Upload
others
View
0
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
Departamento de Ciências Sociais
Extração e Produção de Petróleo e Gás Natural no Estado do Rio de
Janeiro: Distribuição das Compensações Financeiras, Desenvolvimento
e Legislação Ambiental
Aluno: Pedro Gross Saturnino Braga
Orientador: Prof. Ricardo Ismael
Introdução
A indústria de extração e de produção de hidrocarbonetos tem impactos
importantes no desenvolvimento. Por um lado, gera uma série de atividades e serviços
associados que dinamizam as economias nacionais e locais. Por outro lado, ela propicia
o pagamento de royalties, que no caso do estado do Rio de Janeiro e de seus municípios
contribui significativamente para os investimentos públicos, de acordo com as regras de
distribuição fixadas em lei.
O elevado crescimento na extração de hidrocarbonetos, aliada a um aumento no
preço do barril do petróleo no começo da década de 2000, gerou um grande aumento na
quantidade de royalties pagos por essa exploração. Em 2007 foi anunciado pela
Petrobras a descoberta de jazidas de petróleo na região do pré-sal, aliada a capacidade
tecnológica da empresa para exploração dessas jazidas. Isso gerou uma expectativa de
elevado aumento dos recursos oriundos da exploração de hidrocarbonetos.
Simultaneamente, começava uma busca cada vez maior dos estados por recursos
financeiros. Desde 1988, quando a Constituição Federal definiu a divisão tributária
entre os entes federados, a participação das unidades estaduais tem diminuído deixando-
as mais dependentes de transferências voluntárias da União, principalmente para a
realização de projetos e investimentos públicos.
Com a perspectiva criada com a descoberta das jazidas de petróleo na região do
pré-sal, o governo enviou uma proposta ao Congresso Federal para se alterar o formato
de exploração das jazidas nesses campos, estabelecendo o pré-sal como uma área
estratégica, alterando o modelo de exploração de concessão para partilha, onde a União
ficaria com parte do barril e o consórcio explorador com outra. Essa mudança foi
estabelecida na lei 12.351/2010, que também garantia a Petrobras como parceiro
obrigatório em todas as licitações, com uma participação mínima de 30%.
Pela dificuldade de se fazer uma reforma no sistema tributário, que a União não
apoiava com receio de diminuir sua arrecadação, uma alteração no formato da
distribuição dos royalties e do bônus especial pagos pela exploração de hidrocarbonetos
seria uma forma alternativa dos estados e municípios aumentarem suas receitas. O
objetivo era beneficiar estados e municípios que não produziam petróleo em seu
território ou na plataforma continental defronte aos seus territórios, os chamados não
produtores.
O assunto começou a ser tratado no Congresso em 2009, aproveitando que já se
estava debatendo mudanças no formato de exploração de petróleo. Apesar de uma
redistribuição ter sido estabelecida na lei 12.351/2010, essa parte foi vetada por Luís
Inácio Lula da Silva, Presidente da República na época. Apenas em 2013, após diversas
reviravoltas, foi aprovada a lei 12.734/2012, que estabelecia uma nova distribuição dos
royalties em todos os campos de exploração, tanto aqueles que seriam firmados, como
os que já estavam com contrato em vigor. Os estados e munícipios produtores tiveram
suas porcentagens reduzidas para aumentar a porcentagem paga aos não produtores, o
que gerou um conflito federativo no Congresso, em que as questões partidárias e
ideológicas ficaram de lado e cada parlamentar votou de acordo com o projeto que
Departamento de Ciências Sociais
2
arrecadaria maior quantidade de recursos para os seus estados. A então Presidente da
República Dilma Rousseff vetou parte da lei, mas teve seus vetos derrubados em sessão
conjunta do Congresso já em março de 2013.
Alegando inconstitucionalidade na lei, os estados de Rio de Janeiro, São Paulo e
Espirito Santo entraram separadamente com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF), que foram reunidas para serem julgadas
conjuntamente, denominada de ADI 4.917. A Ministra Carmen Lucia, relatora do caso,
expeliu uma liminar suspendendo a vigência dos artigos da lei 12.734/2012, alegando
que a adoção imediata da lei causaria severos prejuízos para o orçamento dos estados
produtores, mesmo se depois a lei fosse considerada inconstitucional. Desde então a
ADI não foi julgada, uma demora que afeta principalmente os estados não produtores,
visto que estão suspensos os artigos da lei 12.734/2012, e mantida a divisão decidida
pela lei 9.478/97, em que os estados não produtores recebiam7% para ser dividido entre
todos os estados.
No período que se aguarda o julgamento da ADI 4.917 ocorreram significativas
modificações no mercado de petróleo, que trazem consequências no Brasil e na
distribuição dos royalties. A partir de julho de 2014, o preço do petróleo no mercado
internacional começa a cair elevadamente, com o petróleo Brent caindo abaixo de
US$50 em janeiro de 2015, e após se manter estável entre US$50 e US$70 no primeiro
semestre de 2015, voltou a cair no segundo semestre do mesmo ano, chegando a custar
menos de US$30 em janeiro de 2016. Apesar do preço do barril voltar a subir no
primeiro semestre de 2016, se mantendo entre US$40 e US$50 entre março e junho, não
se pode prever que ele vai se continuar assim. A realidade do mercado se alterou com
uma oferta crescente, causada pela exploração do gás xisto nos EUA e do fim da sanção
econômica aplicada ao irã, aliada a uma diminuição da demanda ocasionada pela
diminuição de importação de hidrocarbonetos pela China e outros países emergentes.
Essa é uma realidade muito diferente de quando foram aprovadas as redistribuições dos
royalties, onde o preço do barril vinha crescendo desde a crise de 2008, e se estabeleceu
com médias sempre superiores a US$100 a partir de 2011 até a metade de 2014. Essa
nova realidade reduz a arrecadação através de royalties, que é calculado com base no
valor estimado da produção.
Além do preço do barril de petróleo, a situação da Petrobras também se alterou. A
empresa sofreu prejuízos e teve aumento na sua dívida, além de sofrer acusações de
improbidade administrativa ocasionada pela investigação da polícia federal conhecida
como lava-jato. O escândalo afetou a imagem da empresa, gerando uma mudança na
gestão, que anunciou um plano para reduzir seus investimentos como forma de atenuar
o endividamento da companhia.
Objetivos
Em razão do conflito federativo desencadeado pela proposta aprovada no
Congresso Nacional, que define uma revisão significativa na legislação que ampara a
distribuição de compensações financeiras na exploração de petróleo e gás no Brasil,
pretendemos acompanhar e analisar o julgamento no Supremo Tribunal Federal da ação
movida pelos estados produtores; Discutir as mudanças em curso no mercado
internacional de hidrocarbonetos e sua repercussão no preço do barril de petróleo no
mundo, bem como seus desdobramentos sobre a exploração do pré-sal no Brasil;
Discutir as mudanças ocorridas na Petrobrás, especialmente na gestão corporativa e no
plano de investimentos, e seus desdobramentos na exploração do pré-sal.
Metodologia
Departamento de Ciências Sociais
3
Levantamento bibliográfico sobre mudanças em curso no mercado internacional
de hidrocarbonetos, sua repercussão na Petrobrás, na exploração do pré-sal e na
distribuição de royalties aos entes federados; acompanhamento da tramitação da ADI
4.917 no STF; levantamento de documentos da Petrobrás sobre medidas que estão
sendo tomadas para enfrentar o endividamento da empresa e aperfeiçoar sua gestão
corporativa; levantamento dos arquivos dos jornais “O Globo” e “Folha de São Paulo”
referente a medidas tomadas pela Petrobrás para enfrentar o endividamento da empresa
e aperfeiçoar sua gestão corporativa.
Marco legal da distribuição dos royalties da exploração de petróleo e gás
Após o período da ditadura militar, onde se começou a explorar o petróleo
localizado abaixo do nivel do mar, através de plataformas flutuantes, foi promulgada a
Constituição Federal de 1988, definindo as bases da legislação petrolífera atual. Nela se
define o petróleo como monopólio da União, mas também fica garantida uma
compensação aos estados e municípios produtores.
Art. 20, § 1º: É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no
resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de
geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território,
plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação
financeira por essa exploração.1
Se os royalties buscavam beneficiar os estados produtores de energia, o ICMS
(Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de
Serviços e Transporte Interestadual e Intermunicipal de Comunicação) fazia o contrário,
ao garantir na al. b do inc. X do § 2º do art. 155 da Constituição que tanto o petróleo e
seus derivados como a energia elétrica seriam cobrados no estado de destino, e não no
de origem como os demais produtos. Isso buscava garantir que mesmo os estados que
não contam com recursos naturais para a produção de energia se beneficiassem dessa
tarifação.
No ano seguinte foi criada a Lei de compensação financeira pelos recursos
naturais, 7.990/89, buscando completar as partes referentes a esse assunto que não
foram tratadas na Constituição Federal, especialmente a porcentagem de royalties que
deveriam ser pagos, e as porcentagens de cada beneficiado. Inicialmente definiu-se que
5% da produção bruta deveria ser paga na forma de royalties, e a maior parte seria
encaminhada para os estados produtores.
Em 1997 o Congresso Federal criou a Lei 9.478/97, onde a Petrobras deixava de
ter o monopólio para a extração de petróleo, passando a ser apenas mais uma empresa a
concorrer com outras na concessão para explorar poços no país. Foi estabelecido um
modelo de concessão para a exploração dos campos, onde as licitações garantiam o
ressarcimento ao governo por ceder seu direito de explorar os recursos naturais a uma
empresa privada, através de um bônus de assinatura, além de uma porcentagem dos
royalties, que até então não eram destinados a União pelo fato de a Petrobras, na época,
ser uma empresa 100% pública, onde os lucros iam para o governo. A Lei também
estabelece que em todos os contratos haja um pagamento de participação especial em
caso de ocorrer produção ou renda acima do planejado, sendo destinada metade dessa
participação para a União, e a outra metade para o estado produtor, além de aumentar os
royalties para 10% do valor da produção bruta.
Em 2006 a Agência Nacional de Petróleo, ANP, anunciou que a Petrobras havia
1 BRASIL. Constituição (1988). Publicada no DOU de 5/10/1988.
Departamento de Ciências Sociais
4
descoberto petróleo, e a capacidade de explora-lo, nas camadas pré-sal da plataforma
continental brasileira. A crosta terrestre tem três camadas, a mais externa delas, próxima
à superfície, é o pós-sal, onde está concentrada a maior parte do petróleo que é
explorado atualmente. Abaixo dela existe uma camada de sal e, por último, o chamado
pré-sal. O petróleo encontrado na camada pré-sal brasileira está localizado na
plataforma continental, e os campos para realizar a perfuração entre 1000 e 2000 metros
abaixo d’água. Essa camada ainda se encontra entre 4000 e 6000 metros abaixo do
fundo do mar, totalizando até 8000 metros de distância até o petróleo.
Pela grande importância dessas novas áreas para economia nacional, garantindo
a autossuficiência do país em petróleo, e com receio que os lucros dessa exploração não
se mantivessem no Brasil, o Executivo enviou uma proposta de lei, no ano de 2009,
sugerindo mudança na legislação do petróleo. O projeto, que viria a se tornar a lei
12.351/2010, decidia pela adoção do modelo de partilha na região do pré-sal e outras
áreas estratégicas, que deveriam ser definidas pelo executivo através do Ministério de
Minas e Energia.
Os campos que não se encontram em áreas consideradas estratégicas continuam
seguindo o modelo de concessão, onde a União concede o direito à exploração e a
propriedade do petróleo explorado por um período de tempo definido em contrato. Nas
áreas estratégicas deve ser adotado o modelo de partilha, onde o governo continua como
proprietário do petróleo explorado, mas cede parte deste à empresa ou às empresas
responsáveis pelos custos da exploração. O consórcio recebe a quantidade de barris
relativa ao custo da exploração, e a quantidade que excedente, chamado de óleo
excedente, é dividido entre o consórcio e o governo em proporção definida em contrato.
Além disso, ainda são pagos bônus de assinatura e royalties, que aumentou de 10% para
15% nessas áreas. Foi criada a empresa estatal Pré-sal Petróleo S.A. (PPSA), que é
responsável pelos contratos de partilha e pela comercialização da proporção de petróleo
que cabe a União. A PPSA também é responsável por indicar metade dos assentos nos
comitês operacionais de cada campo, órgãos responsáveis pelas decisões de exploração.
Dessa maneira o governo tem o controle da produção em cada campo, tendo maior
participação nas decisões de comércio desses hidrocarbonetos. O modelo de partilha
também permite ao governo realizar política industrial com a sua proporção de petróleo,
vendendo, por exemplo, barris de petróleo para nações aliadas a um preço abaixo do
mercado, da mesma forma que pode reduzir a produção em períodos que o preço do
barril esteja baixo.
A descoberta das jazidas do pré-sal encontraram situação bastante diversa. No plano das
ideias, a hegemonia do ideário neoliberal encontrava-se em declínio, como resultado do baixo
sucesso das reformas empreendidas em termos de crescimento econômico, o que influiu na
ascensão ao poder de elites políticas com orientação de centro-esquerda. No entanto, estas somente
puderam modificar o viés ideológico de seus governos a partir da maior independência que o
cenário econômico favorável propiciou. Tal possibilidade traduziu-se em políticas públicas como o
marco regulatório do pré-sal, em que elementos de maior intervenção estatal - regime de partilha,
cessão onerosa e criação da Pré-Sal Petróleo SA- são utilizados como base para a estruturação do
Fundo Social do Pré-Sal, visando repartição social dos recursos do petróleo.2
A lei 12.351/2010 também estabelece que a Petrobras tenha participação mínima
de 30% em todos os campos explorados, e o restante seria decidido através de licitação,
onde a proposta vencedora seria aquela que destinasse maior percentual do óleo
excedente à União. Como o governo tem participação na Petrobras ele indiretamente
2 TROJBICZ, Beni & LOUREIRO, MARIA Rita. Trajetória do marco regulatório do petróleo no Brasil:
1997 – 2010. IX Encontro da ABCP
Departamento de Ciências Sociais
5
também assume riscos nos campos explorados, pois a mesma é responsável por 30%
dos investimentos em cada campo. Isso demonstra a grande expectativa que existia com
o pré-sal, não considerando a possibilidade dos mesmos não serem tão rentáveis como
se esperava.
O conflito federativo no Congresso Nacional
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu uma redivisão nas receitas entre as
três esferas da federação. O objetivo era descentralizar o poder da mão da União,
reduzindo a parcela de arrecadação destinada à mesma. Desde então aumentos de
arrecadação foram feitos com a criação de contribuições, que não necessitam ser
divididas com os estados e municípios, como COFINS, CIDE, etc. ao invés de
elevações nos impostos já existentes. Dessa forma, a arrecadação proporcional dos
estados nas duas últimas décadas começou a declinar, como mostra a tabela abaixo,
enquanto a proporção da União voltou a crescer.
Evolução da distribuição de recursos entre os três níveis de Governo3
União Estados Municípios Total
Arrecadação Direta em % do total
1960 64,0 31,3 4,7 100,0
1965 63,6 30,8 5,6 100,0
1983 76,6 20,6 2,8 100,0
1988 71,7 25,6 2,7 100,0
1991 63,4 31,2 5,4 100,0
2000 66,7 27,6 5,7 100,0
2011 68,6 25,6 5,7 100,0
Receita Disponível em % do total
1960 59,5 34,1 6,4 100,0
1965 54,8 35,1 10,1 100,0
1983 69,8 21,3 8,9 100,0
1988 60,1 26,6 13,3 100,0
1991 54,7 29,6 15,7 100,0
2000 55,8 26,3 17,9 100,0
2011 57,1 24,7 18,2 100,0
Atualmente os estados ficaram muito dependentes da União para conseguir
recursos financeiros, necessitando realizar parcerias com a mesma para a execução de
grandes projetos ou obras públicas. Por conta dessa dependência, estados que tem
melhor alinhamento com o Governo Federal, especialmente por estar na mesma
coalizão política, tem mais facilidade em conseguir firmar parcerias e como
consequência promover grandes investimentos locais. Isso diminui cada vez mais
importância do Governador e sua independência para realizar as melhorias que acham
necessárias. Além de grande parte dos seus recursos já virem carimbados, definidos em
que áreas serão gastos, ele ainda depende do interesse nacional para realizar projetos de
médio e grande porte. Da mesma forma, cada vez mais os movimentos sociais dirigem
suas petições e protestos ao Governo Federal e menos aos locais, o que demonstra a
3 Tabela 1- Fonte dos dados: AFONSO, José Roberto, utilizando as fontes primárias: STN, SRF, IBGE,
Ministério da Previdência, CEF, Confaz e Balanços Municipais; disponível no link:
http://pt.slideshare.net/CIEF2012/4-conferncia-jos-roberto-r-afonso. Acesso em: 05 maio 2014.
Departamento de Ciências Sociais
6
descrença na ideia de mudanças que possam surgir de baixo para cima.
A União é contrária a uma reforma tributária, pois tem receio que ela perca parte
de suas receitas. Simultaneamente, os estados necessitam de maior receita para ter
também maior independência. A arrecadação através de royalties, que teve constante e
elevado aumento no começo do século XXI, se mostrou uma alternativa para aumentar
as receitas sem mexer no modelo tributário. O problema dessa alteração, principalmente
quando são incluídos alterações em contratos de licitações já realizadas, é que gera um
grande aumento na receita da grande maioria dos estados e municípios à custa de uma
diminuição na receita de outros desses estados e municípios. Essa tática gerou um
conflito federativo, onde cada parlamentar defende os melhores interesses dos seus
estados sem preocupação com prejuízos de outras federações. Ideais partidários ou
políticos foram postos de lado e a discussão ficou simplesmente numa regra de maioria.
O debate principal aconteceu em torno dos royalties pagos na exploração
marítima, visto que lá está a maior parte das reservas de petróleo brasileiro,
principalmente após a descoberta do pré-sal. Até então, os royalties pagos aos estados
não produtores numa extração na plataforma continental eram de cerca de 7% do valor
total a ser dividido por todas as federações, enquanto os produtores ficavam com 45%,
metade para o próprio estado, e a outra parte para os municípios confrontantes.
A primeira proposta, que veio do Executivo era que os royalties advindos dos
campos presentes no pré-sal fossem divididos de forma mais igualitária, beneficiando
todos os estados e não apenas os confrontantes com os poços, afinal os campos ficam a
uma grande distância da costa. Os parlamentares dos estados produtores já se
mostravam contrários a essa proposta, alegando que a Constituição garantia a
compensação para os estados confrontantes, e que caso um desastre ambiental ocorresse
seriam estes os prejudicados. Apesar dos protestos dos estados produtores,
principalmente da bancada fluminense e capixaba, o restante do Congresso, assim como
o Governo Federal, foram favoráveis a uma distribuição mais equilibrada dos royalties
das áreas do pré-sal. Essa nova partilha deveria se basear no Fundo de Participação dos
Estados, FPE, e o Fundo de Participação dos Municípios, FME, onde, através de
indicadores sociais, se definem os níveis de pobreza em cada região, destinando mais
recursos às localidades mais carentes.
Observando a imensa maioria que os estados não produtores tinham no
Congresso, alguns parlamentares sugeriram uma reforma mais expressiva, propondo
alteração não apenas nos campos localizados em áreas consideradas estratégicas, mas
qualquer futuro campo a ser licitado na plataforma continental, afirmando que a costa
pertence a toda a união, e não a um estado específico.
A posição do governo do Rio de Janeiro não buscava acordos, entendendo que a
Constituição garantia que os royalties deveriam ser pagos aos estados e municípios
defronte a região de exploração na plataforma continental. Para pressionar o Rio
começou a ser discutida uma alteração no pagamento dos royalties de todos os campos
explorados, inclusive aqueles que já estavam com a licitação feita e, portanto, já fazia
parte do orçamento daqueles que os recebiam.
O que começou como uma medida considerada radical, uma forma de pressionar
os estados produtores a uma negociação, ganhou força com a expectativa que os campos
do pré-sal ainda demorariam a ter suas licitações realizadas, com a perspectiva das
explorações só terem início em 2016 ou 2017. Em 2010 os Deputados Ibsen Pinheiro,
do PMDB do Rio Grande do Sul, e Humberto Souto, do PPS de Minas Gerais,
conceberam uma emenda ao projeto de lei, que determinava a mudança na distribuição
de todos os royalties, tanto os que viriam a ser licitados, como também os dos contratos
já realizados. Essa ficou conhecida e nomeada como emenda Ibsen Pinheiro. Durante o
Departamento de Ciências Sociais
7
ano de 2010 o projeto foi debatido no Congresso, onde houve tentativas de acordo, com
propostas como a União ressarcir a perda dos estados produtores, ou que esses só
abrissem mão da renda da participação especial. Apesar das propostas, os debates em
torno delas foram pouco eficazes, pois nenhum dos lados aceitava qualquer prejuízo,
especialmente o Rio de Janeiro e a União.
Luis Inácio Lula da Silva, Presidente do país na época, pediu aos parlamentares
para adiarem a discussão para o ano seguinte, uma vez que 2010 era ano eleitoral e
aquele era um tema de extrema importância, com decisões que não deveriam ser
tomadas às pressas ou por influências eleitorais. Mesmo assim, os deputados ignoraram
o apelo e seguiram com o planejamento de votá-lo naquele ano. Quando o projeto de lei
foi aprovado nas duas casas e faltava apenas a sanção presidencial, os estados do Rio de
Janeiro e Espírito Santo, com colaboração de parte dos governantes paulistas, exerceram
grande pressão no poder executivo, através de petições populares e manifestações, e o
Presidente Lula viu-se obrigado a vetar parte da Lei, que teve o número 12.351/2010,
deixando-a incompleta. Ela garantiu o modelo de partilha, com prioridade à Petrobras e
a criação da PPSA, mas deixou o assunto dos royalties sem solução.
Em 2011, com novos mandatos em vigor, recomeçou a discussão dos royalties
no Congresso. Os estados produtores apresentaram um projeto em que se aumentaria a
porcentagem de royalties nas futuras licitações, esse aumento indo para os não
produtores, e propondo que a União destinasse parte da sua renda nas licitações já
realizadas para os estados não confrontantes, não alterando a arrecadação dos estados
produtores. A bancada do governo, maioria no Congresso, recusou a proposta, alegando
que a União não estava disposta a abrir mão dos seus recursos financeiros. O projeto
que se tornou lei foi elaborado pelo Senador Wellington Dias, do PT do Piauí, em que
propunha uma divisão dos royalties muito parecida com a proposta pela Emenda Ibsen.
A proposta, que resultou na Lei 12.734/2012, tem apenas cinco artigos, onde os dois
principais são o segundo e o terceiro, que alteram diversos artigos das Leis 12.351/2010
e 9.478/97 respectivamente. Essas alterações garantem a mudança na distribuição de
todos os royalties, incluindo os que estavam contidos nos contratos já licitados. Para
reduzir as perdas dos estados produtores, o projeto determina que as reduções
percentuais da participação dos estados produtores na distribuição dos royalties devem
ocorrer gradativamente. As porcentagens da participação especial também sofrem
redução semelhante. Assim as perdas financeiras não seriam tão grandes, pois apesar de
reduzir as porcentagens, a quantidade de royalties pagos vai aumentar com a exploração
de novos campos, ocorrendo uma compensação.
Os estados confrontantes teriam uma redução imediata de 23,5% para 20% e
assim se manteria. Já os municípios seriam os maiores prejudicados, tendo uma redução
imediata de 23,5 %para 15%, chegando a 4% em 2020. A porcentagem de participação
especial destinada aos estados também reduziria de 50% para 20% de forma imediata.
Os parlamentares dos estados produtores alegaram que apesar de reduzidas as perdas
ainda seriam imensas. A mudança nos contratos já licitados inviabiliza o orçamento de
diversos municípios, pois já planejando a entrada dessa verba, aprovaram um orçamento
que, assim, não poderão cumprir. O próprio estado do Rio de Janeiro destinou grande
parte dos royalties que viria a receber para pagar a dívida com a Receita federal, o que
se torna impossível com a redução. Além disso, alegam que os danos causados por essa
exploração, como riscos ambientais, o ônus da pressão migratória e a demanda
crescente sobre a infraestrutura incipiente, apenas são sentidos nos municípios
confrontantes. Os demais parlamentares rebatem alegando que já está previsto em lei
que em caso de danos ambientais a empresa terá que arcar com indenizações e que,
assim, os royalties não seriam indenizatórios para essas causas, mas sim uma
Departamento de Ciências Sociais
8
indenização por recurso finito.
Durante a tramitação da proposta, que teve como relator o Senador Vital do
Rêgo, do PMDB do Piauí, parlamentares da bancada dos estados produtores buscaram
colocar em discussão outros quesitos, como a revisão do ICMS, que apenas no caso do
petróleo e da energia elétrica é pago integralmente no estado consumidor, para
beneficiar os estados que não têm recursos naturais para produção de energia. Retirando
os royalties e o ICMS, os estados produtores seriam duplamente prejudicados. Apesar
de diversos parlamentares reconhecerem a importância de uma revisão nos tributos,
consideraram que isso deveria ser feito em outro momento, não misturando questões
tributárias com os royalties. Com imensa maioria nas duas câmaras, a proposta foi
aprovada no dia 7 de novembro de 2012 e muito comemorada pelos parlamentares dos
estados não produtores, alegando ser uma vitória para os estados brasileiros mais
carentes.
Faltando apenas a sanção da Presidente da República Dilma Rousseff, os
políticos dos estados produtores, incluindo os governadores e prefeitos, começam a
fazer pressão pelo veto presidencial. Com esse cenário, no dia 30 de novembro de 2012
a Presidente vetou parcialmente a Lei 12.734/2012, alterando tanto as novas licitações
como as já realizadas.
O § 1º do art. 20 da Constituição garante uma compensação financeira aos
estados e municípios confrontantes, mas não garante de quanto deve ser essa
compensação. Dessa maneira, mesmo reduzindo a porcentagem dos mesmos, eles
continuam sendo compensados. No entanto, a lei 12.734/2012 destina parte dos
royalties a serem distribuídos entre os estados e municípios segundo o Fundo de
Participação dos Estados e o Fundo de Participação dos Municípios, onde as regiões
mais carentes recebem mais recursos. Para receber essa porcentagem dos royalties, os
estados e municípios não podem receber por serem confrontantes, ou se desejassem
receber dos Fundos de Participação deveriam abrir mão de receber como confrontantes.
A Presidente vetou este trecho da lei por obrigar um ente federativo a abrir mão de seu
direito constitucional para receber uma participação que deveria ir para todos os estados
ou municípios da federação.
O texto proposto é inconstitucional, pois conflita diretamente com as disposições
previstas no art. 5º e no § 1º do art. 20 da Constituição, ao obrigar os Estados e
Municípios a renunciarem a direito constitucional originário para participar da
distribuição do Fundo Especial destinado a todos os entes federados. Adicionalmente,
ao prever opções sucessivas entre as receitas compensatórias e aquelas decorrentes do
Fundo Especial, a implementação da sistemática prevista no projeto se torna inaplicável,
visto que a opção de cada um dos entes federados impactará nos fatores que
condicionam as decisões dos demais.4
A Presidente também vetou a mudança nos contratos já licitados, pois vão de
encontro ao inciso XXXVI do art. 5° da Constituição que define “XXXVI - a lei não
prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Os estados e
municípios confrontantes adquiriram o direito determinada parcela nos campos já
licitados, e com essa parcela eles planejam investimentos futuros, não apenas os
orçamentos anuais, mas numa obra que leva anos, o planejamento é feito contanto com
a continuação daqueles royalties por anos. Dessa maneira a alteração nos royalties de
contratos já firmados, pode causar para um orçamento anual já aprovado, como também
pode causar a interrupção de diversas obras.
As novas regras de distribuição dos royalties previstas no art. 3º do projeto, ao não
4 Veto da Presidente da República Dilma Rousseff à lei 12.734/2012.
Departamento de Ciências Sociais
9
ressalvar sua aplicação aos contratos já em vigor, violam frontalmente o disposto no
inciso XXXVI do art. 5º e no § 1º do art. 20 da Constituição.
Os royalties fixados na legislação em vigor constituem uma compensação financeira
dada aos Estados e Municípios produtores e confrontantes em razão da exploração do
petróleo em seu território. Devido a sua natureza indenizatória, os royalties incorporam-
se às receitas originárias destes mesmos entes, inclusive para efeitos de disponibilidade
futura. Trata-se, portanto, de uma receita certa, que, em vários casos, foi objeto de
securitização ou operações de antecipação de recebíveis. A alteração desta realidade
jurídica afronta o disposto no inciso XXXVI do art. 5º e o princípio do equilíbrio
orçamentário previsto no art. 167, ambos da Constituição Federal.5
No dia 6 de março de 2013, o Congresso Federal realizou uma sessão conjunta
das duas casas, para avaliar o veto da Presidente da República. Os deputados recusaram
a ideia de quebra de contrato, pois estes eram feitos com a ANP, e não com os estados, e
portanto, não haveria quebra. Mesmo a bancada governista se mostrava contrária ao
veto, permanecendo a disputa federativa sem nenhuma influência partidária. O Governo
Federal, por sua vez, falava que já havia tomado todas as medidas que seriam possíveis
de sua parte, com o veto presidencial, e que a partir de então cabia aos parlamentares
resolverem o embate federativo, se abstendo do seu papel de mediador de conflito entre
os estados. Mesmo com o abandono de alguns parlamentares da sessão, e a ameaça de
entrar no STF alegando inconstitucionalidade, o veto foi derrubado com ampla maioria
dos votos.
O que se observa nesse período é a pouca pretensão dos estados em negociar
entre eles, transformando a questão numa batalha federativa. O governo federal também
não buscou promover negociações que pudessem propiciar um acordo entre as entidades
federativas. O Executivo vetou o que considerava inconstitucional e garantiu que sua
bancada não permitisse que a União perdesse parte de seus royalties nas leis criadas,
mas não buscou influenciar a bancada na hora da derrubada do veto. Com os estados-
membros em conflito, as decisões do Congresso não foram tomadas com uma reflexão
nas discussões, com base em ideais políticos e buscando um consenso, mas cada
parlamentar buscando a maior quantidade de recursos para os seus respectivos estados,
colocando a vontade de cada unidade estadual acima do ideal nacional.
Judicialização do conflito
Assim que a decisão dos parlamentares foi publicada no Diário Oficial, no dia
15 de março de 2013, os governos do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo, além
da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro entraram, separadamente, com pedidos de
ADI no Supremo Tribunal Federal. Pela semelhança entre eles, todos foram entregues
ao mesmo relator, a Ministra Carmen Lucia, que os analisou conjuntamente e decidiu
que serão julgados na mesma sessão.
A Ministra escolheu a ADI requerida pelo governo do Rio de Janeiro, de número
4.917, para analisar o pedido de medida cautelar, que requisitava a suspensão dos
efeitos da lei até o julgamento final do STF. Posteriormente, alguns dos estados não
produtores conseguiram entrar no processo como Amicus Curie, uma terceira parte
interessada, assim como algumas associações, como a Confederação Nacional de
Municípios. O debate federativo que começou no Congresso passou para o âmbito
judiciário, o que demonstra a incapacidade de negociação entre os estados brasileiros.
A ADI requerida pelo estado de Rio de Janeiro apresenta duas teses principais. A
primeira é a “Invalidade global das alterações no regime jurídico dos royalties do
petróleo”, se utilizando do art. 20 da Constituição, onde define o direito dos estados e
municípios confrontantes de receberem compensação financeira, e do art. 155, onde
5 Veto da Presidente da República Dilma Roussef à lei 12.734/2012.
Departamento de Ciências Sociais
10
define que o ICMS seria cobrado no destino.
1. Violação no sentido e alcance do art. 20, § 1° da Constituição. Natureza
compensatória e não redistribuitiva dos royalties.
2. Violação do pacto federativo originário, e consequentemente, do princípio da
supremacia da Constituição e do princípio federativo. O pagamento de royalties e a
fórmula de cobrança do ICMS do petróleo no destino – e não na origem – formam um
sistema que integra o pacto constituinte entre Estados produtores e não-produtores. Lei
ordinária não pode alterá-lo (CF, art. 155, § 2, X, b).6
Esses argumentos se referem a toda a exploração de petróleo, tanto dos campos
já licitados como das futuras licitações. A segunda tese se refere exclusivamente aos
contratos já licitados, e essa divisão indica que o Rio de Janeiro busca ao menos garantir
a manutenção das receitas já existentes. O autor apresenta quatro fundamentos para
sustentar uma “Invalidade da aplicação das novas regras aos royalties derivados das
concessões instituídas nos termos da legislação anterior”7.
1. Violação ao direito adquirido. As participações não são devidas em bloco; cada concessão
gera um direito autônomo à percepção das participações governamentais a ela referentes.
Nas concessões já existentes, esse direito se concretizou e se incorporou ao patrimônio
jurídico dos entes federativos, nos termos das normas de regência. A criação de um novo
regime jurídico – que seja válido – somente poderia afetar concessões futuras.
2. Violação ao princípio de segurança jurídica. Ainda que não se pudesse falar de direito
adquidido na hipótese, a incidência das inovações sobre as concessões já existentes
surpreenderia bruscamente os estados produtores, afetando situações já constituídas de
longas data e frustando sua expectativa legítima em relação a receitas que vêm auferindo há
muitos anos e que já se encontram comprometidas.
3. Violação ao ato jurídico perfeito. O Estado do Rio de Janeiro, em particular, celebrou
contrato de refinanciamento de sua dívida junto à própria União, no qual se estabeleceu que
a amortização seria feita por cotas de royalties e participações. A União não pode se valer da
sua competência legislativa para tornar inviável o cumprimento do contrato que celebrou
com o Estado, gerando graves sanções para este.
4. Violação aos pricípios da responsabilidade fiscal, do equilíbrio orçamentário e da boa-fé
objetiva. A modificação drástica e súbita do sistema de distribuição das participações
governamentais – sobretudo para alcançar as concessões já existentes – produziria um
desequilíbrio orçamentário dramático e impediria o cumprimento de inúmeras obrigações
constitucionais, legais e contratuais dos Estados afetados. Dentre tais obrigações encontra-se
o contrato de refinanciamento da divída firmada pelo estado com a própria União, a cuja
amortização estão vinculados os royalties.8
A ADI termina com o pedido do estado do Rio de Janeiro por uma medida
cautelar com urgência. Em virtude do pagamento dos royalties serem feitos
mensalmente, o prazo de espera para que a medida cautelar fosse analisada por todos os
ministros causaria grandes prejuízos aos estados produtores.
No dia 18 de março de 2013, a Ministra Carmen Lúcia publicou medida cautelar
suspendendo a validade da lei 12.734/2012 até o resultado do julgamento. A relatora
explicou que, em virtude de feriados nacionais, o Supremo Tribunal Federal não seria
capaz de se reunir antes que o próximo pagamento de royalties fosse feito, e por isso a
decisão monocrática, reiterando que casos similares já haviam ocorrido.
Situações como a presente, nas quais a urgência da providência requerida cautelarmente
e a objetiva configuração de instabilidade jurídica, financeira e política advindas ficam
objetivamente demonstradas se se mantiverem os efeitos das normas questionadas, têm
sido acentuadas em casos nos quais – como se tem na espécie – a medida cautelar
6 ADI requerida pelo estado do Rio de Janeiro, posteriormente numerada ADI 4.917, p. 1.
7 ADI 4.917, p. 1
8 ADI 4.917, p. 1 e 2
Departamento de Ciências Sociais
11
poderia não produzir sua plena utilidade e o seguro afastamento dos riscos
demonstrados e iminentes sem a suspensão imediata dos efeitos das normas, tudo a
impor ao Ministro Relator tomada de decisão imediata – reitere-se – ad referendum do
Plenário.9
Apesar de a relatora não expor abertamente o seu julgamento final sobre o caso,
é possível perceber a concordância com diversos argumentos levantados pela ADI. A
questão federativa é amplamente tratada, com o receio da Ministra Carmen Lúcia que
isso se transforme em uma desgastante batalha federativa. É lembrado que a
Constituição foi elaborada através de negociações em que a divisão dos recursos foi
pensada para haver um equilíbrio. Ao alterar somente os royalties esse equilíbrio
também é alterado.
Na espécie em exame, a Constituição estabeleceu normas que se ajustam, coordenam-
se, completam-se com finalidade clara de garantir a participação de Estados e
Municípios em situação geográfica definida ou compensá-los pelos ônus decorrentes de
sua situação.
O enfraquecimento dos direitos de algumas entidades federadas não fortalece a
federação; compromete-a em seu todo.
E se uma vez se desobedece a Constituição em nome de uma necessidade,
outra poderá ser a inobservância de amanhã em nome de outra. Até o dia em que não
haverá mais Constituição.
O direito de Estados e Municípios, a ser exercido nos termos da lei, não pode
ser porta de entrada para o seu amesquinhamento pelo legislador, não se podendo
permitir seja esse direito constitucionalmente estabelecido mais formal que real, ainda
que o objetivo tenha sido o de angariar novos recursos às demais entidades federadas,
igualmente necessitadas de novos aportes para fazer face às demandas sociais.
Por mais nobres e defensáveis sejam os motivos que conduzem os legisladores,
não se atém o controle de constitucionalidade a suas razões, mas à compatibilidade do
ato legislado com as normas constitucionais.10
Em relação à segunda tese da ADI a Ministra Carmen Lúcia claramente se
mostra de acordo, e foi essa parte que garantiu a medida cautelar, visto que ali
demonstrou a necessidade de urgência. A autora concorda quanto aos grandes prejuízos
financeiros, e que os estados e municípios produtores contavam com aquelas verbas
quando fecharam o orçamento de 2013 no ano de 2012, ao contrário dos não produtores,
que tinham um orçamento planejado sem essas verbas. Além disso, em caso de
validação da lei enquanto o julgamento era aguardado, os estados produtores teriam o
prejuízo dos meses que ficaram sem receber, que não poderia ser posteriormente
compensado. É enfática a sua opinião sobre os contratos já firmados, ressaltando a
segurança para se determinar o futuro. Esse caso poderia criar insegurança, uma vez que
futuros projetos que planejam se utilizar de verbas de royalties sofreriam com a
incerteza da manutenção do mesmo. Com a alteração do destino dos royalties nos
campos já licitados pode criar-se uma insegurança para qualquer futuro orçamento. A
relatora argumenta que a alteração de contratos já firmados fere o art. 5° da
Constituição.
Aplicar a nova legislação àqueles atos e processos aperfeiçoados segundo as normas
vigentes quando de sua realização seria retroação, dotar de efeitos pretéritos atos e
processos acabados segundo o direito, em clara afronta à norma constitucional do inc.
XXXVI do art. 5º, antes mencionado.
9 Liminar da Ministra Carmen Lucia, suspendendo a lei 12.734/2012 até o julgamento da ADI 4.917,
p.10. 10
Liminar da Ministra Carmen Lucia, suspendendo a lei 12.734/2012 até o julgamento da ADI 4.917,
p.23-4.
Departamento de Ciências Sociais
12
Como indaguei em outra decisão, se nem certeza do passado o brasileiro
pudesse ter, de que poderia ele se sentir seguro no Estado de Direito? Já se disse que o
Brasil vive incerteza quanto ao futuro (o que é da vida), mas tem também insegurança
quanto ao presente (o que precisa ser depurado para que as pessoas vivam o conforto da
certeza das coisas, pois certezas das gentes não há), e o que é pior e incomum, também
tem por incerto o passado.
A expressão normativa questionada põe em ênfase este dado: não seria dever
do Estado, acatando a Constituição que tem na segurança jurídica e no respeito
incontornável e imodificável ao ato jurídico perfeito, garantir a certeza, pelo menos
quanto ao passado e acabado, como se dá com as concessões feitas?
Tem razão, no ponto, o Autor, ao requerer a suspensão de efeitos das normas
modificadas porque poderiam ser interpretadas no sentido da possibilidade de sua
aplicação imediata e com efeitos retro.
Tanto causaria insegurança jurídica, financeira e política, pelo que não podem
prevalecer as normas até o seu julgamento por este Supremo Tribunal Federal.11
Apesar da concordância com diversos argumentos utilizados pelo procurador
carioca, é importante ressaltar que os argumentos dos estados não produtores pela
validade da lei não estavam presente na ADI, e assim a Ministra Carmen Lúcia não
discute sobre eles. Outros documentos defendem a validade da lei 12.734/2012, não
sendo possível prever o resultado do julgamento. O parecer do Procurador Geral da
República (PGR) na época, Rodrigo Gurgel, foi enviado para o Supremo poucos dias
depois da concessão da liminar. Nele ele aprova a medida cautelar e defende a validade
da lei a partir de 2016, para garantir a segurança financeira daqueles que recebem os
royalties. Também defende a validade da lei, rebatendo os argumentos utilizados pelos
estados produtores para alegar inconstitucionalidade.
51. Já a percepção de que os ganhos devam ser repartidos por toda a sociedade
brasileira, a partir da distribuição dos royalties e participações especiais de outros
moldes, parece ser a base de uma política pública mais afinada com a sociedade que
deve nortear esses contratos e negócios, além de mostrar maior reverência ao objetivo
fundamental da República, no interesse de ver reduzidas as disigualdades sociais e
regionais (Constituição, art. 3°. III)
52. Não se pode desconsiderar, além disso, que estamos diante de contratos de natureza
sucessiva e pensados como acordos de longa duração. Se o contexto e a realidade
financeira atinentes à atividade se modificam no decorrer dos anos, as próprias
expectativas de ordem econômico-financeira quanto às concessões instituídas antes da
revisão legal se modificam. O que está agregado à esfera de direito dos Estados
produtores é o direito à participação na receita, a título de compensação, que não deixa
de existir.12
Posteriormente Roberto Gurgel foi substituído por Rodrigo Janot como
Procurador Geral da República. Em virtude da importância do assunto, era esperado que
o julgamento fosse realizado sem demora, o que não ocorreu. Apenas no dia 21 de
novembro de 2013 o STF pediu ao PGR e à Advocacia Geral da União (AGU) pareceres
sobre o assunto. Os pareceres foram enviados no início do ano de 2014, e os dois se
mostraram a favor da redistribuição dos royalties, negando a inconstitucionalidade da
lei. Janot seguiu o parecer de seu antecessor, e defendeu a manutenção da lei
12.734/2012, mas contrário quanto à sua aplicação imediata. Já a AGU também
defendeu a validade da lei, alegando que, como a diminuição seria feita gradualmente,
não causaria graves problemas financeiros, como havia sido alegado pelos estados
produtores. Essa posição surpreendeu diversos especialistas, uma vez que havia sido a
11
Liminar da Ministra Carmen Lucia, suspendendo a lei 12.734/2012 até o julgamento da ADI 4.917,
p.25-6. 12
Parecer do Procurador Geral da República Roberto Monteiro Gurgel Santos, do dia 8 de abril de 2013,
referente às ADIs 4.916, 4.918 e 4.920, p. 17.
Departamento de Ciências Sociais
13
AGU que orientara a Presidente da República em seu veto à mesma lei.
Com os pareceres enviados, o julgamento já pode ser posto em pauta. Nos
últimos três anos houve vários momentos em que se criou uma expectativa que o
julgamento estava próximo de ocorrer, inclusive com promessas do Presidente do STF
Ricardo Lewandowski, mas ainda não existe data para o mesmo. Com a turbulência
política vivida no último ano no Brasil, onde diversos parlamentares foram acusados de
envolvimento no escândalo de improbidade administrativa envolvendo a Petrobras,
além do processo de impeachment movido contra a Presidente Dilma Rousseff, que
ocasionou o seu afastamento, o assunto da redistribuição dos royalties perdeu
importância, tanto na mídia, como através da pressão exercida por parlamentares e
governadores para que seja realizada o julgamento da ADI.
A queda do preço do petróleo no mercado internacional
Após a crise econômica de 2008 quando os preços do barril de petróleo caíram
para menos de US$50, o mercado se estabilizou e o valor do barril voltou a crescer, até
se estabelecer acima dos US$100 a partir de 2011. Por diversas vezes o preço do barril
de petróleo se aproximou e até ultrapassou a marca de US$120, e se manteve durante
mais de três anos variando entre essas duas faixas de preço, indicando que permaneceria
assim. Foi nesse cenário otimista que foram aprovadas as leis alterando o modelo de
exploração nas áreas estratégicas, e de redistribuição dos royalties.
Na metade de 2014 o preço do barril de petróleo no mercado internacional
começou a cair, chegando a ficar abaixo de US$50 em janeiro de 2015. Apesar de ter se
recuperado ficando próximo de US$60 no primeiro semestre de 2015, voltou a cair no
segundo semestre chegando abaixo dos US$30 no começo de 2016. Novamente
apresentou um pequeno crescimento até se estabelecer próximo aos US$50 entre abril a
junho de 2016.
Apesar de não ser possível prever os rumos que o preço do barril de petróleo vai
tomar, a realidade é que o mercado de hidrocarbonetos não é mais o mesmo que era a
cinco anos atrás, a relação entre oferta e demanda se alterou em diversos fatores, o que
deve impedir que no curto e médio prazo o barril volte a custar mais de US$100. A
produção de gás xisto nos Estados Unidos foi o principal fator para o elevado
crescimento da oferta de hidrocarbonetos no mercado internacional. Além disso o fim
das sanções econômicas impostas ao Irã por conta do seu programa nuclear fez com
quem esse país voltasse a exportar petróleo para potências econômicas, principalmente
para a Europa, aumentando ainda mais a oferta. A demanda também se reduziu pela
diminuição da importação, principalmente dos países emergentes, com destaque para a
China. Por fim, também ocorreu uma alteração na política econômica de membros da
OPEP. Em entrevista a Veja em fevereiro de 2015, o economista americano Daniel
Yergin afirmou:
Mas o mais interessante nesse movimento é que a política do petróleo também mudou.
Por muitas décadas, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes foram o que chamamos de swing
producers, países capazes de definir os níveis de preço do combustível fóssil aumentando ou
reduzindo a produção de suas reservas gigantescas. Pois bem, na reunião da Opep do fim do ano
passado, os árabes anunciaram que não vão mais desempenhar esse papel e que caberá ao
mercado encontrar seu ponto de equilíbrio. Fizeram isso porque, se reduzissem a produção para
acompanhar a queda na demanda, criariam uma oportunidade para que países vizinhos como
Iraque ou Irã abocanhassem um pedaço do seu mercado. Com toda a turbulência no Oriente
Médio, eles parecem ter concluído que a estratégia de mercado livre atendia melhor aos seus
interesses do que deixar a porta aberta para que vizinhos hostis pudessem se aproveitar. Em
Departamento de Ciências Sociais
14
resumo, mudaram os níveis de produção, mudou a geopolítica.13
Petróleo Brent dados históricos em dólares14
Data Último Máxima Mínima Var%
Jun 16 49.68 52.86 46.69 -0.02%
Mai 16 49.69 50.51 43.33 3.24%
Abr 16 48.13 48.50 37.27 21.54%
Mar 16 39.60 42.54 35.95 10.09%
Fev 16 35.97 37.00 29.92 3.54%
Jan 16 34.74 38.99 27.10 -6.81%
Dez 15 37.28 45.18 35.98 -
16.43%
Nov 15 44.61 50.91 43.15 -9.99%
Out 15 49.56 54.05 46.41 2.46%
Set 15 48.37 53.47 45.98 -
10.67%
Ago 15 54.15 54.32 42.23 3.72%
Jul 15 52.21 63.35 51.63 -
17.90%
Jun 15 63.59 66.36 60.94 -3.00%
Mai 15 65.56 69.63 61.24 -1.83%
Abr 15 66.78 66.93 54.00 21.18%
Mar 15 55.11 62.50 52.50 -
11.94%
Fev 15 62.58 63.00 51.41 18.10%
Jan 15 52.99 58.54 45.19 -7.57%
Dez 14 57.33 73.03 55.81 -
18.28%
Nov 14 70.15 86.40 69.78 -
18.30%
Out 14 85.86 96.23 82.60 -9.31%
Set 14 94.67 103.30 94.24 -8.26%
Ago 14 103.19 106.85 101.07 -2.67%
Jul 14 106.02 112.83 104.39 -5.64%
Jun 14 112.36 115.71 107.77 2.70%
Mai 14 109.41 111.04 106.85 1.24%
Abr 14 108.07 110.65 103.95 0.29%
13
YERGIN, Daniel. Entrevista a revista Veja; publicado em 1 de fevereiro de 2015, link:
http://veja.abril.com.br/economia/a-nova-era-do-petroleo-comecou/ Acesso em: 21 jul 2016 14
Tabela 2- Retirada do site br.investing.com; link: http://br.investing.com/commodities/brent-oil-
historical-data. Acesso em: 24 jul 2016.
Departamento de Ciências Sociais
15
Data Último Máxima Mínima Var%
Mar 14 107.76 112.39 105.41 -1.20%
Fev 14 109.07 110.82 105.40 2.51%
Jan 14 106.40 111.35 105.44 -3.97%
As compensações financeiras resultantes da exploração de hidrocarbonetos
tiveram significativa redução com essa queda do preço do barril. Os royalties devem
corresponder a 10% da produção em cada jazida, onde o valor relativo a essa
porcentagem é estipulado pela ANP para cada campo dependendo da qualidade do
petróleo extraído com relação ao petróleo brent, resíduos mais pesados valem menos
que os mais leves. Com a queda do preço do barril, o valor pago pelos royalties também
reduzem. Segundo dados do ministério de minas e energia, obtidos através do boletim
de exploração e produção de petróleo e gás natural edição n° 48, relativo ao mês de
fevereiro, foi arrecadado no ano de 2015 R$ 5,5 milhões a menos do que em 2014. No
caso da participação especial o valor reduziu R$ 6 milhões. Os royalties arrecadados em
fevereiro de 2016 somaram R$ 875 milhões, 2,2% menor do que em janeiro, e 26,95%
menor do que em fevereiro de 2015. A queda só não foi maior porque a produção de
petróleo aumentou de 2014 para 2015, associada a uma desvalorização do dólar com
relação ao real, o que faz aumentar o valor do barril na moeda brasileira. Para 2016 a
perspectiva é de nova redução, como já demonstra a queda de arrecadação em fevereiro
de 2016 com relação a fevereiro de 2015. A perspectiva é que não tenha um aumento na
produção de petróleo, e a média do preço do barril no primeiro semestre de 2016 é
menor do que em 2015.
.
15
15
Tabela 3 e tabela 4- retiradas do boletim de exploração e produção de petróleo e gás natural edição n°
48, link:
http://www.mme.gov.br/documents/10584/2181192/Boletim+de+Explora%C3%A7%C3%A3o+e+Produ
%C3%A7%C3%A3o+de+Petr%C3%B3leo+e+G%C3%A1s+Natural+n%C2%BA+48+-
+abril/85bd53d5-ca69-4966-9a51-cc83c433cac2?version=1.0 Acesso: 27 de jul de 2016
Departamento de Ciências Sociais
16
16
O governo do Rio de Janeiro, além de diversos munícipios do estado, tem suas
arrecadações muito dependentes dos royalties, e foram duramente afetados por essa
redução. O valor arrecadado com os royalties já estão destinados a pagar compromissos
financeiros, e com essa redução a dívida aumenta, como em relação ao pagamento do
salário dos aposentados e pensionistas em 2016. O site G1, usando valores divulgados
pela ANP, estima que o rio arrecadou 900 milhões a menos em 2015 em comparação a
2014, apenas com relação aos royalties. O jornal Folha de São Paulo, também utilizando
dados da ANP, aponta que em 2014 foi arrecadado R$ 8,7 bilhões pelo estado e
munícipios do estado do Rio de Janeiro referentes a produção de petróleo, valor que
reduziu para 5,3 bilhões em 2015 e que tem a estimativa de reduzir 4,5 milhões para
2016. A grave situação econômica que passa o estado carioca, que decretou estado de
calamidade pública em junho de 2016, tem como uma das principais consequências essa
redução nos royalties arrecadados. Apesar disso, a queda do preço do barril ocorre desde
meados de 2014, o que tornava esperado a redução também dos recursos originados pela
exploração de hidrocarbonetos. Os royalties são um recurso que tem uma baixa
estabilidade, pois dependem do preço de um recurso natural especifico, o petróleo, e o
Brasil tem pouca influência no valor desse produto. Portanto depender desse recurso
para gastos essenciais se mostra uma grande irresponsabilidade, como visto no caso
carioca.
Além da redução nos royalties arrecadados, a queda do preço do barril de
petróleo também atrai menos investidores para licitações dos campos do pré-sal. O
leilão do campo de Libra, onde houve participação reduzida de empresas estrangeiras e
o consórcio vencedor destina a mínima quantidade possível de barris de petróleo a
União, 41,65%, mostra que o interesse internacional não foi tão grande como era
esperado. Esse novo cenário coloca em dúvida a viabilidade do modelo de partilha, e até
mesmo a rentabilidade dos campos do pré-sal. Alguns parlamentares alegaram que o
modelo poderia ser revisto, mas com o turbulento ano de 2016 com relação ao cenário
político, o assunto saiu de pauta, o que não impede que retorne em um futuro próximo.
O elevado custo de exploração dos campos na região do pré-sal também trazem riscos
para as empresas que desejam investir na exploração. Com o baixo preço do petróleo o
retorno do investimento não é uma certeza, principalmente pelo elevado poder do
governo brasileiro na tomada de decisão de estratégias de produção. Julio Bueno, em
artigo publicado no site do governo do estado quando ainda era ministro de
desenvolvimento econômico, energia, indústria, e serviços do estado do Rio de Janeiro,
alega que a estimativa do preço do barril de petróleo para viabilidade de produção dos
16
Gráfico 1- retirada do boletim de exploração e produção de petróleo e gás natural edição n° 48, link:
http://www.mme.gov.br/documents/10584/2181192/Boletim+de+Explora%C3%A7%C3%A3o+e+Produ
%C3%A7%C3%A3o+de+Petr%C3%B3leo+e+G%C3%A1s+Natural+n%C2%BA+48+-
+abril/85bd53d5-ca69-4966-9a51-cc83c433cac2?version=1.0 Acesso: 27 de jul de 2016
Departamento de Ciências Sociais
17
campos do pré-sal era de US$45, o que pode inviabilizar a produção na cotação do
petróleo atual.17
Petrobras
A queda do preço do petróleo já seria um fator que afetaria a Petrobras e a sua
capacidade de investimento. Além disso a desvalorização do real em ralação ao dólar,
apesar de elevar o preço do barril na moeda brasileira, prejudica a empresa a realizar
investimentos em produtos e projetos financiados em dólar. Mas dificilmente um desses
dois fatores teve peso maior na desvalorização da Petrobras que o escândalo de
improbidade administrativa que envolveu a empresa a partir da divulgação das
investigações realizadas pela polícia federal, conhecida como lava-jato, que acusou e
prendeu diversos funcionários da empresa, políticos e associados, acusados de
corrupção, lavagem de dinheiro, formação de organização criminosa, entre outros
crimes.
Com os escândalos a empresa passou por uma reformulação mudando seu
presidente e iniciando um plano para reduzir os prejuízos que a companhia vinha
sofrendo. Graça Foster foi substituída por Aldemir Bendine, que anunciou que a
Petrobras reduziria seus investimentos. Em janeiro de 2016 a empresa anunciou uma
redução de 24,5% na sua meta de investimento para o período 2015-2019, o que
representa menos US$32 bilhões de gastos. Dos US$ 98 bilhões que ainda planeja
investir, a maior parte vai ser destinado ao pré-sal. Em maio de 2016 Bendine foi
substituído por Pedro Parente na presidência da empresa, que continua com grande
endividamento e sofrendo com a sua desvalorização.
Com essas alterações ocorridas, a obrigatoriedade de participação mínima de
30% da Petrobras em todos os campos do pré-sal, que tinha como objetivo fortalecer a
companhia, acaba se tornando um fardo, contribuindo ainda mais para o endividamento
da empresa. O senador José Serra, PSDB, apresentou um projeto de lei para acabar com
essa obrigatoriedade, e Ricardo Ferraço, PMDB, incluiu uma emenda tornando essa
obrigatoriedade uma preferência, mas que a empresa tivesse a oportunidade de escolher
não participar do consórcio em determinados campos que não tenha interesse. A
proposta foi aprovada no Senado em fevereiro de 2016 e seguiu para a Câmara, onde
ainda aguarda votação.
Conclusão
As divisões orçamentárias decididas na Constituição Federal de 1988 foram
fruto de longas negociações, onde diversos assuntos foram tratados concomitantemente,
baseado numa política de equilíbrio. Cada estado foi beneficiado em alguns pontos em
detrimento de outros para que nenhum fosse prejudicado. A alteração de um desses
assuntos em separado, como foi o caso dos royalties, causa um desequilíbrio pode
causar um desequilíbrio entre as arrecadações dos diferentes estados. Esse tratamento
separado das questões tributárias ocorre pelo receio do Governo Federal em realizar
uma reforma no federalismo fiscal, com temor da União perder recursos.
Após mais de seis anos desde que o assunto da redistribuição dos royalties
começou a ser tratada no Congresso Federal, e mais de dois anos que ela foi pro STF, o
conflito continua sem um desfecho. Com a lentidão para a entrada de pauta da ADI
4.917 no STF, o julgamento vai ocorrer, quando ocorrer, em um contexto diferente
daquele onde a lei foi aprovada. Foi estabelecido que as reduções de participação dos
17
BUENO, Julio; O que esperar do preço do petróleo no longo prazo?; link:
http://www.riocapitaldaenergia.rj.gov.br/site/conteudo/Artigo.aspx?C=l%2BuNPlYh01Q%3D
Acesso: 27 jul 2016
Departamento de Ciências Sociais
18
estados e munícipios seria gradativa, reduzindo ano após ano para atenuar o prejuízo
dos estados produtores. Como se estimava que a quantidade de campos explorados iria
crescer no Brasil, a tendência eram os royalties continuarem a ter elevado crescimento,
assim como a participação especial, visto que os campos geravam cada vez mais lucros.
Era com essa projeção de lucro que se pretendia evitar os prejuízos aos estados e
munícipios produtores, pois apesar de terem seus percentuais reduzidos gradualmente, o
aumento do valor total de royalties a ser distribuído iria crescer e essas reduções
percentuais dos estados e municípios produtores seriam compensadas por uma maior
arrecadação do total de royalties arrecadados com a exploração de hidrocarbonetos. A
realidade é completamente diferente do imaginado na época, e se os estados produtores
já estão tendo sua arrecadação reduzida no cenário atual, se fosse mantido a
redistribuição aprovada na lei 12.734/2012 o prejuízo seria ainda mais intenso. Se fosse
estabelecido apenas a mudança na distribuição do royalties nos contratos de exploração
dos campos que ainda não foram assinados, proposta que seria um meio termo entre os
desejos dos estados produtores e dos não produtores, surtiria pouco efeito no momento,
pois a exploração nos campos do pré-sal vai demorar mais do que o calculado em 2012.
O mercado de petróleo é extremamente volúvel, apresentando uma montanha
russa dos preços nos últimos 60 anos.18
Os recursos oriundos do mesmo deveriam,
portanto, se destinar a projetos especiais, e não ser comprometido para o pagamento de
despesas essenciais, como funcionários públicos e aposentados, pois são recursos que
podem apresentar elevada diminuição em poucos meses, e nesses casos essas despesas
essenciais não são pagas. O fato do preço do barril de petróleo se manter estável por
alguns anos não significa que ele vai permanecer assim no médio e até no curto prazo.
Apesar de existirem previsões, esse é um mercado que depende de muitas variáveis,
políticas inclusive, o que torna impossível ter certeza absoluta dos rumos que o valor
dos hidrocarbonetos podem tomar. Descobertas de novas jazidas e tecnologias podem
alterar a proporção do mercado, como foi o caso da exploração de gás xisto nos EUA.
A lei 12.734/2012 foi aprovada sem ser levado em conta a possibilidade de
redução dos royalties, e se não houvesse ocorrido a liminar suspendendo a mesma, era
capaz de estar sendo revista no Congresso, pois colocaria os estados produtores numa
crise maior que a atual. A lei 12.351/2010 já está tendo que ser revista, pois não foi
calculado que a Petrobras poderia se desvalorizar tanto, e nem ver sua dívida crescer até
o ponto que cresceu, obrigando a empresa a lançar um plano de desinvestimento. A
expectativa era de grandes lucros, e que as licitações atrairiam muitas empresas
estrangeiras. Com uma realidade muito diferente da que era prevista na época para o
mercado de hidrocarbonetos, o pré-sal ficou bem menos atrativo, e a Petrobras bem
menos capaz de investir. Essas duas leis demonstram que o Congresso Federal
apresentava um otimismo com relação à manutenção do preço do petróleo que era irreal,
pois esse valor sempre se alterou muito ao longo dos anos. A especificidade das leis
criadas faz com que elas só tenham serventia dentro de um cenário também específico,
que quando se altera faz com que as leis apresentem diversas complicações.
Bibliografia
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. link:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em:
22 julho 2016.
18
MÁRTIL, Ignacio; La historia del precio del petróleo: subidos a uma montaña rusa. Feb 2016. Link:
http://blogs.publico.es/econonuestra/2016/02/13/la-historia-del-precio-del-petroleo-subidos-a-una-
montana-rusa/ Acesso em: 25 jul 2016
Departamento de Ciências Sociais
19
BUENO, Julio; O que esperar do preço do petróleo no longo prazo?; link:
http://www.riocapitaldaenergia.rj.gov.br/site/conteudo/Artigo.aspx?C=l%2BuNP
lYh01Q%3D Acesso: 27 julho 2016
CLARA, Yanna; O balanço do plano de desinvestimento da Petrobras e o
que esperar para o mercado de combustíveis; maio de 2016; link:
https://infopetro.wordpress.com/2016/05/16/o-balanco-do-plano-de-
desinvestimento-da-petrobras-e-o-que-esperar-para-o-mercado-de-combustiveis/
Acesso em: 22 de julho de 2016
ISMAEL, Ricardo. Governos Estaduais no Ambiente Federativo
Inaugurado pela Constituição Federal de 1988: Aspectos Políticos e
Institucionais de uma Atuação Constrangida. Rio de Janeiro, IPEA, TD número
1907, dezembro de 2013
MÁRTIL, Ignacio; La historia del precio del petróleo: subidos a uma
montaña rusa; Fevereiro 2016. Link:
http://blogs.publico.es/econonuestra/2016/02/13/la-historia-del-precio-del-
petroleo-subidos-a-una-montana-rusa/ Acesso em: 25 jul 2016
TROJBICZ, Beni & LOUREIRO, Maria Rita. Trajetória do marco regulatório
do petróleo no Brasil: 1997 – 2010. In: IX Encontro da ABCP, Brasília, DF, 04
a 07 de agosto de 2014.
SILVA, Roberta R. Marques. A trajetória institucional da tributação no
Brasil. In: IX Encontro da ABCP, Brasília, DF, 04 a 07 de agosto de 2014.
Petrobras; Ajustes no plano de negócios e gestão 2015-2019; link:
http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/ajustes-no-plano-de-negocios-e-
gestao-2015-2019-1.htm Acesso em: 21 de julho de 2016
Petrobras; Plano de negócio e gestão; link:
http://www.investidorpetrobras.com.br/pt/apresentacoes/plano-de-negocios-e-
gestao
Petrobras; Conheça nossos destaques no ano de 2015; link:
http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/conheca-nossos-destaques-no-ano-
de-2015.htm
G1; Arrecadação com royalties do petróleo cai 25% em 2015; 14 de janeiro de
2016; link: http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/01/arrecadacao-com-
royalties-do-petroleo-cai-25-em-2015.html Acesso em: 26 de julho de 2016
Arquivos do jornal O Globo:
Petrobras precisará desinvestir mais nos próximos anos, diz consultoria do setor
de energia; 8 de junho de 2016; link:http://oglobo.globo.com/economia/petroleo-
e-energia/petrobras-precisara-desinvestir-mais-nos-proximos-anos-diz-
consultoria-do-setor-de-energia-16381587 Acesso em: 24 de julho de 2016
Petrobras planeja vender até 180 campos que já estão produzindo; 8 de outubro
de 2015, link: http://oglobo.globo.com/economia/petroleo-e-energia/petrobras-
planeja-vender-ate-180-campos-que-ja-estao-produzindo-17720688 Acesso em:
24 de julho de 2016
Departamento de Ciências Sociais
20
Queda de receitas e aumento de gastos estão entre as causas da crise; 20 de
junho de 2016; link: http://oglobo.globo.com/rio/queda-de-receitas-aumento-de-
gastos-estao-entre-as-causas-da-crise-19541577 Acesso em: 25 de junho de 2016
Queda nos royalties do petróleo gera crise nas cidades do Rio; 28 de fevereiro de
2016, link: http://oglobo.globo.com/rio/queda-de-receitas-aumento-de-gastos-
estao-entre-as-causas-da-crise-19541577 Acesso em: 25 de junho de 2016
Pezão pede ao STF rapidez no julgamento sobre royalties do petróleo; 14 de
janeiro de 2016; link: http://oglobo.globo.com/rio/pezao-pede-ao-stf-rapidez-no-
julgamento-sobre-royalties-do-petroleo-18478236 Acesso em: 25 de junho de
2016
Arquivos do jornal Folha de São Paulo:
ANP retoma revisão do cálculo dos royalties do petróleo; 25 de maio de 2016;
link: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/05/1774738-anp-retoma-
revisao-do-calculo-dos-royalties-do-petroleo.shtml Acesso em: 25 de julho de
2016
Rio vai receber mais royalties do petróleo a partir de 2017, prevê ANP; 25 de
junho de 2016; link: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/06/1785491-
rio-vai-receber-mais-royalties-do-petroleo-a-partir-de-2017-preve-anp.shtml
Acesso em: 25 de julho de 2016
Queda do petróleo pesa mais que redistribuição dos royalties; 20 de junho de
2016; link: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/06/1783461-queda-do-
petroleo-pesa-mais-que-redistribuicao-dos-royalties.shtml Acesso em: 26 de
julho de 2016
Petrobras prevê cortes em plano de negócios e ações despencam; 13 de janeiro
de 2016; link: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/01/1728849-
petrobras-preve-cortes-em-plano-de-negocios-e-acoes-despencam.shtml Acesso
em: 25 de julho de 2016
Arquivos da revista Carta Capital:
A Petrobras, diante de uma nova realidade; 13 de agosto de 2015; link:
http://www.cartacapital.com.br/revista/857/a-conta-gotas-3785.html Acesso em: 26 de
julho de 2016
A crise dentro da crise; 31 de janeiro de 2016; link:
http://www.cartacapital.com.br/revista/885/a-crise-dentro-da-crise Acesso em:
26 de julho de 2016
Royalties: entenda a polêmica sobre o destino dos recursos petrolíferos; 19 de outubro de
2015; link: http://www.cartacapital.com.br/especiais/infraestrutura/royalties-entenda-a-
polemica-sobre-o-destino-dos-recursos-petroliferos-5459.html Acesso em: 26 de julho de
2016