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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA (UFSC) CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO (CCE) DEPARTAMENTO DE JORNALISMO MARIANA DUTRA DELLA JUSTINA EXPLORANDO O CONCEITO DE WEBDOCUMENTÁRIO Florianópolis 2013.

Explorando o Conceito de Webdocumentário

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Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi apresentado na UFSC em 2013 e tem como objeto a problematização do conceito de webdocumentário. Ter a rede como suporte permite o reforço de linguagens não-lineares, o hibridismo e o uso de recursos interativos. O que vemos hoje é uma gama de produções que são categorizadas desta maneira, mas que possuem características diferentes entre si. Isso sinaliza que há uma variedade de entendimentos do que pode ser definido. A proposta desta monografia é discutir conceituações, recorrendo a autores brasileiros e internacionais que tratem da problemática ou que sugiram compreensões e novas definições para o termo.

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA (UFSC)

    CENTRO DE COMUNICAO E EXPRESSO (CCE)

    DEPARTAMENTO DE JORNALISMO

    MARIANA DUTRA DELLA JUSTINA

    EXPLORANDO O CONCEITO DE WEBDOCUMENTRIO

    Florianpolis

    2013.

  • MARIANA DUTRA DELLA JUSTINA

    EXPLORANDO O CONCEITO DE WEBDOCUMENTRIO

    Trabalho de Concluso de Curso

    (TCC) apresentado ao curso de

    Jornalismo da Universidade Federal de

    Santa Catarina como requisito parcial

    para a obteno do ttulo Bacharel em

    Jornalismo. Orientadora: Prof. Dr.

    Maria Jos Baldessar.

    Florianpolis

    2013.

  • Mariana Dutra Della Justina

    EXPLORANDO O CONCEITO DE WEBDOCUMENTRIO

    Este Trabalho de Concluso de Curso (TCC), apresentado ao Curso de

    Jornalismo da UFSC, foi julgado adequado para a obteno do Ttulo de

    Bacharel em Jornalismo.

    Florianpolis, 15 de julho de 2013.

    Banca Examinadora

    __________________________________________________

    Prof. Dr. Maria Jos Baldessar

    Orientador

    Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

    __________________________________________________

    Prof. Dr. Crlida Emerim

    Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

    __________________________________________________

    Prof. Mestre Cristiane Fontinha Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

  • AGRADECIMENTOS

    Deus, por sempre me acompanhar.

    famlia pelo apoio e dedicao incondicional.

    Dr. Maria Jos Baldessar pela orientao.

    Aos professores do Curso de Jornalismo da UFSC por terem contribudo

    com a minha formao pessoal e profissional.

    E a todos que, direta ou indiretamente, contriburam para que eu conclusse

    esta etapa.

  • RESUMO

    Este Trabalho de Concluso de Curso (TCC) tem como objeto a

    problematizao do conceito de webdocumentrio. Ter a rede como suporte

    permite o reforo de linguagens no-lineares, o hibridismo e o uso de

    recursos interativos. O que vemos hoje uma gama de produes que so

    categorizadas desta maneira, mas que possuem caractersticas diferentes

    entre si. Isso sinaliza que h uma variedade de entendimentos do que pode

    ser definido. A proposta desta monografia discutir conceituaes,

    recorrendo a autores brasileiros e internacionais que tratem da problemtica

    ou que sugiram compreenses e novas definies para o termo.

    Palavras-chave: Webdocumentrio. Internet. Documentrio. Audiovisual.

  • ABSTRACT

    This coursework is engaged in questioning the concept of webdocumentary.

    Having the web as a platform allows the reinforcement of nonlinears

    languages, hybridism and the use of interactive resources. What we see

    today is a range of productions that are categorized this way whereas they

    bear different characteristics. This emphasizes that there are different

    understandings of what can be defined. The main goal of this monography

    is to discuss different conceptualizations, appealing to Brazilian and

    international authors who deal with the problem or who suggest

    comprehensions to new definitions of the term.

    Palavras-chave: Webdocumentary. Internet. Documentary. Audiovisual.

  • SUMRIO

    1 INTRODUO............................................................................9

    2 TRANSFORMAO DAS MDIAS NO MEIO

    DIGITAL.......................................................................................15

    2.1 PRINCPIOS E PROPRIEDADES ESSENCIAIS.......................16

    2.2 CONVERGNCIA, INTERATIVIDADE E HIPERMDIA........19

    2.3 A ESTTICA DOS NOVOS MEIOS.........................................24

    2.4 NOVAS E VELHAS NARRATIVAS.........................................26

    3. MUDANAS NA FORMA DE CONSUMIR MDIAS...............28

    3.1 CAPTAO DE PBLICO PELA AGNCIA E SENSAO DE

    IMERSO......................................................................................30

    3.1.1 Mdias compartilhadas.........................................................31

    3.2 O PAPEL DA AUDINCIA NA CRIAO E MANUTENO DE

    CONTEDO..................................................................................33

    3.2.1 Participao das redes sociais..............................................34

    3.3 AUDINCIA, CONSUMO E CRIAO DE VDEO.................36

    4 O DOCUMENTRIO NA INTERNET.......................................40

    4.1 APROXIMAES E DIFERENAS PARA A TV E PARA O

    CINEMA........................................................................................42

    4.2 PLURALIDADE DE PRODUTOS AUDIOVISUAIS.................44

    4.2.1 Webdocumentrio: influncias e contribuies....................46

    4.3 DEFINIES, DISCUSSES E HISTRIA..............................48

  • 4.3.1 Alguns mtodos de categorizao........................................58

    5 CONSIDERAES FINAIS.......................................................63

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS............................................67

  • 9

    1 INTRODUO

    Este estudo tem como objeto a problematizao do conceito de

    webdocumentrio, narrativa com imagens-cmera que estabelece

    asseres sobre o mundo (RAMOS, 2008, p. 22) concebido e produzido para web e que nela difundido (CROU, 2010).

    Falar sobre este tema buscar compreender como as narrativas

    so modificadas pelas novas tecnologias e como ambientes de

    experimentao permitem o surgimento de maneiras inovadoras de se

    contar histrias (MURRAY, 2003). Para tanto, necessrio entender

    no s as concepes do cinema documental, mas tambm as

    caractersticas que propiciam esses novos formatos.

    Se o documentrio coubesse dentro de fronteiras fceis de estabelecer, certamente no seria to rico e fascinante em suas mltiplas

    manifestaes (DA-RIN, 2006, p. 15). A frase, que consta na introduo do livro Espelho Partido, define bem a dificuldade que prender os conceitos na rea a afirmaes simplistas. Nichols (2005, p.

    47) chega a comparar a definio com a palavra amor, que apenas

    adquire significado se analisada em contraponto ao dio ou

    indiferena. Para ele, o documentrio o que pode ser chamado de

    conceito vago, pois nem todos os filmes assim classificados se parecem e nem todos apresentam um nico conjunto de formas ou estilos.

    Ainda assim, h caractersticas que podemos elencar. Nichols

    (2005, p. 28) pondera que os documentrios de representao social normalmente chamados de no-fico, em contraponto aos

    documentrios de satisfao de desejos, chamados de fico engajam-se no mundo por meio de trs maneiras: 1) oferecem uma representao

    reconhecvel da realidade (por meio da capacidade de registrar pessoas,

    lugares e situaes comuns ao cotidiano), o que contribui para a base de

    crenas do tipo ele estava l, deve ser verdade; 2) significam ou representam os interesses de outros. Nesse caso, os realizadores podem

    falar em favor do pblico ou de seus patrocinadores; 3) podem advogar

    por uma causa ou cliente. Desse modo, intervm mais ativamente nos

    fatos que apresentam ao buscar consentimentos ou tentar influenciar opinies.

    Ramos (2008) afirma que documentrio uma narrativa

    fundamentalmente formada por imagens-cmera, seguidas muitas vezes

    de animao, tomadas de rudos, msica e fala, para as quais ns,

  • 10

    espectadores, olhamos em busca de asseres sobre o mundo que nos

    exterior, seja esse mundo coisa ou pessoa.

    A no-fico um campo em constante mudana e j teve

    tantas escolas e estilos to diferentes entre si que convida os seus

    integrantes a uma reflexo sobre o novo. Conforme o tempo passa e

    novas tecnologias surgem, podem mudar tambm as formas de se fazer

    cinema. Prottipos tem a potencialidade de desafiar convenes e

    redefinir os limites da prtica (NICHOLS, 2005, p. 48).

    Neste sentido, porque no encarar as novas mdias como

    espaos de experimentao? Ter a web como suporte permite aos

    produtores de audiovisual o reforo de linguagens no-lineares, o

    hibridismo e o uso de recursos interativos.

    Manovich (2006, p. 72) reduz os princpios dos novos meios em

    cinco: 1) representao numrica as mdias se tornam programveis, ou seja, podem ser descritas por funes matemticas e ser submetidas a

    manipulaes algortmicas; 2) modularidade os elementos miditicos apresentam sempre a mesma estrutura modular. Eles podem combinar-

    se dando origem a objetos maiores, porm, sem perder a sua

    independncia; 3) automatizao os dois primeiros princpios permitem automatizar muitas operaes de criao, manipulao e

    acesso. Assim, a intencionalidade humana nos processos criativos pode,

    em parte, ser eliminada; 4) variabilidade nos novos meios, os objetos podem existir em diferentes verses. possvel criar diferentes

    interfaces a partir dos mesmos dados; e 5) transcodificao cultural como novas mdias so criadas, distribudas, armazenadas e arquivadas

    em sistemas computacionais, de se esperar que a lgica do computador

    influencie de maneira significativa a tradicional lgica cultural dos

    meios.

    Para o campo do jornalismo estas caractersticas tambm so

    levadas em conta, assim como a possibilidade de mesclar recursos

    tcnicos e de captao dos sentidos (audio e viso) do espectador.

    Para Ramn Salaverra, a convergncia multimdia abriu novas

    possibilidades s linguagens jornalsticas:

    At a chegada da internet, no existia nenhuma

    plataforma que permitisse difundir mensagens

    informativas que combinassem cdigos textuais e

    audiovisuais, e com os quais, tambm, o usurio

    pudesse interagir. Neste sentido, a revoluo

    digital abriu novos horizontes para a expresso

    jornalstica: estabeleceu o desafio de criar uma

  • 11

    retrica jornalstica multimdia. (SALAVERRIA,

    2003).

    Murray (2003) classifica os ambientes digitais como

    procedimentais, participativos, espaciais e enciclopdicos:

    As duas primeiras propriedades correspondem, em

    grande parte, ao que queremos dizer com o uso

    vago da palavra interativo; as duas propriedades

    restantes ajudam a fazer as criaes digitais

    parecerem to explorveis e extensas quanto o

    mundo real, correspondendo, em muito, ao que

    temos em mente quando dizemos que o

    ciberespao imersivo (MURRAY, 2003, p. 78).

    A autora enfatiza que essas propriedades so fatores de suma

    importncia para a criao de tipos de narrativas, no s relacionados ao

    favorecimento da criao literria, mas a de games, produtos de

    entretenimento e documentais.

    Isso engloba a produo do webdocumentrio que para

    Broudoux um novo gnero em que a identificao do leitor com a

    narrativa se torna mais substancial. Para ela, enquanto os gneros cinematogrficos constroem processos em que diferenciam o ponto de

    vista do autor e do espectador, o aumento da interatividade com o

    pblico constri uma relao participativa com a audincia (BROUDOUX, 2011).

    Esse tipo de narrativa se difere de projetos feitos para TV ou

    para o cinema (em grande nmero lineares), que encontram na internet

    mais um espao de divulgao, pois pode ser considerado uma espcie de extenso do que so os CD-ROM ou DVD-ROM: uma obra que

    utiliza as tecnologias da web e seus diferentes recursos multimdia (CROU, 2010).

    Tanto realizadores, quanto um novo pblico para as produes

    audiovisuais se forma na internet e se utiliza de equipamentos cada vez

    mais acessveis tcnica e financeiramente, o que para Camargo e Possari

    (2011) transforma a cultura do documentrio:

    A nova base dessa cultura, proporcionada pela

    cibercultura, ampliar as plataformas digitais que

    promovam a participao, colaborao, interao

    textual, e de certa forma, rev o conceito da

    democracia quando se tem acesso s redes, e est

  • 12

    diretamente ligada a organizao de grupos que

    saem da passividade para a produo de

    contedos expressivos e que pretendem atingir

    uma finalidade. (CAMARGO, POSSARI, 2011, p.

    7).

    A utilizao de recursos fotogrficos na captao do filme

    atraiu fotgrafos para produes audiovisuais na web. Como destacam

    Freire e Barbalho (2012), na medida em que o webdocumentrio se

    apresenta como um campo em desenvolvimento, aberto a incorporar

    diversas possibilidades de expresso online (o que inclui a imprensa), o

    fotojornalismo encontra neste ambiente uma maneira de se incorporar.

    O que se v hoje uma gama de produes que se

    autodenominam webdocumentrio, mas que possuem caractersticas

    diferentes entre si. Bauer (2011, p. 1) destaca o carter incerto dos

    aspectos tcnicos e mercadolgicos como atuantes nesse contexto, assim

    como o fato de que as novas tecnologias aguam a busca por possibilidades narrativas diferenciadas.

    Broudoux (2011) elenca alguns aspectos que podem ser

    encontrados em grande parte dos webdocumentrios: 1) um

    documentrio realizado em vdeos, udio, textos e imagens; 2) que leva

    em conta a interatividade por meio de narrativas fragmentadas e de uma

    interface grfica; 3) e que possui uma comunicao personalizada com o

    internauta.

    Ao procurar estabelecer parmetros entre os autores, Bauer

    (2011) considera que a no linearidade do discurso narrativo e o uso de

    outras formas de expresso alm do vdeo so encontrados tanto em

    webdocumentrios interativos quanto em participativos.

    Existem ainda conceitos que se avizinham ao do objeto de

    estudo, como documentrios interativos. Isso sinaliza que h diferentes

    entendimentos do que pode ser definido ou conceitualizado, e demonstra

    o quo mutante esse campo. Afinal, a explorao de transmdia est apenas em sua infncia; o seu potencial criativo e suas ricas

    possibilidades atraem cada vez mais o interesse de cineastas

    (OBSERVATOIRE DU DOCUMENTAIRE, 2011, p. 2).

    H que se ter em conta tambm a contrapartida. Assim como o

    cinema (no caso, documental) pode se apropriar dos recursos advindos

    da internet, os criadores de contedo para web tm muito a aprender

    com ele. Isso o que acredita Lev Manovich (2006, p. 313). O autor

    enfatiza a obra Um Homem com uma Cmera (1929), de Dziga Vertov (1896 1954) como exemplo a ser seguido ao integrar os dados

  • 13

    e a narrativa de novas maneiras. Isso porque, no filme, o cineasta russo

    atribui sentido aos efeitos que utiliza e apresenta diversas tcnicas de

    forma dinmica. Para os novos realizadores, fica o desafio de no

    somente conhecer as ferramentas que surgem constantemente, mas

    utiliz-las com propsitos bem definidos. Dominar as tecnologias

    tambm saber quais delas se apropriar e quais so apenas modas

    passageiras.

    Outro questionamento preponderante apontado por Broudoux

    o papel do documentarista nesse ambiente, que perpassam as fronteiras

    da fico e da no-fico. O interesse dos artistas visuais, fotgrafos,

    escritores e jornalistas em publicaes multimdia e online anuncia

    ensaios narrativos em que os internautas participam mais ativamente,

    deixando de ser apenas leitores. Tendo em conta este cenrio, a autora

    questiona qual a distncia necessria para a reflexo se o contrato de leitura simplesmente o usurio investir em uma "histria da qual ele

    o heri" entre as sesses de navegao na web (BROUDOUX, 2011, p. 16).

    Nesta monografia, discutimos diferentes conceituaes de

    webdocumentrio, recorrendo a autores brasileiros e estrangeiros que

    direta ou indiretamente tem compreenses e definies para o termo. A

    abordagem adotada foi a terica, pois ela permite contrapor teorias,

    explicar a problemtica e extrair o que comum a todas elas. Para tanto,

    nos utilizamos de um levantamento de bibliografia que trate ou faa uso

    de noes relacionadas ao objeto de estudo, e a sistematizao dos

    diferentes conceitos.

    O trabalho est dividido em trs captulos, introduo e

    concluso. No primeiro, discorremos sobre as caractersticas estticas da

    internet e as novas formas de se pensar as narrativas que permitiram o

    surgimento do webdocumentrio. A convergncia dos meios de

    comunicao, a navegao hipermdia e a possibilidade de uma relao

    mais interativa com o pblico esto inseridas neste contexto.

    A mudana na forma de se consumir as mdias e a participao

    da audincia na construo e manuteno de contedo online o tema

    do segundo captulo. Nele, falamos a importncia das plataformas de

    vdeo e das redes sociais na divulgao e captao de pblico.

    No terceiro, o foco de discusso o documentrio e como esse

    se adapta/modifica na web. Ressaltamos as suas diferenas quando

    pensado para outros meios, a pluralidade de produtos audiovisuais no

    ciberespao e as contribuies da fotografia para novas narrativas.

    Ainda nesse captulo, exemplificamos a correlao existente entre

    cinema documental e webdocumentrio.

  • 14

    Este captulo focado, tambm, nas particularidades do

    webdocumentrio. Enumeramos as caractersticas principais

    apresentadas por diversos autores, tais como forma, contedo e

    ferramentas, e ensaiamos as possibilidades de categorizao.

  • 15

    2 TRANSFORMAO DAS MDIAS NO MEIO DIGITAL

    "Toda mdia nova passa por um processo de transio" (PAUL,

    2007)*1. Assim como os tipos mveis de Gutenberg revolucionaram a

    impresso e permitiram a reprodutibilidade em massa dos textos, o que

    alargou o acesso informao; ou como a TV apropriou-se das

    linguagens do rdio para depois desenvolver a sua prpria; necessrio

    pensar no ambiente digital e em suas maneiras de comunicar e informar

    como resultantes de narrativas anteriores. Isso sem deixar, claro, de

    especificar as potencialidades que o diferem dos meios que o

    precederam como a sua capacidade de agrupar todas elas. Para entender

    o contexto em que se insere o webdocumentrio enquanto narrativa

    preciso traar um retrospecto dos meios digitais, alm de situar os

    fenmenos e conceitos j estabelecidos.

    Entre a inveno da prensa tipogrfica, em 1455, at o

    surgimento do livro como o conhecemos, foram necessrios mais de 50

    anos. Nesse meio tempo, teve-se os conhecidos incunbulos2, que nada

    mais so do que livros de experimentao (MURRAY, 2003, p. 41).

    O mesmo fenmeno ocorreu com o cinema, que aps as

    primeiras imagens exibidas em cinematgrafo por Edson, em 1984, por

    Max Skaladanowsky, em 1985, e pelos irmos Lumire, em Paris, em

    1895, teve um perodo de filmes berrios3. Os cineastas,

    coletivamente, construram os principais elementos de narrao

    1 Este texto faz parte de uma obra sem paginao. Todas as vezes em que forem

    utilizadas citaes do tipo, identificaremos com o smbolo *. 2A palavra incunbulo (do latim incunablum) utilizada para designar aquilo

    que serve de ornato para o bero, local de nascimento. Por remeter ao

    nascimento, foi adotada modernamente para referir-se as primeiras produes

    tipogrficas (anteriores a 1500). A tecnologia ainda estava em sua infncia

    (MURRAY, 2003, p. 41) e muitas das publicaes eram apenas cpias de

    manuscritos (MCLUHAN, 1972, p. 192). 3Murray (2003) chama de filmes berrios os photoplays (ou fototeatro tidos

    como mera forma de arte aditiva. Da-Rin (2006) comenta que o primeiro perodo do cinema tambm era caracterizado pelas atualidades lutas de boxe, filmes de viagem, filmes de guerra. Tanto ele quanto Machado (2011),

    ponderam que o cineasta David Wark Griffith, nos filmes que fez para a

    produtora Biograph, entre 1908 e 1913, teve papel fundamental para a histria

    do cinema. Com Griffith, convencionaram-se princpios sequenciais plenamente reconhecidos pelo espectador o sistema de filmagem-montagem-fruio que at hoje, com pequenos acrscimos, costumamos chamar de

    linguagem cinematogrfica (DA-RIN, 2006, p. 38).

  • 16

    cinematogrfica baseados, primeiro, nas propriedades fsicas, como

    movimentos de cmera.

    2.1 PRINCPIOS E PROPRIEDADES ESSENCIAIS

    No final do sculo XX e incio do XXI, muitos autores

    elencaram as caractersticas do meio digital, e outros se apropriaram

    destas para sugerir categorizaes. Murray (2003) pondera que quando

    deixamos de pensar no computador como mera conexo multimdia,

    podemos identificar suas propriedades essenciais e torn-lo um

    poderoso veculo para a criao literria. A autora define os meios digitais como procedimentais, participativos, espaciais e enciclopdicos:

    O computador tem uma distinta capacidade de executar regras. Ele capaz de incorporar comportamentos complexos e aleatrios, e no serve simplesmente para transmitir informaes

    estatsticas. Isso o caracteriza como procedimental. Murray (2003)

    destaca que ser um cientista da computao pensar em termos de algoritmos e heurstica, ou seja, identificar constantemente as regras

    exatas ou gerais de comportamento que descrevem qualquer processo, do mais simples ao mais complexo.

    So atraentes ao pblico os meios conduzidos por regras que

    geram interpretaes que reconhece do mundo, e que permitem induzir

    comportamentos, reagindo s informaes inseridas neles. Essa a

    propriedade participativa, que junto com a procedimental, o que

    entendemos, na maioria das vezes, como interatividade. Ela possibilita

    que programadores e desenvolvedores de narrativas criem percursos

    ramificados, com vastas interaes possveis. O usurio se torna, ento,

    um interator4. Quanto mais esquemtico o roteiro, melhor ele poder ser

    assimilado e correspondido; E quanto mais flexvel, maior ser a gama

    de comportamentos do leitor.

    Outra caracterstica nica dos ambientes digitais a imensa

    capacidade de armazenamento de dados. Essa propriedade permite criar

    4Para Murray (2003), interatores so os usurios que exercem agncia em

    ambientes interativos. Eles podem exercer um papel criativo dentro de espaos

    digitais, mas tem suas possibilidades de atuao limitadas ao que foi

    programado pelo autor da obra.Murray (2003, p. 149) exemplifica que eles

    podem experimentar estratgias, construir cidades simuladas, atuar por meio de

    avatares, mas todas as encenaes possveis do interator sero chamadas existncia do autor original;

  • 17

    histrias em hipertexto, com tramas compostas e enredos entrecruzados.

    por meio dela tambm que somos capazes de elencar contedos

    adicionais narrativa central e remeter o pblico, por meio de

    hiperlinks5, a outros materiais. No s a possibilidade de armazenar,

    mas a de conexo permite o desenvolvimento de uma grande e nica

    biblioteca global, com filmes, sries, livros, pinturas.

    Porm, a grandeza enciclopdica tambm apresenta pontos

    negativos: podemos encontrar informaes incompletas ou inverdicas e

    as buscas podem ser cansativas. Alm disso, ela incentiva narrativas de grande flego e sem formato definido e deixa os leitores/interatores

    imaginando qual dos pontos finais , de fato, o final e como podem ter

    certeza de que viram tudo o que havia para se ver (MURRAY, 2003, p. 91).

    Os ambientes digitais tambm podem representar espaos

    navegveis pelo qual podemos nos mover. Isso o difere de meios

    lineares, que retratam locais com descries verbais, ou por imagens. A

    espacialidade permite, por exemplo, o desenvolvimento de ambientes

    como o Second Life e pode ser muito bem explorada em webdocumentrios. Apesar disso, ela independe de criaes grficas,

    como peas tridimensionais, ou comunicativas (conectando lugares

    distantes entre si). Sua questo central que a qualidade espacial do computador criada pelo processo interativo de navegao (...), que

    exclusivo do ambiente digital (MURRAY, 2003, p. 85). Desde a sua descoberta na dcada de 1970

    6, a capacidade espacial foi desenvolvida

    de tal forma que o domnio digital, anos mais tarde, foi conceituado

    como ciberespao7.

    A imerso, caracterstica esttica das novas mdias, resultante

    dos princpios enciclopdico e espacial. Manovich (2006) tambm

    considera a relao entre ambos complementares. Diferente de Murray

    5Conexo disponvel entre um elemento de hipertexto (palavra, smbolo,

    imagem etc.) e outro elemento desse texto ou outro hipertexto. Um hiperlink oferece um mtodo de passar de um ponto do documento para outro ponto do

    mesmo documento ou em outro documento (FERRARI, 2007) *. 6A primeira interface do usurio (que base para a que utilizamos ainda hoje)

    utilizava elementos grficos encontrados em um escritrio, como uma

    escrivaninha e pastas, para representar o armazenamento de dados. Murray

    (2003) contextualiza o seu surgimento, e Manovich (2006) comenta o fato o

    citando como o paradigma original da interface grfica do usurio (GUI); 7 Para Murray (2003), o ciberespao um ambiente com sua prpria geografia

    no qual experimentamos a transformao de documentos em nosso monitor

    como uma visita a um lugar distante na grande teia mundial.

  • 18

    (2003), que os situa como propriedades essenciais, o autor destaca os

    espaos navegveis e o banco de dados do meio digital como formas

    culturais. Ele as destaca como modos gerais que a cultura utiliza para representar a experincia humana, o mundo e a vida humana neste

    mundo (MANOVICH, 2006, p. 280). Para compreender as convenes, padres e formas dos

    ambientes digitais, Manovich (2006) diferencia os velhos meios dos

    novos ao elencar as principais tendncias da cultura da informatizao.

    Ao invs de fazer isso identificando as suas propriedades, ele optou

    como ponto de partida, em identificar os princpios, que divide em

    cinco: representao numrica, modularidade, automatizao,

    variabilidade e transcodificao cultural, como j comentado na

    introduo.

    A representao numrica tem a ver com a maneira como os

    objetos so identificados nos novos meios. Cada um deles possui um

    cdigo digital, seja originrio de um computador ou convertido de um

    meio analgico. Assim, o autor elenca duas consequncias desse

    aspecto: o primeiro que todo objeto dos novos meios pode ser descrito

    em termos matemticos, por meio de funes; o segundo, que um

    objeto dos novos meios est submetido a uma manipulao algortmica.

    Os meios se tornam programveis.

    Os elementos miditicos apresentam sempre a mesma estrutura

    modular. O autor salienta que sejam imagens, sons, formas ou comportamentos, so representados como colees de amostras

    discretas (pixels, polgonos, voxels, caracteres ou scripts), cujos

    elementos se agrupam em objetos de maior escala, sem perder a sua

    individualidade (MANOVICH, 2006, p. 75). Objetos tambm podem ser unidos e formar outros maiores e assim por diante, sempre mantendo

    a sua independncia. A prpria web tambm modular, quando suas

    vrias pginas se juntam, mas os elementos de cada uma delas podem

    ser acessados separadamente.

    Somados, a codificao numrica dos meios e a estrutura

    modular permitem a automatizao (ou automao) de processos. A

    palavra, em seu sentido mais literal, remete a aplicao de tcnicas que

    visem a diminuio da mo de obra. No caso dos ambientes digitais isso

    se d, segundo o autor, de duas maneiras principais: as automatizaes

    de baixo nvel e as de alto nvel. As primeiras se relacionam a

    procedimentos mais simples, como os corretores ortogrficos de

    processadores de texto, ou os softwares de edio de imagem que,

    automaticamente, podem corrigir a cor, o contraste. J as segundas, tem

  • 19

    mais a ver com o uso de inteligncia artificial em procedimentos.

    Buscadores para a web, como o Google, tambm so automatizados.

    Enquanto nos velhos meios um mesmo documento podia ter

    vrias cpias a serem distribudas, mas todas idnticas, nos meios

    digitais os objetos podem ter muitas verses. Esse o princpio de

    variabilidade. Ou seja, um objeto no ambiente digital no fixo, ele

    pode ser mutvel. Dentro das possibilidades que esse oferece, Manovich

    (2006, p. 83) elenca sete casos particulares:

    1. Os elementos miditicos so armazenados em banco de

    dados;

    2. Pode-se criar distintas interfaces a partir dos mesmos dados;

    3. A informao sobre um usurio pode ser empregada por um

    software para adapt-lo automaticamente a composio do meio, e

    tambm para criar os prprios elementos;

    4. A interao e tipo arbreo;

    5. A hipermdia8;

    6. Atualizaes peridicas;

    7. Escalabilidade.

    Para Manovich (2006), a consequncia mais importante da

    informatizao dos meios o quinto princpio, a transcodificao. Isso

    porque ela resultante das quatro anteriores. O autor destaca que os

    novos meios so separados por duas camadas, a cultural e a informtica,

    que convivem e se modificam entre si. Isso significa que a lgica dos

    computadores tem a capacidade de interferir na lgica cultural at ento

    predominante. Assim, como os novos meios se criam, se distribuem, so

    salvos e arquivados em computadores, a organizao cultural, os

    gneros emergentes e seus contedos sofrem essa influncia.

    2.2 CONVERGNCIA, INTERATIVIDADE E HIPERMDIA

    Jenkins (2008) considera positivas as mudanas de padres

    culturais advindas com a interferncia dos meios digitais. A internet

    trouxe de volta o improviso e a participao do pblico. Com a popularizao do rdio e da TV, a cultura tradicional dos povos havia

    sido substituda pela comercial. Com as artes mais industrializadas, se

    empunha um padro tcnico e esttico que dificilmente no profissionais

    8 Da qual trataremos melhor a seguir.

  • 20

    alcanavam. Para o autor, esse foi um aspecto importante da

    convergncia dos meios, a qual ele se refere como:

    Fluxo de contedos atravs de mltiplos suportes

    miditicos, cooperao entre mltiplos mercados

    miditicos e ao comportamento migratrio dos

    pblicos dos meios de comunicao, que vo a

    quase qualquer parte em busca das experincias

    de entretenimento que desejam. Convergncia

    uma palavra que consegue definir transformaes

    tecnolgicas, mercadolgicas, culturais e sociais,

    dependendo de quem est falando e do que

    imaginam estar falando (JENKINS, 2008, p. 27).

    Em relao ao campo do jornalismo, Salaverra (2010) pondera

    que a convergncia pode ser estruturada em quatro reas fundamentais:

    as tecnologias, as empresas, os profissionais e os contedos (sendo os

    trs primeiros a base para que o quarto ocorra).

    O autor refora que, no jornalismo atual, uma mesma pea

    informativa tende a ser consumida atravs de mltiplos canais e

    suportes, frequentemente de maneira simultnea. A isso, soma-se a

    rpida evoluo dos dispositivos mveis, que tanto podem ser

    empregados num jornalismo cidado, quanto permitem a reproduo de

    contedo em diferentes formatos e a qualquer momento. Tais

    caractersticas "se convertem automaticamente em demandas de servios

    que os meios esto obrigados a satisfazer", o que impulsiona adaptaes

    nos processos de produo e nas configuraes internas de empresas de

    comunicao. Isso caracteriza a convergncia tecnolgica.

    Com as mudanas tecnolgicas, as empresas precisaram

    reconfigurar estruturas e processos para responder aos novos desafios, o

    que levou convergncia empresarial. Salaverra argumenta que essa

    resposta se d por duas sendas de desenvolvimento: uma centrfuga,

    com a diversificao miditica, em que corporaes passaram a ser

    multiplataformas, com presena em negcios editoriais, audiovisuais e

    de internet; e outra centrpeta, estratgia que contempla a concentrao

    dos meios de comunicao e acarreta em novas formas de organizao

    logstica, como a integrao das redaes9.

    9Salaverra salienta que integrao de redaes e convergncia periodstica no

    so sinnimos, apesar da importncia da primeira para a segunda. De acordo

    com ele, "La fusin de redacciones es un fenmeno de concentracin

  • 21

    As empresas de hoje cada vez mais procuram jornalistas que

    exercem diferentes tarefas nas redaes, e que sejam versteis para

    trabalhar em diferentes meios simultaneamente. Isso caracteriza a

    convergncia profissional. Essa polivalncia possui trs possveis

    variantes: 1) funcional, ou tecnolgica, que se refere a multiplicao de

    tarefas dentro e fora da redao; 2) temtica, que consiste na prtica de

    um jornalismo no especializado; e 3) miditica, relativa a trabalhar para

    vrios meios ao mesmo tempo, principalmente plataformas de uma

    mesma marca.

    O perfil polivalente dos profissionais, assim como mudanas

    logsticas e tecnolgicas surtiram efeito direto na convergncia dos

    contedos, que se destacam pela multimidialidade. Ela no uma

    caracterstica exclusiva dos cibermeios, mas nele pode alcanar um

    nvel muito maior do que nos meios anteriores. Os efeitos da

    convergncia de contedos englobam coberturas informativas

    coordenadas em distintos meios so impulsionadas, favorecimento da

    hibridizao dos contedos e formatos oferecidos ao pblico atravs de

    diversas plataformas.

    Para adaptar-se ao meio digital, no basta focar na convergncia

    tecnolgica e comercial, preciso investir em mudanas nas reas social

    e cultural e, principalmente, ter em conta as demandas do pblico.

    Jenkins (2008, p. 28) refora que a convergncia no ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que eles venham a ser. A

    convergncia ocorre dentro dos crebros de consumidores individuais e

    em suas interaes sociais com outros. Muito antes dos computadores, CD-ROM e da internet, j

    haviam relacionamentos interativos10

    . De certa forma, tem-se interao

    empresarial, en su fase productiva, que atiende a dos objetivos principales: 1) la

    modernizacin de las estructuras de produccin, con el fin de satisfacer mejor

    las demandas de unas audiencias cada vez ms multiplataforma; y 2) el

    incremento de la productividad" (SALAVERRA, 2010, p. 35). 10

    Tcnicas de teatro, de pintura e de escultura em que o espectador move seu corpo para conferir a sua estrutura j permitiam que o pblico interagisse com a obra. A partir dos anos 1920, o cinema e a fotografia permitiam que o pblico

    fizesse ligaes entre imagens incoerentes. A montagem cinematogrfica

    permitia que o espectador saltasse de um quadro a outro identificando as

    representaes. Por vezes, essas novas tcnicas narrativas permitiam que o

    crebro humano completasse imagens fragmentadas por exemplo, a sombra de um jarro em um filme associada ao fato de que deve haver um jarro ali.

    Segundo Manovich (2006), as instalaes participativas de futuristas e dadastas

  • 22

    nas artes clssicas e modernas, nas elipses em narraes literrias, nos

    detalhes ausentes em objetos de arte visual (MANOVICH, 2006, p.

    104). E at mesmo as discusses sobre o termo na rea da comunicao

    no so recentes. Em 1932, Bertold Brecht j falava sobre o assunto ao

    escrever sobre como o sistema de rdio alemo deveria ser: com a

    participao direta dos cidados por meio de uma insero democrtica

    dos meios de comunicao na sociedade (MACHADO, 2011, p. 225).

    Sheizaf Rafaeli um dos primeiros pesquisadores a trabalhar a interatividade relacionada a novas mdias a definiu como "uma expresso da medida que, numa dada srie de trocas de comunicao,

    cada transmisso (ou mensagem) futura refere-se ao grau a que trocas

    anteriores se referiam a transmisses ainda mais antigas". A partir de

    ento, outros autores passaram a tambm definir a interatividade como

    funo da comunicao. Cho e Leckenby a definem como "interao

    entre usurios e computadores" e Roeham e Haugtvedt a definem como

    "dilogo em tempo real" em que tanto o usurio quanto o web site

    desempenham o papel de emissor e receptor. (In PAUL, 2007) *11

    .

    Manovich (2006, p. 103) considera que denominar os meios

    cibernticos de interativos uma redundncia, pois a interface dos

    usurios no computador j interativa, uma vez que se pode manipular

    as informaes que aparecem na tela em tempo real12

    . Ao invs de se

    falar neste por si mesmo, que se descreva as diferentes classes de

    estrutura e de operaes interativas. Para se chegar a isso, ele prope

    empregar conceitos como a interatividade por menus, a escalabilidade, a

    simulao, a interface de imagem e a imagem instrumento.

    A discusso sobre a interatividade no surgiu com a

    informtica. A novidade no est exatamente na liberdade ou autonomia

    que concede ao receptor por meio de processos interativo. Na verdade,

    no anos 1960, influenciaram as instalaes interativas feitas por computador por

    artistas dos anos 1980. 11

    Trecho pertencente a e-book em formato Kindle no paginado. Todas as

    vezes que uma obra do mesmo tipo for citada, aparecer ao lado do ano o *; 12

    Manovich (2006) contesta essa interpretao do digital como interativo pois

    considera que muitos autores, por empregarem o conceito de meios interativos

    apenas relativos ao computador, limita o termo ao seu sentido literal, fsico.

    Para ele, preciso levar em conta os aspectos cognitivos como interacionais. O

    autor considera que h, tambm, uma interao psicolgica que independe da

    tecnologia digital. Manovich traz mais exemplos no captulo El mito de la interatividad, em El lenguaje de los nuevos medios de comunicacion (2006, p. 103-109).

  • 23

    essa condio s possibilitada por uma arquitetura mltipla e

    combinatria, caractersticas da hipermdia (MACHADO, 2011, p. 226).

    Resultante do princpio de variabilidade, ela possibilita que os

    elementos multimdia que compem um documento sejam conectados

    por hiperlinks, de modo que so independentes da estrutura ao invs de

    ficarem imveis, como nos meios tradicionais (MANOVICH, 2006).

    Enquanto Jenkins (2008) considera que a recuperao do

    pblico por seu espao na cultura foi garantido pela convergncia,

    Machado (2011) atribui a retomada do leitor ao seu papel de co-criador

    ao texto hipermiditico. Esse o possibilita, assim como nas narrativas

    orais primitivas, contribuir de maneira mais contundente na realizao

    da obra. O autor ressalta que:

    A disponibilidade instantnea de todas as

    possibilidades articulatrias do texto verbo-

    audiovisual permite conceber obras no

    necessariamente acabadas, obras que existem em estado potencial, mas que pressupem o

    trabalho de finalizao provisria do leitor/espectador/usurio. O autor concebe no

    exatamente a obra, mas os seus elementos e o seu

    algoritmo combinatrio, ao passo que cabe ao

    leitor realizar a obra, ainda que cada leitor a

    realize de uma forma diferente. Com base na

    arquitetura no linear das memrias de

    computador, pode-se hoje conceber obras em que

    textos, sons e imagens estariam ligados entre si

    por elos probabilsticos e mveis, podendo ser

    configurados pelos receptores de diferentes

    maneiras, de modo a compor possibilidades

    instveis em quantidades infinitas. Isso

    justamente o que chamamos de hipermdia

    (MACHADO, 2011, p. 226).

    A abertura, a imprevisibilidade e a multiplicidade so

    caractersticas destacadas pelo autor para definir a narrativa

    hipermiditica. Lcia Leo (1999) argumenta que o que distingue a

    hipermdia a sua capacidade de estabelecer conexes entre diferentes documentos, formando uma rede. Tanto um quanto o outro, comparam

    esse tipo de navegao com as experincias que se tem ao percorrer um

    labirinto, por sua estrutura intrincada e descentrada.

    Para melhor ilustrar essa metfora, Machado elenca os trs

  • 24

    traos do labirinto definidos por Rosenstiehl (1988 apud MACHADO,

    2011, p. 228), que define como aspectos bsicos da hipermdia. O

    primeiro que o labirinto convida explorao, o encantamento est em

    esgotar at o menor dos detalhes; o segundo a explorao sem mapa e

    vista desarmada, em que o navegante faz clculos de curto prazo para

    definir o seu percurso na hipermdia, isso sofre alteraes, ao passo que muitos trajetos possuem coordenadas, mas as decises locais no se

    invalidam; e a terceira a inteligncia astuciosa do usurio para avanar

    sem andar em crculos no adianta, por exemplo, ficar clicando nos mesmos botes esperando aes diferentes, cada deciso precisa ser

    pensada.

    Lcia Leo (1999, 2005, p. 16) atesta que um leitor em hipermdia um leitor ativo, que est a todo o momento estabelecendo

    relaes prprias em diferentes caminhos. Como um labirinto a ser

    visitado, a hipermdia nos promete surpresas, percursos

    desconhecidos... Mais do que chegar at a sada (que nos meios digitais pode ser

    dar em apenas um clique ou fechar de janela), o desafio percorrer o

    maior nmero de lugares sem repeti-los. Conhecer todo o labirinto ,

    ento, resolve-lo (MACHADO, 2011, p. 228).

    2.3 A ESTTICA DOS NOVOS MEIOS

    A forma labirntica relacionada por Murray (2003, p. 129) aos

    prazeres de navegao. Independente de o ambiente ser real ou virtual,

    se orientar por pontos de referncia e passear por novos espaos que vo

    surgindo uma atividade agradvel. Isso quando h a intencionalidade

    do usurio, quando ele decide percorrer esses percursos. A satisfao do

    pblico, neste caso, se relaciona a dois dos aspectos estticos das novas

    mdias: a imerso e a agncia, sendo a primeira relacionada aos passeios

    e a segunda ao poder de deciso. O terceiro a transformao.

    Os espaos navegveis e o detalhamento enciclopdico do

    computador permitem a criao de lugares em que sempre sonhamos

    visitar. Ser transportado para um ambiente simulado, sendo o contedo

    fantasioso ou no, uma experincia prazerosa em si mesma. A autora utiliza o termo imerso por se tratar de uma metfora da experincia

    fsica do ato de mergulhar. Submergir no oceano ou numa piscina nos

    transporta a um mundo novo, o qual nos causa estranhamento e nos

    envolve. Isso desperta a ateno de todo o nosso sistema sensorial. Num

  • 25

    meio participativo, precisamos aprender a nadar. Entender a lgica de funcionamento dos ambientes para ter a participao o mais plena

    possvel:

    Quanto mais persuasiva for a representao de

    sensaes no ambiente virtual, mais nos

    sentiremos presentes no mundo virtual e maior

    ser a gama de aes que procuraremos realizar

    nele. A facilidade com que os participantes de

    MUDs13

    e dos LARPs14

    assumem e descartam

    personas sugere o crescimento de um pblico

    treinado em personificao. Lentamente, todos

    nos tornamos parte de uma grande companhia

    mundial de repertrio, prontos para assumir

    papis em histrias participativas cada vez mais

    complexas. Pouco a pouco estamos descobrindo

    as convenes de participao que se constituiro

    na quarta parede desse teatro virtual, os gestos

    expressivos que iro aprofundar e preservar o

    encantamento de imerso (MURRAY, 2003, p.

    125).

    A vontade dos usurios de se sentirem ativos em ambientes

    digitais proporcional a habilidade dos criadores de faz-los imergirem

    em sua histria. Quanto mais integrados, maior ser a busca por

    resultados palpveis dessa participao, e quanto mais esses veem suas

    aes surtindo o efeito esperado, maior ser o sentido de agncia. A

    autora define este segundo prazer caracterstico dos meios digitais como

    a capacidade gratificante de realizar aes significativas e ver os resultados de nossas decises e escolhas. (MURRAY, 2003, p. 127)

    Um exemplo simples o fato de que, quando clicamos duas

    vezes em um arquivo do computador, esperamos que ele se abra. Apesar

    disso, vale ressaltar que a agncia no simplesmente uma ao de

    apertar um boto, ou clicar com o mouse. O prazer est e ver realizado

    aquilo o que desejamos, ao passo que, do contrrio, ficamos impacientes

    quando as opes ofertadas pelo meio so limitadas. Murray atesta que:

    Queremos uma estrada aberta, com vasta

    liberdade para explorar e mais de um caminho

    para chegar a qualquer lugar. Queremos a rede

    13

    Multi-User Domains, ou Domnios Multiusurio; 14

    Live-Action Role-Playing, ou jogo de representao com ao ao vivo.

  • 26

    pululante descrita por Borges, em constante bifurcao, com todas as ramificaes passveis

    de serem exploradas em profundidade

    (MURRAY, 2003, p. 132).

    Os inmeros jeitos de mudar as formas caracterizam o terceiro

    prazer do ambiente digital: a transformao. A autora observa que o

    computador est sempre sugerindo processos aos usurios, mesmo

    quando s exibe informaes. Os ambientes digitais so susceptveis de

    mudana, e se caracterizam pela plasticidade de seus elementos, sejam

    eles imagens, sons ou textos. So sedutoras a variedade de

    representaes por meio de jogos, por exemplo, e a possibilidade de

    recomear e ter outra verso da experincia.

    O ambiente fluido e as mutaes tambm podem confundir os

    interatores, que se perdem nas diferentes possibilidades de um final, sem

    saber se aquele realmente o fim da sua experincia. Assim como precisamos definir novas convenes narrativas para entrar no mundo

    imersivo e para exercer agncia dentro dele, tambm necessitamos de

    um novo conjunto de convenes formais para lidar com a

    mutabilidade (MURRAY, 2003, p. 154). Isso se torna possvel com a investigao e experimentao de novas tcnicas, e que essas sejam to

    eclticas quanto as propriedades do meio digital. Afinal, apenas novas

    formas de escrever podem exigir novas modalidades de leitura

    (MACHADO, 2011).

    2.4 NOVAS E VELHAS NARRATIVAS

    Frmulas inovadoras de se contar histrias nem sempre so

    provenientes de novas tecnologias, por vezes a histria tem nos

    mostrado justamente o contrrio, que o movimento se inicia nos meios

    anteriores. Um exemplo disso so os livros do sculo XIX, que j

    traziam narrativas com caractersticas flmicas antes mesmo dos irmos

    Lumire comearem os seus experimentos. No sculo passado, o conto

    O jardim dos caminhos que se bifurcam (1941), de Borges, traa uma narrativa labirntica que ganha espao hoje nos ambientes

    hipermiditicos.

    Alm de se analisar com afinco as caractersticas dos meios, por

    vezes vale a pena olhar para trs para encontrar as sadas para a

    reinveno. Afinal, pensar em formas desvinculadas do contexto

    histrico um dos motivos pelos quais, muitas vezes, encontra-se

  • 27

    dificuldade em estabelecer conceitos em reas emergentes. Para

    exemplificar a necessidade de uma sistematizao, Paul (2007) pondera

    que termos muito empregados, como a interatividade, ainda no

    possuem uma definio inteiramente aceita.

    Neste sentido, Manovich (2006, p. 390) avalia que s vamos

    consolidar a esttica dos meios digitais ao, simultaneamente, atentar

    para a histria cultural e para as possibilidades especficas do

    computador para gerar, organizar, manipular e distribuir os dados.

    Para tentar aperfeioar pesquisas relacionadas aos elementos

    dos ambientes digitais, Paul (2007) desenvolveu uma taxonomia para as

    narrativas digitais, dividida em cinco elementos bsicos (a maioria

    herdados de outras mdias, mas que se modificaram em ambientes

    digitais): mdia, ao, relacionamento, contexto, e comunicao. A

    autora enfatiza que:

    Se a mdia digital for examina com vista ao tipo

    de efeitos de audincia como os jornais e a

    televiso fazem, haver um melhor entendimento

    sobre o que forma essa audincia e o que funciona

    para ela. Esse entendimento ajudar a informar os

    artfices do novo espao de narrativa digital,

    auxiliando-os a desenvolver os melhores esforos

    para obter os melhores efeitos (PAUL, 2007)*.

    Mais do que analisar como o pblico recebe informaes, hoje

    necessrio tambm entend-lo enquanto participante do processo.

    Talvez seja essa uma das mudanas mais importantes relacionadas s

    potencialidades dos meios digitais e da internet.

  • 28

    3. MUDANAS NA FORMA DE CONSUMIR MDIAS

    Quando falamos de produtos feitos para internet, desde a sua

    concepo, importante ter em vista, assim como nos demais meios, o

    pblico ao qual estamos nos dirigindo. Independente da abrangncia do

    mundo online, no nos permitido esquecer a quem destinamos aquilo

    que criamos. Alm do alcance preciso pensar na qualidade do

    consumo. As particularidades do meio tem ligao direta com a forma

    com que o pblico consome entretenimento e informao. Por sua vez,

    os idealizadores dos contedos precisam dominar as linguagens,

    ferramentas e, acima de tudo, a narrativa. O objetivo prender a ateno

    do consumidor em meio as mltiplas possibilidades de navegao

    propiciadas pela internet, o que ainda um desafio. Nesse sentido,

    Jenkins enfatiza que:

    Produtores de mdia s encontraro a soluo de

    seus problemas atuais readequando o

    relacionamento com seus consumidores. O

    pblico, que ganhou poder com as novas

    tecnologias, que est ocupando um espao de

    interseco entre os velhos e os novos meios de

    comunicao, est exigindo o direito de participar

    intimamente da cultura. Produtores que no

    conseguirem fazer as pazes com a nova cultura

    participativa enfrentaro uma clientela declinante

    e a diminuio dos lucros. As contendas e as

    conciliaes resultantes iro redefinir a cultura

    pblica do futuro (JENKINS, 2008, p. 51).

    Para o campo do jornalismo, Gilmor (2010) mais pragmtico.

    O autor analisa que por estarmos acostumados a um campo dominado

    por oligoplios, tendemos a pensar que apenas um pequeno grupo de

    grandes instituies vai sobreviver ao que chama de quebra dos

    negcios em jornalismo. Segundo ele, isso no est acontecendo, pois

    estamos a caminho de um:

    Perodo incrivelmente confuso, mas tambm

    maravilhoso, de experimentao e de inovao

    que vai combinar tecnologia e pessoas com ideias

    deslumbrantes e estranhas. O resultado ser um

    grande nmero de fracassos, mas tambm muitos

    sucessos (GILMOR, 2010, p. 10, traduo

  • 29

    nossa)15

    .

    Contedos que possibilitem a participao da audincia so de

    importncia vital para a sobrevivncia das novas mdias. Diferente de outros meios em que os espectadores se sentem confortveis em apenas

    assistir (como no cinema e na TV analgica) o espectador aparece na

    internet como partcula atuante, com vontade e necessidade de intervir

    naquilo o que consome. No bastam apenas hiperlinks, o leitor quer

    mais do que escolher qual o contedo que quer ver um aps o outro. Ele

    quer a possibilidade de modificar o que v. Pode ser por um comentrio,

    com a possibilidade de compartilhamento em redes sociais,

    acrescentando uma informao, mandando uma foto.

    H que se ter em conta tambm que sentir vontade e

    necessidade de intervir no contedo no sinnimo de investir apenas

    em produtos no lineares, que dependam sempre dos cliques da

    audincia para esboarem alguma reao. preciso pensar cada produto

    para o seu pblico alvo e do tipo de ao que se quer.

    A narrativa digital criou uma mudana de

    paradigma da narrativa tradicional, que era

    controlada pelo responsvel pelo desenvolvimento

    de contedo, para uma narrativa que conta com a

    contribuio do usurio. A chave para entender

    essa mudana e utilizar com sucesso o ambiente

    digital como um novo espao de narrativa

    conhecer a prpria audincia. necessrio um

    entendimento mais aprofundado sobre que tipo de

    narrativa melhor servir a audincia, usando todo

    o leque de tcnicas de narrativa digital, e quando

    as narrativas analgicas podem ser utilizadas (PAUL, 2007)*.

    Paul (2007) destaca que usurios de narrativas no lineares

    sentem que tem maior controle sobre sua experincia de leitura em

    relao a usurios de narrativas lineares, porm, no h diferena

    significativa em relao ao envolvimento com o contedo.

    15

    "As I said earlier, were heading into an incredibly messy but also wonderful period of innovation and experimentation that will combine technology and

    people who push ideas both stunning and outlandish into the world. The result

    will be a huge number of failures, but also a large number of successes"

    (GILMOR, 2010, p.10).

  • 30

    3.1 CAPTAO DE PBLICO PELA AGNCIA16

    E SENSAO DE

    IMERSO

    A cada nova tecnologia que se avizinha o sonho do que vir no

    futuro aumenta, como que indicando o caminho que h a percorrer nos

    trajetos da memria. O pensamento vai ao longe com as possibilidades

    que se abrem a cada novo aparato. So quebras de paradigmas que

    causam frisson e medo. Basta pararmos para pensar no surgimento da

    fotografia, do rdio, da televiso, da internet e o que causaram no

    desenvolvimento da humanidade.

    Isso tudo para dizer que o surgimento de novos recursos nos

    motiva a imaginar o que vir a seguir. Nos sentimos Leonardos da Vinci que projetam avies, helicpteros e submarinos muito antes destes existirem. E quem dir que o que escrevemos e pensamos no se

    torna real adiante pelo fato de termos compartilhado ou pensado

    coletivamente em determinada ideia? Podem servir como metas a seguir

    ou modelo de inspirao para outros, anos mais tarde.

    Murray (2003) demonstra por meio de comparaes que a

    interatividade e a sensao de imerso no so fruto do computador, dos

    jogos ou da internet. Tais caractersticas esto presentes em livros e

    sries televisivas, como Jornadas nas Estrelas, muito antes destes se

    proliferarem. O que no diminui a importncia de tais fatores para as

    novas tecnologias, apenas demonstra que essas nada mais so do que a

    evoluo do pensamento humano. como se precisssemos passar pelos

    tipos grficos e por narrativas em suportes de natureza linear (que

    ensaiavam a no linearidade) para que a experincia digital possa um dia

    ser completa.

    Jenkins questiona os muitos crticos que falam sobre um

    colapso da narrativa. preciso desconfiar de tais declaraes, contesta

    ele, pela dificuldade de imaginar que o pblico tenha perdido o

    interesse:

    Histrias so fundamentais em todas as culturas

    humanas, o principal meio pelo qual estruturamos,

    compartilhamos e compreendemos nossas

    experincias comuns. Em vez disso, estamos

    16

    Agncia a capacidade gratificante de realizar aes significativas e ver os resultados de nossas decises e escolhas (MURRAY, 2003, p.127).

  • 31

    descobrindo novas estruturas narrativas, que criam

    complexidade ao expandirem a extenso das

    possibilidades narrativas, em vez de seguirem um

    nico caminho, com comeo, meio e fim

    (JENKINS, 2008, p. 165).

    Cada poca vivencia a sua tecnologia conforme a capacidade

    dos homens e mulheres que a habitam. Independente do ano em que se

    produz contedos sujeitos a apreciao de outros, os anteriores no se

    invalidam. Podem ser reinventados, reapropriados em novos suportes,

    mantendo a essncia de interao, mas se calcando em novos recursos

    para tal.

    3.1.1 Mdias compartilhadas

    As redes sociais tem papel fundamental na propagao de

    contedos. No para menos que o uso das ferramentas tema de

    cursos e os profissionais que dominam suas linguagens tem isso como

    um diferencial. Cada vez mais empresas criam pginas especficas em

    redes como o Facebook, com profissionais aptos ao contato com o

    pblico.

    Para alm do interesse comercial, h o interesse dos indivduos

    em compartilhar desejos, frases, pensamentos como forma de mostrar

    aos demais o que pensam o que resulta em uma construo coletiva. No

    livro Spreadble Media (2013), Henry Jenkins, Sam Ford e Joshua Green, repensam a nomenclatura do ato de compartilhar, to comum nas

    redes sociais.

    Com o termo spreadability (prximo a capilaridade em portugus)

    17, os autores se referem ao potencial tanto tcnico quanto

    cultural que as audincias tem de compartilhar contedos de acordo com os seus prprios propsitos, s vezes com a permisso dos

    detentores do direito autoral, s vezes contra a sua vontade (JENKINS, FORD, GREEN, 2013, p.3, traduo nossa)

    18.

    17

    Spreadability significa aquilo o que se espalha rapidamente e por longa

    extenso; a capacidade de disseminar e difundir notcias. Optamos por utilizar

    o termo capilaridade, que por metfora aquilo o que tende a ascender, a

    crescer ao percorrer por determinado meio.

    18 "'Spreadability' refers to the potential both technical and cultural for

    audiences to share content for their own purposes, sometimes with the

  • 32

    Outros termos j se referiam a mdias que se espalham

    rapidamente e com grande alcance na internet. Um deles stickiness19

    ,

    que surgiu no marketing, relacionado a sucessos em comrcio online, e

    se popularizou a partir de 2000 com o livro The Tipping Point, de Malcolm Gladwell (JENKINS, FORD, GREEN, 2013, p. 4). O autor

    utilizava a expresso para descrever os aspectos das mdias que

    gerassem profundo engajamento do pblico e o motivasse a

    compartilhar com outros o que aprendeu. Enquanto um valoriza o ato, o

    outro enfatiza o produto.

    Spreadability se diferencia de stickiness em relao a postura

    adotada na captao de audincia. O primeiro se "preocupa" em como o

    usurio quer experimentar os materiais online. O segundo busca formas

    de sustentar e capitalizar negcios. Investindo em recursos para atrair os

    usurios para o seu contedo e ento contar a audincia que chega at

    ele. Isso caracteriza o que Jenkins, Ford e Green (2013) destacam como

    a dualidade migrao de indivduos e fluxo de ideias.

    Outra expresso bastante usual a viralizao. A diferena

    principal entre os termos spread e viral a intencionalidade do usurio. Enquanto o primeiro d uma conotao ativa, o ato de

    espalhar/compartilhar, em que denota a inteno do usurio de mostrar a

    outras pessoas coisas que considera interessantes; o segundo se prende a

    uma palavra com conotao negativa, como um vrus que contamina

    uma pessoa atrs da outra, espalhando uma ideia, sendo um interlocutor

    passivo durante o processo.

    Para ilustrar, podemos falar em abaixo-assinados, como o que

    pedia a criao da Lei da Ficha Limpa, em que milhares de pessoas

    utilizaram as redes sociais para propagar um interesse ativista e

    reuniram mais de 1 milho de assinaturas20

    . Na viralizao, um exemplo

    o uso que aplicativos fazem de redes sociais para publicar na timeline

    dos usurios aquilo o que esto lendo, ouvindo ou jogando (aps ele

    permitir em termo de consentimento na instalao).

    permission of rights holders, sometimes against their wishes" (GREEN, FORD,

    JENKINS, 2013, p.3). 19

    No sentido literal da palavra, stickiness significa pegajoso, grudento, no

    metafrico est mais para aquilo o que pega;

    20Mais sobre a Lei da Ficha Limpa aqui

    e aqui

    .

  • 33

    Para quem produz contedo para a internet, preciso ter bem

    claro a diferena de postura adotada em relao a audincia. Se as empresas seguirem pensando que vo produzir contedos que faro algo

    para as audincias (infect-las) e no para o pblico fazer algo com ele

    (compartilhar) podem iludir a si mesmas pensando que controlam as

    pessoas (JENKINS, FORD, GREEN, 2013, p.23, traduo nossa)21

    .

    Os autores defendem o uso da nova terminologia, spreadable

    media em detrimento de termos como viralizao, ou mdia viral, pois estas remetem a significados como infeco, pandemia, contaminao.

    Segundo eles, estas expresses superestimam o poder das companhias

    de mdia e subestimam o poder de agncia das audincias. A questo

    que eles levantam pensar nas metforas utilizadas, mesmo que

    impensadas, para definir a atuao do pblico na web.

    3.2 O PAPEL DA AUDINCIA NA CRIAO E MANUTENO

    DE CONTEDO

    Nos novos meios, todos podem escrever, criar, postar vdeos.

    Os criadores de entretenimento e informao de qualidade para a

    internet tem que aproveitar essa caracterstica. Os usurios querem

    sentir que o movimento iniciado por eles encontra respaldo nos portais e

    sites que acessam. E mais, que eles so parte atuante do processo.

    Gilmor enfatiza que h um empoderamento dos usurios. Mais

    do que o acesso ao conhecimento, sentem a necessidade de traduzir o

    que sabem em aes, e veem a participao no como obrigao, mas

    como um ato vital de gratificao:

    Assim como a democratizao das mdias torna

    meros consumidores em criadores em potencial,

    outra coisa tambm est acontecendo. Ns

    estamos nos tornando colaboradores, porque

    muitas das ferramentas de criao so

    inerentemente colaborativas. Ns apenas

    comeamos a explorar o significado, menos ainda

    o potencial, dessa realidade (GILMOR, 2010, p.

    21

    "Further, if companies set out thinking they will make media texts that do

    something to audiences (infect them) rather than for audiences to do something

    with (spread it), they may delude themselves into thinking they control people"

    (JENKINS, FORD, GREEN, 2013, p.23).

  • 34

    12, traduo nossa)

    22.

    Voltamos a ento para o pensar no relacionamento com o

    pblico desde a concepo da narrativa at a manuteno dos contedos.

    Ao permitir as intervenes da audincia, seja ela em um espao

    delimitado ou para alm de onde o produto est postado, o contedo

    pode ser reinventado e ter valores agregados a ele. O que caracteriza

    este ambiente participativo que a internet. H que se ter em conta,

    porm, que esta participao relativa agncia, e no produo.

    Murray destaca que h diferena entre encenar um papel criativo dentro

    de um ambiente autoral e ser o autor do prprio ambiente, isso porque a

    autoria nos meios eletrnicos procedimental:

    Autoria procedimental significa escrever as regras

    pelas quais os textos aparecem tanto quanto

    escrever os prprios textos. Significa escrever as

    regras para o envolvimento do interator, isto , as

    condies sob as quais as coisas acontecero em

    resposta s aes dos participantes. Significa

    estabelecer as propriedades dos objetos e dos

    potenciais objetos no mundo virtual, bem como as

    frmulas de como eles se relacionaro uns com os

    outros. O autor procedimental no cria

    simplesmente um conjunto de cenas, mas um

    mundo de possibilidades narrativas (MURRAY,

    2003, p. 149).

    A autora destaca o espectador como interator, que pode realizar

    uma performance original, mas desde que coreografada pelo prprio

    autor da obra. Ou seja, a interveno do pblico se d de acordo com o

    que foi delimitado no momento da programao do ambiente.

    3.2.1 Participao das redes sociais

    Produtores de contedo podem se apropriar das redes sociais

    22

    "As media democratization turns people from mere consumers into potential

    creators, something else is happening. We are becoming collaborators, because

    so many of the new tools of creation are inherently collaborative. We have only

    begun to explore the meaning, much less the potential, of this reality"

    (GILMOR, 2010. p.12).

  • 35

    para divulgar trabalhos participativos. Os realizadores encontram a uma

    maneira de chegar ao seu pblico realizador, ou seja, de angariar co-

    criadores para a sua obra ou at mesmo pea publicitria. Em 2011, a

    Lacta lanou uma campanha que provocava os usurios do Twitter a

    dizer o que pensavam quando liam a expresso entregue-se. Com as 25 frases vencedoras, a cantora Ti comps a msica Entregue-se

    23.

    Quando falamos da relao das redes sociais, dos usurios e dos

    produtos audiovisuais, podemos constatar que o espao uma vitrina a

    novos contedos e ambiente de experimentao. O produtor tem ali um

    lugar para divulgar o seu trabalho ao pblico de forma ampla, gratuita e

    que bem pensada pode ser de repercusso e alcance bastante expressivo.

    Um exemplo o webdocumentrio Prison-Valley (2010), que alm de

    ter uma pgina no Facebook, permitia que usurios logados pela rede

    social sassem da experincia imersiva do documentrio e voltassem ao

    mesmo ponto onde haviam parado quando bem entendessem.

    O Observatoire du Documentaire destaca o poder que as redes

    tem em estabelecer audincias engajadas desde o comeo da produo; e

    a capacidade de aumentar a audincia exponencialmente a cada nova

    visualizao, j que, aps assistir, os usurios difundem informaes

    relativas a ele. Outro aspecto relevante est relacionado a concepo das

    obas:

    Um nmero crescente de projetos utilizam as

    redes sociais na fase de pesquisa para fisgar a

    audincia. Sem ter de recorrer s mais recentes

    aplicaes interativas, alguns produtores lanam

    blogs em que diferentes membros da produo

    descrevam seus processos criativos, at mesmo

    antes das filmagens comearem. Isso permite que

    o pblico experimente o contedo de outra forma,

    e que explore as suas possibilidades

    (OBSERVATOIRE DU DOCUMENTAIRE,

    2011, p. 25, traduo nossa)24

    .

    23

    O videoclipe da msica est disponvel na pgina da Lacta no Youtube:

    http://www.youtube.com/watch?v=KwbYyf7kzik.

    24 "A growing number of projects use the social networks in the research phase

    to hook an audience. Without having to resort to the latest interactive

    applications, some producers launch blogs in which different members of the

    production crew describe their creative approach even before shooting starts.

    This permits the audience to experience the content in another way, and to

  • 36

    O pblico no somente espectador. Alm de ler, assistir, ouvir

    e poder passar adiante aos seus amigos (mesmo que apenas curtindo),

    pode agregar valores por meio de comentrios, breves anlises ou at

    juzos de valor. Aquilo o que lhes interessante, compartilham, o que

    no lhe desperta, fica ignorado. Mais ignorado ainda ficam os contedos

    que no apresentam opes de interao. Traando um paralelo, Jenkins,

    Ford e Green (2013) concluem que:

    Os chamados consumidores no apenas

    consomem; eles recomendam aquilo o que gostam

    para os seus amigos, que recomendam para os

    seus amigos, que continuam recomendando. Eles

    no s compram bens culturais; eles compram em uma economia cultural que premia a sua participao (JENKINS, FORD, GREEN, 2013,

    p.294, traduo nossa)25

    .

    Tanto de maneira individual quanto coletiva, os usurios

    exercem agncia. Transformam os contedos com sua participao, seja

    por meio de uma crtica ou da co-criao propriamente dita.

    3.3 AUDINCIA, CONSUMO E CRIAO DE VDEO

    Quem poderia dizer, h alguns anos, que um vdeo caseiro26

    , em

    que um pai filma o filho de um ano e 11 meses cantando Beatles seria

    visto em mais de 10 pases e reproduzido mais de cinco milhes de

    vezes? Christian Diego Mello e Diogo Mello protagonizaram uma cena

    explore its possibilities" (OBSERVATOIRE DU DOCUMENTAIRE, 2011,

    p.25). 25

    "Similarly, so-called consumers do not simply consume; they recommend

    what they like to their friends, who recommend it to their friends, who

    recommend it on down the line. They do not simply 'buy' cultural goods; they

    'buy into' a cultural economy which rewards theirs participation" (JENKINS.

    FORD, GREEN, 2013, p.294). 26

    O vdeo original foi postado na conta do pai do menino no Youtube:

    . Saiba mais em

    http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/geral/noticia/2013/06/video-de-

    menino-de-criciuma-cantando-beatles-torna-se-viral-na-internet-4159318.html.

  • 37

    cotidiana, com apelo popular, mas que em outras pocas ficaria junto a

    outras gravaes dentro de uma gaveta da sala. No mximo, seria

    assistida por familiares e amigos em dias de festa. E isso s foi possvel

    devido ao acesso aos meios e a popularizao das ferramentas.

    At a sociedade pr-industrial, o ser humano tinha o costume de

    produzir msicas, de passar histrias de gerao para gerao. Era autor

    do que consumia. Tais caractersticas foram, aos poucos, tornando-se

    marginalizadas com a cultura de massa (JENKINS, 2008; MURRAY,

    2003; BURGES E GREEN, 2009). Jenkins comenta que, neste ponto a

    internet foi um auxiliar ao retorno da visibilidade da cultura tradicional.

    Com equipamentos de captao e softwares de edio de

    imagens com preos mais acessveis e intuitivos, somados a sites que

    possibilitam a veiculao de vdeos por parte de qualquer usurio, as

    produes de baixo custo conseguiram um espao que at ento no

    possuam. Agora, produtores independentes, grandes corporaes e o

    pblico, que antes s assistia a tudo isso, esto juntos em um mesmo

    ambiente.

    Plataformas de vdeo, com destaque para o Youtube, permitem

    que usurios se vejam tanto como consumidores de contedo quanto se

    sintam convidados a participar como produtores. So, ao mesmo tempo,

    sintomas e atores da transio dos modelos econmicos e culturais

    advindos das tecnologias digitais, da internet, e da maior atuao do

    pblico.

    Burges e Green consideram participantes todos aqueles que

    postam, comentam, assistem e criam contedo para a plataforma. Para

    entender a cultura popular dessa rede social que inclui desde vdeos caseiros, produtos jornalsticos, mdia independente, at a reproduo de

    obras feitas para outros suportes mais proveitoso parar de pensar em produo, distribuio e consumo e pensar no Youtube em termos de

    um espao de participao cultural (BURGES E GREEN, 2009, traduo nossa)*

    27.

    Poucas dcadas atrs, duas eram as razes por que

    muita gente no produzia sucessos

    cinematogrficos: (1) no ter acesso s

    ferramentas necessrias e (2) no ter talento. Hoje,

    s resta uma desculpa e mesmo essa j no to convincente quanto antes (ANDERSON, 2006,

    27

    It is more helpful to shift from thinking about media production, distribution, and consumption to thinking about Youtube in terms of a continuum of cultural

    participation (BURGES E GREEN, 2009). Livro no paginado.

  • 38

    p. 61).

    A democratizao do acesso aos meios e a viabilidade

    financeira de produo por meio de cmeras mais baratas, programas de edio gratuitos, manuais com linguagem acessvel

    28 supre a

    primeira razo elencada pelo autor do livro A Cauda Longa (2006). Talvez no para filmes de propores hollywoodianas, mas com certeza

    so a base para sucessos online.

    Ainda nesse sentido Jenkins (2006, 193) lista os aspectos

    alterados pela produo digital de filmes: (1) a web forneceu um ponto

    (ou vrios pontos grifo nosso) de exibio, levando o cineasta amador

    29 ao espao pblico; 2) a edio digital muito mais simples do

    que a feita em suportes anteriores, facilitando a montagem a artistas

    amadores; 3) o computador pessoal permitiu a criao de efeitos

    especiais.

    Em relao ao campo do webdocumentrio, os custos mais

    baixos de equipamentos, os softwares mais acessveis e a evoluo

    tecnolgica das cmeras fotogrficas, foram essenciais para que

    profissionais (e amadores) com perfis variados se interessassem pelo

    estudo e produo de narrativas em vdeo para a internet. Isso

    28

    O pblico interessado em audiovisual tem a sua disposio uma srie de

    manuais na internet. Tanto o Youtube (http://www.youtube.com/yt/playbook/)

    quanto o Vimeo (http://vimeo.com/videoschool) possuem guias prticos que

    envolvem processos de produo, captao, edio, postagem e relao com a

    audincia. Para quem busca algo um pouco mais especializado, h o DSLR Cinematography Guide (http://nofilmschool.com/subscribe/), tambm gratuito. Entre as opes pagas, h o Media Storm Field Guide (http://mediastorm.com/train/product/field-guide), disponvel para leitura em

    IPad, e o livro Webdocs. A survival guide for online filmmakers (http://www.lulu.com/spotlight/mlietaert), que pode ser lido em aplicativos para

    e-book;

    29 O amador (do latim amator, amante) enquanto agente na web um dos

    resultados dos usurios terem deixado de ser consumidores passivos para se

    tornarem produtores ativos (ANDERSON, 2006, p. 61). aquele pblico que,

    em essncia, faz as coisas por que gosta. interessante observar como Jenkins e

    Anderson de certa forma conversam em suas maneiras de definir, ou ao menos

    comentar, a participao do pblico. O uso dos significados costuma ser

    positivo. Ao enfatizar a origem do termo amador, Anderson foge da palavra

    amadorismo, que possui conotao negativa.

  • 39

    influenciou na pluralidade das obras, que apresentam caractersticas

    bastante distintas entre si.

    Pesquisa publicada em 2012 pelo Nielsen30

    , que foi realizada

    em 56 pases, chegou concluso de que, pela primeira vez, to

    comum assistir vdeos online quanto pela TV. A empresa chegou a essa

    concluso depois de constatar que consumidores com acesso internet

    assistem mais a vdeos online do que pela televiso. Em 2010, 90% dos

    entrevistados disseram assistir a contedos pela TV, enquanto 86%

    disseram assistir pelo computador. No ano seguinte, os nmeros

    mudaram para 83% e 84% respectivamente.

    Vale ressaltar, porm, que o nmero de pessoas que tem apenas

    acesso a televiso ainda muito maior, mas o acesso das populaes a

    internet sobe exponencialmente. O IBOPE Media constatou que, em

    2013, 56% da populao brasileira tinha acesso web, o que representa

    um crescimento de 115% em relao a 200331

    .

    O pas tambm um dos que mais assiste vdeo por celulares32

    .

    Num perodo de 30 dias, 43% dos usurios de smartphones brasileiros

    disseram ter utilizado o aparelho para este fim. Desses, perto da metade

    informou utilizar recursos de reproduo audiovisual no mnimo uma

    vez ao dia.

    30

    A Nielsen Company uma empresa de mensurao de audincias, com base

    em Nova York (EUA), mas com atuao em mais de 100 pases, inclusive no

    Brasil - em que tambm atua em parceria com o IBOPE. Desde 2008, o grupo

    realiza pesquisas relacionadas ao consumo de vdeos em diferentes suportes. A

    pesquisa referida no pargrafo a Global Report: multi-screen media usage, lanada em maio de 2012, que entrevistou mais de 28 mil pessoas, em 56

    pases, entre agosto e setembro de 2011;

    31 O IBOPE Media realizou a pesquisa em abril de 2013 como parte de um

    roadshow na Colmbia. Saiba mais em: ;

    32 Os dados so da pesquisa Mobile Consumer Report, feita publicada pela

    Nielsen no incio de 2013. No Brasil, a pesquisa foi feita por telefone e online,

    entre abril e maio de 2012. Foram 986 entrevistados por telefone e 1.603 pela

    internet, dos quais 748 eram usurios de smartphones. Os participantes tinham

    entre 16 e 64 anos. Mais informaes em:

    .

  • 40

    4 O DOCUMENTRIO NA INTERNET

    Os meios digitais e o cinema possuem uma relao intrnseca de

    apropriaes e de desenvolvimento. Enquanto o primeiro tem como base

    histrica a evoluo de narrativas cinematogrficas (MANOVICH,

    2006), o segundo encontra na web e nos recursos interativos

    possibilidades de experimentao. O webdocumentrio originrio

    desse dilogo entre os meios.

    H que se observar que propostas narrativas advindas da

    combinao entre cinema e web no invalidam as formas flmicas

    anteriores. Elas coexistem (GIFREU, 2010a), e a linguagem documental

    feita para a internet pode apresentar alternativas para obras lineares em

    outros suportes. Daly (2008) comenta que, devido ao uso cotidiano do

    computador, a relao do pblico com projetos digitais mudou a

    expectativa em relao ao cinema.

    Manovich (2006) aponta a insatisfao das audincias quando o

    imenso banco de dados, que inerente aos ambientes digitais, apenas

    utilizado para fins enciclopdicos e catalogrficos. As pessoas querem

    interconexes, percursos prprios e inovadores. Nesse sentido, Daly

    (2008, p. 185, traduo nossa) ressalta que tal caracterstica implica em uma forma diferente de cinema menos concentrada em narrativas e

    visualizaes e mais interessada em processos cognitivos e de

    navegao. Tal opinio tambm compartilhada por Manovich (2006) e por Reno (2011), para quem a narrativa (e dentro dela, os percursos

    interativos) apenas um dos desafios do cinema no meio digital.

    Para se sustentar enquanto nova proposta, falta ao

    webdocumentrio estabelecer a prpria linguagem e se balizar em

    princpios prprios. Mas ser essa a sada para um estilo de produo

    com fronteiras to alargadas? Se considerarmos o tempo desde os

    primeiros experimentos na rea at agora, sustentado pela constante

    evoluo tecnolgica e hibridismos, ainda assim se pode correlacionar

    com os princpios do cinema:

    Se Flaherty considerava o cinema como "um ato

    da imaginao" e os ingleses entendiam que o

    documentrio era o "tratamento criativo da

    realidade", estas antigas expresses encerram

    valores que hoje ressoam com mais intensidade do

    que algumas dcadas atrs, durante a vigncia de

    uma crena excessiva no poder evidente da

    imagem. Estas constataes mostram que as

  • 41

    balizas fincadas pelos fundadores da tradio do

    documentrio, embora mveis, continuam

    delimitando as margens por onde corre sua

    transformao (DARIN, 2006, p. 222).

    Ainda traando um paralelo com o incio do cinema, a

    importncia dos percursos estticos e tericos de pensadores como

    Dziga Vertov tem papel fundamental para a busca de linguagens e

    narrativas inovadoras. O autor apresentava questes que antecederam e

    que foram problematizadas ao longo da histria do cinema (DARIN,

    2006), considerado um dos precursores da criao baseada em banco

    de dados (MANOVICH, 2006), e da montagem cinematogrfica

    (RENO, 2011).

    Apesar de algumas opinies mais inclinadas para o surgimento

    de um novo gnero, considero o webdocumentrio ainda muito

    enraizado no cinema no-ficcional quando se leva em conta a sua

    concepo e objetivos. Como bem observa Nichols (2005), quando

    afirma que cada documentrio possui uma voz distinta, considero que o

    concebido para web possui a sua prpria, independente do novo

    ambiente de veiculao.

    E to heterogneas sero suas manifestaes

    quanto maior for o nmero de cineastas dispostos

    a abraar o gnero. Para que essa 'voz flmica' se

    realize plenamente, espera-se que cada criador

    siga na tarefa de encontrar o seu pblico, agora

    convertido em espectador participativo (e por

    vezes co-autor) (BAUER, 2011, p. 98).

    Tal mudana no comportamento do pblico pode gerar

    questionamento pelo fato de que, no computador, o usurio tem o poder

    de agncia e faz o seu prprio caminho, o que no ocorre nos

    documentrios em outros meios. Filmes feitos para o cinema e para a

    TV podem ser assistidos no meio digital, mas ainda no vemos

    possibilidades do contrrio acontecer. Com a TV digital, recursos

    interativos j esto disponveis, mas os modelos aplicados

    comercialmente ainda apresentam opes limitadas; Ao passo que no

    cinema, em que fisicamente dezenas e centenas de pessoas

    compartilham a mesma tela, isso fica mais difcil de ser concretizado.

    Isso nos leva a buscar quais so os pontos de interseo e de

    divergncia entre produtos feitos para os ditos novos meios e para os

    velhos meios.

  • 42

    4.1 APROXIMAES E DIFERENAS PARA A TV E PARA O

    CINEMA

    As tenses entre o real e a fico so caractersticas que irrompem tambm no formato analisado neste trabalho. Broudoux

    (2011) ressalta que as diferenciaes entre obras inventadas e realidades reinventadas continuam importantes nos meios digitais para manter a identidade do gnero documentrio. Porm, com a

    multimidialidade e interatividade caracterstica dos meios digitais e as

    modificaes que estas provocam no relacionamento do usurio com a

    obra, corre-se o risco de abolir o distanciamento necessrio para a reflexo, necessria para traduzir o real (BROUDOUX, 2011, p. 5).

    Considerando webdocumentrio enquanto evoluo do gnero

    documental, Gregolin, Sacrini e Tomba (2002) entendem que ele

    tambm deve ser focado em preocupaes sociais e de formao do

    pblico. Eles percebem, ento, que os recursos multimdia que lhe so

    caractersticos podem ser utilizados em ambientes de aprendizagem, o

    que contribuiria para prender a ateno do usurio, que interage com o produto de forma criativa e ldica (GREGOLIN, SACRINI, TOMBA, 2002, p. 46). Gifreu (2010b) concorda com tal percepo:

    Uma das premissas essenciais do documentrio

    tradicional a vontade de organizar uma histria

    de maneira que seja, ao mesmo tempo,

    informativa e que entretenha. O formato

    interativo, neste sentido, deve seguir a tradio e

    buscar oferecer experincias similares que

    mesclem de maneira mais eficiente, original e

    atrativa o possvel, uma proposta ldica (de

    entretenimento) com uma didtica e/educativa

    (conhecimento) (GIFREU, 2010B, p. 13).

    A vida til do webdocumentrio apontado por Ribas (2003, p.

    111) como diferena desse para os documentrios para outros suportes.

    Enquanto o destinado a outros meios "morre" e sua vida til o tempo de exibio o novo tipo sofre constante mudana, "configurando-se como uma obra aberta construda no tempo dos acontecimentos, pelo

    autor e pelo receptor. A questo de autor/autoria modificada em produtos

    audiovisuais interativos (GIFREU 2010; RENO, 2011) e o olhar

    dominante deixa de ser o do realizador (BROUDOUX, 2011). Esses so

  • 43

    aspectos que podem ser definidos como diferenciais perante os

    documentrios feitos para outros suportes, como a TV e o cinema.

    Ambos resultam da mudana de relacionamento com o pblico, que

    deseja (para no dizer exige) exercer agncia por meio de uma

    navegao interativa. As audincias tornaram-se usurios e, embora a transio no seja exclusiva para o documentrio, os impactos tendem a

    ser significativos para a teoria de tal gnero (NASH, 2012, p. 196). Fazendo uma comparao com o pensamento de Nichols (1991,

    p. 12) para quem o documentrio pode ser analisado de acordo com trs pontos de vista, o do realizador, o do texto e o do espectador Gifreu (2010a) considera que o novo cenrio tecnolgico propiciou

    grandes mudanas no cinema documental em trs tendncias:

    1) Em determinado momento o autor perde o controle do seu

    trabalho, s vezes de forma diferente da que pretendia. A transmisso

    no depende mais dele;

    2) A construo da narrao e a ordem do discurso muda de

    uma estrutura fechada para uma aberta. Assim, um recurso que linear e

    sequencial inserido em um cenrio caracterizado pelo multi-desenvolvimento de abordagens, servidores e resultados;

    3) o interator torna-se um divulgador e colaborador do contedo

    criado pelo autor. Ele pode ser parte do sistema e, em alguns casos, at

    mesmo modific-lo:

    Ele assume conotaes associadas a autoria e at

    certo ponto torna-se o criador de seu prprio

    documentrio ao assumir o controle da navegao

    (da ordem do discurso) e ao usar o grande poder

    garantido pela interatividade (o recurso definidor

    das mdias digitais, graas a interface e a

    habilidade de se relacionar com os outros) (GIFREU, 2010a, p. 145).

    consenso entre os autores pesquisados o papel de destaque da

    navegao interativa. Nash (2012, p. 203) aponta que o que difere o

    webdocumentrio dos documentrios para o cinema e para a TV

    estrutural, e no de objetivo. Nos trs, h uma necessidade em discutir

    um fato ou problema e engajar o pblico. Porm, enquanto a

    preocupao dos realizadores para os outros meios com a recepo,

    para ambientes digitais preciso pensar em termos de disposio de

    elementos (pois as oportunidades de interao impactam em como esses

    se relacionam entre si).

  • 44

    A interatividade importante desde a concepo dos projetos.

    Assim como Manovich (2006), Nash (2012) considera que essa no

    deve ser analisada apenas do ponto de vista tecnolgico, mas tambm

    retrico. Estudar e criar webdocumentrios partindo do que

    tecnicamente possvel ser feito pelo usurio (em relao a interaes)33

    apenas uma das facetas34

    .

    4.2 PLURALIDADE DE PRODUTOS AUDIOVISUAIS

    A multimidialidade tambm um aspecto relevante quando se

    fala em veiculao em ambientes digitais, mas tal caracterstica est

    presente em outros suportes. Ela pode ser vist