Upload
phungngoc
View
221
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
Universidade Estadual Montes Claros – UNIMONTES – MONTES CLAROS - MG, 22 a 25 de novembro de 2017. 1
EXPANSÃO URBANA E MERCADO IMOBILIÁRIO EM CIDADES
MÉDIAS: O CASO DE MONTES CLAROS (MG)
BATISTA, RAMONY PEREIRA, UNIMONTES/ [email protected]
PEREIRA, ANETE MARÍLIA,
UNIMONTES/ [email protected]
Resumo:
As cidades são espaços dinâmicos e flexíveis que se transformam, conforme os diversos
interesses dos agentes que as produzem. São, no sistema capitalista, centros de
consumo, de produção e das relações sociais. O desenvolvimento do capitalismo
favoreceu a urbanização mundial, caracterizada por singularidades em cada parte do
planeta. No caso brasileiro a urbanização intensifica-se após a segunda metade do
século XX a partir de transformações na base produtiva, com a industrialização atraindo
grande contingente populacional para as cidades. Ressalta-se que, incialmente, tal
fenômeno acontece concentrado nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, que a
posteriori formam as principais regiões metropolitanas. Nos períodos posteriores a
década de 1960, as cidades médias apresentam um ritmo de crescimento mais acelerado
que as os espaços metropolitanos. É nesse contexto que se insere a cidade de Montes
Claros – MG, o objeto de análise do presente trabalho. Ancorados na revisão
bibliográfica discute-se a expansão urbana em cidades médias a partir da realidade de
Montes Claros, o parcelamento do solo e a atuação do mercado imobiliário nesse
processo. Considera-se que a cidade reflete a sociedade que a produz, dessa maneira a
cidade produzida por uma sociedade capitalista apresenta as contradições e conflitos
inerentes a esse sistema, no qual, tudo vira mercadoria a ser comercializada, inclusive a
habitação. Dessa forma, o mercado imobiliário ganha relevância no crescimento urbano
e nos seus desdobramentos.
Palavras Chave: cidades médias. Expansão urbana. Parcelamento do solo. Mercado
Imobiliário. Montes Claros.
Introdução
As transformações possibilitadas pelo sistema capitalista favoreceram a
aglomeração de indivíduos em uma mesma localidade, isso atrelado à oferta de
emprego, aos avanços nas comunicações e transportes, e a possibilidade de melhoria de
vida propiciaram a expansão da urbanização. Essa assume características singulares em
Universidade Estadual Montes Claros – UNIMONTES – MONTES CLAROS - MG, 22 a 25 de novembro de 2017. 2
cada parte, sendo necessárias abordagens diferentes para cada realidade. Para Carlos
(1994) cada sociedade imprime na paisagem urbana suas peculiaridades, dessa maneira
uma sociedade capitalista produz uma cidade que expressa seus benefícios, suas
contradições e conflitos. Tal fato é observável na formação das áreas residenciais, onde
o indivíduo tem o acesso mediado e submetido à renda, evidenciando a segregação
socioespacial.
A urbanização brasileira pós década de 1930, apesar de incipiente, é favorecida
pela alteração na base produtiva de agrário-exportador para industrial; ressalta-se nesse
período a crise mundial e do café, ocasionando o investimento dos cafeicultores na
indústria e na compra de terrenos urbanos. De acordo com Maricato (2003) a
urbanização brasileira foi financiada pelo capital agrário e incentivada pelo poder
público. Pontua-se que somente a partir da década de 1970 é que a população urbana
torna-se superior a rural, tornando o Brasil urbano, especialmente pelo caráter
demográfico.
No entender de Santos (2005), a urbanização nacional é incialmente concentrada
na região Sudeste, com destaque para o litoral e para as cidades de São Paulo e Rio de
Janeiro, que configuraram posteriormente as principais regiões metropolitanas. Os
períodos seguintes à década de 1970 passaram por transformações, tendo em vista a
crise mundial do fordismo que provocou mudanças profundas no capitalismo e na
divisão internacional do trabalho. Isso pode ser observado nas metrópoles, mas também
em espaços urbanos não metropolitanos. Para Sposito (2015) esse cenário mundial
redefiniu o papel das metrópoles, constituindo uma nova divisão internacional do
trabalho e reconfiguração espacial, no caso do Brasil, atrelam-se a esse contexto os
incentivos governamentais que inseriram as cidades médias na economia mundial.
Para esta autora,
Numa primeira aproximação, podemos considerar que a América Latina
participou desse processo, no que toca as metrópoles, acompanhando a
tendência de diminuição relativa das funções de produção industrial e de
crescimento de seus papéis de comando. Houve, assim, para enfrentar a crise
internacional: a) concentração e centralização econômica do capital, b)
desconcentração espacial da produção e do consumo, e c) centralização
espacial do comando (SPOSITO, 2015, p. 125).
No que tange a um conceito acerca das cidades médias, pontua-se que não existe
um consenso entre os autores, porém toma-se como base para sua definição o perfil
Universidade Estadual Montes Claros – UNIMONTES – MONTES CLAROS - MG, 22 a 25 de novembro de 2017. 3
demográfico, ou seja, são consideradas cidades médias no Brasil aquelas com população
entre 100 e 500 mil habitantes. De acordo com Amorim e Serra (2001) o caráter
demográfico é simples e superficial, porém serve como primeira noção e indica o
tamanho da cidade, do mercado consumidor e da infraestrutura urbana. Os autores
alertam para a necessidade de se considerar ainda a escala temporal e o contexto
histórico-espacial para se evitar equívocos na análise.
Para Ferrão; Henriques; Neves (1994, p. 1128) a cidade média não apenas um
centro intermediário na hierarquia urbana
[...] é, sobretudo, uma cidade integrada (ou com possibilidades de integração)
no circuito de relações que se estabelecem no seio dos sistemas urbanos
nacional e internacional, um intermediário (efetivo ou potencial) entre
territórios situados em dimensões distintas (as <<as cidades globais>>, de um
lado, e os territórios marginais e esquecidos, do outro). Trata-se, em suma, da
passagem de uma perspectiva hierárquica e ordinal para uma concepção
reticular e relacional do território e das cidades, que se reforça o valor da
posição geo-estratégica dos centros urbanos de média dimensão.
De acordo com Sobarzo (2008) o caráter demográfico é parte relevante do
conceito de cidades médias, sua conceituação, porém, deve incorporar outros aspectos
ligados ao contexto regional, à dinâmica socioeconômica, e a relação entre a cidade e
sua hinterlândia. Nessa direção, o referido autor considera
A necessidade de complementar o critério estatístico-demográfico é
destacado incluso em pesquisas e trabalhos que têm uma clara orientação
classificatória e prática. O estudo do IPEA (2002) que objetivava a
caracterização da rede urbana brasileira na perspectiva do desenvolvimento
regional apresenta uma matriz metodológica que incorpora variáveis
demográficas, econômicas, de infra-estrutura, centralidade e finanças, como
instrumento para a definição da morfologia do sistema urbano e suas
especificidades regionais (SOBARZO, 2008, p.281).
Sposito (2006) corrobora com essa linha de conceituação ao afirmar que as
cidades médias não se restringem aos aspectos populacionais, mas abarca a
complexidade dos papéis desenvolvidos por estes centros urbanos.
Assim, atribui-se a denominação “cidades médias” aquelas que
desempenham papéis regionais ou de intermediação no âmbito de uma rede
urbana, considerando-se, no período atual, as relações internacionais e
nacionais que tem influência na conformação de um sistema urbano
(SPOSITO, 2006, p. 175).
Considera-se mediante o exposto que as cidades médias são espaços urbanos que
aparecem nos planos de desenvolvimento nacional como centros intermediários e que
Universidade Estadual Montes Claros – UNIMONTES – MONTES CLAROS - MG, 22 a 25 de novembro de 2017. 4
em alguns casos funcionaram como “diques” para conter as migrações que outrora eram
direcionadas as metrópoles; é para estes centros que as unidades industriais também
foram direcionadas, na tentativa de equiparar o desenvolvimento econômico entre as
regiões brasileiras.
É no contexto descrito que se insere a cidade de Montes Claros, especialmente a
partir da década de 1970, quando esta se torna parte da na área de atuação da
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, atraindo investimentos
direcionados, inicialmente, para o setor industrial. O presente trabalho objetiva
compreender a dinâmica urbana da cidade supracitada, bem como sua expansão e a
atuação do mercado imobiliário, como agente influenciador desse processo e das áreas
residenciais. Buscou-se a compreensão desse cenário por meio da revisão bibliográfica
atrelada a empiria, possibilitando as análises apresentadas.
Desenvolvimento
Na cidade capitalista, conforme Carlos (2007) é preciso olhar para além da forma e
perceber que o valor de troca substitui o de uso. Nesse processo tudo se torna
mercadoria a ser comercializada, inclusive a moradia. Se o mercado imobiliário
constitui-se em importante agente na estruturação do espaço urbano, pondera-se, então,
que o parcelamento do solo urbano ocorre para atender a necessidade de acúmulo e
reprodução do capital.
A renda da terra e/ou a esperança de lucros provoca hierarquização dos lugares
na cidade, pois o acesso a terra se dá baseado na capacidade de pagar que os indivíduos
possuem Os mecanismos de formação de preço do solo, assentados na propriedade
privada e na renda da terra, são instrumentos de criação e manutenção da segregação
socioespacial (BOTELHO, 2007).
O modelo de financiamento e autofinanciamento de moradia pelo Estado
repercute em maior ou menor intensidade em todas as classes sociais, tendo em vista
que sua atuação influencia diretamente nos valores de solo comercializados. Destaca-se
que os maiores impactos estão na provisão de moradia para a população com menor
renda, onde o Estado é um importante agente.
Universidade Estadual Montes Claros – UNIMONTES – MONTES CLAROS - MG, 22 a 25 de novembro de 2017. 5
Como um dos desdobramentos dessa ação observa-se a “expulsão” dos
moradores com menor poder aquisitivo para as áreas menos valorizadas e sem tantas
urbanidades ratificando, assim, a segregação socioespacial e a fragmentação do tecido
urbano. Para Botelho (2007) além da expulsão dessas áreas, a esses indivíduos é negada
a própria cidade. Nesse contexto, acrescenta-se que a diminuição da presença do Estado
na provisão da habitação tem como consequência a transferência dessa responsabilidade
para o mercado privado, aprofundando a separação social e espacial das distintas classes
sociais.
À medida que o mercado assume a produção das moradias, torna-se mais claro a
subordinação do valor de uso do solo ao valor de troca, desdobrando-se em cidades
fragmentadas e segregadas. Tal fato ocorre sob a hegemonia do capital e de uma classe
social (os ricos). Nesse sentido, Negri (2008, p. 130) afirma que,
É a camada de mais alta renda que, ao consumir e valorizar de forma
diferenciada o espaço urbano produz a segregação sócio-espacial. É preciso
ressaltar que é a existência da segregação sócio-espacial que permite à classe
dominante continuar a dominar o espaço produzido, segundo seus interesses.
Somente a separação das classes sociais no espaço pode agir como um
instrumento de poder para a classe alta.
O contexto apresentado confirma a segregação socioespacial urbana é
socialmente produzida se se manifesta por meio de áreas com homogeneidade interna e
disparidade externa (VILLAÇA, 2001), sendo possível observar na paisagem urbana os
contrastes socioeconômicos por meio das formas de morar. Ressalta-se que os processos
contraditórios como a segregação socioespacial estão presentes nos espaços
metropolitanos e em cidades médias, como Montes Claros.
A segregação socioespacial é definida por Corrêa (2001, p. 131) como “[...] um
processo que origina a tendência a uma organização espacial em áreas de forte
homogeneidade social interna e de forte disparidade social entre elas”. O autor ainda
considera que “[...] as áreas uniformes refletem, de um lado, a distribuição de renda da
população, e de outro, o tipo de residência e a localização da mesma em termos de
acessibilidade e amenidades” (CORRÊA, 2001, p. 132). De acordo com Almeida Junior
e Whitacker (2007) a segregação é um fenômeno urbano que sob a cidade capitalista
ganha novas dimensões e formas, como podem ser exemplificadas pela formação de
áreas residenciais diferenciadas.
Universidade Estadual Montes Claros – UNIMONTES – MONTES CLAROS - MG, 22 a 25 de novembro de 2017. 6
Conforme dito anteriormente, a atuação do Estado é atrelada ao mercado
imobiliário e ambos influenciam a oferta de moradia. Acerca dessa parceria Maricato
(2003) pontua que as políticas habitacionais atendem aos anseios do mercado, mas não
atendem a população com menor poder aquisitivo, sendo essa responsável por prover
sua moradia, normalmente ocupando áreas impróprias, como encostas de morro,
demonstrando a segregação socioespacial.
É importante ressaltar que quando a população, com as faixas de renda pré-
selecionadas, é atendida pelos programas habitacionais a escolha da localização dos
empreendimentos não possibilita a integração com o “restante” da cidade, ou seja, estão
nas franjas da cidade e não são atendidos por transporte público eficiente e por
infraestrutura urbana, como ruas pavimentadas, e por serviços públicos, dentre outros.
A diferença social nos centros urbanos é visível na forma de ocupação do solo, ou seja,
do espaço citadino, como pode ser observado em Montes Claros, onde as diferenças
sociais são regionalizadas, ou seja, concentrada em partes determinadas da cidade,
tornando a fragmentação urbana ainda mais evidente, sendo essa o resultado o da ação
do Estado na provisão e do mercado imobiliário na comercialização da moradia. Para
Leite e Pereira (2008) esse cenário é perceptível, especialmente, por meio das áreas
residenciais, nas quais as diferentes tipologias de morar demonstram à segregação e o
status social conferido a habitação.
O crescimento urbano de montes claros: a formação das áreas periféricas
Como dito anteriormente, a inserção de Montes Claros na área de atuação da
SUDENE foi relevante para o crescimento econômico, demográfico e urbano, tendo em
vista que a cidade passou a receber os seus incentivos, que foram, em sua maioria,
direcionados para a industrialização, possibilitando a passagem de um município agrário
para um urbano industrial. Une-se ao fato de Montes Claros já possuir infraestrutura
básica para a instalação industrial, como energia elétrica e condições de escoamento da
produção, devido a sua localização geográfica fazendo a ligação entre o nordeste e
sudeste do país, constituindo-se em importante entroncamento rodoviário e ratificando a
sua polarização sobre o norte de Minas e Sul da Bahia (LEITE; PEREIRA, 2008). A
figura 1 mostra a localização de Montes Claros.
Universidade Estadual Montes Claros – UNIMONTES – MONTES CLAROS - MG, 22 a 25 de novembro de 2017. 7
Figura 01 – Mapa de Localização de Município de Montes Claros - MG
Fonte: IBGE, 2016
Org. BATISTA, 2016
A presença da indústria atrelada às transformações ocorridas no campo é
responsável pela intensa migração rural-urbana e entre as cidades. Dessa forma, a
migração torna-se um importante fator para a expansão do tecido urbano. Conforme os
censos demográficos, somente na década de 1970 a população urbana de Montes Claros
ultrapassa a rural1. É também a partir desse período que ocorrem mudanças
significativas na economia, na sociedade e no espaço urbano, no qual se percebe novos
arranjos.
O aumento no número de pessoas residentes na cidade favoreceu o espraiamento
da malha urbana, ocasionando o surgimento de áreas periféricas, que foram inicialmente
ocupadas pela população com menor poder aquisitivo, que não conseguia, devido ao
alto valor do solo, residir nas áreas centrais ou em áreas com melhor infraestrutura.
Assim, ocupou as áreas que não eram dotadas de infraestrutura e equipamentos de uso
coletivos adequados e nem sempre eram de fácil acesso aos locais de trabalho, consumo
e lazer. De acordo com Leite e Pereira (2008) percebe-se que o crescimento da cidade
ocorreu rapidamente e principalmente nas áreas localizadas ao norte da cidade,
próximas ao distrito industrial, pois diminuí os gastos referentes ao transporte, tendo em
1Nessa década residia na cidade 85.154 mil habitantes e 31.332na área rural (IBGE, 2010)
Universidade Estadual Montes Claros – UNIMONTES – MONTES CLAROS - MG, 22 a 25 de novembro de 2017. 8
vista que, a maior parte dos migrantes buscava empregos na indústria. A expansão da
cidade em questão pode ser observada na figura 2.
Figura 2 – Expansão Urbana de Montes Claros - MG
Fonte: SOUZA JUNIOR, 2016.
A partir da realidade apresentada na figura 2, constata que o crescimento da
cidade é caracteristicamente horizontal, ou seja, com a incorporação de novas áreas, nas
franjas da cidade, sustentando a formação de áreas periféricas. Cabe ressaltar que a
expansão do perímetro urbano é conjugada ao desenvolvimento econômico e ao
aumento da população residente na cidade. A sua ampliação é fruto da ação articulada
entre o Estado e o mercado privado, ocupando terras que outrora eram ociosas ou rurais,
abrindo novas possibilidades de atuação dos agentes imobiliários, sendo assim, inserida
na lógica da mercadoria e da cidade capitalista.
Salienta-se nesse processo que a moradia é percebida como mercadoria, por isso
disponibilizada conforme o interesse do mercado imobiliário. Pontua-se, ainda, que a
expansão da malha urbana ocorre mediante a presença de vazios urbanos, facilitando e
intensificando a especulação imobiliária. Maricato (2011, p. 13) acrescenta que o
crescimento das áreas periféricas é fruto do desenvolvimento econômico das cidades,
mas também, da apropriação desigual da riqueza produzida conjugada com a atuação de
um Estado que promove a concentração de renda e fazem das periferias “[...] um espaço
de oportunidades de assentamento para as massas que migravam para as cidades, já que
o significativo crescimento econômico assegurava oportunidades de trabalho formal ou
informal”. Tal fato pode ser exemplificado pela escolha locacional dos
Universidade Estadual Montes Claros – UNIMONTES – MONTES CLAROS - MG, 22 a 25 de novembro de 2017. 9
empreendimentos imobiliários destinados à população com menor poder aquisitivo,
normalmente em áreas periféricas, distantes dos principais serviços urbanos como saúde
e educação. As cidades brasileiras têm sido organizadas e produzidas baseadas em
processos desiguais e contraditórios como a segregação. Essa deve ser olhada para além
das formas, mas no interior das causas que a produzem (SPOSITO; GOÉS, 2013).
Para França e Soares (2007) o crescimento de Montes Claros em direção a
periferia é resultado das novas dinâmicas econômicas e do incremento populacional,
especialmente a partir de 1970, aumentando a demanda por habitação e por outros
serviços, como o transporte. Destaca-se que nesse processo a área central diminui sua
função residencial, enquanto concentra as atividades comerciais e demais serviços.
Dessa forma,
Com o surgimento de novos bairros, a cidade se horizontalizou, denotando
uma rápida expansão da área construída. Tal período marca uma intensa
especulação imobiliária, com loteamentos implantados de forma aleatória
quase sempre sem obedecer às políticas de controle urbanístico e de proteção
ambiental. (FRANÇA; SOARES, 2007, p. 80)
Nesse contexto de espraiamento do tecido urbano observa-se o surgimento de
novas centralidades e de uma periferia dual na qual ricos e pobres convivem, sendo
possível observar os condomínios fechados ao lado de residências em condições
inferiores de habitabilidade, deixando evidente a diferença no morar.
A rapidez do crescimento urbano de Montes Claros provocou mudanças na
organização espacial, influenciada pelo mercado imobiliário e também pela atuação do
Estado, que por meio de politicas públicas para a habitação e pela legislação, como por
exemplo, os planos diretores e a lei de zoneamento. Estas ao definem as regras de uso e
ocupação do solo desconsideram as áreas de residenciais dos mais pobres, e por meio da
escolha da localização da infraestrutura e de equipamentos de uso coletivo, ratificam a
segregação socioespacial e a hierarquização dos lugares.
As políticas públicas - em especial aquelas destinadas à habitação -, e a
legislação constituem um dos principais mecanismos de intervenção nas cidades e de
regulação social. Tais políticas objetivam a diminuição das desigualdades sociais, que
marcam os espaços urbanos. As políticas habitacionais surgem, no Brasil, a partir da
Universidade Estadual Montes Claros – UNIMONTES – MONTES CLAROS - MG, 22 a 25 de novembro de 2017. 10
década de 19302, em um contexto de crise financeira internacional e influenciada pelo
Estado do bem-estar social. Guimarães (2007) salienta que mesmo estas politicas sendo
pensadas para reduzir os conflitos entre classes, mantêm os privilégios dos mais ricos e
mantém a hierarquia existente.
A provisão de moradias para aqueles com menor renda é um importante fator
para redução da desigualdade e melhoria de vida, porém, deve ser acompanhada por
saúde, educação, emprego, renda, dentre outros, ou seja, a casa e tudo que envolve o
cotidiano e a vida de cada um.
É preciso ressaltar que as politicas habitacionais não consideram a realidade de
cada cidade e do citadino, negligenciam-se os aspectos socioculturais dos grupos de
indivíduos que iriam residir nos conjuntos habitacionais, a casa não é só a moradia,
engloba a reprodução da vida, e no caso do Brasil “o sonho da casa própria”, usando
como slogan de campanhas, mas que fora pensado sem considerar o sonhador. Pontua-
se que, normalmente, esses conjuntos são distantes dos antigos locais de moradia,
alterando a rotina, rompendo os laços e aumentando os gastos com transporte e dentre
outros. Desta forma, mantém-se a relação de poder sobre a terra e moradia urbana, com
medidas hierárquicas, econômicas e unidirecionais.
A cidade de Montes Claros não fica a margem desse contexto, sendo observáveis
em seus espaços as marcas das desigualdades e da autuação do Estado por meio dos
conjuntos habitacionais. De acordo com Guimarães (2007), o município de Montes
Claros, ancorado na definição do Estatuto da cidade e do plano diretor municipal, possui
propostas públicas para a habitação, tendo em vista não deixar os mais pobres
desabrigados e em situação de abandono. Porém, o que se observa é que os pré-
requisitos para ser atendidos, como emprego fixo e determinada faixa de renda, excluem
os mais pobres, que normalmente não se encaixam nesses critérios, dessa forma, é
mantida a situação de moradias precárias.
Outro critério, apontado pela autora é que a área de instalação dos conjuntos
habitacionais esteja inserida a malha urbana adensada e próxima da localidade de
origem de moradia dos indivíduos, na tentativa de reduzir gastos com infraestrutura e
transporte. Atualmente, observa-se a negligência desses critérios, tendo em vista que 2Destaca-se entre as políticas habitacionais, a Fundação “Casa Popular”, na década de 1940; o Banco
Nacional de Habitação, na década de 1960 e atualmente o Programa Minha Casa Minha vida.
Universidade Estadual Montes Claros – UNIMONTES – MONTES CLAROS - MG, 22 a 25 de novembro de 2017. 11
conjuntos habitacionais ou condomínios são localizados em áreas de expansão urbana,
periféricos e distantes da malha urbana adensada, exigindo investimentos em
infraestrutura, equipamentos de uso coletivo e transporte, ou seja, situação oposta
daquela prevista na legislação.
No contexto dessa nova política de habitação, Guimarães (2007, p. 64) aponta
seis programas atendimento da demanda na cidade, I) Village do Lago III; II) Lares
Gerais; III) Programa de Arrendamento Familiar – PAR; IV) Montes Claros Legal; V)
Programa de Reassentamento de Famílias Removidas em decorrência de Obras Públicas
e Assentamentos Subnormais – PROAS- e VI) Habitar Brasil BID- HBB. Esses
programas atendem a famílias em diversas situações e com renda inferior a um salario
mínimo até seis salários mínimos, as obras são realizadas em parceria com o Governo
estadual e federal.
A autora ressalta a qualidade da habitação entregue a população atendida; são
casas padronizadas (tamanho, material e técnica utilizado e acabamento), a localização
periférica, sem infraestrutura, como a pavimentação de ruas e transportes.
A construção de conjuntos habitacionais para baixa renda em áreas menos
valorizadas leva o poder público a escolher terrenos distantes, fora da malha
urbana da cidade. O cidadão recebe uma moradia com infra-estrutura
precária, além disso, ele irá gastar muitos recursos com transporte. Se as
diretrizes do plano diretor ou do Estatuto da Cidade fossem cumpridas,
haveria muitas áreas propícias para projetos habitacionais em terrenos
próximos do centro urbano, melhorando as condições de vida destas famílias.
São belos os ideais destes planos, mas a força do poder econômico tem sido
superior ao bem-estar coletivo (GUIMARÃES, 2007, p. 69-70).
A autora discorre sobre o programa PAR, direcionada a classe média (renda
entre três e seis salários mínimos), observa-se a qualidade da habitação, a melhor
localização (área com infraestrutura, acessibilidade e qualidade ambiental), sendo
apartamentos construídos com técnicas modernas e melhor acabamento. Outra diferença
é que os apartamentos são comprados, são financiados pela Caixa Econômica, com
recursos do FGTS.
Entretanto, o que ocorre na realidade é que a Caixa preferencialmente
financia a classe média por ser um investimento de menor risco. O ônus dos
programas habitacionais para as classes baixas acaba ficando a cargo das
prefeituras, pois o governo federal repassa para os municípios os encargos
sociais. É uma incoerência misturar um banco que é financista por natureza
com uma instituição social. A Caixa não quer correr o risco de repetir os
erros dos seus antecessores e executar programas paternalistas que geram a
inviabilidade do sistema. Dessa forma, ela utiliza todos os mecanismos
Universidade Estadual Montes Claros – UNIMONTES – MONTES CLAROS - MG, 22 a 25 de novembro de 2017. 12
necessários para garantir o retorno do capital, mas se reveste de uma
propaganda de cunho social (GUIMARÃES, 2007, p. 75).
Dessa maneira, mantêm-se as desigualdades no acesso a habitação e esta como
mercadoria, ratificando a segregação socioespacial, nesse contexto corroboramos com
Bonduki (2013), ao afirmar que a provisão de moradias demonstra a atuação e
apropriação do capital sobre o espaço, tornando-o ainda mais complexo. Dessa forma,
afirmamos que os conjuntos habitacionais constituem em um importante meio de
expansão urbana capitalista que faz da moradia uma mercadoria.
Observa-se que tanto a ação do Estado do quando do mercado privado de
moradia tem gerado impacto a organização do espaço nas cidades e ratificado processos
como a segregação socioespacial, para Barbosa (2016) a localização periférica e as
condições do entorno desse empreendimento diminuem o valor do solo e,
consequentemente aumento o lucro das construtoras. Ainda de acordo com esta autora,
os empreendimentos do PMCMV aqueceram o mercado imobiliário local e
diversificaram as formas de morar em Montes Claros, que mesmo diante da ampliação
da oferta da mercadoria habitação, não amenizou a segregação, contrariamente, fez com
esse processo fosse intensificado. Deixando em evidente a supremacia do capital na
cidade, na qual tudo é passível de comercialização. Barbosa (2016, p. 137) pontua que,
A localização e as características dos empreendimentos revelam as
desigualdades econômicas nas cidades pelas diversas formas de morar, o
padrão homogêneo dasresidências indica como o espaço é produzido e, nesse
contexto, os processos socioespaciais dele decorrente.
Conforme o estudo apresentado por Barbosa (2016), os empreendimentos são
edificados de acordo com cada faixa de renda, no qual a localização daqueles destinados
aos mais pobres obedece à lógica da fragmentação espacial de distante da área urbana
adensada. Constata-se que os empreendimentos para as faixas de renda mais alta são
melhores localizadas e apresentam infraestrutura e melhor condição de moradia (casas
maiores e não padronizadas), por exemplo. A realidade apresentada pode ser inferida na
figura 2.
Universidade Estadual Montes Claros – UNIMONTES – MONTES CLAROS - MG, 22 a 25 de novembro de 2017. 13
Figura 2 – Mapa de Localização dos Empreendimentos do Programa Minha Casa Minha
vida nos anos de 2009 a 2015.
Fonte: BARBOSA, 2016.
Observa-se a partir da figura 2, que a grande maioria dos empreendimentos
destinados a primeira faixa 1 (renda mensal bruta de até R$1.800,00) estão na porção
norte da cidade, que historicamente é ocupada por indivíduos com menor renda, devido
a instalação do distrito industrial, facilitando a ida para o trabalho e reduzindo os gastos
com o transporte. Acrescenta-se que esta porção da cidade é identificada nos estudos de
Batista (2017) com menor valor de solo, favorecendo a uma concentração de
edificações para consumidores com menor capacidade de solvência. Nessa direção, para
Barbosa (2016) e Batista (2017) o baixo valor de solo não somente favorece a
concentração dos empreendimentos para faixa 1, mas auxilia na distribuição equilibrada
daqueles direcionados para as faixas com maior renda. Deixando evidente que tanto a
casa como tudo que englobada a moradia é submetido ao quanto se pode pagar, dessa
forma, a segregação socioespacial é a materialização da desigualdade socioeconômica e
do acesso diferenciado a cidade.
Conclusão ou Considerações Finais
Os planos nacionais de desenvolvimento atrelados ao contexto mundial de crise
do fordismo possibilitaram a inserção das cidades médias no circuito econômico
mundial, provocando mudanças na organização espacial e social destas cidades. É
preciso ressaltar que a inserção desta cidade na SUDENE promoveu investimentos no
Universidade Estadual Montes Claros – UNIMONTES – MONTES CLAROS - MG, 22 a 25 de novembro de 2017. 14
setor industrial, responsável juntamente com as mudanças no campo pelo aumento da
migração rural-urbana, impulsionando o crescimento econômico e consequente
incremento populacional e expansão urbana.
O crescimento da malha urbana e o parcelamento do solo são
influenciados pela atuação do Estado e do mercado imobiliário, ambos atendem a
necessidade de acúmulo e reprodução do capital, exemplifica-se isso pela oferta de
moradia e pela constituição de áreas residenciais dicotômicas e segregadas. Percebem-
se no processo de expansão as mudanças relacionadas à área central, passando a
concentrar serviços e comércios e diminuindo a função residencial. Assim, as alterações
intraurbanas na área central e os interesses do mercado imobiliário provocaram a
migração dos ricos que residiam nessa porção da cidade para a periferia. Assim, é
possível a observar a formação de uma dualidade periférica, na qual ricos e pobres
convivem lado a lado e desfrutam em desigualdade da cidade e suas amenidades. Por
fim, as diversas formas de moradias e arranjos urbanos são percebidas nas metrópoles,
mas também, em sua devida escala e rugosidades, nas cidades médias, como é o caso de
Montes Claros, analisada nesse trabalho.
Referências
ALMEIDA JUNIOR, A, R de; WHITACKER, A, M. Segregação Socioespacial em Cidades
Médias: diferenças ou semelhanças? Um Estudo Sobre o Jardim Cinquentário e o Jardim
Morada do Sol em Presidente Prudente – SP. Revista Geografia em Atos, n2. v7, Presidente
Prudente, 2007
AMORIM FILHO, O; SERRA, R. V. Evolução e Perspectiva do papel das cidades médias no
planejamento urbano e regional. In ANDRADE, T. A; SERRA, R. V (org.). Cidades Médias
Brasileiras, IPEA, Rio de Janeiro, 2001. pp 1-34
BARBOSA, R. S. Habitação Social e Segregação Residencial em Montes Claros/MG.
Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Montes Claros – Programa de Pós-
Graduação em Geografia, Montes Claros (MG), 2016.
BATISTA, R. P. Segregação Socioespacial e Paisagem Urbana: um estudo da cidade de
Montes Claros (MG). Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Montes Claros –
Programa de Pós- Graduação em Geografia, Montes Claros (MG), 2017.
BONDUKI, N. Habitação no Brasil: uma história em construção. In XV Encontro Nacional
da Associação Nacional de Pós-Graduação e pesquisa em Planejamento Urbano e Regional.
2013. Recife. Anais do XV Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e
pesquisa em Planejamento Urbano e Regional.
Universidade Estadual Montes Claros – UNIMONTES – MONTES CLAROS - MG, 22 a 25 de novembro de 2017. 15
BOTELHO, A. O Urbano em Fragmentos: a produção do espaço e da produção
pelas práticas do setor imobiliário. São Paulo, Annablume; Fapesp: 2007
CARLOS, A. F. A. O Espaço Urbano: novos escritos sobre a Cidade. FFLCH, São
Paulo: 2007.
_____________. A cidade. 2ºed. São Paulo: contexto, 1994.
CORRÊA, Roberto Lobato. Trajetórias Geográficas, 2º ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2001.
FERRÃO, J; HENRIQUES, E. B; NEVES, A. O. das; Repensar as cidades de média
dimensão. Revista Análise Social, v. 129, 1994, pp 1123 – 1147
FRANÇA, I. S. de; SOARES, B. R. Expansão Urbana em Cidades Médias: uma
reflexão a partir do núcleo e da área centra de Montes Claros no Norte de Minas Gerais.
Geo UERJ – n. 17, v. 2, Rio de Janeiro, 2007, pp 47-63
GUIMARÃES, E. N. Habitação Social em Montes Claros: aspectos e abrangência
das políticas públicas. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Social/Universidade Estadual de Montes Claros. Montes Claros,
2007.
LEITE, M. E; PEREIRA, A. M. Metamorfose do Espaço Intra-urbano de Montes
Claros. Montes Claros, Unimontes, 2008.
MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades alternativas para a crise urbana. 2ª ed.
Petrópolis (RJ): Vozes, 2002.
_____________. Metrópoles Desgovernadas. Observatório das Metrópoles (USP), São
Paulo, v.25, n. 71, 07 -22, 2011. <http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/10595>
data de acesso: 10/12/15
NEGRI, S. M. Segregação Sócio-espacial: alguns conceitos e análises. Revista
Coletânea, n. 8, v. 7, 2008, pp 129-153.
SANTOS, M. A urbanização brasileira. 5º ed. São Paulo: Edusp, 2005.
SOBARZO, O. As Cidades Médias e Urbanização Contemporânea. Revista Cidades, n.
8, v. 5, 2008. pp 277- 291
SOUZA JUNIOR, B. Z. de. Expansão Espacial e a mobilidade urbana em cidades
médias: o caso de Montes Claros/MG. Dissertação de Mestrado. Universidade
Estadual de Montes Claros – Programa de Pós-Graduação em Geografia, Montes Claros
(MG), 2016.
SPOSITO, M. E. B. Metropolização do Espaço: cidades médias, logicas econômicas e
consumo. In FERREIRA, A; RUA, J; MATTOS, R. C de. Desafios da Metropolização
do Espaço. Consequência, Rio de Janeiro, 2015.
Universidade Estadual Montes Claros – UNIMONTES – MONTES CLAROS - MG, 22 a 25 de novembro de 2017. 16
________________. Loteamentos Fechados em cidades médias paulistanas – Brasil. In
SPOSITO, M. E. B; SOBARZO, O (org.). Cidades Médias: produção do espaço
urbano e regional. Expressão Popular, São Paulo, 2006. pp 175 - 197
SPOSITO, M. E. B; GÓES, E. M. Espaços fechados e cidades: insegurança urbana e
fragmentação socioespacial. UNESP, São Paulo, 2013.
____________. O Espaço Intra - Urbano no Brasil. 2º ed. São Paulo: FAPESP, 2001.