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EXTERIORIDADES DA FÉ CATÓLICA: UM ESTUDO SOBRE A
SOCIABILIDADE DAS FESTAS DE LARGO E DAS PROCISSÕES DE 1850 A
1875 EM SÃO LUÍS
Milena Rodrigues de Oliveira1
RESUMO
Este estudo pretende investigar as festas de largo e procissões de 1850 a 1875 em São
Luís do Maranhão, utilizamos como referência compromissos, que eram documentos
que regulavam a administração das irmandades e jornais que ajudavam na divulgação
dessas festas, depois de escolhida a documentação partimos para uma pesquisa
bibliográfica que nos ajudou a fundamentar melhor o nosso objeto. As festas religiosas
englobavam três etapas, a primeira era a missa que acontecia dentro da Igreja, a segunda
era a procissão e a terceira envolvia a festa do largo, esta pesquisa resolveu estudar de
forma mais detalhada a festa do largo e a procissão, quanto ao recorte temporal
delimitamos este período pela disponibilidade de documentação e pelo “processo de
romanização” que estava em vigor no século XIX. Os compromissos e os jornais
possibilitam uma infinidade de pesquisas sobre os mais variados assuntos, pretendemos
divulgar os seguintes documentos e preencher uma lacuna que ainda continua existindo
sobre as festas religiosas em São Luís do Maranhão no século XIX, a partir desses
documentos percebemos também que nem todos que acompanhavam esses ritos
estavam interessados na devoção popular, isso foi comprovado a partir de alguns
jornais pesquisados que ridicularizavam algumas festas religiosas. Percebemos tendo
em vista esses comentários que as festividades eram a única possiblidade de diversão
para grande parte da população, portanto nem todos que acompanhavam os ritos
estavam totalmente envolvidos com o lado religioso.
PALAVRAS-CHAVE: Catolicismo. Festas de largo. Procissões. Compromissos.
Jornais.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem por objetivo analisar a sociabilidade das festas de largo e
das procissões de 1850 a 1875 em São Luís, na nossa concepção as festas religiosas
englobavam três etapas, a primeira era a missa que acontecia dentro da Igreja, a segunda
era a procissão e a terceira envolvia a festa de largo.
Em conformidade com Mary Del Priore, “as festas nasceram das formas de
culto externo, tributado geralmente a uma divindade protetora das plantações, realizado
em determinados tempos e locais” (2000, p.13), o que necessariamente não configura
um pressuposto para a conhecida classificação das festas como “sagradas”/“religiosas”
ou “profanas”. Percepção dicotomizada que vem sendo colocada em causa, uma vez que
retira a complexidade das vivências dos homens e das mulheres, uma vez que enquanto:
1 Mestranda em História Social pela Universidade Federal do Maranhão. E-mail: [email protected]
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Expressão teatral de uma organização social, a festa é também fato político,
religioso ou simbólico. Os jogos, as danças e as músicas que a recheiam não
só significam descanso, prazeres e alegria durante sua realização, eles têm
simultaneamente importante função social (2000, p.10).
Como as procissões, invariavelmente, faziam parte das festas religiosas
organizadas pelas irmandades, é importante observar que não são eventos de natureza
puramente religiosa, uma vez que, de acordo com a historiadora Deolinda Maria Veloso
Carneiro, esses:
Cortejos que reflectem uma natural tendência do homem para realizar
marchas, ou desfiles de caráter ritual e comunitário, com carácter sagrado,
que se encontra em todas as religiões, mas que também podem se revestir de
uma motivação política, civil ou corporativa (2006, p.57).
Com relação ao recorte espaço-temporal, é importante registrar que
limitamos nosso olhar à cidade de São Luís no período de 1850 a 1875 pela
disponibilidade da documentação, com certeza, mas, principalmente, o fizemos porque
nesses meados do século XIX o “processo de romanização” atravessava um período de
grande tensão entre os empenhos das autoridades eclesiásticas em subordinarem os fiéis
às suas determinações e a resistência destes a se enquadrarem nos ideais da Igreja
Católica.
Um estilo de documento selecionado foram os compromissos das
irmandades, Fritz Teixeira de Salles definiu a natureza específica dessas instituições
como se segue:
1. As associações de fieis que tenham sido eretas para exercer alguma obra de
piedade ou caridade, se denominam pias uniões; as quais, se estão
constituídas em organismo se chamam irmandades. 2. E as irmandades que
tenham sido eretas ainda mais para o incremento do culto público, recebem o
nome particular de confrarias (1963, p.16).
No que diz respeito aos compromissos, são eles definidos como “estatutos
de criação das irmandades religiosas laicas, conservados em livros, os quais descreviam
as restrições quanto à aceitação de membros, o seu objectivo e as suas regras”
(MULVEY, 1994, p.196). Traços que João José Reis esclarece ao informar que estes
documentos, “além de regularem a administração das irmandades, [...] estabeleciam a
condição social ou racial exigida dos sócios, seus deveres e seus direitos” (1991, p.50).
Os jornais também foram selecionados nesta pesquisa porque constituíam
um veículo de informação entre os membros das irmandades e possíveis associados,
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além de representarem mecanismos de formação de “opinião pública”, ou seja, de
promoção da “operação simbólica de transformar vontades individuais ou setoriais em
opinião geral” (GALVES apud MOREL, 2010, p.27).
A SOCIABILIDADE NAS FESTAS DE LARGO E NAS PROCISSÕES DE 1850
A 1875 EM SÃO LUÍS
A ideia de celebração habita um campo lúdico, ou seja, no momento da festa
as fantasias e liberdades se tornam reais, as hierarquias vigentes na sociedade habitam
um campo fluido que pode ser quebrado a qualquer momento. Com o advento do
cristianismo o catolicismo se apoderou desses rituais e os transformou, ou seja, os dias
de festas agrícolas passaram a fazer parte do calendário da Igreja. Podemos dividir essas
festividades em dois grupos: “as festas do Senhor (Paixão de Cristo e demais episódios
de sua vida) e os dias comemorativos dos santos (apóstolos, pontífices, virgens,
mártires, Virgem Maria e padroeiros)” (DEL PRIORE, 2000, p.13).
A festa faz parte do cotidiano da sociedade e tem vários elementos:
Uma festa é uma produção social que pode gerar vários produtos, tanto
materiais como comunicativos ou, simplesmente, significativos. O mais
crucial e mais geral desses produtos é, precisamente, a produção de uma
determinada identidade entre os participantes, ou, antes, a concretização
efetivamente sensorial de uma determinada identidade que é dada pelo
compartilhamento do símbolo que é comemorado e, portanto, se inscreve na
memória coletiva como um afeto coletivo, como a junção dos afetos e
expectativas individuais, como um ponto em comum que define a unidade
dos participantes. A festa é, num sentido bem amplo, produção de memória e,
portanto, de identidade no tempo e nos espaços sociais. (GUARINELLO,
2001, p.972)
As festas religiosas se tornaram muito importante depois do Concílio de
Trento que ocorreu de 1545 a 1563, este Concílio tinha como objetivo reafirmar o poder
da Igreja Católica nas suas mais variadas instâncias, após o Concílio de Trento a Igreja:
Numa reação à adoração aos santos por parte dos protestantes incentivou
ainda mais a devoção porque segundo pregava, através dela se manifestava
ao povo os benefícios e mercês que Cristo lhes concede e expõe aos olhos
dos fiéis milagres que Deus opera pelo seus santos e seus saudáveis exemplos
( MIRANDA, 2000, p.16).
Nos séculos XVII e XVIII os leigos eram figuras importantes dentro dessas
festividades, “na Colônia, as irmandades e confrarias destacavam o papel das
comunidades na participação e organização das festas religiosas e de suas procissões”.
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(DEL PRIORE, 2000, p.24). Os leigos participavam da organização e do financiamento,
porém não eram os únicos, quando não havia patrocínio a Coroa portuguesa poderia
arcar com os custos.
Na Colônia as festas eram ligadas ao rei de Portugal e a Igreja, portanto para
fazer parte delas era necessário estar ligado a uma dessas instâncias direta ou
indiretamente. Os padres eram um exemplo de autoridade eclesiástica que se fazia
frequente nessas festividades, “apesar das proibições, as festas de santos continuaram a
ser realizadas por todo o Brasil, porque os próprios padres, solidários com os fiéis,
costumavam participar pessoalmente dessas alegres oportunidades de lazer”
(TINHORÃO, 2000, p.138).
No século XIX as festas religiosas continuaram existindo, porém houve
modificações principalmente na segunda metade do século.
Algumas autoridades policiais e municipais condenaram as festas nas ruas,
com suas barracas e diversões por serem locai de jogo e vagabundagem; os
médicos, por sua vez passaram a considerar as festividades religiosas como
bárbaras, perigosas, vulgares e ameaçadores da “família higiênica”, e ,
finalmente, a liderança religiosa começou a se preocupar mais
sistematicamente com as ditas deficiências do catolicismo brasileiro,
marcado pelo despreparo do clero e pela prática religiosa distante dos
cânones oficiais ( ABREU, 1999, p.35).
Estas festas foram perseguidas porque não correspondiam a doutrina oficial
da Igreja Católica, a exteriorização da fé também foi frequente no século XIX, João José
Reis define essa exteriorização como catolicismo barroco:
Pomposas missas, celebradas por dezenas de padres e acompanhadas por
corais e orquestra, nos funerais grandiosos,procissões cheias de alegorias, e
nas festas, onde centenas de pessoas das mais variadas condições se
alegravam com a música, dança, mascaradas e fogos de artifício (REIS, 1991,
p.49).
O catolicismo barroco abarcava uma grandiosidade que também fazia parte
do culto oficial, percebemos na passagem acima referências a pomposas missas
celebradas por dezenas de padres, corais, orquestras, ou seja, o catolicismo em algumas
ocasiões era o responsável por essa grandiosidade e em outras incentivava as camadas
populares a fazer o mesmo. Essa perspectiva somente foi modificada com o “processo
de romanização” que incentivou os cultos menos pomposos.
O catolicismo barroco teve a sua maior expressão nas irmandades
organizadas pelos leigos, essas associações tinham festas anuais para reverenciar os seus
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santos de devoção e eram divididas de acordo com a classe social de seus membros. Em
algumas associações estava estipulado em seu estatuto que deveriam existir cargos
especialmente para cuidar dos detalhes da festa do santo, ou seja, na concepção dos
membros da irmandade quanto mais dedicação e pompa houvesse no festejo, mais
estariam agradando o santo.
O calendário religioso era repleto de festas importantes, abaixo temos
alguns exemplos de comemorações que aconteciam no século XIX:
As procissões do padroeiro São Sebastião, Cinzas, Semana Santa (Passos,
Endoenças, Enterro) e Corpo de Deus; as festas em homenagem aos Santos
Reis, Santana, São Jorge, Santo Antônio, São João e, a maior delas, a do
Divino Espírito Santo (ABREU, 1994, p.3).
O sagrado e o profano eram interligados no Brasil oitocentista, inclusive
várias reuniões sobre os mais variados assuntos eram marcados dentro do recinto da
Igreja, o espaço considerado sagrado acabou por se tornar ponto de encontro, a
sociabilidade era também incentivada quando havia muita comida nas festividades, os
mais ricos contribuíam financeiramente, já os mais pobres coletavam dinheiro para a
realização dos banquetes.
As danças também eram constantes nas festas no largo e tinham uma sólida
tradição que se perpetuou ao longo dos anos, um exemplo de dança popular de
influência africana e europeia muito conhecida no Brasil oitocentista era o congo:
Os congos, um bailado tradicional com entretrecho dramático, misturava
tradições africanas e elementos de bailados e representações populares luso-
espanholas. Aí fundidos encontram-se o costume africano dos cortejos, a
celebração das lutas contra os mouros e elementos da vida marítima (DEL
PRIORE, 2000, p.56).
As danças conhecidas como congos eram organizadas da seguinte forma,
“envolvia a morte de um filho do rei e da rainha, que exigiam a sua ressurreição, obtida
por meio de rituais mágicos executados pelo feiticeiro” (SOUZA, 2002, p.256),
inclusive vários personagens paramentados executavam este ritual. O congo geralmente
era apresentado uma vez no ano, sendo a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário a
principal responsável pela festividade.
Outra festa que também envolvia o momento no largo era a do Divino
Espírito Santo, esta acontece cinquenta dias após a Páscoa e comemora a descida do
Espírito Santo sob os apóstolos, esse festejo era tão popular que Martha Abreu comenta,
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que entre as irmandades que pediam autorização para realização de festejos no século
XIX, o Divino foi o mais homenageado.
As irmandades eram as grandes responsáveis pela realização desses festejos,
porém não eram as únicas, tivemos casos de particulares e do próprio governo que
poderia se envolver neste financiamento. A colaboração de particulares vinha de todos
os segmentos sociais, inclusive essa ajuda era incentivada principalmente pelas
irmandades (ABREU, 1999).
As festas no largo e as diversões populares eram controladas pela Câmara
Municipal da cidade, isto é, os pedidos de licença deveriam ser dirigidos exatamente
para essa instância, temos um exemplo desse poder:
Por intermédio das Câmaras um grupo de fiéis encaminhava ao bispo
episcopal o pedido de remédio para suas aflições, traduzido muitas vezes na
vinda de Nossa Senhora da Penha para que com sua vinda passe a epidemia
de bexiga e mais moléstia (DEL PRIORE, 2000, p.27).
Observando a passagem acima percebemos que um grupo de fiéis pedia
encarecidamente um remédio para suas aflições, este remédio seria a “vinda de Nossa
Senhora da Penha” que seria intermediada pela Câmara através da aprovação de uma
festa que os fiéis queriam fazer para a citada Nossa Senhora.
Depois de aprovada pelas autoridades competentes, era necessário chamar
as pessoas para participarem. Esse anúncio era feito nos principais jornais locais e
tentavam descrever as principais características da festividade, estas informações nos
jornais eram constantes e a maioria dos festejos religiosos se utilizavam dele.
A aglomeração em torno destes locais passou a preocupar as autoridades,
por isso a Câmara passou a impor limites, o Código de Posturas de 1838 da cidade do
Rio de Janeiro tentou cercear algumas festividades existentes na cidade, podemos
exemplificar com a postura que impedia a prática de soltar fogos de artifício sem licença
da Câmara e injúrias ou gestos indecentes contra a moral em locais públicos (ABREU,
1999).
As festas de largo tinham várias atrações, pesquisamos no jornal “O
Publicador Maranhense” um anúncio que divulgava a festa de Nossa Senhora dos
Remédios e convidava o público em geral para se fazer presente. Esse anúncio queria
enfatizar as atividades que seriam desenvolvidas naquele ano.
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Haverá uma banda militar no arraial: estará ali aberta huma magnífica Galeria
Optica para os amadores das bellas astes, queimar-se-há na véspera da festa
hum variado fogo de artifício onde brilharão algumas peças novas
(PUBLICADOR MARANHENSE, 10/10/1850).
Os fogos de artifício seriam mostrados na hora correspondente ao cair da
tarde, esta atividade era habitual no Brasil desde o século XVII e eram utilizados
“abrindo a celebração da festa, os fogos anunciavam a partida dos cortejos
processionais, mas também à sua chegada à igreja ou à praça onde se davam os
principais eventos da festa” (DEL PRIORE, 2000, p.38).
Doze dias depois foi publicado um anúncio no mesmo jornal sobre o desvio
de uma relação de pessoas que compraram medalhas de Nossa Senhora dos Remédios, o
jornal explicou o seguinte, “sabe-se que por engano se embrulharão nela duas medidas e
duas medalhas; porém ignora-se o nome da pessoa que a levou” (O PUBLICADOR
MARANHENSE, 22/10/1850). O jornal suspeitava que a relação tinha sido embrulhada
por engano em alguma medalha que foi vendida, porém até aquele momento não havia
informações e a irmandade estava preocupada com o destino daquela lista.
As medidas eram fitas de uma vara de comprimento, de várias larguras e de
todas as cores em que vinham estampadas em ouro ou prata o nome e a imagem de
Nossa Senhora, na época várias pessoas compravam e enfeitavam o peito com elas. João
Lisboa (1992) explicou que antigamente as medidas eram riquíssimas e custavam até
vinte patacas, porém naquele ano de 1850 as mais caras custavam no máximo quatro
patacas. Cruzando os informes do jornal e do livro sobre as medalhas e as medidas
percebemos que eram tradicionais na festa de largo e os devotos as compravam com
certa regularidade, por isso o sumiço da lista mencionado anteriormente foi tão
preocupante.
A Festa dos Remédios foi descrita por João Lisboa (1992) no ano de 1851,
segundo ele esta festa era a mais popular da cidade, por isso um grande público das
mais variadas classes e condições queria se fazer presente. Os preparativos começavam
até um mês antes da festa e as senhoras imaginavam um jeito de estarem bem elegantes
para a ocasião.
O Publicador Maranhense também comentou sobre fogos de artifício
lançados durante a festa de largo, João Lisboa (1992) especificou sobre um balão que
foi anunciado nos grandes jornais e foi lançado no dia 5 de outubro de 1851, este foi
criado por uma associação de artistas.
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João Lisboa mencionou que havia de quatro a cinco mil pessoas assistindo o
balão, outro traço da festa foram os bailes que o autor criticou, “reprovo estes abusos,
desvios, excrescências e superfetações, que desnaturam a festa, e contrariam a sua
índole e caráter todo popular, universal e sem exclusões” (1992, p.45). Percebemos
pelos escritos de João Lisboa que o baile precisava de convite, inclusive ele comenta
que não sabia o que tinha acontecido nos bailes porque para nenhum ele tinha sido
convidado.
Na festa de São Pantaleão também houve fogos de artifício, porém com um
adicional, “e no fim rematarão com fogos de vista inventado por um novo artista que
pretende mostrar ao Respeitável público sua firma em uma das pessoas em letra de
fogo” (O PUBLICADOR MARANHENSE, 06/08/1850). Os fogos de artifício como foi
comentado anteriormente eram constantes nos cortejos religiosos, estes estimulavam a
participação do público na festa que acontecia no largo, mas também mostrava a
propaganda do artista.
O largo estava totalmente enfeitado com bandeiras de várias cores e alguns
estavam com as suas melhores roupas que foram confeccionadas especialmente para a
ocasião, “são casacas, paletós, jaquetas, calcas modernas, antigas martinicas, vestidos,
saias, quinzenas, mantas, visitas, sapatos” (LISBOA, 1992, p.48). Haviam também
várias pessoas que não podiam comprar roupas, mas mesmo assim estavam presentes na
festa com suas ‘chinelas e pés descalços’.
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário também era uma grande
apreciadora de festividades e fazia duas festas de santo durante o ano, uma era no
primeiro domingo de outubro e a outra em 6 de janeiro que contava com um elemento
diferenciado que servia durante um ano, o Rei . Essas duas festas tinham como objetivo
separar os irmãos negros dos brancos, “compete fazer a festividade da Senhora do
Rosário na primeira dominga de outubro, cuja festividade pertence aos Irmãos brancos,
faze-la com novenas e toda a grandeza possível” (MARANHÃO, Lei n° 302, 1851).
Os reis eram figuras importantes nas irmandades de negros e cumpriam
papéis rituais e sociais.
As raízes africanas eram visíveis no processo de escolha dos reis e se
manifestavam na comemoração festiva da eleição e coroação, com ritmos
próprios, ao som de instrumentos de origem africana, acompanhando danças
nas quais a postura do corpo era marcada pela velocidade dos passos e
independência entre membros superiores e inferiores (SOUZA, 2002, p.181).
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A irmandade pesquisada por nós, não tinha somente o rei, percebemos no
compromisso mais três personagens que fariam parte da festa anualmente: a rainha, o
princípe e a princesa. O rei e a rainha seriam os grandes financiadores da festa daquele
ano, já os príncipes e as princesas “seriam nomeados dentre os irmãos, ou irmãs, os
quais darão de joia a quantia de dous mil reis” (MARANHÃO, Lei n° 302,10/11/1851).
Um jornal que fazia vários comentários irônicos sobre as festas religiosas
em São Luís era O Jardim das Maranhenses, percebemos através destas notícias a
ligação que este pretendia fazer com os leitores estabelecendo uma comunicação mais
informal. Em um número do Jardim percebemos referências as comemorações de Ano
Bom e Reis. A primeira festa religiosa ocorria em 1 de janeiro e a segunda acontecia no
dia 6 e simbolizava os Reis Magos que vinham oferecer tributos a Jesus, “ os padres da
Igreja vêem no ouro o símbolo da realeza de Jesus; no incenso, a sua divindade; e na
mirra, a paixão de Cristo” ( ALVES, 1990, p.17). Na festa de Ano Bom o jornal
encontrou moleques trajados que se intitulavam pastores e entoavam canções até
“indecentes” (O JARDIM DAS MARANHENSES, 02/12/1861), este costume não era
bem visto pelo periódico e era até motivo de risos.
No que diz respeito a festa de Reis o periódico não gostou dos grupos que
causavam um desagradável efeito de vozes e entoavam alguns versos como este aqui
que foi reproduzido no Jardim, “ Glória ao Deus Menino, Glória ao Onipotente, que esta
nossa gente, só querem cachaça” (O JARDIM DAS MARANHENSES, 02/12/1861). O
jornal ainda complementou de forma irônica que este foi o melhor verso entoado pelos
cantadores.
No ano seguinte o jornal explicou que a festa de largo de Santa Severa teve
pouca participação nos primeiros dias e enumera os possíveis motivos, “ attribuindo
uns, a escassez da lua, outros a areia do caminho que impedindo o tranzito, submerge o
devoto até a barriga” (O JARDIM DAS MARANHENSES, 13/01/1862).
Ainda encontramos um poema neste periódico sobre a missa de domingo,
A Capella
No domingo corre a missa, tudo quanto é moça bella, senão é para rezar,
para que vão à Capella? É pra ver o Santo Padre, conduzindo sua umbella,
senão é para rezar, não voltem para a Capella.
Senhor, eu vou à Capella, vou me entregar toda a Deus. Vou ouvir o Santo
Padre, a dizer os contos seus, vou beijar a Santa Virgem, com os tristes lábios
meus, para subirmos aos Ceos, vou pedir, rogar a Deos...
Janeiro, 1862. C.G
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O poema trazia um questionamento sobre a presença das mulheres na igreja,
senão é para rezar porque iriam para a missa. Na segunda estrofe percebemos uma
espécie de redenção desta mulher, isto é, o padre e a Virgem Maria ajudariam no
processo de subir aos céus.
Um jornal diferente do Jardim das Maranhenses veio a ser O Eclesiástico,
este se definia como um periódico dedicado aos interesses da religião e era escrito pelo
clero maranhense. O jornal relata em especial sobre uma visita que o bispo do
Maranhão Dom Manoel Joaquim da Silveira fez a cidade de Rosário em 1860, o bispo
falou sobre a festa de São Sebastião e que esta estava tomada pela população que queria
“satisfazer à devoção particular, que geralmente se tem nesta província ao glorioso
Mártir São Sebastião. A tarde houve procissão, e depois que ella se recolheu , fui para a
Igreja e chrismei 334 pessoas” (O ECLESIÁSTICO, 18/12/1860).
O bispo explica pouco sobre a festa de São Sebastião que ocorreu na cidade
de Rosário, mas conseguimos perceber que a presença dele ocasionou um bom público
principalmente para o sacramento da crisma, apesar de não termos como objeto de
estudo outras cidades do Maranhão, gostaríamos de comentar algumas informações que
foram encontradas sobre as festas no largo e as procissões destes locais.
Em outra edição do Eclesiástico percebemos uma crítica a situação das
Igrejas no Maranhão. O clero explicitou que na corte e em algumas capitais da província
existiam templos em que se podiam celebrar com esplendor as festas religiosas, porém
na maior parte das freguesias do Maranhão o culto católico era incompatível porque
faltava a maior parte dos paramentos (O ECLESIÁSTICO, 03/09/1861). Os paramentos
são os ornamentos usados pelo clero nas funções sagradas, era essencial para o culto
católico que estivessem em bom estado.
O jornal continuou explorando o assunto dizendo que em vários lugares se
observava Igrejas em ruínas e as que estavam em processo de construção dificilmente
conseguiam ser terminadas sem um grande número de interrupções (O
ECLESIÁSTICO, 03/09/1861), isso acontecia porque a reforma dessas Igrejas custava
uma grande quantidade em dinheiro e nem sempre a comunidade dispunha dessas
somas.
O mesmo periódico explicou que em tempos antigos os próprios fiéis
erigiam templos suntuosos, porém naquele momento não era mais assim:
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Ainda hoje não é de todo improfícuo o recurso à piedade dos fiéis, porém só
em casos especialíssimos se pode prescindir do auxílio dos cofres gerais ou
provinciais (O ECLESIASTICO, 03/09/1861).
Outro momento importante da festa era a procissão que acontecia entre a
missa solene e a festa de largo, na sua origem foram instituídas para substituir antigos
cortejos considerados pagãos e outras tiveram seu início a partir de datas cristãs. A
partir da Alta Idade Média as procissões passaram a ter uma nova identificação, “no
século VII estabeleceu-se que a celebração eucarística dos dias de festa e das férias da
Quaresma fossem precedidas de uma procissão saindo de uma igreja de reunião para as
igrejas ‘estações’, com celebração de missa pontifical” (CARNEIRO, 2006, p.59).
As procissões religiosas são a representação de passagens bíblicas, as
pessoas comuns desde o século XVI queriam se fazer presentes nessas manifestações
(TINHORÃO, 2000), estas conseguiram com as festividades públicas que envolviam as
próprias pessoas da comunidade.
No Brasil estes cortejos tiveram o seu início desde o século XVI, Mary Del
Priore (2000) especifica que o padre Manoel da Nóbrega em 9 de agosto de 1549
anunciou ter realizado duas procissões solenes uma no dia do Anjo Custódio e a outra
no dia de Corpus Chisti. Na Colônia as procissões também eram ligadas ao rei de
Portugal e a Igreja, essa característica fez com que essa celebração perpetuasse os ideais
da Coroa.
No século XIX as procissões foram muito controladas, isto ocasionou
projetos em 1855 no Rio de Janeiro que visavam controlar palavras de baixo calão que
eram cantadas na procissão do Corpo de Deus (ABREU, 1999), portanto buscava-se um
ideal de civilidade em todas as esferas da sociedade e a procissão também deveria seguir
esse modelo.
Enquanto as festas no largo aconteciam em um local específico, as
procissões aconteciam em um espaço essencialmente público, isto é, a rua. Esta
manifestação passava os valores da sociedade vigente, portanto ela exagerava alguns
aspectos e negligenciava outros, “Seja no seu aspecto religioso, quanto civil, as
procissões reforçavam a obediência e a devoção à Igreja e ao Estado, por meio de seu
soberano” (FURTADO, 1997, p.255).
As procissões hierarquizavam o público, permitindo perceber quem eram as
figuras principais e secundárias, o primeiro poderia ser o rei ou alguma figura
importante católica e o segundo fazia referência as outras camadas sociais, quando o
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principal financiador dessas festividades era uma irmandade de negros ou mulatos havia
um processo de inclusão social, no qual esses grupos também mostravam seu poder
ampliando sua ostentação nas procissões. Podemos enumerar dois estilos principais de
procissões que eram recorrentes na época:
Ora para coroar as procissões ordinárias (acompanhamento de grandes
cerimônias, desfiles, datas da agenda real, canonizações), ora para atender
necessidades constrangedoras (saúde do rei, falta de chuvas, epidemias)
(DEL PRIORE, 2000, p.23).
As procissões ordinárias eram os eventos oficiais que faziam parte da
agenda da Igreja ou do Estado, já as necessidades constrangedoras eram invocadas em
situações específicas que no momento estavam causando um grande problema para a
população em geral, por isso era necessário um ritual que tentasse diminuir um pouco
esse constrangimento.
Outra característica das procissões era a necessidade de uma licença, a
Irmandade de Santa Efigênia solicitou a licença do ordinário da diocese para a
realização do seu cortejo (MARANHÃO, Lei n° 369, 26/05/1855), ou seja, a procissão
envolvia uma grande quantidade de pessoas envolvidas e esse ajuntamento poderia ser
perigoso para a sociedade, por isso a licença era importante.
A Irmandade de Nossa Senhora da Conceição também queria fazer uma
procissão á tarde para maior esplendor da festividade, para isso a Mesa também
solicitou licença do Bispo Diocesano, esta irmandade especificou ainda sobre o giro da
procissão que não poderia ser alterado em tempo algum, “salvo havendo desarranjos nas
ruas determinadas na licença, para o primeiro giro” (MARANHÃO, Lei n 397,
27/08/1856).
O giro da procissão obedecia um trajeto específico todos os anos, mas esse
cortejo poderia ser mudado de acordo com as circunstâncias, um exemplo foi a
Irmandade de Bom Jesus dos Navegantes que estipulava esta possibilidade em seu
compromisso,
O giro da procissão será o mesmo que se observa presentemente, e só poderá
ser alterado pela mesa de accordo com o ordinário quando o estado das ruas
não permittirem um bom e decente transitto (MARANHÃO, Lei n° 621,
25/09/1861).
As irmandades tinham como meta reunir o maior número de pessoas em
torno das suas festas e procissões, portanto o estado das ruas poderia prejudicar o livre
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trânsito das pessoas e consequentemente o esplendor da celebração. O giro da procissão
também veio especificado no compromisso de Bom Jesus da Coluna, esse trajeto era
longo e envolvia a participação de todos os associados juntamente com o público,
Rua de Santo Antônio, da Cruz, do Sol, Largo do Carmo, rua Grande, Largo
dos Quartéis e ruas do Sol e de Odorico Mendes ao recolher-se, e todos os
irmãos são obrigados a assistir a estas solenidades com suas vestes
(MARANHÃO, Lei n° 759, 1866).
A rua de Santo Antônio foi inaugurada no século XVIII juntamente com
outros caminhos que se alargaram na época, já o largo do Carmo era conhecido como
uma parte central da cidade com feiras e mercados onde João Lisboa residiu durante
grande parte da sua vida (FILHO, 1962), no que diz respeito ao largo do Quartel este
tinha esse nome, “ depois que, nas primeiras casas levantadas, foi mandado aboletar a
tropa de linha” ( MEIRELES, 2012, p.133).
O largo do Quartel é conhecido na atualidade como Praça Deodoro e no
século XIX era ponto de encontro nos três dias de carnaval, inclusive nesta época “o
carnaval de rua dominava soberano e dava gosto participar do movimento corso e sair
pelas ruas engrossando o bando de mascarados” (FILHO, 1962, p.45). A rua que
finalizava a procissão era a de Odorico Mendes, esta também era conhecida como a
antiga rua de São João ( FILHO, 1962, p.21).
A procissão obedecia um trajeto que poderia ser modificado de acordo com
as circunstâncias, no que diz respeito aos associados eles respeitavam uma hierarquia
dentro da procissão, a Irmandade de Bom Jesus da Cana Verde explicitou de forma
detalhada como era a organização dos irmãos no cortejo,
Acabado o Sermão do Pretorio, que o Provedor e a Mesa encomendarão ao
melhor Pregador que houver, começará pelo Guião da Penitência, o qual será
levado pelo Procurador. Ao Guião se seguirá o Pendão, o qual será levado
pelo Thesoureiro, ou em sua falta por outro Irmão da Mesa; e desta serão os
irmãos que pegarem nas Guias (MARANHÃO, Lei n° 324, 02/10/1852).
Pretório era uma tribuna no qual o sacerdote pregava aos fiéis, já o guião da
penitência era uma bandeira que era levada na frente da procissão, o pendão também
era uma bandeira, mas vinha logo atrás e por último vinham as guias que eram
carregadas pelos membros das irmandade. O procurador que era o principal financiador
vinha na frente e as outras funções seguiam logo atrás dele.
Na Irmandade de Nossa Senhora da Conceição os mesários tinham uma
função especial, que era “carregarem o andor da Virgem Senhora da Conceição,
podendo eles cederem unicamente aos irmãos” (MARANHÃO, Lei n° 397,
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27/08/1856). O andor é uma espécie de tabuleiro retangular usado para levar os santos
em procissão.
A Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos não era acompanhada
somente pelo público devoto, percebemos também variadas autoridades.
Acompanhada pelo Exm. Sr. Presidente da Província, seu secretário, ajudante
de ordens, e muitos officiais militares, bem como por um grande número de
irmãos com tochas acesas, e um considerável concurso do povo, fechando
este cortejo solene duas bandas de música marcial com uma guarda de honra
do contigente destacado da guarda nacional, e o corpo de educandos artifícies
(O ECLESIÁSTICO, 04/03/1861).
O jornal mencionou duas procissões da irmandade citada, uma acontecia
na noite do dia 21 de fevereiro e levava a imagem do Convento do Carmo até a Catedral
e a outra transcorria na tarde do dia 22 enfatizando os passos de Jesus até o Calvário (O
ECLESIÁSTICO, 04/03/1861).
A festa de Corpus Cristhi também era celebrada duas vezes em São Luís, o
bispo do Maranhão Dom Manoel mencionou duas festividades, uma celebrada na
Catedral e outra feita pela Irmandade do Santíssimo Sacramento, a primeira aconteceu
no dia 30 de abril com presença de orquestra e do bispo diocesano e a segunda sucedeu
em 2 de maio sendo bem mais simples. (O ECLESIÁSTICO, 03/06/1861). O Corpus
Chisthi celebra o sacramento da Eucaristia que acontece na quinta-feira santa, neste dia
segundo a concepção cristã a última ceia foi realizada por Jesus Cristo e seus apóstolos.
A solenidade da Catedral enfatizou as figuras importantes que participaram da
procissão:
Em presença do Exm. e Revm. Sr. Bispo Diocesano, seguio-se a procissão,
levando o mesmo Exm. Sr. Bispo Diocesano o S.S.Sacramento sob o palio,
cujas varas forão carregadas, desde a porta da Cathedral, e durante todo o
transito, pelo Exm. Sr. Presidente da Província, e pelos Srs.Presidentes e mais
membros da Ilm. Camara Municipal, chefe da Estação naval, com os
respectivos officiais, Comandante do 5 de fuzileiros com sua oficialidade,
empregados públicos e muitos outros cidadãos grados (O ELESIASTICO,
03/06/1861).
O pálio é uma espécie de cobertura portátil sustentada por varas, é muito
usado para cobrir a pessoa festejada, percebemos que várias autoridades queriam se
fazer presentes na festividade de Corpus Cristhi, isto acontecia porque:
Eram de responsabilidade da Câmara de São Luís as celebrações das
seguintes festas: São Sebastião, Anjo Custódio, Corpus Chisthi, Nossa
Senhora da Vitória e a aclamação de D. João IV, também conhecida como
Restauração (CORRÊA, 2010, p.234).
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O bispo comentou ainda que não houve nenhum tipo de desordem durante a
comemoração, portanto esse foi um dos motivos para a seguinte situação, “Ao recolher-
se a procissão concedeu S. Exm. Revm 40 dias de indulgência a todos, que a
acompanharão”(O ECLESIÁSTICO, 03/06/1861). A indulgência vem a ser a remissão
total ou parcial dos pecados, dessa forma notamos que alguns cortejos propiciavam
recompensas para seus fiéis.
Havia outra festa de Corpus Chisthi organizada pela Irmandade de
Santíssimo Sacramento que acontecia no dia 2 de junho, esta era bem mais simples com
as tradicionais vésperas e missa com música:
Na véspera à noite esteve a porta da Igreja a banda de música militar dos
Educandos, cujo corpo com sua musica acompanhou a procissão, com a
guarda de honra e a banda de música do 5 de fuzileiros (O ECLESIÁSTICO,
03/06/1861).
A Casa dos Educandos Artifícies foi criada na segunda metade do século
XIX e tinha como objetivo servir de abrigo para jovens, porém este local também tinha
outra meta, “na medida em que retirava das ruas, dava abrigo e uma profissão aos
meninos andarilhos” (CASTRO, 2006, p.2). Os mais variados ofícios eram ensinados
neste estabelecimento inclusive o aprendizado da música.
João Lisboa (1992) explicou no seu folhetim que no alpendre de Nossa
Senhora tocavam de forma alternada os Educandos e a banda do Corpo Fixo, esta era
uma guarnição federal sediada em São Luís. Imaginamos que a banda militar
mencionada no jornal acima era a mesma intitulada Corpo Fixo, isto é possível porque a
banda de Corpo Fixo era militar e os relatos são respectivamente de 1850 e 1851.
A Santa Casa de Misericórdia promovia uma procissão que era
responsabilidade desta irmandade, esta era conhecida como procissão dos ossos e
ocorria no dia primeiro de novembro. Este cortejo tem a seguinte história:
Em Portugal, em 1498, determinou o rei Dom Manuel que á irmandade da
Misericórdia fosse permitido todos os anos, no dia de todos os santos, retirar
dos patíbulos os restos ainda pendentes dos justiçados para lhe dar sepultura
(COARACY, 1998, p.1).
No século XIX a procissão dos ossos não tinha mais essa função, porém
ainda continuava sendo uma atividade valorizada dentro da irmandade, a sua trajetória
era seguinte, “sahira do Cemitério deste estabelecimento a procissão dos ossos com toda
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a solenidade do estylo – e fará o mesmo giro do ano passado -, tendo lugar o respectivo
sermão no Largo do Cemitério” (PUBLICADOR MARANHENSE, 19/10/1850).
CONCLUSÃO
Em termos de seus resultados, esta pesquisa possibilitou o delineamento de
um panorama das formas de sociabilidade presentes nas festas de largo e nas procissões,
no período de 1850 a 1875 em São Luís. A leitura e análise dos compromissos de
irmandades e matérias publicadas em jornais que então circulavam na cidade nos
permitiram perceber, dentre outros aspectos, a hierarquia social vigente; os critérios
étnico-raciais, de classe e jurídicos que instituíam as demarcações sociais; o dado de que
em detrimento dos ideais da Igreja no seu projeto ultramontano, as festas religiosas
cobriam um extenso calendário ao longo do ano, recobrindo as mais diferentes datas da
cristandade, por fim percebemos também a indissociabilidade entre o sagrado e o
profano nas formas de cultuar e festejar os santos no tempo e no espaço que recobrem
esse estudo.
Com efeito, apesar das festas de largo e das procissões desse período serem
consideradas manifestações exteriores, puras “exterioridades” da fé católica,
constituíam um importante espaço de sociabilidade, pois eram, quase sempre, muito
concorridas, mobilizando esforços e reunindo pessoas de perfis diversos, a exemplo de
eclesiásticos, civis, militares, ricos, pobres, mulheres, homens, crianças, idosos, livres,
forros e escravos.
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tolerância no século XIX. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.7, n.14, 1994. p.183-
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