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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL PROGRAMA DE PS- GRADUAO EM BOTNICA
Gabriela Coelho de Souza
EXTRATIVISMO EM REA DE RESERVA DA BIOSFERA DA MATA ATLNTICA NO RIO GRANDE DO SUL: UM ESTUDO ETNOBIOLGICO EM
MAQUIN
Tese apresentada ao Programa de Ps-graduao em Botnica para obteno do ttulo de Doutor em Botnica, rea de concentrao: Etnobotnica.
Orientadora: Prof. Dra. Elaine Elisabetsky
Porto Alegre, 2003
ii
Dedico este trabalho, fruto de alguns anos de minha vida, s mulheres autnticas e corajosas que me imprimiram marcas durante esta etapa. s minhas mestras Elaine Elisabetsky, Eneida Dreher,
iii
Romarise Klein, Rafinha, Maria da Paz Peixoto, Cludia Sachs e em especial a minha me, Marta Peixoto, a mulher mais presente e marcante da minha vida.
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AGRADECIMENTOS A elaborao e execuo desta tese no poderia ser possvel se no fosse o apoio de diversos amigos e colaboradores. Sou especialmente grata a minha orientadora, Prof. Dra Elaine Elisabetsky, por ter abraado todas as idia que este trabalho inclui. Pelo carinho, apoio, pacincia e orientao, principalmente nos momentos mais crticos. Rumi Kubo pela parceria... por termos idealizado, planejado e concretizado o Projeto Samambaia-preta juntas. Isto inclui tambm o planejamento de alguns rumos da prpria Anama, pois acreditamos que os projetos da Ong somente seriam concretizados se fossem aliados a projetos junto Universidade. Tambm agradeo disponibilizao das fotos, emprstimo de bibliografia, auxlio nos recursos visuais da apresentao da defesa. Anama por ter me apresentado Maquine. Aos companheiros Marco Perotto, Cludia Schirmer e Cristina Baldauf pelo apoio logstico, trabalho em conjunto com o Projeto Samambaia-preta e esclarecimentos sobre a lgica local. equipe do Projeto Samambaia-preta, Prof. Dr. Lovois Miguel, Rafael Ribas, Tnia Serafini, Marcelo Farias, Cleonice Karzmirczac, Ana Cristina Brando Dourado, Rumi Kubo, Jair Kray, Claudia Schirmer, Leonardo Guimares, Luciane Correa, Ana Paula Schulte Haas, pela parceria, discusses, competncia e produtividade. Tambm, pelo aprendizado das delcias e dissabores do trabalho em grupo. Aos colegas de campo, Tnia Serafini, Marcelo Farias, Cleonice Karzmirczac, Ana Cristina Brando Dourado, Rumi Kubo, Jair Kray, Claudia Schirmer, Leonardo Guimares, Luciane Correa pela parceria na execuo dos trabalhos forados de campo e dos outros nem to forados assim... esta experincia fez da gente uma bela famlia. Saudades... Rafinha, Nei, Lisiane e Mriam pela hospedagem, hospitalidade e convvio nos Fundos da Solido. Foram momentos especiais... comunidade dos Fundos da Solido e Espraiado, em especial ao Seu Lidorino e Dona Maria, Dona Otlia, Seu Renato e Maria, Dona Lina, Seu Reduzino, Seu Armandio, Seu Olmpio, Romarise Klein e Roberto, Simone e Ivone Castro, Regina, D. Vitria e Ivone Dias e s inmeras crianas pelo convvio, pelas festas, danas e cantorias. Por me ensinarem e compartilharem comigo os seus valores e por acreditarem no Projeto Samambaia-preta. Sou tambm grata aos professores que ao longo do estudo contriburam com discusses sobre os diversos temas. Em especial ao professor Lovois de Andrade Miguel, do PGDR-UFRGS, tambm pelo emprstimo de bibliografia e apoio s aes do Projeto Samambaia-preta Artesanato. Ao Prof. Dr. Kageyama pelas contribuies, discusses e interesse pelo Projeto Samambaia-preta, o que deu visibilidade ao Projeto junto Universidade. Prof. Gilsane Lino Von Poser, da Faculdade de Farmcia da UFRGS, pela disponibilidade e carinho, alm das discusses e estabelecimento de
5
metodologias. Prof. Elfrides Schapoval, da Faculdade de Farmcia da UFRGS, pelo apoio logstico ao estudo antimicrobiano. s minhas bolsistas e companheiras: Ana Paula Schulte Haas, graduanda do Curso de Farmcia, pela pacincia, competncia, por abraar todos os pepinos farmacuticos (que no foram poucos!) e vestir a camiseta fazendo de sua monografia de concluso de curso a categorizacao de TODAS as espcies citadas pelo Manual das Bruxinhas de Deus; Ana Cristina Brando Dourado, pedagoga fiel companheira de campo que foi a todas as indiadas, abraando sem pestanejar o Projeto Samambaia-preta Artesanato, quando ele era ainda apenas um delrio; Luciane Correa, que chegou por ultimo (mas mesmo assim no teve pouco trabalho), por organizar todo material de coletas vegetais deste estudo, emprestar sua pacincia e seu dom artstico confeco das exsicatas. equipe do Projeto Samambaia-preta Artesanato, Ana Cristina Brando Dourado, Fabiana Silva e Rumi Kubo pela parceria e dedicao. Ao Slvio Lovato pelo design do logotipo do Projeto Samambaia-preta. Aos colegas do herbrio, em especial Regina Lerina pela pacincia, colaborao e apoio na etapa de organizao e catalogao das exsicatas. Ardi e Dilma Nascente pela disponibilidade e auxlio nas consultas biblioteca. Empresa Maia Meio Ambiente pelo apoio logstico durante a fase final. Aos amigos Leandro Valiente e Marcos Vincius Lisenfeld pelo apoio na fase de redao e formatao das figuras. Marta Peixoto pelo apoio, carinho e dedicao... pela reviso gramatical e ortogrfica. Sueli Cassal pela colaborao nesta etapa. Ao Jos Peixoto Coelho de Souza pelo auxlio nos abstracts. Ao Rodrigo Magalhes pelo apoio, pacincia, discusses e ensino de que a vida um ato cotidiano.
6
SUMRIO Resumo_______________________________________________________________________v
Abstract_______________________________________________________________________vi
1. Introduo___________________________________________________________________1
1.1. Biodiversidade e conservao__________________________________________________1
1.2. Conveno da Biodiversidade__________________________________________________3
1.3. Mata Atlntica_______________________________________________________________4
1.3.1 Reserva da Biosfera da Mata Atlntica___________________________________________ 5
1.3.2 Populaes tradicionais em rea de Mata Atlntica___________________________________7
1.3.2.1 Mby-Guarani____________________________________________________________7
1.3.2.2 Quilombolas________________________________________________________________9
1.3.2.3 Aorianos__________________________________________________________________9
1.4. Extrativismo_______________________________________________________________10
1.4.1 Definio________________________________________________________________10
1.4.2 Principais famlias botnicas de utilizao econmica_____________________________11
1.4.2.1 extrativismo de palmito em rea de Mata Atlntica______________________________13
1.4.2.2 sustentabilidade do extrativismo_____________________________________________15
2. Contexto scio-ambiental da rea de estudo_______________________________________17
3. Objetivos___________________________________________________________________27
4. Artigo I - Extrativismo de samambaia- preta (Rumohra adiantiformis (G. Forst.) Ching) em
reas de Mata Atlntica no Rio Grande do Sul________________________________________29
5. Artigo II - Desenvolvimento sustentvel na encosta da Mata Atlntica do RS: aspectos
etnoecolgicos de espcies vegetais usadas em artesanato______________________________45
6. Artigo III - Farmcias Caseiras Comunitrias do municpio de Maquin (RS): uma avaliao
etnofarmacolgica_______________________________________________________________63
7. Artigo IV - Ethnopharmacological studies of antimicrobial remedies in the south of Brazil______85
8. Discusso__________________________________________________________________110
8.1. A questo do artesanato______________________________________________________111
8.2. A questo do extrativismo_______________________________________________________118
9. Concluses_________________________________________________________________________123
10. Referncias Bibliogrficas____________________________________________________________127
Anexo I - Legislao ambiental___________________________________________________________134
Anexo II Reportagens referentes ao extrativismo de R. adiantiformis________________________147
Anexo III - Artesanatos produzidos pelas artess do Projeto Samamabaia-preta Artesanato_____155
ndice Remissivo________________________________________________________________158
7
RESUMO As frondes de Rumohra adiantiformis (G.Forest.) Ching, conhecida como
leatherleaf, seven-weeks-fern ou samambaia-preta, so usadas
mundialmente em arranjos florais. Na frica do Sul e Brasil o comrcio da
espcie baseado no extrativismo. No Brasil a coleta realizada em reas de
Mata Atlntica, sendo que 50% da produo provm das reas de capoeira das
encostas da Serra Geral no Rio Grande do Sul (RS). Atualmente, cerca de
2.000 famlias de agricultores familiares vivem nestas reas, tendo no
extrativismo sua principal fonte de renda. No entanto no RS a coleta, o
comrcio e o transporte de plantas ornamentais nativas so proibidos, j que
nesta zona de transio da Reserva da Biosfera da Mata Atlntica (Maquin,
RS) h grandes restries quanto explorao dos recursos naturais. O xodo
rural e o prprio extrativismo estabelecido a partir da dcada de 70, permitiram
a regenerao da Floresta Ombrfila Densa. Como a espcie caracterstica
de estgios sucessionais iniciais, a regenerao florestal est levando
diminuio dos estoques naturais. Este trabalho se props a identificar
alternativas econmicas para diversificao da economia de famlias de
extrativistas, no intuito de minimizar a tenso associada diminuio dos
estoques naturais de samambaia-preta, s dificuldades no manejo da terra e
legislao ambiental. Junto comunidade extrativista do distrito de Solido
(Maquin) foram coletados dados etnobiolgicos sobre plantas medicinais e
plantas relacionadas ao artesanato. As principais espcies identificadas foram:
Bambusa tuldoides (taquareira, colmo), Clytostoma sciuripabulum (cip-branco,
caule), Cyperus prolixus (tiririca, partes areas), Musa acuminata (bananeira,
palha), Scirpus californicus (junco, partes areas), Typha dominguensis (taboa,
partes areas), sendo que Macfadyena dentata (cip-unha-de-gato, caule),
Roupala brasiliensis (carvalho-brasileiro, folhas) e Tillandsia usneoides (barba-
de-pau, planta inteira) so as espcies prioritrias para a avaliao da
sustentabilidade do extrativismo. Os dados etnobiolgicos e ecolgicos
mostram que possvel estabelecer o manejo sustentvel da R. adiantiformis.
8
Os maiores entraves para o estabelecimento do manejo sustentado para as
espcies identificadas incluem: a) estabelecer as bases de manejo sustentvel
destas espcies; b) compatibilizar esta atividade extrativista com o atual Cdigo
Florestal Estadual. Plantas medicinais no parecem ser uma alternativa vivel
a curto prazo, enquanto o artesanato requer a adequao da atividade
artesanal no meio rural com os direitos aposentadoria rural.
9
ABSTRACT
The fronds of (Rumohra adiantiformis (G.Forest.) Ching), known as
leatherleaf, seven-weeks-fern or samambaia-preta (black fern), are used
worldwide as florists greenery. In South Africa and Brazil the trade of this
species is based on extractivism. In Brasil collections are made in the Atlantic
Rainforest, with 50% of the production coming from areas of seconday forest in
the slopes of Serra Geral no Rio Grande do Sul (RS). Currently, some 2.000
families of farmers live in such areas, and have in the extractivism its major
source of income. Nevertheless, in the state of RS the collection, commerce
and transport of ornamental native species are prohibited, since in this area
considered a transition zone for the Biosphere Reserve of the Atlantic
Rainforest (Maquin, RS) restrictions to the exploitation of natural resources
are strict. The rural exodus and the very extrativism established since the 70s
allowed for the regeneration of the Atlantic Rain Forest. Since the species is
characteristic of the early stages of succession, the forest regeneration is
leading to a decrease of natural stocks. This study was aimed to identify
alternatives for diversifying the local family economy, needed for minimizing the
tension associated with the diminishing resources of samambaia-preta, the
difficulties in land management and the environment legislation. Working closely
with the extractive community in Solido (Maquin) ethnobiological data
associated with medicinal plants and with species useful for art craft were
collected. The most important species identified were: Bambusa tuldoides,
Clytostoma sciuripabulum, Cyperus prolixus, Musa acuminata, Scirpus
californicus and Typha dominguensis. Ethnobiological and ethnoecological data
show that it is possible to establish a sustainable management of R.
adiantiformis. The principle obstacles for this establishment include: a) to
establish the basis for the sustainable collection of this species, and b) to
harmonize this extractive activity with the current forest legislation at the State
level. Medicinal plants do not seem to be a likely alternative in the short term
future, whereas art craft activities require that art craft in rural areas are made
compatible with the rights for retirement benefits.
10
1.1. BIODIVERSIDADE E CONSERVAO
A Conveno da Diversidade Biolgica (CDB) define a biodiversidade
como a variabilidade de organismos vivos de todas as origens,
compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros
ecossistemas aquticos e os complexos ecolgicos de que fazem parte,
compreendendo ainda a diversidade dentro de espcies, entre espcies e de
ecossistemas (Diegues & Arruda, 2001). Segundo Solbrig (1991),
biodiversidade representa a variedade de organismos existentes no planeta e
inclui alm da diversidade de espcies a diversidade gentica e a diversidade
de ecossistemas.
O Brasil possui, atualmente, cerca de 3,6 milhes de quilmetros
quadrados de florestas, sendo o pas de maior cobertura da floresta tropical
(Capobianco, 2001). Estima-se que se encontra no territrio brasileiro cerca de
20% do nmero total de espcies do planeta, o que o coloca no grupo dos
pases megadiversos (Mittermeier et al., 1992). Com relao s plantas
superiores, as estimativas mais aceitas sugerem que existam entre 55 mil e 60
mil espcies (22 a 24% do total mundial). Deste total, as projees apontam
que a Mata Atlntica possui cerca de 20.000 espcies, ou seja, 33 e 36% das
existentes no pas (Capobianco, 2002). Com relao fauna, foram descritas
524 espcies de mamferos (131 endmicos), 517 anfbios (294 endmicos),
1622 aves (191 endmicas), 468 rpteis (172 endmicos), 3 mil espcies de
peixes de gua doce e de 10 a 15 milhes de espcies de insetos (Azevedo,
2000).
A perda da diversidade biolgica o processo mais importante de
mudana ambiental porque o nico que totalmente irreversvel (Wilson,
1989). O crescimento explosivo das populaes humanas, especialmente em
pases tropicais, est levando destruio de habitats naturais num ritmo
bastante acelerado, quer seja pela fragmentao florestal, como pela expanso
dos centros urbanos (Wilson, 1997, Viana et al., 1997).
Segundo Gottlieb et al. (1996), a interferncia humana, na natureza,
chegar a causar megaextines, mas no o conceito de diversidade que
considerado importante nem sequer compreendido pela humanidade e, sim, o
sentido de utilidade desta diversidade. A biodiversidade imprescindvel para a
11
manuteno da diversidade gentica, a qual a fonte de toda seleo natural
(frente a mudanas do meio) e artificial, como a domesticao de espcies e a
Biotecnologia (Ehrlich, 1988).
A biodiversidade in situ ainda existente garante a sobrevivncia de
inmeras populaes tradicionais (Balick & Beck, 1990; Prance, 1991) que
dependem de espcies com fins medicinais, alimentcias, txteis, artesanais,
mgicos e religiosos. Tais espcies possuem potencial para alcanar um
grande valor na economia mundial. Alm disso, a cincia est descobrindo
novas utilizaes para a diversidade biolgica, que podem aliviar tanto o
sofrimento humano quanto a destruio ambiental (Wilson, 1997). Segundo a Unio Internacional para a Conservao da Natureza (IUCN,
1980), conservao a gesto da utilizao da biosfera pelo homem, de tal
sorte que produza o maior benefcio sustentado para as geraes atuais, mas
que mantenham sua potencialidade para satisfazer as necessidades e
aspiraes das geraes futuras. Segundo Mcneely (1988), os sistemas de
manejo devem assegurar que os recursos biolgicos no apenas sejam
mantidos, mas, incrementados, provendo, assim, as bases de um
desenvolvimento efetivo.
A realizao da Eco 92 representou a unio de esforos paralelos em
favor da conservao da biodiversidade. Documentos como Estratgia
Mundial para Conservao (IUCN, 1980; IUCN, 1986; IUCN, 1988) e
Declarao de Belm da International Society of Ethnobiology (1988)
explicitam esta necessidade. O resultado deste evento foi a elaborao da
Agenda 21, protocolo de ao para poltica ambiental a ser incorporado na
legislao dos pases participantes, o qual visa o desenvolvimento sustentvel
e a implementao da CDB (Posey, 1996).
Conforme o Relatrio Brundtland (Agenda 21, 1999), o programa de
Desenvolvimento Sustentvel deve envolver um desenvolvimento econmico
que atenda s necessidades desta e das prximas geraes e que conserve os
recursos naturais e ecossistemas. Segundo Posey (1996), para que os
programas conservacionistas obtenham resultados, as comunidades devem
perceber os benefcios concretos e ter interesse direto na conservao do seu
meio ambiente. Para tanto, essencial a valorizao das espcies (flora e
fauna) nativas, e o conhecimento local acerca delas, de forma a desenvolver
12
sistemas de produo que incluam os recursos naturais que a rea possui (tais
como potencial artesanal, alimentcio, medicinal, aromtico, entre outros) e a
participao das populaes locais na sua explorao.
1.2. CONVENO DA BIODIVERSIDADE
Segundo Santilli (2001), no plano internacional, a CDB reconhece a
estreita e tradicional dependncia de recursos biolgicos de muitas
comunidades locais e populaes indgenas com estilos de vida tradicionais. O
artigo 8 (j) estabelece que os pases signatrios devem respeitar, preservar e
manter o conhecimento, inovaes e prticas das comunidades locais e
populaes indgenas com estilos de vida tradicionais relevantes
conservao e utilizao sustentvel da diversidade biolgica, bem como
incentivar sua mais ampla aplicao com a aprovao e participao dos
detentores desse conhecimento, inovaes e prticas, e encorajar a
repartio justa e eqitativa dos benefcios oriundos da utilizao desse
conhecimento, inovaes e prticas.
A CDB relaciona a conservao da biodiversidade com a utilizao
sustentvel e com a partilha de benefcios gerados pelo uso e explorao dos
recursos biolgicos. Alm disso, inclui a biodiversidade em sua totalidade,
inclusive insetos, fungos e microrganismos em seus diferentes nveis de
organizao: diversidade entre ecossistemas, diversidade entre espcies,
diversidade gentica entre populaes de uma mesma espcie (Azevedo,
2000). A partir do reconhecimento da importncia do conhecimento tradicional
se estabelece o desafio de identificar os instrumentos adequados para a
proteo deste conhecimento (Azevedo, 2000; Posey, 1996).
1.3 MATA ATLNTICA
A Mata Atlntica, segundo definio aprovada pelo CONAMA (Conselho
Nacional do Meio Ambiente) e incorporada ao Decreto Federal 750/93 (Anexo
I), corresponde s reas de Domnio da Mata Atlntica. Desta forma, passaram
a ter denominao genrica de Mata Atlntica as reas primitivamente
ocupadas pela: Floresta Ombrfila Densa, Floresta Ombrfila Mista, Floresta
13
Ombrfila Aberta, Floresta Estacional Semidecidual, Floresta Estacional
Decidual, manguezais, restingas, campos de altitude, brejos interioranos e
encraves florestais do Nordeste (Conama, 1999).
Originalmente, correspondia a uma rea de 1.300.000 km2, distribudos
em 4 regies geogrficas brasileiras, de uma cobertura florestal praticamente
contnua, ainda que muito diversificada em sua constituio fitofisionmica e
florstica. Estendia-se ao longo da costa, do Rio Grande do Norte ao Rio
Grande do Sul, com amplas extenses para o interior, cobrindo a quase
totalidade dos estados do Esprito Santo, Rio de Janeiro, So Paulo, Paran e
Santa Catarina, alm de partes de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Mato
Grosso do Sul e extenses na Argentina e no Paraguai (Cmara, 1996).
A Mata Atlntica stricto sensu corresponde Floresta Ombrfila Densa,
formao florestal que ocupa regies de clima quente, mido e fortemente
chuvoso, com mdia de 25oC, no mais de 60 dias secos por ano e pelo menos
2500mm anuais de precipitao pluviomtrica (Corra, 1995).
Fitofisionomicamente constituda por fanerfitas, geralmente com brotos
foliares sem proteo contra a seca (Radam-Brasil, 1982). Segundo Veloso &
Klein (1968) apresenta uma floresta bem desenvolvida, formada por vigorosas
rvores, providas de largas e densas copas, constituindo densa e fechada
cobertura arbrea, originando um microclima do interior bastante uniforme. No
RS ocupa as plancies cenozicas, ocorrendo na Porta de Torres, entre o
oceano e as escarpas da Serra Geral at o norte de Osrio. Esta rea
definida pelo Decreto Estadual 36.636/96.
A Mata Atlntica latu sensu destaca-se por ser uma das duas florestas
brasileiras de maior biodiversidade (Costa, 2002). Alguns dos fatores
responsveis pela ampliao de sua diversidade foram as intensas
transformaes que sofreu durante o perodo quaternrio, caracterizado por
fortes mudanas climticas (Klein, 1975). A Mata Atlntica, apontada, hoje,
como uma das duas florestas tropicais mais ameaadas de extino, na poca
do descobrimento, representava 12% do territrio nacional.
Nela, verificou-se o mais alto grau de desmatamento em decorrncia de
ciclos econmicos agrcolas (cana de acar e caf) implantados em grandes
reas e a ocupao histrica, atravs da construo de vilas e cidades, que
acompanharam o litoral (Warren, 1995; IBAMA, 1997). Hoje restam menos de
14
5% desta cobertura original, cujos remanescentes florestais so pequenos e
fragmentados (Consrcio Mata Atlntica, 1992). Segundo Viana et al. (1997)
remanescentes da Floresta Atlntica so tipicamente pequenos, isolados e
altamente perturbados. A maioria encontra-se em propriedades privadas e
dessa forma so altamente vulnerveis a distrbios contnuos. Os
remanescentes, em melhor estado de preservao, encontram-se ao longo das
encostas, nas reas de difcil acesso onde no foi possvel realizar o corte das
madeiras ou utilizar a terra para agricultura ou pecuria.
A maior parte das espcies ameaadas de extino no Brasil encontra-
se na Mata Atlntica (Alho, 1984; Consrcio Mata Atlntica, 1992). Devido ao
acelerado processo de desmatamento e a grande biodiversidade que compe
estas reas a partir da Constituio de 1988, esta rea foi considerada
Patrimnio Nacional (Conama, 1999) e declarada Reserva da Biosfera pela
UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) em
1991.
1.3.1 RESERVA DA BIOSFERA DA MATA ATLNTICA
Segundo o CONAMA (1999) Reserva da Biosfera uma figura de
planejamento instituda pelo Programa O Homem e a Biosfera da UNESCO, e
reconhecida por ele mediante solicitao dos governos dos pases que aderiram a
esse programa. So pores de ecossistemas terrestres ou costeiros que
recebem um plano especial de gesto e manejo sustentvel onde se preconiza a
realizao de atividades de proteo dos ecossistemas e da diversidade biolgica,
experimentao e aes que visem a conservao da natureza, o
desenvolvimento sustentvel, a pesquisa e a educao ambiental (Costa, 2002).
O zoneamento da Reserva da Biosfera da Mata Atlntica (RBMA) feito a
partir de trs categorias: a) Zona ncleo - a zona de mxima restrio. So as
unidades de conservao constitudas legalmente e as reas de preservao
permanente, que incluem as encostas, topos de morro, margens de rios. Nestas
reas, proibido o corte e a explorao da vegetao; b) Zona de Amortecimento
- so as zonas que envolvem as zonas ncleo e juntamente com estas,
constituem as reas tombadas. As atividades econmicas devem garantir a
15
integridade das reas de preservao e unidades de conservao, para tanto
proibido: o corte e explorao da floresta primria e secundria em estgio mdio
e avanado de regenerao; a coleta, o comrcio e o transporte de plantas
ornamentais oriundas de florestas nativas; a prtica de queimadas para manejo
agrossilvopastoril; c) Zona de transio - so reas mais externas da reserva e
no dispem de um instrumento legal de proteo especfico. Em seus limites,
privilegia-se o uso sustentado da terra e a recuperao das reas degradadas
(Marcuzzo et al., 1998).
A RBMA abrange as reas correspondentes ao Domnio da Mata Atlntica.
No RS, Estado onde os remanescentes florestais cobrem cerca de 5,9% da
rea total, a rea tombada pela RBMA e seus ecossistemas associados abrange
uma superfcie de 48.695 km2, correspondendo a 17,2% do territrio do Estado
(Marcuzzo et al., 1998). Entre as reas piloto selecionadas no Estado, nas quais
devem ser implantados projetos de desenvolvimento sustentado, integrando as
diversas esferas governamentais, esto: a rea da Quarta Colnia Italiana zona
de Floresta Estacional Decidual, na encosta sul da Serra Geral; a rea da Lagoa
do Peixe - Restinga da Lagoa dos Patos; a rea do Litoral Norte reas de
Floresta Ombrfila Densa, incluindo as zonas ncleo da Reserva Biolgica da
Serra Geral e a rea de Proteo Ambiental de Osrio. A Bacia Hidrogrfica do
Rio Maquin, no Litoral Norte, uma das reas de preservao de grande
importncia para a RBMA por apresentar remanescentes naturais de Floresta
Ombrfila Densa em timo estado de conservao (Estivalet, 1998).
1.3.2 POPULAES TRADICIONAIS EM REA DE MATA ATLNTICA
O Brasil possui a maior diversidade cultural da Amrica Latina, atualmente,
com mais de 200 grupos tnicos, sendo que inmeras culturas sofreram
processos de aculturao e extermnio desde os primeiros contatos com os
europeus (Toledo, 1987). Segundo Diegues & Arruda (2001) h uma certa
dificuldade e ambigidade na conceituao de comunidades tradicionais, que so
definidas por Diegues (1995) como grupos humanos locais estabelecidos em
regies naturais h muitas geraes, possuindo um profundo conhecimento do
ambiente que os cerca e alternativas no manejo dos recursos naturais. Ressaltam-
16
se algumas caractersticas: a) dependncia da natureza, dos ciclos naturais e dos
recursos renovveis, a partir dos quais se constri um modo de vida, b)
conhecimento aprofundado da natureza e dos seus ciclos, que se reflete na
elaborao de estratgias de uso e manejo dos recursos naturais, c) transferncia
do conhecimento por via oral, c) importncia das atividades de subsistncia, d)
auto-identificao ou identificao pelos outros de pertencer a uma cultura distinta
das outras (Diegues, 1994).
Segundo Diegues & Arruda (2001) na Mata Atlntica esto presentes
populaes indgenas e populaes tradicionais no indgenas, estas
caracterizadas como jangadeiros, sertanejos/vaqueiros, varjeiro/ribeirinho no
amaznico, caipira, pescador artesanal, caiaras, aorianos, quilombolas,
campeiros. Na Mata Atlntica, strictu sensu no RS, esto presentes os Mby-
guarani que vivem em reservas indgenas, quilombolas, aorianos e
pescadores artesanais.
1.3.2.1 MBY-GUARANI
Os Guaranis, povo indgena do tronco lingstico Tupi-Guarani, na poca
da chegada dos europeus, viviam nas regies do sul do Mato Grosso do Sul,
oeste de So Paulo, Paran, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraguai, norte
da Argentina e Uruguai. Esta regio coincide com a rea de abrangncia das
Florestas Estacionais Deciduais e Semideciduais, formao vegetal fortemente
ligada ao povo Guarani em toda migrao realizada desde a Amaznia at o sul
do Brasil (ISA, 1998).
Os Mby-Guarani possuam, na poca dos primeiros contatos com os
europeus, um territrio definido. A partir do contato intertnico iniciam-se os
processos de desterritorializao, que se traduzem em despopulao, causada
pelos confrontos e epidemias e a perda da quase totalidade do territrio original. A
ocupao dos territrios originais motivou as sadas em busca de espaos
localizados alm dos limites onde viviam at o momento do contato. O territrio
passa a ser descontnuo e fragmentado mas, para que novos locais possam ser a
ele incorporados, precisam apresentar as caractersticas ambientais e simblicas
prescritas pela cultura (Garlet & Assis, 1998).
Segundo Garlet (1997), o modelo econmico dos Mby vem sofrendo
17
alteraes devido ocupao de seus espaos originais. As comunidades que
dispem de terras encontram, na agricultura, a principal atividade de subsistncia,
enquanto que aquelas que no as possuem, tm na produo e comercializao
de artesanato, a atividade econmica exclusiva. Em seus deslocamentos atuais,
os ndios consideram e avaliam o potencial das reas em que podem estabelecer-
se, a fim de assegurarem que correspondem s suas necessidades materiais e
simblicas. Observam as condies de ofertas para atender suas atividades de
subsistncia, como a agricultura, caa, pesca, coleta e fontes de matria-prima
que viabilizem a produo de artesanato. Tambm faz parte de suas atividades
econmicas o trabalho nas roas dos brancos, o que fazem raramente.
Atualmente, vivem em acampamentos de beira de estrada, terras
pertencentes a outros grupos tnicos, propriedades particulares, terras pblicas
(passveis de serem identificadas como reas indgenas) e sobre reas indgenas
(Reservas) em diferentes situaes jurdicas (Garlet e Assis, 1998).
Em Maquin, existem as reas Indgenas, juridicamente identificadas, de
Barra do Ouro e Varzinha. Barra do Ouro (2885 ha), localizada nos municpios de
Maquin, Riozinho e Cara a 900 m de altitude est inserida em uma rea
bastante preservada (devido ao difcil acesso) da Mata com Araucria (Dirio
Oficial, 1997). Trs Forquilhas (610 ha), localizada entre Cara e Maquin,
abrangendo reas de Mata Atlntica (strictu sensu) (Garlet e Assis, 1998).
1.3.2.2 QUILOMBOLAS
Segundo Diegues e Arruda (2001), os quilombolas so descendentes de
escravos negros que sobrevivem em enclaves comunitrios, muitas vezes antigas
fazendas deixadas por proprietrios. Sua visibilidade social recente fruto da luta
pela terra, cujo direito foi assegurado a partir da Constituio de 1988.
Em Maquin, nos distritos de Morro Alto e Prainha, esto presentes
alguns ncleos de quilombolas. Seus antepassados foram trazidos, no final do
sculo XVIII, para o plantio da cana-de-acar, principal produto de explorao
dessa rea. Atualmente, vivem nas terras de seus antepassados recebidas
como herana, aps alforria. Alguns procuraram reunir suas famlias em
18
pequenos cls, conservando alguns costumes de sua cultura (Silva, 1992). So
um grupo economicamente independente, a maioria possui terras prprias com
cerca de 6 a 8ha bastante improdutivas. Sua economia no difere daquela
praticada pelos agricultores familiares da regio. baseada na agricultura de
subsistncia, na pesca, no artesanato com juncos e na plantao de bananas.
Servem como mo-de-obra para as pedreiras da regio. Tambm sofrem a
influncia da temporada de veraneio, oferecendo seus servios nas praias
prximas (Correio do Povo, 1978).
1.3.2.3 AORIANOS
Este grupo descende dos imigrantes das ilhas do Aores, portugueses
continentais e madeirenses que se estabeleceram no litoral catarinense e rio-
grandense a partir de meados do sculo XVIII. Foram-se miscigenando com
negros e ndios o que lhes confere traos culturais prprios. Estes colonos eram
agricultores e pescadores em seus lugares de origem e quando se fixaram no
litoral sul do Brasil passaram a combinar a agricultura com a pesca. Como grande
parte vivia isolada; aprenderam tcnicas e o cultivo de espcies nativas com os
indgenas, o caso da mandioca e o leo de peixes e baleias para iluminao
(Diegues & Arruda, 2001).
Atualmente estes grupos caracterizados hoje, como agricultores
familiares, esto sofrendo processo de empobrecimento por no terem tido
acesso aos mecanismos governamentais de incentivo modernizao da
agricultura, principalmente nas dcadas de 70 e 80. A desvalorizao dos
preos dos principais produtos agrcolas locais (milho, feijo e carne suna), a
crise no modo de produo da agricultura tradicional, a topografia acidentada
das encostas da Serra Geral e as restries ao uso de solo e da vegetao
nativa impostas pela Legislao Ambiental fazem parte deste processo
(Anama/PGDR, 2000).
No conseguindo mais assegurar a sua reproduo social atravs da
realizao de suas atividades agrcolas, estes agricultores passaram a dedicar-
se cada vez mais realizao de atividades econmicas no-agrcolas, entre
as quais destaca-se o assalariamento (temporrio ou fixo) e sobretudo, o
extrativismo de produtos de origem florestal, principalmente de palmito
19
(Euterpe edulis Mart.), samambaia-preta (Rumohra adiantiformis (G.Forst.)
Ching), bromlias e orqudeas.
Alm disso, a falta de alternativas um dos fatores de intensificao da
migrao campo-cidade, determinando o esvaziamento do meio rural e o
surgimento dos bolses de misria nas periferias das cidades (Anama/PGDR,
2000). Lutzenberger descreve esse processo de empobrecimento e
esvaziamento do meio rural pela falta de polticas agrrias que contemplem a
agricultura familiar da seguinte maneira: Onde vemos o colono, est o velho
casal. Gente de mais de 60 anos. Os filhos foram embora porque no tem
futuro. O casal vive da previdncia social. Como no tem condies de pagar
mo-de-obra, planta trs ou quatro canteiros de verdura para consumo. Daqui
a dez, quinze anos acaba tudo (Felippi, 2001).
1.4 EXTRATIVISMO 1.4.1. DEFINIO
O extrativismo pode ser definido como o conjunto dos sistemas de
explorao de produtos da floresta destinados venda nos mercados
regionais, nacionais ou internacionais (Clsener-Godt & Sachs, 1996; Lescure
et al., 1996). O extrativismo caracteriza-se por baixos investimentos de capital
e uso de tecnologias simplificadas onde a mo de obra o principal
instrumento de extrao, transporte e transformao do produto. O extrativismo
diferencia-se das atividades de coleta por estar inserido em uma lgica
econmica regulada pelo mercado exterior. J, nas sociedades de caa e
coleta, os produtos so coletados para consumo interno ou para troca local,
sendo que as atividades de coleta so reguladas pelas necessidades da
unidade domstica.
O estudo do extrativismo est associado, principalmente, s disciplinas
de Ecologia e Economia (Lescure et al., 1996), sendo que atualmente
tambm foco de estudo das Etnocincias. Apesar disso, existem poucos
estudos sobre a sustentabilidade do extrativismo a longo prazo. Os estudos
existentes concentram-se na regio Amaznica, onde existem vrios grupos
tnicos estudados a bastante tempo, aliado a isto ainda ocorre a explorao de
inmeros produtos obtidos atravs de extrativismo destinados
20
comercializao nacional e internacional. Os principais produtos obtidos do
extrativismo, nesta regio, so os frutos e palmitos do aa (Euterpe precatoria
Mart., E. oleracea Mart.), leo de andiroba (Carapa guianensis Aubl.; C.
procera DC.), ltex de balata (Mimusops bidentata A. DC.), sementes de
castanha (Bertholletia excelsa Bonpl.), leo-resina de copaba (Copaifera spp.),
leo de pau-rosa (Aniba rosaeodora Ducke), fibras de piaabeira (Leopoldinia
piassaba Wallace) e ltex de seringueira (Hevea spp) (Lescure et al., 1996).
O impacto que o extrativismo exerce est relacionado s praticas de
coleta, que podem ser classificadas, segundo Lescure et al. (1996), em quatro
categorias: a) o corte, associado principalmente coleta de madeira; b) a
extrao de um rgo, como a coleta de folhas de piaabeira para extrao de
fibras; c) a sangria, extrao de produtos do metabolismo secundrio como
gomas, ltex, resinas, como o caso da seringueira, e d) a coleta de frutos ou de
sementes como a castanha-do-par e a andiroba. Destes, afiguram-se como o
mais predatrio o extrativismo de corte, sendo que as outras categorias devem
ser avaliadas caso por caso.
1.4.2 PRINCIPAIS FAMLIAS BOTNICAS DE UTILIZAO ECONMICA
A Botnica Econmica a rea da Botnica que estuda as espcies
teis para as diferentes culturas humanas. De uma maneira geral, algumas
famlias botnicas possuem mais espcies utilizadas, ao longo do tempo, por
todo o mundo. Entre as espcies de utilizao alimentcia, destacam-se as
famlias Poacea e Fabaceae (Raven et al., 1992). Segundo Gottlieb & Borin
(1999) as dez famlias botnicas mais utilizadas medicinalmente podem ser
divididas em dois grupos, o primeiro composto por Rosaceae, Caesalpiniaceae,
Fabaceae e Ericaceae o qual produz drogas usadas para o tratamento de
doenas infecciosas, parasitrias, do sistema digestivo e genito-urinrio. O
segundo grupo, formado por Ranunculaceae, Rubiaceae, Apocynaceae,
Scrophulariaceae, Lamiaceae e Solanaceae, produz, predominantemente,
drogas usadas no tratamento de condies mal definidas. Entre as espcies
utilizadas para fins condimentares e aromticos, destacam-se as famlias
Lauraceae, Lamiaceae e Asteraceae.
21
Segundo Schultes (1990), a famlia Arecaceae a famlia vegetal de
maior importncia econmica pelos inmeros usos associados a muitas de
suas espcies. Dahlgren (1944) cita 16 tipos de produtos extrados de
palmeiras: troncos, rattan, folhas para sap, folhas para papel e fibras, pecolo
das folhas, bainha da folha, espata, palmito ou gema apical, frutos comestveis,
sementes comestveis, leos, marfim vegetal a partir de sementes, seiva/ltex,
gomas, ceras vegetais, outros produtos como corantes, resinas, taninos,
alcalides, venenos de peixes.
Os produtos extrados das palmeiras tm amplo espectro de utilizao.
Balick & Beck (1990) levantaram 389 usos de palmeiras no mundo divididos
nas categorias: bebidas alcolicas e no alcolicas, produtos qumico-
industriais, produtos cosmticos e de higiene, rao animal, fertilizantes,
alimentos, combustveis, produtos artesanais, produtos medicinais e
ritualsticos, plantas ornamentais e materiais de construo.
Segundo Dahlgren (1944), enquanto muitos produtos de palmeiras tm
uma importncia local, apenas alguns produtos tm valor comercial no mundo,
como leos, ceras e rattans. O Brasil tem o maior nmero de espcies de
palmeiras e de produtos comerciais derivados, sendo quatorze produtos
derivados de treze espcies, agrupados nas categorias leos derivados de
sementes, fibras, alimentos e ceras (Johnson, 1982). Segundo Moses (1962),
Attalea speciosa Mart. ex Spreng. (babassu) usada para extrao de cido
lurico (63%), Copernicia prunifera (Miller) H.E. Moore (carnaba) para
extrao de ceras, Astrocaryum murumuru Mart. (murumuru) para extrao de
leo, Astrocaryum vulgare Mart. (tucum) para extrao e exportao de leo,
Attalea funifera Mart. (piassava) extrao de fibras, Mauritia vinifera Mart.
(buriti) preparao de sucos, folhas para fazer cordas e redes, pecolos para
cercas e mveis, Euterpe oleracea Mart. (aa), preparao de sucos,
Acrocomia sclerocarpa Mart. (macaba), extrao de leo comestvel, Alfonsia
oleifera Kunth (caiau) extrao de leo, Maximiliana martiana Karsten (inaj),
extrao de leo.
As palmeiras so indicadores de tropicalidade. O Rio Grande do Sul
apresenta a poro terminal de reas de Floresta Ombrfila Densa onde ocorre
a presena de um nmero reduzido de palmeiras. As palmeiras que ocorrem
nessas reas no Estado so Butia capitata Mart., Geonoma gamiova Barb.
22
Rodr., Geonoma schottiana Mart., Euterpe edulis Mart., Syagrus romanzoffiana
Cham. e Bactris lindmaniana Drude (Mattos, 1977).
Syagrus romanzoffiana (Cham.) Glassman e Butia capitata (Mart.) Becc.
so palmeiras produtoras de leos que podem vir a ser exploradas
economicamente (Balick, 1979). Fibras de Syagrus romanzoffiana so usadas
na confeco de esteiras, leques, cordas, corda de arco e flecha por ndios
Guayaqui do Oeste do Paraguai (Dawson & Gancedo, 1977), sendo que os
frutos so comestveis (Schnee, 1973 in Balick & Beck, 1990). Euterpe edulis
utilizada para extrao do palmito, os troncos so usados na construo de
pisos de casas (Villarejo, 1943 in Balick & Beck, 1990), condutos de gua,
como combustvel, produo de papel, as folhas so usadas em telhados de
sap, os frutos so usados em bebidas (Matos & Matos, 1976).
1.4.2.1 EXTRATIVISMO DE PALMITO EM REA DE MATA ATLNTICA
O Brasil o principal produtor e exportador de palmito, que extrado de
forma extrativista das espcies Euterpe edulis Mart., Euterpe oleracea Mart.,
Orbignya dubia Mart., Orbignya oleifera Burret, Syagrus oleracea (Mart.) Becc e
Scheelea phalerata (Mart. ex Spreng.) Burret (Quast & Bernhardt, 1978).
Euterpe edulis tem distribuio geogrfica bastante ampla, tendo na
Floresta Ombrfila Densa da Encosta Atlntica o seu principal habitat,
ocorrendo desde o Estado de Pernambuco at o Rio Grande do Sul. Ocorre
tambm no Brasil Central, indo at os vales dos rios Paran e Igua, na
Argentina e Paraguai (Reitz, 1974). No RS alm da Mata Atlntica strictu sensu,
irradia-se para o centro do Estado. uma espcie abundante e comum do sub-
bosque da Mata Atlntica de Encosta. Produz grande quantidade de frutos em
perodos de escassez de alimentos, quando so consumidos por uma grande
quantidade de frugvoros, sendo possivelmente uma espcie chave para o
ecossistema (Reis & Kageyama, 2000).
O palmiteiro, utilizado para a produo de conservas, foi submetido a
uma intensa e constante explorao nas ltimas dcadas e encontra-se,
atualmente, ameaado de extino nas reas de Mata Atlntica strictu sensu do
RS. Isto devido ao esgotamento dos seus povoamentos naturais em razo da
23
superexplorao e do empobrecimento da fauna dispersora que se alimenta dos
seus frutos.
De maneira geral, a alta demanda e pobres investimentos em prticas
adequadas de manejo tm resultado no depauperamento dos estoques
florestais. Palmeiras so cortadas por poucas empresas legalizadas e muitas
ilegais, mas a maioria do palmito vendido em mercados , contudo, de
estoques naturais, apesar de alguns esforos para promover a plantao e o
manejo de palmeiras (Galetti & Fernandez, 1998).
O palmiteiro est submetido a uma intensiva e constante explorao por
parte de agricultores familiares mais desfavorecidos do litoral norte do RS. Os
poucos agricultores locais que implementam sistemas agroflorestais com esta
palmeira esto impossibilitados de realizarem a extrao deste recurso em
decorrncia da legislao estadual vigente. A legislao referente atividade
de explorao de recursos florestais nativos da Floresta Atlntica tem
restringido o direito de extrao destes recursos unicamente para fins de
consumo no prprio estabelecimento. Em decorrncia disto, a extrao do
palmito praticada pela maioria dos agricultores locais considerada ilegal,
passvel de represso pelos rgos de controle ambiental. Agricultores que
manejam este recurso, impossibilitados de fazerem o corte legal, so
pressionados a venderem a preos baixos seus palmitais.
Cabe ressaltar que, em outros estados brasileiros, grupos e
comunidades de agricultores familiares j realizam, com grande xito, o manejo
sustentvel, o processamento e a comercializao do palmiteiro. So exemplos
a Estao Ecolgica de Juria Itatins (Perube, So Paulo) e a rea de
Proteo Ambiental de Guaraqueaba (litoral norte do estado do Paran). O
extrativismo desta espcie, a partir do enriquecimento de reas nativas ou de
implantao em sistemas agroflorestais, viabiliza e incentiva o manejo da flora
nativa, podendo representar uma importante alternativa de renda
complementar aos agricultores familiares locais.
1.4.2.2 SUSTENTABILIDADE DO EXTRATIVISMO
Devido s diferentes caractersticas das espcies, reas e modos de
obteno e exigncias dos mercados dos produtos obtidos atravs de
24
extrativismo, necessria a avaliao da sustentabilidade da extrao de cada
produto em particular. Segundo Homma (1996), a sustentabilidade est
relacionada, no somente disponibilidade de estoques extrativos, mas
tambm com as polticas de desenvolvimento (afetando as variveis de
natureza econmica e social), desenvolvimento cientifico e tecnolgico,
correntes migratrias, mercado de mo-de-obra e com as polticas ambientais.
A sustentabilidade requer que a atividade permanea lucrativa ao longo do
tempo, proporcionando melhorias sociais para seus participantes, alm da
capacidade de manter equilbrio adequado quanto s caractersticas
agronmicas e ecolgicas.
Quanto sustentabilidade sob o ponto de vista ambiental, necessrio
analisar o impacto das prticas extrativistas a nvel do indivduo, da populao
vegetal e do meio ambiente natural (Lescure, et al., 1996). Segundo
Constanza, (1991 apud Allegretti, 1996) sustentabilidade o nvel de utilizao
de recursos que permite a manuteno de atividades indefinidamente, sem
degradar os estoques de capital natural, que entendido como a estrutura do
solo e da atmosfera, plantas e biomassa que, no conjunto, formam a base de
todos os ecossistemas.
O estudo da autoecologia de cada espcie explorada (Reis et al., 2000),
bem como a avaliao da capacidade de suporte de uma determinada rea a
ferramenta utilizada em avaliaes de sustentabilidade de extrativismo
(Lescure et al., 1996). O conceito de sustentabilidade fundamenta-se na noo
de resilincia e pode ser definido como o tamanho mximo populacional de
uma espcie que uma rea pode suportar sem reduzir a sua habilidade de
sustentar a mesma espcie no futuro (Zanoni et al., 2000). A resilincia pode
ser entendida como a habilidade de um sistema em absorver ou resistir a
perturbaes (Berkes & Folke, 1994 apud Hazanaki, 2001). De acordo com
Rayanaut et al. (2000 apud Zanoni et al., 2000) o conceito de resilincia
questiona uma interpretao esttica da noo de sustentabilidade. Segundo
Kageyama (2000) necessria a avaliao da manuteno do equilbrio das
populaes das espcies da floresta, tanto no seu aspecto demogrfico como
gentico, no somente das espcies em uso.
Segundo Homma (1996), o extrativismo tende a seguir quatro fases
caractersticas de um ciclo econmico, tendendo a ser substitudo pela
25
domesticao e/ou sntese. A primeira a fase de expanso, onde h
crescimento da extrao, favorecida pela existncia de melhores reservas ou
pela posio monopolista que caracteriza o mercado do recurso. A fase de
estabilizao, onde h um equilibro entre a oferta e a demanda, beirando a
capacidade mxima de extrao. Fase de declnio, causada pela reduo dos
recursos e pelos aumentos nos custos de extrao, levando queda da
extrao. Concomitante fase de estabilizao, inicia-se a fase de plantio
domesticado, desde que as disponibilidades tecnolgicas para domesticao,
inexistncia de substitutos (naturais e sintticos) e a existncia de preos
favorveis criem condies para o plantio.
Rgo (2000) questiona a posio defendida por Homma, onde toda a
atividade extrativista insustentvel: o extrativismo por aniquilamento elimina,
diretamente, o objeto de produo e o extrativismo de coleta esgota o recurso a
mdio ou a longo prazo, pela busca da mxima produo em curto espao de
tempo. Segundo a concepo de Homma (1996) toda a atividade de cultivo,
criao, beneficiamento ou processamento, mesmo integrando um sistema de
produo e um modo de vida extrativos, no seria mais extrativismo, mas
domesticao. Este posicionamento limita a apropriao dos recursos s
qualidades e quantidades dos estoque primitivos, sem interveno racional
para sua ampliao. Tal concepo supe uma separao entre o homem e a
natureza ao admitir a existncia de reas naturais intocadas pelo homem
(Diegues, 1994).
Rgo (2000) prope o conceito de neo-extrativismo que abrange todo o
uso econmico dos recursos naturais no conflitante com o modo de vida e a
cultura extrativista. No sentido econmico, neo-extrativismo a combinao de
atividades estritamente extrativas com tcnicas de cultivo, criao e
beneficiamento imersas no ambiente social dominado pela cultura da
populao extrativista. Neste contexto, o extrativismo pode ser considerado
como uma gesto econmica dos ecossistemas florestais ao mesmo tempo em
que permite a sustentabilidade ecolgica. As atividades extrativas associadas a
outras atividades de produo podem ser integradas aos cenrios em
desenvolvimento (Lescure et al., 1996).
A partir desta concepo atividades como cultivo, criao, artesanato e
agroindstria so extrativistas desde que se harmonizem com valores, crenas
26
e costumes da populao extrativista e com as caractersticas do seu ambiente
natural. Para tanto, estas atividades devem: basear-se na explorao de
espcies animais e vegetais da floresta; integrar o sistema de valores do
trabalhador extrativista; inserir-se na organizao do espao existente no
extrativismo; incluir sistema de manejo apoiado em saberes, prticas e
tradies do trabalhador extrativista e harmonizar-se com os hbitos de
processos de trabalho extrativista.
Exemplos de neo-extrativismo so andensamento, ilhas de alta
produtividade (cultivo de espcies nativas em pequenas reas cercadas pela
florestas) e sistemas agroflorestais envolvendo o cultivo de espcies lenhosas
perenes, na mesma rea em conjunto com culturas agrcolas e/ou criaes
(Rgo, 2000).
2. CONTEXTO SCIO AMBIENTAL DA REA DE ESTUDO
Este estudo foi desenvolvido no municpio de Maquin, situado no litoral
norte do Rio Grande do Sul (RS) (figuras 1,2), no limite austral da Floresta
Ombrfila Densa. A bacia hidrogrfica do Rio Maquin possui uma rea
aproximada de 546 km2 (290 40 49S, 500 13 56W) (Cartas do Exrcito, 1979), localizada entre as encostas da Serra Geral (cujas altitudes mximas situam-se
em torno de 900 metros) e a Plancie Costeira do RS (figuras 3,4). Segundo
Leins & Amaral (1980), a rea se localiza sobre os derrames baslticos da
Bacia do Paran. Geologicamente caracterizada pelas rochas baslticas,
pelos arenitos (formao Botucatu) e pelos sedimentos recentes (seixos,
cascalhos, mataces e sedimentos finos).
27
Extra do de Tavares ( 2000)
Figura 2 - Mapa da flora e delimitao das reas de Reserva da Biosfera da Mata Atlntica do Litoral Norte do RS
Extrado de Fepam (2000)
Figura 1 - Localizao do municpio de Maquin, Litoral Norte do Estado do Rio Grande do Sul
28
Figura 3 - Vista Geral das encostas da Mata no vale da , , RSAtlntica MaquinSolido
Figura 4 - Imagem satlite das reas de encosta do Litoral Norte do Estado do Rio Grande do Sul
Extrado de Anama (2002)
Foto: Rumi Kubo
29
O clima da regio, segundo Kppen, do tipo Cfa ou subtropical mido.
A mdia pluviomtrica anual de 1731mm, a precipitao total mensal se
mantm relativamente constante durante o ano. De acordo com Hasenack &
Ferraro (1989), a curva de temperatura no ultrapassa a de precipitao, o que
demonstra no haver pocas de seca prolongadas na regio. Segundo
Anama/PGDR-UFRGS (2003), as temperaturas mdias anuais situam-se em
torno de 20C. A mdia das temperaturas mximas dos meses mais quentes
de 38 a 38,8C, e a mdia das temperaturas mnimas dos meses mais frios
de 1,2C negativos.
A bacia hidrogrfica do Rio Maquin est localizada em rea
reconhecida pela UNESCO desde 1992 como Reserva da Biosfera da Mata
Atlntica sendo, em termos de qualidade de gua (classe 2), uma das bacias
em melhor estado de preservao no Litoral Norte (Marcuzzo et al., 1998).
Segundo zoneamento realizado pela FEPAM (Fundao Estadual de Proteo
Ambiental Henrique Roessler do RS) (FEPAM, 2000), apresenta reas ncleo
de biodiversidade I e II, incluindo parte da Reserva Estadual da Serra Geral.
O principal rio da bacia o Maquin com extenso superior a 40km.
Origina-se nas nascentes do arroio Lageado com aproximadamente 900m de
altitude, prximo ao municpio de So Francisco de Paula. Alm do arroio
Lageado, constam como principais tributrios do rio Maquin, os arroios
Garapi, Forqueta, Ligeiro, Encantado e Solido na margem esquerda e Rio do
Ouro e arroios Pinheiro e gua Parada, na margem direita. As nascentes dos
tributrios localizam-se nas encostas da Serra Geral, na regio de transio
entre a Floresta Ombrfila Densa, a Floresta Ombrfila Mista (Mata com
Araucria) e os Campos de Cima da Serra.
Segundo Sevegnani (1995), nas nascentes encontram-se os
remanescentes de mata nativa mais preservados, com espcies de importncia
econmica (madeireira, alimentcia e medicinal) como Euterpe edulis (palmito),
Cedrela fissilis Vell. (cedro), Myrocarpus frondosus Allemao (cabriva),
Nectandra spp e Ocotea spp (canelas), Ficus organensis Miq. (figueira-de-
folha-mida) e Piptadenia rigida Benth. (angico). Alm disso, existe grande
diversidade faunstica, tanto de invertebrados (lepidpteros, himenpteros,
colepteros e outros) como vertebrados.
30
O rio Maquin pode ser considerado como um ecossistema com zonas
definidas: a) zona ritral, regio de guas rpidas onde a energia muito alta
ocasionando grande eroso e transporte; b) plancie de inundao, que
geralmente estreita e com grande variao vertical do nvel da gua; c) regio
potamal (rio de plancie), onde a energia das guas menor diminuindo a
capacidade de transporte (regio de depsito), gerando uma plancie de
inundao mais larga. Essa zonao determina a ocorrncia de espcies
caractersticas, assim como influencia na ocupao humana.
Na regio potamal localizam-se os principais ncleos de ocupao
populacional (Barra do Ouro, Solido, Pinheiro e a sede do Municpio de
Maquin) (Rech, 1987). Segundo dados do IBGE (1996), a populao do
municpio de 7302 habitantes, sendo a populao urbana de 1690 pessoas e a
rural de 5612. Quanto origem tnica predominante a presena de italianos,
mas encontram-se descendentes de portugueses, alemes, negros, poloneses e
indgenas.
Segundo Gerhard (2002), inicialmente a regio era ocupada por grupos
indgenas, primeiramente caadores-coletores que desciam a Serra Geral.
Posteriormente, habitaram a regio outros grupos pertencentes tradio-
taquara (agricultores-ceramistas), sendo que mais recentemente ali se fixaram
os ndios Mbya-guaranis. A colonizao de Maquin iniciou-se, efetivamente,
por volta de 1835 com a chegada de descendentes de portugueses
procedentes da provncia de Sta. Catarina, acompanhados de escravos. Na
segunda metade do sculo XIX, chegaram os imigrantes europeus, primeiro os
alemes, em menor nmero, seguidos dos italianos, que desceram das colnias
de cima da Serra.
A estrutura fundiria do municpio fortemente marcada pela presena
de pequenas propriedades: segundo o censo agropecurio 95/96 (IBGE, 1996),
quase 70% dos estabelecimentos tem rea inferior a 20ha, sendo que estes
ocupam apenas 20% da rea total. Estes dados demonstram que a grande
maioria das propriedades agrcolas so usadas segundo a tica da agricultura
familiar. Em geral, esses agricultores colocam em prtica sistemas de cultivo e
de criao diversificados e tem uma produo para o autoconsumo bastante
significativa. Em algumas regies do municpio, principalmente na parte
costeira do municpio, constata-se a ocorrncia de grandes propriedades.
31
Aproximadamente 80% das famlias so proprietrias do seu estabelecimento e
34% dos estabelecimentos tem algum tipo de atividade econmica ligada
produo de hortigrangeiros (IBGE, 1995/1996).
Segundo tipificao realizada pela EMATER (Emater, 1995), no
municpio so desenvolvidas duas principais atividades agrcolas: uma que
agrega maior renda atravs do cultivo de olercolas e praticada em terreno
plano com fertilidade alta e alta tecnologia aplicada (na rea da vrzea) e a
segunda cuja renda oriunda principalmente do milho e do feijo, em terreno
acidentado e praticamente sem tecnologia associada (rea de encosta e meia
encosta). Nas reas mais ngremes onde antes ocorria desmatamento para
atividades de agropecuria e uso da madeira, observa-se a regenerao da
mata nos mais diferentes estgios de sucesso secundria. Apesar da
agricultura ainda permanecer reconhecida como economia formal da
comunidade, nos ltimos anos tem crescido a atividade extrativista. Da mesma
forma tem crescido o interesse turstico pela regio, principalmente devido
presena de cachoeiras, cascatas e mananciais e proximidade ao litoral
gacho e capital (Anama/PGDR-UFRGS, 2003).
Em Maquin, foi realizado um diagnstico scio-econmico
caracterizando as propriedades rurais do municpio (Anama/PGDR-UFRGS,
2003). Os resultados evidenciaram 11 tipos bsicos de unidades de produo,
representando grupos semelhantes internamente quanto disponibilidade de
meios de produo e atividades agrcolas. Este estudo tambm apontou a
extrao de Rumohra adiantiformis como uma atividade presente em todo
municpio realizada por todos os extratos sociais. Mais de um tero dos
agricultores familiares desenvolvem atividades estreitamente relacionadas
extrao de recursos naturais locais, sobretudo de Rumohra adiantiformis,
Euterpe edulis e de epfitas.
Os tipos que compem os estratos mais populosos e com menos
condies so os Tipos I (17%), II (17%) e III (9%), sendo o tipo II representado
por idosos aposentados que, muitas vezes, complementam sua renda mensal
com o arrendamento de parte de suas terras para a extrao de samambaia.
Os grupos I e II caracterizam-se por viverem nas encostas, geralmente nos
fundos de vale, possurem pequenos lotes de terra no apropriados ao plantio
32
comercial, viverem basicamente da extrao de samambaia e realizarem
agricultura de subsistncia, sem nenhum tipo de mecanizao.
O presente estudo faz parte do Projeto Samambaia-preta desenvolvido
pela Ong Anama (Ao Nascente Maquin), PGDR (Ps-graduao em
Desenvolvimento Rural), PPG-Antropologia e PPG-Botnica da UFRGS, Sema
(Secretaria Estadual do Meio Ambiente) e SAA-RS (Secretaria Agricultura e
Abastecimento). O objetivo foi o estudo dos impactos ambientais, sociais e
econmicos do extrativismo de Rumohra adiantiformis sobre as comunidades
de agricultores extrativistas. Este projeto buscou elaborar fundamentos tcnico-
cientficos para subsidiar: o licenciamento da atividade extrativista, a
estruturao da cadeia produtiva, o manejo das reas de ocorrncia da espcie
e a busca de alternativas para diversificao de extrativismo, visando economia
familiar sustentvel.
A rea piloto do Projeto Samambaia-preta se localizou no vale da
Solido, chamado de Fundos da Solido, oficialmente Vila Ramos. Nesta
localidade, reside um ncleo populacional constitudo, principalmente, por
extrativistas de samambaia que compem os tipos I e II da tipologia acima
mencionada. Esta localidade foi escolhida por ser reconhecida pelos
moradores do Municpio como constituda por extrativistas de samambaia, alm
de haver um histrico anterior de aproximao entre seus moradores e os
pesquisadores, o que facilitou o processo de insero na comunidade.
Segundo dados sobre a caracterizao scio-econmica da comunidade
piloto (Anama/PGDR-UFRGS, 2003):
atualmente residem nesta comunidade 22 famlias, sendo a mdia de
3,7 pessoas/famlia. Para esta avaliao foram consideradas as pessoas que
residem em uma mesma casa, normalmente, casal e filhos. Quanto origem
tnica so citadas a alem, indgena, italiana, negra ou portuguesa, mas de
uma forma geral dizem-se brasileiros.
para a maioria das famlias (85,7%) a renda mensal varia de um a dois
salrios mnimos. Para as outras famlias (14,3%) o rendimento mensal no
ultrapassa um salrio mnimo. A coleta de samambaia faz parte da composio
de renda de 60% das famlias dos Fundos da Solido, sendo a principal fonte
de renda de 47% das famlias. A aposentadoria rural vem em segundo lugar,
33
sendo a renda principal de 33% das famlias. As outras atividades citadas
foram a venda de excedente agrcola (em escala local), artesanato com fibras
vegetais, trabalho como peo, em empreitadas ou como pedreiro, licenas e
penses do INSS, bolsa-escola (Governo Federal), elaborao e
comercializao de remdios caseiros preparados a partir de ervas cultivadas e
coletadas na localidade e a ajuda financeira de familiares residentes em outras
localidades.
a maior parte das atividades e rendimentos referidos so temporrios,
sendo aproveitados como complemento da renda sempre que h oportunidade.
Algumas dessas atividades, assim como as de subsistncia, so praticadas
pelos extrativistas quando no h demanda por samambaia. importante
salientar que nenhum ncleo familiar tem como principal rendimento a venda
de excedente de produo agrcola ou pecuria.
o estudo verificou que persistem algumas pequenas roas, onde
cultivada, principalmente, a mandioca, alm de milho, feijo e batata-doce. Na
propriedade de alguns moradores verifica-se a criao de porcos e galinhas
para consumo prprio. Poucas famlias mantm gado, seja de corte ou para
produo de leite e seus derivados. Conseqentemente, em vista da pequena
produo, muitos dos produtos consumidos so comprados nos mercados da
regio.
apenas a metade das famlias entrevistadas afirma ser dona das terras
onde vive. Dessas propriedades 42,86% tem entre 4 e 10 hectares e 57,14%
tem entre 18 e 22 hectares. Deve-se ressaltar que a maior parte dessas
propriedades possuem uma superfcie agrcola til pequena, com poucas reas
planas e o restante formado por encostas onde o manejo torna-se difcil.
o estudo verificou que h uma preocupao com a posse e extenso
dos lotes de terra para as prximas geraes, devido ao aumento populacional
que ocorre de gerao a gerao. Os filhos vo casando e construindo casas
perto dos seus pais. Geralmente quem permanece nas terras so os filhos
homens, vindo a esposa a integrar-se na famlia deste. Atualmente, convivem
nestas terras quatro geraes. Observa-se que casamentos consangneos
so muito comuns.
34
as geraes mais novas so bastante estimuladas a buscarem a
escolaridade referente ao ensino fundamental. Os alunos desta comunidade
freqentam duas escolas: uma delas situada na localidade, cerca de 3km, a
outra na cidade de Maquin. Os adultos dos fundos da Solido so analfabetos
funcionais, apenas escrevem o seu prprio nome ou so precariamente
alfabetizados, sabendo ler e escrever pequenos textos. O maior ndice de
escolaridade fixa-se nas quatro primeiras sries do Ensino Fundamental. A
gerao que, atualmente, se encontra na pr-adolescncia e adolescncia
apresenta um grau de escolaridade maior.
a localidade dos Fundos da Solido (figura 5) localiza-se a 7km do
centro do municpio onde so encontrados os mercados, o banco e o posto de
sade mantido pelo municpio e utilizados pela comunidade. O acesso cidade
feito a p ou de bicicleta, por estradas de cho batido em ms condies.
Existe somente o transporte escolar realizado pela prefeitura que,
eventualmente, permite o deslocamento de adultos.
no existe hospital no municpio e quando faz-se necessria a
hospitalizao, os pacientes so removidos pelas ambulncias da prefeitura
para os hospitais de Osrio, de Capo da Canoa ou de Porto Alegre. O
atendimento odontolgico feito atravs do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais ou de forma particular. Nos Fundos da Solido existe, desde 1992, a
Farmcia Caseira Comunitria da Solido, iniciativa de um grupo de mulheres
da localidade. O trabalho realizado nas farmcias essencialmente voluntrio,
caracterizando-se pelo estudo das plantas medicinais, preparao de remdios
e atendimento comunidade.
35
Foto: Rumi Kubo Figura 5 Vista da localidade dos Fundos da Solido.
36
3. OBJETIVOS
A partir do pressuposto que o extrativismo de Rumohra adiantiformis ,
hoje, uma das nicas alternativas econmicas para os agricultores familiares
das encostas da Mata Atlntica, e que estas reas so ricas em biodiversidade,
a hiptese central deste trabalho baseia-se na suposio de que o resgate do
conhecimento tradicional atravs do levantamento etnobiolgico realizado junto
aos agricultores familiares extrativistas vem a auxiliar na diversificao da
economia destas famlias, dentro de uma perspectiva de sustentabilidade. Este
conhecimento pode ser importante para o desenvolvimento da comunidade,
para o manejo sustentvel de cada espcie em questo, portanto de grande
valia para o estabelecimento das bases de conservao da Mata Atlntica no
Estado.
Na primeira etapa, que foi realizada conjuntamente com o Projeto
Samambaia-preta feita uma anlise do extrativismo de R. adiantiformis na
perspectiva da Etnobotnica/Etnoecologia, sendo realizada a caracterizao da
atividade de coleta e um levantamento de aspectos etnoecolgicos da espcie.
Na segunda etapa, foi feito um levantamento etnobotnico de espcies ligadas
atividade artesanal. Na terceira etapa, realizado um estudo
etnofarmacolgico das preparaes utilizadas na FCC para afeces
relacionadas atividade antimicrobiana. Na quarta feito o aprofundamento
das anlises antimicrobianas para subsidiar o uso pela FCC.
37
OBJETIVOS GERAIS
a) Identificar, resgatar e analisar, sob o ponto de vista etnobiolgico, as
atividades extrativistas praticadas por agricultores familiares extrativistas em
rea de Mata Atlntica;
b) Contribuir para o envolvimento da comunidade estudada em um
desenvolvimento social, econmico e ambientalmente sustentvel;
ESPECFICOS
a) Identificar atividades econmicas e produtos vegetais no madeireiros,
presentes na regio, que possam ser base de atividades para diversificao da
economia de agricultores familiares do Litoral Norte;
b) Verificar as possibilidades de incremento e ajustes no extrativismo de
espcies j comercializadas por agricultores familiares da comunidade dos
Fundos da Solido, Maquin;
c) Avaliar as possibilidades de incremento e ajustes na produo de remdios
caseiros preparados na Farmcia Caseira Comunitria da Solido, Maquin;
38
4. ARTIGO EM A SER SUBMETIDO A AMBIOSPREPARAO
EXTRATIVISMO DE SAMAMBAIA- PRETA ( (G. FORST.) CHING) EM DE MATA A A NO RIO
GRANDE DO SUL
RUMOHRA ADIANTIFORMISREAS TLNTIC
Fotos: Rumi Kubo
39
EXTRATIVISMO DE SAMAMBAIA-PRETA (RUMOHRA ADIANTIFORMIS (G. FORST.) CHING) EM REAS DE MATA ATLNTICA NO RIO GRANDE DO SUL
Coelho de Souza, G.P. 1,2, Kubo, R.2, Guimares, L. 2, Magalhes, R.2, Elisabetsky, E.3
1PPG-Botnica, UFRGS, 2ONG ANAMA, Ao Nascente Maquin; 3Lab. de Etnofarmacologia; UFRGS
1. RESUMO
As frondes de Rumohra adiantiformis (G. Forst.) Ching, conhecida como
leatherleaf, seven-weeks-fern ou samambaia-preta, so usadas mundialmente
em arranjos florais. Na frica do Sul e Brasil o comrcio da espcie oriundo
do extrativismo. No Brasil a coleta realizada em reas de Mata Atlntica,
sendo que 50% da produo provm das encostas da Serra Geral no Rio
Grande do Sul. Atualmente, cerca de 2.000 famlias de agricultores familiares
desta regio realizam as atividades de extrao e comercializao da
samambaia como sua principal fonte de renda. No entanto, a coleta, o
comrcio e o transporte de plantas ornamentais nativas so proibidos pela
legislao em reas de Floresta Ombrfila Densa, sendo exigidos estudos
especficos para sua regularizao. Este trabalho prope a avaliao do
extrativismo de R. adiantiformis em reas de encosta da Floresta Ombrfila
Densa no RS sob uma perspectiva etnobotnica/etnoecolgica. Foram
coletados dados etnoecolgicos sobre R. adiantiformis junto a comunidades de
extrativistas dos municpios do Litoral Norte do RS. A relao dos dados
ecolgicos sobre a espcie com as informaes levantadas (reas de
ocorrncia da espcie, ciclos de corte, causas da diminuio da ocorrncia)
corroborou o conhecimento tradicional quanto sustentabilidade da atividade.
O xodo rural e o extrativismo estabelecidos desde a dcada de 70, permitiram
a regenerao da Floresta Ombrfila Densa, situao que est levando
diminuio dos estoques naturais, pois a espcie caracterstica de estgios
sucessionais iniciais. Por ser uma atividade de baixo impacto ambiental e de
grande retorno econmico premente o estabelecimento do manejo adequado
numa perspectiva neo-extrativista para maximizao da produo das reas
garantindo uma alternativa de renda aos agricultores extrativistas.
40
2. ABSTRACT
Fronds of Rumhora adiantiformis, also known as leatherleaf, seven-weeks-
fern or samambaia-preta (black fern), are used worldwile as florists greenery.
Countries like Costa Rica and the USA export this species which is produced
with irrigated cultivation. In South Africa and in Brazil, this species trade is
based on extrativism. In Brazil, this species is harvested in Mata Atlntica
areas and 50% of the production comes from slopes in Serra Geral in Rio
Grande do Sul (RS). Nowadays, there are about 2000 agriculturist families who
have harvesting and trading samambaia as their main source of revenue.
However, harvesting, trading and transporting ornamental species are
prohibited by legislation in Mata Atlntica areas sensu strictu. This paper aims
to evaluate the R. adiantiformis extrativism in hillside areas of the RS under an
ethnobotanical/ethnoecological perspective.The relationship with the ecological
data of this species with the information collected among the extractive
community (occurrence areas, cutting cycles, minimum area for family
exploitation during one year, causes for diminishing resources) are in
agreement with the traditional perception on the sustainability of the extractive
activity. The exodus to cities and the extrativism itself, which took place from the
1970s on, have allowed the regeneration of the Atlantic Rain Forest. Since this
species is usually from early stages of succession, the forest regeneration is
leading up to the decrease of natural stocks. Since this is a low environment
impact activity, associated with significant economic profit, it is urgent to
establish appropriate management, in the neoextractivism perspective, such as
to maximize the production/area and to garantee this economic activity for these
families.
41
3. INTRODUO As frondes de Rumohra adiantiformis (G. Forst.) Ching
(Dryopteridaceae-Pteridophyta) apresentam grande popularidade, no mercado
mundial de flores, por possurem grande durabilidade aps sua coleta. Esta
espcie, conhecida como leatherleaf, seven-weeks-fern e no Brasil
samamabaia, samambaia-preta ou silvestre, tem distribuio pantropical sendo
tambm encontrada nas regies temperadas do sul (Milton & Moll, 1988).
R. adiantiformis comeou a ser cultivada no estado da Flrida (U.S.A.)
no final da dcada de 30. A partir da dcada de 60 tornou-se de grande
expressividade no mercado internacional de flores (PVNS, 2003). Atualmente,
grandes produtores de R. adiantiformis, cultivada em viveiros irrigados, so a
Flrida, que comercializa com mercados americanos e europeus (Mathur et al.,
1983), e a Costa Rica que comercializa com mercados japoneses, europeus e
americanos. frica do Sul e Brasil so pases que apresentam populaes
naturais em abundncia, exploradas economicamente por extrativismo (Milton,
1987, Anama, 2002).
No Brasil, o extrativismo de R. adiantiformis realizado em reas de
Mata Atlntica do sul e sudeste do pas (Conte et al., 2000; Hanazaki, 2001),
tendo grande expressividade no Rio Grande do Sul. Neste Estado, a espcie
est presente em todo o territrio, sendo particularmente abundante nas
encostas da Serra Geral, em rea de Floresta Ombrfila Densa (Anama, 2002).
Estas reas so altamente produtivas: estima-se que mais de 50% da
samambaia comercializada, no Brasil, tenha como origem o estado do RS
(Anama/PGDR-UFRGS, 2003).
Segundo Gerhardt (2002), a partir da dcada de 70 a extrao de R.
adiantiformis passou a estabelecer-se como a principal estratgia de
agricultores nas reas de encostas do litoral norte, visando sua permanncia
na terra e a manuteno da organizao social vinculada s relaes familiares
de produo. Esta atividade intensificou-se nas dcadas seguintes, envolvendo
um nmero crescente de famlias impedidas de cultivarem suas terras, seja por
restries de legislao ambiental (Decreto Federal 7501, 1993), seja pela
disponibilidade restrita de reas apropriadas para cultivo ou ainda pelo xodo
42
de grande parte dos jovens do meio rural (Gerhardt & Miguel, 2001). Estima-se
que, atualmente, cerca de 2.000 famlias de agricultores, dos municpios do
Litoral Norte do RS realizam atividades de extrao e comercializao da
samambaia como sua principal fonte de renda, sendo completamente
dependentes das relaes estabelecidas com os atravessadores.
Embora o extrativismo de R. adiantiformis seja de grande importncia
para a economia dos municpios do Litoral Norte do RS, esta atividade
considerada irregular pelo Cdigo Florestal Estadual (Lei Estadual no 9519,
1992). Segundo Ribas et al. (2002), a extrao de samambaia-preta apresenta
uma profunda desestruturao na base da cadeia produtiva, tanto em termos
de organizao dos agentes envolvidos, quanto pela sua falta de informao
sobre a prpria atividade extrativista, situao relacionada condio de
ilegalidade e informalidade das relaes comerciais.
Os impactos ambientais, sociais e econmicos do extrativismo de R.
adiantiformis sobre as comunidades de agricultores extrativistas foram o objeto
de estudo do Projeto Samambaia-preta, que teve como objetivos elaborar
fundamentos tcnico-cientficos para subsidiar: o licenciamento da atividade
extrativista, a estruturao da cadeia produtiva, o manejo das reas de
ocorrncia da espcie e a busca de alternativas para diversificao de
extrativismo, visando a economia familiar sustentvel. Este trabalho props-se
a avaliar o extrativismo de R. adiantiformis em reas de encosta da Floresta
Ombrfila Densa (Mata Atlntica strictu sensu) sob uma perspectiva
etnobotnica/etnoecolgica.
4. METODOLOGIA O levantamento de dados sobre o extrativismo de R. adiantiformis
(ICN122597) foi realizado durante os anos de 2000 a 2002, nos municpios de
Osrio, Cara e Maquin, sendo centrado na comunidade extrativista dos
Fundos da Solido, no municpio de Maquin. Nesta comunidade, vivem cerca
de 22 famlias caracterizadas como perfis I e II da tipologia de sistemas de
1 Anexo I
43
produo proposta pelo diagnstico scio-econmico realizado em Maquin
(Anama/PGDR-UFRGS, 2000).
Os perfis I e II so caractersticos de agricultores familiares que vivem
nas encostas, geralmente nos fundos de vale, possuem pequenos lotes de
terra no apropriados agricultura convencional, tm como principal atividade
econmica a extrao de R. adiantiformis e realizam agricultura de subsistncia
sem nenhum tipo de mecanizao. So chamados de samambaieiros. Na
comunidade estudada, 60% das famlias apresenta, atualmente, alguma
relao com a atividade extrativista, sendo que 47% pratica o extrativismo
como principal fonte de renda, seguido pela aposentadoria rural (33%)
(Anama/PGDR-UFRGS, 2003).
As 22 famlias extrativistas foram acompanhadas durante todo o perodo
do projeto atravs de observao participante (Amorozo, 1996). Foram
realizadas entrevistas abertas e semi-estruturadas (Viertler, 2002) com as
famlias acompanhadas sobre a atividade extrativista e conhecimento sobre a
biologia e manejo da espcie. A partir das entrevistas, foi feita a identificao
de informantes com conhecimento e prtica acerca da atividade de coleta. Foi
realizado o acompanhamento destes extrativistas durante a coleta, transporte e
beneficiamento da samambaia.
4.1 CONTEXTO HISTRICO E SOCIAL
Quanto ao histrico de ocupao destas reas, segundo Anama/PGDR-
UFRGS (2003) as reas de encosta no interior do vale da Solido foram
ocupadas no final do sculo XIX pelos pais e avs dos moradores locais. Estes
vieram de outros locais do municpio, mais prximos ao litoral ou de outros
municpios do litoral norte. At a dcada de 60 o sistema agrrio era de carter
essencialmente familiar, estruturado na produo de culturas de subsistncia e
alguns produtos comerciais (como feijo, sunos, milho, cana-de-acar, fumo)
atravs de um sistema tradicional de cultivo de queimada.
Entre as dcadas de 50 e 70, o vale era ocupado por um nmero bem
maior de famlias do que atualmente. Segundo os moradores todas as reas
que atualmente so ocupadas por capoeiras j foram plantaes de cana-de-
acar. A partir da dcada de 70, o cultivo de cana-de-acar e fumo foram
44
tornando-se inviveis para os pequenos agricultores das reas de encosta,
principalmente pelo aumento do nmero de pessoas nas reas o que fazia com
que diminusse o tempo de pousio das reas manejadas, diminuindo a
produo devido baixa fertilidade do solo. Contribuindo tambm para esta
situao o fato de no haver mercado que absorvesse tais produtos.
Concomitante a este processo, nas reas de vrzea, iniciou-se a
produo de olercolas. Este sistema de cultivo intensivo foi-se modernizando,
o que acarretou uma maior valorizao das reas planas e mecanizveis, com
um conseqente processo de acumulao de capital. A mo-de-obra das reas
de encosta foi deslocada para os plantios das vrzeas. A falta de alternativas
para as comunidades alheias a este novo processo de ocupao da terra
incentivou a migrao para a cidade.
Segundo Gerhardt (2002), os fatores histricos, sociais e econmicos
vivenciados por estas comunidades que influenciaram no processo de
regenerao florestal foram: a reduo de mo-de-obra na economia familiar,
decorrente do xodo rural, a migrao de mo-de-obra das propriedades
localizadas na encosta para as de vrzea, as dificuldades no manejo da terra
decorrentes da legislao ambiental, o deslocamento da atividade agrcola para
a extrativista (atendendo demanda do mercado estadual e nacional por
samambaia-preta), a disponibilidade restrita da terra principalmente de reas
planas mais facilmente mecanizveis. Por ser a samambaia uma espcie
abundante em reas de encosta associadas capoeira, tornou-se bastante
beneficiada por este processo.
A partir da dcada de 70, o interesse do mercado nacional por esta
espcie incentivou comerciantes paulistas virem regio realizar a
intermediao para outros estados do pas. Intermedirios locais passaram a
realizar o transporte da samambaia das reas de coleta estrada federal.
Neste contexto, o extrativismo de R. adiantiformis foi tornando-se uma das
nicas alternativas econmicas para comunidades que permaneceram em suas
reas de encosta.
45
5. RESULTADOS E DISCUSSO
A extrao de R. adiantiformis uma atividade realizada pela unidade
familiar, nas reas de encosta da Mata Atlntica. efetuada em quatro etapas:
1) a coleta nas reas de encosta, 2) o transporte ao local de armazenamento,
3) a confeco da mala, a unidade de comercializao da samambaia-preta
que contm em mdia 60 frondes, 4) a entrega da mercadoria.
Cada famlia possui sua rea de coleta prpria ou arrendada, localizada
ao longo de trilhas, nas capoeiras, em direo aos topos de morros. A coleta
feita, manualmente com ou sem o auxlio de uma faca. As frondes so
selecionadas a partir das seguintes caractersticas: a) cor (verde escuro), b)
textura (rigidez, que caracteriza a fronde adulta, c) soros (preferencialmente
ausentes). No inverno, quando h escassez, so aceitas frondes com soros.
O transporte da rea de coleta at o local de armazenamento feito,
usualmente, nas costas (figura 1), s vezes a cavalo. Esta atividade exige o
deslocamento de cargas bastante pesadas (em mdia 25kg por 50 malas),
ocasionando, nos extrativistas diversos problemas de sade. Os locais de
armazenamento so bastante midos prximos aos rios, para facilitar a
conservao e s estradas para facilitar o recolhimento pelo caminho do
transportador. A carga colocada em um grande monte, aguada e coberta por
folhas de caet (Hedychium coronarium L.) ou lonas plsticas (figura 2). A
samambaia fica em torno de quatro dias, neste local. No terceiro dia, as malas
(figura 3) so confeccionadas com uma corda (rfia ou sisal) (figura 4),
previamente, distribuda pelo transportador. No quarto dia, ocorre a entrega.
A quota de coleta de samambaia entre os extrativistas, previamente
acordada com os atravessadores, bastante varivel, sendo em geral fixa por
famlia. Esta variao compreende valores entre 50-100 malas por encomenda,
o equivalente a 100-200 malas por semana. Para alcanar uma quota de 100
malas o extrativista despende trs a quatro turnos: dois a trs turnos para a
seleo, corte e transporte da samambaia para o local de armazenamento e
um turno para a confeco das malas. O extrativista recebe R$0,35 por mala,
gerando uma renda semanal de R$35,00 ou R$70,00.
A tabela 1 apresenta informaes etnoecolgicas sobre o manejo de R.
adiantiformis obtidas nas entrevistas realizadas. Para fins de compreenso e
46
discusso a tabela tambm apresenta resultados do estudo da biologia e
ecologia da espcie realizado pelo Projeto Samambaia-preta (Anama, 2002). O
estudo biolgico veio a corroborar o conhecimento tradicional quanto
sustentabilidade da atividade. Os resultados demonstram a viabilidade da
explorao sustentvel da espcie (Anama, 2002).
Os extrativistas foram unnimes em afirmar que: quanto mais se tira a
samambaia mais ela vem.... Esta viso pode ser explicada por ser esta uma
espcie rizomatosa que necessita de sombreamento moderado e ento
favorecida pela entrada de luz quando da retirada da fronde adulta e pelo
afastamento da vegetao do entorno para realizao da coleta. A extrao de
um rgo do indivduo caracteriza um extrativismo de coleta (Homma et al.,
1996), que no mata a planta matriz. Tambm afirmam que ... daqui h uns 10
ou 15 anos vai acabar tudo. Esta percepo explicada pela rea de
ocorrncia desta espcie ser a capoeira em estdios iniciais e mdios de
regenerao, sendo que o avano da sucesso natural elimina o ambiente
favorvel espcie pelo excessivo sombreamento.
Estima-se uma mdia de 576.000 frondes extradas por ano para o
sustento de uma famlia de extrativistas, que coleta 200 malas por semana,
recebendo o valor de R$280,00 por ms. Segundo Anama (2002), as reas de
capoeira estudadas apresentaram produtividade variveis entre 7 a 66
frondes/m2, sendo o valor mdio 30 frondes/m2, alm disso, a estimativa de
frondes adultas por rea de 56%. A partir destes dados, levando-se em conta
que as informaes populares e os dados biolgicos apontam como
sustentvel a coleta duas vezes ao ano em uma mesma rea, estima-se a
mdia de 16,8 frondes coletveis/m2.
A partir destes dados a rea mnima necessria para uma famlia foi
estimada em 3,4 hectares de uma rea em estdio inicial a mdio de
regenerao, estando de acordo com as estimativas dos extrativistas.
O fato das reas de encosta da Mata Atlntica no estado do RS serem
consideradas um centro de produo da espcie deve ser visto na perspectiva
de ser um momento na sucesso natural. A samambaia-preta uma espcie
de alta densidade populacional em reas antrpicas nos estgios iniciais da
sucesso natural (Kageyama & Reis, 2002). Atualmente, h uma franca
diminuio na disponibilidade dos estoques de samambaia. Este perodo de 30
47
anos corresponde ao perodo de regenerao da mata desde o uso agrcola
at o aparecimento de um estrato arbreo significativo (Nodari et al., 2000).
Muitos relatos afirmam que a sa