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ESTADO DE GOIÁSMINISTÉRIO PÚBLICO
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE ITAGUARU – GOIÁS
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE ITAGUARU, ESTADO DE GOIÁS.
Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas ao específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO, 16.ª ed., São Paulo, Malheiros, 2003, p. 818)
Nepotismo s.m. 1. Política adotada por certos papas que consistia em favorecer sistematicamente suas famílias. 2. Abuso de crédito em favor de parentes ou amigos. 3. Favoritismo, proteção escandalosa, filhotismo (Grande enciclopédia Larrousse Cultural, p. 4.187).
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESTADO DE GOIÁS, pela Promotora de Justiça que a presente subscreve, com fulcro na Constituição
Federal, artigos 37, caput e parágrafo 4.º; 129, inciso III; na Lei Federal n.º 7.347/85 ( Lei
da Ação Civil Pública); Lei Federal n.º 8.625/93 ( Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público ); na Constituição do Estado de Goiás, art. 92, caput e parágrafo 4.º e, ainda, com
base nas peças de informação, em anexo; vem ajuizar a presente
Ação civil pública de nulidade de atos administrativos de
nomeação de servidores comissionados que especifica, com parentesco com o Prefeito 1
Municipal de Itaguaru, e cominatória de proibição de nomeação de parentes do Chefe do
Poder Executivo para cargos comissionados/temporários ou contratação com dispensa ou
inexigibilidade de licitação, com pedido de tutela antecipada.
em desfavor do
MUNICÍPIO DE ITAGUARU, com sede na Praça Joaquim
Moreira Damasceno, n. 725, Centro, Itaguaru/GO,
representado pelo Prefeito Municipal ANTÔNIO LEONEL FILHO;
e dos servidores municipais comissionados :
1) MARIA APARECIDA DE OLIVIERA, servidora pública da
Prefeitura Municipal de Itaguaru, diretora de departamento,
irmã do Prefeito Municipal, portadora da CI n. 1661064-2ª via
DGPCGO, do CPF n. 380514351-68, residente na Rua Amador
Rosa Campos, s/n, Centro, Itaguaru/GO;
2) CÉLIA PIRES DE BARROS, servidora pública da Prefeitura
Municipal de Itaguaru, secretária de assitência social, esposa
do Prefeito Municipal, portadora da CI n. 1929317 SSPGO, do
CPF n. 478255771-53, residente na Rua Maria Augusta de
Jesus, Centro, Itaguaru/GO;
pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas:
I – DOS FATOS:
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Com a instauração do Inquérito Civil Público n.º 01/2006 (em
anexo), verificou-se a existência de contratações de parentes do Chefe do Poder
Executivo de Itaguaru para ocupação de cargos públicos comissionados.
Tal prática de preenchimento de cargos comissionados com
parentes dos agentes políticos, infelizmente, não é privilégio da Prefeitura Municipal de
Itaguaru. A questão é amplamente conhecida e noticiada no Brasil como NEPOTISMO. É
praga que grassa por todo país.
Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça que exerce o
Controle Externo do Poder Judiciário a partir da Emenda Constitucional 45, e é composto
por renomados juristas e figuras notáveis da sociedade brasileira editou a Resolução de
n.º 07, de 18 de outubro de 2005, que vedou tal prática no Poder Judiciário. Conforme
entendimento do CNJ a prática é imoral.
O entendimento do CNJ não é senão uma caixa de
ressonância do entendimento de toda a sociedade civil brasileira, quase em sua
unanimidade (os réus nesta ação são contrários, por motivos óbvios), de que a conduta é
imoral, abjeta, repugnante e contrária ao interesse nacional e aos objetivos da República.
O nepotismo na Administração Pública é atacado diariamente
nos principais meios da imprensa, nas mais variadas formas. É inclusive motivo de
anedotas em programas humorísticos.
Enfim, toda a sociedade está farta também desta forma de
corrupção.
Pelo fato de estar plenamente sintonizado in casu com o
sentimento da sociedade civil, O Ministério Público do Estado de Goiás, ciente da
imoralidade ínsita das nomeações dos requeridos se vale da presente ação civil pública
para obter do Poder Judiciário do Estado de Goiás as medidas judiciais necessárias ao
restabelecimento da ordem jurídica constitucional violada, através da tutela especificada
ao final desta exordial.
II – DO DIREITO:
3
II.1 – ASPECTOS DA RELAÇÃO JURÍDICO-PROCESSUAL:
II.1.1 - DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO:
A legitimidade do Ministério Público para promover a defesa do
patrimônio público advém de comando constitucional, bem como da legislação
infraconstitucional.
Constituição Federal :
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público :...III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público.
Igual norma é repetida na Constituição do Estado de Goiás,
em seu artigo 117.
Lei n.º 8.429/92:
Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público......§ 4.º. O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade”
Na Lei n.º 8.625/93, tem-se, em seu artigo 25:
Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:...IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:...b ) para anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou
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de Município, de suas administrações diretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem.
O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás tem o
mesmo entendimento.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 129, III. Tem o Ministério Público legitimidade para propor Ação Civil Pública que objetive a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, e de outros interesses difusos e coletivos. (TJGO, Ag. Instr. n.º 5.942-0/180, Rel. Des. Mauro Campos, acórdão de 27/2/92, publ. no DJGO n.º 11.287, de 17/03/92, pág. 09 )
Igualmente é a posição do Superior Tribunal de Justiça.
RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO OMISSIVO. LEI GOIANA 13.145/97. NOMEAÇÃO DE PARENTES. CARGOS DE CONFIANÇA E EM COMISSÃO. PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA. REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES. LEI 8625/93. 1. A teor do art. 26 da Lei 8625/93, o Ministério Público, através do Procurador-Geral de Justiça, poderá requisitar informações do Governador do Estado, dos membros do Poder Legislativo e dos Desembargadores para instruir inquéritos civis e procedimentos administrativos para apurar irregularidades no cumprimento da lei. Recurso ordinário conhecido e provido ( STJ - RMS 10596 / GO, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, 2.ª Turma, Julg. 16/04/2001, DJ 12.08.2002 p. 182, RSTJ vol. 159 p.213 )
II.2 – FUNDAMENTOS JURÍDICOS PARA A CONCESSÃO DO PEDIDO:
II.2.1 – DA NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO PELA SUSPEIÇÃO DO AGENTE PÚBLICO QUE NOMEIA PARENTE SEU EM CARGO COMISSIONADO:
O ato de nomeação das requeridas foi proferido pelo Prefeito
Municipal, ANTÔNIO LEONEL FILHO, que nomeou sua irmã e sua esposa para
exercerem cargos em comissão no Poder Executivo de Itaguaru.
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Os atos das nomeações das servidoras requeridas estão
eivados de vício insanável, tornando-os inválidos, eis que o ordenamento jurídico não
admite que alguém exerça ato administrativo que venha lhe favorecer ou favorecer
parente seu. Existe, assim, por princípios de moralidade e boa-fé da administração um
impedimento presumido para que o agente público não atue em atos que possam
favorecer a si próprio, ou ao seu cônjuge e demais parentes. “Claro está que vício no
pressuposto subjetivo acarreta invalidade do ato” (BANDEIRA DE MELO, CELSO
ANTÔNIO, Curso de Direito Administrativo, 16.ª Ed., São Paulo, Malheiros 2003, p. 363 )
Há no Direito Processual Pátrio, tanto no Direito Civil como no
Direito Penal, a previsão de impedimento de atuação de agentes públicos nos processos
em que há interesses de seus cônjuges e parentes. Sendo a analogia uma forma de
integração da norma aceita em nosso ordenamento, tem-se que o impedimento é também
presumido no caso da nomeação dos requeridos.
Por oportuno, colacionam-se as disposições contidas nos
Códigos de Processo Civil e de Processo Penal, acerca do impedimento:
Código de Processo Penal:
Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que: IV – ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito.
Código de Processo Civil:
Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:...IV – quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüineo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau;V – quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau;
O impedimento também alcança o órgão do Ministério Público,
o perito, o intérprete, o serventuário da justiça (artigo 138, incisos I,II, III do CPC)
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Qualquer ato que tenha o magistrado impedido praticado no
processo em que há interesse de cônjuge ou parente seu é nulo de pleno direito, pois há
uma presunção em nome da moralidade de que o seu ato, qualquer que seja, está
viciado.
Arguto é o comentário do inolvidável Pontes de Miranda acerca
da diferença entre suspeição e impedimento no Processo Civil, observe.
Impedimento e Suspeição – Posto que sistemas jurídicos encampulhem os dois conceitos, ser impedido não é o mesmo que ser suspeito. Quem está sob suspeição está em situação de dúvida de outrem quanto ao sem bom procedimento. Quem está impedido está fora de dúvida, pela enorme probabilidade de ter influência maléfica para sua função. Olha-se, em caso de suspeição, para baixo, para se ver o suspectus e poder-se averiguar. Quanto aos impedimentos, o legislador – a técnica legislativa – enuncia o que já é suficiente para se por trave nos pés de alguém. Tal o étimo de impedire. Grifei. (Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo II – Arts. 46 a 153, Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 420).
Uma vez descoberta a existência de parente atuando nos
processos, sequer há a necessidade de se prolongar a demanda ou prolongar o
contraditório sobre o tema, é o que deflui do julgado abaixo do STJ.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EDCL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PARENTE ATUANDO NO FEITO. IMPARCIALIDADE. ART. 134, IV DO CPC. NULIDADE. DESNECESSIDADE DE ABERTURA DE VISTA PARA IMPUGNAÇÃO. Com vistas à preservação da imparcialidade do magistrado, constatada a presença de parente mediante parecer aprovado pelo órgão ministerial impetrador, deve-se anular o decisum, com base no art. 134, IV do CPC, sendo desnecessária a abertura de vista para impugnação à parte contrária. Embargos rejeitados (EDcl nos EDcl nos Edcl no REsp 222985 / DF, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 5ª T., Julg. 09/10/2001, DJ 04/02/2002, p. 454 )
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De todo exposto, o mesmo se diga do agente público que atua
na nomeação de parente ou cônjuge seu em cargo comissionado. Não é necessário
perquirir se houve ou não favorecimento direto ao candidato parente. Este favorecimento
é presumido. Se o agente público nomeia aquele(a) com o(a) qual mantém uma
sociedade conjugal para cargo comissionado, os subsídios percebidos pelo cônjuge
favorecido incrementam o patrimônio do casal e o agente público se vê diretamente
beneficiado com a medida. O mesmo se diga em relação ao seu filho(a) para o qual tem
deveres de alimentar, sempre há a vantagem indireta para o agente público que o nomeia
para o cargo.
É absolutamente cristalino que a relação afetiva advinda do
parentesco impede que o agente público possa discernir se aquele seu cônjuge ou
parente que está sendo nomeado detém a melhor capacitação para o cargo, esta
avaliação está absolutamente viciada em sua vontade.
II.2.2 DA PERTURBAÇÃO AO PRINCÍPIO DA HIERARQUIA NA RELAÇÃO ENTRE PARENTES NA ADMINISTRAÇÃO PÜBLICA:
Em consonância com o princípio da hierarquia, os órgãos da Administração Pública são estruturados de tal forma que se cria uma relação de coordenação e subordinação entre uns e outros, cada qual com atribuições definidas em lei. Desse princípio, (...) decorre uma série de prerrogativas para a Administração: a de rever os atos dos subordinados, a de delegar e avocar atribuições, a de punir, para o subordinado surge o dever de obediência (ZANELLA DE PIETRO, MARIA SYLVIA, DIREITO ADMINISTRATIVO, 10.ª Ed., São Paulo, Atlas, 1998, p. 78 )
É de se perceber que se torna extremamente temerário para o
interesse público, quando a relação entre agente público superior e seu subordinado se
faz entre um parente e outro. Pois é natural haver uma certa condescendência entre eles,
para que, mesmo em ocorrendo uma falta grave por parte de um subordinado parente ou
cônjuge, não haverá rigor por parte do seu superior, pois as relações afetivo-familiares,
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mais uma vez irão se sobrepor sobre o interesse público. É um caminho aberto para a
prática do crime de condescendência criminosa previsto no artigo 320 do Código Penal.1
Esta é mais uma faceta nefasta do nepotismo em degradação
ao interesse público.
II.2.3 – DA VIOLAÇÃO A CONSTITUIÇÃO. INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE/IMPESSOALIDADE:
No artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988, estão
relacionados os princípios em que devem se pautar todos os atos da Administração
Pública, verbis:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)
Os mesmos princípios foram observados pelo constituinte
estadual, conforme disposto no artigo 92, caput, da Constituição do Estado de Goiás.
Destacamos os princípios da moralidade e da impessoalidade para o caso vertente.
Do Princípio da Moralidade
Cumprir simplesmente na frieza de seu texto não é o mesmo que atendê-la na sua letra e no seu espírito. A administração, por isso, deve ser orientada pelos princípios do Direito e da Moral, para que ao legal se ajunte o honesto e o conveniente aos interesses sociais (Hely Lopes Meirelles, ob. cit. p. 83 ).
Aparente legalidade não implica necessariamente em
moralidade.
1 Código Penal. Artigo 320. Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício de cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente: Pena – detenção, de 15(quinze) dias a 1(um) mês, ou multa.
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Por considerações de Direito e de Moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos ‘nom omne quod licet honestum est’. A moral comum, remata Hauriou é imposta ao homem por sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve e a finalidade de sua ação: o bem comum.
Princípio da Moralidade Administrativa. De acordo com ele a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica. (...) Segundo os cânones da lealdade e da boa fé a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direito por parte dos cidadãos. (Celso Antônio Bandeira de Melo, ob. cit. p. 69).
Segundo José Augusto Delgado:
(...) o valor jurídico do ato administrativo não pode ser afastado de seu valor moral, implicando isso um policiamento ético na administração. A motivação e o modo de agir do agente público submetem-no a controles, especialmente ante o princípio da moralidade administrativa. Ações maliciosas ou imprudentes devem ser reprimidas. A doutrina há de buscar alcance largo ao princípio da moralidade (O princípio da moralidade administrativa e a Constituição Federal de 1988, in RT 680/38, junho de 1992, apud Fábio Osório Medina, Improbidade Administrativa, 2.ª ed. , Porto Alegre, Síntese, 1998, p. 144).
Do Princípio da Impessoalidade
Intimamente ligado ao anterior está o princípio da
impessoalidade. Vejamos a lição de Mário Pazzaglini Filho:
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Administrar é um exercício institucional e não pessoal. A conduta Administrativa deve ser objetiva, imune ao intersubjetivismo e aos liames de índole pessoal, dos quais são exemplos o nepotismo, o favorecimento, o clientelismo e a utilização da máquina administrativa como promoção pessoal. Pautada na lei, a conduta administrativa deve ser geral e abstrata, jamais focalizada em pessoas ou grupos. Sua finalidade é a realização do bem comum, síntese tradutora dos objetivos fundamentais do Estado Brasileiro. (...)
Também é a impessoalidade afetada pelo princípio republicano que impõe ao Administrador o dever de, como mero gestor da res publica, não fazer seu ou de alguns, aquilo que é de todos. A prevalência do interesse social sobre eventuais anelos individuais ou grupais reclama uma conduta administrativa impessoal (Improbidade Administrativa, 2.ª ed. , São Paulo, Atlas, 1997, p. 50/51 )
Da inobservância dos princípios acima no caso em tela
Ao nomear seus parentes para cargos comissionados o
Prefeito Municipal aviltou a Constituição Federal, maculando a vontade popular dos que
nele votaram, sobrepondo seus interesses pessoais e de seus familiares sobre o
interesse público, em total inversão dos valores constitucionais.
Houve violação dos princípios éticos informadores da atuação
do administrador. Afinal, ao indicar cônjuge/companheiro ou parente para cargo
comissionado, está o agente público auferindo indiretamente o ganho pessoal, e, se não
está legislando em causa própria o que, por tantas vezes já foi rechaçado pelos Tribunais,
está executando atos administrativos em causa própria, o que é tão grave quanto.
O nepotismo é a forma mais nítida e cristalina de uso da
máquina pública para o interesse pessoal. Fato que a sociedade brasileira já se
convenceu e aguarda do Poder Judiciário o agir em defesa da ordem jurídica.
Aliás, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso
Especial n.º 150.897-SC, tendo como relator o eminente Ministro Jorge Scartezzini,
expressou exatamente a imoralidade de nomeação de parente para exercício de cargo
comissionado, podendo-se extrair de seu voto o trecho seguinte:
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(...) Venho, incansavelmente, registrando que o Administrador Público deve pautar-se pelos princípios constitucionais rígidos na moralidade, improbidade e impessoalidade dos atos oriundos da Administração (cf. REsp n.º 239.303/BA). O legislador constituinte ao guindar os princípios da moralidade e impessoalidade dos atos administrativos ao status de norma constitucional, o fez com o intuito de ressaltar que, uma vez não observados tais preceitos, os atos irregulares poderiam ser anulados, não importando o tempo decorrido, porquanto eivados de nulidade. E seus responsáveis, quais sejam, os agentes públicos que os emitiram, devem ser responsabilizados pelos mesmos. Ora, consoante se constata do v. decisum guerreado, um dos recorridos, Prefeito Municipal, nomeou, apesar dos notórios e basilares princípios constitucionais, seu filho como Titular da Diretoria de Patrimônio e compras do Município de Fraiburgo. Dessa forma, a princípio e num exame perfunctório dos autos, falar-se em falta de publicação da norma para seu cumprimento, porquanto não feita esta em órgão oficial, seria o mesmo que fazer tábula rasa ao Texto Maior, já que de um Alcaide espera-se, no mínimo, conhecimento da Constituição. (... ) 12. Muito embora não caiba nesta ocasião tecer considerações sobre o mérito do pedido, gostaria de ressaltar que, segundo consta da peça inaugural da ação civil pública, o primeiro réu vinha nomeando para o exercício de cargos em comissão diversos parentes, “o que deixa consternada a população local, que fica a se perguntar se tal atitude é lícita ou se não há nenhum mecanismo capaz de frear este manifesto desrespeito ao senso de justiça do homem comum” (fls. 3)”, o que está a indicar a prática reiterada de atos que ferem sobremaneira os princípios da impessoalidade e da moralidade da administração pública.
II.2.4 – DA SOCIEDADE ABERTA DOS INTÉRPRETES DA CONSTITUIÇÃO SEGUNDO PETER HABERLE, DA POSIÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA E DOS JORNALISTAS:
Peter Häberle, expoente constitucionalista alemão, em obra
traduzida pelo ilustre Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Ferreira Mendes,
leciona que a interpretação da Constituição não é tarefa restrita aos juristas, mas, ao
contrário, a Constituição Federal deve ser objeto de interpretação de toda sociedade.
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(...) a interpretação constitucional não é um evento exclusivamente estatal, seja do ponto de vista teórico, seja do ponto de vista prático. A esse processo tem acesso potencialmente todas as forças da comunidade política. O cidadão que formula um recurso constitucional é intérprete da Constituição tal como o partido político que propõe um conflito entre órgãos ou contra o qual se instaura um processo de proibição de funcionamento. Até pouco tempo imperava a idéia de que o processo de interpretação constitucional estava reduzido aos órgãos estatais ou aos participantes diretos do processo. Tinha-se, pois, uma fixação da interpretação constitucional nos “órgãos oficiais”, naqueles órgãos que desempenham o complexo do jogo jurídico-institucional das funções estatais. Isso não significa que se não reconheça a importância da atividade desenvolvida por esses entes. A interpretação constitucional é, todavia, uma “atividade” que, potencialmente, diz respeito a todos. Os grupos mencionados e o próprio indivíduo podem ser considerados intérpretes constitucionais indiretos e em longo prazo (Hermenêutica Constitucional, A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” na Constituição, trad. Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris Editor, 2002, p.23 e 24).
Dentre os grupos da sociedade pluralista participantes da
interpretação constitucional mencionados pelo autor estão:
(...) a opinião pública democrática e pluralista e o processo político como grandes estimuladores: mídia (imprensa, rádio, televisão, que, em sentido estrito não são participantes do processo, o jornalismo profissional, de um lado, a expectativa dos leitores, de outro, as iniciativas dos cidadãos, as associações, os partidos políticos fora do seu âmbito de atuação organizada (cf. 2, d), igrejas, teatros, editoras, as escolas da comunidade, os pedagogos, as associações dos pais (...) ( op. cit., p. 22 e 23 )
Da lição do eminente constitucionalista alemão, podemos
concluir que ele está a recomendar que o Poder Judiciário preste atenção no que “diz” a
opinião pública e a imprensa. Eis que:
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A imprensa desempenha relevante papel social “ao exprimir às autoridades constituídas o pensamento e a vontade popular, colocando-se, quase como um quarto poder, ao lado do Legislativo, do Executivo e do Judiciário” constituindo “uma defesa contra todo o excesso de poder e um forte controle sobre a atividade político-administrativa e sobre não poucas manifestações ou abusos de relevante importância para a coletividade (JOSÉ AFONSO DA SILVA, Curso de Direito Constitucional Positivo, 6.ª ed., São Paulo, RT, 1990, 21).
E, voltando para o caso em tela, exorto a este juízo que olhe à
sua volta e veja que a manifestação da opinião pública nacional é pelo fim do nepotismo,
não só no Judiciário, mas em todos os órgãos de Poder.
II.2.5 – DA RESOLUÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA ACERCA DO NEPOTISMO E DA HARMONIA E INDEPENDÊNCIA DOS PODERES DA REPÚBLICA.
O Conselho Nacional de Justiça, o órgão do Controle Externo
do Poder Judiciário, surgiu no ordenamento jurídico a partir da Emenda Constitucional
45/2004. O Conselho Nacional de Justiça é composto por “quinze membros com mais de
trinta e cinco e menos de sessenta e seis anos de idade, com mandato de dois anos,
admitida uma recondução” (art. 103-B da CF).
A composição do Conselho é prevista nos incisos do referido
dispositivo constitucional, na forma seguinte:
I – um Ministro do Supremo Tribunal Federal, indicado pelo respectivo Tribunal;II – um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo respectivo tribunal;III – um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo respectivo tribunal;IV – um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;V – um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;VI – um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;VII – um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;
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VIII – um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;IX – um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;X – um membro do Ministério Público da União, indicado pelo Procurador-Geral da República;XI – um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo Procurador-Geral da República dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual;XII – dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;XIII – dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.
Como se vê o Conselho Nacional de Justiça é composto de
Juristas e cidadãos de notável saber jurídico e ilibada reputação.
Nos termos do artigo 103-B, § 4.º da Constituição Federal,
“Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder
Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos Juízes, cabendo-lhe, além de
outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura”.
Destacamos como atribuição do Conselho Nacional:
(...) zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União.
Na atuação de ofício pela observância do artigo 37 da
Constituição, o Conselho Nacional de Justiça editou em 18 de outubro de 2005, a
Resolução n.º 07, que disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes,
cônjuges e companheiros de magistrados e servidores investidos em cargos de direção e
assessoramento, no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário e dá outras providências.
O artigo 1º da Resolução n.º 07 dispõe que:
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Art. 1.º É vedada a prática de nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder Judiciário, sendo nulos os atos assim caracterizados.
Nos artigos 2.º e seguintes, a Resolução define as práticas de
nepotismo, inclusive o chamado nepotismo cruzado.
Ora, os princípios da moralidade e da impessoalidade que
inspiraram os membros do CNJ, obrigam também todos os demais órgãos de Poder da
República.
De sorte que não há razão para que somente o Poder
Judiciário seja obrigado a combater o nepotismo, eis que as práticas vedadas na
Resolução são inconstitucionais, independentemente da existência de quaisquer
normativos infraconstitucionais.
Por oportuno, faz-se mister ressaltar que, embora o princípio
da motivação dos atos administrativos esteja expresso no artigo 93, inciso X,2 da
Constituição Federal, no Capítulo referente ao Poder Judiciário, nunca se deixou de
reconhecer que tal princípio alcança também os demais Poderes. Observe a lição e o
raciocínio do Juiz Federal Renato Barth Pires:
Como é sabido, os tribunais, quando proferem decisões administrativas, não estão exercendo sua atividade-fim, que é a função jurisdicional. Obviamente, estão no exercício de uma função atípica, dado que, por natureza, é de competência do Poder Executivo proferir atos e decisões administrativas. Debruçando-se sobre o dispositivo constitucional transcrito, Lúcia Valle Figueiredo, com a argúcia que lhe é peculiar, observa que se a motivação das decisões administrativas é obrigatória para o Poder Judiciário, que então exerce uma função atípica, com muito maior razão a motivação deverá ser obrigatória para o Poder Executivo, no exercício de sua função típica, que é administrar, ou “aplicar a lei de ofício”, na lição de Miguel Seabra Fagundes. Indaga a ilustre professora: “Ora, se quando o Judiciário exerce função atípica – administrativa – deve motivar, como conceber esteja o administrador desobrigado da mesma conduta? (Ato Administrativo e Devido
2 Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (...)X – as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros”
16
Processo Legal, Coleção Oswaldo Bandeira de Mello de Direito Administrativo, São Paulo, Max Limonad, 2001, p. 58)
Utilizando-se o mesmo raciocínio, teremos a seguinte
indagação: Ora, se o Judiciário ao nomear cargos comissionados exerce função atípica –
administrativa – e, se a nomeação de parentes de juízes para cargos comissionados no
Poder Judiciário, nos termos da Resolução n.º 07 do Conselho Nacional de Justiça, é
imoral, “como conceber que a mesma conduta praticada por administrador pública seja
permitida?” .
III – DOS PEDIDOS
III.1 – CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS AO PEDIDO
III.1.2. - DA CONCESSÃO DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
O Código de Processo Civil, em seu artigo 273, prevê a
antecipação de tutela, nos termos seguintes.
Artigo 273. O Juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou(...).
Vejamos a lição de José dos Santos Carvalho:
A tutela preventiva tem por escopo impedir que possam consumar-se os danos na solução dos litígios submetidos ao crivo do poder judiciário. Muito freqüentemente, tais danos são irreversíveis e irreparáveis, impossibilitando o titular do direito, de obter concretamente o benefício decorrente do reconhecimento de sua pretensão. De grande relevância, pois, para a tutela cautelar é o fator tempo, como averbamos anteriormente. A simples demora, em alguns casos, torna
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inócua a proteção judicial, razão porque as providências preventivas devem revestir-se da necessária presteza (José dos Santos Carvalho Filho, Ação Civil Pública, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1995, p. 268)
Quanto à possibilidade de antecipação da tutela em face da
Fazenda Pública, Renato Luís Benucci, que dedicou longo estudo ao tema, ressalta em
sua obra os seguintes julgados e, adiante, reconhecendo a divergência jurisprudencial,
conclui nos termos seguintes.
Agravo de instrumento. Decisão que, em ação ordinária movida por portadores de AIDS contra o Estado, defere tutela antecipada aos autores, para que recebam os medicamentos necessários. Não viola o art. 1.º da Lei n. 9.494/97, nem se rebela contra o decidido pelo E. Supremo Tribunal Federal na Ação Declaratória n.4, a decisão que, em tal caso, concede a tutela antecipada. Direito à vida. Arts. 196 da Constituição Federal e 284 da Constituição Estadual (...) (TJRJ, Agravo de Instrumento n.º 1998.002.1849. 17.ª Câmara Cível, Desembargador Relator Fabrício Bandeira, v.m., decisão em 20.05.98 ).
Agravo. Antecipação da Tutela. Fazenda Pública. Fornecimento de medicamento. Transplante renal. Condições autorizativas da medida. Presença. O descabimento da antecipação da tutela em face da Fazenda Pública deve ser mitigado, face às situações de extrema urgência, quando a concessão da medida admissível contra o ente público, nos casos onde grave dano ao recorrido pode advir do não fornecimento de remédios, indispensáveis para sua sobrevivência. Desprovimento do recurso (TJRJ, Agravo de Instrumento n.º 1998.002.7433, 6.ª Câmara Cível, Des. Rel. Ronald Valadares, v.u., decisão em 23.02.1999).
De tudo o que foi exposto, respeitadas as opiniões divergentes, a conclusão é pela admissão da tutela antecipada em face da Fazenda Pública. Obviamente, o âmbito de aplicabilidade da antecipação em face da Fazenda Pública não é o mesmo âmbito de aplicabilidade da antecipação em face das pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, pelo status diferenciado que a Fazenda
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Pública possui, especialmente quanto às obrigações de pagar quantia certa. No entanto, quando a Fazenda Pública for demandada, como já exposto, há plena possibilidade na antecipação da tutela declaratória ou efeitos dela decorrentes; da antecipação da tutela constitutiva ou dos efeitos desta decorrentes; da antecipação da tutela condenatória de entrega de coisa certa ou incerta e; principalmente, quanto às obrigações de fazer e não fazer, da antecipação de tutela mandamental.(Antecipação da tutela em face da Fazenda Pública – São Paulo, Dialética, 2001, p. 105/106 e 109 )
Esta é também a posição de Luís Guilherme Marinoni, o mais
festejado autor sobre o tema, que em obra também específica conclui que “qualquer
tentativa de vedar a concessão de tutela antecipatória contra a Fazenda Pública, mesmo
através de Lei é inconstitucional” (A antecipação da tutela, 7.ª ed. ver. amp., São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 272 )
No caso vertente, estão presentes os requisitos legais para a
concessão da antecipação da tutela. Vejamos.
Há prova inequívoca de que as requeridas são servidoras
públicas comissionadas da Prefeitura Municipal de Itaguaru e mantêm relação de
parentesco e conjugal com o Prefeito. Prova esta produzida pela própria Prefeitura
Municipal de Itaguaru e constante do inquérito civil público em anexo. A verossimilhança
da alegação advém da invocação direta do texto constitucional e do entendimento do
Conselho Nacional de Justiça em relação ao Poder Judiciário, além das demais questões
legais infra-constitucionais expostas nesta petição inicial.
Ante a evidente ilegalidade da investidura das requeridas nos
cargos públicos comissionados, tal conduta deve ser rechaçada imediatamente pelo
Poder Judiciário, uma vez que a demora processual, sobretudo pela submissão deste ao
duplo grau de jurisdição, permitirá que as requeridas desfrutem indevidamente e por longo
período dos subsídios, causando dano de difícil reparação ao erário municipal, e
perpetuando o irreparável dano moral à Administração.
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III.2 – DOS PEDIDOS:
De um judiciário anêmico e fragilizado, que não vem cumprindo seu papel constitucional, ou servil, ao permitir que lhe tomem seu poder político, o povo não precisa: é descartável, como revelam as pesquisas. Pior, não pacificando os conflitos, contribuiu para a geração de crises institucionais, eis que atuando como mero órgão autônomo (e não como Poder Político) não ajuda a consolidar a democracia e, ao mesmo tempo, ante sua hesitação, põe seu desenvolvimento em risco de estagnação. E mais: ao seguir fielmente a lei, normalmente outorgada por minorias oligárquicas encasteladas por séculos, através de sucessivas gerações, no Congresso Nacional – como a história comprova - o Judiciário, a meu ver, não a cotejando com a Constituição, que expressa a vontade do povo, comete, no mínimo cinco equívocos imperdoáveis: 1. Deixa de atuar como Poder Político, ao não controlar os limites constitucionais dos outros ramos do governo, notadamente o Executivo; 2. Dá maior relevância à vontade dos representantes dos povos, manifestada através da lei, que a do representado, depositada na Constituição (vontade do povo), numa inversão ilógica; 3. Torna-se braço opressor a serviço da tirania das minorias oligárquicas, ferindo de morte a democracia; 4. Favorece a implantação da ditadura do fortalecimento do Executivo, que edita diariamente medidas provisórias com força de lei, ao não impedir esse fluxo em borbotões de normas inconstitucionais; 5. Não julga o caso que lhe é submetido sob a égide da justiça, face ao critério da razoabilidade inserido no milenar princípio estruturante do devido processo legal, mas sim somente tecnicamente, observando o conteúdo da lei, enquanto vontade do legislador, esquecendo-se que a lei, tal como seta disparada tem mais a ver com o alvo, já que não mais se encontra sujeita ao controle da força do arco que a lançou (Paulo Fernando Siqueira, Freios & Contrapesos, Belo Horizonte, Del Rey, 1999, p. 175/176, obra premiada em primeiro lugar no III Concurso Nacional de Monografias promovido pelo TRF 1.ª Região, categoria profissional).
Em face de todo o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS requer a
Vossa Excelência:
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01. Seja a presente ação recebida, autuada e processada na forma e no rito previsto para a Ação Civil Pública, Lei. 7.347/ 85.
02. Que a comunicação pessoal dos atos processuais se proceda, nos termos do artigo
236, § 2º, do Código de Processo Civil, e do artigo 41, inciso IV, da Lei n.º 8.625/93;
03 - LIMINARMENTE, Que, seja o Prefeito Municipal de Itaguaru, notificado para
manifestar-se acerca da medida de tutela antecipatória constante no item 04, no prazo de 72 horas, nos termos do artigo 2.º da Lei 8.437 de 30 de junho de 1992, combinado com
artigo 1.º da Lei 9.494/97. Para tanto, deverá o oficial de justiça certificar a hora exata da notificação, e o escrivão, a hora exata da protocolização do pronunciamento.
04 - LIMINARMENTE, Que, após recebimento ou não da manifestação do Prefeito
Municipal, indicada no item 03 acima, ao final do prazo ali estabelecido, que Vossa
Excelência, acolha o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, indicando “de modo
claro e preciso, as razões de seu convencimento”3, para decretar a nulidade dos atos
administrativos de nomeação das requeridas e determinar às requeridas que não mais
exerçam função pública comissionada na Prefeitura Municipal de Itaguaru, enquanto
mantiverem vínculo de parentesco até terceiro grau, relação concubinária ou conjugal
com o Chefe do Poder Executivo, e ao Prefeito Municipal que não permita a ocorrência da
conduta retro referida (nepotismo), sob pena de crime de desobediência4/prevaricação,
prisão em flagrante e multa diária5 do dobro da remuneração do cargo em que as
requeridas estiverem indevidamente exercendo a função pública por mês de
descumprimento.
3 Art. 273, § 1.º “Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões de seu convencimento”4 Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, o praticá-lo contra disposição de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena – detenção, de 3(três) meses a 1(um) ano, e multa. 5 Lei n.º 7.347/85. Artigo 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta não for suficiente compatível, independentemente do requerimento do autor.
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5. A citação do Município de Itaguaru, na pessoa do Prefeito; e a citação pessoal das
demais requeridas, para querendo, responder a presente ação, sob pena de confissão
quanto à matéria de fato e sob os efeitos da revelia; facultando ao oficial de hustiça
para a comunicação processual, a permissão estampada no artigo 172, § 2º, do
Código de Processo Civil.
6. O julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 330 do Código de Processo
Civil, uma vez que não se vislumbra a necessidade de produção de prova em
audiência.
E ao final;
7. O reconhecimento incidental da inconstitucionalidade dos atos que culminaram na
nomeação das requeridas (pessoas físicas) em cargos previstos na estrutura da
Prefeitura Municipal de Itaguaru por violação aos princípios da legalidade,
impessoalidade e moralidade previstos no artigo 37, da Constituição Federal.
8. A decretação de nulidade dos atos administrativos de nomeação das requeridas.
9. A condenação do Município de Itaguaru em não permitir que as requeridas continuem
exercendo qualquer função pública comissionada no Poder Executivo, enquanto forem
cônjuges, companheiro(a) ou tiverem parentesco, até terceiro grau, com qualquer dos
membros do Poder, e em não efetivar qualquer pagamento a título de serviços após a
concessão da antecipação da tutela e da sentença definitiva, sob pena de multa diária
e pessoal ao Prefeito no valor correspondente ao dobro da remuneração fixada para
o(a) servidor(a) nomeado/contratado(a) que admitir ali trabalhando, inobstante o crime
de prevaricação do Prefeito, por descumprimento de ordem judicial.
10.A condenação do Município de Itaguaru em não nomear para cargos comissionados,
nesta ou em administração futura, qualquer pessoa que for cônjuge, companheiro(a)
ou tiver parentesco em linha reta, colateral ou por afinidade, até terceiro grau, com
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qualquer dos membros do Poder Executivo, sob pena de multa diária e pessoal ao
Prefeito no valor equivalente ao dobro da remuneração fixada para o(a) servidor(a)
nomeado/contratado(a) indevidamente.
11.A condenação do Município de Itaguaru em não nomear para cargos temporários
(artigo 37, IX da CF), nesta ou em administração futura, qualquer pessoa que for
cônjuge, companheiro(a) ou tiver parentesco em linha reta, colateral ou por afinidade,
até terceiro grau, com qualquer dos membros do Poder, sob pena de multa diária e
pessoal ao Prefeito no valor equivalente ao dobro da remuneração fixada para o(a)
servidor(a) nomeado/contratado(a) indevidamente.
12.A condenação do Município de Itaguaru em não contratar, em casos excepcionais de
dispensa ou inexigibilidade de licitação, nesta ou em administração futura, qualquer
pessoa que for cônjuge, companheiro(a) ou tiver parentesco em linha reta, colateral
ou por afinidade, de até terceiro grau com qualquer dos membros do Poder Executivo,
sob pena de multa diária e pessoal ao Prefeito Municipal no valor equivalente ao dobro
da remuneração estabelecida para cada servidor(a) indevidamente
nomeado/contratado(a) por violação à ordem judicial.
13. Que na sentença definitiva se renove a antecipação dos efeitos da tutela até seu
trânsito em julgado.
14. Que sejam os réus condenados, também, ao pagamento das custas e emolumentos
processuais, bem como dos ônus da sucumbência.
Por fim, protesta por provar o alegado por todos os meios de
prova em direito admitidos, notadamente provas documentais, testemunhais e periciais, e
requer, desde já, o depoimento pessoal dos réus, sob pena de confesso quanto à matéria
de fato.
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Dá-se à presente causa o valor de R$ 20.498,76 (vinte mil, quatrocentos e noventa e oito reais e setenta e seis centavos)6.
Termos em que Pede deferimento.
De Uruana para Itaguaru, 01 de junho de 2006.
Yashmin Crispim Baiocchi de Paula e ToledoPROMOTORA DE JUSTIÇA
(em auxílio – Portaria PGJ 007/2006)
6 O valor refere-se ao custo dos subsídios mensais dos servidores parentes e cônjuges indevidamente nomeados pelo prazo de 12 meses.
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