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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS2ª Promotoria de Justiça de Minaçu
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE
MINAÇU
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por intermédio do
Promotor de Justiça infrafirmado, titular da 2ª Promotoria de Justiça de Minaçu, com
fulcro nos artigos 5°, inciso XXXII, 127, caput e 129, inciso III, todos da Constituição da
República, nas disposições do Código de Defesa do Consumidor e no Código de Processo
Civil, ajuíza a presente
AÇÃO CIVIL COLETIVA
COM PEDIDO DE LIMINAR
em face de JR PASSAGENS E TURISMO LTDA, pessoa jurídica de direito
privado, CNPJ n.º 04.099.762/0001-48, com sede na Avenida Goiás, n.º 558, Centro,
Minaçu; e
NOBRE SEGURADORA DO BRASIL S.A, pessoa jurídica de direito
privado, CNPJ n.º 85.031.334/0001-85, com sede na Rua Vergueiro, n. 7213, Ipiranga,
CEP 04273-200, São Paulo, Estado de São Paulo, com fundamento nas razões de fato e
de direito a seguir expostas.
I – DOS FATOS
No dia 13 de agosto de 2008, um ônibus de propriedade da ré JR
Passagens e Turismo LTDA, sofreu um grave acidente em uma estrada de terra que liga
Uruaçu ao Riachão, no Município de Uruaçu. Na ocasião do acidente, o ônibus
transportava 23 passageiros.
Segundo apurado pela Polícia Militar, que atendeu a ocorrência do
acidente, o ônibus trafegava do Riachão (zona rural de Uruaçu) para a cidade de Minaçu,
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com sua lotação de passageiros completa, sendo que nas proximidades do Rio Riachão, o
ônibus perdeu o sistema de freio, tendo o motorista perdido o controle do veículo. O
ônibus sem freio, desgovernado, colidiu com a cabeceira da ponte e tombou, caindo no
leito do rio, causando graves ferimentos na maioria dos passageiros e também no
motorista.
O policial militar responsável pela ocorrência relata que o resgate das
vítimas ocorreu com muita dificuldade. Os passageiros que ostentavam os ferimentos
mais graves foram encaminhados para o Hospital de Uruaçu. Em seguida, os passageiros
mais graves foram internados no Hospital Ortopédico de Uruaçu.
Os consumidores que estavam no interior do veículo são os seguintes:
MARIA CÂNDIDO MARIANO CARDOSO, LARISSA OLIVEIRA SOUZA, IGOR LUIZ BARBOSA
COSTA, CAROLINE RODRIGUES DE MACEDO, EDINALDO ALVES GUERRA, RODRIGO
BATISTA MENDES, EDIVALDO JOSÉ DE LIMA, ELAINE JANUÁRIO DE LIMA, WAGNER DE
SOUZA BARBOSA, TEREZINHA TOMAZ TEIXEIRA, EDSON FILHO BARROS MARTINS,
MARIA APARECIDA PEREIRA DE OLIVEIRA, ALAIDE MARIA DE SOUZA, RAIMUNDO DE
SOUZA BARROS, THIAGO TAVEIRA DE MORAIS, NEURIENE PEREIRA DOS SANTOS,
ADRIANA RODRIGUES VIEIRA, SALETE DE MERCÊS DA SILVA, ELISA DE SOUZA BARROS
MARTINS, ZILMAR MARIANO CARDOSO, AMANDA CARDOSO GONÇALVES SILVA,
VALDELICE CARVALHO OLIVEIRA SOUZA e DOLORES MERCÊS DA SILVA.
A perícia técnica da Polícia Civil detectou que “a mangueira do reservatório
do ar encontrava-se sem a válvula de descarga”, traduzindo a ausência de um
equipamento obrigatório.
A perícia técnica científica da Polícia Civil descreve o acidente da seguinte
forma: “o condutor da unidade de tráfego V-1 (Pas/Ônibus) demandava pela estrada
Uruaçu – GO/Riachão na sua mão de direção e desenvolvendo sentido de tráfego do
Riachão/Uruaçu-GO, quando nas proximidades da Ponte do Rio Riachão em local de
declive moderado com curva a esquerda de pequeno raio antecedendo a ponte, devido a
uma falha no sistema de freio veio a desenvolver velocidade incompatível para o local,
adentrando com o seu flanco direito fora da delimitação direita da ponte, onde veio a
tombar sobre seu setor lateral direito, onde teve seu repouso sobre o leito do rio.
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Efetuando uma varredura pelo local imediato evidenciamos marcas de fricção na
extremidade direita das tabuas da ponte, bem como quebra do guarda mão. Vistoriando
o ssitema de freios da unidade de tráfego V-1 (Pas/Ônibus) constatamos que a
mangueira do reservatório de ar encontrava-se sem a válvula de descarga do ar e o
“maneco” enconteava-se na posição de que foi acionado (puxado). Em análiose do disco
diagrama do tacógrafo de 24 horas da unidade de tráfego Pas/Ônibus, constatamos que
defasagem de 12 (doze) horas entre o disco e o relógio e o acidente ocorreu por volta
das onze horas e quarenta minutos (11h40min) do dia treze do mês de julho do ano de
dois mil e oito (13/07/2008) e o processo de desaceleração da referida unidade de
tráfego, iniciou-se a aproximadamente sessenta quilômetros por hora (60 Km/h)”.
A perícia técnica conclui: “efetuado o levantamento pericial e após análise
das circunstâncias em que o mesmo ocorreu, os peritos a que este subscreve, concluem
como sendo causa, o fato da unidade de tráfego V-1 (Pas/ônibus) apresentar defeito
mecânico em seu sistema de freios, resultando assim na saída de pista, ocasionando o
sinistro”.
Apesar do grave acidente, os consumidores da empresa compareceram no
Ministério Público relatando a situação de desleixo em que se encontravam, sem receber
indenizações e o tratamento médico adequado. Diante da lesão coletiva aos direitos
básicos encartados no Código de Defesa do Consumidor, o Ministério Público designou
audiência pública com todos consumidores lesados e a empresa JR Passagens.
Na audiência pública, realizada no dia 26 de agosto de 2008, vários
consumidores lesados compareceram.
A vítima ALAÍDE MARIA DE SOUZA, relatou que quebrou a clavícula e que
demorou a ser atendida pela empresa e seguradora, tendo efetuado gastos na ordem de
R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) com transporte, alimentação e despesas em geral.
ELÍSIA DE SOUZA BARROS alega que fraturou a coluna no acidente e não
teve assistência médica da empresa de viagens e da seguradora, tendo sido atendida na
rede pública de saúde, em especial no HUGO (Hospital de Urgências de Goiânia). ELÍSIA
relata que teve gastos com medicação e que seu filho, também vítima no acidente, ao
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ser atendido no HUGO, foi vítima de erro médico, pois o seu braço foi engessado da
forma errada, gerando seqüelas permanentes. Segundo estimativa de ELÍSIA, o
atendimento ao seu filho custou aproximadamente R$ 1.000,00 (mil reais).
RAIMUNDO DE SOUZA BARROS também não teve auxílio da empresa de
turismo e da seguradora, tendo ele próprio arcado com as despesas médicas.
MARIA CÂNDIDA MARIANA CARDOSO quebrou o joelho e machucou a boca
e até a data da audiência pública não tinha realizado um Raio-X. A vítima também não
recebeu assistência médica da empresa de turismo e da segurado, tendo sido atendida
no rede pública de saúde.
DOLORES MERCÊS DA SILVA fraturou a rótula do joelho e foi atendida
apenas na rede pública de saúde.
ADRIANA RODRIGUES quebrou dois ossos da bacia e só teve assistência da
empresa e da seguradora muito tempo depois do acidente, tendo ela tido gastos com
alimentos e remédios.
EDNALDO ALVES GUERRA conta que teve assistência da empresa e da
seguradora, mas não foi indenizado pelos danos morais e materiais que sofreu.
ZILMAR MARIANO CARDOSO reclamou de forma incisiva do tratamento que
está recebendo da empresa de ônibus. Alega que quebrou o braço no acidente e não foi
atendido pela empresa ou seguradora, tendo sido atendido na rede pública de saúde.
ZILMAR aduz que precisa realizar nova consulta em Goiânia e não tem condições de
arcar com as despesas e a empresa de ônibus não providencia qualquer tipo de ajuda.
ELISÂNGELA, mãe da vítima IGOR, conta que seu filho quebrou o braço e
também foi vítima de erro médico, pois o braço da criança foi engessado errado e, por
isso, ficará torto para sempre.
No curso das investigações encetadas pelo Defensor del Pueblo foram
vários consumidores lesados, que relatam o descaso da empresa de turismo e da
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seguradora com os seus problemas de saúde. O Ministério Público não ignora que alguns
consumidores foram atendidos a contento, mas a grande maioria das vítimas está
inconformada com a situação de descaso, pois não receberam um adequado tratamento
médico, além de não terem sido indenizadas pelos danos materiais e morais gerados pelo
acidente.
É inegável que as vítimas de um acidente automobilístico sofrem grave
dano moral. Além do patente dano moral, há o dano patrimonial, consistente nos objetos
quebrados e perdidos em razão dos acidentes, os dias de trabalho perdidos, os remédios
e tratamentos, etc.
Diante desse esquadro fático, resta cristalina a agressão aos direitos dos
consumidores indicados nesta ACP, que sofrem com os abusos perpetrados pela
requerida, que demite-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos difusos e
coletivos do consumidores, o que indica a imperiosa necessidade do Judiciário, por
intermédio deste instrumento processual de tutela coletiva, resguardar os direitos dos
consumidores catalogados no CDC, como preceitua a Constituição da República.
A lesão aos direitos coletivos dos consumidores autoriza a defesa coletiva
em juízo, porque o Ministério Público é parte legitimidade para aforar ação civil pública
na tutela de direitos difusos e coletivos.
II – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS
II.A) DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
A Constituição da República apregoa que ao Ministério Público compete, no
exercício de suas excelsas missões institucionais, a promoção de ação civil pública para a
proteção de interesses difusos e coletivos, senão vejamos a redação do artigo 129, III,
da Lei Fundamental:
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.
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Em consonância com essa orientação, a Lei Orgânica do Ministério Público
– Lei federal n.º 8.625/93 – assim estatui:
“Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio
ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos;
Com a introdução no sistema de direito positivo do Código de Defesa do
Consumidor, que inaugurou uma nova fase na Jurisdição Coletiva, é indene de dúvidas
que o Ministério Público é parte legítima para aforar ação civil pública com a finalidade de
tutelar direitos coletivos dos consumidores hipossuficientes. Esta é a exegese que se
extrai do artigo 82, inciso I, do CDC.
Por oportuno, vale trazer à baila a festeja doutrina de Antônio Herman
Benjamin, Ministro do Superior Tribunal de Justiça:
“A legitimação do Ministério Público e a ampliação das suas funções pelo Código vem no esteio do estabelecido pela Lei da Ação Civil Pública e pelo perfil que a Constituição de 1988 imprimiu à Instituição, sobretudo em relação a sua independência e sua autonomia. O Ministério Público, neste sentido, aparece tanto sob o aspecto criminal, como titular da ação penal pública, quanto no âmbito civil, como órgão vocacionado à tutela dos interesses coletivos. Nesse particular, a proteção do consumidor constitui interesse indisponível, cabendo ao Ministério Público, como legitimado para agir, de um lado, vincular-se à proteção do consumidor, cuja presunção é de hipossuficiência, promovendo o equilíbrio na defesa judicial dos direitos lesados, e, de outro, contemplar os diversos consumidores lesados em decorrência de uma dada conduta do fornecedor. A dimensão coletiva da atuação do Ministério Público: Segundo estabelece o CDC, a rigor o Ministério Público tem legitimação para interpor ação coletiva com o fim de tutelar qualquer dos interesses e direitos contemplados no art. 81, parágrafo único. Para tanto, comunicam-se as normas do Código e da Lei da Ação Civil Pública no que diz respeito aos procedimentos observados para interposição da ação. A atuação do Ministério Público pode se dar tanto no controle repressivo, a posteriori, com o objetivo de cominar sanção a violação de direitos dos consumidores por parte dos fornecedores, ou ainda o controle preventivo que, mesmo tendo sido vetado o dispositivo específico que autoriza o Ministério Público efetuar controle administrativo das cláusulas abusivas, não se pode desconsiderar que o CDC elenca como direito básico do consumidor a prevenção de danos (art. 6º, VI), mantendo-se em vigor, de todo modo, o § 4º do art. 51, pelo qual o
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Ministério Público, mediante requerimento, é legítimo para provocar o controle judicial destas mesmas cláusulas. Neste sentido, a atuação preventiva, em matéria de cláusulas abusivas ou qualquer outra lesão a direitos dos consumidores, encontra fundamento no Código. Para esse efeito o Ministério Público pode lançar mão dos diversos instrumentos que se encontram a disposição, tanto no Código quanto na Lei da Ação Civil Pública e na sua legislação institucional, dentre os quais, o inquérito civil” (Benjamin, Antônio Herman V. et alii. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, pág. 987).
A legitimação autônoma para a condução do processo do Ministério Público
decorre inexoravelmente do direito fundamental previsto no artigo 5°, XXXII, da
Constituição Federal, porquanto a instituição ministerial reveste-se dos atributos
necessários para perseguir a adequada tutela jurisdicional.
Com efeito, a situação retratada na vestibular indica desrespeito aos
direitos coletivos dos consumidores, nos moldes do artigo 81, parágrafo único, inciso II,
do CDC, segundo o qual interesses ou direitos coletivos são “os transindividuais de
natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas
entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base”.
A defesa do consumidor é direito fundamental previsto no artigo 5º, inciso
XXXII, e princípio da ordem econômica consagrado no artigo 170, V, da Constituição da
República. Dentre desse contexto, a facilitação do acesso à Justiça é direito básico do
consumidor (artigo 6º, VII e VIII, CDC), de sorte que a tutela coletiva de direitos dos
consumidores consiste no mais importante instrumento de acesso e efetividade destes
novos direitos. Por essa razão a Constituição Federal e o CDC investem o Ministério
Público de legitimidade para a promoção da defesa coletiva dos consumidores lesados.
A jurisdição coletiva é a segunda onda do processo civil moderno,
mecanismo avançado de acesso à Justiça. Conforme observa o mestre italiano Mauro
Cappelletti, a segunda onda do movimento de acesso à Justiça refere-se à proteção dos
interesses transindividuais, fenômeno que surgiu com toda a força, de forma a por em
evidência a absoluta falta de adequação dos velhos esquemas, típicos da tradicional
imposição individualista do processo civil, à tutela dos direitos coletivos e difusos” (La
protección de los interesses colectivos o difusos. In XIII Jornadas Iberoamericanas de
Derecho Procesal. Ciudad Del México: UNAM, 1993, p. 245).
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O cabimento da tutela coletiva, em demandas desta envergadura, encontra
amparo no artigo 91 do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual “os
legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome próprio e no interesse das
vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos
individualmente sofridos”.
O Ministério Público é o órgão com vocação natural para a defesa coletiva
dos consumidores, com legitimação expressamente prevista no artigo 82 do Código de
Defesa do Consumidor.
Patente, portanto, que o Ministério Público é parte legítima para patrocinar
a defesa coletiva dos interesses difusos e coletivos dos consumidores lesados, com
legitimidade autônoma para a condução do processo.
II.B) DA LEGITIMIDADE PASSIVA
A legitimidade passiva da ré JR PASSAGENS E TURISMO LTDA não
apresenta grandes dificuldades, porquanto ela é a responsável direta pelo evento
danoso, tratando-se da transportadora prestadora do serviço que gerou o acidente de
consumo. O acidente ocorreu no bojo da execução de um contrato de transporte, com os
consectários de uma relação de consumo, sofrendo os influxos normativos do Código Civil
e do Código de Defesa do Consumidor, com base na doutrina germânica do diálogo das
fontes, adotada pela jurisprudência pátria.
Conforme redação da cabeça do artigo 14 do CDC, “O fornecedor de
serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos
causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como
por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.
Na esteira da legislação consumerista, dispõe o artigo 734, caput, do
Código Civil, que “o transportador responde pelos danos causados às pessoas
transportadas e sua bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula
excludente da responsabilidade”.
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Inegável, à evidência, a legitimidade passiva da ré JR PASSAGENS E
TURISMO LTDA.
Na mesma senda segue a legitimidade passiva da SEGURADORA NOBRE,
que decorre do contrato de seguro firmado entre ela e a transportadora. Sobre a
possibilidade de a seguradora figurar no pólo passivo de demandas deste jaez, eis a
jurisprudência:
INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. ÔNIBUS. PROPRIETÁRIA DO VEÍCULO AUTOMOTOR E SEGURADORA LEGÍTIMAS A FIGURAR NO PÓLO PASSIVO. PRELIMINARES REFUTADAS. DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO.1. Evidentemente a proprietária do veículo automotor (ônibus) causador do acidente é parte legítima para figurar no pólo passivo da ação indenizatória, e, também, a seguradora, tendo-se em vista o vínculo jurídico existente entre elas. Preliminares rejeitadas.(Apelação Cível nº 1.0701.05.114949-3/001(1), 13ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Francisco Kupidlowski. j. 01.03.2007, unânime, Publ. 16.03.2007).
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SEGURADORA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. RECURSO PROVIDO. A seguradora tem legitimidade passiva para ser diretamente demandada pela vítima, por força dos termos da apólice. Agravo conhecido e provido. (TJMG, AGRAVO N° 1.0134.06.065728-2/001 Desembargadora MÁRCIA DE PAOLI BALBINO).
Por oportuno, tenho como indispensável citar o voto da Desembargadora
Márcia de Paoli Balbino, que ocupou por quase uma década a cadeira de examinadora de
direito civil do concurso de ingresso na magistratura mineira, in verbis:
A princípio, poder-se-ia dizer que o autor da ação de indenização decorrente de acidente de veículo só poderia ajuizar ação contra o segurado causador do dano. Isto porque o autor, vítima, não teria contrato com a seguradora, nem esta estaria envolvida no acidente automobilístico. Todavia, referido raciocínio não consiste baliza de solução do ponto central da controvérsia. O ponto central a considerar é se a seguradora tem ou não responsabilidade civil para com terceiros, no caso para com o autor. E a resposta a esta indagação é afirmativa. É que, ao firmar contrato e apólice de seguro, a seguradora garantiu ao segurado a indenização de danos que este viesse a causar a terceiro, no caso o autor. Veja-se que a seguradora veio ao presente recurso e também ingressou na relação processual por citação válida, e não negou que a apólice garanta dano contra terceiro. Por esta razão, se este terceiro sofreu dano, em princípio causado pelo segurado, e se a apólice de seguro está vigente, pode este terceiro, vítima em princípio, acionar diretamente só a seguradora, ou esta juntamente
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com o suposto causador do dano, segurado. Se a seguradora, em princípio, tem responsabilidade civil de indenizar possível vítima de atos do segurado, a vítima, no caso o autor, ora agravante, não tem que enfrentar o oneroso e demorado processo executivo contra apenas o segurado, com riscos diversos de insucesso nesta empreitada. Por isso, se a apólice já prevê a indenização da seguradora por dano a terceiro, este pode acionar diretamente a seguradora. Em situação análoga decidiu o egrégio Superior Tribunal de Justiça: "Recurso especial. Ação de indenização diretamente proposta contra a seguradora. Legitimidade. 1. Pode a vítima em acidente de veículos propor ação de indenização diretamente, também, contra a seguradora, sendo irrelevante que o contrato envolva, apenas, o segurado, causador do acidente, que se nega a usar a cobertura do seguro. 2. Recurso especial não conhecido." (Ac. no REsp. nº 228.840 - RS, 3ª Turma, rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 26.06.2000, in www.stj.gov.br, disponível em 15.03.2007). No mesmo sentido: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. CULPA DO SEGURADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. TERCEIRO PREJUDICADO. SEGURADORA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. - (...). - A ação indenizatória de danos materiais, advindos do atropelamento e morte causados por segurado, pode ser ajuizada diretamente contra a seguradora, que tem responsabilidade por força da apólice securitária e não por ter agido com culpa no acidente. - (...) Recurso provido na parte em que conhecido." (Ac. no REsp. nº 444.716 - BA, 3ª Turma, relª Ministra Nancy Andrighi, j. em 11.05.2004, in www.stj.gov.br, disponível em 15.03.2007). "RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. ATROPELAMENTO. SEGURO. AÇÃO DIRETA CONTRA SEGURADORA. A ação do lesado pode ser intentada diretamente contra a seguradora que contratou com o proprietário do veículo causador do dano. Recurso conhecido e provido." (Ac. no REsp. nº 294.057 - DF, 4ª Turma, rel. Ministro Ruy Rosado, j. em 28.06.2001, in www.stj.gov.br, disponível em 14.03.2007). Neste Tribunal, como bem demonstrou o agravante com as transcrições feitas, outro não tem sido o entendimento: 1) DECISÃO QUE EXCLUI DA LIDE UM DOS CO-RÉUS - DÚVIDA FUNDADA SOBRE O RECURSO CABÍVEL - INTERPOSIÇÃO DE APELAÇÃO - PRAZO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL - RECURSO CONHECIDO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ACIDENTE DE VEÍCULOS - JURISPRUDÊNCIA - POSSIBILIDADE DE A VÍTIMA SE VOLTAR DIRETAMENTE CONTRA A SEGURADORA - APELO PROVIDO. (...) A jurisprudência, especialmente do Superior Tribunal de Justiça, tem entendido que a vítima de acidente pode propor ação, diretamente, contra a seguradora do veículo pertencente ao causador do sinistro, deixando claro, porém, que devem ser respeitados os limites do contrato de seguro." (Ac na Ap. nº 2.0000.00.510.411-6/001, 17ª Câmara Cível, rel. Des. Eduardo Mariné da Cunha, j. em 02.06.2005, in www.tjmg.gov.br, disponível em 14.03.2007). 2) AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DIRETA CONTRA A SEGURADORA - ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO - PÓLO PASSIVO - SEGURADORA E SEGURADO. - Há que se admitir a interposição da ação de indenização pela vítima diretamente contra a Seguradora, especialmente nos casos em que o Segurado também integra o pólo passivo da demanda, já que, de tal forma, restará amparado o direito de defesa da própria
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Seguradora, na medida em que se confere oportunidade para o Segurado se defender, trazendo aos autos importantes subsídios probatórios. - Não faz nenhum sentido expor a vítima ao risco de não se ver indenizada, na hipótese de o Segurado, causador do dano, não poder proceder ao pagamento da indenização, mesmo na hipótese em que este esteja protegido por contrato de seguro de responsabilidade civil. Tal situação, inexoravelmente, conduziria ao enriquecimento indevido da Seguradora. - Apelação não provida." (Ac. na Ap. 385.742-3, 2ª Câmara Cível, rel. Des. Pereira da Silva, j. em 05.08.2003, in www.tjmg.gov.br, disponível em 14.03.2007). 3) ACIDENTE DE TRÂNSITO - SEGURADORA - LEGITIMIDADE PASSIVA. A ação do lesado pode ser intentada diretamente contra a seguradora que contratou com o proprietário do veículo causador do dano. (...)." (TAMG, 7ª Câm. Cível, Ap. Cível nº 470.976-8, rel. Juiz Mota e Silva, j. em 17.2.2005). 4) EMENTA: APELAÇÃO CIVIL - PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ACIDENTE DE TRÂNSITO -CONTRATO DE SEGURO - ESTIPULAÇÃO EM FAVOR DE TERCEIRO - LEGITIMIDADE PASSIVA. A ação de indenização por danos sofridos em decorrência de acidente de trânsito causado por segurado pode ser ajuizada diretamente contra a seguradora, cuja responsabilidade decorre da apólice securitária." (Ac. na Ap. nº 1.0035.05.053541-4/001 relª Desª. Hilda Teixeira da Costa, j. em 23.11.2006, in www.tjmg.gov.br, disponível em 14.03.2007). E não se diga que o fato de a ré, após a citação, já ter denunciado da lide a seguradora evitaria eventual prejuízo do agravante e afastaria a seguradora do pólo passivo na lide principal. Ora, ao ajuizar a ação o agravante optou por fazê-lo também contra a seguradora. A seguradora, como já exposto, tem, sim, legitimidade passiva para figurar no pólo passivo da ação. Então, se a seguradora já estava no pólo passivo antes da denunciação, é o réu denunciante, quem não teria, em princípio, interesse de agir contra a seguradora via lide secundária, porque esta já estava no pólo passivo da lide principal e inclusive contestou a ação. Lado outro, risco de prejuízo eventual ao autor haveria sim, na medida em que o réu denunciante, no caso Martifer Ltda, frustasse a imediata execução de eventual sentença favorável ao agravante, quer por resistência à execução, quer por insuficiência de ativos, quer pela potencial possibilidade de pedido de recuperação judicial, dentre outras hipóteses jurídicas e potencialmente possíveis. Por isso, não há se falar em falta de interesse de agir do agravante em relação à seguradora agravada, muito menos em ilegitimidade passiva desta.
Esclarecida, à evidência, a legitimidade passiva da seguradora.
II.C) DA RESPONSABILIDADE POR FATO DO SERVIÇO
Preceitua o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor que
“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.
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A regra do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor impõe a
responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços.
Cláudia Lima Marques leciona que “a responsabilidade imposta pelo art. 14
do CDC é objetiva, independente de culpa e com base no defeito, dano e nexo causal
entre o dano ao consumidor-vítima (art. 17) e o defeito do serviço prestado no mercado
brasileiro. Com o CDC, a obrigação conjunta de qualidade-segurança, na terminologia de
Antônio Herman Benjamin, isto é, de que não haja um defeito na prestação do serviço e
conseqüente acidente de consumo danoso à segurança do consumidor-destinatário final
do serviço, é verdadeiro dever imperativo de qualidade (arts. 24 e 25 do CDC), que
expande pra alcançar todos os que estão na cadeia de fornecimento, ex vi art. 14 do
CDC, impondo a solidariedade de todos os fornecedores da cadeia, inclusive aqueles que
a organizam, os servidores diretos e os indiretos (parágrafo único do art. 7º do
CDC)” ( Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª edição. São Paulo: 2006,
p. 288).
É inegável o fato de que a ré JR Passagens e Viagens LTDA se enquadra
perfeitamente no conceito de fornecedor. Conforme estatui o artigo 3° do CDC,
“fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira,
bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços”. A ré JR Passagens e Viagens
LTDA é uma pessoa jurídica privada, nacional, que desenvolve atividades de prestação de
serviços de viagens e turismo.
Segundo o parágrafo segundo do artigo 3° do CDC, “serviço é qualquer
atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de
natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes de caráter
trabalhista”. O serviço prestado pela ré JR Passagens e Viagens, consistente na locação e
organização de viagens de turismo configura serviço apto a gerar relação de consumo.
Configura relação de consumo o fretamento de ônibus de turismo para
excursão, sobretudo quando o veículo é conduzido por motorista da própria empresa de
turismo. Não há simples locação do ônibus, pelo contrário, há relação de consumo e
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contrato de transporte. Por oportuno, vale registrar a jurisprudência do egrégio Tribunal
de Justiça de Minas Gerais:
“A prestação de serviços de transporte de passageiro caracteriza-se como relação de consumo, por se inserir perfeitamente nos ditames dos arts. 2º e 3º, § 2º, do CDC, uma vez que o transportador figura inqüestionavelmente como autêntico prestador de serviços, devendo a sua responsabilidade ser decidida sob o abrigo da responsabilidade civil objetiva, persistindo ao autor da ação, entretanto, a prova do dano e do nexo de causalidade. O furto ou extravio de bagagem, percebido quer na partida, quer ao término da viagem, causa dor moral que nasce dos transtornos e aborrecimento causados, pela perda de objetos pessoais e pela própria indignação acarretada em razão de serviço ineficiente, por parte da empresa de turismo, que assume a responsabilidade do transporte rodoviário de passageiros”. (Apelação Cível nº 1.0024.06.933254-2/001(1), 9ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Tarcísio Martins Costa. j. 02.10.2007, unânime, Publ. 16.10.2007).
Em sustentação à pretensão deduzida nesta ação coletiva, deve ser
invocado, ainda, o regramento do contrato de transporte previsto no Código Civil, centro
de gravidade das normas que regem o contrato de transporte (artigo 732).
Conforme conceito do artigo 730 do Código Civil, “pelo contrato de
transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para
outro, pessoas ou coisas”.
As vítimas do fatídico acidente contrataram a ré JR Passagens e Viagens
LTDA, mediante o pagamento de um valor definido, para transportá-las de Minaçu até a
zona rural de Uruaçu, e, depois, trazê-las de volta. Configurado, portanto, o contrato de
transporte.
A perfectibilização do contrato de transporte impõe ao transportador a
obrigação de responder pelos danos causados às pessoas transportadas e suas
bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da
responsabilidade (artigo 734, caput, Código Civil).
É verdade que o artigo 732 do Código Civil estabelece uma relação de
primazia das normas vertidas no Código Civil sobre as leis esparsas especiais, sendo o
Código Civil o centro de gravidade do regime jurídico do contrato de transporte. A
professora Cláudia Lima Marques conclui que “as normas do CC/2002 para regular os
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transportes deverão ter prevalência em relação às normas contratuais do
CDC” (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª edição. São Paulo: 2006, p.
290).
No entanto, a primazia do Código Civil não arreda em absoluto a incidência
do regramento do Código de Defesa do Consumidor. Em verdade, há uma relação de
subsidiariedade e complementariedade entre o Código Civil e o Código de Defesa do
Consumidor, sobretudo de ordem principiológica, com o escopo de conferir máxima
efetividade ao comando inserto no artigo 5°, inciso XXXII, da Carta de Outubro.
A professora Cláudia Lima Marques, com arrimo na avançada doutrina
alemã, leciona que na relação entre o Código Civil e o CDC ocorre um “diálogo das
fontes”, que permite a aplicação simultânea, coerente e coordenada das múltiplas fontes
legislativas convergentes. A doutrina do diálogo das fontes determina a aplicação
conjunta de duas normas ao mesmo tempo. Trata-se de um diálogo sistemático de
coerência, pois o Código Civil funciona como base conceitual do CDC e têm,
praticamente, os mesmos princípios.
Não é por outra razão que o artigo 7° do CDC dispõe que “os direitos
previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções
internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de
regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos
que derivem dos princípios gerias do direito, analogia, costumes e eqüidade”.
O artigo 7° do CDC funciona como uma cláusula de abertura, uma interface
com toda a ordem jurídica. Muito embora o CDC ostenta o caráter de lei especial, o
próprio CDC autoriza a aplicação de outra regra prevista em outro ato normativo, desde
que mais favorável ao consumidor. O legislador agiu preocupado em arquitetar uma lei
maleável, com válvulas de escape para a máxima efetividade da adequada proteção do
consumidor, como determina o artigo 5°, inciso XXXII, da Constituição Federal. Nessa
quadra, há que se utilizar a norma mais favorável aos direitos dos consumidores.
A propósito, tenho como imprescindível citar a douta lição da professora
Cláudia Lima Marques, in verbis:
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“Diante da pluralidade atual de leis, há que se procurar o diálogo, utilizando a lei mais favorável ao consumidor. Assim, no caso do CC/2002, o ideal não é mais perguntar somente qual o campo de aplicação do novo Código Civil de 2002, quais seus limites, qual o campo de aplicação do CDC e quais seus limites, mas visualizar que a relação jurídica de consumo é civil e é especial, tem uma lei geral subsidiária por base e uma (ou mais) lei especial para proteger o sujeito de direito, sujeito de direitos fundamentais, o consumidor. Nesta ótica, ambas as leis se aplicam à mesma relação jurídica de consumo e colaboram com a mesma finalidade, concorrendo, dialogando, protegendo, com luzes e eficácias diferentes caso a caso, mas com uma mesma finalidade, a cumprir o mandamento constitucional. Neste sentido, não é o CDC que limita o Código Civil, é o Código Civil que dá base e ajuda ao CDC, e se o Código Civil for mais favorável ao consumidor do que o CDC, não será esta lei especial que limitará a aplicação da lei geral (art. 7º do CDC), mas sim dialogarão à procura da realização do mandamento constitucional de proteção especial do sujeito mais fraco. Assim, por exemplo, se o prazo prescricional ou decadencial do CC/2002 é mais favorável ao consumidor, deve ser este usado, ex vi art. 7º do CDC, deve-se usar o prazo prescricional mais favorável ao consumidor” ( Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª edição. São Paulo: 2006, p. 221).
O artigo 7º do CDC é a cláusula de abertura do microssistema (interface),
viabilizando a aplicação de leis mais favoráveis ao consumidor, inclusive gerais, como o
Código Civil, no sentido do favor debilis.
Estabelecidas as bases teóricas para o desate da questão, urge assinalar a
inexorável responsabilidade civil das rés em assegurar aos consumidores lesados o
adequado, satisfatório e integral atendimento médico, bem como as indenizações pelos
danos materiais, morais e estéticos causados.
Todo o consumidor, por presunção absoluta, é vulnerável (artigo 4°, inciso
I, CDC). O princípio da vulnerabilidade é razão da existência do CDC, seu fundamento
básico. Não fosse o consumidor considerado vulnerável, não haveria necessidade do
CDC. Diante desta patente vulnerabilidade, a empresa ré deveria ter adotado todas as
providências necessárias para garantir um adequado e integral tratamento médico para
todas as vítimas, além de assegurar uma justa indenização a todos os passageiros,
indenização que deve englobar os danos materiais, morais e estéticos.
Segundo a dicção do artigo 4°, III, do CDC, um dos objetivos da política
nacional de consumo é a “harmonização dos interesses dos participantes das relações de
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consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de
desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se
funda a ordem econômica (art. 170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé
e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”.
Todavia, quebrando o princípio da boa-fé objetiva, a empresa ré limitou-se
a providenciar uma assistência médica insatisfatória e incompleta, para alguns
consumidores. O princípio da boa-fé objetiva impõe a observância de um padrão ético de
conduta nas relações de consumo, sendo fonte de deveres anexos, laterais, tais como a
lealdade, a probidade e a honestidade. Impende consignar que o princípio da boa-fé
objetiva, plasmado no artigo 4°, inciso III, CDC, têm origem germânica (artigo 242 do
BGB) e significa lealdade e confiança nas relações de consumo.
Em consonância com a doutrina de vanguarda dispõe o artigo 113 do
Código Civil que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os
usos do lugar de sua celebração”.
Não é por outra razão que o professor Miguel Reale, presidente da
Comissão encarregada de elaborar o vigente Código Civil, denomina o artigo 113 do
Código Civil de o “artigo chave”, por condensar em seu texto os três princípios que
orientaram a elaboração do código, a saber, a eticidade, a socialidade e a operabilidade
(História do Novo Código Civil. 2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 240).
A respeito da boa-fé, o professor Miguel Reale leciona que a boa-fé “é o
cerne ou a matriz da eticidade, a qual não existe sem a intentio, sem o elemento
psicológico da intencionalidade ou do propósito de guardar fidelidade ou lealdade ao
passado. Dessa intencionalidade, no amplo sentido dessa palavra, resulta a boa-fé
objetiva, como norma de conduta que deve salvaguardar a veracidade do que foi
estipulado. Boa-fé é, assim, uma das condições essenciais da atividade ética, nela
incluída a jurídica, caracterizando-se pela sinceridade e probidade dos que dela
participam, em virtude do que se pode esperar que será cumprido e pactuado sem
distorções ou tergiversações, máxime se dolosas, tendo-se sempre em vista o
adimplemento do fim visado ou declarado como tal pelas partes. Como se vê, a boa-fé é
tanto forma de conduta como norma de comportamento, numa correlação objetiva entre
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meios e fins, como exigência de adequada e fiel execução do que tenha sido acordado
pelas partes, o que significa que a intenção destas só pode ser endereçada ao objetivo a
ser alcançado, tal como este se acha definitivamente configurado nos documentos que o
legitimam” (História do Novo Código Civil. 2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, p.
241/242).
Os deveres anexos ou laterais, agora encontram previsão expressa no
artigo 422 do Código Civil, segundo o qual “os contratantes são obrigados a guardar,
assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e
boa-fé”.
Vale observar que “os princípios da probidade e da confiança são de ordem
pública, estando a parte lesada somente obrigada a demonstrar a existência da violação”
(enunciado 363 do CJF).
Nessa quadra, em razão do primado da boa-fé objetiva, a empresa
prestadora do serviço de transporte deveria ter adotado todas as providências
necessárias para garantir o pleno atendimento médico às vítimas, além de indenizá-las.
Todavia, não foi o que ocorreu. Houve quebra da boa-fé objetiva, razão pela qual
instaurou-se a presente demanda coletiva.
É direito básico do consumidor (artigo 6°, inciso VI, CDC) a efetiva
prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
Deve, portanto, o transportador, arcar com os danos materiais, morais e
estéticos, além de todo a assistência médica que todas as vítimas precisarão em razão
do acidente.
Dano material corresponde ao efetivo prejuízo experimentado pelo lesado,
incluído o que efetivamente se perdeu (dano emergente) e o que razoavelmente deixou
de ganhar (lucro cessante).
Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu
patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a
dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome, etc. Sérgio Cavalieri Filho conceitua em
aula magistral o dano moral da seguinte forma:
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“À luz da Constituição vigente, podemos conceituar dano moral por dois
aspectos distintos. Em sentido estrito, dano moral é violação do direito à
dignidade. E foi justamente por considerar a inviolabilidade da intimidade,
da vida privada da honra e da imagem corolário do direito à dignidade que
a Constituição inseriu em seu art. 5°, V e X, a plena reparação do dano
moral. Este é, pois, o novo enfoque constitucional pelo qual deve ser
examinado o dano moral, que já começou a ser assimilado pelo Judiciário,
conforme se constata do aresto a seguir transcrito: “Qualquer agressão à
dignidade pessoal lesiona a honra, constitui dano moral e é por isso
indenizável. Valores como a liberdade, a inteligência, o trabalho, a
honestidade, aceitos pelo homem comum, formam a realidade axiológica a
que todos estamos sujeitos. Ofensa a tais postulados exige compensação
indenizatória” (Ap. cível 40.541, rel. Des. Xavier Vieira, in ADCOAS
144.719). Nessa perspectiva, o dano moral não está necessariamente
vinculado a alguma reação psíquica da vítima. Pode haver ofensa à
dignidade da pessoa humana sem dor, vexame, sofrimento, assim como
pode haver dor, vexame e sofrimento, sem violação de dignidade. Dor,
vexame, sofrimento e humilhação podem ser conseqüências, e não causas.
Assim, como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, a reação
psíquica da vítima só pode ser considerada dano moral quando tiver por
causa uma agressão à sua dignidade. Com essa idéia abre-se espaço para
o reconhecimento do dano moral em relação a várias situações nas quais a
vítima não é passível de detrimento anímico, como se dá com doentes
mentais, as pessoas em estado vegetativo ou comatoso, crianças de tenra
idade e outras situações tormentosas. Por mais pobre e humilde que seja
uma pessoa, ainda que completamente destituída de formação cultural e
bens materiais, por mais deplorável que seja seu estado biopsicológico,
ainda que destituída de consciência, enquanto ser humano será detentora
de um conjunto de bens integrantes de sua personalidade, mais precioso
que o patrimônio. É a dignidade humana, que não é privilégio apenas dos
ricos, cultos ou poderosos, que deve ser por todos respeitada. Os bens que
integram a personalidade constituem valores distintos dos bens
patrimoniais, cuja agressão resulta no que se convencionou chamar de
dano moral. Essa constatação, por si só, evidencia que o dano moral não
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se confunde com o dano material; tem existência própria e autônoma, de
modo a exigir tutela jurídica independente. Os direitos da personalidade,
entretanto, englobam outros aspectos da pessoa humana que não estão
diretamente vinculados à sua dignidade. Nessa categoria incluem-se
também os chamados novos direitos da personalidade: a imagem, o bom
nome, a reputação, sentimentos, relações afetivas, aspirações, hábitos,
gostos, convicções políticas, religiosas, filosóficas, direitos autorais. Em
suma, os direitos da personalidade podem ser realizados em diferentes
dimensões e também podem ser violados em diferentes níveis. Resulta daí
que o dano moral, em sentido amplo, envolve esses diversos graus de
violação dos direitos da personalidade, abrange todas as ofensas à pessoa,
considerada esta em suas dimensões individual e social, ainda que sua
dignidade não seja arranhada. Como se vê, hoje o dano moral não mais se
restringe à dor, tristeza e sofrimento, estendendo a sua tutela a todos os
bens personalíssimos – os complexos de ordem ética -, razão pela qual
revela-se mais apropriado chamá-lo de dano imaterial ou não patrimonial,
como ocorre no Direito Português. Em razão dessa natureza imaterial, o
dano moral é insusceptível de avaliação pecuniária, podendo apenas ser
compensado com a obrigação pecuniária imposta ao causador do dano,
sendo esta mais uma satisfação do que uma indenização” (Programa de
Responsabilidade Civil. 7ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2007, p.
76-78).
Dano estético, a seu turno, é aquele ligado às deformidades físicas que
provocam aleijão e repugnância, nos casos de marcas e outros defeitos físicos que
causem à vítima desgosto ou complexo de inferioridade. A jurisprudência do egrégio
Superior Tribunal de Justiça é uníssona em admitir a acumulação do dano estético com o
dano moral: “Nos termos em que veio a orientar-se a jurisprudência das Turmas que
integram a Seção de Direito Privado deste Tribunal, as indenizações pelos danos moral e
estético podem ser cumuladas, se inconfundíveis suas causas e passíveis de apuração em
separado (RSTJ 105/332).
Sérgio Cavalieri Filho observa que “prevaleceu na Corte Superior de Justiça
o entendimento de que o dano estético é algo distinto do dano moral, correspondendo o
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primeiro a uma alteração morfológica de formaçÃo corporal que agride visão, causando
desagrado e repulsa; e o segundo, ao sofrimento – dor da alma, aflição e angústia a que
a vítima é submetida. Um é de ordem puramente psíquica, pertencente ao foro íntimo;
outro visível, porque concretizado na deformidade” (Programa de Responsabilidade Civil.
7ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 97-98).
Não restam dúvidas da responsabilidade pelo fato do serviço. A relação de
consumo está configurada, presentes os elementos de formação do contrato de
transporte, surge a responsabilidade pelo acidente do consumo, na medida em que o
ônibus responsável pelo transporte sofreu um grave acidente, por ter perdido o sistema
de freios. Os consumidores sofreram danos físicos, estéticos, materiais e morais.
Conforme preconiza o artigo 949 do Código Civil, “no caso de lesão ou
outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos
lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o
ofendido prove haver sofrido”. E mais, “se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido
não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho,
a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até o fim da
convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se
inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu” (artigo 950, caput, Código Civil).
Tanto sob o influxo das normas do Código de Defesa do Consumidor,
quanto pelo regime do contrato de transporte do Código Civil, a responsabilidade civil da
transportadora é objetiva. Responsabilidade objetiva é aquela fundada no risco, sendo
irrelevante a conduta culposa ou dolosa do causador do dano e se satisfaz apenas com o
nexo de causalidade entre o dano e a conduta do agente.
A responsabilidade objetiva apresenta, portanto, três elementos:
a) conduta (ação ou omissão) do agente (fornecedor);
b) nexo de causalidade;
c) dano.
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A responsabilidade pelo fato do serviço, ou acidente de consumo, é o
acontecimento externo que causa dano físico ou material ao consumidor. Trata-se de um
regime voltado para a proteção da incolumidade físico-psíquica e do patrimônio
extrínseco do consumidor. Decorre do dever de segurança imposto ao fornecedor de
produtos e serviços.
Os elementos da responsabilidade civil objetiva estão presentes, senão
vejamos.
A conduta da empresa de transporte, consistente no acidente
automobilístico, no trajeto até Minaçu, na zona rural de Uruaçu. O acidente teve gênese
na perda dos freios. A ocorrência do acidente de consumo está materializada na perícia
técnica da Polícia Civil, nos laudos da Polícia Civil.
O evento danoso, ou seja, as lesões e os danos materiais sofridos pelas
vítimas consumidoras, também é inegável, decorrendo dos exames médicos acostados
aos autos e dos laudos.
Os eventos danosos, quais sejam, as lesões físicas, estéticas e materiais,
são decorrência inexorável do acidente.
Assentada a responsabilidade do transportador, impende enfatizar que sua
responsabilidade é objetiva, por força da cláusula de incolumidade. O Desembargador
Sérgio Cavalieri Filho observa que “sem dúvida, a característica mais importante do
contrato de transporte é a cláusula de incolumidade que nele está implícita. A obrigação
do transportador não é apenas de meio, e não só de resultado, mas também de garantia.
Não se obriga ele a tomar as providências e cautelas necessárias para o bom sucesso do
transporte; obriga-se pelo fim, isto é, garante o bom êxito. Tem o transportador o dever
de zelar pela incolumidade do passageiro na extensão necessária a lhe evitar qualquer
acontecimento funesto, como assinalou Vivante, citado por Aguiar Dias (...) Em suma,
entende-se por cláusula de incolumidade a obrigação que tem o transportador de
conduzir o passageiro são e salvo ao lugar de destino” (Programa de Responsabilidade
Civil. 7ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 286).
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS2ª Promotoria de Justiça de Minaçu
O acidente no ônibus da empresa JR PASSAGENS E TURISMO LTDA
quebrou a cláusula de incolumidade do contrato.
A respeito do dano moral, urge enfatizar que a submissão do consumidor a
uma grave acidente automobilístico, do qual a vítima sofreu danos físicos e estéticos,
sendo obrigados a submeter-se a um penoso tratamento médico e clínico, com o total
descaso da empresa de transporte, configura, inelutavelmente, dano moral. A propósito,
eis o entendimento jurisprudencial:
EMENTA: INDENIZAÇÃO - ACIDENTE ENVOLVENDO CICLISTA E ÔNIBUS - ULTRAPASSAGEM NA PONTE SEM REDUÇÃO DE VELOCIDADE - COLISÃO NA TRASEIRA - DANO MORAL. A dor, angústia e transtornos clínicos causados pelo ato de atropelamento a que não se deu causa enseja reparação por dano moral. (Apelação Cível nº 1.0056.02.032358-2/001(1), 12ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Alvimar de Ávila. j. 07.11.2007, unânime, Publ. 24.11.2007).
EMENTA: O dano moral em caso de lesões físicas não depende de prova, sendo presumido.(Apelação Cível nº 1.0145.06.317774-8/001(1), 16ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Sebastião Pereira de Souza. j. 16.05.2007, unânime, Publ. 13.06.2007).
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ALUNA DE ESCOLA PÚBLICA. ATROPELAMENTO POR ÔNIBUS ESCOLAR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA CARACTERIZADA. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. DANO MATERIAL. RESTITUIÇÃO DE DESPESAS. PARCELA DEVIDA. ASSISTÊNCIA MÉDICA INTEGRAL E PENSÃO MENSAL VITALÍCIA TAMBÉM DEVIDAS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.O sofrimento decorrente do desconforto, da dor e das seqüelas causados na vítima de acidente automobilístico constitui dano moral e deve ser indenizado. E o arbitramento deve ser compatível com as conseqüências do dano, a condição socioeconômica da ofendida e a capacidade do responsável.(Apelação Cível nº 1.0024.01.603670-9/001(1), 2ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Caetano Levi Lopes. j. 17.04.2007, unânime, Publ. 27.04.2007).
EMENTA: Sendo incontroversas a colisão entre o ônibus que transportava os autores e o caminhão que trafegava à sua frente, e as lesões sofridas pelos requerentes em razão do acidente ocorrido no curso do transporte, o dano moral, nesse caso, prescinde de prova, sendo presumido. O valor a ser pago na indenização deve ser fixado observadas as circunstâncias que envolvem o caso, de modo a não restar configurada penalidade excessiva e desproporcional para o ofensor e fator de enriquecimento ilícito para o ofendido.(Apelação Cível nº 1.0701.05.114950-1/001(1), 14ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Renato Martins Jacob. j. 30.11.2006, unânime, Publ. 12.01.2007).
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EMENTA: INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. ÔNIBUS. PROPRIETÁRIA DO VEÍCULO AUTOMOTOR E SEGURADORA LEGÍTIMAS A FIGURAR NO PÓLO PASSIVO. PRELIMINARES REFUTADAS. DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO.1. Evidentemente a proprietária do veículo automotor (ônibus) causador do acidente é parte legítima para figurar no pólo passivo da ação indenizatória, e, também, a seguradora, tendo-se em vista o vínculo jurídico existente entre elas. Preliminares rejeitadas.2. O sofrimento experimentado por acidente de ônibus causa dano moral, que, mesmo leve, deve ser indenizado, cujo objetivo de compensar uma lesão que não se mede pelos padrões monetários, devendo-se levar em conta, na sua fixação, as peculiaridades de cada caso e a gravidade da lesão.(Apelação Cível nº 1.0701.05.114949-3/001(1), 13ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Francisco Kupidlowski. j. 01.03.2007, unânime, Publ. 16.03.2007).EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - TOMBAMENTO DE ÔNIBUS NA PISTA - EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - RESPONSABILIDADE CIVIL CONFIGURADA - DANO MORAL - DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO - DENUNCIAÇÃO DA LIDE - PROCEDÊNCIA.Se o veículo acidentado, no qual se encontrava a vítima, caracteriza-se por ser prestador de serviço público, aplica-se à hipótese a regra da responsabilidade objetiva, prevista no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. Na ação de indenização cabe ao terceiro lesado demonstrar somente o dano sofrido e o nexo causal entre esse e a conduta da prestadora de serviço público. Evidencia-se o dano moral sofrido por quem foi vítima de acidente de ônibus, permanecendo internada e sofrendo lesões, ainda que não definitivas, por essa razão.(Apelação Cível nº 1.0056.02.023171-0/001(1), 14ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Heloísa Combat. j. 06.07.2006, unânime, Publ. 11.10.2006).
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. EMPRESA TRANSPORTADORA, PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. PREVISÃO CONSTITUCIONAL - ARTIGO 37, § 6º. DANOS MORAIS. QUANTUM MANTIDO. DECISÃO UNÂNIME.Pacificada está a responsabilidade objetiva das empresas de ônibus, prevista no artigo 37, § 6º da Constituição Federal de 1988, em virtude de ato ilícito. - O acidente de trânsito, por si só, gera o dano moral, pelo que é perfeitamente imprescindível necessária a indenização pecuniária como meio de amenizar a dor impingida às autoras.(Apelação Cível nº 0111335-7, 4ª Câmara Cível do TJPE, Rel. Frederico Ricardo de Almeida Neves. j. 12.09.2006, DOE 25.11.2006).
Em arremate, não há que se cogitar em exclusão da responsabilidade da
transportadora, com a alegação de que a falha no sistema de freios consiste em força
maior apta a romper o nexo causal, porquanto, as falhas mecânicas do ônibus de uma
empresa de transporte são eventos inerentes ao risco da empresa, configurando o
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fortuito interno. Segundo Sérgio Cavalieri, “entende-se por fortuito interno o fato
imprevisível e, por isso, inevitável, que se liga à organização da empresa, que se
relaciona com os riscos da atividade desenvolvida pelo transportador. O estouro de um
pneu do ônibus, o incêndio do veículo, o mal súbito do motorista etc. são exemplos do
fortuito interno, por isso que, não obstante acontecimentos imprevisíveis, estão ligados à
organização do negócio explorado pelo transportador” (Programa de Responsabilidade
Civil. 7ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 292).
O mestre do Rio de Janeiro conclui doutrinando que apenas o fortuito
externo tem o condão de arredar a responsabilidade civil do transportador. Vejamos a
aula de Sérgio Cavalieri:
“tão forte é a presunção de responsabilidade do transportador, que nem mesmo o fortuito interno o exonera do dever de indenizar; só o fortuito externo, isto é, o fato estranho à empresa, sem ligação alguma com a organização do negócio. Esse entendimento continua sustentável à luz do Código Civil de 2002, cujo art. 734, há pouco visto, só exclui a responsabilidade do transportador no caso de força maior – ou seja, fortuito externo. O mesmo se diga em relação ao Código do Consumidor, no qual, para que o acidente de consumo tenha por causa um defeito do serviço, sendo irrelevante se o defeito é de concepção, de prestação ou comercialização, e nem ainda se previsível ou não. Decorrendo o acidente de um defeito do serviço, previsível ou não, haverá sempre o dever de indenizar do transportador. Entre as causas de exclusão de responsabilidade do fornecedor de serviços, o Código de Defesa do Consumidor (art. 14, § 3º) não se referiu ao caso fortuito e à força maior, sendo assim possível entender que apenas o fortuito externo o exonera do dever de indenizar”.
Provada a conduta e omissão da empresa transportadora, os danos físicos,
estéticos e morais aos consumidores, o nexo de causalidade, a quebra da cláusula de
incolumidade, não resta dúvida do dever de a empresa transportadora arcar com o
adequado tratamento médico, além de indenizar os danos materiais, morais e estéticos.
A NOBRE SEGURADORA, a seu turno, tem a responsabilidade solidária
pelos danos causados, em razão do contrato de seguro firmado entre ela e a
transportadora.
A condenação, à evidência, deve ser genérica, porquanto na seara da
tutela coletiva, cada consumidor lesado deve liquidar a sentença de procedência, ocasião
em que a correta extensão dos valores deve ser apurada. Nesse sentido, dispõe o artigo
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95 do Código de Defesa do Consumidor que “em caso de procedência do pedido, a
condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados”.
Prossegue o artigo 97 do CDC rezando que “a liquidação e a execução de sentença
poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de
que trata o art. 82”.
II. D– DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
A regra geral imposta pelo sistema do Código de Processo Civil (artigo
333) é a de que o ônus da prova cabe ao autor (em regra, portanto, o ônus da prova
compete a quem alega).
Conforme consabido, existe uma interação e complementaridade entre as
normas do Código de Defesa do Consumidor, do Código de Processo Civil e da Lei n.
7.347/85, com aplicação destas duas últimas levando-se em consideração os preceitos
principiológicos do Código de Defesa do Consumidor e desde que não contrariem as
disposições protecionistas deste estatuto.
Os dispositivos processuais do Código de Processo Civil que se aplicam ao
autor e aos réus, notadamente os pontos que assegurem o cumprimento da garantia
constitucional da ampla defesa e do contraditório, são aplicáveis na tutela jurídica da
relação de consumo.
JOÃO BATISA DE ALMEIDA enfoca o princípio da isonomia, dentre os
princípios específicos aplicáveis à tutela do consumidor, como pilar básico que envolve
essa problemática. Ele leciona que:
“Os consumidores devem ser tratados de forma desigual pelo CDC e pela legislação em geral a fim de que consigam chegar à igualdade real. Nos termos do art. 5º da Constituição Federal, todos são iguais perante a lei, entendendo-se daí que devem os desiguais ser tratados desigualmente na exata medida de suas desigualdades” 1 .
É certo que, os dois pólos da relação de consumo (consumidor/fornecedor)
são compostos por partes desiguais em ordem técnica e econômica, visto que o
fornecedor possui, via de regra a técnica da produção que vai de acordo com seus
interesses e o poder econômico superior ao consumidor. A vulnerabilidade do consumidor
1 ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor, 2a ed., São Paulo: Saraiva, 2000.
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é patente e a sua proteção como uma garantia é uma conseqüência da evolução jurídica
pela qual passamos.
Por sua vez, o fornecedor (fabricante, produtor, comerciante, ou prestador
de serviços) não fica refém de um sistema protecionista, pois tem sua ampla defesa
assegurada, fazendo uso dos instrumentos processuais necessários para sua defesa como
os dos artigos 301 e incisos, 265, IV, a, e 267, IV, todos do Código de Processo Civil,
entre outros.
A inversão do ônus da prova como um direito básico do consumidor, e as
demais normas que o protege, não ofendem de maneira alguma a isonomia das partes.
Ao contrário, é um instrumento processual com vistas a impedir o desequilíbrio da
relação jurídica.
A inversão do ônus da prova é um direito conferido ao consumidor para
facilitar sua defesa no processo civil e somente neste. A aplicação deste direito fica a
critério do juiz quando for verossímil a alegação do consumidor, ou quando este for
hiposuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência (art. 6º , VIII, do Código de
Defesa do Consumidor).
A norma em exame estipula que fica à critério do juiz a inversão quando
estiver presente qualquer uma das duas alternativas, a verossimilhança “ou” a
hiposuficiência. Essas são vistas como pressupostos de admissibilidade da inversão do
ônus da prova.
Critério, como bem observou Luiz Antônio Rizzatto, não tem nada de
subjetivo é aquilo que serve de comparação. A verossimilhança ou a hiposuficiência
servirão como base para que o juiz decida pela inversão. “... Presente uma das duas,
está o magistrado obrigado a inverter o ônus da prova”.2
No entender de BEATRIZ CATARINA DIAS ao tratar de princípio da
verossimilhança: “Por verossimilhança entende-se algo semelhante à verdade. De
acordo com esse princípio, no processo civil o juiz deverá se contentar, ante as
provas produzidas, em descobrir a verdade aparente”. Ela acrescenta que deve-se
ter cuidado para não relativizar demais este princípio, pois “... é indispensável que do
processo resulte efetiva aparência de verdade material, sob pena de não ser acolhida a
pretensão por insuficiência de prova - o que eqüivale à ausência ou insuficiência de
2 RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Direito Material (arts. 1a a 54), São Paulo: Saraiva, 2000.
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verossimilhança” 3.
Neste sentido CECÍLIA MATOS aponta a verossimilhança como um patamar
na escala do conhecimento. “Não mais se exige do órgão judicial a certeza sobre
os fatos, contentando-se com o Código de Defesa do Consumidor com a
comprovação do verossímil, que varia conforme o caso concreto” 4.
O juiz vai conceder a inversão baseado no juízo de simples verossimilhança
a respeito da verdade das alegações feitas.
Para VOLTAIRE DE LIMA “Uma alegação torna-se verossímil quando
adquire foros de veracidade, quer porque se torna aceitável diante da
modalidade de relação de consumo posta em juízo, quer porque, de antemão,
em sede de cognição sumária, não enseja o convencimento de que possa ser
tida como descabida” 5.
Kazuo Watanabe6 comenta sobre a verossimilhança, afirmando que na
verdade não há uma verdadeira inversão do ônus da prova, pois o magistrado, com a
ajuda das máximas de experiência e das regras de vida, considera produzida a prova que
incumbe a uma das partes, a menos que a outra parte demonstre o contrário.
O outro critério que deve ser analisado pelo juiz para que se possa inverter
o ônus da prova é o da hiposuficiência do consumidor o que se traduz em razão da
capacidade econômica e técnica do consumidor.
Conforme Cecília Matos a hiposuficiência do consumidor é característica
integrante da vulnerabilidade deste. É demonstrada pela diminuição de capacidade do
consumidor, não apenas no aspecto econômico, mas no social, de informações, de
educação, de participação, de associação, entre outros.
Para Watanabe se a inversão ocorrer pelo critério de hiposuficiência do
consumidor se tem uma verdadeira inversão do ônus da prova. Esclarecendo que a
intenção do legislador não foi de interpretar restritivamente a hiposuficiência no sentido
3 DIAS, Beatriz Catarina. A Jurisdição na Tutela Antecipada, São Paulo: Saraiva, 1999.4 MATOS, Cecília. O Ônus da Prova no Código de Defesa do Consumidor, Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de direito da Universidade de São Paulo, sob a orientação do Professor Doutor Kazuo Watanabe, 19935 MORAIS, Voltaire de Lima. Anotações Sobre o Ônus da Prova no Código de Processo Civil e no Código de Defesa do Consumidor, Revista do Consumidor, 5o ano , vol. 31, São Paulo: RT, Revista dos Tribunais. 6 WATANABE, Kazuo, Anotações de palestra proferida no XXI Encontro Nacional de Defesa do Consumidor, ocorrido em João Pessoa /PB em 21.06.01.
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econômico. Senão o consumidor que fosse dotado de situação econômica capaz de
suportar os custos da demanda teria que assumir o ônus da prova. De acordo com seu
raciocínio a hiposuficiência dispõe de outro sentido, está ligada ao domínio de
conhecimento técnico especializado que desequilibra a relação de consumo e manifesta a
posição de superioridade do fornecedor em relação ao consumidor demonstrando a
hiposuficiência do consumidor.
Rizzatto entende que o significado de hiposuficiência insculpido no texto
legal do Código de Defesa do Consumidor, não é econômico. É técnico. O conceito de
vulnerabilidade é que abrange a fragilidade econômica e técnica do consumidor. A
hiposuficiência para fins da possibilidade de inversão do ônus da prova:
“... tem sentido de desconhecimento técnico e informativo do produto e do serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, dos modos especiais de controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente de consumo e o dano, das características do vício etc”. 7
Nesse quadrante, o macrossistema (aberto) processual de defesa dos
interesses difusos e coletivos, concebido em virtude da integração harmônica das
regras processuais estabelecidas na Lei da Ação Civil Pública (7347/85) e no Código de
Defesa do Consumidor (8078/90), em decorrência da conjugação impositiva entre tais
diplomas (estabelecida pela análise conglobante dos artigos 21 da LACP e 90 do CDC)8,
previu a regra da inversão do ônus da prova como regra a ser seguida, sempre que as
alegações do autor, a critério do juiz, forem verossímeis (artigo 6º, VIII, do CDC).
Sobre o tema, é relevante buscar fundamento na aula do professor
Cristiano Chaves, membro do Ministério Público baiano, que observa, com maestria sem
par, que a inversão do ônus da prova é regra de julgamento:
“Desse modo, considerada REGRA DE JULGAMENTO, a distribuição do
ônus da prova não penaliza quem não se desincumbiu da prova, apenas
indicando uma presunção desfavorável a si quando da decisão. É a
transformação da compreensão subjetiva do onus probandi (a quem
7 RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Direito Material (arts. 1a a 54), São Paulo: Saraiva, 2000.
8 “(...) o sistema das ações civis públicas e coletivas interage completamente (LACP, art. 21, e CDC,
art. 90)”. (MAZZILLI, Hugo Nigro. Aspectos Polêmicos da Ação Civil Pública. Juris Plenum, Caxias
do Sul: Plenum, v. 1, n. 97, nov./dez. 2007. 2 CD-ROM.
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competeprovar) em uma percepção objetiva (apenas se utiliza a regra de
ônus da prova quando da decisão da causa).
Percebe-se, então, que a tendência atual é de somente conferir
importância ao ônus da prova quando ausente ou insuficiente a prova
produzida. É que se o juiz dispuser de provas suficientes para o seu
convencimento, pouco interessa quem a produziu, uma vez que a prova é
do juízo e não das partes. Somente quando o magistrado não consegue
formar, pelo manancial probatório colhido, o seu juízo de valor sobre os
fatos postos à sua apreciação é que incide, como regra de julgamento, a
distribuição do ônus da prova. Este é o entendimento cimentado na
jurisprudência (...). Tem-se, pois, um nítido caráter supletivo na regra de
distribuição do ônus da prova”. (FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil
– Teoria Geral. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 547).
Além disso, importa notar que o Ministério Público, ao propor ações civis
públicas em defesa dos direitos básicos dos consumidores, age em prol da coletividade e
não em seu próprio interesse. Este, sem dúvida alguma, se afigura como mais um
argumento apto a reforçar a opção feita pelo macrossistema de proteção coletiva pela
regra da inversão do ônus da prova (que tem a pretensão de facilitar a defesa da
sociedade e do meio ambiente), atribuindo ao sujeito passivo da relação processual o
ônus de desconstituir as asserções do autor.
Nas pegadas dessas idéias, RODOLFO MANCUSO aduz que:
(...) em verdade, cabe salientar que hoje podemos contar com um
regime integrado de mútua complementariedade entre as diversas
ações exercitáveis na jurisdição coletiva: a ação civil pública
'recepcionou' a ação popular, ao indicá-la expressamente no caput do art.
1º da Lei 7.347/85; a parte processual do CDC ... é de se aplicar, no
que for cabível, à ação civil pública (art. 21 da Lei 7.347/85); outras ações
podem ser exercitadas no trato de matéria integrante do universo coletivo
(arts. 83 e 90 do CDC); finalmente ... o CPC aparece como fonte
subsidiária (CDC, art. 90, Lei 7.347/85, art. 19; LAP, art. 22).9
9 Ação Civil Pública. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 31.
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No mesmo sentido, o talentoso professor MARCELO ABELHA leciona que:
(...) devido ao objeto deste trabalho versar sobre as relações de consumo,
procuraremos, sempre, ter como base a figura do consumidor e seu
respectivo Código. Entretanto, como dissemos, dada à visceral
interligação entre a Lei de Ação Civil e o Código de Proteção e
Defesa do Consumidor, quando falarmos em defesa do consumidor
em juízo, visando à tutela de direitos coletivos lato sensu e seus
princípios que serão minuciosamente analisados, nada impede que,
resguardadas algumas peculiaridades que dizem respeito às
normas materiais do Código de Defesa do Consumidor, possam (e
devam) ser estendidos aos demais direitos coletivos que, mesmo
não sendo relativos ao consumidor, possuam natureza coletiva.10
Portanto, para assegurar o concreto e efetivo acesso à adequada prestação
jurisdicional, é indispensável a inversão do ônus da prova.
III – DOS PEDIDOS
III.A) DO PEDIDO LIMINAR
Conforme preconiza o artigo 84, § 3° do Código de Defesa do Consumidor,
“sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do
provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação
prévia, citado o réu”.
Nesta esteira, é indene de dúvidas que a demanda retratada na exordial
revela fundamento relevante, sobretudo porque comprovada a lesão aos direitos básicos
dos consumidores catalogados no Código de Defesa do Consumidor, o que configura,
inelutavelmente, lesão a direito fundamental (artigo 5°, XXXII, CF), devendo o Judiciário
restaurar a vigência das normas definidoras de direitos fundamentais nas relações de
10 Título III do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Juris Plenum, Caxias do Sul: Plenum,
v. 1, n. 97, nov./dez. 2007. 2 CD-ROM.
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consumo com a parte ré, prestigiando a eficácia horizontal dos direitos humanos e
tutelando todos os consumidores da JR PASSAGENS E VIAGENS LTDA.
Noutro giro, o receio de ineficácia do provimento final decorre da imperiosa
necessidade de se assegurar aos consumidores o pleno atendimento médico. Doenças e
machucados não podem esperar o desate final do processo. Enquanto esta ação civil
pública tramitar nos escaninhos do Judiciário, as vítimas continuarão sem o devido
atendimento médico, sofrendo dores horríveis e sujeitas a seqüelas eternas.
Tecidas estas razões, o Ministério Público requer, liminarmente, o
deferimento das seguintes obrigações de fazer:
a) Que a JR PASSAGENS E VIAGENS LTDA e a NOBRE SEGURADORA S/A
sejam obrigadas a prestar integral assistência médica às vítimas do
acidente, fornecendo todo o tratamento necessário para resguardar a
saúde dos consumidores, garantindo médicos, exames clínicos, exames
laboratoriais, cirurgias (inclusive cirurgias estéticas) e medicação, até a
plena cura da vítima. Caso a vítima tenha ficado com algum problema
de natureza vitalícia, as rés devem ser obrigadas a custear o
tratamento até a morte da vítima;
b) Em caso de descumprimento das obrigações acima descritas, requer
que a JR PASSAGENS E VIAGENS LTDA e a NOBRE SEGURADORA LTDA
sejam condenadas a pagar uma multa diária no valor de 5.000,00
(cinco mil reais), por cada dia em que algum consumidor fique sem o
adequado tratamento médico, nos termos dos pedidos cominatórios
deferidos liminarmente, multa esta que será revertida em favor do
Fundo Municipal da Criança e do Adolescente.
III.B) DOS PEDIDOS DEFINITIVOS
Gizadas estas singelas considerações, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DE GOIÁS formula os seguintes pedidos e requerimentos:
a) Que sejam concedidos os pedidos liminares na forma do item III.A,
condenando os réus a cumprirem todas as obrigações acima
alinhavadas;
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b) Que a presente ação civil coletiva seja recebida, autuada e processada,
eis que presentes os requisitos dos artigos 282 e 283 do CPC e da Lei
n.º 7.347/85;
c) Que os réus sejam citados nas pessoas de seus representantes legais,
na forma do que preceitua o Código de Processo Civil, para, querendo,
ofertar resposta, sob pena de confissão quanto à matéria de fato e sob
os efeitos da revelia;
d) A inversão do ônus da prova, como estatui o artigo 6º, inciso VIII, do
Código de Defesa do Consumidor;
e) Após o despacho liminar positivo e do deferimento da tutela
antecipada, o Ministério Público, com arrimo no artigo 94 do CDC,
requer a publicação de edital no órgão oficial, a fim de que os
interessados possam intervir no processo como litisconsortes;
f) A total procedência de todos os pedidos deduzidos, após regular
tramitação processual, transformando-se em definitiva a decisão
antecipada liminarmente;
g) A condenação de JR PASSAGENS E VIAGENS LTDA e da NOBRE
SEGURADORA a prestar integral assistência médica às vítimas do
acidente, fornecendo todo o tratamento necessário para resguardar a
saúde dos consumidores, garantindo médicos, exames clínicos, exames
laboratoriais, cirurgias (inclusive cirurgias estéticas) e medicação, até a
plena cura da vítima. Caso a vítima tenha ficado com algum problema
de natureza vitalícia, as rés devem ser obrigadas a custear o
tratamento até a morte da vítima;
h) A condenação de JR PASSAGENS E VIAGENS LTDA e da NOBRE
SEGURADORA a indenizar as vítimas do acidente pelos danos materiais
(dano emergente, lucro cessante, perda de uma chance), danos morais
e danos estéticos, que devem ser apurados na fase de liquidação de
sentença, por ocasião da execução individual da sentença de
procedência;
i) A condenação de JR PASSAGENS E VIAGENS LTDA e da NOBRE
SEGURADORA ao pagamento de pensão para as vítimas que em razão
das lesões sofridas no acidente de consumo, fiquem inabilitadas para o
exercício do seu ofício ou profissão, ou fiquem com sua capacidade de
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trabalho diminuída, de sorte que a pensão deve corresponder à
importância do trabalho para que se inabilitou ou da depreciação que
cada vítima sofreu, em valores a serem definidos por ocasião da
liquidação da sentença de procedência;
j) Cominação de astreintes, nos mesmos valores da multa diária supra,
para assegurar o cumprimento da decisão final;
Este Órgão Ministerial protesta pela produção de outras provas
juridicamente admitidas – em especial o depoimento pessoal dos réus, a oitiva de
testemunhas, a realização de perícia e a posterior juntada de documentos – e dá à
presente causa o valor de R$ 415,00 (quatrocentos e quinze reais), para fins de alçada.
Termos em que pede deferimento.
Ministério Público (Minaçu), 10 de setembro de 2008.
AUGUSTO REIS BITTENCOURT SILVA
Promotor de Justiça
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