.
Tal como foi referido no capítulo 4 (referente à evolução das povoações costeiras), o povoamento
junto à linha de costa desenvolveu-se em estreita e exclusiva relação com a actividade piscatória, a
arte xávega. Tanto em Esmoriz como em Cortegaça esse processo não foi excepção, contudo é
opinião de Amorim (1989) que os palheiros em Esmoriz apareceram mais tarde que os outros locais
vizinhos, como o Furadouro e Espinho, devido à constituição das companhas, pois em Espinho era
formada por marinheiros de ofício, longe da sua terra, requeria habitações; já em Esmoriz formadas
por agricultores locais não precisavam de habitação pois tinham-na perto (distancia entre a linha de
costa e a povoação principal era reduzida em comparação com outros locais).
Contudo, novas técnicas de pesca aplicadas naquela área exigiram a construção de palheiros em
maior número. A aplicação da alagagem das redes com gado bovino, técnica que exigia o esforço
animal para retirar as redes e o barco da água, obrigou à construção de barracões para abrigar o
gado durante as noites. É certo que esses acontecimentos tiveram influência num aumento do
número de palheiros, contudo o principal motivo da procura daquele território prendia-se com praias
de Esmoriz e Cortegaça serem consideradas estâncias balneares e por esse motivo se multiplicaram
os palheiros para as pessoas passarem férias.
As investidas do mar, tal como os problemas de erosão são anteriores à urbanização dos lugares da
linha de costa. Existem assim vários registos (Amorim, 1986) a partir de 1904 a 1914 de palheiros
que foram destruídos pela acção do mar, havendo inclusivamente registos da comparência de 5
esmorizenses na sessão da junta de paróquia, em 1907 e também 1912, visto o mar lhes ter
destruído os seus palheiros, requeriam outro local para a construção de novos. Já mais
recentemente, em 1977 o restaurante Barrinha, localizado junto da barrinha de Esmoriz, teve de ser
defendido com a colocação de pedras devido à acção do mar, tendo um ano depois a Câmara
Municipal de Ovar adjudicado uma obra de defesa no valor de 3.977.500$00 escudos.
6.2. SÍNTESE DE CAPÍTULO
49
A freguesia de Esmoriz, em virtude do desenvolvimento que foi atingindo ascendeu à categoria de
vila em 29 de Março de 1955 e de cidade em 2 de Julho de 1993. Foi a freguesia do concelho que
apresentou maior crescimento nas ultimas décadas, sendo que hoje em dia as actividades agrícolas
como as pescas já não tem o papel preponderante de outrora.
Hoje em dia é uma cidade com uma forte vertente industrial, retirando benefícios do seu
enquadramento geográfico. A centralidade relativamente a Aveiro e ao Porto, fazendo a ponte entre a
região Centro, na qual se insere, e a região Norte, permite às indústrias que aí se sediam uma forma
mais rápida de escoar os seus produtos, pois além da sua posição geográfica dispões de bons
acessos viários que rapidamente os coloca nas principais portas para a Europa e para o Mundo –
portos marítimos de Leixões e Aveiro e aeroporto Francisco Sá Carneiro.
As actividades ligadas ao turismo balnear, apesar da forte sazonalidade implícita ao local, também
tem um forte peso na praia de Esmoriz. A qualidade da água e dos seus apoios de praia,
reconhecidos pela classificação constante de “Praia com Bandeira Azul”, assim como a proximidade a
importantes núcleos urbanos – Santa Maria da Feira, São João da Madeira e Oliveira de Azeméis –
mais interiores, fazem deste local um ponto no litoral bastante procurado na época balnear.
As condições climáticas que desde sempre condicionaram o desenvolvimento e ocupação das
povoações costeiras na zona mantêm-se idênticas. Assim, os Invernos rigorosos que se fazem sentir,
assim como os nevoeiros intensos associados às calmas e os ventos fortes noutros períodos afectam
a habitabilidade do local. Neste âmbito é ainda previsível um aumento do número de galgamentos e
inundações marinhas provocadas pela crescente frequência e intensidade das tempestades,
prejudicando a vivência e usufruto das zonas litorais em vários períodos do ano.
Do que se acabou de referir, não se pode dissociar a problemática de ser uma cidade em que a sua
frente de mar é das que apresenta maiores taxas de recuo da linha de costa. A proximidade do mar
relativamente às habitações é bem patente nos períodos de Inverno, em que as condições
meteorológicas são mais adversas e o nível do mar é influenciado pelas baixas pressões
atmosféricas. Assim, a preservação e manutenção deste território, assim como a protecção das
pessoas e bens que se encontram na sua extensão está dependente de avultados custos em obras
de protecção costeiras.
50
7. A EVOLUÇÃO DE UMA POVOAÇÃO COSTEIRA – O CASO DA PRAIA DE ESMORIZ E CORTEGAÇA
Deve-se começar este capítulo por relembrar a distinção entre o conceito de litoral e conceito de linha
de costa. Apesar de genericamente se usar estes conceitos para referir o território junto ao mar, o
conceito de litoral refere-se a um território muito mais abrangente do que aquele que é afectado pelas
dinâmicas marítimas ao qual se refere o conceito de linha de costa.
Veja-se o caso do crescimento das dinâmicas populacionais no litoral português relatado nas
seguintes citações.
“Na segunda metade do século XX a conjugação dos grandes ciclos migratórios dos anos 60 com a
popularização de uma cultura recreativa balnear moderna gerou as condições para um processo
acelerado de ocupação intensiva de muitos lugares costeiros” (Schmidt, Santos, Prista, Saraiva, e
Gomes, 2012). Ora este processo, levou ao desenvolvimento de um Portugal bipolar, assente no
crescimento em torno de Lisboa e Porto, mas também da ocupação de alguns territórios junto à linha
de costa. Após este processo assiste-se à litoralização de Portugal, com o crescimento populacional
dos concelhos junto do litoral.
“Foi só a partir de então que a urbanização da faixa costeira deixou de estar directamente relacionada
apenas com o crescimento das duas áreas metropolitanas do país, generalizando-se uma forte
pressão construtiva que tem conduzido à ‘suburbanização’ do litoral” (Schmidt et al., 2012). Como se
pode analisar, há aqui uma distinção entre o território litoral, abrangendo os concelhos influenciados
pelo mar que foram ocupados por uma dinâmica populacional que procurou melhores centralidade e
empregos que o interior do país não oferecia à época, e a ocupação de alguns territórios junto à linha
de costa característico da primeira fase de crescimento das duas áreas metropolitanas portuguesas.
Deste modo, os dados que se referem à população do litoral não são sinónimo de uma ocupação da
linha de costa. Nesse contexto, a costa portuguesa estaria muito mais ameaçada, face aos problemas
da erosão costeira, do que já é actualmente. Com isto, quer se esclarecer o conceito de povoação
costeira referido nesta dissertação, como sendo um lugar em que o seu passado está
intrinsecamente ligado à exploração do mar através da pesca, mas que com o passar dos anos
evoluíram para as actividades turísticas de sol e mar assim como o crescimento da 2ª habitação ou
casas de férias.
A ocupação da linha de costa é um tema que se revela por demais importante nos dias de hoje,
dadas as questões que se prendem com os riscos costeiros. Há assim questões que se levantam
hoje devido à exposição de pessoas e bens aos riscos que o mar apresenta.
Já houve oportunidade nesta dissertação de se falar dos problemas de habitabilidade das zonas
costeiras, principalmente no sector que se aborda nesta dissertação. É certo que existe uma relação
entre as condições de segurança, entre outras, e a vontade de habitar o litoral e portanto será
analisado à luz do conceito de habitabilidade o crescimento das povoações costeiras.
51
Assim, este capítulo pretende abordar a problemática da costa portuguesa pelo lado da ocupação do
território ao contrário do comummente feito que é a abordagem pelo lado da erosão costeira e das
alterações climáticas.
Com isto pretende-se perceber a evolução das povoações costeiras de Esmoriz e Cortegaça ao longo
do tempo, partindo do pressuposto da habitabilidade dos locais. Será assim relevante fazer uma
história evolutiva destes povoados apoiando-se no máximo de material existente referente à
construção de habitações nesse território.
Utilizando a informação do capítulo anterior sobre a origem de Esmoriz, irão ser caracterizadas as
diferentes épocas de construção, que são definidas pelos dados disponíveis, e procurar possíveis
justificações/motivos do crescimento habitacional que se registou.
Deste modo serão feitas distinções entre 3 fases. A primeira, em que se considera que a construção
e a ocupação foi feita de forma informal, uma segunda em que se entende uma construção formal
dado que surgem os primeiros arruamentos e casas de pedra, e uma terceira que se assiste à
maturação do território, com um aumento do número de habitações assim como a necessidade de
planear e dotar os locais de melhores condições de habitabilidade.
7.1. FASE 1 – CONSTRUÇÃO INFORMAL Esta fase caracteriza-se essencialmente pelo aparecimento das primeiras habitações nas praias de
Esmoriz e Cortegaça. Eram “abrigos” muito simples e rudimentares que serviam de apoio à pesca da
xávega na época de maior acalmia do mar, estas construções tem o nome de palheiros (Bebiano,
2000). Os palheiros, que já foram caracterizados anteriormente (capítulo 4), tinham a vantagem de
serem deslocados o que mostrava o respeito e o conhecimento dos habitantes sobre o mar e eram
construídos com o material que abundava naquela zona, a madeira dos pinheiros.
Os lugares de praia de Esmoriz e Cortegaça não têm mais de 200 anos, sendo que foram também
dos últimos a surgir na zona costeira até Aveiro. Como se pode ver pela Figura 19, à época do
levantamento ainda não existia esses povoados sendo que está representada a povoação vizinha de
Paramos. Apesar do levantamento não estar datado aponta-se que tenha sido feito entre 1834 e
1854, devido às técnicas utilizadas mas também porque em 1855 foi construída a ponte que
atravessava a barrinha que não se encontra aí representada (Jornal “A voz de Esmoriz”, Ano II, nº25
de 15-VIII-1957, p.43).
Mesmo antes da florestação das dunas, surgiram dois grupos contínuos de palheiros ao longo da
linha de costa, os palheiros de Esmoriz e os de Cortegaça e “a violência das tempestades de areia
foram afastando a ocupação permanente desses lugares” (Bebiano, 2000). Isto levava a que as
construções que iam surgindo não devessem levar revestimento até ao solo, pois impediria a
passagem das areias que o vento arrastava, o que poderia levar a soterrar parcialmente o palheiro (
(Oliveira e Galhano, 1964).
52
Figura 19 - Planta para o projecto de construção de um canal de navegação entre o rio Douro e a ria de
Ovar; Fonte: Jornal "A voz de Esmoriz", 1957
No seu estudo sobre a história de Esmoriz, (Amorim, 1989) aponta a necessidade da emissão de
uma licença para a construção de palheiros na praia, apesar de muitas vezes isso não acontecer, a
data da primeira licença conhecida surge na acta da Junta da Paróquia de 29 de Janeiro de 1854.
Assim pode-se assumir que estes aglomerados surgem a partir desta data, tendo por base o mapa
apresentado e a data desta licença, desta forma tira um pouco de importância à ideia que os
palheiros só surgem em Esmoriz devido à abertura de linha férrea e da estação em Espinho pois este
acontecimento ocorre por volta de 1870 (Amorim, 1989).
Como se falou noutro momento, os povoados das praias de Esmoriz e Cortegaça apenas começaram
a surgir pouco depois dos vizinhos já se terem desenvolvido. Sabe-se até que pela proximidade da
vila à praia permitia aos agricultores, que pescavam na praia nas horas vagas, não se precisariam de
abrigo para eles e isso aponta-se como justificação para os poucos palheiros de abrigo face a outros
locais (Amorim, 1989). Este crescimento surge assim associado à passagem da linha ferroviária e da
abertura da estação o que influência num aumento do número de palheiros, mas também porque as
praias de Esmoriz e Cortegaça eram consideradas estâncias balneares e por esse motivo atraía
muita gente no Verão.
Tem-se ainda que, os palheiros da zona de Esmoriz eram conhecidos como “palheiros de luxo”
(Amorim, 1986) o que confere a ideia de não haver tanto a ligação à arte piscatória (actividade
conotada com muito esforço e lucro reduzido) mas mais com a presença burguesa que viria de outros
lugares passar férias na época de veraneio.
Este aumento de interesse por este território e a pressão exercida pelo aparecimento de vários
palheiros, não só os de férias mas também relacionados com a pesca, surgem alguns sem licença,
53
tanto em Esmoriz como em Cortegaça, sendo que em 1868 o presidente da câmara da Vila da Feira
intimou os seus proprietários a demoli-los (Amorim, 1989).
Com o desenvolvimento da praia como estância balnear, o povoado tornara obrigatória a edificação
alinhada em arruamentos, por vezes em zonas onde havia grandes movimentações de areia (E. V. de
Oliveira e Galhano, 1964) e (Bebiano, 2000). Isto obrigou ao levantamento, sobre estacaria, das
habitações dado que algumas eram revestidas até ao solo e que acabavam por impedir a passagem
das areias que o vento arrastava, acabando por quase cobrir os palheiros.
Apesar de se começarem a organizar os arruamentos (Figura 20) neste povoado costeiro ainda não
havia as infra-estruturas básicas como a água, luz e saneamento, que como se verá só apareceu
muito mais tarde.
Figura 20 - Grupo de palheiros da praia de Esmoriz, destaque para o alinhamento das construções;
Fonte: (Oliveira e Galhano, 1964)
Desta forma, o final do século XIX trás consigo um desenvolvimento maior àqueles lugares.
Começando a dar os primeiros sinais de organização, apesar de não oferecer as condições básicas
de habitação, mas eis que surge em 1898 a primeira habitação de pedra e cal (Amorim, 1989), dando
assim início a uma segunda fase de ocupação.
7.2. FASE 2 – CONSTRUÇÃO FORMAL Esta fase começa com o início do século XX, logo após o surgimento da primeira casa de pedra.
Ocorre assim uma mudança de paradigma do tipo e estilo de construção que existia até à data. A
tecnologia, as condições de transporte e a melhoria no acesso à praia favoreceram a construção em
pedra, sendo que “a casa do tipo palafítico ficou com o dias contados, com a casa de pedra e cal a
tomar-lhe o espaço” (Amorim, 1989) apesar da originalidade das primeiras habitações.
Para esta situação muito contribuiu a construção da estrada do mar, que levou vários anos a ficar
concluída, tendo-se terminado as obras pouco antes da primeira Grande Guerra (Ferreira, 1958).
Assim, “a nova estrada para o mar (1914) permitiu a construção em alvenaria e blocas de pedra”
(Bebiano, 2000).
54
Até essa altura, início do século XX, eram usados apenas dois caminhos para aceder à praia, o
caminho da Aldeia que dava acesso à população da parte norte da freguesia, e o caminho de
Matosinhos utilizado pela população do lado sul da freguesia (Ferreira, 1958). A melhoria
considerável no acesso à praia, aliado à procura turística da zona na época de Verão provocou um
aumento do número de habitações presentes na praia tendo sido os principais impulsionadores da
ocupação da costa naqueles lugares. Esta situação provocou alguma preocupação ao nível da
organização do espaço e da salubridade das habitações.
O primeiro plano feito para o lugar da praia de Esmoriz foi aprovada em 1913, pela Comissão
Distrital de Aveiro, constituindo o principal guia estruturante da maior parte da praia de Esmoriz,
definindo não só os arruamentos mas também a organização dos palheiros que eram feitos de novo
como aqueles que tiveram de ser mudados devido ao avanço do mar. Apesar das indicações de
construção definidas no plano surgem algumas vozes de indignação pois “apesar de alguns
arruamentos feitos, não se conseguia compreender como a Câmara de Ovar não concedia licenças
para obras e, os proprietários viam-se na necessidade de construir noutras localidades deixando os
seus terrenos na praia ao abandono com graves prejuízos para o desenvolvimento e economia local,
quando em outras localidades do Concelho de Ovar sem qualquer plano de urbanização se construía
em série sem qualquer recusa” (Ferreira, 1972).
A questão dos arruamentos assim como a organização das construções pode ser provada com o
“levantamento às habitações da freguesia de Esmoriz feito em 1927 (Figura 21), na qual se identifica
claramente o alinhamento das habitações, criando entre elas vários “arruamentos”, demonstra a
organização que se pretendia para o lugar de tal forma que foi crescendo uma malha ortogonal a
partir da estrada principal que perdura actualmente.
Com o intensificar das intenções de ocupar os lugares da praia de Esmoriz e Cortegaça surge a
intervenção das entidades competentes a fim de melhorar as condições de habitabilidade do lugar,
assim “elaborou-se o plano de saneamento da praia que foi aprovado pela Junta Distrital de Aveiro, a
3 de Agosto de 1913” (Amorim, 1986). Apesar dos esforços iniciais, na melhoria das condições de
ocupação, este processo arrastou-se durante largos anos sem que aparece-se obra. Pelo meio
surgem varias intenções de actualizar o plano realizado em 1913 para a praia de Esmoriz incluindo
ainda a praia de Cortegaça. Foram os casos dos contratos para a elaboração do “ante-projecto de
urbanização” em 1955 que seria cancelado anos mais tarde e do contrato para a elaboração do
“anteplano de urbanização de Esmoriz e Cortegaça” em 1970, igualmente cancelado (Amorim, 1986).
Relativamente às obras do saneamento nos lugares da praia, estas apenas seriam iniciadas para lá
de uma terceira fase de ocupação, por volta do ano de 1979, tendo sido um enorme esforço
financeiro para a autarquia.
Neste período de ocupação da linha de costa entre Esmoriz e Cortegaça é importante realçar alguns
acontecimentos que influenciaram o crescimento destes locais. Assim, destaca-se a Primeira Guerra
Mundial (1914-1918), a decadência da pesca da sardinha (1930) e tempestade de 1941.
Guerra Mundial teve uma enorme influência ao nível da diminuição da população, em grande parte
devido às baixas que provocou nos países mobilizados para a guerra, assim como a diminuição da
55
população jovem. No caso particular da área de estudo, sabe-se que durante este período da história
a construção de habitações de pedra e cal estagnaram não só pela diminuição da população mas
pelas dificuldades económicas que se agravaram muito mais nesse período. Estas que se
desenvolveram no final do século passado e princípios do presente, as quais marcam o início da
segunda fase de ocupação, mas a sua construção parou durante a primeira Grande Guerra” (Amorim,
1989).
Figura 21 - Planta da Freguesia de Esmoriz (1:10000), levantamento feito pelo Eng.º. João Lopes em 1927; Fonte: Planta original na Biblioteca Municipal de Ovar
Outro elemento relevante foi a extinção de algumas companhas de Esmoriz e Cortegaça, perdendo a
pesca importância neste local ganha relevância a exploração turística como praia de banhos. Isso
deveu-se ao facto da pesca da sardinha ter entrado em decadência, espécie que abundava neste
trecho de costa mas que começou a escassear naquela zona sendo a sua exploração inviável,
levando a que em 1930 ocorre-se a extinção de algumas companhas (Bebiano, 2000).
Em 1941 ocorreu uma tempestade que afectou todo o país, mas que teve efeitos devastadores na
praia de Esmoriz e Cortegaça. Tanto a acção do vento forte como da agitação marítima acabaram por
destruir inúmeros palheiros deixando centenas de pescadores sem abrigo (Pires, 1997). Este
acontecimento agravou a vida dos pescadores, visto que nessa época estes atravessavam uma
grave crise na arte Xávega, pelos motivos já apresentados. Nesse âmbito a capitania do Porto de
Aveiro apoiou os pescadores dessa zona, tendo construído vários palheiros para realojar as pessoas
(Bebiano, 2000).
56
Importa reter que nesta fase o crescimento das habitações teve vários entraves apesar de
começarem a aparecer maior número de habitações face à fase anterior. Vários motivos foram
apontados começando pelas referências à não concessão de licenças de obra a partir da existência
de um plano de urbanização em 1913, passando pela grande guerra e pela crise da pesca provocada
pela diminuição dos cardumes de sardinha. Neste âmbito, é relevante frisar o acontecimento de 1941
em que ocorreu a destruição de muitos palheiros pois vem mostrar que as investidas do mar eram
uma realidade já nessa altura (existem outros fenómenos mais antigos de investidas do mar em
povoações vizinhas, sendo pouco relevante enumerar todas), mostrando que o fenómeno dos perigos
da ocupação da linha de costa não é recente, inclusive a primeira habitação de pedra, a qual já foi
referida anteriormente, acabou por ser destruída por uma dessas investidas do mar.
Contudo, esta fase fica claramente marcada pelas intenções de urbanizar os povoados costeiros de
Esmoriz e Cortegaça. Apesar de se ter criado o primeiro plano para parte da praia de Esmoriz, a
capacidade de planear e definir as formas e regras de ocupação daqueles povoados ficou-se apenas
pelas intenções dada as várias tentativas de se criar um plano para aqueles povoados.
7.3. FASE 3 – CONSOLIDAÇÃO DOS POVOADOS COSTEIROS DE ESMORIZ E CORTEGAÇA
Até este ponto a caracterização e análise das fases de evolução dos povoados foi baseada em factos
históricos presentes em monografias da área de estudo e em relatos e testemunhos feitos por
pessoas que viveram ao longo desse período e publicaram alguma informação no “jornal da terra”.
Nesta terceira fase já se dispôs de alguma informação geográfica relevante que permitisse fazer uma
análise da evolução das povoações diferente do que foi feito até ao momento.
É ao longo desta fase que se conclui a evolução dos povoados da costa de Esmoriz e Cortegaça. Foi
neste período que se notou claramente o aumentar não só das habitações mas também das
obrigações “impostas” pela administração central ao nível do ordenamento do território. É com esse
conhecimento que se aborda a terceira fase de ocupação dos lugares da praia de Esmoriz e
Cortegaça.
Nesta terceira fase é importante destacar dois elementos bastante importantes, a erosão costeira e o
oportunismo imobiliário. São elementos que influenciaram o desenvolvimento dos povoados em
análise. A erosão costeira foi sendo ignorada ao longo do tempo, por motivos que a esta distância
não se pode afirmar o porquê, apesar de se fazer sentir na localidade vizinha de Espinho mas
também na zona de Esmoriz e Cortegaça. Ao ir sendo ignorada foi-se permitindo a construção na
frente de mar, trazendo os problemas que se assiste hoje. Já o oportunismo imobiliário/especulação
deveu-se à retenção e expectativa que vários proprietários dos terrenos junto à linha de costa foram
criando, à espera de maior valorização, ao não vender os seus terrenos a pessoas interessadas na
construção, com isto o ritmo de construção era bastante lento para as pretensões da população
(Jornal “A voz de Esmoriz”, Ano XII, nº280 de 1-VIII-1969).
Nesta fase assiste-se ainda à perda de importância da pesca artesanal como principal actividade na
zona de Esmoriz e Cortegaça, não só pela diminuição do volume de pescado mas também pelo
57
aumento da actividade industrial em Esmoriz e pelo crescimento da actividade turística na região
envolvente.
Durante este período de tempo, ocorre uma melhoria na aquisição de informação geográfica, assim
como a necessidade dessa mesma informação para determinados fins. Desta forma, chega-se aos
primeiros dados geográficos para a zona em análise, o que permitiu fazer um levantamento cadastral
baseado no voo de 67, dando a possibilidade de fazer um estudo evolutivo da ocupação do território
para os lugares da praia de Esmoriz e Cortegaça.
7.3.1. OS POVOADOS NO ANO DE 1967
Como se pode ir descrevendo nos pontos anteriores, os povoados costeiros de Esmoriz e Cortegaça
iniciaram-se com uma forte ligação à pesca artesanal mas rapidamente se direccionaram para
acolher veraneantes das localidades vizinhas durante a época de veraneio. Contudo existe uma forte
relação entre as duas actividades, ambas são do tipo sazonal durante a época de veraneio. Com isto
sabe-se que a ocupação permanente daqueles locais era muito rara.
Todavia o crescimento, em termos urbanísticos, destes locais esteve dependente da melhoria das
condições de acesso à linha de costa, como se pode verificar com o aparecimento da primeira casa
de pedra.
Um dos aspectos que tem de ser referido e que directa e indirectamente afecta esta análise aos
povoados de 1967 foi o período do Estado Novo. É da história que este período foi de grandes
dificuldades para a população portuguesa, o que não fomentou o desenvolvimento do país, muito
menos de pequenas localidades. O que se registou foi uma grande migração das zonas interiores do
país para a periferia dos grandes centros urbanos, principalmente, de Lisboa e Porto e em que as
condições de vida eram bastante precárias.
Deste modo poucas eram as pessoas que teriam poder económico para adquirir terreno e construir
habitação. Isto justifica, que para além dos palheiros pouco era o desenvolvimento urbano naqueles
locais. Os proprietários que conseguiram e tinham possibilidade de adquirir terrenos, “fizeram-no em
grande número, baratos ou em circunstâncias de difícil compreensão” (Jornal “A voz de Esmoriz”,
Ano XII, nº280 de 1-VIII-1969), com a pretensão destes se valorizarem e mais tarde tirar lucro.
Contudo, foram aparecendo algumas habitações tal como se pode verificar pela Figura 21. As
construções mais recentes, relativamente à data em questão, foram-se desenvolvendo em torno dos
arruamentos principais tanto em Esmoriz como em Cortegaça.
No caso de Esmoriz, destaca-se o prolongamento da estrada do mar (principal acesso à praia) para
norte em direcção à barrinha de Esmoriz, esta situação permitiu o aparecimento de várias habitações
na primeira linha de ocupação da frente de mar.
Quanto à forma como os povoados se foram desenvolvendo, a proximidade aos arruamentos
principais é sem dúvida um elemento fundamental. Nesse aspecto, destaque para os 3 principais
arruamentos presentes na imagem x que foram construídos para facilitar o acesso à zona da praia, já
os demais são caminhos trilhados pelos habitantes contornando os vários quarteirões.
58
Assim, a organização do espaço foi sendo feita, nesta fase, por quarteirões, algo que se prove desde
o primeiro plano de urbanização definido em 1927. Para além deste elemento deve-se ter atenção
para a construção ao longos dos caminhos, sendo que o maior aglomerado habitacional de Esmoriz
se desenvolveu ao longo da estrada principal (estrada do mar), já em Cortegaça nota-se uma maior
dispersão pelos vários caminhos que vão formando os quarteirões.
7.3.2. OS POVOADOS NO ANO DE 1984 Passados 17 anos entre o voo de 1967 e o voo de 1984 houve alterações bastante significativas nos
povoados costeiros de Esmoriz e Cortegaça. Numa primeira e rápida apreciação da cartografia para
essa época (Figura 22) nota-se claramente o aumento da área ocupada pelas edificações,
principalmente na zona do “Bairro dos Pescadores” entre os dois povoados . Este período de análise
coincide com o pós-25 de Abril de 1974 o que não deixa de ser um facto relevante como se poderá
verificar.
Esta fase da história política em Portugal é essencial para se explicar a expansão deste povoado,
naquele local e sobre aquelas condições. Como vem sendo objectivo desta dissertação, explicar os
motivos do crescimento do povoado costeiro de Esmoriz e Cortegaça, encontramos neste período
elementos bastante interessantes que podem ter influenciado não só a expansão mas o
enraizamento de uma grande comunidade que hoje se encontra em risco de erosão e galgamento
costeiro.
Este crescimento assenta em vários motivos, sendo que o principal prende-se com a queda do
Estado Novo em 1974 e as mudanças que ocorreram no país, dado que “desde os anos 60, com o
progressivo colapso do império colonial, emigração massiva, os princípios de uma integração na
Europa e no mercado internacional (adesão à EFTA, ao FMI, a obtenção de estatuto privilegiado junto
da CEE), a expansão de uma classe média urbana e de capitais não monopolistas, a penetração de
capitais estrangeiros e a implantação de novos ramos industriais” ( Rodrigues, 1984).
Neste aspecto, “a democratização levou a novas relações entre o poder local e a população” (Matos,
1989) o que por certo foi garantindo alguma confiança para se actuar à margem da lei, dadas as
necessidades de habitação presentes em Portugal no pós-25 de Abril.
Neste contexto, surgem as habitações clandestinas. Esta designação é dada, em Portugal, à
construção feita sem autorização da câmara às quais compete licenciar e controlar as obras
realizadas por particulares, no entanto e para além do sentido de ilegalidade, o termo clandestino
pretende acentuar a actuação escondida, camuflada, subterrânea dos construtores (Soares, 1984).
No caso da área de estudo estas construções proliferaram a partir da zona do “Bairro dos
Pescadores” que deve ser entendido como construções clandestinas e não como Área Urbana de
Génese Ilegal.
De realçar que este não é caso único em Portugal e nesta época. A génese destas construções na
praia de Esmoriz e Cortegaça são muito semelhantes às apresentadas por Matos (1989) para as
praias do Picão e Madalena em Vila Nova de Gaia.
59
Assim, tradicionalmente as habitações clandestinas surgiam como a alternativa mais rápida e mais
acessível para as populações suprimirem as suas necessidades de habitação. Isto também somente
foi possível devido a alguma disponibilidade financeira das famílias que assim investiam as suas
poupanças na aquisição de solo para aí construírem a sua habitação.
No processo da construção clandestina a aquisição de solo era o passo fundamental, sendo que
independentemente da sua posição geográfica face à estrutura urbana existente os bairros
clandestinos tendiam a crescer nas fronteiras geográficas de concelhos e freguesias (Matos, 1989).
É o que se observa na área de estudo entre 1967 e 1984. Como foi referido anteriormente, assistiu-se
neste período a um aumento significativo de pequenas habitações no limite entre a freguesia de
Esmoriz e Cortegaça, no local onde anteriormente se fixaram os primeiros pescadores que ocuparam
a zona e daí o local ser conhecido por “bairro dos pescadores”.
A importância de se construir junto aos limites geográficos prendia-se principalmente pelos motivos
de fiscalização. À época ainda existiam muitas duvidas sobre quem recaía a responsabilidade de
fiscalização, apoiado pela dificuldade de definir em que freguesia as habitações estavam inseridas e
ainda ajudado pela capacidade das pessoas encobrirem a construção, isto é, como a maioria das
casas eram abarracadas, a construção em tijolo começava por dentro das paredes de madeira sendo
mais tarde retiradas as tábuas e ficando o resultado final à vista.
Posto isto, foi muito fácil o crescimento deste tipo de bairros um pouco por todo país e
essencialmente em áreas litorais, não só pela necessidade das pessoas em arranjar habitação mas
pela dificuldade da administração central e local conseguir resolver as questões da habitação mas
também de fiscalização nessas áreas.
A problemática dos clandestinos nesta época e neste local é bastante relevante para se perceber o
desenvolvimento junto à linha de costa na área de estudo, mas também pelas consequências que se
assiste no presente. O crescente número de habitações neste sector pode ter influenciado o
crescimento dos povoados da praia de Esmoriz e Cortegaça, isto porque ao observar-se a cartografia
do local vê-se que o início do crescimento se dá essencialmente no bairro dos pescadores.
Assim, os dois povoados da praia de Esmoriz e Cortegaça começam a ganhar alguma dimensão não
só com o crescimento do “bairro” mas também pelo aproveitando das suas potencialidades turismo
de sol e mar. Isto levou a que fosse idealizado um plano de urbanização para Esmoriz e Cortegaça,
que acabou por não sair do papel pela inadequação deste à realidade local. Numa reunião para
discussão do plano chamou-se à atenção para a parte sul desse plano (sector compreendido entre a
Av. da Praia de Esmoriz e Cortegaça onde se desenvolveu o “bairro”) mas também se acusou o
mesmo de ser monumental e irrealista ao não atender às limitadas possibilidades financeiras dos
futuros construtores-moradores ao se exigirem lotes de 3000m2, prevendo-se ainda a construção de
um hospital (Ferreira, 1976).
Com estas intenções previa-se que no território litoral destas freguesias ocorresse um crescimento
urbano bastante acentuado, dando-se a possibilidade de edificação naquelas zonas. O que acabou
por acontecer essencialmente foi o crescimento do “bairro dos pescadores”, que ao se desenvolver
60
para norte acabou por contribuir para a formação da 1ª linha de edifícios na praia de Esmoriz, e uma
construção de pequenas habitações, de forma organizada por quarteirões na praia de Cortegaça.
7.3.3. OS POVOADOS NO ANO DE 1991
Neste período de análise, que encerra toda a evolução dos povoados em análise ao longo da década
de 80, devemos centrar a nossa atenção em alguns elementos importantes tais como o agravamento
dos problemas de erosão costeira e a apresentação das primeiras e principais intervenções de defesa
da costa, que foram desde logo registadas no Plano Regional de Ordenamento do Território (PROT)
Centro Litoral em 1992.
Deste modo é relevante referir as taxas de recuo (Tabela 5) apresentadas para o troço
Espinho/Cortegaça (numa extensão de 11 km) nesse documento:
Tabela 5 - Taxas de recuo da linha costeira para o troço Espinho/Cortegaça; Fonte: PROT Centro Litoral
1992
1947/58 1958/80 1980/89
Recuo médio (m/ano) 0.8 1.8 4.5
Recuo máximo (m/ano) 3.7 1.8 8
Acreção máxima (m/ano) 3.0 5.7 12.5
Assim, fica provado o recuo progressivo da linha de costa ao longo do tempo, principalmente ao
longo do período do início de crescimento dos povoados de Esmoriz e Cortegaça.
Desde 1984 até 1991 os dois povoados costeiros de Esmoriz e Cortegaça continuaram a crescer em
número de edifícios, contudo não se pode justificar o contínuo crescimento do “bairro dos
pescadores”, ao longo desses sete anos, com os problemas da habitação e politicas provocadas pela
queda do Estado Novo e a influência dos promotores imobiliários parece ter sido pouco relevante
nesta fase como se pode ver desseguida. “Quando um dia se fizer a história da produção da cidade
em Portugal na 2ª metade do séc. XX, constatar-se-á quão insignificante foi a participação das
imobiliárias e grandes empresas de construção na realização do espaço edificado” (Ferreira, 1984).
Ao se analisar a área de estudo, a generalidade dos edifícios são pequenas casas ou moradias
unifamiliares de um e dois pisos em que o promotor é o futuro morador, inclusivamente no sector do
“bairro” a maioria das habitações são de auto-construção, já as demais construções de habitações
nos povoados foram levadas a cabo por pequenos empreiteiros, pois na generalidade os promotores
imobiliários investem em grandes empreendimentos, o que aconteceu neste período e pontualmente
na praia de Esmoriz.
A aposta na exploração turística da praia fica vincada com a expansão dos dois parques de
campismo, tanto em Esmoriz como em Cortegaça, que já surgiam na cartografia de 1984. A
existência destes parques pode ter em certa medida contribuído para “regular”, apesar de não terem
sido criados com esse propósito, um pouco a construção de edifícios nos locais. Estes ofereciam a
possibilidade de se morar junto às zonas de veraneio durante o período de férias sem que para isso
fosse necessário uma habitação fixa. De determinado prisma este tipo de ocupação acaba por ter um
61
impacto “soft” dado que pode acompanhar a sazonalidade que implica as actividades de veraneio
nestas zonas de cordão dunar bastante vulneráveis à acção do mar.
A vulnerabilidade destas praias ficou claramente em evidência ao longo deste período de análise.
Apesar de ao longo do tempo se notar que as praias iam ficando mais pequenas (Tabela 5) e o mar
mais próximo das habitações, a construção continuou a aumentar.
Após um estudo encomendado à Hidrotécnica Portuguesa, no qual se identificava o enfraquecimento
progressivo das fontes aluvionares, surge um plano de obras para a defesa da costa que previa um
novo alinhamento a linha costeira no trecho entre Esmoriz e o Cabo Mondego (Veloso Gomes, 1992).
À época as difíceis condições económicas do país não permitiram a implementação do plano na sua
totalidade, sendo que apenas tenham sido construídas as obras estritamente necessárias para
proteger as frentes urbanas litorais em risco elevado de erosão.
Foi então nessa época que surgem as primeiras obras de protecção costeira naquele local. Assim,
em Esmoriz em 1985/87 e Cortegaça 1989 surgem os primeiros 2 esporões de um conjunto de 4
obras para a defesa da costa. Posteriormente e pouco tempo após as primeiras intervenções são
construídos em 1990 tanto em Esmoriz e Cortegaça, 2 esporões com obra longitudinal aderente
(paredão) (Veloso Gomes, 1992).
Assim, como base na cartografia presente na Figura 24, pretende-se caracterizar os povoados entre
o período de 1984 e 1991. Em relação à forma dos povoados estes foram mantendo a sua dinâmica
ao manter um crescimento no número de edifícios construídos, consolidando ao longo desta fase a
sua estrutura iniciada em 1964.
O povoado de Esmoriz, apesar de apresentar a uma estrutura em quarteirões, tem as habitações
dispersas no espaço. Contudo, no sector mais central do povoado, onde termina o principal acesso à
praia, encontra-se densamente ocupada comparando com outras zonas do povoado. Isso deve-se
por um lado, por ter sido o primeiro local de crescimento deste povoado, mas também devido à
influência do “Bairro dos Pescadores” que com o seu acentuado crescimento ao longo dos anos
acabou por se ligar à zona central da praia de Esmoriz, formando dessa forma a primeira linha de
habitações dessa praia.
Na praia de Cortegaça tem-se uma estrutura, muito mais pequena que a praia de Esmoriz, que se
manteve inalterada ao longo dos anos. Apesar de não haver muita área para se expandir, ocorreu
alguma construção o que permitiu consolidar o povoado criando uma estrutura em quarteirões
bastante nítida. Porém, ao analisar a configuração da linha de costa neste sector, entre Esmoriz e
Cortegaça, pode-se observar que todo o povoado da praia de Cortegaça se encontra mais exposto à
acção do mar do que a frente de mar da praia de Esmoriz (exceptuando o “Bairro dos Pescadores”),
isto é, a primeira linha de habitações da praia de Esmoriz está mais recuada que todo o povoado em
Cortegaça. Esta situação é relevante pois embora ambos os povoados sejam bastante vulneráveis ao
avanço do mar, a praia de Cortegaça dada a configuração da linha de costa pode-se tornar num
“cabo artificial”.
62
Figura 22 - Crescimento urbano, ao longo do tempo, dos povoados costeiro de Esmoriz e Cortegaça –
1967; Fonte: IGP, 1967 (Fotografia aérea 1:15000 nº126 – Voo DGF 99/67 – 29)
63
Figura 23 - Crescimento urbano, ao longo do tempo, dos povoados costeiro de Esmoriz e Cortegaça –
1984; Fonte: IGP, 1984 (Fotografia aérea 1:15000 nº 2973 – Voo Minho 84.13 – 2951)
64
Figura 24 - Crescimento urbano, ao longo do tempo, dos povoados costeiro de Esmoriz e Cortegaça –
1991; Fonte: IGP, 1991 (Fotografia aérea 1:15000 nº2978 – Voo Zona Centro norte 91.10 - 29)
65
7.3.4. ANÁLISE ESTATÍSTICA
Neste ponto pretende-se fazer uma abordagem analítica à área em estudo, com base nos Censos de
1991, 2001 e 2011, usando indicadores que permitam caracterizar os indivíduos residentes e a
habitação numa fase pós-consolidação dos povoados costeiros. Estes dois indicadores, no contexto
desta dissertação, são bastante relevantes na procura de se caracterizar a evolução dos povoados,
podendo desta forma ter uma perspectiva mais precisa sobre o tipo de moradores e o tipo de edifícios
existentes naqueles locais.
Os dados foram tratados à escala da subsecção estatística das freguesias de Esmoriz e Cortegaça,
sendo que se escolheram as subsecções que cobriam a mesma escala de observação da cartografia
apresentada anteriormente, ou seja, apenas os aglomerados junto à linha de costa.
Um elemento importante a reter deste período de análise é que é ao longo desta fase que começam
a surgir os principais diplomas legais com vista à regulamentação das zonas costeiras. Com isso
surgiram novas regras para a ocupação e edificação da orla costeira o que poderia modificar a
tendência registada ao longo da análise feita anteriormente.
7.3.4.1. População
É importante começar por avaliar os indicadores que permitem caracterizar os indivíduos residentes,
obtendo-se desta forma uma perspectiva geral do número de residentes, a sua faixa etária e a
relação com o emprego, podendo-se tirar conclusões sobre a estrutura etária e económica dos
povoados de Esmoriz e Cortegaça.
Relativamente à variação da população ao longo do tempo pode-se verificar pela Tabela 6, que que
nos últimos 20 anos (1991-2011) ocorreu um aumento de 1693 indivíduos residentes, o que
corresponde a um aumento de 26,92% durante esse período. Este valor demonstra o crescimento
populacional sentido nos povoados costeiros de Esmoriz e Cortegaça. Contudo durante a última
década, o crescimento foi menos expressivo, tendo a população residente aumentado apenas 4,16%
face ao valor registado em 2001.
A variação do número de indivíduos presentes, pessoas que efectivamente se encontravam no local
no momento do recenseamento estatístico, possui um comportamento bastante semelhante com
indicador anterior, sendo que os valores são ligeiramente inferiores.
Tabela 6 - Variação dos indivíduos presentes e residentes para as subsecções estatísticas da área em estudo; Fonte: INE - Recenseamento Geral da População (RGP), 1991; 2001; 2011.
ANO Indivíduos Presentes
Indivíduos Residentes
1991-2011 1489 1693
% 24,11 26,92
2001-2011 232 319
% 3,12 4,16
66
A análise da variação do número de indivíduos residentes por faixa etária permite perceber o
comportamento da população relativamente à variabilidade da natalidade, mortalidade e a esperança
média de vida.
Entre 1991 e 2011, nos povoados costeiros de Esmoriz e Cortegaça, ocorreram variações bastante
relevantes, ver Tabela 7, na estrutura etária desses povoados. Desde logo porque nota-se um
aumento significativo (67,23%) da faixa etária com mais de 65 anos, sendo um indicador do
envelhecimento da população ao longo das ultimas décadas, assim como o aumento da população
em idade activa (51,20%).
Contudo ao se analisar a base da estrutura etária, onde se encontra a população jovem, pode-se
verificar que os valores das variações não são suficientes para equilibrar o aumento da população
mais idosa. Obtêm-se assim uma estrutura etária desequilibrada, que tende para o envelhecimento
nestes povoados.
Esta tendência pode ser confirmada pelos valores registados entre 2001 e 2011, em que se dá uma
variação negativa dos grupos etários mais jovens, o que significa menos nascimentos na última
década e, pelo contrário, o grupo onde se inserem os idosos continua como uma variação positiva de
realce.
Tabela 7 - Variação do nº de indivíduos residentes por faixas etárias para as subsecções
estatísticas da área em estudo; Fonte: INE-RGP, 1991; 2001; 2011
ANO Nº de indivíduos residentes
0 A 4 5 A 9 10 A 13 14 A 19 15 A 19 20 A 64 +65 1991-2011 75 41 22 7 - 1349 199
% 26,50 15,13 9,61 2,53 - 51,20 67,23
2001-2011 -58 -9 52 -26 -21 271 89
% -9,29 -1,63 12,81 -4,48 -4,23 5,42 17,69
Sendo o valor da população activa um indicador importante para a análise da dinâmica urbana dos
locais, pois é esta faixa etária tem a potencialidade de trabalhar e gera riqueza a nível local, importa
perceber a relação dos indivíduos em actividade e a situação laboral.
Nesse sentido, a Tabela 8 apresenta os resultados dessa análise podendo constatar-se que ocorreu
uma variação positiva no que corresponde ao emprego dos indivíduos residentes. Ao verificar-se os
valores para cada ano conclui-se que a taxa de emprego desde de 2001 se manteve-se superior a
50% crescendo ligeiramente ao longo do tempo, no sentido inverso o número de indivíduos sem
actividade económica foi diminuindo ao longo das duas décadas, se realçar que na última década a
variação deste valor resultou numa diminuição de 51,91%.
Tabela 8 - Variação da relação do individuo face à situação laboral para as subsecções
estatísticas da área em estudo; Fonte: INE-RGP, 1991; 2001; 2011
ANO Indivíduos Residentes Empregados Pensionistas e Reformados Sem actividade económica
67
1991-2011 838 117 -247
% 29,10 18,66 -11,63
2001-2011 12 106 -746
% 0,45 27,68 -51,91
Os dados analisados até ao momento têm uma importância relevante para que se chegasse aos
valores que se irão apresentar de seguida. O número de empregados por sector de actividade é, para
o caso em questão, um indicador bastante relevante para se perceber qual o principal meio de
subsistência dos seus habitantes e quais foram as estratégias de desenvolvimento económico
seguidas ao longo do tempo.
Numa primeira apreciação da Tabela 9 pode-se confirmar que em ambos os períodos de análise tanto
o número de indivíduos empregados no sector primário como os do sector terciário se comportaram
de forma inversamente semelhante. Ou seja, a diminuição que ocorreu ao nível dos indivíduos
empregados no sector primário corresponde linearmente aos ganhos identificados no sector terciário,
podendo-se concluir que houve uma mudança de paradigma ao longo das ultimas décadas. O sector
secundário apresenta, por si só, uma variação bastante interessante, dado que a variação que ocorre
entre 1991 e 2011 é mínima, não acontecendo o mesmo entre 2001 e 2011. Este comportamento só
se pode justificar com um crescimento acentuado na década de 90 e um forte declínio ao longo da
ultima década..
Os resultados obtidos não se totalmente inesperados. Apesar de Esmoriz ter tido um génese agrícola
e possuir uma tradição industrial forte, as ultimas décadas têm acompanhado a tendência portuguesa
no caminho para a terciarização. Para isso muito contribuiu o estatuto de cidade, obtido na década de
90, e com isso a necessidade de consegui prestar e garantir um conjunto de serviços diferenciados
às populações.
Ao se analisar as estatísticas em termos espaciais, isto é o que se reflecte no território, deve-se
registar que estes dados acentuam a mudança de paradigma relativamente às funções dos povoados
costeiros , mudanças essas que se tem vindo a acentuar ao longo das ultimas décadas. Sendo
povoados que foram fundados para servir de suporte às actividades piscatórias, seria previsível que
se mantivesse ainda alguma actividade e tradição nesse ramo.
Contudo desde a 1ª Fase de análise (referida anteriormente) com o declínio da pesca, o sector
primário nunca teria, em termos estatísticos, um peso relevante apesar de em 1991 ainda se
registavam 84 indivíduos nesse sector de actividade. Volvidas duas décadas o numero caiu mais de
60%, sendo que do “Bairro dos Pescadores” fica a memória e as tradições que lhe deram origem,
pois o principal sector de actividade em que a população dessas secções se encontra é no comércio
e serviços.
O sector secundário, no qual se inserem actividades de comércio e serviços, foi o principal
empregador dos indivíduos residentes nos povoados em 1991, estando mais de 56% dos indivíduos
empregados neste sector. Estando os povoados desde muito cedo ligados ao turismo, é possível
afirmar que o comércio foi o motor de desenvolvimento das praias de Esmoriz e Cortegaça e desta
68
forma a população poderia ser empregada na zona de residência. Todavia viu a sua importância
decair na última década, em 2001 ainda se dividiam entre sector secundário (47%) e terciário (50%),
sendo que no recenseamento de 2011 o principal e maioritário empregador dos indivíduos daqueles
povoados era o sector terciário com quase 70% dos indivíduos empregados nesse sector.
Tabela 9 - Variação dos indivíduos empregados para as subsecções estatísticas da área em estudo;
Fonte: INE-RGP, 1991; 2001; 2011
ANO Indivíduos Empregados por Sector de Actividade Primário Secundário Terciário
1991-2011 -61 -20 919
% -57,01 -1,77 55,87
2001-2011 -7 -326 345
% -13,21 -22,73 15,55
A actividade industrial foi desde cedo um ponto forte de Esmoriz. Como já foi referido, a indústria da
tanoaria e cordoaria, que foi aparecendo no povoado principal, deu um impulso fundamental no
desenvolvimento da vila de Esmoriz, tendo esse crescimento permitido a passagem a cidade. Desta
forma, a mudança para o sector terciário como principal empregador vem demonstrar que a maioria
dos habitantes dos povoados costeiros de Esmoriz e Cortegaça trabalha fora da área de residência,
pois não há indústria no povoado costeiro.
7.3.4.2. Habitação
A análise estatística de indicadores de habitação tem particular interesse, visto o âmbito da
dissertação se procurar elementos que ajudem a perceber a evolução da ocupação urbana dos
povoados costeiros de Esmoriz e Cortegaça.
Começar então por perceber a evolução do número de edifícios clássicos ao longo do tempo,
baseado nos valores presentes na Tabela 10. Desde de 2001 a 2011 que ocorreu um crescimento de
cerca de 15%, o que em termos absolutos representam mais 350 construções do que em 1991, nos
edifícios construídos nos povoados, sendo que na sua maioria são edifícios exclusivamente
residenciais.
Tabela 10 - Percentagem de edifícios por tipologia para as subsecções estatísticas da área em estudo; Fonte: INE-RGP, 1991; 2001; 2011
ANO Nº de edifícios:
Clássicos Exclusivamente residenciais
Principalmente residenciais Não residenciais
1991 1005 947 32 26
% - 94,23 3,18 2,59
2001 1362 1285 73 4
% - 94,35 5,36 0,29
2011 1360 1273 80 7
% - 93,60 5,88 0,51
69
Numa perspectiva de se perceber a relação entre o número de alojamentos e o número de edifícios
realizou-se a Tabela 11. Desta forma, pode-se estimar a tendência relativamente à construção de
casas unifamiliares (moradias) ou de apartamentos. De acordo com os resultados obtidos pode-se se
ver que ocorreu um crescimento, ao longo os vários períodos de análise, da percentagem de
alojamentos por edifícios construídos, tendo inclusivamente no ano de 2011 valores que indicam dois
alojamentos por edifício. Com isto pode-se que concluir que em 2011 se afirma uma tendência da
década anterior de haver maior construção em apartamentos, pois é uma forma de inserir mais
alojamentos num edifício apenas.
Tabela 11 - Percentagem de alojamentos por edifícios existentes para as subsecções estatísticas da área
em estudo; Fonte: INE-RGP, 1991; 2001; 2011
ANO Alojamentos % 1991 1376 1,37
2001 2331 1,71
2011 2852 2,10
Para se ter uma análise mais aprimorada das décadas em que apareceram mais edifícios analise-se
a Tabela 12, estes dados apenas se referem ao número de edifícios existentes à data do
levantamento censitária, onde se poderá obter a informação referente ao ano de construção dos
edifícios existentes à data do período de recenseamento. Desta forma pode-se concluir que período
em que houve mais edifícios construídos foi ao longo do ano de 2000, contudo a década de 90 tem
também um peso bastante importante, tendo sido construído nesse ano um número considerável de
edifícios.
Tabela 12 - Número de edifícios existentes por ano de construção para as subsecções estatísticas da
área em estudo; Fonte: INE-RGP, 1991; 2001; 2011
ANO
Ano de construção dos edifícios existentes (*em 1991 o intervalo é entre 1946 e 1970)
1919 1945 1960 1970* 1980 1990 2000 2010 1991 9 33 - 210 277 476 - -
% 0,90 3,28 - 20,90 27,56 47,36 - -
2001 3 85 85 104 253 389 443 -
% 0,22 6,24 6,24 7,64 18,58 28,56 32,53 -
2011 0 11 26 104 246 223 517 233
% - 0,81 1,91 7,65 18,09 16,40 38,01 17,13
Como se referiu anteriormente e se pode comprovar pela cartografia apresentada, a época após a
queda do estado novo teve uma grande influência na expansão do edificado. Em termos estatísticos
procurou-se encontrar relação semelhante, o que se pode observar pela Tabela 13. Nela pode-se
analisar a percentagem de edifícios construídos nesses períodos de análise, assim o pré Abril de 74
representa todos os edifícios em que o ano de construção foi anterior a 1970, já o pós Abril de 74
contempla um período de 10 anos após a mudança de regime ou seja todos os edifícios com data de
70
construção entre 1970 e 1980. Com isto, verifica-se que houve um aumento do número de edifícios
no pós 25 de Abril pois em apenas numa década se construiu mais que nos anos todos até essa
data.
Tabela 13 - Percentagem de edifícios construídos no pré e pós 25 de Abril de 1984 para as subsecções
estatísticas da área em estudo; Fonte: INE-RGP, 1991; 2001; 2011
ANO PRE ABRIL 74 POS ABRIL 74 1991 252 277
% 25,07 27,56
2001 277 253
% 20,34 18,58
2011 141 246
% 10,37 18,09
Apesar de ter-se dados relativos a 3 períodos de recenseamento aos edifícios, neste contexto o
período de 1991 tem um peso maior, pois encontra-se mais perto dos anos de análise e dessa forma
pode incluir edifícios mais antigos que nos anos censitários seguintes já não existem, contudo os
resultados são bem significativos demonstrando a relevância desse acontecimento histórico do país.
Para finalizar a análise ao parque habitacional das subsecções das praias de Esmoriz e Cortegaça,
irá se focar a atenção ao estado do mercado imobiliário naquele sector. Assim tanto a Tabela 14,
percentagem de alojamentos arrendados, como a Tabela 15, percentagem de alojamentos vagos,
apresentam algumas informações relevantes sobre a situação do mercado imobiliário.
Actualmente, com a saturação do mercado imobiliário e consequentemente a construção imobiliária
estagnada, os agentes desta área tem-se direccionado para o arrendamento. Nessa perspectiva, é
relevante perceber em que situação se encontra esse tipo de mercado na área de estudo, até porque
o arrendamento permite uma mobilidade maior das famílias do que a habitação própria. As variações
neste ramo de negócio devem-se à relação entre o custo da renda e o custo do crédito à habitação,
visto que este último nas últimas décadas motivou a aquisição de casa própria devido aos custos
relativamente baixos do crédito.
Na área em estudo assistiu-se a uma variação positiva de 36% do número de alojamentos
arrendados ao longo dos últimos 20 anos, existindo assim mais alojamentos arrendados em 2011 do
que em 1991. Contudo, se analisarmos a percentagem, em cada ano, de alojamentos arrendados vê-
se que a esta foi diminuindo para 14%, valor semelhante à media nacional, o que significa que no
global dos alojamentos existentes menos alojamentos arrendados.
Tabela 14 - Percentagem de residências habituais arrendadas para as subsecções estatísticas da área em estudo; Fonte: INE-RGP 1991; 2001; 2011
ANO Alojamentos arrendados % 1991 97 18,00
2001 165 14,71
2011 207 14,07
71
1991-2011 110 36,18
Por fim analisar-se-á percentagem de alojamentos vagos. Estes dados são relevantes para se
perceber a procura/oferta de alojamento, aqui é igualmente importante referir os alojamentos que se
encontram alugados pois são alojamentos passiveis de ficar vagos momentaneamente, naquela área,
isto porque os alojamentos que se encontram vagos estão disponíveis para venda ou arrendamento.
A percentagem de alojamentos familiares vagos tem variado muito ao longo dos três períodos de
análise apresentados como se pode confirmar pela Tabela 15. Assim o ano em que se regista mais
alojamentos vagos é o ano 1991, tendo sido nessa altura que se registaram a conclusão e inícios da
maioria da construção vertical no povoado de Esmoriz. A comercialização destes pode ter afectado
esse valor, dado que no recenseamento de 2001, mesmo com a construção de mais 1000
alojamentos que o ano de 1991, registou-se o valor mais baixo de alojamentos vagos. Nessa época,
para além da disponibilidade de crédito a habitação houve um período do investimento na segunda
residência como casa de férias mas também uma “moda” de se habitar junto ao mar. Estes factores
podem ter claramente influenciado a procura de habitação naquele local, contudo 2011 apresenta
uma percentagem maior de alojamentos vagos face ao Censos anterior, mas ainda assim inferior à
percentagem de 1991 e também à média nacional (para se ter um termo comparativo mais geral e
que se encontra nos 12,5%). Esta alteração é significativa, pois foi um aumento superior ao dobro dos
alojamentos vagos em 2001, sendo que o parque habitacional não aumentou nessa proporção, e que
pode estar relacionado com a crise económica que se faz sentir nos últimos anos, sendo que com o
aumento do juros bancários tem impedido as pessoas de cumprir as obrigações com os bancos
levando-as a entregar ou a tentar vender as suas casas.
Tabela 15 – Percentagem de alojamentos familiares vagos para as subsecções estatísticas da área em
estudo; Fonte: INE-RGP 1991; 2001; 2011
ANO Alojamentos Vagos % 1991 188 13,66
2001 106 4,55
2011 246 8,63
7.3.5. ANÁLISE DOS RESULTADOS A primeira planta relativa aos aglomerados estudados é bastante arcaica e data de 1913, contudo é
com ela que se identifica que foi a partir dessa altura que os povoados adoptam a estrutura e forma
actual. A ocupação deste local foi sempre muito baixa ao longo das décadas, desempenhando um
papel de apoio às actividades relacionadas directamente com o mar, a pesca e o turismo balnear.
É no pós-25 de Abril de 1974, inicio da mudança de regime governativo em Portugal, que ocorre a
primeira grande expansão e ocupação deste sector da costa. A carência habitacional não encontrava
respostas ao nível da política habitacional, o que levou a população mais carenciada a encontrar
formas de colmatar essa necessidade. Com custos de aquisição de terreno muito baixos, alguma
ocupação ilegal e a auto-construção fez crescer, o hoje conhecido com “Bairro dos Pescadores”,
72
actualmente a zona mais desqualificada e em maior risco de erosão e galgamentos marítimos dos
povoados.
Contudo, se for feita uma relação entre o planeamento da orla costeira e o crescimento dos
povoados, observa-se que foi depois da entrada em vigor dos primeiros e principais instrumentos de
gestão da áreas costeira, no início da década de 90, que ocorre o maior crescimento e consolidação
do povoado de Esmoriz (o povoado de Cortegaça com uma potencialidade de expansão mais
pequena ficou consolidado já no inicio da década de 80).
Apesar do povoado ter crescido em termos de habitações, como prova a cartografia apoiada pelos
dados estatísticos mais recentes, relativamente à população esta encontra-se mais concentrada em
locais específicos. A Figura 25, que apresenta valores para a densidade populacional, deve ser
analisada com um certo cuidado, isto porque a dimensão e forma das subsecções varia entre os anos
de 2001 e 2011 mas também porque as características das subsecções do mesmo ano são bastante
variáveis, o que torna a comparação entre elas não muito correcta. Contudo esta informação permite
ficar com uma ideia das zonas onde a densidade populacional é maior, ou seja, onde concentra mais
pessoas por m2.
73
Figura 25 - Zonas de maior concentração de população - análise da densidade populacional à subsecção estatística dos lugares da praia de Esmoriz e Cortegaça; Fonte: INE-RGP 1991; 2001; 2011
Como se pode verificar, as zonas da frente de mar das praias de Esmoriz e Cortegaça são as que
possuem uma maior densidade de pessoas. Destaque mais uma vez para o local onde se localiza o
“Bairro dos Pescadores”, pois é o local onde se registam valores mais elevados. Na comparação
entre os anos qualquer conclusão é um pouco subjectiva, mas a ideia que se retêm é que os valores
74
se encontram bastante iguais sendo que as alterações se devem essencialmente à alteração da
forma da subsecção de análise.
Da análise que se faz aos povoados, conclui-se que estes se tornaram num “dormitório”. Esta
tendência assentou-se como se pode verificar pelos valores de emprego observados, nos Censos de
2001 e 2011, sendo que se passou a ter mais pessoas empregadas no sector terciário do que no
secundário (principal sector de actividade até 2001). Como se viu, a indústria foi a base de
desenvolvimento de Esmoriz ao longo dos anos, mas não existe nos povoados da praias, logo a
transição de pessoas do sector secundário para o terciário demonstra a queda de rentabilidade do
sector secundário, com actividades de comércio e restauração - actividades ligadas ao turismo, o que
já tinha acontecido com a pesca à época do início do povoado. Deste modo, os povoados começam a
perder a identidade que esteve na base da sua fundação, a pesca e o turismo de veraneio.
De modo esquemático e sintetizado, a Figura 26, apresentada no PROT Centro Litoral em 1992 para
expressar a pressão urbana sobre a linha de costa, resume a estrutura dos povoados de Esmoriz e
Cortegaça.
Figura 26 – Planta esquemática da pressão urbana sobre a linha de costa; Fonte: Editado de (Veloso Gomes, 1992)
Assim tem-se uma frente de mar bastante urbanizada, que não liga os dois povoados por poucas
centenas de metros onde se encontra um espaço livre (Figura 27), muito povoada e que se encontra
“protegida” por várias obras de protecção costeira. Essa é, inclusivamente, a única área que os dois
povoados tem em comum, dado que existe uma extensa mancha florestal entre os dois aglomerados.
75
Figura 27 - Vista a partir do "Bairro dos Pescadores" para o povoado costeiro de Cortegaça – representa
o espaço entre os dois aglomerados (17/02/2013); Fonte: N. Andrade
Quanto à forma de ocupação do território os povoados são um pouco diferentes, apesar de
partilharem a matriz em quarteirão que deu origem aos povoados. Assim na praia de Esmoriz que
teve um crescimento mais disperso, e que com o tempo foi sendo consolidado, ocupa assim uma
extensa área do território. Já a ocupação na praia de Cortegaça foi feita de forma rectilínea numa
direcção nascente-poente, acompanhando a principal via de ligação entre a praia e o “povoado
principal” de Cortegaça.
Por fim, fazendo uma relação entre as características do território e as características do povoado,
volta-se a reforçar a ideia não só da forte presença dos riscos de erosão costeira e galgamentos
marinhos, mas também da vulnerabilidade dos povoados a esses riscos. No primeiro caso, como já
foi referido, com a diminuição do volume de sedimentos presentes na deriva litoral e as
consequências provocadas pelas alterações climáticas (aumento do nível médio do mar assim como
o aumento da frequência de fenómenos climáticos extremos) este sector da costa continuará a
recuar, o que justifica o segundo caso. Estes povoados apresentam um grau muito elevado de
exposição aos riscos costeiros, pois para além da forte concentração populacional na frente de mar,
as características do território (costa arenosa de praia e dunas) não oferece grande resistência ao
avanço do mar, assim como as cotas do terreno se encontrarem na sua maioria ao nível médio do
mar, o que em situações de galgamento marinho certamente provocará danos nas habitações mais
próximas da linha de costa.
7.4. SÍNTESE DO CAPÍTULO Os factos históricos ajudam a perceber o presente, sobre o qual se planeia o futuro. Nessa
perspectiva, deve-se analisar com atenção o processo que levou ao que actualmente se verifica em
determinada situação. Traduzindo esta ideia, pretende-se que com a percepção sobre o que se fez
no passado, se tome consciência do que se fez de bom e mau para que o que se pretende realizar no
76
futuro não contenha os mesmos erros. A relevância dos apontamentos históricos é importante
também para colmatar a falta de dados cartográficos e estatísticos para a área de estudo.
Desta forma, pôde-se constatar que a ocupação do sector da costa entre Esmoriz e Cortegaça
iniciou-se mais tarde que as povoações vizinhas, nas quais se praticava o mesmo tipo de actividades
piscatórias e sobre as mesma condições meteorológicas e de mar. Isso devia-se à proximidade entre
o povoado principal e a povoação costeira, não justificando a construção de habitação, à época
palheiros, na costa para pernoitar durante à época de pesca.
A forma como se iniciou ocupação, aparecimento dos primeiros povoados, das praias de Esmoriz e
Cortegaça diz muito sobre as condições de habitabilidade da costa naquele lugar. O tipo de
construção e os períodos de ocupação estavam adequados às condições que o ambiente oferecia,
isto porque a população, em particular pescadores/agricultores conhecedores do local, tinha a
percepção do clima bastante característico do litoral aveirense e da perigosidade que o mar oferecia.
Só desta forma seria possível que os palheiros fossem colocados sobre estacas, permitindo a
circulação dos sedimentos e não subterrando as habitações, e que tivessem a possibilidade de serem
movidos do lugar, ocupando o topo das dunas para se defenderem das tempestades marítimas.
Contudo, estes locais eram bastante procurados no Verão pela qualidade das suas praias por muitas
pessoas de Ovar e dos concelhos vizinhos que aí passavam as suas férias. E assim começam a
desenvolver-se os povoados.
A construção de palheiros e habitações de pedra, mesmo necessitando de autorização, começou a
ser de tal forma que se realizou o primeiro plano para a praia de Esmoriz no qual se definiam os
arruamentos e quarteirões. Desta forma procurou-se organizar o espaço ocupado pelas recentes
habitações, estava assim “aberta a porta” para a ocupação das praias daquele sector da costa. Isto é,
a administração local ao ter decidido planear o espaço, mostrou à população que poderia haver
construção no local. A população tende a reconhecer que se uma autoridade “viabiliza” um local para
habitação, é porque esse local dispões das condições de segurança para habitá-lo, dado que na
generalidade a população pode não ter a consciência, e não se é exigível que saiba, quais as
melhores condições para a construção, o ambiente a que estão expostos e a perigosidade do local.
Contudo, após o primeiro plano para a praia de Esmoriz em 1913 o crescimento foi contido por
diferentes motivos, duas Grandes Guerras Mundiais, diminuição da pesca da sardinha e o período do
Estado Novo. Esta fase recessiva não era favorável ao crescimento, que começou pujante com a
afirmação do local como praia de banhos.
Ainda assim entre 1927 e 1967, período que acompanha essa fase recessiva, ocorreram algumas
modificações nos povoados. Sendo as principais a construção da estrada na frente de mar de
Esmoriz e a definição de quarteirões, estes bem definidos pelos caminhos informais entretanto
marcados. Em 40 anos o crescimento não foi tão grande como o espectável à época, mas também
porque o local tardou a oferecer melhores condições para a ocupação como a falta de saneamento,
água, iluminação pública e arruamentos.
77
Com a queda do Estado Novo e com o surgimento da democracia em Portugal alguns erros foram
cometidos, principalmente nas áreas de maior carência como era a habitação. Assim, um pouco por
todo país foram crescendo os bairros clandestinos. Neste âmbito, a necessidade sobrepôs-se à
qualidade da habitação e os locais do litoral português perto dos grandes centros urbanos ou de
localidades com empregabilidade foram os locais onde mais se registou a construção de habitações
clandestinas.
Na praia de Esmoriz e Cortegaça, como existiam alguns palheiros dos pescadores que com isto se
transformaram em casas, os terrenos eram relativamente baratos e a fiscalização era complicada
(nos limites das freguesias de Esmoriz e Cortegaça, zona florestal e zona marítima), estavam as
condições perfeitas para o aparecimento deste tipo de construção.
Apesar do planeamento ocorrido anteriormente, com as definição de quarteirões a expansão das
praias de Esmoriz e Cortegaça começam as crescer com base em construções clandestinas e fora de
quarteirões ao longo da linha de costa, formando assim a primeira linha de construções na frente de
mar.
O conhecido como “Bairro dos Pescadores” constituído por construções clandestinas, foi assim
resultado de erros cometidos no pós 25 de Abril, que se tem propagado ao longo do tempo, sendo
que hoje em dia aquele sector da costa está bastante vulnerável face às investidas do mar. Toda esta
pressão urbana sobre as praias e dunas, contribuíram as nível local para a alteração das condições
de equilíbrio morfológico da linha costeira, motivando a construção, quase sempre após a ocorrência
de situações de emergência, de obras com o objectivo da defesa dos aglomerados provocando
erosão noutros locais (Veloso Gomes, 1992).
Até esta altura tinha-se conhecimento de um plano aplicado na praia de Esmoriz e vários que
acabaram por não ser aplicados. A ideia que fica é que apesar de existir um planeamento e a
intenção de ordenar o espaço, faltaram instrumentos de gestão do território ficando-se apenas o
planeamento somente com o intuito da organização do espaço.
No início da década de 90, com os “primeiros sustos” provocados pelo avanço do mar e a
necessidade da construção de obras de protecção, surgem os primeiros instrumentos legais para o
ordenamento do território. Ironicamente os povoados tem o seu maior crescimento a partir do final
dos anos 80, tendo sido inclusivamente entrado em vigor o primeiro POOC Ovar-Marinha Grande em
1995.
78
8. QUE FUTURO PARA OS POVOADOS COSTEIROS DE ESMORIZ E CORTEGAÇA?
A linha de costa da região centro está a recuar na maioria dos sectores, isso é um facto que não é
apenas dos dias de hoje, mas sim algo que se tem vindo a agravar cada vez mais, com taxas de
recuo anual bastante acentuadas. Com base nas informações obtidas, que futuro para os núcleos
urbanos da praia de Esmoriz e Cortegaça?
No primeiro PROT Centro Litoral na análise referente à evolução fisiográfica da faixa costeira, são
apresentadas três possibilidades de respostas adaptativa em termos de gestão dos povoados da
linha de costa, sendo estas a “retirada”, “acomodação” e “protecção” (Veloso Gomes, 1992).
Estas continuam a ser as opções mais plausíveis na estratégia de defesa dos povoados costeiros.
Deste modo VELOSO GOMES, 1992 caracteriza cada opção da seguinte forma:
- “Retirada” baseia-se no abandono de medidas para defender a costa, sendo que desta
forma não se continua a desenvolver obras de protecção em zonas em que previsivelmente
irão ser afectadas por temporais com potencialidade para destruir bens, infraestruturas e
edifícios. A retirada pode ser feita em situações de emergência, ocorre uma incapacidade
económica ou técnica para a resolução do problema, ou ser feita de forma planeada, implica
a análise de cenários e impactos nos ecossistemas marítimos e das zonas húmidas.
- “Acomodação” apoia-se na irreversibilidade e progressivo agravamento dos riscos
costeiros e avanço do mar. Esta opção implica a definição de planos de emergência,
adaptabilidade das construções aos galgamentos e inundações, e alteração do coberto
vegetal por espécies adaptadas à salinidade. Um ponto bastante importante nesta opção é
que deve ficar claro para a população que tanto pessoas e bens estão bastante expostas aos
riscos e que poderão perder totalmente os seus bens.
- “Protecção” parte para a artificialização da linha de costa, fixando-a em termos médios
através de operações de alimentação artificial das praias e de outras obras de engenharia
costeira, num determinado local permitindo a defesa dos povoados que se encontram junto à
linha de costa. Há também a necessidade de uma nova gestão do uso do solo e a redução de
acções antrópicas. Esta opção deve ser ambientalmente correcta e economicamente
comportável, sendo que se deve estar preparado para as consequências desta opção tal
como a possível perda de praias e aumento do número de galgamentos por acção de
tempestades.
Volvidos mais de 20 anos desde a consciencialização do problema e das primeiras medidas
adoptadas para a defesa dos povoados, é relevante pensar sobre o que foi feito e o que deverá ser o
futuro destes povoados.
Ao longo do Capítulo 7 pôde-se mostrar como ocorreu o desenvolvimento urbano na praias de
Esmoriz e Cortegaça e percebeu-se que as opções tomadas foram sempre de protecção aos
povoados. Contudo, apesar dos instrumentos e estratégias apresentadas para a faixa costeira o
desenvolvimento urbano não parou. Desta forma, hoje tem-se mais elementos expostos aos riscos de
79
erosão e galgamentos costeiros o que obriga a uma abordagem ou resposta diferente do que a que
foi feita anteriormente.
Certo é que qualquer uma das opções tomadas terá de ser sempre em consideração a três vectores
bastante importantes, o social, económico e político. No vector social deve-se olhar às questões de
segurança da população, minimizando vulnerabilidade a que estão sujeitas, mas também evitar a
quebra de laços culturais e a relação com o território e vizinhança. O vector económico, não o deveria
ser mas, é o principal elemento desta análise pois sem dinheiro não se consegue construir ou
modificar nada, ainda para mais numa altura de crise económica que se tem vindo a prolongar, obras
que não sejam sustentáveis ou que possam vir a ser rentabilizadas, fomentando o crescimento
económico e o emprego, dificilmente são viáveis. Os vectores políticos são talvez os mais difíceis de
gerir, pois as políticas que se definem não podem ser alteradas constantemente, devendo-se basear
numa estratégia a longo prazo, e isso leva a que se mantenha um compromisso relacionado com as
decisões tomadas. São processos que devem ser conduzidos com inteligência, com opções iguais
para casos semelhantes não podendo haver um peso e duas medidas quando se trata de casos
semelhantes, neste caso contempla-se estratégias regionais que possam diferir umas das outras na
abordagem a casos idênticos. Desta relação entre vectores deve-se optar pela opção que melhor
relaciona os três.
Como se disse, as questões políticas são importantes nas tomadas de decisão sobre o território.
Deste modo analisou-se as estratégias apresentadas ao nível da região centro, proposta de PROT-
Centro disponível na no sítio da internet da CCDRC, para o planeamento da orla costeira e verificou-
se que “Interdição”, “proibição”, “não permissão/autorização”, “condicionar” a construção, são as
palavras de ordem nos objectivos e intenções para a orla costeira. Isto denota a preocupação sobre
os problemas graves de erosão sentidos na maioria dos concelhos com orla costeira da região
Centro, o que tem obrigado a uma gestão delicada destes assuntos. Desta forma, é dito que em
espaços urbanos, as áreas ameaçadas por cheias, inundações e galgamentos marinhos devem ser
geridas como espaços abertos vocacionados para actividades ou estruturas de recreio, lazer ou de
valorização ecológica, restringindo, ao nível dos PMOT, a construção de novas edificações e interdita
a criação de novas áreas urbanas.
Ao nível da gestão do território, aplicação dos POOC, o objectivo para os aglomerados costeiros, na
qual se insere o caso em estudo de Esmoriz e Cortegaça, foi a protecção dos mesmos. Isso confirma-
se pelo o que se encontra expresso na alínea g), do número 2 do artigo 2.º do regulamento do POOC
Ovar – Marinha Grande (20 de Outubro de 2000) e que à data ainda se encontra em vigor; pretende-
se manter e valorizar o actual tipo de povoamento (nucleado), promovendo a sua expansão para o
interior em forma de cunha.
Contudo, os encargos financeiros demasiado elevados para a manutenção dos povoados demasiado
elevados têm trazido à discussão a programação da retirada da população das zonas mais
vulneráveis e expostas ao avanço do mar. Essa situação encontra-se prevista no mesmo
regulamento que se apresentou, sendo que nos artigos 49.º e 50.º, para a área em análise, são
80
referidos um conjunto de indicadores que limitam a edificação e sugerem a demolição de edifícios,
que serão, como já foi dito, alvo de processos de realojamento.
Com estas informações presentes, foi importante obter a posição do município de Ovar, face às
propostas definidas pelos planos de ordem superior, relativamente aos casos das praias de Esmoriz e
Cortegaça. Deste modo realizou-se uma entrevista ao vereador Dr. José Américo Pinto da Câmara
Municipal de Ovar, responsável pelas áreas do planeamento, protecção civil, gestão urbanística e
obras municipais à data da entrevista (29 de Abril 2013), com o intuito de perceber as intenções do
município para aquele sector da costa, pretendendo-se também obter um conhecimento mais
aprofundado da realidade existente no local.
Foi assim pedido para fazer uma perspectiva do que se pretende para as frentes de mar de Esmoriz e
Cortegaça, referindo as principais forças e fraquezas desse locais:
- Resposta (R): Nesse sentido, pretende-se uma aposta contínua no turismo, esta é
inclusive a principal estratégia do município, aproveitando as potencialidades do turismo de
natureza e de sol e mar. Desta forma mantem-se a intenção de se manter essas frentes, não
apostando no crescimento mas sim na requalificação e valorização das construções
existentes. Contudo, é um território bastante exposto aos riscos costeiros e em que a
capacidade de atracção turística é sazonal, havendo muitas habitações fechadas durante o
Inverno.
Identificado o principal risco, quais os elementos mais vulneráveis:
- (R): As questões relacionadas com os riscos de erosão costeira são a maior e principal
ameaça não só daquelas frentes urbanas mas também do concelho, realçando que a cada
Inverno que passa se está a perder território e património natural e ambiental. Como
elementos mais vulneráveis destaca-se assim nas frentes de mar o “Bairros dos Pescadores”,
o povoado de Cortegaça e zona florestal. As primeiras, pela sua distancia entre o mar e as
construções, já a área florestal é uma zona com cotas bastante reduzidas, muitas delas ao
nível do mar, e não está a ser protegida, o que permite a invasão rápida pelo mar, por outro
lado permite a destruição das florestas.
Abordando as questões de planeamento do local, procurou-se saber de que forma tinha sido
conduzido o processo de urbanização dos locais:
- (R): Não se pode dizer que tenha sido feito da melhor forma, não é também justo a esta
distancia temporal fazer juízos de valor sobre as opções tomadas, visto os instrumentos de
planeamento serem posteriores ao inicio da urbanização, a forma simplista em quadrícula
dos povoados formando quarteirões demonstra a falta de planeamento mais rigoroso,
optando-se por um “plano” mais fácil de aplicar . O primeiro plano municipal surge apenas em
1994, não tendo experienciado em funções autárquicas a gestão municipal antes da
existência do PDM, e só aí foram apresentadas as classes de uso de solo e os índices de
edificabilidade, o que permitiu gerir o território de outra forma. Contudo, apesar da falta de
81
planos é da opinião que o crescimento, principalmente em Cortegaça, foi feito de forma
harmoniosa (moradias de rés-do-chão e 1º andar).
O PDM, sendo bastante posterior ao início da urbanização dos povoados costeiros de Esmoriz e
Cortegaça, foi uma oportunidade perdida para se conter a expansão urbana e corrigir os erros de
planeamento feitos ao longo do tempo:
- (R): Os PDM não foram criados com o objectivo de corrigir os erros cometidos no
passados, pelo menos não tinham essa intensão, mas sim para que se definisse uma
estratégia de desenvolvimento para o município. Nesse contexto, as intenções passaram
sempre pela aposta no desenvolvimento do turismo, aproveitando as potencialidades ao nível
das praias, da barrinha de Esmoriz, da Ria e da mata e nesse sentido tem que se defender
as potencialidades que esse território oferece.
Procurou-se obter informações relativamente à forma como os privados obtiveram a posse de
terrenos nas praias e se era possível confirmar a ilegalidade da construção do “Bairro dos
Pescadores”:
- (R): Sobre o bairro, optou por tirar o conceito de “bairro ser dos pescadores” pois poucos
são os que realmente fazem da sua actividade económica a pesca, tem que se afirmar que
houve uma ocupação ilegal e abusiva de terrenos públicos, não em todos os casos mas na
maioria a construção é clandestina. Esta situação é claramente a mais preocupante no
território costeiro do município, onde as pessoas põem a sua vida em risco ao habitarem
naquele local. Isto deve-se muito ao ter-se deixado o bairro consolidar, pois passaram muitos
anos sem se tomarem medidas para resolver esses problemas e que actualmente é um
problema social. Nesse sentido, por imposição do POOC, e por questões de segurança da
própria população, é intenção do município a demolição da 1ª linha de habitações do bairro,
estando em curso o projecto para construção de 30 habitações sociais de modo a realojar as
pessoas das habitações demolidas.
Relativamente à aquisição de terrenos, tem memória por histórias contadas por antepassados, que
foram adquiridos por um conjunto de homens que se reuniram para a compra daquela área, à época
areais extensos sendo que a delimitação das áreas foi feita de forma tão aleatória que por brincadeira
se dizia que a delimitação dos terrenos foi feita a atirar pedras o mais longe possível.
Tendo como cenário certo um avanço do mar sobre o território do município, qual é a estratégia do
Câmara Municipal de Ovar para o futuro da orla costeira, na qual se inserem os povoados das praias
de Esmoriz e Cortegaça e se existe a perspectiva de retirada:
- (R): A Câmara Municipal de Ovar fará sempre os possíveis para preservar o território.
Entendemos o conceito de defesa de costa literalmente e não apenas com o intuito da defesa
das urbanizações situadas na costa. Existem vários factores que nos levam a querer manter
a actual linha de costa, desde de logo pela existência de um planeamento estratégico no qual
se define como motor de desenvolvimento um aproveitamento turístico e de valorização dos
recursos naturais. Noutro prisma tem-se preocupações para montante da própria linha de
82
costa, mas que acabam por estar relacionadas. É espectável que no futuro a freguesia de
Ovar venha a ter vários problemas com a água, problemas hidrológicos, dadas as
características planas da sua orografia. Na eventualidade de o mar se ligar à ria, pode trazer
consequências graves ao nível das inundações dos aglomerados em torno da ria, assim
como a salinização das áreas de cultivo.
É também do conhecimento da administração que os custos das operações de defesa de costa são
bastante elevadas, mas nesse sentido cabe ao município arranjar formas de potenciar o território,
trazendo sustentabilidade ao investimento feito na defesa. Se olharmos ao exemplo da Holanda, que
gasta cerca de mil milhões para a manutenção dos diques, tiveram que tornar essas operações
sustentáveis de forma a manter o seu território.
Se não houver por parte da administração central uma defesa integrada, a nível da região e do país,
uma constante monitorização da costa, se não for dada como prioritária a intervenção nesta costa,
que é uma das mais fragilizadas a nível europeu, é bem provável que tenha de ocorrer retirada das
populações costeiras.
Com base nas informações recolhidas na entrevista que se acabou de apresentar e conjugando com
o futuro desenvolvimento da condições naturais no ambiente litoral da costa oeste portuguesa, pode-
se dizer que o futuro promete ser difícil para os aglomerados urbanos das praias de Esmoriz e
Cortegaça.
Por parte do município, que promete tudo fazer para a defesa da costa, espera-se que continue a
apostar na valorização daquele sector da costa mantendo e protegendo o território. Isso deve-se não
só à aposta estratégica no turismo como motor de desenvolvimento económico mas também pela
necessidade de proteger as zonas húmidas do território municipal. Desta forma pretende-se uma
gestão integrada à escala nacional e regional da faixa costeira e uma monitorização constante e mais
cuidadosa da costa e das obras de defesa costeira.
Contudo e apesar dos esforços para defender a costa, existem condicionalismos de ordem
económica que podem impedir um forte investimento nas intervenções necessárias. A impossibilidade
da administração central poder efectuar determinados esforços financeiros, assim como a
sustentabilidade do investimento recair apenas sobre o turismo, actividade essa que na área de
intervenção é sazonal, durando cerca de dois meses, está sempre dependente de várias
condicionantes e de uma forte concorrência de outros destinos, o que nem sempre pode garantir o
retorno esperado, pode levar à necessidade de outro tipo de estratégia.
Com o agravar da erosão costeira devido ao enfraquecimento das fontes aluvionares, a influência das
alterações climáticas, com o aumento do nível médio do mar e a existência de eventos atmosféricos
extremos mais frequentes e mais intensos, contribuindo para um aumento progressivo da ocorrência
de galgamentos marinhos, essa estratégia pode passar pela retirada dos povoados. Desta forma,
caso falhe ou haja a impossibilidade do investimento económico necessário à manutenção da linha
de costa, ganha forma esse cenário que pode vir a trazer efeitos secundários, com a inundação das
zonas húmidas, adversos ao município de Ovar.
83
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste ponto, depois das análises feitas aos elementos recolhidos e aos dados obtidos, serão
apresentadas as conclusões do estudo efectuado. Desta forma é relevante saber se os objectivos
propostos foram atingidos, assim como explicar que elementos estiveram na base da ocupação e
evolução deste sector da costa do litoral da região Centro de Portugal, recorde-se que essa era a
meta principal desta dissertação.
Deste modo, procurou-se esclarecer e clarificar da melhor forma possível a forma como se procedeu
à ocupação do território costeiro na área de estudo, não fazendo juízos de valor às opções tomadas
no passado mas com a intenção de perceber o que motivou esses comportamentos. Foi assim um
exercício de reflexão sobre a problemática da erosão costeira e um alerta para uma situação social,
política e económica bastante grave.
As questões sobre a habitabilidade dos povoados costeiros de Esmoriz e Cortegaça foram um ponto
de partida para perceber a ocupação costeira. Pela experiencia e conhecimento sobre o local e
apoiado também em elementos históricos criou-se uma ideia, baseada no próprio conceito, dos
elementos que influenciavam a sazonalidade dos locais, não oferecendo desta forma condições
óptimas de habitabilidade.
Desde a fundação dos povoados costeiros de Esmoriz e Cortegaça que a sua ocupação era feita de
forma sazonal. A atracção deste local para ocupação permanente deste sector da costa era bastante
reduzida, tendo sido a exploração piscatória o primeiro impulsionador dessa ocupação. Ainda assim,
devido às condições climáticas pouco aprazíveis, chuva, frio e ventos fortes, durante o inverno essa
actividade era apenas feita nos meses de verão, altura em que o mar estava mais calmo.
A sazonalidade da ocupação destes aglomerados estendeu-se aos dias de hoje, ocorrendo alteração
no motor de desenvolvimento e atractividade do local em estudo, actualmente assente no turismo
balnear. Outra grande alteração entre a ocupação anterior e actual prende-se com a arquitectura dos
edifícios, sendo que na primeira havia adaptação das construções às características arenosas do
local. Assim, o estilo de construção dos palheiros permitia a sua deslocação para zonas afastadas do
mar e para o topo das dunas, de modo a protegerem-se das investidas do mar, mostrando desde logo
o conhecimento e o respeito pelas dinâmicas marinhas já nessa altura.
Nesse sentido, é de difícil compreensão os motivos que levaram a um planeamento que permitiu a
consolidação dos povoados costeiros numa fase em que já se registavam taxas de recuo da linha de
costa bastante assinaláveis e já se tinha conhecimento científico suficiente para prever os problemas
que o avanço do mar poderiam significar naquele sector da costa. Contudo, antes de se abordar as
questões do planeamento é relevante referir o aparecimento do “Bairro dos Pescadores”.
É impossível falar do crescimento urbano nas praias de Esmoriz e Cortegaça sem referir o “Bairro dos
Pescadores”, isto porque até à altura em que esse bairro começa a crescer, a ocupação naquele
sector da costa estava contida em torno das duas vias de acesso à praia. A sua origem deveu-se
essencialmente ao “clima político” que se viveu naquela época da história de Portugal e aos
problemas de habitação aos quais o não se conseguiu dar resposta pela via legal.
84
Desta forma, crescem sobre o local onde se encontravam antigos palheiros, do tempo dos primeiros
povoados de pescadores, várias construções clandestinas. Eram assim construções à margem da lei,
apesar de em muitos casos as pessoas terem adquirido o terreno onde construíram, com condições
bastante precárias mas que serviu para colmatar os problemas da falta de alojamento. Assim, pode-
se dizer que a necessidade se sobrepôs a ter condições de melhor habitabilidade do espaço.
Quando surgem os primeiros instrumentos de gestão do território no início da década de 90 e se dá
maior atenção ao planeamento da orla costeira, já a frente de mar dos dois povoados se encontrava
com inúmeras habitações no bairro e no final das duas vias que efectuam a ligação entre os
povoados interiores e os da praia de Esmoriz e Cortegaça. É também por essa altura que começam a
agravar-se os problemas de erosão costeira pondo em risco toda essa frente de mar.
Ao mesmo tempo que estão a ocorrer estes acontecimentos surgem os principais planos de
ordenamento do território para aqueles locais. Ao nível dos PEOT, é apresentado o POOC Ovar-
Marinha Grande em 1993, e ao nível dos PMOT é aprovado em 1994 o PDM de Ovar. O POOC teve
uma incidência na regulamentação do domínio público marítimo, sendo muito direccionado para a
criação de planos de praia, tendo ficado para o PDM o objectivo de regulamentar estas áreas ao nível
das características e índices de construção e edificação.
Mais do que regulamentar o território, a política de ordenamento do território e urbanismo deve ter a
capacidade de definir boas estratégias de desenvolvimento e os locais apropriados para cada tipo de
actividade do quotidiano das pessoas. É exigível que um documento deste tipo corresponda às
características do território, incluindo os cenários expectáveis, e que seja explícito ou explicado à
população em geral. Não sendo espectável que o cidadão comum, conheça as características de um
determinado local, não identificando num primeiro momento a que elementos possa estar exposto, é
importante que os técnicos responsáveis pela elaboração destes instrumentos consigam traduzir
todos os elementos relevantes do território à população.
Nesse aspecto, o PDM de Ovar ao classificar e qualificar aquele território como urbano deu, apesar
do aumento da exposição aos riscos costeiros daqueles povoados, aptidão para se aumentar a
construção naqueles povoados, mesmo sem antes solucionarem as ilegalidades já presentes. Com
isto “abriu-se a porta” para a urbanização e consolidação dos povoados costeiros de Esmoriz e
Cortegaça. Posto isto, e sabendo da evolução que o povoado teve ao longo do tempo, um dos
princípios gerais da política de ordenamento do território e urbanismo não é cumprido, o princípio da
sustentabilidade.
A necessidade de se ter que realizar grandes investimentos em obras de protecção costeira, não só
para a protecção de pessoas e bens mas também por questões ambientais e defesa do território,
torna necessário rentabilizar esses investimentos de modo a tornar o território sustentável. Contudo,
face a evolução dos povoados tem-se assistido a um decréscimo das actividades que geravam
emprego no local, começou por desaparecer o sector primário (pesca) e mais tarde com o sector
secundário a perder importância face a terciário, o que significa que se perdeu postos de trabalho na
área do comércio e restauração obrigando as pessoas a trabalhar fora daquele local.
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Em suma, dos elementos que influenciam o desenvolvimento dos povoados, a habitabilidade e o
planeamento, destaca-se este último como o que teve uma maior contribuição ou um contributo
positivo, no sentido em que ocorreu crescimento. Ao longo dos anos em que não houve planeamento,
o desenvolvimento foi sendo moderado, sendo que a ocupação foi feita de forma sazonal, pela
necessidade de explorar as potencialidades locais e pelo oportunismo, primeiro com a pesca depois
com a “fuga” à fiscalização na zona do bairro, que os locais ofereciam. Ao longo desse período o
clima agressivo durante o Inverno e a falta de infraestruturas tornava o local pouco apetecível e com
pouca habitabilidade. Com a entrada do planeamento, deu-se um claro sinal afirmativo à ocupação
urbana, ocorrendo um crescimento no número de edifícios que acabam por consolidar os povoados.
Apesar de ao nível das infraestruturas os povoados terem melhorado, o tipo de clima que se manteve
e o aumento dos riscos costeiros não garantem um boa habitabilidade do local, o que leva a afirmar o
planeamento como o principal motivador do crescimento urbano daqueles locais.
O povoado necessitou do planeamento para se organizar na sua fase inicial, a sua matriz em
quarteirão definida em 1913 prolongou-se até à actualidade, contudo não teve capacidade de
regularizar e conter a ocupação clandestina nas frentes de mar de Esmoriz e Cortegaça, pois à altura
não havia qualquer instrumento. Com o aparecimento dos instrumentos de gestão territorial, como já
foi dito, deu-se a consolidação do povoado tendo ficado o caso das habitações clandestinas por
resolver.
Com estas informações se conclui a investigação que tem sido apresentada. Todavia, o tema da
erosão costeira nunca está concluído, existindo sempre questões por resolver, dada a dinâmica
destas zona e à necessidade de gerir e monitorizar estas zonas constantemente. Nesse sentido,
começa a ser importante pensar em alternativas à actual gestão. Será pertinente continuar a manter
os povoados? Ou já se justifica, em alguns casos a necessidade de retirada? A linha de costa poderá
atingir um limite máximo de recuo e estabilizar? Se isso acontecer, com o aumento do nível médio do
mar não poderá implicar inundações permanentes nas áreas junto à linha de costa? Tendo em conta
o investimento realizado no turismo balnear em vários locais em que as praias estão a desaparecer,
será relevante procurar novas formas de explorar este mercado? São estas algumas ideias que ficam
para objectivos futuros.
“Diante do mar, só uma construção transitória, uma barraca, é que fica bem.”
Raul Brandão, 1923
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