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Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA_______VARA
DA FAZENDA PÚBLICA DA CAPITAL DO RIO DE JANEIRO.
Ref.: Inquérito Civil nº 2003.00003999
(antigo 1979)
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, pela 3ª
Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania da Capital, no
exercício de suas atribuições constitucionais e legais, com fundamento nos artigos 127
e 129, III, da Constituição da República; artigo 1° da Lei n° 7.347/85; artigo 25, IV, da
Lei Federal n° 8.625/93; e artigo 17 da Lei n° 8.429/92, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA, CUMULADA COM PEDIDO DE
RECOMPOSIÇÃO E INDISPONIBILIDADE DE BENS
em face de:
1. UBIRATAN DE GUSMÃO CAMPELO LIMA (DIRETOR PRESIDENTE/PRECE,
PERÍODO 28/03/03 A 09/01/07), BRASILEIRO, CPF 056.478.197/53, ENDEREÇO NA
RUA HUMAITÁ, 282, AP. 1305, BL. 102, HUMAITÁ, RIO DE JANEIRO, RJ,
CEP 22261-004;
2. MAGDA DAS CHAGAS PEREIRA (DIRETORA FINANCEIRA/PRECE, PERÍODO
23/07/03 A 09/01/07), BRASILEIRA, CPF 708.134.187-04, FILHA DE FAUSTO
VALENTE PEREIRA E GEORGINA CHAGAS PEREIRA, ENDEREÇO NA RUA
REPÚBLICA DO PERU, 114, AP. 101, COPACABANA, RIO DE JANEIRO, RJ,
CEP 22021-040 (OU RUA SANTA CLARA, 389, AP. 201, COPACABANA, RJ,
CEP 22041-010);
3. PAULO ALVES MARTINS (GERENTE DE INVESTIMENTOS/PRECE, PERÍODO
DE 09/01/03 A 16/03/06), BRASILEIRO, CPF 710.204.387-20, IDENTIDADE IIFP
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RG 04526083-3, ENDEREÇO NA ESTRADA BERNARDO COUTINHO, 6742, CASA 19,
ARARAS, PETRÓPOLIS, RJ, CEP 25.725-022 (OU AV. JAYME BITTENCOURT, 500,
CASA 34, CAMBOINHAS, NITERÓI, CEP 24358-600);
4. EDUARDO COSENTINO DA CUNHA, BRASILEIRO, CPF 504.479.717-00,
CUSTODIADO NA CARCERAGEM DA POLÍCIA FEDERAL EM CURITIBA, PARANÁ,
NASCIDO EM 29/09/1958, FILHO DE ELCY TEIXEIRA DA CUNHA E ELZA COSENTINO
DA CUNHA;
5. LÚCIO BOLONHA FUNARO; BRASILEIRO, CPF 173.318.908-40, CUSTODIADO
NA CARCERAGEM DA POLÍCIA FEDERAL EM CURITIBA, PARANÁ, IDENTIDADE
SSP/SP-RG 11659179 - ENDEREÇO EM SÃO PAULO NA RUA ALBERTO FARIA, 461,
ALTO DE PINHEIRO, SÃO PAULO, CEP 05.459-000;
6. SÉRGIO GUARACIABA MARTINS REINAS, BRASILEIRO, CPF 255.227.618-06,
IDENTIDADE RG 17482871-X (SSP-SP), RESIDENTE NA RUA DA CONSOLAÇÃO,
3240, APT. 63, CERQUEIRA CÉSAR, SÃO PAULO/SP, CEP 01416-000;
7. JOSÉ CARLOS BATISTA, BRASILEIRO, CPF 911.098.338-49, ENDEREÇO NA
RUA VITÓRIA RÉGIA, 85, AP. 42, SANTO ANDRÉ, SP, CEP 09.080-320;
8. ARTHUR CAMARINHA, BRASILEIRO, CPF 375.383.147-68, IDENTIDADE
MAER/RJ RG 148914, ENDEREÇO NA RUA GIL SOBRA PINTO, 119, TERESÓPOLIS,
RJ, CEP 25964-140;
9. JOSÉ CARLOS ROMERO RODRIGUES, BRASILEIRO, CPF 290.486.658-25,
IDENTIDADE SSP/MS RG 625758, ENDEREÇO NA RUA BANGU, 60, SÃO PAULO, SP,
CEP 04090-030;
10. FRANCISCO JOSÉ RODRIGUEZ LUNARDI, BRASILEIRO,
CPF 406.774.357-20, IDENTIDADE SSP/SP RG 2519475, ENDEREÇO NA RUA
RANCHARIA, 655, SÃO ROQUE, SÃO PAULO, SP, CEP 18136-656;
11. FRANCISCO JOSÉ MAGLIOCCA, BRASILEIRO, CPF 814.421.818-34,
IDENTIDADE SSP/SP RG 4931499-8, ENDEREÇO NA RUA RODRIGO CLAUDIO, 328,
SÃO PAULO, SP, CEP 01532-020;
12. GUILHERME SIMÕES DE MORAES, BRASILEIRO, CPF 033.671.568-41,
IDENTIDADE SSP/SP RG 8210514, ENDEREÇO NA RUA VITORINO DE CARVALHO,
451, SÃO PAULO, SP, CEP 05447-140;
pelas operações irregulares em negócios realizados na BM&F, em detrimento do
Fundo da PRECE-Previdência Complementar dos funcionários da CEDAE.
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
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SUMÁRIO:
I - DA NATUREZA DA PRECE E DA EQUIVALÊNCIA DOS ATOS DE SUA ADMINISTRAÇÃO COMO
ATOS PRATICADOS POR AGENTES PÚBLICOS ........................................................................ 04/07
II - DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO .................................................................. 07/08
III - DA COMPETÊNCIA .............................................................................................................. 08
IV - SÍNTESE DA DEMANDA .................................................................................................. 08/10
V - DOS FATOS ..................................................................................................................... 10/15
VI- DOS NEGÓCIOS DA INTERMEDIÁRIA LAETA S/A DTVM ................................................. 15/16
VII - DOS COMITENTES BENEFICIADOS NOS NEGÓCIOS DA INTERMEDIÁRIA LAETA ................ 16
VII.1) DO DEMANDADO EDUARDO COSENTINO CUNHA .......................................... .....16/20
VII.2) DO DEMANDADO LÚCIO BOLONHA FUNARO ...................................................... 20/24
VII.3) DO DEMANDADO SÉRGIO GUARACIABA MARTINS REINAS ................................ 24/32
VII.4) DO DEMANDADO JOSÉ CARLOS ROMERO RODRIGUES........................................ 32/34
VII.5) DO DEMANDADO ARTHUR CAMARINHA ............................................................. 35/37
VII.6) DO DEMANDADO JOSÉ CARLOS BATISTA ................................................................. 37
VII.7) DOS DEMANDADOS FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES LUNARDI E GUILHERME SIMÕES
DE MORAES ................................................................................................................... 37/40
VII.8) DO DEMANDADO FRANCISCO MAGLIOCCA ........................................................ 40/42
VII.9) CONCLUSÃO DOS NEGÓCIOS DA LAETA S/A DTVM ............................................ 42/48
VIII - DA ATUAÇÃO DO ADMINISTRADOR DOS FUNDOS DA PRECE .................................... 48/50
IX - DA CONDUTA DOS ADMINISTRADORES DA PRECE ............................................................. 50
X - DA CARACTERIZAÇÃO DOS ATOS DE IMPROBIDADE ....................................................... 51/53
XI - DO DANO AO ERÁRIO. PREJUÍZO DO FUNDO DA PRECE. IDENTIFICAÇÃO DOS LUCROS
DOS DEMANDADOS ............................................................................................................... 53/55
XII - DA NECESSIDADE DE DECRETAÇÃO DO SEQUESTRO DOS BENS ................................... 55/58
XIII - CONSIDERAÇÕES GERAIS ............................................................................................ 58/60
XIV - DOS PEDIDOS .............................................................................................................. 60/61
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I - DA NATUREZA DA PRECE E DA EQUIVALÊNCIA DOS ATOS DE SUA
ADMINISTRAÇÃO COMO ATOS PRATICADOS POR AGENTES PÚBLICOS
PRECE: Entidade Fechada de Previdência Complementar – EFPC, criada pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos – CEDAE, com autonomia administrativa e
financeira.
A fim de que a presente ação ganhe em clareza, é necessário fazer um breve
retrospecto sobre a PRECE, notadamente no que tange ao aspecto legal que norteia a matéria a ser posteriormente detalhada no curso desta petição inicial.
Como não foge ao conhecimento geral, a relação entre a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e outras entidades públicas e suas respectivas entidades fechadas de previdência
complementar foi garantida pelo disposto no art. 202 da Constituição Federal, que
estabelece:
Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar
e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de
previdência social, será facultativo, baseado na constituição de
reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei
complementar.
Com base no mencionado dispositivo constitucional, foram editadas as Leis
Complementares números 108 e 109, as quais objetivaram pautar a relação entre a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou
indiretamente, enquanto patrocinadores de entidades fechadas de previdência
complementar, e as suas respectivas entidades fechadas.
As leis complementares estabeleceram o custeio das referidas entidades, sem descer às minúcias de cada caso concreto, limitando-se a estabelecer o seguinte:
Art. 6º. O custeio dos planos de benefícios será responsabilidade do
patrocinador e dos participantes, inclusive assistidos.
§ 1º. A contribuição normal do patrocinador para plano de
benefícios, em hipótese alguma, excederá a do participante,
observado o disposto no art. 5o da Emenda Constitucional no 20, de
15 de dezembro de 1998, e as regras específicas emanadas do órgão
regulador e fiscalizador.
§ 2º. Além das contribuições normais, os planos poderão prever o
aporte de recursos pelos participantes, a título de contribuição
facultativa, sem contrapartida do patrocinador.
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§ 3º. É vedado ao patrocinador assumir encargos adicionais para o
financiamento dos planos de benefícios, além daqueles previstos nos
respectivos planos de custeio.
Art. 7º. A despesa administrativa da entidade de previdência
complementar será custeada pelo patrocinador e pelos participantes e
assistidos, atendendo a limites e critérios estabelecidos pelo órgão
regulador e fiscalizador.
Parágrafo único. É facultada aos patrocinadores a cessão de pessoal
às entidades de previdência complementar que patrocinam, desde que
ressarcidos os custos correspondentes (LC 108).
Art. 12. Os planos de benefícios de entidades fechadas poderão ser
instituídos por patrocinadores e instituidores, observado o disposto
no art. 31 desta Lei Complementar.
Art. 13. A formalização da condição de patrocinador ou instituidor de
um plano de benefício dar-se-á mediante convênio de adesão a ser
celebrado entre o patrocinador ou instituidor e a entidade fechada,
em relação a cada plano de benefícios por esta administrado e
executado, mediante prévia autorização do órgão regulador e
fiscalizador, conforme regulamentação do Poder Executivo.
§ 1º. Admitir-se-á solidariedade entre patrocinadores ou entre
instituidores, com relação aos respectivos planos, desde que
expressamente prevista no convênio de adesão.
§ 2º. O órgão regulador e fiscalizador, dentre outros requisitos,
estabelecerá o número mínimo de participantes admitido para cada
modalidade de plano de benefício.
Vale registrar que, conforme o Decreto nº 4.206, de 23/04/2002, o termo
"patrocinador" refere-se à "empresa ou ao grupo de empresas, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, suas autarquias, fundações sociedades de economia
mista e outras entidades públicas", ao passo que "instituidor" refere-se à "pessoa
jurídica de caráter profissional, classista ou setorial" (Art. 2°).
É importante ressaltar que, desse conjunto de artigos citados, resta claro que os
valores pertinentes ao custeio dos benefícios devem advir, em parte, do patrocinador
da entidade de previdência fechada, o que equivale a dizer da entidade ao qual o Fundo
de previdência está vinculado, no caso da PRECE, a CEDAE.
Seguindo esta linha de raciocínio, e para a exata compreensão do tema, urge destacar o que dispõe o estatuto da entidade complementar dos funcionários da
CEDAE:
Art. 1° - A PRECE – Previdência Complementar, doravante
designada PRECE, é Entidade Fechada de Previdência Privada, sob
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a forma de sociedade civil, criada pela Companhia Estadual de Águas
e Esgotos - CEDAE, sem fins lucrativos, e com autonomia
administrativa e financeira.
E, segue:
Art. 12 - Constituem o patrimônio da PRECE:
I - dotações e outras formas de aportes iniciais;
II - as contribuições dos Patrocinadores e dos Participantes;
III - as doações, legados, auxílios, subvenções, contribuições e
aquisições de outros bens e valores, proporcionados por pessoas
físicas ou jurídicas;
IV - as rendas de bens de qualquer natureza, incluídos os produtos e
frutos dos investimentos que realizar.
1° - O Presidente da Patrocinadora-Fundadora dará posse ao
Conselho Deliberativo e este nomeará os membros da Diretoria
Executiva, investindo-os nos cargos e aos membros do Conselho
Fiscal, mediante termos lavrados em livros próprios.
Elucidado, assim, que o Presidente da Patrocinadora-Fundadora, no caso, a
CEDAE, deve dar posse ao Conselho Deliberativo da entidade, o que evidencia a ingerência do Poder Público na administração da referida entidade de Previdência.
O dispositivo acima citado demonstra que a intervenção da Companhia de Águas
ultrapassa o plano meramente econômico-financeiro, exorbitando do mero aporte de
recursos relativos à parte das contribuições que sustentam a PRECE, implicando em verdadeiro direcionamento de sua administração.
Está patente, portanto, a ligação entre a CEDAE e a PRECE, que não se traduz
em mera capitalização, mas se constitui na conexão jurídico/política entre ambas as
entidades.
Corolário de tudo que se disse é que os administradores das entidades de
previdência privada, tanto substancial quanto formalmente, qualificam-se como
verdadeiros agentes públicos, o que atrai a incidência do disposto nos artigos 1° e 2°
da Lei nº 8.429/92, segundo os quais:
Art. 1°. Os atos de improbidade praticados por qualquer agente
público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou
fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa
incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação
ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de
cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos
na forma desta lei.
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Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os
atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que
receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de
órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o
erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por
cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a
sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos
cofres públicos.
Art. 2°. Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo
aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração,
por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra
forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função
nas entidades mencionadas no artigo anterior.
Conclui-se pelo enquadramento dos atos praticados na administração da PRECE
à natureza de atos de improbidade administrativa, sustentando, por outro lado, a
legitimidade do Ministério Público para defesa do patrimônio público, sobre a qual
discorremos a seguir.
II - DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
A Constituição Federal dispõe:
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
(...)
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção
do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos.
A vontade legislativa que inspirou este dispositivo, mesmo antes de sua
existência, já constava na Lei n° 7.347, de 24.07.1985, que trouxe ao ordenamento
jurídico a chamada ação civil pública para defesa dos direitos transindividuais e
indivisíveis, assim entendidos os chamados direitos e interesses individuais e
coletivos.
A Constituição da República de 1988, além de reafirmar o que a legislação
ordinária já contemplava, permitiu ao Ministério Público o exercício de outras funções
institucionais, desde que atento às suas finalidades.
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No presente caso, notória a legitimidade do Ministério Público para promover a
defesa do patrimônio público, que foi lesado pelas atividades empreendidas pelos demandados. Portanto, clara a legitimidade ativa do Ministério Público do Estado do
Rio de Janeiro para a presente demanda.
É forçoso reconhecer que eventual irregularidade praticada na administração de
entidade de previdência privada, como interesse juridicamente relevante, situa-se na órbita das atribuições do Ministério Público.
III – DA COMPETÊNCIA
Dispõe a Lei nº 7347, no seu artigo 2°:
Art. 2º. As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local
onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para
processar e julgar a causa.
Convém repisar que, nos termos do art. 2° da Lei nº 7.347/85 a ação de
improbidade tem por foro competente aquele em que ocorreu ou deva ocorrer o dano. Logo, cuida-se de competência de natureza absoluta, dada a opção legislativa pela
facilidade da colheita de provas e pela resposta jurisdicional sempre próxima da
comunidade envolvida.
De resto, ficará esclarecido que se os atos praticados em prejuízo dos Fundos da PRECE ocorreram na negociação dos títulos na Bolsa de Mercadorias e Futuros, a
efetiva ocorrência do dano sucedeu no Estado do Rio de Janeiro.
Isto porque, através das operações efetivamente transcorridas foram atingidos
não só os atuais, como também os futuros beneficiários do Fundo de pensão da CEDAE, isto sem mencionar o capital público ali investido pela mesma Companhia,
que, como não poderia deixar de ser, se estabelece no âmbito do Estado do Rio de
Janeiro.
Demonstra-se, assim, a competência quanto à relevância social do direito que
permeia a presente atuação ministerial, sendo mais uma faceta que legitima a
intervenção do Ministério Público.
IV - SÍNTESE DA DEMANDA
Ab initio, para melhor compreensão dos fatos que serão narrados nesta inicial, até
porque serão mencionados termos técnicos do mercado financeiro da BM&F (AJUSTES
DO DIA, DAY TRADE, OPERAÇÕES COM SEGURO, TAXA DE SUCESSO, TAXA DE SUCESSO
FINANCEIRO), entende-se importante esclarecer todo o esquema ilícito das operações dos demandados no Mercado de Valores Mobiliários.
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Neste sentido, segue o exemplo:
“CAIO, QUE É CASADO, QUER REPASSAR DINHEIRO PARA SUA AMANTE
SEMPRÔNIA, QUE TAMBÉM É CASADA, SEM SUSCITAR SUSPEITAS EM SEUS
RESPECTIVOS CÔNJUGES. PARA TAL FIM, CAIO PROCURA TÍCIO, QUE É UM
AMIGO COMUM, PROPONDO-LHE O SEGUINTE ESQUEMA: CAIO ENTREGA
DINHEIRO A TÍCIO, PARA QUE ESTE REALIZE APOSTAS EM SEU NOME, AO
MESMO TEMPO EM QUE SEMPRÔNIA ENTREGA DINHEIRO A TÍCIO, COM A
MESMA FINALIDADE. TÍCIO REALIZA DIVERSAS APOSTAS, VALENDO-SE
INDISTINTAMENTE DOS RECURSOS INVESTIDOS POR AMBOS OS AMANTES,
ALGUMAS DAS QUAIS GERAM PRÊMIOS, ENQUANTO OUTRAS CAUSAM
PREJUÍZOS. AO FINAL DO DIA, TÍCIO ENTREGA TODOS OS PRÊMIOS
AUFERIDOS A SEMPRÔNIA, ENQUANTO CAIO ASSUME TODAS AS APOSTAS
MALSUCEDIDAS. ASSIM, OS AMANTES PODERÃO JUSTIFICAR-SE PERANTE
SEUS RESPECTIVOS CÔNJUGES: SEMPRÔNIA ATRIBUIRÁ OS VALORES
RECEBIDOS À "SORTE" NAS APOSTAS REALIZADAS, ENQUANTO CAIO
JUSTIFICARÁ AS SUAS PERDAS ALEGANDO TER TIDO "AZAR" NO JOGO”.
Como se vê, o esquema acima exige conluio entre três categorias de personagens:
o perdedor (que seria o personagem Caio), o ganhador (que seria a personagem
Semprônia) e o intermediário (que seria o personagem Tício).
Exatamente foi o que aconteceu no esquema ilícito orquestrado pelos
demandados para auferirem lucro em detrimento dos Fundos da PRECE. No esquema
tem-se a existência de vínculos entre “perdedores”, “intermediários” e “ganhadores”.
Na análise das operações envolvendo os Fundos da PRECE restou comprovado que os negócios lucrativos foram direcionados para um grupo específico de comitentes
(que são os beneficiários do esquema, os demandados), por intermédio de diversas
corretoras (INTERMEDIÁRIAS).
Os Fundos exclusivos da PRECE sofreram perdas constantes nos “ajustes do dia”. Para tanto, operadores acordados com esses clientes se valeram da possibilidade
de realizar atribuição dos negócios a posteriori, quando já era possível identificar
quais operações gerariam ajustes positivos e negativos.
Ao longo da narrativa das condutas dos demandados ficará evidente que as operações na BM&F foram estruturadas para favorecerem os comitentes, ora
demandados beneficiados, que agiram usando o Fundo da PRECE como seguro nos
seus investimentos evitando que se submetessem a risco no Mercado de Valores.
Encerra-se a síntese esclarecendo que a inicial limita-se a imputar as condutas decorrentes das operações efetuadas pela INTERMEDIÁRIA/CORRETORA LAETA S/A
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DTVM, bem assim àqueles que obtiveram lucros no mercado financeiro da BM&F em
detrimento dos Fundos da PRECE.
V - DOS FATOS
A presente ação civil pública baseia-se na investigação desenvolvida nos autos
do INQUÉRITO CIVIL N° 2003.00003999 (antigo 1979), o qual, dentre a extensa
documentação que ora segue encartada a esta inicial, tem como pontos centrais as
conclusões do relatório final do INQUÉRITO ADMINISTRATIVO CVM Nº 06/2012, cuja instrução foi conduzida pela Comissão designada pela PORTARIA/CVM/SGE/N° 159, de
17/07/2012.
O referido inquérito administrativo da CVM analisou eventuais irregularidades ocorridas em negócios realizados na BM&F por conta da carteira própria da PRECE-
Previdência Complementar e de seus Fundos exclusivos, no período de NOVEMBRO DE
2003 A MARÇO DE 2006.
O inquérito administrativo instaurado pela Comissão de Valores Mobiliários analisou as perdas significativas dos Fundos exclusivos da PRECE, após 31/10/2003,
que totalizaram mais de R$ 39 milhões em “ajustes do dia1”, em negócios realizados
por meio de diversos intermediários, bem assim por meio de sua própria carteira,
sendo que neste caso resultou o prejuízo de mais de R$ 2 milhões (01/10/2002 a
31/03/2006), decorrentes de perdas significativas nos “ajustes do dia”.
1 “AJUSTES DO DIA”. De acordo com o Manual de Procedimento Operacionais da Câmara de Derivativos BM&F, as posições em aberto de contratos negociados na BM&F, ao final de cada pregão, são ajustadas com base no preço do “ajuste do dia”, que é determinado pela média ponderada das cotações dos negócios realizados nos últimos 30 minutos do pregão, com movimentação financeira realizada no dia subsequente ao da transação (D+1). O “ajuste do dia” também é utilizado para apurar o resultado da operação denominada day trade, que consiste na compra e venda, no mesmo dia, da mesma quantidade de contratos para o mesmo vencimento, liquidando-se automaticamente quando realizada em nome do mesmo comitente por intermédio da mesma corretora, sob responsabilidade do mesmo Membro de Compensação. Dessa forma, por se tratar de negócios realizados no mesmo dia, tanto o resultado da compra ou venda quanto o do day trade são apurados por meio do “ajuste do dia”. O “ajuste do dia” decorre somente dos negócios realizados no próprio dia. Além do “ajuste do dia”, há o “AJUSTE POR CARREGAMENTO” e o “AJUSTE TOTAL”, este também denominado “AJUSTE DIÁRIO”, todos calculados de acordo com fórmulas algébricas. Ao realizar a primeira transação de compra e venda de um contrato futuro, o comitente sofrerá ao final do pregão somente “ajuste de dia”. Se permanecer na mesma posição (comprado ou vendido) nos dias subsequentes, o investidor passará a sofrer não mais “ajuste do dia”, mas sucessivos “ajustes por carregamento” até realizar uma operação inversa ou manter a posição até o vencimento. Os “ajustes do dia” e os “ajustes por carregamento” são creditados em favor do titular da posição “vencedora” e debitados, se a posição for “perdedora”, ao final do dia, ao final do pregão. Em relação à especificação de comitentes, importante registrar que, desde 02.01.04, a BM&F adotou o sistema de “janelas” para especificação de comitentes, em razão da orientação contida no art. 11 da Deliberação da 457ª Sessão do Conselho de Administração da BM&F, editada em atendimento à Instrução CVM nº 387/03. Com a nova regra, a especificação de comitente final de um negócio na BM&F passou a ser exigida ao longo do dia de realização do negócio (“D+0”), em sete intervalos pré-estabelecidos denominados “janelas”.
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11
A investigação da Comissão de Valores Mobiliários teve por fundamento as
diligências adicionais ao Relatório de Análise GMA-2 Nº 14/04, que deu origem ao IA CVM Nº 13/2005.
Os despachos proferidos pelo então Diretor Relator do Processo Administrativo
Sancionador CVM nº 13/2005, dos Superintendentes de Fiscalização Externa (SFI) e
de Relações com o Mercado e Intermediários (SMI), concluíram pela instauração de inquérito administrativo (IA CVM Nº 06/2012), aprovado pela Superintendência Geral
(SGE) em 29/03/2011.
Os Fundos exclusivos da PRECE, entre 01.11.03 e 31.03.05, eram administrados pela Quality CCTVM, e a prestação do serviço de administração das carteiras dos
Fundos foi realizada por diferentes GESTORES:
Fundo Período Gestor Ajustes do dia
Flushing Meadow 27.11.03 a 14.03.05 Banco WestLB 281.817,50
Roland Garros 01.04 a 31.07.04 Laeco Asset 593.645,75
Roland Garros 01 a 31.08.04 BCSul Verax 22.070,00
Hamburg 03.11.03 a 08.12.04 Pavarini 5.802.675,00
Hamburg 09.12.04 a 22.03.05 Quality CCTVM 2.494.635,00
Stuttgart 14.11.03 a 23.11.04 Mercatto 6.289.530,00
Stuttgart 24.11.04 a 17.03.05 Banco WestLB 1.321.425,00
O quadro abaixo reflete as perdas nos “ajustes do dia” em negócios com
contratos futuros na BM&F, no período de 01/11/2003 a 31/03/2006, dos Fundos
Exclusivos da PRECE, negociados pelas INTERMEDIÁRIAS.
Intermediárias Stuttgart Hamburg Monte
Carlos
Roland
Garros
Lisboa Flushing
Meadow
LAETA 7.590.255,00 8.297.310,00 92.860,10 788.398,36 - 374.999,80
Novinvest 4.141.515,00 4.626.270,00 99.546,25 37.400,00 - 2.812,25 Cruzeiro do Sul 2.933.325,00 2.397.540,00 294.260,55 166.660,40 - 141.612,50
Título - - 2.264.663,65 - 284.813,70 - Gradual&Futuros - - - 1.214.520,90 - -
Novação 1.264.115,00 - - - 135.589,50 -
SLW - 427.275,00 - - - -
Ficsa - - - - 526.222,50 -
Ativa 252.250,00 - - - - -
Lopez Leon - - - - 173.740,00 -
Prosper 122.220,00 - - - - -
Magliano 99.270,00 - - - - 16.673,75
Prosper CM 41.160,00 - - - - -
Fator 3.030,00 - - - - -
Total 16.445.580,00 15.748.395,00 2.880.407,05 2.305.625,56 1.120.366,00 502.750,92
Total Geral 39.003.124,53
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Abaixo, registramos as perdas nos “ajustes do dia” em negócios na BM&F, pela
PRECE por meio de sua PRÓPRIA CARTEIRA, no período de 01/10/2002 a 31/03/2006.
Período de negociação Corretora Mercado Ajuste do dia
01.10.02 a 30.11.02 Agora Senior F. Ltda. IND 13.350,00
01.02.03 a 30.11.03 Novinvest CVM Ltda. DOL 55.115,00
01.10.02 A 30.12.05 Novinvest CVM Ltda. IND 2.523.285,00
Total 2.591.750,00
Constatou-se que, na maior parte das vezes, as irregularidades eram
concretizadas no âmbito da intermediária, com distribuição direcionada dos negócios,
isso porque alguns operadores utilizavam ambiente propício decorrente da falta de controles internos eficientes para viabilizar o ilícito.
A PRECE era cotista de diversos Fundos exclusivos, todos administrados, à
época, pela Quality CCTVM (atualmente Infinity CCTVM).
A administradora Quality subcontratava gestores para cada Fundo exclusivo de
sua responsabilidade que, por sua vez, utilizavam diversos intermediários para a
concretização dos negócios.
Os comitentes beneficiados se valiam dos mesmos Fundos como “seguro” e, muitas vezes, por meio de mais de uma corretora intermediária.
Nesse sentido que será possível ter uma visão completa da atuação de cada
comitente ou instituição integrante do sistema de distribuição de valores mobiliários,
podendo haver mais de uma imputação para cada um com base em operações realizadas por meio de cada uma das corretoras intermediárias.
No entanto, se o comitente realizou operações por mais de um intermediário, será
acusado por cada conjunto de operações detectadas de forma autônoma.
A CVM analisou os negócios realizados em mercados futuros da BM&F pela
carteira própria da PRECE, no período de 01/10/2002 a 30/12/2005, e por seis Fundos
exclusivos da PRECE, no período de 01/11/2003 a 31/03/2006, a saber: Stuttgart;
Hamburg; Flushing Meadow; Lisboa; Roland Garros e Monte Carlo.
INTEGRAVAM A ADMINISTRAÇÃO DA PRECE:
• UBIRATAN DE GUSMÃO CAMPELO LIMA – Diretor Presidente, período
de 28/03/2003 a 09/01/2007;
• MAGDA DAS CHAGAS PEREIRA – Diretora Financeira, período de 23/07/2003 a 09/01/2007;
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• PAULO ALVES MARTINS – Gerente de Investimentos, período de
09/01/2003 a 16/03/2006.
Todos os Fundos exclusivos da PRECE eram administrados pela Quality CCTVM S.A., atual Infinity CCTVM S.A., sendo gestora anteriormente denominada
Quality Asset Management Administração de Recursos Ltda., agora Infinity Asset
Management Administração de Recursos Ltda.
Conforme cadastro da CVM, o diretor responsável pela administração de
recursos de terceiros, tanto na Quality CCTVM, como na Quality Asset eram:
• MARCOS CESAR DE CÁSSIO LIMA (período de 01/11/2003 a 28/04/2005);
• DAVID JESUS GIL FERNANDEZ (período de 29/04/2005 a 31/03/2006).
Os nacionais Marcos César de Cássio Lima e David Jesus Gil Fernandez, assim
como a Gestora Laeco, não figuram no polo passivo da presente demanda, eis que as suas condutas já são objetos da ação civil pública proposta contra a Intermediária
Gradual CM & Futuros Ltda. (ACP Nº 0182218-95.2017.8.19.0001, 1ª VFP).
Cumpre-nos ressaltar que a demanda limita-se a registrar e imputar condutas
decorrentes das operações efetuadas pela Intermediária LAETA S/A DTVM, atinentes àqueles que obtiveram lucros nos negócios com “ajustes do dia” positivos em
detrimento da PRECE.
Neste cenário, a demanda não inclui eventuais agentes, sejam diretores, gestores,
pessoas físicas ou jurídicas, que não tenham auferido lucro em detrimento do Fundo da PRECE. Justifica-se porque não se trata de imputação subjetiva, mas sim se
responsabiliza aqueles que atuaram em conluio visando lucro para si ou para outrem,
independentemente da atuação de gestor ou diretor.
Sendo assim, a inicial tem por base as conclusões da Comissão de Valores Mobiliários, do IACVM Nº 06/2012, porém não cuida da parte administrativa
extrajudicial, cabendo ao Ministério Público Estadual perseguir a reparação do dano ao
erário decorrente das operações irregulares na BM&F, as quais caracterizam conduta
ímproba.
A investigação da CVM não se limitou na análise de existência de concentração
de resultados positivos dos clientes que operavam utilizando a estratégia de day trade2,
visto que se cuida de investigação administrativa.
2 “DAY TRADE”. Consiste na compra e venda, no mesmo dia, da mesma quantidade de contratos para o mesmo vencimento, liquidando-se automaticamente quando realizada em nome do mesmo comitente por intermédio da mesma corretora, sob a responsabilidade do mesmo Membro de Compensação. Dessa forma, por se tratar
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Acertadamente, buscou traçar vínculos, direto e indireto, entre o
investidor/investigado e alguém relacionado à gestão do Fundo ou aos intermediários responsáveis pelas operações realizadas, que contribuíssem para descumprimento de
norma administrativa do Mercado de Valores Mobiliários.
Embora para alguns comitentes a quantidade de operações e a baixíssima
probabilidade de alcançar taxas de sucesso 3 constatadas sejam matematicamente demonstráveis, procurou-se expor a existência de esquemas que utilizavam os Fundos
da PRECE como “seguro” (Operações com seguro4).
de negócios realizados no mesmo dia, tanto o resultado da compra ou venda quanto o Day trade são apurados por meio de “ajuste do dia”. 3 “TAXA DE SUCESSO”. Um dos parâmetros a ser utilizado na análise de “operações com seguro” é a taxa de sucesso das operações day trade do comitente sob investigação. A taxa de sucesso compara o número de pregões em que o comitente obteve “ajuste do dia” positivo com o número de pregões em que ele negociou. A razão da importância desse parâmetro, particularmente se conjugado à informação sobre o número de pregões em que o comitente negociou, advém da resposta à inquirição de qual a probabilidade de ganhos repetidos e frequentes em vários pregões serem de fato aleatórios, e não fruto de um arranjo intencional. No caso de um investidor hipotético que tivesse participado de 100 pregões, com sucesso em 98 deles (taxa de sucesso de 98%), teríamos que a probabilidade desse evento acontecer seria de 4950/2100=0,000000000000000000000000390. Invertendo este número, temos proporção 1 para 257 x 1024, ou 1 para 257.000.000.000.000.000.000.000.000. Evidentemente, esta sequência de ganhos de tal investidor não poderia ser fruto do acaso. O que este número mostra é que seria impossível, na experiência prática, se lançar uma moeda para cima 100 vezes e se obter 98 caras ou 98 coroas – a moeda teria de estar viciada. Comparativamente, a chance de ganhar a Mega Sena, da CEF, quando se faz a aposta mínima, em seis números, é de cerca de 1 em 50 milhões. Assim, mesmo que esse comitente hipotético seja uma pessoa com alto conhecimento técnico, a própria natureza do mercado, em que para alguém ganhar, outro deve necessariamente perder, faz com que a chance de tal taxa de sucesso ocorrer seja praticamente nula, a menos que alguma fraude ou prática não equitativa esteja acontecendo. 4 “OPERAÇÕES COM SEGURO”. No âmbito da CVM, convencionou-se utilizar a expressão “operações com seguro” às irregularidades nas quais aos comitentes beneficiários do esquema são atribuídos os negócios com “ajustes do dia” positivos e à fundação prejudicada, ou a seus Fundos exclusivos, são atribuídos os negócios com “ajustes do dia” negativos. Na “operação com seguro”, os negócios favoráveis são direcionados aos comitentes beneficiados, após se ter conhecimento prévio do resultado que as operações day trade gerariam, não incorrendo aquele grupo de clientes em qualquer tipo de risco. No sentido inverso, os negócios desfavoráveis são atribuídos para a entidade que exerce a função de “seguro” das operações, ou seja, “assume” os negócios que sabidamente não resultariam em day trades positivos para os beneficiários do esquema. Exemplificando, determinado comitente (uma pessoa natural ou jurídica não financeira), com auxílio de uma ou mais pessoas ligadas à corretora, realiza uma operação de compra ou de venda durante o pregão. Tais ordens, de venda ou de compra, são executadas sem a prévia indicação ou especificação dos comitentes. Após a ordem inicial, caso o comportamento do mercado seja favorável, ou seja, alta de preços após a compra inicial ou baixa de preços após a venda inicial, fecha-se um negócio em sentido contrário (day trade) contra o mercado, sendo as ordens e os negócios que delas decorreram, então, atribuídos às pessoas beneficiárias do “esquema”. Alternativamente, caso a evolução dos preços seja desfavorável, a ordem inicialmente dada e os negócios dela decorrentes são atribuídos a um investidor institucional “garantidor”, no caso, a PRECE, que carregava a posição e assume o ajuste negativo daquele pregão (A Resolução nº 2.829/01, do Conselho Monetário Nacional, em seu Regulamento Anexo, art. 61, inciso II, vedou a realização de operações do tipo day trade por parte das entidades fechadas de previdência privada). 5 Definições do Mercado BM&F. Siglas DI1: Taxa de Juros de 1 Dia; IND: Índice Bovespa; DOL: Dólar Americano.
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Diante do grande volume de negócios e pessoas envolvidas, entendeu-se melhor
separar por grupo as operações de mercado, por INTERMEDIÁRIA/CORRETORA, visando individualizar a conduta de cada demandado. É o que se passa a demonstrar.
VI - DOS NEGÓCIOS DA INTERMEDIÁRIA LAETA S/A DTVM
No período de 01/11/03 e 31/03/06, por intermédio da LAETA, os Fundos
exclusivos da PRECE sofreram as maiores perdas nos “ajustes do dia” em negócios
com contratos futuros na BM&F, estando esta corretora no cerne de todo o esquema de
“operações com seguro” relatado no IACVM Nº 06/2012.
O esquema também se difundiu pelas corretoras/distribuidoras Novação,
Novinvest, Ativa, Ficsa, Ativa e outras, que serão tratadas em ação própria.
No período entre 01.11.03 e 31.03.05, os Fundos da PRECE sofreram “ajustes do dia“ negativos, conforme destacado abaixo:
Comitente Mercado Período Ajustes do dia R$ Tx. de sucesso
Flushing Meadow DOL 27.11.03 a 14.03.05 281.817,50 48%
Roland Garros DOL 01.04.04 a 31.08.04 615.715,75 41%
Hamburg IND 03.11.03 a 22.03.05 8.297.310,00 11%
Stuttgart IND 14.11.03 a 17.03.05 7.590.255,00 17%
Total/Ajustes do dia 16.785.098,25
Por outro lado, observou-se que, no mesmo período (01.11.03 e 31.03.05), alguns
comitentes obtiveram ganhos frequentes, em negócios nos mercados futuros da BM&F
intermediados pela LAETA, a saber:
Comitente Mercado Período/Negociação Ajustes do dia Tx. sucesso
Allegro CV IND 07.11.03 a 18.02.04 1.252.230,00 85%
Arthur Camarinha IND 12.11.03 a 22.01.04 1.495.125,00 100%
Arthur Camarinha DOL 19.11 a 16.12.03 113.200,00 100%
Eduardo Cunha IND 14.04.04 a 01.12.04 494.490,00 83%
Eduardo Cunha DOL 27.04.04 a 25.02.05 422.900,00 100% Global Trend Investment IND 16.02.04 a 22.03.05 12.972.735,00 75% Global Trend Investment DOL 17.02.04 a 17.03.05 7.252.904,00 82%
José Carlos Batista IND 03.11.03 a 26.01.04 542.025,00 100%
José Carlos Romero
Rodrigues
IND
23.01.04 a 12.02.04
638.400,00
100%
José Carlos Romero
Rodrigues
DOL
27.01 a 17.02.04
326.250,00
100%
Lúcio Bolonha Funaro IND 13.11.03 a 20.01.05 381.930,00 68%
Lúcio Bolonha Funaro DOL 27.11.03ª 25.02.05 338.856,25 76% Sergio Guaraciaba IND 10.11.03 a 16.03.05 190.125,00 89%
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Sergio Guaraciaba DOL 17.11.03 a 10.03.05 393.042,75 83%
Francisco José Magliocca DOL 11.12.03 a 27.07.04 290.125,00 95%
Francisco José R. Lunardi DOL 16.12.03 a 28.09.04 66.075,00 75%
Guilherme Simões de
Moraes
DOL
25.06.04 a 28.09.04
153.562,50
100%
Total 27.323.975,50
Passa-se individualizar os comitentes beneficiados com os negócios da
Intermediária LAETA.
VII – DOS COMITENTES BENEFICIADOS NOS NEGÓCIOS DA INTERMEDIÁRIA LAETA
Constatou-se que 5 (cinco) comitentes obtiveram 100% de sucesso em suas operações day trade em pelo menos um dos mercados em que atuaram, bem assim que
6 (seis) comitentes alcançaram sucesso acima dos 70%, obtendo lucro bruto de
R$27.323.975,50 em “ajustes do dia”. Logo, somente um esquema irregular de
distribuição de negócios na LAETA seria capaz de justificar o ocorrido, quer dizer, o
ganho elevado de sucesso nas operações no mercado de valores.
Foram identificados os clientes que se beneficiaram das operações com seguro
dentro da LAETA os demandados EDUARDO COSENTINO DA CUNHA, LÚCIO
BOLONHA FUNARO, SERGIO GUARACIABA MARTINS REINAS, JOSÉ
CARLOS ROMERO RODRIGUES, ARTHUR CAMARINHA, JOSÉ CARLOS BATISTA, FRANCISCO JOSÉ MAGLIOCCA, FRANCISCO JOSÉ RODRIGUEZ
LUNARDI e GUILHERME SIMÕES DE MORAES.
Dessa forma, far-se-á registro da conduta individual de cada
comitente/beneficiário, bem assim apontando as características dos negócios e os vínculos existentes entre os operadores e beneficiários do esquema.
VII.1) DO DEMANDADO EDUARDO COSENTINO DA CUNHA
No período de 14.04.04 a 25.02.05, negociou nos mercados de IND e DOL da
BM&F5, por intermédio da LAETA, obtendo resultados expressivos nos “ajustes do
dia”.
MERCADO IND:
Série Data Compra Venda “Ajuste do dia”R$
Abr-04 14/04/04 255 255 61.650,00
Jun-04 14/04/04 250 250 110.700,00
Jun-04 15/04/04 760 760 36.450,00
5 Definições do Mercado BM&F. Siglas DI1: Taxa de Juros de 1 Dia; IND: Índice Bovespa; DOL: Dólar Americano.
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Jun-04 16/04/04 160 160 79.200,00
Jun-04 26/04/04 300 300 54.000,00
Jun-04 19/05/04 20 20 8.400,00
Jun-04 25/05/04 150 150 41.250,00
Ago-04 17/06/04 385 385 35.700,00
Ago-04 18/06/04 130 130 29.700,00
Ago-04 23/06/04 150 150 49.500,00
Dez-04 25/11/04 10 - 5.880,00
Dez-04 01/12/04 20 - 1.140,00
Total – “Ajustes do dia” R$ Taxa de Sucesso Tx. de Sucesso Financeiro
494.490,00 83% 98%
Considerando cada pregão como sendo os negócios realizados na mesma data com a mesma série, observa-se que, apenas em 01/12/04, série dez-04, não houve
negócios de EDUARDO CUNHA com o Hamburg ou Stuttgart, sendo relevante
destacar que, curiosamente, estes foram os pregões em que EDUARDO CUNHA não
obteve ganho nos “ajustes do dia”.
A tabela a seguir demonstra os resultados obtidos por EDUARDO CUNHA e
pelos Fundos Stuttgart e Hamburg, no mercado IND.
MERCADO IND:
Comitente Série Data Compra Venda “Ajustes do dia”R$
Eduardo Cunha Abr-04 14/04/04 255 255 61.650,00
Stuttgart Abr-04 14/04/04 350 - 72.900,00
Eduardo Cunha Jun-04 14/04/04 250 250 110.700,00
Stuttgart Jun-04 14/04/04 - 350 181.200,00
Eduardo Cunha Jun-04 15/04/04 760 760 36.450,00
Stuttgart Jun-04 15/04/04 350 - 518.700,00
Hamburg Jun-04 15/04/04 50 - 63.750,00
Eduardo Cunha Jun-04 16/04/04 160 160 79.200,00
Stuttgart Jun-04 16/04/04 - 100 90.600,00
Hamburg Jun-04 16/04/04 - 70 37.470,00
Eduardo Cunha Jun-04 26/04/04 300 300 54.000,00
Hamburg Jun-04 26/04/04 40 - 33.360,00
Eduardo Cunha Jun-04 19/05/04 20 20 8.400,00
Hamburg Jun-04 19/05/04 30 - 19.170,00
Eduardo Cunha Jun-04 25/05/04 150 150 41.250,00
Hamburg Jun-04 25/05/04 20 - 2.220,00
Eduardo Cunha Ago-04 17/06/04 385 385 35.700,00
Stuttgart Ago-04 17/06/04 200 - 9.300,00
Hamburg Ago-04 17/06/04 - 20 2.580,00
Eduardo Cunha Ago-04 18/06/04 130 130 29.700,00
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Stuttgart Ago-04 18/06/04 85 - 17.865,00
Eduardo Cunha Ago-04 23/06/04 150 150 49.500,00
Hamburg Ago-04 23/06/04 - 100 105.450,00
Eduardo Cunha Dez-04 25/11/04 10 - 5.880,00
Stuttgart Dez-04 25/11/04 - 50 6.900,00
Hamburg Dez-04 25/11/04 - 30 22.440,00
Eduardo Cunha Dez-04 01/12/04 20 - 1.140,00
A análise dos negócios de EDUARDO CUNHA no mercado IND demonstra que
somente foram possíveis os ganhos em virtude da utilização dos Fundos exclusivos da PRECE, Stuttgart e Hamburg, como um “seguro” para seus negócios.
Os ganhos no mercado IND de EDUARDO CUNHA totalizam R$ 494.490,00,
com taxa de sucesso de 83% e taxa de sucesso financeiro6 de 98%, sendo todos os
negócios realizados pela LAETA, não se obtendo qualquer justificativa para tal ganho e taxas tão elevadas.
Em relação aos negócios no mercado de DOL, verifica-se que os “ajustes do dia”
obtidos por EDUARDO CUNHA decorreram dos Fundos exclusivos da PRECE ou
pela Teletrust7 como “seguro” para os seus negócios, conforme tabela a seguir: Comitente Série Data Compra Venda “Ajustes do dia”R$
Eduardo Cunha Mai-04 27/04/04 100 100 30.000,00
Roland Garros Mai-04 27/04/04 - 5 84,75
Eduardo Cunha Jun-04 28/05/04 50 50 42.000,00
Roland Garros Jun-04 28/05/04 - 10 1.508,00
Eduardo Cunha Jun-04 28/05/04 50 50 42.500,00
Roland Garros Jun-04 28/05/04 20 - 1.234,00
Eduardo Cunha Ago-04 25/06/04 100 100 13.500,00
Roland Garros Ago-04 25/06/04 20 - 5.703,00
Eduardo Cunha Jun-04 25/06/04 100 100 22.500,00
6 TAXA DE SUCESSO FINANCEIRO. Muitas vezes, a taxa de sucesso financeiro mostra-se alta, mas não absurdamente elevada. Todavia, ainda assim ocorre a “operação com seguro”. Isto porque muitos operadores da irregularidade ora abordada, com o objetivo de não apresentarem altas taxas de sucesso e assim serem eventualmente investigados pela CVM, propositalmente realizam várias operações Day trade em que apresentam insucesso – com um detalhe importante, entretanto: o prejuízo é pequeno, principalmente se comparado com o ganho obtido nos Day trades com sucesso. Nesse sentido, é relevante a adoção de taxa de sucesso financeiro, a qual compara os ajustes positivos com o total modular de ajustes ocorridos, positivos e negativos: Taxa de sucesso financeiro = total de ajustes do dia positivos (R$)
total de ajustes (R$) 7 TELETRUST DE RECEBÍVEIS S/A. É uma sociedade de propósito específico, que teve seu registro cancelado na CVM em 01.06.05. A TELETRUST foi fundada em 27.06.1996, em São Paulo, constituída por Roberto Cruz Moyses (ex-cunhado de Salvatore Alberto Cacciola), Jorge Gurgel Fernandes Neto e João Afonso da Silveira de Assis (ex-contratados do Banco Marka S/A), bem como Mauro Sérgio de Oliveira. Cabe esclarecer que o MPE-RJ falece de atribuição para investigar as operações da TELETRUST.
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Flushing Meadow Jun-04 25/06/04 50 - 7.742,50
Eduardo Cunha Ago-04 28/06/04 100 100 75.500,00
Flushing Meadow Ago-04 28/06/04 150 130 270.640,00
Eduardo Cunha Ago-04 26/07/04 100 100 47.500,00
Flushing Meadow Ago-04 26/07/04 50 50 97.715,00
Eduardo Cunha Jan-05 22/11/04 120 120 47.400,00
Teletrust Jan-05 22/11/04 220 220 75.750,00
Eduardo Cunha Fev-05 28/01/05 200 200 50.000,00
Teletrust Fev-05 28/01/05 800 800 428.500,00
Eduardo Cunha Abr-05 25/02/05 100 100 27.000,00
Eduardo Cunha Mar-05 25/02/05 100 100 25.000,00
Teletrust Mar-05 25/02/05 160 160 51.500,00
Enumeram-se os ganhos obtidos por EDUARDO CUNHA no MERCADO DOL:
Série Data Compra Venda “Ajustes do dia”R$
Mai-04 27/04/04 100 100 30.000,00
Jun-04 28/05/04 50 50 42.000,00
Jun-04 28/05/04 50 50 42.000,00
Jul-04 25/06/04 100 100 22.500,00
Ago-04 25/06/04 100 100 13.500,00
Ago-04 28/06/04 100 100 75.500,00
Ago-04 26/07/04 100 100 47.500,00
Jan-05 22/11/05 200 200 47.400,00
Fev-05 28/01/05 200 200 50.000,00
Abr-05 25/02/05 100 100 27.000,00
Mar-05 25/02/05 100 100 25.000,00
Total –“Ajustes do dia” R$ Taxa de Sucesso Tx. de Sucesso Financeiro
422.900,00 100% 100%
A comissão da CVM indagou sobre os negócios intermediados pela LAETA, no
mercado DOL, em que obteve um ganho de R$ 422.900,00 e taxa de sucesso de 100%,
declarando EDUARDO CUNHA que “as operações foram pinçadas pela autarquia”.
A conclusão não poderia ser outra senão rechaçar por completo sua defesa, uma
vez que tal justificativa não procede em razão das operações analisadas terem sido day
trade no mercado DOL.
É de se notar que os “ajustes do dia” obtidos nos negócios no mercado DOL e a
taxa de sucesso nos negócios IND obtidos por EDUARDO CUNHA decorrem da sua
ligação com os dirigentes da CEDAE e do vínculo com LÚCIO BOLONHA
FUNARO.
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
20
Perante a CVM, EDUARDO CUNHA limitou-se a informar que mantinha
contato com dirigentes da CEDAE por ser Deputado Federal, enquanto que em relação a LÚCIO FUNARO disse que era apenas seu conhecido.
No entanto, a CVM mencionou no IACVM nº 06/12 que o vínculo entre
EDUARDO CUNHA e LÚCIO FUNARO era patente, registrando diversas
reportagens apontando o vínculo de ambos, tais como na Revista Época, Revista Isto É, Jornal O Globo e Revista Veja (fs. 747/748).
Sobre os motivos que o levou a ser cliente da LAETA, declarou que não houve
motivo, não se recordando como a LAETA lhe foi apresentada.
A CVM constatou forte vínculo entre LÚCIO FUNARO e a LAETA, assim como
vínculo íntimo entre LÚCIO FUNARO e EDUARDO CUNHA, devendo ser
ressaltado que ambos obtiveram taxas de sucesso elevadíssimas operando por meio da
LAETA.
As declarações dos demandados (EDUARDO CUNHA e LÚCIO FUNARO),
quando somadas ao Relatório de Auditoria elaborado pela BM&F em 19/07/2004,
evidenciam algumas características do relacionamento que LÚCIO FUNARO e suas
sociedades (Erste Banking e Royster Serviços S.A.) mantinham com a LAETA.
Segundo o documento, ambas as sociedades apresentaram volumes de negócios
bastante expressivos e, ao mesmo tempo, incompatíveis com as impropriedades nas
liquidações financeiras realizadas em nome de LÚCIO FUNARO e suas sociedades, e
também falha na retenção de Imposto de Renda por LÚCIO FUNARO.
Resta claro o forte vínculo existente entre LÚCIO FUNARO e a LAETA, a
despeito de sua tentativa em desconstituir este vinculo, apontando-o como mera
relação cliente/corretora.
VII.2) DO DEMANDADO LÚCIO BOLONHA FUNARO
É de se ver que o demandado LÚCIO BOLONHA FUNARO, no período de
27.11.03 a 25.02.05, negociou nos mercados de IND e DOL da BM&F, por intermédio
da LAETA, obtendo resultados expressivos nos “ajustes do dia”.
MERCADO IND:
Série Data Compra Venda “Ajustes do dia”R$
Dez-03 13/11/03 30 30 1.500,00
Dez-03 17/11/03 85 85 4.050,00
Fev-04 23/12/03 100 100 5.700,00
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
21
Fev-04 26/12/03 30 30 8.550,00
Fev-04 30/12/03 20 20 7.200,00
Fev-04 22/01/04 50 50 37.500,00
Fev-04 04/02/04 25 25 900,00
Fev-04 11/02/04 25 25 4.350,00
Abr-04 15/03/04 160 110 1.800,00
Abr-04 16/03/04 50 50 1.500,00
Abr-04 18/03/04 100 140 2.160,00
Abr-04 19/03/04 5 5 300,00
Abr-04 23/03/04 50 10 3.450,00
Abr-04 24/03/04 - 30 7.860,00
Abr-04 25/03/04 10 30 9.480,00
Abr-04 26/03/04 10 10 300,00
Jun-04 19/04/04 50 - 1.800,00
Jun-04 20/04/04 30 20 47.670,00
Jun-04 26/04/04 250 250 225.000,00
Jun-04 27/04/04 300 300 33.000,00
Jun-04 29/04/04 10 - 1.740,00
Jun-04 26/05/04 10 - 3.450,00
Ago-04 16/06/04 50 - 15.450,00
Ago-04 20/07/04 25 25 2.400,00
Ago-04 22/07/04 70 70 21.450,00
Ago-04 27/07/04 25 - 3.075,00
Ago-04 03/08/04 10 10 900,00
Ago-04 11/08/04 5 5 450,00
Ago-04 12/08/04 85 85 33.375,00
Out-04 02/09/04 50 50 29.100,00
Out-04 03/09/04 55 55 12.450,00
Dez-04 21/10/04 10 - 1.500,00
Dez-04 25/11/04 - 10 5.880,00
Dez-04 01/12/04 10 - 570,00
Dez-04 07/12/04 - 10 90,00
Fev-05 10/01/05 20 20 25.800,00
Fev-05 20/01/05 50 50 16.500,00
Total – “Ajustes do dia” R$ Taxa de Sucesso Tx. de Sucesso Financeiro
381.930,00 68% 82%
MERCADO DOL:
Série Data Compra Venda “Ajustes do dia”R$
Jan-04 27/11/03 15 15 8.025,00
Fev-04 22/12/03 20 20 4.700,00
Jan-04 22/12/03 20 20 4.500,00
Jan-04 23/12/03 20 20 10.000,00
Abr-04 30/03/04 10 10 6.000,00
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
22
Jun-04 20/05/04 - 5 1.643,00
Jun-04 24/05/04 5 - 974,25
Jul-04 28/06/04 10 - 750,00
Jul-04 30/06/04 - 10 250,00
Out-04 01/09/04 200 200 22.000,00
Out-04 03/09/04 250 250 22.500,00
Out-04 09/09/04 100 100 6.500,00
Nov-04 01/10/04 150 150 68.500,00
Nov-04 04/10/04 100 100 61.500,00
Fev-05 21/12/04 10 10 700,00
Fev-05 28/01/05 100 100 80.000,00
Mar-05 25/02/05 100 100 55.000,00
Total –“Ajustes do dia” R$ Taxa de Sucesso Tx. de Sucesso Financeiro
338.856,25 76% 98%
À época, LÚCIO FUNARO era sócio-gerente da Erste Banking
Empreendimentos, Intermediações e Participações Ltda., atualmente Stockolos
Avendis EB Empreendimentos, Intermediações e Participações Ltda., sendo sócio de
RENATO LUCIANO GALLI, então operador da mesa da corretora Fair.
Este intermediário era representante legal do investidor estrangeiro Allegro CV,
um dos comitentes que, a exemplo da Erste Banking, figurou entre os beneficiários nas
“operações com seguro”.
No período de 1999 a 2002, LÚCIO FUNARO foi sócio majoritário da
Guaranhuns Empreendimentos, Intermediações e Participações S/C Ltda. (Guaranhuns
Empreendimentos8), cuja participação na sociedade foi alienada, posteriormente, em
favor de JOSÉ CARLOS BATISTA, um dos comitentes beneficiados nas “operações
com seguro”, o que demonstra o vínculo entre eles.
A Erste Banking, outra das sociedades pertencentes a LÚCIO FUNARO,
também foi apontada no relatório final da CPMI dos Correios como uma das
repassadoras de recursos do esquema denominado “valerioduto”, figurando como
intermediadora de cheques emitidos em favor da Guaranhuns Empreendimentos que
eram, posteriormente, destinados a um determinado partido político.
Na seção 9.7.6 (“Esquemas e Grupos Organizados”) do relatório final da CPMI
dos Correios 9 , concluiu-se que LÚCIO FUNARO “foi um dos operadores do
8 Guaranhuns Empreendimentos. Empresa constituída em 08.01.1999 por Lúcio Bolonha Funaro e José Roberto Funaro, os quais se retiraram da sociedade em 30.01.2002. 9 Importante registrar que Lúcio Funaro e José Carlos Batista foram réus em processo decorrente de desmembramento da Ação Penal nº 470, do STF, que apurou o caso “mensalão”, tendo o juiz substituto da 2ª Vara Criminal de São Paulo reconhecido a ocorrência de crime de lavagem de dinheiro, porém lhe aplicando o
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23
‘mensalão’, estando também à frente da organização criminosa constituída para
sangrar algumas entidades de previdência complementar” (Vol. II, pg. 1488, fl.3520).
Importante ressaltar que a 2ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária de São
Paulo reconheceu a existência de crime de lavagem de dinheiro, contra a
administração pública e contra o sistema financeiro nacional, praticado pelos réus
LÚCIO BOLONHA FUNARO e JOSÉ CARLOS BATISTA (Processo 0007930-53.2008.403.6181).
Sobre seu relacionamento com a LAETA, LÚCIO FUNARO disse à CVM que “o
único relacionamento que teve com a LAETA era comercial, cliente/corretora”.
Importante registrar que no relatório do IACVM 06/12 constam diversas provas
de que LÚCIO FUNARO possuía vínculo com a LAETA, os quais são importantes para
elucidação da sua atuação e dos demais demandados. Colaciona-se (fs. 748/749):
a) Declaração de Morris Safdié, dono da Laeco Asset Management, gestora do
Roland Garros, disse que “Sérgio Guaraciaba Martins Reinas, trabalhava em outra
corretora que ficava no mesmo prédio da LAETA e que não teve nenhum
relacionamento comercial com o mesmo; que Lúcio Bolonha Funaro trabalhava com
Sérgio Guaraciaba”. Ressalte-se que SÉRGIO GUARACIABA trabalhou na LAETA.
b) Declaração de Daniel Navacinsk, operador de mercado com passagens pela
São Paulo e Bônus Banval, no âmbito do IA CVM nº 08/04: “(...) pelo que se sabe e
ouvia no mercado, o Sr. Lúcio [Bolonha Funaro] era ‘dono’ ou ‘sócio’ da corretora
LAETA”.
c) Declaração de Felipe Neira Lauand, no âmbito do IA CVM nº 21/2010: “sabe
quem é Sérgio Guaraciaba Martins Reinas, que trabalhava com um amigo de Luis
Octávio, Lúcio Bolonha Funaro”.
d) Declaração de José Carlos Romero Rodrigues, um dos beneficiários do
esquema apontado neste relatório, que afirmou, sobre negócios realizados em seu
nome em mercados futuros da BM&F, que “se lembra de ter aplicado uma única vez o
valor de R$ 360.000, na oportunidade em que Lúcio Bolonha Funaro esteve em seu
escritório e lhe apresentou uma corretora”. Os negócios de José Rodrigues foram realizados por intermédio da LAETA.
perdão judicial em decorrência de colaboração que teriam prestado ao Ministério Público Federal no decorrer da investigação.
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
24
e) Declaração de Renato Ópice Sobrinho, responsável pela gestão do Hamburg
FITVM: “conhece Lúcio Bolonha Funaro de mercado, provavelmente da LAETA; que seu relacionamento com ele era de cliente da LAETA”.
Sobre os negócios com “ajustes do dia” elevadíssimos, LÚCIO FUNARO disse
na CVM que “operava por vários comitentes em várias corretoras e não pode comentar
essa afirmação, pois não sabe se o resultado líquido foi esse e nem se a taxa de sucesso foi essa; que, em decorrência da investigação feita pela sub-relatoria de fundos da
CPMI dos Correios, preparou um mapa de todas as operações realizadas no período de
2002 até 2004, auditado pela KPMG, cópia do qual se compromete a entregar a esta
CVM até o dia dez de abril” (f. 751).
Acontece que LÚCIO FUNARO não entregou o tal documento mencionado no
parágrafo anterior.
É forçoso concluir que o demandado LÚCIO FUNARO possuía envolvimento com a LAETA, relacionamento que ia além da relação cliente/corretora, bem como que
possuía uma relação profissional com SÉRGIO GUARACIABA, operador da LAETA.
VII.3) DO DEMANDADO SÉRGIO GUARACIABA MARTINS REINAS
O demandado SÉRGIO GUARACIABA MARTINS REINAS, no período de
10.11.03 a 16.03.05, negociou nos mercados de IND e DOL da BM&F, por intermédio
da LAETA, obtendo resultados expressivos nos “ajustes do dia”, totalizando o valor de
R$ 190.125,00 e 393.042,75, respectivamente.
MERCADO IND:
Mês Total de pregões com “ajuste
do dia” positivo
Total de pregões com “ajuste
do dia” negativo
“ajuste do dia”R$
Nov-03 9 1 6.075,00
Dez-03 11 0 16.425,00
Jan-04 4 1 1.650,00
Fev-04 3 1 1.800,00
Mar-04 6 0 1.350,00
Abr-04 0 0 0
Mai-04 1 0 300,00
Jun-04 6 3 13.350,00
Jul-04 9 1 8.250,00
Ago-04 7 0 6.900,00
Set-04 7 0 10.500,00
Out-04 12 0 24.000,00
Nov-04 10 0 28.500,00
Dez-04 8 0 36.975,00
Jan-05 8 0 23.250,00
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
25
Fev-05 3 1 6.000,00
Mar-05 2 0 4.800,00
Total – “Ajustes do dia” R$ Taxa de Sucesso Tx. de Sucesso Financeiro
190.125,00 89% 95%
MERCADO DOL:
Mês Total de pregões com
“ajuste do dia” positivo
Total de pregões com
“ajuste do dia” negativo
“ajuste do dia”R$
Nov-03 6 0 91.750,00
Dez-03 5 0 59.800,00
Jan-04 6 1 59.087,50
Fev-04 1 1 670,25
Mar-04 8 0 37.433,75
Abr-04 4 2 12.345,25
Mai-04 2 0 32.800,00
Jun-04 1 0 22.000,00
Jul-04 1 0 15.750,00
Ago-04 3 1 12.471,50
Set-04 1 1 18.500,00
Out-04 2 0 19.450,00
Nov-04 2 0 4.625,00
jan-05 1 0 3.450,00
Fev-05 1 0 3.450,00
Mar-05 0 1 250,00
Total –“Ajustes do dia” R$ Taxa de Sucesso Tx. de Sucesso Financeiro
393.042,75 83% 96%
O próprio demandado declarou que trabalhava na LAETA como operador
autônomo, trabalhando na mesa de BM&F, bem assim que negociou na mesma época
no Stuttgart, os quais resultaram “ajustes do dia” positivos no valor de R$ 15.900,00
para SÉRGIO e negativos de R$ 291.150,00 para o Fundo Stuttgart.
Nesta mesma época, LÚCIO FUNARO e a Global Trend atuaram nos negócios
de mercado IND, série ago/04, intermediados pela LAETA, nos quais obtiveram
“ajustes do dia” positivos.
Importante esclarecer que SÉRGIO GUARACIABA prestou declarações na
CVM, nos autos do IA CVM nº 06/12, que constituem prova suficiente para elucidar
sua atuação no mercado em detrimento dos Fundos da PRECE.
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
26
Segundo SÉRGIO GUARACIABA (f. 754):
“que, no período de novembro de 2003 a março de 2006, trabalhou
na Laeta, como operador autônomo, trabalhando na mesa BM&F,
embora não sabia precisar se foi também durante 2006”.
“Que, na Quality CCTVM, foi corretor autônomo de 2000 até 2002”.
“trabalhou como autônomo na Novinvest, embora não sabia precisar
se foi em 2005 ou 2006”.
“que conhece, há muito tempo, de mercado, Francisco José
Rodrigues Lunardi e Lúcio Bolonha Funaro, embora tenha baixo grau
de relacionamento com eles; que não se recorda se eles davam ordens
em nome dos fundos citados; que conhece Eduardo Cunha
exclusivamente pela mídia”.
“conhece Paulo Alves Martins do tempo em que este trabalhou na
Quality, por volta do ano 2000, mas não tem relacionamento com
ele”.
“Atribui o seu desempenho na obtenção de ‘ajustes do dia’ em
mercado futuro de DOL e IND na BM&F, operando por intermédio
da Laeta, no período de 01 de novembro de 2003 a 31 de março de
2005, ao momento”.
Demonstra-se a seguir as operações do dia 16.06.04, do Stuttgart, no mercado
IND, por SÉRGIO GUARACIABA:
Comitente Hora do
Negócio
Hora da
especificação
Tipo Quantidade
de Contratos
Cotação do
Negócio
“Ajuste do
dia”R$
Stuttgart 10:24 18:25 V 50 20.530.000 48.450,00
Stuttgart 10:24 18:25 V 15 20.560.000 13.185,00
Stuttgart 10:32 18:25 V 30 20.520.000 298.970,00
Stuttgart 10:32 18:25 V 20 20.550.000 18.180,00
Stuttgart 10:32 18:25 V 20 20.550.000 18.180,00
Stuttgart 10:53 18:25 V 30 20.550.000 27.270,00
Stuttgart 10:53 18:25 V 15 20.520.000 14.985,00
Stuttgart 10:56 18:25 V 5 20.520.000 4.995,00
Sérgio
Guaraciaba
11:06
15:14
C
5
20.580.000
4.095,00 Sérgio
Guaraciaba
11:08
15:14
C
10
20.590.000
7.890,00 Sérgio Guaraciaba
11:08
15:14
C
40
20.580.000
32.760,00
Stuttgart 11:16 18:25 V 50 20.520.000 49.950,00
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
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Stuttgart 11:17 18:25 V 50 20.510.000 51.450,00
Stuttgart 11:17 18:25 V 15 20.530.000 14.535,00
Sérgio
Guaraciaba 11:26 15:14 C 5 20.580.000 4.095,00
Sérgio
Guaraciaba
11:07
12:31
C
60
20.670.000
32.940,00 Stuttgart 10?24 18:25 V 50 20.530.000 48.450,00
Observa-se que ao longo do dia foram realizadas diversas operações de compra e
venda no mercado de IND série ago/04. Conforme andamento do mercado verificou-se que havia uma tendência de alta nas cotações deste ativo, assim, as operações de
compra, inicialmente, foram atribuídas a SÉRGIO GUARACIABA e as de venda, ao
Stuttgart. Vê-se, ainda, que SÉRGIO GUARACIABA obteve cotação mais alta do que
todas as vendas realizadas pelo Stuttgart.
Importante ressaltar que em 16 de junho de 2004 já vigoravam as regras das
“janelas de especificação” dos negócios da BM&F, segundo as quais as operações
realizadas até 11h30m59s deveriam ser atribuídas até 12h30m. Porém, não foi o que
ocorreu com os negócios de compra de SÉRGIO GUARACIABA, que realizados entre
11h06m e 11h26m, foram atribuídos a este comitente apenas às 15h14m10.
Procedendo-se à análise dos negócios do investidor estrangeiro Allegro CV, no
período de 07.11.03 a 18.02.04, constatou-se o lucro de R$ 1.252.230,00 em “ajustes
do dia”, com taxa de sucesso de 85% e de sucesso financeiro de 96%.
Nos negócios intermediados pela LAETA observou-se que os ganhos do Allegro
só foram possíveis a partir da utilização do esquema de “operações com seguro”, em
que os negócios favoráveis eram direcionados a esse comitente (Allegro), após se ter
conhecimento prévio do resultado que as operações day trade gerariam, não
incorrendo em qualquer tipo de risco. No sentido inverso, os negócios desfavoráveis eram atribuídos aos Fundos exclusivos da PRECE: Stuttgart e Hamburg.
10 A BM&F adotou o sistema de “janelas” para especificação de comitentes, em razão da orientação contida no art. 11 da Deliberação da 457ª Sessão do Conselho de Administração da BM&F, editada em atendimento à Instrução CVM nº 387/03. Com a nova regra, a especificação de comitente final de um negocio na BM&F passou a ser exigida ao longo do dia de realização do negocio (“D+0”), em sete intervalos pré-estabelecidos denominados “janelas”, conforme quadro a seguir:
HORÁRIO DE REALIZAÇÃO DO NEGÓCIO HORÁRIO DA ESPECIFICAÇÃO
ATÉ ÀS 11:30:59H ATÉ 12:30H
DE 11:31:00 A 13:00:59H ATÉ 14:00H
DE 13:01:00 A 15:00:59H ATÉ 16:30H
DE 15:31:00 A 17:00:59H ATÉ 18:00H
DE 17:01:00H ATÉ 19:30H
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
28
Destaca-se além do vínculo de SÉRGIO GUARACIABA com LÚCIO
FUNARO, os vínculos dele com a Laeta, Quality e PAULO ALVES MARTINS, este gerente de investimentos da PRECE, que se registra (fs. 755/756):
VÍNCULO COM A LAETA
“Declaração de Sérgio Guaraciaba: entre novembro de 2003 e março
de 2006 ‘trabalhava na Laeta, como operador autônomo, trabalhando
na mesa de BM&F, embora não saiba precisar se foi também durante
2006”.
RESPONSÁVEL PELOS NEGÓCIOS DO ALLEGRO CV, BENEFICIÁRIO DO ESQUEMA
“Cópia de mandato, redigido em inglês, pelo qual o Allegro CV,
representada na Holanda por Docklands Investment Limited
(mananging partner), constitui Sérgio Guaraciaba Martins Reinas
como responsável pela administração dos ativos pertencentes à
Allegro CV no Brasil, entre outras atribuições”.
RESPONSÁVEL PELOS NEGÓCIOS DA GLOBAL TREND, BENEFICIÁRIO DO ESQUEMA
“Documento da Global Trend: Por este instrumento de Procuração,
Global Trend Investment LLC, doravante designada outorgante,
sociedade devidamente constituída e existente de acordo com as leis
do estado de Delaware, Condado de New Castle, Estado de
Delaware, neste ato representada, conforme estipulado no seu Acordo
Operacional, por sua acionista que assina este instrumento, Sr. Sérgio
Guaraciaba Martins Reinas, Presidente de Kerson Business Corp.,
única acionista da Global Trend Investment LLC, por este
instrumento nomeia e constitui seu bastante procurador o Sr. Sérgio
Guaraciaba Martins Reinas ... para representar a Outorgante no
Brasil, tendo os seguintes poderes: (...) Conduzir a operação de
instruções e alocações de fundos que sejam recebidos da outorgante,
com referência à compra e venda de ações, obrigações. Quotas e
valores mobiliários em geral”.
VÍNCULO COM A QUALITY, ADMINISTRADORA DOS FUNDOS DA PRECE
“Declaração de Sérgio Guaraciaba: na Quality CCTVM ‘foi corretor
autônomo de 2000 até 2002”.
VÍNCULO COM PAULO ALVES MARTINS, GERENTE DE INVESTIMENTO DA PRECE
“Declaração de Sérgio Guaraciaba: ‘conhece Paulo Alves Martins do
tempo em que este trabalhou na Quality, por volta do ano 2000”.
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
29
O Allegro CV obteve lucro de R$ 1.252.230,00 em ajustes do dia, com taxa de
sucesso de 85% e de sucesso financeiro de 96%, no mercado IND por intermédio da LAETA, no período de 07.11.03 a 18.02.04, conforme quadro abaixo:
Série Data Compra Venda “Ajustes do dia”R$
Dez-03 07/11/03 280 280 107.400,00
Dez-03 09/12/03 90 90 37.800,00
Dez-03 11/12/03 430 430 186.150,00
Dez-03 15/12/03 40 40 50.400,00
Fev-04 17/12/03 300 300 302.550,00
Fev-04 19/01/04 10 10 9.300,00
Fev-04 19/01/04 10 10 9.300,00
Fev-04 20/01/04 30 30 13.650,00
Fev-04 21/01/04 75 75 21.150,00
Fev-04 22/01/04 260 260 131.550,00
Fev-04 23/01/04 90 90 7.500,00
Fev-04 26/01/04 30 30 41.700,00
Fev-04 27/01/04 30 30 18.600,00
Fev-04 28/01/04 90 90 23.100,00
Fev-04 29/01/04 10 10 36.000,00
Fev-04 30/01/04 10 10 8.700,00
Fev-04 02/02/04 30 30 24.600,00
Fev-04 03/02/04 10 10 13.200,00
Fev-04 04/02/04 15 15 35.175,00
Fev-04 05/02/04 30 30 31.200,00
Fev-04 06/02/04 20 20 59.100,00
Fev-04 09/02/04 40 40 42.450,00
Fev-04 10/02/04 60 60 16.200,00
Fev-04 11/02/04 30 30 70.875,00
Fev-04 13/02/04 50 40 50.760,00
Fev-04 17/02/04 - 10 2.100,00
Abr-04 18/02/04 100 100 27.000,00
Fev-04 18/02/04 - 30 4.680,00
Total 1.252.230,00
Taxa de Sucesso 85%
Tx. Sucesso Financeiro 96%
Os ganhos do Allegro só foram possíveis a partir do esquema de “operações de
seguro”.
O Allegro era um investidor estrangeiro, sediado em Amsterdã, Holanda, cujos
procuradores eram os advogados Antonio Wanis e Elizabeth Haimenis, os quais
constituíram a corretora Fair como representante do referido investidor perante a
Comissão de Valores Mobiliários.
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
30
Em resumo, apurou-se que SERGIO GUARACIABA era o responsável pelos
ativos do Allegro CV no Brasil. Logo, SERGIO GUARACIABA era ao mesmo tempo responsável pela administração dos ativos do Allegro CV no Brasil e operador da
LAETA.
Em relação à Global Trend Investment LLC, pode-se dizer que obteve resultados
mensais nos “ajustes do dia”, nos negócios dos mercados de IND e DOL, realizados pela LAETA, taxa e sucesso financeiro irregular.
Veja a tabela dos negócios da Global, no mercado IND e DOL, por intermédio
da LAETA. As tabelas ilustram os resultados dos negócios expressivos obtidos pela Global Trend, intermediados pela LAETA.
MERCADO IND:
Mês Total de pregões com
“ajuste do dia” positivo
Total de pregões com
“ajuste do dia” negativo
“ajuste do dia”R$
Fev-04 8 1 174.210,00
Mar-04 21 2 1.312.785,00
Abr-04 16 6 1.233.780,00
Mai-04 19 2 2.282.580,00
Jun-04 16 7 417.870,00
Jul-04 17 4 790.680,00
Ago-04 18 6 1.020.540,00
Set-04 16 5 570.645,00
Out-04 16 7 837.990,00
Nov-04 13 7 703.395,00
Dez-04 18 3 1.377.420,00
Jan-05 15 5 1.573.845,00
Fev-05 11 7 341.175,00
Mar-05 9 6 335.820,00
205 68
Total Ajustes do dia Taxa de Sucesso Taxa de Sucesso Financeiro
Mercado IND 12.798.525,00 75% 82%
MERCADO DOL:
Mês Total de pregões com
“ajuste do dia” positivo
Total de pregões com
“ajuste do dia” negativo
“ajuste do dia”R$
Fev-04 5 0 326.125,00
Mar-04 4 3 33.080,50
Abr-04 23 3 272.015,75
Mai-04 17 7 179.215,00
Jun-04 20 5 371.005,75
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Jul-04 16 5 162.764,50
Ago-04 14 1 385.121,00
Set-04 12 2 779.752,00
Out-04 15 1 834.300,00
Nov-04 19 4 1.632.704,50
Dez-04 11 0 1.168.725,00
Jan-05 7 1 1.140.500,00
Fev-05 13 3 49.790,00
Mar-05 3 1 17.384,00
179 36
Total Ajustes do dia Taxa de Sucesso Taxa de Sucesso Financeiro
Mercado DOL 7.252.904,00 82% 86%
Cabe ressaltar duas situações diferentes para a Global Trend. Primeiro, os ganhos
da Global Trend, durante o período de 16.02.04 a 30.03.05, decorreram da utilização das operações dos Fundos exclusivos da PRECE como “seguro” para os seus negócios.
Por segundo, entre 27.10.04 e 28.02.05, os ganhos da Global Trend também estavam
relacionados às perdas da Teletrust (vide nota de rodapé 7).
Negócios no mercado IND:
Comitente Período de Negociação Soma dos “ajustes
do dia” R$
Taxa de
sucesso
Taxa de
sucesso
financeiro
Global Trend 16.02 a 26.10.04 e de 1 a
22.03.05
8.114.400,00 76% 79%
Hamburg 16.02 a 26.0.04 e de 1 a
22.03.05
3.990.990,00 11% 4%
Stuttgart 16.02 a 26.10.04 e de 1 a
22.03.05
6.212.385,00 14% 3%
Global Trend 27.10.04 a 28.02.05 4.858.335,00 70% 88%
Teletrust 27.10.04 a 28.02.05 2.003.475,00 13% 5%
Hamburg 27.10.04 a 28.02.05 2.876.730,00 13% 8%
Stuttgart 27.10.04 a 28.02.05 1.044.135,00 31% 18%
Negócios no mercado DOL:
Comitente Período de
Negociação
Soma dos “ajustes
do dia” R$
Taxa de
sucesso
Taxa de sucesso
financeiro
Global Trend 17.02 a 26.10.04;
1º a 17.03.05
3.173.514,50 81% 80%
Roland Garros 01.04.04 a 31.08.04 615.715,75 41% 26% Flushing Meadow 27.11.03 a 14.03.05 281.817,50 48% 36%
Global Trend 27.10.04 a 28.02.05 4.079.389,50 85% 93%
Teletrust 27.10.04 a 28.02.05 3.820.497,50 9% 3%
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
32
Os ganhos da Global Trend, no período de 27.10.04 a 28.02.05, no mercado
IND, foram de R$ 3.206.501,00 decorrentes das perdas dos Fundos exclusivos da PRECE.
Interessante ressaltar que a Global Trend é um investidor NÃO-RESIDENTE,
situado nos EUA, no Estado de DELAWARE, cujo representante à época dos fatos era
ALEXANDRE ROSA MARGOTTO.
A Global Trend comprovou com documentos, que SÉRGIO GUARACIABA era
seu procurador no Brasil, com procuração juramentada, que resume o consentimento
escrito dos acionistas em substituição à Assembléia de Constituição de Global Trend Investment LLC (fs. 769/772).
As declarações de SÉRGIO GUARACIABA não afastam a sua participação no
esquema, ou seja, que seria a de “atender o cliente nas operações de mercado e o
corepresentante junto à CVM etc.”, porque suas declarações vão de encontro às informações prestadas e documentos apresentados pela Global Trend.
As informações da Global Trend confirmam que o demandado SÉRGIO
GUARACIABA tinha totais poderes para conduzir a operação de instruções e
alocações de Fundos recebidos da outorgante, com referência à compra e venda de ações, obrigações, quotas e valores mobiliários em geral, posto que a única acionista
da Global Trend era a KERSON BUSINESS, cujo presidente era o mesmo SÉRGIO
GUARACIABA.
Sendo assim, não paira dúvida da atuação de SÉRGIO GUARACIABA no esquema ilícito.
VII.4) DO DEMANDADO JOSÉ CARLOS ROMERO RODRIGUES
O demandado JOSÉ CARLOS ROMERO RODRIGUES, em janeiro e fevereiro de 2004, obteve ganhos nos mercados DOL e IND da BM&F, com taxa de sucesso de
100% e lucro de 964.650,00, intermediados pela LAETA.
Mercadoria Série Data Compra Venda “Ajuste do dia”R$
DOL Fev-04 27/01/04 170 170 68.750,00
DOL Fev-04 28/01/04 150 150 27.500,00
DOL Fev-04 29/01/04 140 140 123.500,00
DOL Mar-04 27/01/04 120 120 13.785,00
DOL Mar-04 28/01/04 270 270 62.050,00
DOL Mar-04 29/01/04 10 10 8.075,00
DOL Mar-04 17/02/04 100 100 22.500,00
IND Fev-04 23/01/04 45 45 49.350,00
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
33
IND Fev-04 27/01/04 340 340 185.700,00
IND Fev-04 28/01/04 55 55 40.800,00
IND Fev-04 29/01/04 200 200 153.300,00
IND Fev-04 05/02/04 245 245 118.050,00
IND Fev-04 09/02/04 100 100 58.800,00
IND Fev-04 12/02/04 55 55 32.400,00
Mercadoria Ajustes do dia Taxa de Sucesso
DOL 326.250,00 100%
IND 638.400,00 100%
Total – DOL+IND 964.650,00 100%
O esquema consistia na triangulação nos negócios no mercado de DOL com a
transferência de recursos do investidor Allegro CV para JOSÉ RODRIGUES. O
Allegro CV obtinha “ajustes do dia” positivos no mercado IND, em detrimento dos
Fundos exclusivos da PRECE, e na mesma data ou dias próximos, sofria “ajustes do
dia” negativos, no mercado DOL, para beneficiar pessoas ligadas a LÚCIO BOLONHA FUNARO.
No mercado IND, observou-se que JOSÉ RODRIGUES era um dos beneficiários
do esquema de “operações com seguro”, em detrimento dos Fundos exclusivos da
PRECE: Hamburg e Stuttgart.
A CVM procedeu à oitiva de JOSÉ RODRIGUES, quando a comissão confirmou
sua ligação com LÚCIO FUNARO e com a LAETA (fs. 762/763), sendo suas
declarações de suma importância para elucidação de sua participação nos atos de
improbidade que lhes são imputados:
“nunca exerceu atividade relacionada ao mercado financeiro, que ...
apenas uma vez fez uma aplicação, provavelmente, em 2004”.
“não conhece a Laeta”.
“que conhece Lúcio Bolonha Funaro, socialmente, desde 2000,
através de quem fez a operação no mercado financeiro”.
“Lúcio Bolonha Funaro apresentou a corretora da qual preencheu
uma ficha cadastral em seu escritório; que nesta oportunidade
entregou cerca de R$ 360.000 à corretora, da qual não se lembra o
nome; que nesta operação ganhou cerca de R$ 1.400.00”.
“não conhece nada do mercado financeiro”.
“sobre por quem era feita a transmissão de ordens em seu nome à
Laeta, para operações em mercados futuros da BM&F, no período de
janeiro a fevereiro de 2004, respondeu que “nunca transmitia ordens
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
34
e não sabe quem transmitia as ordens em seu nome e que não se
lembra da Laeta”.
“sobre a estratégia de investimento adotada nas operações realizadas
no mercado futuro de dólar da BM&F, no período de janeiro a
fevereiro de 2004, respondeu que nunca fez este tipo de operação e
não conhece este tipo de mercado”.
“sobre o seu desempenho na obtenção de ‘ajustes do dia’ em mercado
futuro de Dólar Americano e de Ibovespa na BM&F, operando por
intermédio da Laeta, no período de 23 de janeiro a 17 de fevereiro de
2004, com resultado financeiro bruto positivo de R$ 964.650,00 e
taxa de sucesso de 100%, respondeu que não se lembra destas
operações; que se lembra de ter aplicado uma única vez o valor de R$
360.000, na oportunidade em que Lúcio Bolonha Funaro esteve em
seu escritório e lhe apresentou uma corretora; que talvez seja a
corretora Fair; que desta operação recebeu, 20 dias após, R$
1.470.000; que não sabe em quais produtos foram feitas estas
operações; que não entende deste mercado; que, posteriormente, a
corretora chegou a oferecer outras operações, mas o depoente não
quis fazê-las”.
“que já foi julgado por esta operação; que já foi à Polícia Federal
para tratar do mesmo assunto; que a Receita Federal tributou estas
operações”.
“Questionado se conhecia Lúcio Funaro, curiosamente respondeu
que não”.
Consta que o demandado JOSÉ RODRIGUES figurou como investigado no PAS
CVM nº 08/04 por ter efetuado negócios na BM&F no mercado DI-1, por intermédio
da LAETA, por conta da FAIR, em abril de 2003, com ganho de R$ 157.703,00.
Apesar de configurada conduta irregular pela ocorrência de prática não
equitativa, importante frisar que JOSÉ RODRIGUES prosseguiu com a prática no
mercado, conforme demonstrado nesta inicial.
Por tudo isso que as declarações de JOSÉ RODRIGUES confirmam a ligação de LÚCIO BOLONHA FUNARO com a LAETA, e que ele foi um dos principais
articuladores do esquema de realização de negócios que visavam gerar “ajustes do dia”
negativos aos Fundos da PRECE e “ajustes do dia” positivos a determinados clientes
da LAETA.
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
35
VII.5) DO DEMANDADO ARTHUR CAMARINHA
O demandado ARTHUR CAMARINHA, entre novembro/2003 e janeiro/2004,
obteve ganhos nos mercados DOL e IND da BM&F, com taxa de sucesso de 100%,
intermediados pela LAETA.
Resumo dos ganhos de ARTHUR CAMARINHA:
Mercadoria Ajustes do dia Taxa de Sucesso
DOL 113.200,00 100%
IND 1.495.125,00 100%
Total DOL + IND 1.608.325,00 100%
Os ganhos de ARTHUR CAMARINHA no caso do Hamburg são:
Comitente Série Hora do
Negócio
Hora da
especificação
Tipo Quantidade
Contratos
Cotação do
negócio
“Ajuste do
dia”R$
Arthur
Camarinha
Dez-03 09:51 18:17 C 10 18.500.000 15.930,00
Hamburg Dez-03 09:53 18:16 V 5 18.490.000 8.115,00
Hamburg Dez-03 09:54 18:16 V 5 18.480.000 8.265,00
Hamburg Dez-03 09:55 18:16 V 5 18.470.000 8.415,00
Hamburg Dez-03 09:55 18:16 V 5 18.470.000 8.415,00
Hamburg Dez-03 09:56 18:16 V 10 18.490.000 16.230,00
Arthur
Camarinha
Dez-03 09:58 18:17 C 5 18.510.000 7.815,00
Arthur
Camarinha
Dez-03 09:59 18:17 C 5 18.500.000 7.965,00
Arthur
Camarinha
Dez-03 10:00 18:17 C 5 18.500.000 7.965,00
Arthur
Camarinha
Dez-03 10:00 18:17 C 5 18.500.000 7.965,00
Hamburg Dez-03 11:45 18:16 V 5 18.700.000 4.965,00
Hamburg Dez-03 11:50 18:16 V 10 18.620.000 12.330,00
Hamburg Dez-03 11:54 18:16 V 5 18.700.000 4.965,00
Hamburg Dez-03 12:03 18:16 V 10 18.810.000 6.630,00
Arthur
Camarinha
Dez-03 15:10 18:17 V 10 18.920.000 3.330,00
Arthur
Camarinha
Dez-03 18:00 18:17 V 5 19.020.000 165,00
Arthur
Camarinha
Dez-03 18:03 18:17 V 5 19.020.000 165,00
Arthur
Camarinha
Dez-03 18:04 18:17 V 10 19.020.000 330,00
Os negócios detalhados acima mostram que entre 09h51m e 10h foram realizadas
operações de compra e venda de contratos de IND, série dez/03, mas como as
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36
operações de compra eram as que resultariam em “ajustes do dia” positivos, estas
foram atribuídas ao final do pregão a ARTHUR CAMARINHA, enquanto que a pior cotação de venda de ARTHUR CAMARINHA (18.920.000) ainda assim foi melhor
que qualquer negócio de venda atribuído ao Hamburg.
Resumindo: ARTHUR CAMARINHA obteve “ajustes do dia” positivos no valor
de R$ 43.650,00, enquanto que o Hamburg sofreu “ajustes do dia” negativos no valor de R$ 78.330,00.
Certo é que ARTHUR CAMARINHA obteve ganhos atrelados às perdas dos
Fundos exclusivos da PRECE, eis que não foram minimamente razoáveis as declarações de ARTHUR CAMARINHA de que autorizava a corretora realizar
operações de alto risco e obtendo taxa de 100% nesses negócios em 23 pregões, sem
que para isso não houvesse a certeza de que os resultados seriam sempre positivos.
Frise-se que ARTHUR CAMARINHA já foi acusado na Comissão de Valores Mobiliários, no PAS CVM Nº 13/05, por ter efetuado negócios com contratos futuros
na BM&F, em seu próprio nome, intermediados pela LAETA, no período de setembro a
outubro de 2003, nos quais ficou configurada a ocorrência de operações fraudulentas e
de práticas não equitativas no mercado de valores mobiliários, obtendo “ajustes do
dia” positivos no mercado DOL no valor de R$ 140 mil. Reprise-se que as operações foram realizadas com os Fundos exclusivos da PRECE.
Vale ressaltar as declarações de ARTHUR CAMARINHA à Comissão de
Valores Mobiliários, por não serem razoáveis e confirmarem sua atuação no esquema,
em detrimento da PRECE (f. 766):
“começou sua carreira em 1982 no Instituto de Previdência da
Infraero, de onde saiu em 1998; que lá exerceu as funções de
primeiro tesoureiro, diretor de benefícios e diretor administrativo
financeiro”.
“no período de novembro de 2003 a fevereiro de 2004 (...), se mudou
para Teresópolis, saiu do mercado financeiro e abriu uma sociedade
em uma loja de roupa masculina”.
“não transmitia as ordens; que ligava para a corretora para que a
mesma fizesse as aplicações de forma discricionária; que apenas
estipulava o valor a ser aplicado”.
“ligava para a Laeta e pedia para aplicar uma determinada quantia;
que não tinha dinheiro depositado na Laeta; que tais aplicações eram
feitas de forma discricionária pela Laeta;que ao final do dia recebia
ou pagava pelos resultados das aplicações”.
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
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“sobre desempenho de 100% de sucesso nas operações em mercado
futuro, (...) é a Laeta que deveria dar esta explicação; que deve ser
devido às boas aplicações feitas pela Laeta”.
Em contrapartida à afirmação de ARTHUR CAMARINHA de que ligava para a
corretora para que a mesma fizesse aplicações de forma discricionária, Cezar Sassoun,
diretor da LAETA, disse que “a LAETA não dava conselhos a seus clientes” (f. 767).
O fato incontroverso é que ARTHUR CAMARINHA realizou operações em um
mercado de alto risco e obteve taxa de 100% nos seus negócios em 23 pregões.
VII.6) DO DEMANDADO JOSÉ CARLOS BATISTA
O demandado JOSÉ CARLOS BATISTA figura no rol dos beneficiados com os
negócios intermediados pela LAETA com taxa de sucesso favorável.
Mercado IND Ajuste do dia Taxa de Sucesso
Total 542.025,00 100%
Importante ressaltar que JOSÉ CARLOS já foi investigado em diversos
procedimentos no âmbito da CVM11, bem como que figurou como “laranja” na CPMI dos Correios 12 (acusado de ser a pessoa interposta em operações e atividades de
LÚCIO BOLONHA FUNARO).
Na CPMI dos Correios constam depoimentos que demonstram o liame de JOSÉ
CARLOS com LÚCIO BOLONHA FUNARO (f. 775).
O fato é que JOSÉ CARLOS BATISTA atuou na BM&F realizando operações
irregulares desde 2001 sendo aplicada sanção. Apesar dos processos e investigações,
JOSÉ CARLOS BATISTA não apresentou qualquer defesa perante a Comissão de
Valores Mobiliários, o que demonstra seu total descaso.
VII.7) DOS DEMANDADO FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES LUNARDI E
GUILHERME SIMÕES DE MORAES
As características das operações de FRANCISCO LUNARDI e GUILHERME
SIMÕES são semelhantes, motivo pelo qual serão tratadas no mesmo item.
O demandado FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES LUNARDI, no período de
dezembro/2003 a setembro/2004, obteve altas taxas de sucesso, nos negócios
intermediados pela LAETA, no mercado DOL na BM&F.
11 Processos Administrativos Sancionadores contra José Carlos Batista. CVM Nº 06/04; 08/04; 12/04; 13/05. 12 CPMI dos Correios, Vol II, Seção 9.7.6 “Esquemas e Grupos Organizados”.
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
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Mercadoria Série Data Compra Venda “Ajuste do dia”
DOL fev-04 16.12.03 100 100 12.825,00
DOL Fev-04 05.01.04 5 5 250,00
DOL nov-04 24.09.04 50 50 2.500,00
DOL out-04 24.09.04 50 50 21.250,00
DOL nov-04 27.09.04 100 100 14.500,00
DOL out-04 27.09.04 150 150 14.500,00
DOL nov-04 28.09.04 150 150 12.250,00
DOL out-04 28.09.04 50 50 5.000,00
Mercado Ajustes do dia Taxa de Sucesso Taxa de Sucesso Financeiro
DOL 66.075,00 75% 97%
Destacam-se os vínculos de FRANSCISCO LUNARDI com pessoas ligadas ao
esquema e com os Fundos da PRECE apurados pela CVM (fs. 776/777):
VÍNCULO COM LÚCIO BOLONHA FUNARO
“Francisco Lunardi foi diretor das sociedades Eficaz S.A., Allocation
S.A. e Portel do Brasil S.A., sociedades que tinham como sócio
responsável Lúcio Funaro”.
VÍNCULO COM SÉRGIO GUARACIABA MARTINS REINAS
“Declaração de Francisco Lunardi: Sérgio Guaraciaba é seu amigo,
isto desde os tempos que este trabalhou no Citibank”.
VÍNCULO COM O BANCO WESTLB, GESTOR DOS FUNDOS STUTTGART E FLUSHING MEADOW
“Declaração de Francisco Lunardi: Mário Cardoso Carvalho Filho
era seu amigo de muito tempo; que Aristides Campos Jannini
eventualmente lhe passava ordens, embora não tivesse amizade com
ele e que Luciana Dias Navazinas era operadora do WsetLB, com a
qual às vezes conversava por telefone, recebendo ordens para
executar operações”.
RESPONSÁVEL POR DAR ORDENS PARA OS FUNDOS DA PRECE
“Declaração de Franscisco Lunardi: que, em nome dos fundos
geridos pela WestLB, ao que se recorda, só para o Flushing Meadow;
que acha que fez operação de dólar futuro, carteira contra índice; que
não se recorda, mas pode ser que, eventualmente, tenha operado para
o Stuttgart”.
“Ficha cadastral do Hamburg na Novinvest: consta o nome de
Francisco José Rodrigues Lunardi como pessoa responsável a emitir
ordens em nome do Fundo, constando, inclusive, a cópia de sua
carteira de identidade e de CPF na ficha cadastral”.
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
39
“Ordens de negociação do Hamburg: Nos registros de ordens do
Fundo Hamburg, no mercado de IND, por meio da Novinvest, entre
03 e 30.06.05, consta o nome de Francisco Lunardi como o
responsável por emitir ordem”.
São vários os vínculos apresentados por FRANCISCO LUNARDI com pessoas
ligadas ao esquema e com os Fundos exclusivos da PRECE, dentre eles, foi diretor das
sociedades Eficaz S/A, Allocation S/A e Portel do Brasil S/A, que tinham como sócio
LÚCIO FUNARO.
Quanto ao demandado GUILHERME SIMÕES MORAES, apurou-se a seguinte
situação no mercado:
Mercadoria Série Data Compra Venda “Ajuste do dia”
DOL jul-04 25.06.04 100 100 25.000,00
DOL set-04 26.07.04 35 35 7.175,00
DOL ago-04 27.07.04 115 115 34.500,00
DOL set-04 27.07.04 35 35 3.237,00
DOL ago-04 28.07.04 50 50 15.000,00
DOL set-04 26.08.04 65 65 15.200,00
DOL out-04 27.08.04 20 20 8.900,00
DOL out-04 20.09.04 50 50 5.000,00
DOL nov-04 24.09.04 50 50 7.750,00
DOL out-04 24.09.04 50 50 16.750,00
DOL out-04 28.09.04 100 100 15.000,00
Total 153.562,50
Taxa de sucesso 100%
O demandado GUILHERME MORAES declarou que, no período de junho a
setembro de 2004, “prestava consultoria econômica” e que “o nome da empresa de consultoria era Segunda Linha Ltda.”, afirmou ainda que:
“entrou no mercado financeiro em 1979, tendo trabalhado em
diversas corretoras, entre elas, Banespa Corretora, Brooklin DTVM,
Progresso DTVM, Intra Corretora, First Commodities, SB Corretora
(pertencente a Sérgio Beirute), São Paulo Corretora, Alpes
Corretora, SLW (em 2011, durante 3 meses)”.
“foi cliente da Laeta por indicação de seu primo Ricardo Thompson”.
“conhece Sérgio Guaraciaba Martins Reinas de mercado”.
“Trabalhou com Francisco Rodrigues Lunardi na Corretora São
Paulo; que montou a gestora Maat com Francisco Jospe Rodrigues
Lunardi; que a gestora Maat não chegou a entrar em atividade”.
“sabe quem é Lúcio Bolonha Funaro, de mercado e de notícias”.
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
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“conhece de nome Renato Luciano Galli e José Carlos Batista”.
“Sobre a estratégia de investimento adotada nas operações realizadas
no mercado futuro de dólar da BM&F, no período de junho a
setembro de 2004, afirmou que era uma época muito volátil; que
operava com hedge e também com especulação em função das
informações e estratégias discutidas com os colegas do pregão e do
mercado, consulta de jornais, notícias etc.”.
“atribui os resultados obtidos às suas estratégias baseadas na
volatividade e na proteção de sua carteira na bolsa; que nesta época
perdeu cerca de R$ 1000.000 a R$ 150.000 em bolsa; que não tinha
fiança e, portanto, operava Day trade; que preferia dólar ao invés de
índice Bovespa, porque sua carteira não tinha correlação com
carteira teórica Ibovespa”.
Portanto, são notórios os vínculos de GUILHERME MORAES com SÉRGIO
GUARACIABA E FRANCISCO LUNARDI, tendo sido, inclusive, sócio de
FRANCISCO LUNARDI.
VII.8) DO DEMANDADO FRANCISCO MAGLIOCCA
O demandado FRANCISCO MAGLIOCCA, no ano de 2004, obteve altas taxas
de sucesso, nos negócios intermediados pela LAETA, no mercado DOL na BM&F.
Ganhos do demandado FRANCISCO MAGLIOCCA:
Mercadoria Série Data Compra Venda “Ajuste do dia”
DOL jan-04 11.12.03 50 50 10.000,00
DOL jan-04 15.12.03 60 60 13.000,00
DOL fev-04 17.12.03 30 30 150,00
DOL jan-04 17.12.03 30 30 13.500,00
DOL mar-04 27.01.04 100 100 26.500,00
DOL fev-04 28.01.04 50 50 17.500,00
DOL mar-04 28.01.04 50 50 9.250,00
DOL mar-04 29.01.04 100 100 29.300,00
DOL abr-04 25.03.04 50 50 10.000,00
DOL mai-04 25.03.04 100 100 11.375,00
DOL abr-04 26.03.04 150 150 5.500,00
DOL mai-04 26.03.04 35 35 13.650,00
DOL jun-04 28.04.04 75 75 30.750,00
DOL jul-04 25.05.04 95 95 9.000,00
DOL jun-04 25.05.04 160 160 21.000,00
DOL ago-04 24.06.04 200 200 19.000,00
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DOL jul-04 24.06.04 100 100 10.000,00
DOL set-04 26.07.04 115 115 15.700,00
DOL ago-04 27.07.04 85 85 25.500,00
Mercado Ajustes do dia Taxa de Sucesso Taxa de Sucesso Financeiro
DOL 290.125,00 95% 99,9%
O único insucesso de FRANCISCO MAGLIOCCA foi no valor R$ 150,00, no mercado DOL, o que é muito pouco pelo conjunto de operações.
Destaca-se que FRANCISCO MAGLIOCCA não realizou qualquer depósito
na LAETA para negociar no mercado futuro de DOL, algo incompatível com esse tipo
de mercado, visto que não possuía qualquer garantia em caso de perda.
De fato, havia a certeza de ganho, por se tratar de operações que tinham como
“seguro” negócios dos Fundos exclusivos da PRECE.
Cabe registrar as declarações de FRANCISCO MAGLIOCCA perante a CVM
(fs. 778/779):
“se recorda de ter assinado uma ficha cadastral; que não se recorda
se a ficha era da Laeta; que a ficha foi assinada a pedido de
Francisco Lunardi; que é amigo de Francisco Lunardi de longa data;
que as famílias se frequentavam”.
“não tinha conhecimento de mercado; que era cliente de Francisco
Lunardi; que este trabalhava em uma corretora de valores no
mercado financeiro; que Francisco Lunardi lhe oferecia e sugeria a
realização de negócios; que este indicava o melhor momento e o
produto objeto do investimento”.
“nunca entrou em contato com a Laeta (...) quem especificava e fazia
os negócios era Francisco Lunardi”.
“pelo que se lembra, não fez qualquer depósito inicial para que
pudesse realizar operações do mercado futuro de dólar por
intermédio da Laeta”.
“a estratégia de investimento adotada nas operações realizadas no
mercado futuro de dólar da BM&F, no período de dezembro de 2003
a julho de 2004, era definida pelo Francisco Lunardi”.
“não conhece o mercado; que atribui os resultados às explicações
dadas por Francisco Lunardi; que este lhe explicou que o momento de
maior possibilidade de ganhos era quando o mercado oscilava
muito”.
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Considerando as declarações de FRANCISCO MAGLIOCCA, quando
analisadas no bojo das provas, em especial as declarações de FRANCISCO LUNARDI, tem-se comprovado que operava na BM&F em detrimento da PRECE. Só
se pode realçar que as provas produzidas pela CVM indicam sua participação
veemente na fraude do mercado de valores.
VII. 9) CONCLUSÃO DOS NEGÓCIOS DA INTERMEDIÁRIA LAETA DTVM
Destaca-se que todo o “esquema” de atribuição de “ajustes do dia” positivos a
determinados clientes e “ajustes do dia” negativos para os Fundos exclusivos da
PRECE e para a Teletrust foi montado dentro da LAETA, com a determinante participação de SERGIO GUARACIABA, operador da Distribuidora, e de LÚCIO
FUNARO, cujos vínculos com a LAETA iam além da relação cliente/distribuidora.
Ressalte-se que o relatório de Auditoria da BM&F, datado de 19.07.2004,
identificou varias divergências nos procedimentos adotados pela LAETA no registro das ordens de clientes e execução dos negócios com as Regras e Parâmetros de atuação
desta distribuidora:
- NEGÓCIOS EXECUTADOS DURANTE O DIA E ORDENS EMITIDAS APÓS O
ENCERRAMENTO DO PREGÃO. EVIDENCIAM REGISTRO DE ORDEM APÓS A
EXECUÇÃO;
- ORDENS DE CLIENTES PESSOA JURÍDICA OU CARTEIRA ADMINISTRADA SEM
INDICAR SEU TRANSMISSOR;
- REGISTRO DE OPERADOR DE MESA NA ORDEM (SINACOR) DIFERENTE DO
RECEPTOR DA ORDEM DIRETAMENTE DO CLIENTE. O OPERADOR QUE TRANSMITIU
ORIGINALMENTE A ORDEM AO PREGÃO NÃO É IDENTIFICADO;
- ORDEM NÃO IDENTIFICA O OPERADOR DE PREGÃO QUE EXECUTA O
NEGÓCIO.
Na análise das operações restou comprovado que visavam ao direcionamento de
negócios lucrativos para um grupo específico de comitentes, que atuavam por
intermédio da LAETA.
OS FUNDOS EXCLUSIVOS DA PRECE E DA TELETRUST SOFRIAM PERDAS
CONSTANTES NOS “AJUSTES DO DIA”. PARA TANTO, OPERADORES ACORDADOS COM
ESSES CLIENTES SE VALERAM DA POSSIBILIDADE DE REALIZAR ATRIBUIÇÃO DOS
NEGÓCIOS A POSTERIORI, QUANDO JÁ ERA POSSÍVEL IDENTIFICAR QUAIS
OPERAÇÕES GERARIAM AJUSTES POSITIVOS E NEGATIVOS.
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43
RESUMIDAMENTE, NUMA SITUAÇÃO NORMAL OS COMITENTES NÃO
CONSEGUIRIAM OBTER GANHOS TÃO ELEVADOS, NEM OS FUNDOS EXCLUSIVOS DA
PRECE OU DA TELETRUST TERIAM SIGNIFICATIVAS PERDAS EM SUAS OPERAÇÕES.
Os comitentes identificados que operaram por intermédio da LAETA e
identificados como operadores e beneficiários do esquema montado foram os
demandados EDUARDO CUNHA, LÚCIO FUNARO, SÉRGIO GUARACIABA, JOSÉ CARLOS BATISTA, ARTHUR CAMARINHA, JOSÉ CARLOS ROMERO
RODRIGUES, FRANCISCO LUNARDI, FRANCISCO MAGLIOCCA e
GUILHERME MORAES.
O demandado EDUARDO CUNHA estava inserido, de acordo com ele próprio,
dentro de um contexto político, na época, que o aproximava dos clientes da CEDAE.
É de se frisar que está devidamente caracterizado o vínculo pessoal existente
entre EDUARDO CUNHA e LÚCIO FUNARO, também envolvido e beneficiado pelo esquema, além de sua comprovada atuação direta no âmbito da LAETA.
Não bastasse a existência dos vínculos fortes e claros entre EDUARDO CUNHA
e LÚCIO FUNARO, apontam-se como indissociável indício de ocorrência da
irregularidade as taxas de sucesso financeiro de 100% no mercado de DOL e de 98% no mercado de IND.
Além disso, vale destacar que em 23 pregões em que atuou (11 no mercado de
DOL e 12 no de IND), a possibilidade de ocorrência destas taxas de sucesso calculadas
pela fórmula da distribuição binomial é de 0,049% para o mercado de DOL e de 1,929% para o de IND. Carecendo, portanto, de qualquer mínima razoabilidade o
argumento de EDUARDO CUNHA de que o fato de operar com “convicção” seria
suficiente para lhe proporcionar tamanho sucesso.
Dessa forma, evidente que o demandado EDUARDO CUNHA, de acordo com o conjunto probatório, anuiu e se beneficiou da ocorrência de prática não equitativa no
mercado de capitais, tudo em detrimento do Fundo da PRECE.
No que se refere ao demandado LÚCIO FUNARO, tem-se que os vínculos
demonstrados com SÉRGIO GUARACIABA e com a LAETA estão amplamente caracterizados. Deve-se ressaltar como prova de sua participação no esquema, o fato
de constar seu endereço eletrônico na ficha cadastral do Allegro CV na corretora Fair.
As operações de LÚCIO FUNARO também afastam qualquer dúvida quanto à
existência de práticas irregulares, na medida em que obteve a improvável taxa de sucesso financeiro de 98%, no mercado de DOL, e de 82%, no mercado de IND.
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44
Quanto ao demandado SÉRGIO GUARACIABA, este tinha fortes vínculos com
a LAETA e a Quality CCTVM, visto que atuou como agente autônomo nos anos de 2000 a 2002.
O demandado SÉRGIO GUARACIABA conhecia o demandado PAULO
ALVES MARTINS e era o responsável pela administração da Allegro CV e pelos
negócios da Global Trend, ambas sociedades beneficiadas pelo esquema criado.
As operações de SÉRGIO GUARACIABA apresentaram taxa de sucesso
financeiro de 95%, no mercado de IND, e de 96%, no mercado DOL, totalmente
incompatíveis com operações usuais de mercado.
Pelos padrões de operação em contraposição aos negócios realizados no mesmo
período pelos Fundos da PRECE, observa-se que as operações de SÉRGIO
GUARACIABA utilizavam os Fundos como “seguro” de forma a garantir êxito no
fechamento.
Com relação ao Allegro CV e à Global Trend, não só se constata a existência de
operações incompatíveis com padrões usuais de mercado, com altas taxas de sucesso
financeiro, mas também se observa serem elas veículos de investimento utilizadas por
SÉRGIO GUARACIABA para obter vantagem indevida.
Ao mesmo tempo em que SÉRGIO GUARACIABA era responsável pela
administração dos ativos pertencentes ao Allegro CVM no Brasil, atuava como
operador da LAETA. Era, ainda, responsável pelos negócios da Global Trend, que
apresenta operações com características similares às do próprio SÉRGIO GUARACIABA.
Evidencia-se a participação de JOSÉ BATISTA na irregularidade cometida,
ressaltando a existência de evidentes vínculos com LÚCIO BOLONHA FUNARO. Há
que se registrar, ainda, ter sido evidenciado o vínculo existente entre os dois também nos autos do Inquérito Administrativo CVM nº 08/04, quando o conhecimento dessa
situação de fato serviu de suporte à aplicação de pena de multa ao ora demandado
JOSÉ CARLOS BATISTA.
Cabe destacar que com taxa de sucesso de 100%, que alcançam resultados financeiros de mais de R$ 500 mil, embora sejam poucas as operações do demandado
JOSÉ CARLOS, não há como descartar a existência de operações como indícios ainda
maiores de que o volume de operações realizadas com sucesso pelo demandado.
Nesse ponto, não devem ser analisadas isoladamente as operações, mas sim dentro do contexto específico em que, contra todas as estatísticas, as operações
realizadas por JOSÉ CARLOS BATISTA eram sempre exitosas.
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45
Reprise-se que foram destacados 27 pregões com 100% de acerto todos os dias
em que ARTHUR CAMARINHA operou. Atente-se que a quantidade de pregões ora destacada é bastante superior, o que aponta a existência de fortes indícios do ilícito.
Os demandados FRANCISCO LUNARDI, FRANCISCO MAGLIOCCA e
GUILHERME MORAES apresentaram vínculos de acordo com as informações
obtidas de FRANCISCO MAGLIOCCA. Pode-se alcançar a conclusão de que as operações a ele atribuídas eram, em realidade, realizadas pelo próprio FRANCISCO
LUNARDI.
O contexto mostra a quantidade de operações exitosas, tornando ainda menos provável que o sucesso destas decorria de análise de mercado e não das operações com
seguro aqui demonstradas.
Reforça ainda mais essa compreensão o fato de que FRANCISCO
MAGLIOCCA sequer realizou depósitos iniciais, já que FRANCISCO LUNARDI tinha a certeza do êxito nas operações.
Some-se que GUILHERME MORAES também tinha relacionamento íntimo com
FRANCISCO LUNARDI e, assim como ele, obteve a improvável taxa de sucesso de
100% em suas operações.
Não bastassem essas “coincidências”, restou evidenciada também a existência de
claros vínculos entre FRANCISCO LUNARDI e LÚCIO FUNARO, SÉRGIO
GUARACIABA e o Banco WestLB, gestor de Fundos da PRECE.
Como visto, esses comitentes beneficiados se valiam, na maior parte das
operações, de day trade para auferir ganhos que lhes eram direcionados na prática, não
se sujeitando, portanto, a qualquer tipo de risco de mercado, pois havia a “garantia” de
que os melhores negócios seriam atribuídos em seus nomes e, também, pela certeza de
que não teriam que carregar posições em aberto na BM&F.
A partir dos fatos aqui narrados, é possível concluir que os negócios dos Fundos
exclusivos da PRECE foram realizados de forma suposta e formalmente lícita, no
entanto, materialmente ofensiva aos valores tutelados pela CVM, caracterizando a
criação de condições artificiais de demanda, na forma descrita no item II, alínea “a”, e vedada pelo item I, todos da instrução CVM nº 08/1979.
As operações aqui elencadas amoldam-se aos termos da Deliberação
CVM nº 14/1983, criada com o objetivo de esclarecer práticas que se enquadrariam no
conceito de condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários, conforme definido na Instrução CVM nº 08, de 1979.
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Ao tratar do tema, dispõe a Deliberação que:
“As operações consideradas legítimas nos mercados de opções e a futuro
não se confundem com negociações efetuadas nesses mercados, que,
embora atendendo a requisitos de ordem formal, sejam realizadas com a
finalidade de gerar lucro ou prejuízo, previamente ajustados,
caracterizando-se tais operações, em geral, pela emissão de ordens de
compra e venda com coincidência de intermediário, comitente, preço,
horário ou quantidade, envolvendo grandes lotes, em opções de compra, ou
em operações a futuro seguidas, em curto lapso de tempo, de operações
reversas, ou com outras características que as diferenciem das negociações
regulares”.
“Aos participantes do mercado, especialmente às instituições
intermediárias, que as operações a futuro e de opções de compra de ações,
que configurem negócios com resultados adrede acertados, por provocarem
alterações indevidas no fluxo de ordem de compra e venda de valores
mobiliários e, consequentemente, no volume de negócios e na formação
regular de preços, são capituladas pela INSTRUÇÃO CVM nº 08, de
08/10/79, que vedou a prática e definiu o conceito de condições artificiais
de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários, em obediência ao art.
18 (item II, “b”) da LEI nº 6.385, de 7/12/76”.
Esclarecido esse ponto, ressalta-se que, analisados conjuntamente os resultados
dos “ajustes do dia” negativos incorridos pelos referidos Fundos e os resultados
positivos auferidos pelos comitentes beneficiados, constata-se que eles não poderiam ter ocorrido de forma equitativa e espontânea sem a interveniência das pessoas
responsáveis pelo recebimento e processamento das ordens de negociação nas
corretoras envolvidas, no caso em tela, LÚCIO FUNARO, SÉRGIO GUARACIABA
e FRANCISCO LUNARDI.
O conjunto das operações, o modo de execução e os vínculos entre os comitentes,
operadores e pessoas ligadas à administração/gestão dos Fundos, leva à conclusão de
que existiu, de fato, uma ação coordenada e dolosa, capitaneada por LÚCIO
FUNARO, SÉRGIO GUARACIABA e FRANCISCO LUNARDI.
Aliás, se cada um dos comitentes tivesse agido de forma isolada e independente,
não se consubstanciariam as semelhanças identificadas na forma de efetivação dos
negócios, na sistemática de distribuição desses negócios, no período de atuação e, por
fim, não se alcançariam os resultados obtidos, medidos pelo valor do lucro auferido e
pela taxa de sucesso, especialmente o sucesso financeiro.
Os Fundos da PRECE eram utilizados pelos operadores como um eficiente
instrumento de garantia para a realização das já referidas “operações com seguro”, sem
qualquer risco para seus titulares.
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Diga-se, também, que os negócios realizados, ao longo dos anos de 2003 a 2006,
pelos comitentes/beneficiários ARTHUR CAMARINHA, EDUARDO COSENTINO DA CUNHA, JOSÉ CARLOS BATISTA, JOSÉ CARLOS ROMERO RODRIGUES,
LÚCIO BOLONHA FUNARO, SÉRGIO GUARACIABA MARTINS REINAS,
FRANCISCO JOSÉ MAGLIOCCA, FRANCISCO JOSÉ R. LUNARDI e
GUILHERME SIMÕES DE MORAES, enquadram-se perfeitamente na conduta
descrita como “prática não equitativa”, conforme definida no item II, item “d”, da Instrução CVM no 08/79, sendo prática vedada no item I da mesma instrução.
Notório o tratamento desigual entre as partes quando da realização do mesmo
tipo de operações (ou quando da sua distribuição), dentro de um mesmo ambiente de negociação, tendo sido atribuídas a determinados participantes posições
sistematicamente ganhadoras e direcionadas as posições perdedoras para alguns
poucos participantes.
Ficou evidente, no curso da investigação, o dolo dos demandados em se beneficiarem financeiramente do esquema de direcionamento de resultados positivos,
anuindo em haver para si a titularidade de negócios que sabidamente não realizariam
de outra forma.
Os demandados agiram, portanto, com o específico fim de obter o resultado ilícito alcançado, e o fato é que todos concorreram para o resultado danoso ao Fundo
da PRECE.
Some-se que o levantamento de auditoria realizado pela BM&F na LAETA e
demais evidências colhidas reforçam o entendimento de que existia nesta distribuidora ambiente propício para o direcionamento de “ganhos e perdas”, a partir da atribuição
de negócios no encerramento dos pregões ou após conhecidos os resultados dos
negócios, facilitando sobremaneira a ocorrência das chamadas “operações com
seguro”.
Em vista de todos os fatos apontados e das provas indiciárias reunidas formou-se
a convicção de que as operações analisadas foram intencionalmente direcionadas para
favorecer os comitentes retrocitados, em detrimento dos Fundos exclusivos da PRECE.
Há que se ressaltar, mais uma vez, que a forma pela qual as operações eram estruturadas geravam claras distorções no âmbito das gestoras dos Fundos. Isso porque
no acompanhamento das operações realizadas pela LAETA resultavam,
constantemente, em “ajustes do dia” negativos.
No que se refere à intermediária LAETA, deve-se ressaltar que apenas o seu diretor responsável poderá ser acusado administrativamente pela falta de diligência de
controles internos que, assim, criou condições propícias à ocorrência das
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irregularidades no âmbito da corretora, isso porque, à época dos fatos, a Instrução
CVM n° 387, de 28 de abril de 2003 não trazia a previsão de responsabilização da corretora. DESSA FORMA, POR FALTA DE TIPO NÃO HÁ COMO SER RESPONSABILIZADA A
LAETA S/A DTVM PELA INEXISTÊNCIA DE CONTROLES EFICIENTES, MAS TÃO SOMENTE
SEU DIRETOR RESPONSÁVEL.
Em suma, as especificações de comitentes finais foram feitas de forma a beneficiar alguns comitentes em detrimento dos Fundos exclusivos da PRECE, o que
inegavelmente constitui a realização de práticas não equitativas.
VIII - DA ATUAÇÃO DO ADMINISTRADOR DOS FUNDOS DA PRECE
Após todo o cenário acima descrito, vale ser dado mais um passo adiante para abordar as condutas dos administradores dos Fundos, que são, em última análise, os
diretamente contratados pela PRECE para o desempenho desta função, cuja
prerrogativa na escolha pertence, única e exclusivamente, à Fundação de Previdência
Complementar.
Os Fundos de investimento (Roland Garros, Stuttgart, Hamburg, Monte Carlo,
Lisboa, Flushing Meadow), abordados no inquérito administrativo instaurado pela
CVM, eram administrados pela Infinity CCTVM (Quality CCTVM), que contratou a
LAETA para distribuição/intermediação dos negócios.
Note-se que, conforme consignado pela CVM, o objeto de enfoque foram os
constantes “ajustes do dia” negativos sofridos pelos Fundos da PRECE decorrentes de
negócios realizados no dia. Ainda que os resultados oriundos de “carregamento de
posição” tenham sido positivos, não há dúvida de que estes foram reduzidos ou
totalmente eliminados pelos frequentes “ajustes do dia” negativos sofridos pelos Fundos da PRECE.
As responsabilidades do administrador dos Fundos estão explícitas na Instrução
CVM n ° 302/1999, que dispõe:
Art. 50. O administrador do Fundo, observadas as limitações legais e
as previstas nesta Instrução, tem poderes para praticar todos os atos
necessários à administração da carteira do Fundo, bem como para
exercer todos os direitos inerentes aos ativos que a integrem,
inclusive a contratação de terceiros legalmente habilitados para
prestação de serviços relativos às atividades do Fundo.
Parágrafo único. O administrador pode contratar terceira pessoa,
igualmente habilitada para o exercício profissional de administração
de carteira, para gerir a carteira do Fundo, observado o disposto no §
1° do art. 51.
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
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Art. 51. Quando a administração do Fundo não for exercida por
instituição financeira ou instituição integrante do sistema de
distribuição de valores mobiliários, o administrador deve contratar
instituição legalmente habilitada para:
I - a execução dos serviços de tesouraria, tais como:
a) abertura e movimentação de contas bancárias, em nome do Fundo;
b) recebimento de recursos, quando da emissão ou integralização de
cotas, e pagamento, quando do resgate de cotas ou da liquidação do
Fundo;
c) recebimento de dividendos e quaisquer outros rendimentos;
d) liquidação financeira de todas as operações do Fundo.
II - a escrituração da emissão e resgate de cotas; XII - a distribuição
das cotas do Fundo.
§1º As instituições e pessoas contratadas para a execução de serviços
respondem solidariamente com o administrador do Fundo, no
exercício de suas atribuições, pelos prejuízos que causarem aos
cotistas.
Tal diploma é complementado pelo disposto no OFÍCIO-
CIRCULAR/CVM/SIN/N° 002/99, de 10/06/1999, o qual estabelece relativamente à Instrução n° 302/99:
2. Tendo em conta o disposto no artigo 49, ressaltamos que o
administrador do Fundo e o gestor da carteira, mesmo quando
administrarem Fundos exclusivos, não podem delegar ao cotista a
responsabilidade pelas decisões de investimento ou pela transmissão
das ordens de compra e venda de ativos do Fundo.
O art. 57, IV da Resolução CVM n° 302/1999, dispõe que compete ao
administrador do Fundo:
Art. 57. Incluem-se entre as obrigações do administrador do Fundo:
IV - empregar, na defesa dos direitos do cotista, a diligência exigida
pelas circunstâncias, praticando todos os atos necessários para
assegurá-los, tomando inclusive as medidas judiciais cabíveis.
Dessa forma, cabe responsabilizar a Quality CCTVM frente ao Fundo de
pensão dos empregados da CEDAE, através de seus diretores, os demandados
MARCOS LIMA e DAVID FERNANDEZ, que eram, simultaneamente, diretores da
Quality CCTVM e da Quality Asset Management, sendo que o primeiro era, ademais, o diretor responsável pela administração de recursos de terceiros por ambas as
sociedades até 28/04/2005, a partir dessa data a responsabilidade passou a DAVID
FERNANDEZ.
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
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No entanto, registre-se que foi ajuizada ação de improbidade responsabilizando
a Quality CCTVM e Quality Asset na pessoa dos seus diretores, conforme esclarecido no dos fatos (ACP nº 0182218-95.2017.8.19.0001, 1ª VFB).
IX - DA CONDUTA DOS ADMINISTRADORES DA PRECE
Os responsáveis pela entidade eram os demandados UBIRATAN DE GUSMÃO
CAMPELO LIMA – Diretor Presidente, período de 28/03/2003 a 09/01/2007,
MAGDA DAS CHAGAS PEREIRA – Diretora Financeira, período de 23/07/2003 a 09/01/2007, e PAULO ALVES MARTINS – Gerente de Investimentos, período de
09/01/2003 a 16/03/2006. Assim, são os demandados solidariamente responsáveis
pelos danos causados ao Fundo da PRECE.
O demandado PAULO ALVES MARTINS, Gerente de Investimentos, era
responsável pelo comando dos negócios na BM&F ocorridos na gestão do demandado
UBIRATAN DE GUSMÃO CAMPELO LIMA, este presidente. Enquanto que a
demandada MAGDA CHAGAS PEREIRA, Diretora Financeira.
A desídia dos administradores da PRECE resultou nas expressivas somas de
“ajustes do dia” negativos, ocorridos em prejuízo ao Fundo de pensão, mas,
igualmente, pela frequência dos ganhadores, que, inacreditavelmente, obtiveram
“ajustes do dia” positivos em quase 100% das operações realizadas.
Vale registrar, ainda, que os depoimentos colhidos pela CVM quanto aos
gestores do Fundo apontam, seguramente, no sentido da responsabilização de PAULO
ALVES MARTINS no que toca às decisões quanto aos investimentos que deveriam
ser realizados.
Some-se a isso que, segundo apurado, PAULO ALVES MARTINS foi sócio
minoritário da empresa “At the Money Consultoria”, da qual participavam, certamente
não por mero acaso, dois dos beneficiários destes constantes “ajustes do dia” positivos,
os nacionais MARCOS CÉSAR DE CÁSSIO LIMA e DAVID JESUS GIL
FERNANDEZ, da Quality CCTVM, que já figuram como demandados em ação própria.
As condutas acima narradas são suficientes para convencer este Juízo, porém aos
demandados ainda se soma o fato de que PAULO ALVES MARTINS antes de ocupar
seu cargo na PRECE, foi, também, funcionário da Quality, corretora contratada para administrar os Fundos de investimento da PRECE.
Ao final, merece relevo que PAULO ALVES, portanto, era pessoa experiente no
mercado de capitais, não sendo crível, portanto, qualquer alegação em sentido
contrário.
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X - DA CARACTERIZAÇÃO DOS ATOS DE IMPROBIDADE
A legalidade e a moralidade que devem revestir os atos dos denominados agentes públicos, bem como aqueles que estão sujeitos à fiscalização pública, na ampla
conceituação dada pela Lei nº 8429/92, constituem em essencial garantia de
administração séria e honesta do dinheiro público.
No caso em tela, o que se vê é que os então responsáveis pela administração da PRECE, vale dizer, os demandados UBIRATAN DE GUSMÃO CAMPELO,
MAGDA DAS CHAGAS PEREIRA e PAULO ALVES MARTINS, valeram-se de
suas funções por ação ou omissão para lesar os beneficiários presentes e futuros do
plano de previdência, assim como a própria Administração Pública, que concorre com mais de cinquenta por cento do patrimônio na PRECE.
Também os beneficiários do esquema de negócios irregulares em detrimento da
PRECE, vale dizer, EDUARDO COSENTINO DA CUNHA, LÚCIO BOLONHA
FUNARO, SERGIO GUARACIABA MARTINS REINAS, JOSÉ CARLOS BATISTA, ARTHUR CAMARINHA, JOSÉ CARLOS ROMERO RODRIGUES,
FRANCISCO JOSÉ RODRIGUEZ LUNARDI, FRANCISCO JOSÉ MAGLIOCCA e
GUILHERME SIMÕES DE MORAES são autores da improbidade e responsáveis
pelos danos causados à PRECE, de forma que integram o polo passivo, na forma do
art. 3° da Lei 8429/92, que dispõe:
Art. 3º. As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber àquele
que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a
prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer
forma direta ou indireta.
Em uma análise mais genérica da Lei nº 8429/92, que dispõe sobre os atos de
improbidade administrativa e dano ao erário, constata-se que o legislador enunciou,
exemplificadamente, três tipos de improbidade: as que acarretam enriquecimento
ilícito do agente público, as que causam prejuízo ao erário e as que ferem os princípios
administrativos.
Como se sabe, um mesmo fato pode atingir os três tipos de improbidade, sem que
uma exclua a outra, de forma que, pela regra contida no art. 12, onde há
escalonamento da gravidade, as hipóteses de enriquecimento ilícito do agente,
previstas no art. 9°, proporcionam penas mais graves do que as que causam somente prejuízos ao erário (art. 10), e esta mais grave do que as que firam os princípios da
Administração (art. 11).
Assim agindo, os demandados da presente ação civil de improbidade
administrativa causaram efetiva lesão ao erário público, permitindo ou concorrendo para que determinadas pessoas físicas ou jurídicas privadas incorporassem ao seu
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patrimônio particular valores integrantes do acervo patrimonial da CEDAE, através da
realização de operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares, enquadrando-se, portanto, no disposto no art. 10, item VI, Lei nº
8429/92, a seguir transcrito:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão
ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje
perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou
dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1°
desta lei, e notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao
patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas,
verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades
mencionadas no art. 1° desta lei;
VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais
e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea (...).
É notório que se impõe o cumprimento do disposto no art. 5° do mesmo diploma
legal:
Art. 5°. Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão,
dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral
ressarcimento do dano.
A inobservância aos pilares que sustentam a lisura do serviço público enseja a
caracterização de ato de improbidade, conforme o art. 11 da Lei nº 8429/92:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta
contra os princípios da administração pública qualquer ação ou
omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade,
legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso
daquele previsto, na regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das
atribuições e que deva permanecer em segredo;
IV - negar publicidade aos atos oficiais;
V - frustrar a licitude de concurso público;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro,
antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou
econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.
A Lei de Improbidade Administrativa determina, em seu art. 6°, o perdimento
dos bens em nome do agente público ou de seu beneficiário, como a seguir transcrito,
em caso de enriquecimento ilícito:
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"No caso de enriquecimento ilícito, perderá o agente público ou
terceiro beneficiário os bens e valores acrescidos ao seu patrimônio”.
É forçoso realçar que as condutas dos demandados configuram atos de
improbidade que infringem os artigos 9º, 10 e 11 da Lei n.° 8429/92.
XI – DO DANO AO ERÁRIO. PREJUÍZOS AO FUNDO DA PRECE.
IDENTIFICAÇÃO DOS LUCROS DOS DEMANDADOS
O dano ao erário está configurado em razão da relação direta entre os lucros
auferidos pelos demandados e as perdas dos Fundos da PRECE no Mercado de
Valores, os quais, como dito alhures, são compostos pelo erário estadual, diante das ilegalidades na gestão dos administradores da PRECE sem a devida fiscalização do
investimento realizado no mercado da BM&F.
Tais valores, por óbvio, foram acrescidos ilicitamente diretamente aos
patrimônios dos demandados e, quiçá ao patrimônio dos administradores da PRECE
envolvidos.
A situação se explica pela reiterada atuação ilegal dos demandados, bem como
porque em unidades de desígnios agiram para se locupletarem com o dinheiro do
Fundo da PRECE utilizado como seguro de suas operações no mercado de valores, em
benefício próprio.
O dolo dos demandados mostra-se tão claro, bastando apreciar que os dirigentes
da PRECE, da administradora Quality, da gestora e das intermediárias contratadas
atuaram em benefício dos demandados em detrimento da PRECE.
A seguir, registra-se o dano ao erário devidamente individualizado por
demandado:
• EDUARDO COSENTINO DA CUNHA por ter anuído e se beneficiado de
negócios realizados em seu nome, intermediados pela LAETA DTVM, nos quais obteve
lucro bruto de R$ 917.390,00, caracterizando uso de práticas não equitativas no
mercado de valores mobiliários, conforme definido na letra “d” do item II, e vedado
pelo item I, da Instrução CVM n° 08/1979;
• LÚCIO BOLONHA FUNARO por ter realizado e se beneficiado de negócios em seu nome, intermediados pela LAETA DTVM, nos quais obteve lucro bruto de R$
720.786,25, caracterizando uso de práticas não equitativas no mercado de valores
mobiliários, conforme definido na letra “d” do item II, e vedado pelo item I, da
Instrução CVM n° 08/1979;
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• SERGIO GUARACIABA MARTINS REINAS:
a) por ter realizado e se beneficiado de negócios realizados em seu nome,
intermediados pela LAETA DTVM, nos quais obteve lucro bruto de R$ 583.167,75,
caracterizando uso de práticas não equitativas no mercado de valores mobiliários,
conforme definido na letra “d” do item II, e vedado pelo item I, da Instrução CVM n°
08/1979;
b) por ter realizado os negócios em nome da Allegro CV, intermediados pela
LAETA DTVM, nos quais este comitente obteve lucro bruto de R$ 1.252.230,00,
caracterizando uso de práticas não equitativas no mercado de valores mobiliários, conforme definido na letra “d” do item II, e vedado pelo item I, da Instrução CVM n°
08/1979;
c) por ter realizado os negócios em nome da Global Trend, intermediados pela
LAETA DTVM, nos mercados de IND e DOL, em que os Fundos exclusivos da PRECE eram utilizados como “seguro”, nos quais o investidor não residente obteve
lucro bruto de R$ 14.494.415,50, caracterizando uso de práticas não equitativas no
mercado de valores mobiliários, conforme definido na letra “d” do item II, e vedado
pelo item I, da Instrução CVM n° 08/1979;
• JOSÉ CARLOS BATISTA por ter anuído e se beneficiado de negócios
realizados em seu nome, intermediados pela LAETA DTVM, nos quais obteve lucro
bruto de R$ 542.025,00, caracterizando uso de práticas não equitativas no mercado de
valores mobiliários, conforme definido na letra “d” do item II, e vedado pelo item I, da
Instrução CVM n° 08/1979;
• ARTHUR CAMARINHA, por ter anuído e se beneficiado de negócios
realizados em seu nome, intermediados pela LAETA DTVM, nos quais obteve lucro
bruto de R$ 1.608.325,00, caracterizando uso de práticas não equitativas no mercado
de valores mobiliários, conforme definido na letra “d” do item II, e vedado pelo item I, da Instrução CVM n° 08/1979;
• JOSÉ CARLOS ROMERO RODRIGUES, por ter anuído e se beneficiado de
negócios realizados em seu nome, intermediados pela LAETA DTVM, nos quais obteve
lucro bruto de R$ 964.650,00, caracterizando uso de práticas não equitativas no mercado de valores mobiliários, conforme definido na letra “d” do item II, e vedado
pelo item 1, da Instrução CVM n° 08/1979;
• FRANCISCO JOSÉ RODRIGUEZ LUNARDI:
a) por ter realizado e se beneficiado de negócios realizados em seu nome,
intermediados pela LAETA DTVM, nos quais obteve lucro bruto de R$ 66.075,00,
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
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caracterizando uso de práticas não equitativas no mercado de valores mobiliários,
conforme definido na letra “d” do item II, e vedado pelo item I, da Instrução CVM n° 08/1979;
b) por ter realizado os negócios em nome de FRANCISCO JOSÉ MAGLIOCCA,
intermediados pela LAETA DTVM, nos quais este comitente obteve lucro bruto de R$
290.125,00, caracterizando uso de práticas não equitativas no mercado de valores mobiliários, conforme definido na letra “d” do item II, e vedado pelo item 1, da
Instrução CVM no 08/1979;
• FRANCISCO JOSÉ MAGLIOCCA, por ter anuído e se beneficiado de negócios realizados em seu nome, intermediados pela LAETA DTVM, nos quais obteve
lucro bruto de R$ 290.125,00, caracterizando uso de práticas não equitativas no
mercado de valores mobiliários, conforme definido na letra “d” do item II, e vedado
pelo item I, da Instrução CVM n° 08/1979;
• GUILHERME SIMÕES DE MORAES, por ter anuído e se beneficiado de
negócios realizados em seu nome, intermediados pela LAETA DTVM, nos quais obteve
lucro bruto de R$ 153.562,50, caracterizando uso de práticas não equitativas no
mercado de valores mobiliários, conforme definido na letra “d” do item II, e vedado
pelo item I, da Instrução CVM n° 08/1979.
Portanto, o somatório dos lucros obtidos pelos demandados das suas operações
constitui o dano ao erário, quer dizer, o ressarcimento ao Fundo da PRECE, que reflete
o valor da causa.
XII - DA NECESSIDADE DE DECRETAÇÃO DO SEQUESTRO DOS BENS
Justifica-se a necessidade de concessão liminar a partir da contundente e
comprovada narrativa até aqui feita, por meio da qual se depreende existir interesse
público relevante e superior, sendo a medida ora pleiteada capaz de garantir o
ressarcimento do dano à PRECE, que se reveste de natureza de dano ao erário.
A teor do art. 6 ° da Lei n° 8429/92, "no caso de enriquecimento ilícito, perderá
o agente público ou terceiro beneficiário os bens ou valores acrescidos ao seu
patrimônio", regra que se coaduna com o estabelecido nos artigos 12, I, e 18 da mesma
Leis:
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e
administrativas, previstas na legislação especifica, estará o
responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:
I - na hipótese do art. 90, perda dos bens ou valores acrescidos
ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando
houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de
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oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do
acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público
receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual
seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos.
Art. 18. A sentença que julgar procedente ação civil de reparação de
dano ou decretar a perda dos bens havidos ilicitamente determinará o
pagamento ou a reversão dós bens, conforme o caso, em favor da
pessoa prejudicada pelo ilícito.
A medida de sequestro de bens, como se depreende da sistemática legal, volta-se à garantia dos comandos contidos nos referidos art. 6°, 12, I e 18, vale dizer, o
perdimento (ou reversão, na dicção legal) dos bens ilicitamente adquiridos ao sujeito
passivo da conduta de improbidade, no caso presente - repita-se -, a Companhia de
Águas e Esgotos do Estado do Rio de Janeiro.
Tal medida cautelar de constrição patrimonial vem autorizada pelo art. 7° da Lei
n° 8429/92:
Art. 7°. Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio
público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá à autoridade
responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a
indisponibilidade dos bens do indiciado.
Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste
artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do
dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento.
Regra complementada pelo art. 16 do mesmo diploma:
Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão
representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para
que requeira ao juízo competente a decretação do sequestro dos bens
do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado
dano ao patrimônio público.
§ 1°. O pedido de sequestro será processado de acordo com o
disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil.
§ 2°. Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o
bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mentidas
pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados
internacionais.
Por se tratar de medida cautelar, a decretação do sequestro de bens pressupõe a
demonstração do fumus boni iuris (art. 301, Código de Processo Civil) - requisito
aferido a partir da plausibilidade do direito alegado pelo autor e de suas probabilidades
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de êxito na ação principal - e do periculum in mora, consubstanciado nos riscos que a
natural demora da solução da demanda pode acarretar à pretensão da parte.
Fumus Boni Iuris
Relativamente a tal aspecto, deve-se destacar que os fatos foram objeto de
detalhada apuração pela CVM, que demonstrou, em todas as cores, que em diversos
pregões, por intermédio de várias corretoras e distribuidoras que atuavam pelos Fundos acima relacionados, através da negociação de contratos futuros de IBOVESPA
(IND), de dólar (DOl) e de taxa de juros (DI1), foi montado um esquema em que, na
maioria dos casos, gerou “ajustes do dia” negativos para os Fundos acima
relacionados, e “ajustes do dia” positivos para determinados clientes daquelas mesmas corretoras e distribuidoras intermediárias.
Segundo a CVM, o esquema funcionava da seguinte forma: os Fundos
negociavam contratos futuros, somente comprando ou vendendo, pois estavam
impedidos de realizarem day trade. Os Fundos não negociavam todos os dias, mas mantinham certa frequência.
Os constantes “ajustes do dia” negativos sofridos pelos Fundos exclusivos da
PRECE evidenciam a ocorrência de um esquema preparado dentro de cada uma das
corretoras e distribuidoras intermediárias envolvidas, uma vez que quando os Fundos
atuavam, normalmente, para eles eram especificados os negócios com preços
desfavoráveis (as compras com cotações maiores e as vendas com cotações menores)
resultando em “ajustes do dia” negativos.
Paralelamente a isso, nas mesmas datas em que os Fundos atuavam, ou em datas próximas, alguns clientes da corretora ou da distribuidora pela qual o Fundo havia
operado realizavam compras e vendas do mesmo contrato futuro, formando day trade,
os quais, quase que invariavelmente, resultavam em “ajustes do dia” positivos em
favor destes mesmos clientes.
Traduzindo em termos sintéticos, constatou a CVM que, de um lado, grupos bem
identificados de clientes dessas corretoras e distribuidoras auferiram, de forma
sistemática, “ajustes do dia” positivos em operações de day trade, e, de outro lado, os
Fundos exclusivos da PRECE, batizados pelos nomes de Stuttgart, Hamburg, Flushing
Meadow, Roland Garros, Lisboa e Monte Carlo, operando nos mesmos mercados e períodos, sofriam "ajustes do dia" negativos.
Como acima sustentado, a ocorrência de prejuízo ao erário, se reveste, ao sentir
do Ministério Público, muito mais que uma mera "fumaça de bom direito"
relativamente a tal aspecto.
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Do Periculum in Mora
Quanto ao periculum in mora, ressalta o Parquet o fundado receio, fruto da própria dinâmica até aqui narrada, de que os demandados e os beneficiários possam
transferir a vultosa quantia já mencionada para local incerto, paraísos bancários que
não contem com regras rígidas de controle, tornando impossível o seu alcance e
perdimento em favor do Estado.
Sobre tal aspecto não é demais ressaltar que se trata de demandados com amplo
conhecimento de mercado financeiro, razão pela qual é óbvia a facilidade de
movimentação de expressivas quantias em dinheiro.
Para assegurar a reversão, ao Estado do Rio de Janeiro, dos bens ilicitamente
amealhados (artigos 12 e 18 da Lei n° 8429/92), torna-se imprescindível a decretação
do sequestro de todo o patrimônio, móvel e imóvel, adquirido pelos agentes públicos
equiparados, sobre o qual recai, como demonstrado, veementes indícios de ilicitude
quanto à origem. Igualmente, se faz necessária a extensão da medida em relação aos beneficiários dos atos.
XIII– CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ressalte-se que não se pretende acusar os administradores e gestores diretamente
pelo prejuízo causado, excetuados os casos em que os beneficiários do esquema foram
os próprios administradores ou gestores ou pessoas a eles vinculadas.
Assim, entende-se que em razão de infração administrativa, qual seja, pela falta
de diligência ao permitir a realização de negócios em nome dos Fundos que serviam de
“seguro”, não pode caracterizar ato de improbidade.
Como se sabe, o dever de diligência implica ação dos diretores, pessoas físicas,
das administradoras/gestores dos Fundos, que implica na adoção de práticas
consistentes, objetivas e passíveis de verificação, que sejam suficientes para o
adequado entendimento e precificação dos riscos associados aos ativos investidos, bem como para garantir um padrão minimamente aceitável de controles internos e de
gerenciamento dos riscos associados à gestão de recursos de terceiros.
O regulamento anexo à Circular Bacen n° 2616 prevê, no inciso II do parágrafo
único do seu art. 2°, que a instituição administradora, por meio de seu administrador designado “é responsável, prioritariamente, nos termos da legislação em vigor,
inclusive perante terceiros, pela ocorrência de situações que indiquem fraude,
negligência, imprudência ou imperícia na administração do Fundo, sujeitando-se,
ainda, à aplicação das penalidades de suspensão ou inabilitação para cargos de
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direção em instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo
Banco Central do Brasil”.
A Instrução CVM nº 409/04, publicada em 24.08.04 e vigente a partir de
22.11.04, é ainda mais específica em relação à responsabilidade do administrador. O
art. 65, inciso XV, deixa claro que é obrigação do administrador “fiscalizar os serviços
prestados por terceiros contratados pelo Fundo”.
Pretende-se esclarecer que a falta de diligência apontada no relatório do
procedimento da CVM não configura fundamento suficiente para imputação de ato de
improbidade, situando-se a conduta mais no plano da irregularidade administrativa do que no plano da improbidade administrativa, não se podendo olvidar que nem tudo que
é ilegal ou irregular constitui-se em ato ímprobo.
No âmbito da Lei de Improbidade necessita-se de conduta grave para aplicação
das sanções drásticas, razão pelo qual a irregularidade administrativa que serve de base para impor o dever de diligência por parte dos gestores/administradores de Fundos de
investimento, não configura ato de improbidade, ainda mais quando a pessoa física ou
jurídica não obteve ganho ilegítimo.
Termina-se aduzindo que apenas se imputa conduta ímproba àqueles que obtiveram lucro com as operações irregulares no Mercado de Valores da BM&F, não
sendo coerente atribuir solidariedade aos que não obtiveram lucro, seja pessoa física
ou jurídica, levando-se em conta somente o dever de adotar medidas administrativas.
Finalmente, antes de passar ao pedido principal, cumpre apenas fazer singela observação acerca das sanções a serem aplicadas aos demandados.
As sanções, bem como a sua dosimetria, deverão ser determinadas pelo
magistrado, por ocasião da sentença condenatória, reservando-se as partes o momento
das alegações finais – se for o caso de dilação probatória - para debaterem sobre os aspectos qualitativos e quantitativos das reprimendas.
A ratio para tal constatação é por demais simples, valendo colacionar os
ensinamentos de ROGÉRIO PACHECO ALVES:
“Claro, a partir de tal visão, que por inexistir qualquer campo de
liberdade no que respeita à atuação dos legitimados à ação civil
pública, jungidos ao princípio reitor da obrigatoriedade (também ao
princípio da indisponibilidade, que é a outra face da moeda), a
correlação na ação de improbidade ganha contornos próprios,
assemelhando-a, neste passo, ao que se verifica no processo penal,
onde não cabe ao autor da ação penal condenatória delimitar, em sua
inicial, o tipo de sanção aplicável, nem tampouco a sua duração
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
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(limitação temporal)” (...) (Improbidade Administrativa. 6ª ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris; 2011, p. 853).
“(...) Solução contrária levaria a que, por exemplo, diante de fato de
imensa gravidade, a pessoa jurídica lesada, manipulada pelo agente
político, se antecipasse no ajuizamento da ação formulando pedido de
reparação do dano e de aplicação de multa civil, pura e
simplesmente, o que esvaziaria o comando contido no art. 37, § 4º, da
Carta Política e a própria razão de ser de todo o sistema repressivo
da improbidade (...)”.
“Do ponto de vista quantitativo, nenhuma possibilidade de limitação
do pedido se apresenta ao autor, tendo em conta que se o legislador
estabeleceu parâmetros sancionatórios abstratos (mínimo e máximo)
é porque deseja que o juiz, considerando as peculiaridades e as
conseqüências da conduta ímproba, os ajuste, na sentença, ao caso
concreto, atendendo, deste modo, ao imperativo constitucional de
individualização da pena (art. 5º, XLVI). Limitar o pedido, aqui,
significaria usurpar a função jurisdicional de balizamento e ferir a
ratio da fixação das sanções em parâmetros mínimo e máximo.
Significaria, também, um injustificável açodamento na medida em que
fundado em elementos ainda precários, colhidos em momento pré-
processual e apartados, por isso, do contraditório”.
“E se o autor o fizer, nas duas situações acima aludidas, não estará o
juiz vinculado ao pedido tal como formulado, dele podendo
desprender-se em sua sentença” (Improbidade Administrativa. 6ª ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris; 2011, p. 851).
Assim sendo, de bom alvitre, por ocasião da deflagração de ação civil por ato de
improbidade, que se requeira apenas a aplicação das sanções, as quais serão delineadas
no momento de se prolatar a sentença condenatória, após a dialética processual,
permeada pelo contraditório participativo, de forma muito similar ao que ocorre no
processo penal.
XIV - DOS PEDIDOS
Diante do exposto, requer o Ministério Público:
1) O recebimento e a autuação da presente ação civil pública;
2) A notificação dos demandados para, em querendo, apresentarem manifestação por
escrito, nos termos do art. 17 da Lei nº 8429/92;
3) Em seguida, recebida a inicial, a citação dos réus para, em assim desejando,
apresentarem as contestações, sob pena de revelia e confissão;
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania
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4) A procedência do pedido para condenar os réus nas sanções do art. 12 da Lei de
Improbidade Administrativa, inclusive no que tange às sanções correlatas aos atos que se amoldam à sistemática dos artigos 9º, 10 e 11 da LIA, conforme restará provado no
decorrer da instrução processual, aí contido o ressarcimento do dano ao erário, na
medida de sua culpabilidade e do indevido enriquecimento (R$ 21.882.877,00),
acrescido dos índices inflacionários e juros legais;
6) A condenação dos réus nos ônus da sucumbência, os quais deverão ser revertidos
para o Fundo Especial do Ministério Público, criado pela Lei Estadual n° 2.819, de
07.11.97, e regulamentado pela Resolução GPGJ n° 801, de 19.03.98;
7) A dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde logo, à
vista do disposto no art. 18 da Lei nº 7.347/1985 e do art. 87 da Lei nº 8.078/90.
8) A citação da CEDAE e do Estado do Rio de Janeiro, na forma do que dispõe o
artigo 17, § 3°, Lei 8429/92;
9) Liminarmente, a decretação de indisponibilidade dos bens dos requeridos (no valor da
causa), na forma do art. 7° da Lei 8429/92, n/f dos artigos 301 e segs. do CPC, sendo
requisitado às autoridades supervisoras do sistema bancário e do mercado de capitais,
preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome dos réus, com a determinação de sua indisponibilidade, através do sistema BACEN-JUD,
até o valor da causa, assim como o envio de correspondência eletrônica (e-mail) com a
ordem de indisponibilidade de bens e/ou direitos, para todos os órgãos e entidades que
promovem o registro e transferência de bens móveis e de registros públicos de Imóveis,
para que tais entes adotem de imediato o comando da constrição patrimonial.
O Ministério Público protesta, desde logo, pela produção das provas admitidas em
Direito, notadamente a testemunhal, a documental e pericial, além do depoimento pessoal
dos réus, juntada de documentos e tudo o mais que se fizer necessário à completa
elucidação dos fatos articulados na presente petição inicial.
Dá-se à causa valor de R$ 21.882.877,00 (vinte e um milhões, oitocentos e
oitenta e dois mil, oitocentos e setenta e sete reais), que espelha o somatório dos
valores auferidos pelos demandados na BM&F.
Nestes Termos, P. deferimento.
Rio de Janeiro, 25 de julho de 2017.
FLÁVIO BONAZZA DE ASSIS LIANA BARROS CARDOZO DE SANT’ANA
Promotor de Justiça Promotora de Justiça
Matrícula 2294 Matrícula 1806