37
EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS FEDERAIS: O USO DA LINGUAGEM ARTÍSTICA PARA A EXPANSÃO DE OLHARES DA JUVENTUDE Este painel objetiva relatar e analisar experiências em projetos de extensão que utilizaram a linguagem artística para produção e difusão de conhecimento. Os projetos foram executados por docentes e discentes do Ensino Médio de Institutos Federais da região Centro Oeste, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Uma das propostas consiste em projeto que trabalha com sociologia em interface com a linguagem audiovisual e mostra ações\discussões em torno de temas como cultura brasileira, sistema carcerário no Brasil, juventude e ditadura militar em um campus rural parceiro do único cinema da região. Outra proposta articula dança e saberes interdisciplinares em diálogo com as mudanças históricas, sociais e comportamentais expressas no movimento ao promover um festival protagonizado por discentes e apresentado à sociedade em geral. Para finalizar, o terceiro artigo trabalha com antropologia e graffiti e descreve os resultados de um projeto que envolveu estudantes e culminou em exposição de obras plásticas baseadas nos temas sustentabilidade socioambiental e divulgação do patrimônio cultural. Assim, nos Institutos Federais onde a inovação tecnológica é regra, trabalhar projetos de extensão centralizados na temática artística é provocar\suscitar reflexões não apenas sobre conteúdos, mas principalmente sobre o papel das instituições na formação de um ser humano integral, autônomo e multidimensional. Palavras-Chave: Artes, Extensão, Institutos Federais XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 1949 ISSN 2177-336X

EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS FEDERAIS: O USO DA

LINGUAGEM ARTÍSTICA PARA A EXPANSÃO DE OLHARES DA

JUVENTUDE

Este painel objetiva relatar e analisar experiências em projetos de extensão que

utilizaram a linguagem artística para produção e difusão de conhecimento. Os projetos

foram executados por docentes e discentes do Ensino Médio de Institutos Federais da

região Centro Oeste, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Uma das propostas consiste

em projeto que trabalha com sociologia em interface com a linguagem audiovisual e

mostra ações\discussões em torno de temas como cultura brasileira, sistema carcerário

no Brasil, juventude e ditadura militar em um campus rural parceiro do único cinema da

região. Outra proposta articula dança e saberes interdisciplinares em diálogo com as

mudanças históricas, sociais e comportamentais expressas no movimento ao promover

um festival protagonizado por discentes e apresentado à sociedade em geral. Para

finalizar, o terceiro artigo trabalha com antropologia e graffiti e descreve os resultados

de um projeto que envolveu estudantes e culminou em exposição de obras plásticas

baseadas nos temas sustentabilidade socioambiental e divulgação do patrimônio

cultural. Assim, nos Institutos Federais onde a inovação tecnológica é regra, trabalhar

projetos de extensão centralizados na temática artística é provocar\suscitar reflexões não

apenas sobre conteúdos, mas principalmente sobre o papel das instituições na formação

de um ser humano integral, autônomo e multidimensional.

Palavras-Chave: Artes, Extensão, Institutos Federais

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1949ISSN 2177-336X

Page 2: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

LINGUAGEM AUDIOVISUAL E CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO-

HISTÓRICA COM ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO TÉCNICO

SANCHES, Silvana Colombelli Parra.

IFMS - campus Nova Andradina

Resumo

Este trabalho é um relato de experiência de projeto de extensão intitulado Cinema no

Orduá não é fuá, realizado no Laboratório de Ciências Humanas Orduá do campus rural

de Nova Andradina do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul com o objetivo

principal de exibir filmes que possibilitem debates contemporâneos das ciências

humanas e roda de conversa para discutir conteúdos e proceder a leitura audiovisual da

obra. A equipe é composta de uma coordenadora-professora e um professor, os dois

efetivos da instituição, três estudantes do ensino médio técnico e um pesquisador que é

presidente da Fundação de Cultura Nelito Câmara, que mantém o único cinema em

funcionamento da região, o Cinelito, na cidade de Ivinhema. As ações do projeto se

justificam quando se verifica as necessidades legais vigentes. Em junho de 2014 a

presidenta sanciona a Lei nº 13.006, que acrescenta o inciso oitavo ao artigo vinte e seis

da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no qual obriga a exibição de filmes

de produção nacional nas escolas de educação básica em pelo menos duas horas

mensais. Outro fator a ser considerado é o atendimento ao público objetivo do instituto,

que é em sua maioria a juventude, que de acordo com o Estatuto da Juventude de 2013,

corresponde aqueles que estão entre 15 e 29 anos. No Estatuto aparece também uma das

principais reivindicações dos jovens que é o acesso a lazer, entretenimento, o direito à

arte, à diversidade cultural e à memória social. O referencial teórico do projeto passa

por Alain Bergala e José de Souza Martins. Com o desenvolvimento do projeto, nota­-se

a transformação social possível com a articulação entre conteúdos sócio­-históricos,

atores sociais, espaço da escola e linguagem cinematográfica.

Palavras-chave: Cinema. Extensão. Sociologia.

1. Introdução

Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e

internacionais no laboratório de ciências humanas Orduá e posterior debate, inicia-se as

atividades deste projeto de extensão em um campus rural do Instituto Federal de Mato

Grosso do Sul. A preocupação inicial era de que o acervo a ser utilizado contribuísse

para a formação crítica e reflexiva de jovens estudantes, ampliasse o repertório cultural

destas pessoas e desenvolvesse a competência leitora, o diálogo entre o currículo escolar

e as questões socioculturais mais amplas dos atores sociais que transitariam pelo

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1950ISSN 2177-336X

Page 3: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

projeto. O processo revelou que todas estas possibilidades estariam presentes, além do

estranhamento e produção coletiva de conhecimento.

Na contemporaneidade, é importante que a educação escolar ofereça aos

estudantes oportunidades de conhecer e aprender por meio de uma das principais

linguagens da atualidade. A linguagem cinematográfica e a utilização desta como

prática educativa, facilita significativamente o diálogo entre os conteúdos curriculares e

os conhecimentos mais gerais.

Por intermédio da leitura e análise de imagens e de ferramentas utilizadas pelo

cinema, espera-se o desenvolvimento da compreensão crítica do mundo e das novas

tecnologias, pois os benefícios que proporciona à formação do(a) estudante a cada

exibição cinematográfica, os novos olhares, sensações e experiências que se renovam e

se fortalecem geram reflexões que se prolongam por toda a vida.

Neste sentido, há a preferência por produções audiovisuais regionais e nacionais

por oferecerem a possibilidade de análise da realidade brasileira e local. Em junho de

2014 a presidenta sanciona a Lei nº 13.006, que acrescenta o inciso oitavo ao artigo

vinte e seis da Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996, a LDB, e obriga a exibição de

filmes de produção nacional nas escolas de educação básica, como se observa:

§ 8o A exibição de filmes de produção nacional constituirá componente

curricular complementar integrado à proposta pedagógica da escola, sendo a

sua exibição obrigatória por, no mínimo, 2 (duas) horas mensais.‖ (NR)

Neste contexto, Paiva (2014) escreve que a medida foi festejada por especialistas

e cineastas, otimistas com a possibilidade de crianças e jovens pensarem de forma

crítica a produção e a sociedade retratada no cinema nacional. Aponta também que a

simples obrigatoriedade não é suficiente para que a proposta chegue ao resultado

desejado. A questão é como se aplicará a lei. Não obstante, afirma que a medida, além

de trabalhar os conteúdos de forma criativa, oportuniza a apresentação aos alunos da

linguagem narrativa do cinema. Ainda conforme Paiva (2014), apesar dos impactos

benéficos que a norma pode trazer, existem desafios quanto a sua implementação. A

começar pela infra-estrutura audiovisual das escolas. Outro problema seria a

familiaridade dos professores com o tema, nem todos estão aptos a fazer curadoria dos

filmes. Ao final, propõe que estes sejam orientados e participem de cursos de formação.

2. Cinema, escola e extensão

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1951ISSN 2177-336X

Page 4: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

Ao colaborar com a formação crítico-reflexiva do (a) jovem e do (a) adulto(a), o

desenvolvimento da competência leitora e o diálogo entre o currículo escolar e as

questões socioculturais, os (as) educadores (as) brasileiros (as) que iniciam projetos que

articulam o cinema aos conteúdos disciplinares se deparam com atitudes passivas diante

da telinha por parte dos estudantes. Desde a escolha das obras, quase todas norte

americanas e a preferência pelo dublado são as primeiras regras que o (a) educador(a)

precisa desconstruir. Observa-se que os (as) jovens brasileiros, com a disseminação dos

canais fechados e da possibilidade de assistir on line, acompanham com certa

regularidade temporadas e mais temporadas de séries norte americanas que oscilam

entre o suspense, o romance e o terror. Esta familiaridade com o audiovisual e a

linguagem imagética é relevante, mas como será que a leitura destas imagens e vídeos

acontece?

Para qualificar esta leitura previamente existente entre a juventude do século

XXI, o projeto planejou temas que deverão ser abordados nas sessões: relações sociais

de gênero, liberdade de expressão e liberdade política, corrupção e práticas sociais,

artes, sociedades indígenas e contemporaneidade, diálogos comunicacionais e periferias

urbanas e rurais, tráfico de seres humanos, direitos humanos, instituições carcerárias,

instituições escolares, relações interpessoais, ditadura militar, criança, adolescente e

jovem no Brasil atual.

Outro fator a ser considerado é o atendimento ao público objetivo do IFMS, que

é em sua maioria a juventude, que de acordo com o Estatuto da Juventude (2013),

corresponde aqueles que estão entre 15 e 29 anos. Uma das principais reivindicações

deste grupo é o acesso a lazer e entretenimento. Inclusive o estatuto, na seção VI, artigo

21, apresenta a seguinte redação:

O jovem tem direito à cultura, incluindo a livre criação, o acesso aos bens e

serviços culturais e a participação nas decisões de política cultural, à

identidade e diversidade cultural e à memória social.

Para atender este compromisso legal é preciso criar espaços de convivência nos

quais a imaginação e a diversidade cultural sejam centrais nas relações entre as pessoas.

Além disso, observa-se que há na instituição o Laboratório de Ciências

Humanas - Orduá, que necessita de projetos para ser utilizado de forma agregadora,

inclusiva, criativa e objetiva. Um projeto como este pode propiciar momentos de

produção de conhecimento neste espaço, além de vincular diversas pessoas que

transitam no campus através da discussão sobre cinema.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1952ISSN 2177-336X

Page 5: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

3. Cinema no Orduá não é fuá: experiências sociológicas

O projeto de extensão Cinema no Orduá não é fuá começou logo após a greve

de 2015, em outubro, e é desenvolvido em um laboratório de ciências humanas

chamado Orduá, em campus rural do Instituto Federal, há 23 km da cidade de Nova

Andradina. O Orduá foi criado no final de 2013 para contemplar projetos de pesquisa e

extensão dos profissionais da área de humanas do campus. No ato da inauguração foi

produzido um manifesto do laboratório como afirmação da identidade deste:

1. A ironia como conhecimento;

2. A experimentação da liberdade;

3. O compartilhamento como aula;

4. A poiesis como pesquisa;

5. Os saberes e conhecimentos como Vida;

6. A experimentação como ensino;

7. A ética e a estética como existências;

8. A arte da amizade como sociabilidade;

9. A política como arte;

10. A autogestão como processo educativo.

(ORDUÁ, blog, 2014)

Nota-se que o entendimento coletivo das funções do espaço deste laboratório

vão além das atividades acadêmicas e passam pela possibilidade deste ser um espaço de

convivência e acolhimento. Desde sua criação o Orduá recebeu projetos ligados a

materiais pedagógicos, antropologia da alimentação, dramatização de poesias e

permacultura.

Além de vincular-se ao Orduá, o projeto tem parceria com o Cinelito, único

cinema da região do Vale do Ivinhema - sudeste de Mato Grosso do Sul - na atualidade.

Este fica na cidade de Ivinhema, há 59 km de Nova Andradina. O nome do projeto foi

pensado em alusão às discussões feitas pela comunidade acadêmica acerca das

atividades que ocorrem no laboratório Orduá. As críticas eram sobre a falta de regras

neste laboratório, que contrastava, por exemplo, com o ambiente do laboratório de

tecnologia da informação. Em resposta às críticas e também para fazer uma brincadeira

com a situação foi proposto este nome. A gestão apoiou a forma lúdica como se

conduziu a questão.

Escolheu-se, para relatar as ações do projeto, algumas exibições que foram

bastante significativas. O processo de escolha de algumas experiências no lugar de

outras foi permeado pelo critério da possibilidade de articular referências pedagógicas e

teóricas com o momento vivido, com a fala dos participantes e algumas imagens

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1953ISSN 2177-336X

Page 6: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

produzidas. Mas é importante salientar que o projeto aconteceu com mais projeções e

discussões, não apenas as tratadas neste artigo.

A primeira exibição efetiva do projeto foi de um documentário de Paulo

Fontenele (2004) que mostra a vida e obra do fotógrafo nordestino Evandro Teixeira. A

discussão versou sobre a história do Brasil e como analisar a sociedade a partir da

imagem. O documentário trouxe eventos importantes da história do Brasil e da América

Latina e amigos, parentes e críticos analisam, ao longo do filme, as fotografias de

Evandro. O cartaz veiculado dias antes nos murais da instituição foi o seguinte:

Figura 1 - Cartaz veiculado no campus Nova Andradina do IFMS, dias antes da projeção no Laboratório

Orduá

Elaboração Jefferson Zucão, egresso do IFMS - campus Nova Andradina, 2016.

O documentário Evandro Teixeira - instantâneos da realidade mostra em setenta

e seis minutos falas da biografia do fotógrafo e suas obras que remetem a: enterro de

Pablo Neruda, Ditadura Militar no Brasil e no Chile, automobilismo brasileiro,

redemocratização, campanha do Lula para presidente, carnaval no Rio de Janeiro, o

cotidiano de centros urbanos brasileiros do século XX, o sertão baiano que foi palco da

revolta de Canudos depois de cem anos, dentre outros acontecimentos históricos. Como

sua obra é fotojornalística foi bastante apropriada para pensar elementos da história e

também da sociologia.

A obra foi bem recebida pelas discentes, que fizeram alguns comentários

relacionando suas próprias vidas e pessoas que conhecem ao contexto das fotografias

que apareciam no documentário, principalmente sobre os idosos da região de Canudos.

Houve menção, pela autora deste artigo, de que Evandro Teixeira juntamente com

Sebastião Salgado é um dos mais importantes fotógrafos brasileiros e

internacionalmente tem-se como referência Pierre Verger e Henri Cartier Bresson.

Sobre as possibilidades sociológicas da fotografia Martins (2011, p. 36)

argumenta:

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1954ISSN 2177-336X

Page 7: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

[...] a reflexão sociológica sobre a fotografia pode contribuir

significativamente para o conhecimento das limitações dessa forma de

documentação e, [...] pode contribuir para desvendar aspectos do imaginário

social e das mediações nas relações sociais que de outro modo seriam

encarados sociologicamente com maior déficit de informação. [...] muito

acrescenta à indagação sociológica na medida em que câmera e a lente

permitem ver o que por outros meios não pode ser visto. Ao mesmo tempo,

ela introduz alterações nos processos interativos, na pluralidade de sentidos

que há tanto do fotógrafo quanto no lado do fotografado e do espectador da

fotografia.

Um outro momento interessante foi quando o projeto de extensão abriu as portas

para uma turma do ensino médio técnico em agropecuária participar. Nota-se que é uma

turma com disciplinas técnicas completamente diferentes das discentes que participam

do projeto, pois estas são do ensino médio técnico em informática. A turma convidada

tem quase quarenta pessoas e a temática do bimestre em sociologia foi a formação da

cultura brasileira.

O filme escolhido para projetar foi Matriz Lusa, um capítulo de uma série de

documentários baseados na obra O povo brasileiro do antropólogo Darcy Ribeiro. Esta

parte vai tratar da contribuição dos portugueses na construção da cultura brasileira.

Elogiosa, remete à pluralidade existente na península ibérica e as características que

estes europeus trouxeram para os brasileiros, na arquitetura, música, linguagem e

habilidades marítimas e comerciais. Em Matriz Lusa é mostrada a cultura lusa como

herdeira dos mouros, turcos e árabes e, por este motivo, foi interessante uma preparação

prévia, da autora deste artigo, de uma prato típico destas nacionalidades: o kibe cru. Ele

foi servido aos alunos com cebola, hortelã, azeite de oliva e pão sírio. Houve um

estranhamento geral no que diz respeito a forma como o kibe foi servido, pois foi à

maneira oriental mesmo, com a cebola sendo usada no lugar da colher e sem qualquer

processo de cozimento ou fritura do kibe. Muitos estudantes gostaram, outros não

comeram e alguns levaram para fritar depois.

Figura 2: Antes da exibição do Matriz Lusa, com pão sírio e kibe cru servido à mesa

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1955ISSN 2177-336X

Page 8: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

Foto: Selfie da discente Fernanda Gomes Maciel, integrante do projeto, dezembro de 2015. Professora,

discentes do ensino médio técnico em informática e agropecuária. Laboratório Orduá.

A respeito de Matriz Lusa falou-se sobre os algarismos arábicos e o pandeiro e

também alguns comentários sobre a origem da festa do divino espírito santo, no qual

havia um menino, comida para todos e abertura dos presídios locais quando da

passagem do cortejo. Os espectadores fizeram referência as festas religiosas existentes

no estado de Mato Grosso do Sul, suas origens e semelhanças com a prática portuguesa.

Não obstante, um ator social envolvido no projeto é a Fundação Nelito Câmara,

um dos doze pontos de cultura do estado, que mantêm o Cinelito. A definição de ator

social para a sociologia é diferente da definição do cinema ou teatro que designa aquele

que interpreta um personagem. O sociólogo Betinho (2014, p.12) escreve que

Um determinado indivíduo é um ator social quando ele representa algo para a

sociedade (para o grupo, a classe, o país), encarna uma ideia, uma

reivindicação, um projeto, uma promessa, uma denúncia. Uma classe social,

uma categoria social, um grupo podem ser atores sociais. Mas a ideia de

―ator‖ não se limita somente a pessoas ou grupos sociais. Instituições

também podem ser atores sociais: um sindicato, partidos políticos, jornais,

rádios, emissoras de televisão, igrejas.

Neste sentido, o Cinelito faz parte da terceira definição proposta por este autor.

E o projeto foi até ele (ver figura 3). Em quarenta minutos de carro chegou-se ao centro

de Ivinhema, local que reúne lanchonetes, uma praça e o cinema. Este último é pequeno

e aconchegante, acústica satisfatória e capacidade para cem pessoas.

Figura 3: Membros do projeto de extensão em frente ao Cinelito - cinema do município Ivinhema

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1956ISSN 2177-336X

Page 9: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

Simpatizante do projeto, duas discentes e a professora coordenadora do projeto à direita,

Cinelito, Ivinhema - MS. Data: 12\03\2016. Selfie: Waldir Patricio de Almeida Junior

O filme contemplado nesta visita foi No coração do mar, um drama lançado em

2015 que conta a história real que inspiraria Melville a escrever Moby-Dick. Traz os

contrastes homem versus natureza e a crueldade contra baleias em troca de óleo, além

de revelar as terríveis consequências da ousadia da marinha mercante norte americana

de 1820. Como pano de fundo para uma discussão sociológica pode-se trabalhar com a

temática da exploração do trabalho em uma sociedade capitalista. No filme, quando

retornam tendo passado por experiências terríveis em alto-mar, são aconselhados a

mentir para não prejudicar os negócios da marinha mercante. Também pode-se

mencionar o fato de que o narrador tinha catorze anos quando passou pela experiência e

trabalhava insalubremente em um navio mal equipado e com acesso limitado a

alimentação e água.

Durante as ações do projeto houve falas das discentes que podem ser aqui

descritas:

Eu acho que sociologia é uma matéria que passa muito rápido, são só 45

minutos, então um projeto como este permite que a gente amplie a discussão,

veja e leia mais sobre os assuntos tratados em sala de aula. Através da tela

pode-se entender outros aspectos de uma mesma realidade. (sujeito 1) É a matéria vista sob uma outra perspectiva, a visão do cinema e do cineasta

sobre o assunto. (sujeito 2)

Neste processo, no dia quinze de março foi projetado, no laboratório Orduá, o

filme nacional de 2009 O contador de histórias que narra a biografia de um menino de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1957ISSN 2177-336X

Page 10: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

rua brasileiro que se tornou um dos dez melhores contadores de história do mundo, além

de professor e pedagogo. A produção cinematográfica trata de temas como crianças em

situação de rua e em conflito com a lei, violência sexual, ensino e aprendizagem,

pobreza, exclusão e criatividade. Houve participação de três discentes novos no projeto

e uma trabalhadora terceirizada do campus. A discussão passou pela contextualização

da criminalidade no Brasil e culpabilização da juventude sobre a violência. Uma fala

bastante significativa exemplifica:

Professora, mas na FEBEM só tinha criança e adolescente negro. Não vejo

nenhum branco. Ao ver este filme descubro mesmo que a pobreza tem cor.

(sujeito 3)

Assim, as imagens complementam discursos politizadores, e, tornam mais claros

os conteúdos que as ciências humanas almejam trabalhar nas instituições escolares.

4. Considerações finais

A escola tem um papel importante em suscitar reflexões, romper com o

imediatismo e a facilidade de entendimento no que diz respeito a linguagem

audiovisual. Quando se trabalha com ensino médio técnico, o que é regra é bastante

aceito porque faz parte da normatividade cotidiana dos estudantes. Disciplinas técnicas

em informática e agropecuária não costumam trabalhar com a exceção proporcionada

pela arte e sim com a inovação tecnológica. Quando se articula elementos sócio-

históricos ao cinema, quando o(a) professor(a) tenta contextualizar obras

cinematográficas, seus discursos e cenários é a exceção pulsando no campus. Sobre isto,

Bergala (2008, p. 30) coloca:

Porque se existe a regra, existe a exceção. Existe a cultura, que é de regra, e

existe a exceção, que é a arte. Todos falam da regra, computadores, T-shirts,

televisão, ninguém fala da exceção, isso não se diz. Isso se escreve Flaubert,

Dostoievski, isso se compõe Gershwin, Mozart, isso se pinta Cézanne,

Vermeer, isso se filma Antonioni, Vigo‖.

Assim, entende-se que o ―baú de tesouros‖ de que fala Bergala quando cita a

cinemateca contribuirá para a formação escolar não incluída em um sistema rígido de

avaliações e estudos dirigidos, mas em metodologias leves como pode ser um projeto de

extensão.

Referências

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1958ISSN 2177-336X

Page 11: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

BERGALA, Alain. A hipótese-cinema. Pequeno tratado de transmissão do cinema

dentro e fora da escola. Tradução: Mônica Costa Netto, Silvia Pimenta. Rio de Janeiro:

Booklink - CINEADLISE-FE/UFRJ, 2008.

FERRAZ, Isa. Documentário da obra prima de Darcy Ribeiro: O Povo Brasileiro. DVD.

documentário. Superfilmes. Colorido. 2000, 260min.

FONTENELE, Paulo. Evandro Teixeira - Instantâneos da Realidade. DVD. LK-TEL

Video\Prefeitura do Rio\ Rio Filme. Documentário. Colorido, 2004, 76 min.

MARTINS, José de Souza. Sociologia da fotografia e da imagem. 2ª ed., São Paulo:

Editora Contexto, 2011.

ORDUÁ. Manifesto. Blog. Disponível em: http://ordua-

ifms.blogspot.com.br/p/manifesto_22.html Acesso em: 16\03\2016.

PAIVA, Thais. Cinema em classe: Lei aproxima jovens da produção anenatográfica e da

narrativa brasileira, mas exige capacitação dos professores e escola. Cultura! Revista

Carta na Escola: atualidades em sala de aula. Carta Capital. n. 90, set\2014.

SOUZA, Hebert José de. (Betinho) Como se faz Análise de conjuntura. 34ªed., Rio de

Janeiro: Vozes, 2014.

VILHAÇA, Luiz. O contador de histórias. DVD. Drama. Colorido. 2009, 1h\50min.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1959ISSN 2177-336X

Page 12: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

A DANÇA NA LINHA DO TEMPO: UM OLHAR HISTÓRICO E SOCIAL DA

DANÇA NA ESCOLA

Elisangela Almeida Barbosa

IFMT Campus Várzea Grande

Resumo

Este trabalho é caracterizado como relato de experiência, da escola ao público,

resultante de um projeto de ensino com ações de extensão: um Festival de Dança. O

projeto fez parte da disciplina de Educação Física com o objetivo de desenvolver a

Dança na escola considerando os diversos aspectos em que está imersa: seu contexto

histórico e social, as expressões de movimento dos diferentes povos e culturas e seus

sentidos simbólicos. O Festival foi organizado por alunos de três turmas do 2º ano do

Ensino Médio do IFMT e contou com a participação de 13 turmas no dia de sua

apresentação para um público de mais de 250 pessoas da comunidade. Teve como título

―A Dança na Linha do Tempo‖, apresentando contextos históricos, comportamentais, de

movimento, entre outros relevantes no período de 1960 a 2000. Em 40 anos muitas

coisas mudaram no mundo, e foi possível fazer uma bela e breve viagem no tempo com

o Festival, com apresentações coreográficas que traziam em si uma carga simbólica,

levando a uma compreensão de que a Dança é um saber da expressão e comunicação

humana, objeto de apreciação significativa e produto cultural e histórico que acompanha

as mudanças sociais, o que foi possível visualizar na afinidade e proximidade

despertada no público. Os alunos aprenderam outra maneira de Dançar na escola para

além de uma mera reprodução de movimentos e o público presenciou esse aprendizado,

conhecendo, reconhecendo e interpretando os aspectos simbólicos e representacionais

da vida nas danças. Desse Festival, o público se mostrou bastante satisfeito e na

expectativa de um próximo evento.

Palavras-chave: Dança, Educação Física, Ensino-Extensão

Introdução

Juína: Rainha da Floresta! Assim é conhecida a cidade pólo do noroeste do

Estado de Mato Grosso, situada a 730 km da capital Cuiabá. No seu processo de

colonização, principalmente por ruralistas da região Sul do país, estabelecendo

fortemente sua cultura na região, Juína passou (e ainda passa) pela exploração da

reservas naturais, como a de madeira de valor comercial, e pela extração mineral de

jazidas de diamantes, o que resultou na explosão populacional. Na herança desse

contexto está o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso,

trabalhando principalmente com os eixos agrícola e ambiental. O Campus Juína é

composto por alunos provenientes de toda a região noroeste de Mato Grosso, de mais de

08 municípios do entorno, de origens, costumes e culturas diferentes.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1960ISSN 2177-336X

Page 13: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

Sabe-se que, independente da localização geográfica, há uma tendência em

priorizar a prática esportiva como conteúdo de aula de Educação Física na escola, tanto

como treinamento quanto como atividade recreativa, de maneira muitas vezes

descontextualizada e deixando outras atividades à margem de suas abordagens. Não se

questiona a importância do trabalho com o esporte, mas a Educação Física que lança

mão do esporte como único conteúdo de aula. Lotada no Campus Juína do IFMT na

ocasião, e com a intenção de fazer um diagnóstico com os alunos recém ingressantes no

IFMT, algumas questões foram levantadas: teriam eles vivenciado experiências

diferentes das esportivas nas aulas de Educação Física? A Dança estaria entre elas?

Como teria sido desenvolvida? Ficou algum conhecimento da dança na escola como

aprendizado?

Em relação às práticas corporais, era esperado que poucos tivessem passado por

vivências diversificadas, ou ainda construções artísticas, como podem ser oportunizadas

pela prática da dança, por diversos fatores como formação do professor, acesso a

recursos, conhecimento de metodologias, entre outros. Autoras da Educação e da

Educação Física que estudam a dança na escola discutem sobre essa realidade e a

importância de oferecer experiências diferentes das esportivas durante a trajetória do

indivíduo na escola, como Marques (2007), Sborquia (2014), dentre outros.

Partindo da hipótese que a maioria dos alunos do IFMT campus Juína não

vivenciou a dança na escola de maneira contextualizada, interdisciplinar e como prática

corporal que prescinde de conhecimentos específicos, a organização dos conteúdos de

um bimestre voltou-se a desenvolver um projeto que mostrasse a dança de maneira

ampla, demandando conhecimentos diversos para situar a dança numa trajetória

histórica, envolvendo os alunos em todas as etapas do processo: a realização de um

Festival.

Diante da organização de conteúdos, o projeto teve como objetivo desenvolver a

Dança na escola considerando os diversos aspectos em que está imersa: seu contexto

histórico e social, as expressões de movimento dos diferentes povos e culturas e seus

sentidos simbólicos. Além disso, estimular o potencial artístico e ampliar o acesso a

ações e instrumentos de desenvolvimento político e cultural, apresentando trabalhos

coreográficos elaborados pelos alunos das turmas e cursos do Campus Juína,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1961ISSN 2177-336X

Page 14: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

oportunizando à comunidade o contato com o conhecimento trabalhado e produzido na

instituição como parte da disciplina de Educação Física.

Procedimentos Metodológicos – A construção do Festival

Ao assumir as aulas na instituição, à época no Campus Juína, foram verificadas

as propostas nas ementas da disciplina de Educação Física, observando-se que a

proposta de conteúdos era a mesma para os três anos do Ensino Médio, permitindo

alguma liberdade de atuação. No planejamento, a dança seria proposta no 2º bimestre do

2º ano do Ensino Médio.

Num primeiro momento de contato com os alunos no início do ano letivo, onde

todos se apresentaram, foi realizado um diagnóstico em sala de aula sobre as vivências

corporais com as quais tiveram contato em toda a passagem dos anos anteriores pela

Educação Básica. A resposta foi emitida de maneira simples, citando as atividades das

quais tinham participado, as que tinham maior afinidade e as que não se identificavam,

além da participação ou não nas atividades.

O bimestre reservado aos trabalhos com dança começou com a apresentação do

planejamento, organizado com aulas teóricas e com construção de coreografias em

grupo. Iniciamos o conteúdo com uma exposição histórica e conceitual, mostrando os

caminhos da Dança ao longo do tempo, seus aspectos sociais, de identidade e artísticos,

como discutido por Marques (2007), trazendo exemplos diversos para as discussões,

inclusive os dos próprios alunos, tornando a reflexão mais aprofundada.

Seguida a essa contextualização, começamos a trabalhar diversos elementos

básicos de movimento corporal que podem compor uma construção coreográfica, como

saltos, giros, flexões, contrações, ritmo, fluência de movimento, dentre outros propostos

por autores como Nanni (2003). Juntamente com esses elementos, passamos pelas

interfaces do Ritmo, suas características e significados, como apresenta Sborquia

(2014), buscando compreender o ritmo como um fenômeno importante na vida do ser

humano. Esses elementos foram, pouco a pouco, estimulados de maneira que cada um

pudesse dar sentido ao seu movimento. A partir dos estudos em sala e da vivência de

movimentos, os alunos se organizaram em grupos para escolher um tema e pesquisar

sobre ele para começar a construir uma coreografia.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1962ISSN 2177-336X

Page 15: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

Com o desenvolvimento do conteúdo, alguns alunos trouxeram a proposta de

fazer um Festival para que pudessem se apresentar para um público maior, para que

seus familiares e amigos conseguissem ver o resultado do trabalho que estavam

fazendo, numa ação de extensão do conhecimento produzido à comunidade. Para

realizar algo com o porte de um Festival, no entanto, foi necessário abrir para

participação de todas as turmas da escola, com as três turmas do 2º ano assumindo a

organização. Atendendo a solicitação, foi elaborado o Projeto ―A Dança na Linha do

Tempo‖, tema definido entre as turmas organizadoras, para que todos pudessem

construir suas coreografias com uma referência, um direcionamento, contando uma

história, na intenção de que o Festival não fosse apenas uma mostra de coreografias

descontextualizadas e sem relação entre si. O projeto foi apresentado ao Departamento

de Ensino para que a proposta constasse como uma atividade curricular, pois o produto

partiria das atividades nas aulas de Educação Física.

―A Dança na Linha do Tempo‖ tinha o compromisso de trazer informações e

conhecimentos característicos do período entre a década de 1960 e o ano 2.000. A

organização cuidou para que as escolhas das danças de cada década não se repetissem

entre os grupos. Todas as décadas deveriam ter apresentações para que houvesse de fato

a construção de uma linha do tempo, trazendo o que cada uma teve de marcante,

relevante, simbólico. Ao fim, todas as décadas foram representadas no Festival com a

participação de 18 coreografias.

O tema foi divulgado aos demais, e o Festival começou ser concretizado. As

turmas organizadoras foram divididas em grupos para atender ao Regulamento, ao

trabalho de Pesquisa, ao recebimento de inscrições dos outros grupos, à confecção de

cenário, ao trabalho de produção e divulgação, às edições necessárias para adequar as

músicas e ao recebimento e distribuição dos alimentos recolhidos como valor de entrada

no evento. Esse alimento seria entregue a instituições carentes do Município definidas

pelos alunos da organização no dia seguinte à realização do Festival. O intuito era de

que todos os grupos funcionassem em conjunto, para que não houvesse contradições

entre as informações que seriam divulgadas pelas turmas organizadoras. A construção

do Regulamento e da Pesquisa sobre o tema foi realizada no laboratório de informática e

na biblioteca buscando artigos, relatos, estilos de dança pertinentes ao tema, produção

de textos e vídeos.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1963ISSN 2177-336X

Page 16: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

O material de divulgação elaborado, como os cartazes e panfletos, foram

impressos com apoio da gestão da escola e afixados pelo grupo responsável pela

divulgação no próprio Campus, nas Secretarias de Educação, Cultura e Esportes, numa

faculdade particular, em algumas escolas na cidade e em lojas na rede comercial. Além

dos cartazes, algumas emissoras de rádio e televisão locais foram contatadas buscando

ampliar a divulgação do Festival. Os grupos organizadores responsáveis pela pesquisa,

após todas as inscrições, deveriam elaborar um release de cada grupo inscrito para ser

utilizado como apresentação da turma que entraria no palco a cada dança e a cada

década.

Na semana do Festival de Dança, foi agendado o Ensaio Geral, momento de

conhecer o espaço e marcar o palco, familiarizar-se com o local da apresentação,

deixando os grupos mais seguros para sua performance. No dia do Festival de Dança,

todas as equipes da organização trabalharam na arrumação do espaço, organizando as

cadeiras, montando som e cenário, arrumando local para armazenar alimentos,

organizando o suporte para os alunos artistas e a recepção do público. Ao total foram 18

coreografias. Era aguardada a presença de 200 pessoas.

A opinião do público foi obtida com a distribuição de um breve questionário,

num total de 200, que continha um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,

distribuído na entrada do local de realização do Festival, à medida que as pessoas

chegavam. Foram considerados apenas os questionários das pessoas maiores de 18 anos

e assinados. O questionário continha questões sobre a qualidade das coreografias, a

coerência nas informações apresentadas, importância do Festival como referência ou

acesso ao conhecimento. Os dados obtidos foram tratados utilizando a análise

interpretativa, buscando obter sentidos mais amplos (BOGDAN; BIKLEN, 1994).

O Festival foi organizado e produzido pelos alunos dos 2º ano: as ideias, a

confecção de materiais, a disposição para os ensaios, o convite à pessoas e instituições

diversas. A avaliação do trabalho de preparação do Festival foi processual, observando

o envolvimento e o comprometimento dos grupos cumprindo as tarefas. A avaliação do

evento foi realizada na semana seguinte, nos horários de aula, numa roda de conversa,

onde os grupos das turmas organizadoras levantaram pontos positivos e negativos,

apresentando sugestões para a realização de um próximo Festival. A análise das falas

dos envolvidos também foi interpretativa, considerando os pontos de vista expressos.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1964ISSN 2177-336X

Page 17: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

Discussão e Resultados – “A Dança na Linha do Tempo”

Fazer o levantamento das experiências anteriores ao IFMT dos alunos foi muito

importante na preparação dos conteúdos para aula de Educação Física e para os projetos

na escola. O diagnóstico mostrou que, em relação aos conteúdos da Educação Física, as

vivências não foram muito diversificadas e nem sempre muito exitosas, tendo a maioria

deles relatado em sala de aula que se limitaram à prática das técnicas do Futsal e do

Voleibol, muitas vezes o primeiro restrito aos meninos e o segundo às meninas. Houve

ainda aqueles que relataram não terem participado das atividades por opção, o que era

permitido. Tais situações são semelhantes às que discutem Nista-Piccolo e Moreira

(2012) no que tange à falta de planejamento, a uma prática de execução de atividades

sem contextualização e, ainda, conteúdos repetitivos e um fazer padronizado, não

despertando interesse para a participação.

Essa realidade abriu a oportunidade imediata de desenvolver outros conteúdos

da Educação Física, levando vivências diferenciadas das quais os alunos estavam

acostumados, partindo de um ponto próximo de conhecimentos e habilidades entre eles.

As aulas foram estruturadas buscando ampliar, primeiramente, o conhecimento do corpo

e o repertório motor, além da construção de conhecimentos referentes a uma prática

corporal artística e social como a Dança.

O objetivo de desenvolver a Dança na escola nos diversos aspectos em que está

imersa: seu contexto histórico e social, as expressões de movimento dos diferentes

povos e culturas e seus sentidos simbólicos, foi atingido durante os trabalhos de

pesquisa dos grupos da organização. Esse trabalho favoreceu o aprofundamento do

conhecimento da Dança como uma expressão realmente simbólica marcante ao longo

do tempo, acompanhando as mudanças sociais, culturais e comportamentais expressas

nos movimentos. O trabalho de pesquisa foi distribuído para todas as turmas inscritas no

Festival para que conhecessem o contexto proposto e definissem em conjunto sua

Dança a partir do tema e das informações obtidas com as pesquisas.

Com o material de pesquisa, conhecendo o contexto, ao dançar os alunos artistas

buscaram demonstrar o sentido mais próximo do significado que a Dança escolhida

tinha no seu tempo característico e conferiram sua interpretação sobre o tema estudado.

Nas rodas de conversa finais, foi possível perceber que eles foram capazes de localizar a

dança numa linha temporal e identificar fatores que caracterizaram a época em diversos

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1965ISSN 2177-336X

Page 18: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

assuntos. Essa resposta atende ao que Bracht (2007), propõe quando afirma que o que

qualifica o movimento enquanto humano é o sentido/significado de mover-se, mediado

simbolicamente e que o coloca no plano da cultura, onde a análise cultural entendida

como estudos de formas simbólicas mediadas pelas relações humanas deverá, assim,

considerar o contexto em que essas formas simbólicas são produzidas, transmitidas e

recebidas.

Coreografia Anos 60 – Festival A Dança na Linha do

Tempo

Equipe de jornalismo IFMT Campus Juína

Além disso, o trabalho em grupo estimulou de fato maior responsabilidade, pois

os grupos teriam que responder a um público, situação em que todos tinham a intenção

que a sua participação fosse reconhecida. O incentivo à produção artística e a

participação em eventos artísticos no meio escolar é parte importante do processo de

formação do indivíduo na escola (inclusive previsto no Plano de Desenvolvimento

Institucional e Planos Pedagógicos de Cursos), mas isso se dá efetivamente a partir do

aprofundamento do estudo sobre o tema proposto para apropriação efetiva do

conhecimento (MARQUES, 2007), levando à comunidade externa o potencial dos

alunos e a as atividades que fazem parte, no caso, da disciplina de Educação Física,

aproximando a comunidade da escola. A opção pelo formato de ―Mostra artística‖ teve

a intenção de atender ao trabalho em grupo, incentivar o respeito mútuo e o espírito de

coletividade.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1966ISSN 2177-336X

Page 19: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

A delegação de tarefas para as turmas organizadoras foi uma forma encontrada

para começar a amenizar algumas resistências, atender às inquietações e até mesmo

incentivar as potencialidades dos alunos em relação às ações previstas, facilitando o

acompanhamento do trabalho dos grupos e de todos os alunos inscritos no Festival de

Dança. Como a organização de uma Mostra de Dança prescinde de diversas funções ao

mesmo tempo, os envolvidos se sentiram mais satisfeitos e desafiados por cumprirem

tarefas em que tinham talentos, não necessariamente dançando, mas atuando nos

bastidores. Muitos alunos estavam no trabalho de organização e em grupos que iriam se

apresentar, outros ficaram apenas com a responsabilidade da organização prévia e do

dia do evento. Todos eles passaram por todas as etapas de estruturação do Festival,

acompanhando e registrando os ensaios dos grupos de sua turma.

Expandindo o alcance do Festival de Dança para o público, algumas emissoras

de rádio e televisão que tomaram conhecimento do evento através dos alunos, entraram

em contato para fazer entrevistas, filmagens dos preparativos e para convidar para

divulgar o Festival em programas de rádio e televisão com significativa audiência local.

Isso permitiu alcançar um público maior, para além da comunidade escolar, amigos e

familiares, ampliando inclusive a arrecadação dos alimentos como valor de entrada para

serem doados. Devido a estrutura de armazenagem e logística de recebimento e retirada

dos alimentos, não conseguimos computar o total arrecadado, mas conseguimos atender

a três instituições carentes do Município de Juína, uma delas filantrópica.

Coreografia Anos 80 – Festival A Dança na Linha do Tempo

Equipe de jornalismo IFMT Campus Juína

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1967ISSN 2177-336X

Page 20: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

Na semana que sucedeu o festival, durante as aulas, foram feitas reuniões com as

turmas organizadoras em rodas de conversa para fazer a avaliação, levantar os pontos

positivos e negativos e sugerir melhorias caso houvesse a chance da realização de um

futuro festival. Foi possível observar em muitos alunos um grande potencial artístico,

dançando, utilizando mídias, criando layouts para cartazes e cenários, adaptando

materiais e lidando com o público. Incentivar esses talentos na escola estimula os alunos

a ganharem confiança em si mesmos em relação a quem são e ao que conseguem

produzir. Com o Festival, muitos tiveram contato com instrumentos de desenvolvimento

cultural e puderam sentir que esses instrumentos são diversificados e estão acessíveis.

Na discussão de avaliação, em relação à aprendizagem, os alunos absorveram e

se apropriaram de muitas informações, passando a entender que a dança é uma prática

expressiva na sociedade e não apenas uma reprodução de movimentos ensaiados para

momentos festivos escolares. Ela tem sua importância e significado na história, em

contextos sociais e econômicos, na construção da identidade de indivíduos e na

continuidade de tradições, dentre outros fatores como inclusão e integração na escola e

em outros ambientes, superação de limites corporais, expressão de emoções e

afetividades (BARRETO, 2004), havendo durante o processo um exercício de valores,

como respeito e solidariedade, para além da aprendizagem de conteúdos.

Os trabalhos coreográficos elaborados pelos alunos das turmas oportunizou à

comunidade o conhecimento e o contato com o que é trabalhado e produzido na

instituição como parte da disciplina de Educação Física, uma forma de ver que essa

disciplina não se limita ao ensino de técnicas de esportes. É uma disciplina que trabalha

com as mais diversificadas práticas corporais presentes na sociedade sob diversos

aspectos, contextualizando as atividades historicamente, socialmente, culturalmente por

meio do estudo do movimento humano.

Falando do público, a expectativa era de 200 pessoas, esperadas a partir da

disponibilidade de lugares no local. No entanto, contamos com mais de 250 pessoas,

número levantado na portaria do local de realização do Festival. Dos 200 questionários

distribuídos, apenas 72 foram considerados válidos e o retorno foi muito positivo. A

respeito das coreografias, 71% das respostas foram ―ótimas‖, 22,2% foram ―boas‖ e

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1968ISSN 2177-336X

Page 21: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

ainda 1,38% foi classificada como ―regular‖. Essa diferença é um ponto positivo, sendo

possível notar alguma criticidade em relação à qualidade das apresentações artísticas.

Um dado importante é que 99% do público identificaram coerência entre o texto

de introdução/apresentação das coreografias e as danças apresentadas, denotando

clareza na produção da pesquisa e da construção das coreografias realizadas pelos

grupos. Essa é uma referência muito significativa, pois demonstra que a Mostra de

Dança foi apresentada de maneira clara, onde os estudos prévios sobre a dança que cada

grupo escolheu favoreceu a apropriação do conhecimento e tornou possível o

reconhecimento da expressão temporal, simbólica, cultural, social por um público

diverso.

Foi bastante trabalhoso coordenar tantas atividades, mas algo que o Festival

proporcionou foi a identificação de lideranças, alunos que naturalmente se despontavam

e assumiam uma posição de maior confiança diante da turma, um aprendizado de

trabalho em grupo, maior integração em prol de um objetivo comum. Além disso, todo

o desenvolvimento do trabalho levou a uma compreensão de que a Dança é um saber da

expressão e comunicação humana, objeto de apreciação significativa e produto cultural

e histórico que acompanha as mudanças sociais, situando o sujeito no mundo.

Considerações Finais

Apresentar conteúdos e atividades diferentes das habituais dos alunos é um

desafio que passa por algumas resistências que se reafirmam, como preconceito,

desvalorização, descrédito, todas atreladas ao desconhecimento e, ainda, à falta de

planejamento, a prática de execução de atividades descontextualizadas, conteúdos

repetitivos e um fazer padronizado, como exposição feita anteriormente pautada na

discussão de Nista-Piccolo e Moreira (2012).

Foi possível observar que o Festival de Dança oportunizou aos alunos a vivência

de expressões culturais desconhecidas por eles, principalmente devido à prática

―monoesportiva‖ da maioria conhecida no momento diagnóstico. Com o Festival, abriu-

se uma oportunidade de muitos quebrarem barreiras de preconceito em relação à dança,

superarem seus limites corporais, construírem coletivamente diversos produtos,

resolverem problemas e conflitos, respeitar as diferenças e fortalecer laços afetivos entre

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1969ISSN 2177-336X

Page 22: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

os colegas da própria turma e com colegas das outras. É importante oferecer aos alunos

outras formas de trabalho e conteúdos da Educação Física na escola, pois muitos deles

só vivenciarão determinadas práticas apenas no ambiente escolar. Atividades

diversificadas favorecem o desenvolvimento de potenciais de aprendizagem e repertório

motor de maneiras diferentes, estimulando o conhecimento e a sensação de segurança

com o próprio corpo, reconhecimento e superação de limites e o respeito aos limites dos

outros num trabalho coletivo.

A resposta do público foi de extrema importância para estimular os alunos a

fazerem mais e melhor, a se reconhecerem como atuantes em algo importante para seu

crescimento pessoal e escolar, a perceberem que são realmente capazes de fazer coisas

com qualidade. A realização do Festival ―A Dança na Linha do Tempo‖ teve uma

repercussão muito positiva, mais que a esperada, tanto na comunidade quanto no

Campus, com participação de todas as turmas. Fica registrado o grande envolvimento e

dedicação dos alunos nos trabalhos de pesquisa, na edição de músicas, figurinos e

elaboração e estudo das coreografias. O reflexo de todo esse trabalho foi a resposta do

público e a avaliação deles mesmos sobre suas ações.

Houve, ainda, o reconhecimento de que a Dança contribui de fato na formação

dos jovens, estimulando atitudes em prol da coletividade e da autoconfiança com

superação de limites corporais, timidez e dificuldades motoras. A expressão artística da

Dança pode sim participar da construção do conhecimento na escola, criando espaço

para contato com outras culturas, aprofundando sobre a sua própria cultura com

informações coerentes e significativas, abrindo portas que favoreçam o conhecimento e

respeito à diversidade cultural.

Referências

BARRETO, D. Dança...: ensino, sentidos e possibilidades na escola. Campinas, SP:

Autores Associados, 2004.

BOGDAN, R. C.; BIKLEN, S. K.. Investigação qualitativa em educação: uma

introdução à teoria e aos métodos. Portugal: Porto Editora, 1994.

BRACHT, V. Educação física e ciência: cenas de um casamento (in)feliz. 3. ed. Ijuí:

Unijuí, 2007.

MARQUES, I. Dançando na escola. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2007.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1970ISSN 2177-336X

Page 23: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

NANNI, D. Dança Educação: princípio, métodos e técnicas. Rio de Janeiro, 4. ed.:

Sprint, 2002.

NISTA-PICCOLO, V. L.; MOREIRA, W. W. Esporte para a vida no ensino médio.

1. ed. São Paulo: Cortez, 2012.

SBORQUIA, S. P. As manifestações rítmicas e expressivas: sentidos e significados na

educação física. In: EHRENBERG, M. C.; FERNANDES, R. C.; BRATIFISCHE, S. A.

(Org.). Dança e educação física: diálogos possíveis. (Org.). 1. ed. Várzea Paulista, SP:

Fontoura, 2014. p. 17-40.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1971ISSN 2177-336X

Page 24: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

INTERVENÇÃO URBANA: ARTE COMO SUPORTE POLITIZADOR

E DE DIVULGAÇÃO DE UM PATRIMÔNIO CULTURAL DA REGIÃO

Claudyanne Rodrigues de Almeida

Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Mato Grosso (IFMT)

Resumo: O projeto constituiu em atividades de produção e avaliação de práticas

artísticas/sociais, por meio da construção de um coletivo de jovens, que após pesquisas,

reflexões e desenhos, grafitaram imagens em espaços periféricos da instituição. Os

temas base foram: sustentabilidade socioambiental e divulgação do Patrimônio Cultural

da região. Baseada nas técnicas do stencil e nos conceitos de Intervenção artística

(Nelly Richard) e performance (Schechner), a pesquisa se apropriou do espaço do

campus e alcançou o potencial politizador do graffiti de incitar o senso crítico dos

jovens utilizando uma linguagem verbal e visual atraente e de fácil identificação com os

dramas juvenis. Como produtos finais da pesquisa, foi montada uma Mostra de Arte na

Casa de Cultura da cidade com diversos elementos da memória das produções artísticas

no campus e um grafitaço no muro do Centro da cidade. Focamos nessa produção final,

quando o projeto se expande para extensão, ultrapassando os muros da instituição para

atingir/contaminar/intervir a comunidade geral. Baseados nas poéticas de obras móveis,

estabelecemos diversas formas de comunicação entre a divulgação da cultura, as críticas

sociais juvenis e a vida urbana cotidiana. O graffiti aqui é pensado como intervenção

artística/urbana e como performance. Schechner (1995) entende a performance como

comportamentos restaurados, situações que reelaboram procedimentos repetidos

cotidianamente. Remetendo, ao nome da Mostra - ―Olhares REinventados‖ - e também

apropriando perspectiva da antropologia visual quando toma a imagem como um texto

que deve ser interpretado. As atividades proporcionaram ampliação de conhecimentos

sobre educação socioambiental e a divulgação do Yaokwa- rito da etnia Enawene Nawe

tombado pelo IPHAN e UNESCO como Patrimônio Imaterial da Humanidade- um bem

cultural riquíssimo, porém desconhecido localmente. Acreditamos que divulgar faz

parte do processo de valorizar, perceber de forma apurada, pôr luz, contribuindo assim

para minimizar os preconceitos e estereótipos tão presentes na região.

Palavras-chave: graffiti; educação socioambiental; arte

Este projeto se propôs a utilizar o grafite e suas técnicas para unir jovens em

torno de discussões temáticas imprescindíveis à formação cidadã. Foi formado um

coletivo de jovens estudantes provocados a pesquisar e discutir imagens e textos

relacionados à temática, incitando assim o senso crítico e a possibilidade de expressão

artística através de produções imagéticas. Foi ampliada a formação teórica dos alunos

com a perspectiva que suas ações possuem potencialidade política a partir do conceito

de Intervenção Crítica, ou Intervenção Urbana. Usamos uma abordagem antropológica

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1972ISSN 2177-336X

Page 25: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

para estudar os temas Patrimônio Imaterial e cosmologia indígena. Financiado pela

parceria CNPq/IFMT o projeto abrangeu um coletivo no qual quatro estudantes eram

bolsistas sob minha orientação.

As metodologias utilizadas contaram principalmente com a técnica tradicional

da pesquisa bibliográfica e a pesquisa qualitativa. Utilizamos também discussão e

criação coletiva; técnicas do stencil; incentivo à criação de desenhos; pesquisa de

opinião qualitativa com relatórios avaliativos e Deriva cartográfica ou cartografia do

desejo.

Se atendo aos patrimônios culturais, sabedoria popular ou rituais

representativos, a cidade de Juína se encontra numa posição com um potencial

etnográfico incrível, já que se situa entre o território de nove povos indígenas, além de

contar com um dos poucos bens já registrados como Patrimônio Imaterial pelo IPHAN

– o ritual Yaokwa da etnia Enawene Nawe. Foi realizada uma pesquisa que levantou o

total desconhecimento dos alunos e população sobre tal registro. Em geral, a população

do lugar pouco valoriza a grande riqueza cultural que se encontra na cidade ou em

outras comunidades indígenas também próximas. Indígenas convivem diariamente nos

diversos locais públicos e privados da cidade de Juína e o contato com os estudantes do

IFMT é comum. Porém, é perceptível certa resistência dos habitantes da cidade para

com os indígenas e até mesmo na própria sala de aula é perceptível um tom de assunto

tabu, ou mesmo um incômodo para grande parte dos alunos.

Trabalhando o tema de forma científica e ao mesmo tempo lúdica, com

intervenção, graffiti e mostra artística e, principalmente, divulgando que tão próximo

temos um rito indígena tombado como bem cultural e tão valorizado mundialmente, a

tendência é que se amplie a visão de mundo dos alunos e os incite a aprofundar e refletir

sobre seus próprios valores e preconceitos. Já que, segundo Silva (2004, p. 5), o grafite

―é uma arte que envolve a paisagem e a intervenção humana e convida a refletir sobre a

noção de território, limites e fronteira‖.

Nos Estados Unidos da década de 60, o graffiti, assim como o rap e o break

dance, surge como alternativa para afastar-se da violência e drogas dessa tribo urbana,

pois a partir de então, as gangues começam a disputar de forma lúdica, com

competições de break dance, hap e grafite. No famoso Maio de 68, o grafite,

juntamente com o stencil, foi utilizado pela juventude europeia para expor suas ideias de

liberdade e reformas sociais. Segundo Silva (2004), a juventude que na

contemporaneidade se agrupa em torno do graffiti, o faz porque consegue assim,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1973ISSN 2177-336X

Page 26: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

experimentar uma coletividade, o que o autor denomina tribalização, a partir da

experiência de compartilhar um saber prático que é o de marcar com cores e formas nas

ruas. Este foi um ponto forte do projeto que conseguiu marcar identidades, críticas e

reflexões, por meio das produções imagéticas, já que os estudantes, em maioria

adolescentes se encontram numa fase de constante busca de identidades/identificações.

Eles também puderam expressar sentimento e aflições sem agredir, como um grito

suave e esteticamente contagiante. Ao ser despojado, irônico, provocativo e interferir na

paisagem, o graffiti força o transeuntes a ser espectador de arte, a desviarem olhares e

pensamentos. ―A arte propõe a desnaturalização do nosso lugar no mundo, daí sua

capacidade de nos proporcionar um lugar privilegiado de reflexão‖. (TAVARES, 2010,

p. 30) É sabido que historicamente a arte une e convida os seres humanos a refletirem

sobre seu lugar no mundo. Ela serve à produção de estéticas e, por meio de suas

representações, convida à transformação social através do inusitado e do notório.

Além do graffiti o projeto trouxe como pauta para discussões os Patrimônios

Imateriais da nossa região, como a viola de cocho e o ritual Yaokwa, a boneca Karajá, a

capoeira, entre outros. Segundo Sandra Pelegrini (2008), o que de fato pode ser

considerado como Patrimônio Cultural Imaterial na realidade são as práticas,

expressões, representações e conhecimentos que determinado grupo detêm e são de vital

importância para a representatividade e organização social de um povo.

A importância do Ritual Yaokwa foi destacada pelo IPHAN devido à sua

riqueza, à representatividade cultural e por ser o único bem cultural brasileiro na lista da

UNESCO, entre os 11 bens do mundo em risco. No caso do Yaokwa, a ameaça se dá

pelo empreendimento de hidrelétricas nos rios que atravessam as terras do povo

Enawene, alterando o período reprodutivo dos peixes. Os peixes representam a

manutenção da ordem social e cósmica, uma vez que serve como oferenda para evitar a

―cólera dos deuses‖. Anunciando um problema ambiental que reflete diretamente no

social e cultural, justificando assim a importância de se trabalhar com a educação

socioambiental, exatamente o que essa discussão sugere.

Um dos objetivos do trabalho também era abarcar o ensino junto com pesquisa

e extensão com concepção científica e habilidades para a promoção da educação,

estimulando o desenvolvimento sustentável visando aumentar a articulação entre os

setores educacionais e a sociedade, especialmente de abrangência local e regional,

através de um corpo de conhecimentos dos fenômenos que regem aquela realidade

específica e sua relação com o meio onde vivem. Contribuindo para a formação de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1974ISSN 2177-336X

Page 27: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

cidadãos conscientes, críticos e com responsabilidade social, econômica e ambiental. De

forma a dirimir dúvidas e conflitos desse público em formação, contribuindo para

tomadas de decisões mais conscientes e responsáveis para a vida, superando tabus,

preconceitos e outros comportamentos negativos, perpetuando boas atitudes e causando

um impacto social positivo para si, para seus grupos de convivência e para a sociedade

de modo geral.

Com a finalização dos stencil no campus, o coletivo percebeu a

potencialidade política do projeto e quis ir além dos ―portões da escola‖. Foi

remanejado recursos para realização de uma Mostra de Arte com intuito de ampliar o

público do projeto. A divulgação foi feita com folders em escolas, tv e rádio, e oferecido

uma oficina para alguns alunos de outras escolas que resultou no grafitaço.

Mostra “Olhares REinventados” e Grafitaço

A Mostra intitulada Olhares REinventados foi pensada como uma forma de

alcançar um público da cidade em geral. Mas não apenas alcançar, mas atingir/intervir,

contaminar esse público tanto com as críticas sociais colocadas nos graffiti, desenhos,

etc, quanto para divulgar para público muito maior o bem cultural que temos registrado como

Patrimônio da Humanidade. No caso o alcance da divulgação se fez ilimitada, já que um dos

elementos da Mostra foi um Painel temático para fotos, o que provocou no público muito

interesse em colocar o rosto para tirar foto e postar em redes sociais, divulgando tanto o ritual

tombado como Patrimônio da humanidade, o campus IFMT, como a iniciativa de trabalhar com

arte em escolas.

Montagem do painel temático e artistas/estudantes:

Figura 1- Fonte: Coletivo Graffiti Rural

Montamos a Mostra Olhares REinventados pensando numa exposição conceitual e

interativa. A interatividade estava em completar cada obra, na medida em que eram reflexivas e

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1975ISSN 2177-336X

Page 28: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

o conceito estava permeando a ideia de questionar as ―invenções‖ sociais, as convenções criadas

com algum interesse, mas naturalizada por nós. De maneira que elementos e fenômenos sociais

estão tão fixados na cultura, que se cria um padrão a seguir sem questionar ou desnaturalizar. O

olhar antropológico aparece na medida em que exotiza o familiar, que põe em cheque as

convenções, assim todos os elementos estão basedos em ―olhar‖ para imagens cotidianos, a

partir de um novo ângulo, ―REinventar‖ esse olhar contaminado pelas convenções.

Pensando nesse conceito, levamos alguns dos tapumes grafitados no campus para

compor a ambientação e memória do processo de reinvenção e intervenção; Exposição

dos desenhos com cunho crítico social produzidos durante o processo; Monóculos

divulgando Patrimônios Culturais do mundo; Painel temático para foto do ritual

Yaokwa; e ainda uma exibição Fotográfica intitulada ―Urbano no rural e Rural no

urbano‖ produzida a partir de uma imersão também durante o processo do projeto.

Algumas imagens da Mostra Olhares REinventados

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1976ISSN 2177-336X

Page 29: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

Figura 2- Fonte: Coletivo Graffiti Rural

Os desenhos expostos foram criados a partir das discussões e pesquisas teóricas

do Coletivo e geraram expressões de suas críticas em formas, cores e traços cheios de

simbolismos e sugestões. A arte surge como forma de expressão de vivências, de

transformar em materialidade inúmeras abstrações, em dar existência ao que não existe.

Aqui, ela criou linguagem simbólica singular a partir da discussão coletiva. Por meio

das representações desses estudantes, a arte transporta a produção de estéticas, convida

à transformação social através do imprevisto, a partir da experiência de compartilhar um

saber prático que é o de marcar com cores e formas, espaços, papéis ou memórias.

Alguns dos desenhos produzidos por alunos do Coletivo no processo

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1977ISSN 2177-336X

Page 30: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

Figura 3- Fonte Coletivo Graffiti Rural

Já os tapumes velhos não estavam por acaso, pensamos em

desconstruir/‖Reinventar‖ a composição de uma Mostra artística sublime e acomodada,

típica das belas artes europeias. Também demonstram a composição justamente de

―construções e desconstruções‖, pois tapumes geralmente são usados em construções ou

reformas de prédios, pontos cruciais em que os grafiteiros se motivam a fazer arte, pois

quando colocam esses tapumes tornam os locais sem cor, sujo e feio. Além de sem

identidade, pois, geralmente, essas construções estão em processo de transição, se

encontrando num limbo até o fim da obra, local providencial para o graffiti marcar

espaço e colocar-se como identidade do lugar. Na Mostra esses tapumes ficavam

desconexos, desgastados, com algumas partes já apagadas, deixando um espaço

potencial para os espectadores completarem a obra. Expressa-se assim, características

da arte contemporânea, diferente da arte clássica que confortava o expectador. ―A arte

sai de limites, então instransponíveis, para envolver fisicamente o espectador‖

(RICHARDY, 2002, p. 26). As atitudes, portanto valem mais do que a forma; leva o

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1978ISSN 2177-336X

Page 31: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

expectador a se questionar, incomoda, o faz completar o sentido da obra. De forma que

contempla multidimensionalmente objetivos educacionais.

Seguindo essa mesma linha, o graffiti em si também está no âmbito das

características da arte contemporânea. O graffiti captura o olhar e pode ser pensado

como instrumento de transformação do cotidiano. É uma intervenção urbana, já que

intervém na paisagem cotidiana, levando o transeunte à reflexão, questionamento, ou no

mínimo, lhe tirando do comodismo da paisagem diária. Analisamos tanto os graffiti

como a Mostra a partir do conceito de performance de Schechner. Esse autor descreve e

analisa eventos performáticos de ocupação de espaços públicos emblemáticos,

documentados pela mídia, e que têm significados e desfechos distintos. Schechner

(1995) entende a performance como comportamentos restaurados, situações extra-

cotidianas que reelaboram procedimentos repetidos do dia a dia inerentes a ações ou

condutas instauradas no cotidiano. A performance então restauraria esses

comportamentos a partir da experiência com fortuitos, o contato com elementos

inovadores, inéditos ou nunca antes empreendidos. Por isso o nome da Mostra ―Olhares

REinventados‖, pois é um momento e local com elementos e instalações próprias para

reinventarmos as ideias e conceitos sobre a vida, os sujeitos e os fenômenos sociais.

Ricardo Campos (2011) discorre sobre o potencial disruptivo e simbolicamente poluidor

do graffiti. As expressões em imagens ou grafite ―são manifestações intra/entre/sobre

muros que nomeiam brechas na realidade‖. (TAVARES, 2010, p. 22) Esses, entre

outros autores, ajudaram a pensar a pesquisa-ação realizada e as contribuições da

antropologia da arte, já que de pano de fundo estava o que Lagrou (2003) caracterizou

como a vocação e fascínio pela alteridade.

Na Mostra expusemos um painel com diversas fotos do processo do graffiti no

campus para a população perceber todo o trabalho do processo. Entre os grafites

realizados estão: o semeador de ideias, um homem semeando ideais sustentáveis,

críticas e questionadoras; a faxineira que varre os problemas sociais e reflete o que cada

um de nós esconde ―debaixo do tapete‖; a bicicleta ecológica feita de material

sustentável, que destaca a preocupação necessária com o meio ambiente; o metabolismo

urbano um ser, raquítico que se alimenta de árvores e ao fim do processo digestório

origina a civilização dita ―moderna‖; o indígena com o dizer ―Sorria, você está em terás

indígenas‖, que questiona a colonização regional; e diversas frases de efeito que

questionam, incomodam e sugerem. Como os registros seguem:

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1979ISSN 2177-336X

Page 32: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

Imagem do stencil ―Semeador de ideias‖ com coletivo em grafitando outra imagem ao lado.

Imagem do stencil ―Metabolismo urbano‖

grafitado nos banheiros da escola

Imagem do stencil que provoca e ironiza a

questão da demarcação de terra indígena

Imagem do stencil ―fazendo a cabeça com a

diversidade

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1980ISSN 2177-336X

Page 33: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

Processo

Figura 4 - Fonte: Coletivo Graffiti Rural

Imagem das intervenções nos tapumes da escola

Figura 5- Fonte: Coletivo Graffiti Rural

O penúltimo elemento da Mostra foi a instalação dos monóculos com imagens de

Patrimônios Culturais do mundo que foram pendurados no teto e na frente de cada um foi

colocada uma contextualização sobre o Patrimônio Cultural fotografado nele. Esse elemento

trouxe bastante curiosidade já que muitos não conheciam um monóculo e capturou o conceito

de ―Reinventar o olhar‖ na medida que, tinham que olhar apenas com um olho, os obrigando a

fechar outro, ou olhar a imagem com outras imagens, enfim, sair do comodismo para

―enxergar‖ diferente.

Painel com monóculos de Patrimônios Culturais do mundo

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1981ISSN 2177-336X

Page 34: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

1

Figura 6-Fonte: Coletivo Graffiti Rural

Figura 7- Fonte: Coletivo Graffiti Rural

Para finalizar o turbilhão de elementos de reinvenção de olhares ainda temos a

Exibição Fotográfica. Como parte do processo de produção artística, o Coletivo imergiu numa

―Deriva Cartográfica‖i por espaços da cidade e do campus, captando olhares sensíveis ao

tema. Cartografia é um método de pesquisa fundamentado nas ideias de Gilles Deleuze e

Félix Guattari, e que vem sendo utilizado em pesquisas de campo para o estudo da

subjetividade. Esse é um método diferenciado, no qual paisagens psicossociais também são

cartografáveis.

A cartografia, nesse caso, acompanha e se faz ao mesmo tempo que o desmanchamento

de certos mundos - sua perda de sentido - e a formação de outros: mundos que se criam

para expressar afetos contemporâneos, em relação aos quais os universos vigentes

tornaram-se obsoletos. Sendo tarefa do cartógrafo dar língua para afetos que pedem

passagem, dele se espera basicamente que esteja mergulhado nas intensidades de seu

tempo e que, atento às linguagens que encontra, devore as que lhe parecerem elementos

possíveis para a composição das cartografias que se fazem necessárias. (ROLNIK,

1989)

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1982ISSN 2177-336X

Page 35: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

2

Os resultados dessa metodologia deu luz a uma Exposição Fotográfica sobre as

contaminações do mundo rural no urbano e vice-versa. Na cultura contemporânea, a

interculturalidade é base das formações identitárias. Nessa perspectiva, foi possível registrar

as interferências do mundo rural na cidade e a artificialidade do urbano invadindo a natureza,

de forma a romper com limites metafóricos de segregação. O que ressaltou foi a contaminação

e interligações viscerais de um extremo ao outro.

Registros da imersão na cidade e no campus rural baseada na metodologia da deriva cartográfica

O resultado das fotografias subverte uma pretensa ordem dicotômica das coisas, ou

seja, urbano e rural se complementam e formam uma terceira via de ―verde cinzento‖ ou

―asfalto florido‖, ―reinventando o olhar‖ sobre a cidade e sobre o campo.

Para findar a Mostra Olhares Reinventados realizamos (com as devidas autorizações)

uma oficina de graffiti num espaço aberto do centro da cidade, que usam para eventos. Foi

autorizado finalizar com a prática de grafitar imagens referentes aos temas do projeto nos

muros desse espaço público e assim foi feito. As imagens para usar a técnica do stencil foram

escolhidas previamente e os artistas mais experientes fizeram mão livre. Como seguem:

Figura 8- Fonte: Coletivo Graffiti Rural

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1983ISSN 2177-336X

Page 36: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

3

Grafitaço no centro de uma cidade da floresta

Figura 9- Fonte: Coletivo Graffiti Rural

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ressignificação dos espaços com imagens reflexivas contribuíram para uma

estética socioeducativa, assim como a elaboração e exposição de desenhos críticos trouxeram

estímulo e valorização para outros tantos talentos descobertos na escola. O exercício do

pensamento crítico em relação a temas sociais presentes no cotidiano dos jovens, a divulgação

do conhecimento sobre bens culturais, e ampliação do conhecimento sobre como o meio

ambiente está intricadamente ligado à organização social e à cultura popular, possibilitou

novas reflexões com estudantes do ensino médio. O projeto estimulou a desmistificação de

discursos ideológicos manipuladores, impulsionando a autogestão de jovens num Coletivo

artístico que movimentou a todos a saída de uma posição estagnada para um lugar de ator

social. Ao trabalhar temas sociais com arte na educação, se propôs uma cartografia para

acoplar todo esse processo a uma metodologia que supõe uma prática de conhecimento

construída a partir do próprio processo criativo.

As expressões culturais indígenas de Mato Grosso ainda são pouco divulgadas e

menos ainda analisadas cientificamente, não há um registro amplo, e insipiente informações

etnográficas sobre elas. O projeto veio com o propósito também de contemplar esse déficit do

nosso estado. Ainda contribuiu com novas reflexões sobre arte na educação e patrimônio, por

meio de novos contextos etnográficos a serem explorados e a serem submetidos a uma

reflexão antropológica. Trouxe visibilidade de componentes culturais do Estado, o que poderá

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1984ISSN 2177-336X

Page 37: EXPERIÊNCIAS POLITIZADORAS EM INSTITUTOS … · 1. Introdução Com o intuito de exibir produções audiovisuais locais, regionais, nacionais e ... vinte e seis da Lei nº 9394 de

4

vir a fomentar sua valorização contribuindo para preservação do patrimônio cultural. A

extensão os estimulam a debater com os, colegas, pais, vizinhos, entre outros, questões sobre

a diversidade étnica e bens imateriais na no âmbito em que que se situa o estudante,

contribuindo também para potencializar o desenvolvimento de todos os envolvidos e criar

espaços para a reflexão crítica no sentido de não aceitação de valores sem análise prévia

Por fim, quisemos refletir sobre os processos de ensinar e aprender, a relação entre

diversidade e práticas escolares, analisando ao mesmo tempo e dialeticamente os preconceitos

construídos socialmente e as questões autônomas de cada sujeito, pois esse tipo de trabalho de

extensão instiga o autoconhecimento e do contexto sociocultural em que está inserido.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Campos, Ricardo. 2011. ―Imagem e tecnologias visuais em pesquisa social‖,Análise Social,

XLVI(199): 237-259.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs ± capitalismo e esquizofrenia. Rio de

Janeiro: Ed. 34, 1995a. V. 1.

LAGROU, Elsje Maria. Antropologia e Arte: uma relação de amor e ódio. ILHA -

Florianópolis, v.5, n.2, dezembro de 2003, p. 93-113

PELEGRINI, Sandra C.A. O que é patrimônio cultural imaterial. — (coleção primeiros

passos) São Paulo: Brasiliense, 2008.

RICHARD, Nelly. Intervenções críticas: arte, cultura, gênero e política. BH: UFMG, 2002.

ROLNIK, Suely. Trechos de Suely Rolnik: Cartografia Sentimental, Transformações

contemporâneas do desejo, Editora Estação Liberdade, São Paulo, 1989.

SCHECHNER, Richard. 1995. "The street is the stage". Pp.45-93 In The Future of Ritual:

writings on culture and performance, edited by Richard Schechner, London & New York,

Routledge.

SILVA, Rodrigo Lages e. Escutando a adolescência nas grandes cidades através do grafite.

Revista Psicologia Ciência e Profissão, São Paulo, 2004, vol.24, n.4, p. 2-11.

TAVARES, Andréa. Ficções urbanas: estratégias para a ocupação das cidades. Revista ARS.

2010, vol.8, n.16, p. 21-30.

i A deriva não apenas pensada no seu sentido original - desgoverno da embarcação pelo vento -, mas a proposta

dos situacionistas de‖andar sem rumo‖. A teoria da deriva é de autoria de Guy Debord (1958) e originou-se da

idéia de urbanismo psico-geográfico, ou seja, através do procedimento situacionista, que persistia em reconhecer

a cidade andando apressadamente pelas mais diversas ambiências o sujeito deixava-se levar sem rumo o que

resultava em mapas individuais de cada lugar visitado.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1985ISSN 2177-336X