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1 EXTRATO DA 5ª REUNIÃO Data: 14/12/2015 (17h30) Local: Faculdade de Direito da Puc-Campinas Presentes Bárbara Faber; Débora Cristine; Eduardo Zamboni; Felipe Vivas; Letícia Ferreira; Silvio Beltramelli Módulo do Semestre Fundamentos do Materialismo Histórico Dialético Leituras HARVEY, David. Para entender O Capital Livro I. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 61-161. _______. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. Trad. Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. 13 ed. São Paulo: Loyola, 2004, p. 122-184. Deliberações I. Registro: considerando a concentração de provas finais e a dificuldade da conciliação das agendas, não houve, de comum acordo, a reunião prevista para novembro de 2015, tendo, por isso, havido o acúmulo de leituras, a serem discutidas, conjuntamente, no encontro de hoje. Pelo professor, neste entretempo, foi indicada a seguinte leitura adicional: HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural . Trad. Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. 13 ed. São Paulo: Loyola, 2004, p. 122-184; II. Em não tendo havido tempo hábil para a realização de um “Encontro Dialógico”, abordando os principais assuntos discutidos neste módulo, com a finalidade de dividir com os demais discentes interessados as reflexões havidas dentro do GEDiSC, tal evento foi transferido para o início do próximo semestre letivo; III. Fica confirmada, também para o início do próximo semestre letivo, a abertura de processo seletivo para a ocupação de vagas em aberto do GEDiSC; IV. Todos os integrantes do grupo presente manifestaram interesse de que o próximo módulo semestral continue estudando a pertinência contemporânea dos conceitos do materialismo histórico-dialético, contudo a partir de reflexões sobre conflitos sociais atuais, relativos à violação da dignidade da pessoa humana. A sugestão inicial, a ser ratificada, posteriormente, é de que o módulo seja intitulado Materialismo histórico-dialético aplicado. Todos os presentes

EXTRATO DA 5ª REUNIÃO · 2016-02-12 · Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. Trad. Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela ... HARVEY, David

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EXTRATO DA 5ª REUNIÃO

Data: 14/12/2015 (17h30) Local: Faculdade de Direito da Puc-Campinas

Presentes Bárbara Faber; Débora Cristine; Eduardo Zamboni; Felipe Vivas;

Letícia Ferreira; Silvio Beltramelli

Módulo do Semestre Fundamentos do Materialismo Histórico Dialético

Leituras HARVEY, David. Para entender O Capital – Livro I. Trad. Rubens

Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 61-161.

_______. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens

da mudança cultural. Trad. Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela

Gonçalves. 13 ed. São Paulo: Loyola, 2004, p. 122-184.

Deliberações

I. Registro: considerando a concentração de provas finais e a dificuldade da

conciliação das agendas, não houve, de comum acordo, a reunião prevista para

novembro de 2015, tendo, por isso, havido o acúmulo de leituras, a serem

discutidas, conjuntamente, no encontro de hoje. Pelo professor, neste

entretempo, foi indicada a seguinte leitura adicional: HARVEY, David. Condição

pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. Trad. Adail

Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. 13 ed. São Paulo: Loyola, 2004, p.

122-184;

II. Em não tendo havido tempo hábil para a realização de um “Encontro Dialógico”,

abordando os principais assuntos discutidos neste módulo, com a finalidade de

dividir com os demais discentes interessados as reflexões havidas dentro do

GEDiSC, tal evento foi transferido para o início do próximo semestre letivo;

III. Fica confirmada, também para o início do próximo semestre letivo, a abertura

de processo seletivo para a ocupação de vagas em aberto do GEDiSC;

IV. Todos os integrantes do grupo presente manifestaram interesse de que o

próximo módulo semestral continue estudando a pertinência contemporânea

dos conceitos do materialismo histórico-dialético, contudo a partir de reflexões

sobre conflitos sociais atuais, relativos à violação da dignidade da pessoa

humana. A sugestão inicial, a ser ratificada, posteriormente, é de que o módulo

seja intitulado “Materialismo histórico-dialético aplicado”. Todos os presentes

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se prontificaram a sugerir referências bibliográficas que atendam ao objeto do

próximo módulo.

Síntese dos conceitos discutidos1

O objetivo de Marx no segundo capítulo é definir as condições socialmente

necessárias da troca capitalista de mercadorias e criar uma base sólida para a

consideração da forma dinheiro.

O argumento de Marx começa definindo a relação operativa entre a mercadoria e

aqueles que a levam para o mercado, uma vez que as mercadorias não vão sozinhas

para o mercado. Dentro do esquema do pensador alemão as pessoas que levam a

mercadoria até o mercado de troca devem se reconhecer mutuamente como

proprietários privados. Marx vê aí uma relação jurídica, e para ele a forma dessa

relação é o contrato, portanto é uma relação de manifestação de vontade onde é

refletida a relação econômica. Para Marx assim as pessoas se reconhecem como

pessoas, e só se reconhecem como pessoas por serem representantes das

mercadorias.

Harvey chama esse reconhecimento da outra pessoa apenas enquanto ela for

possuidora ou representante das mercadorias, de mascaras econômicas e isso para

Marx é a personificação das relações econômicas. Tal fato ganha importância pois

percebemos que Marx está preocupado com o papel que o indivíduo desempenha nas

relações econômicas, e não com o indivíduo em sí, por isso ele está sempre

analisando as relações (compradores x vendedores; devedores x credores;

capitalistas x trabalhadores). Deslocar o foco da investigação para as relações em vez

de focar nos indivíduos dá uma vantagem a Marx, pois assim ele consegue lidar com

as pessoas que assumem mais de uma posição nessas relações, ou que trocam de

posição nas relações econômicas.

Marx começa descrevendo as relações de troca de mercadorias baseada no

arcabouço político clássico, qual seja, os indivíduos detêm a propriedade privada das

mercadorias e as negociam de maneira não coercitiva, onde a equivalência nas trocas

1 Reprodução literal do ensaio apresentado ao grupo por Fernando H. R. Godoy.

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de mercadorias e as pessoas honram suas trocas (pacta sunt servanda), e esse é o

arcabouço teórico para o funcionamento dos mercados, segundo a teoria liberal.

Aqui Marx identifica que a mercadoria nasce já com a pretensão de ser trocada, o

possuidor quer cede-la e o comprador quer toma-la, ou nas palavras de Marx, Todas

as mercadorias são não-valores de uso para seus possuidores e valores de uso para

seus não possuidores, e o pensador alemão concluí que as mercadorias precisam

universalmente mudar de mão; e Marx introduz o trabalho no argumento “se o trabalho

é útil para outrem, ou seja, se seu produto satisfaz necessidades alheias, é algo que

só pode ser demonstrado na troca”.

Harvey salienta que o argumento de Marx é historicamente situado. (levantar a

discussão de como algumas vertentes do marxismo criticam os direitos humanos).

Marx ressalta que existe um valor latente na natureza das mercadorias, e esse valor

latente é o seu valor de troca e ele diz “na mesma medida em que se opera a

metamorfose dos produtos do trabalho em mercadorias, opera-se também a

metamorfose da mercadoria em dinheiro”.

Para Marx essa relação econômica reflete nas relações pessoais, onde temos

proprietários privados de coisas alienáveis, ou seja, temos pessoas independentes

umas das outras e coisas exteriores ao homem, isto é, livremente cambiáveis. E sendo

assim os operadores da troca não tem vínculo pessoal nenhum com as coisas que

possuem.

E segundo Marx essa relação de troca rompe com as relações anteriormente

existentes, esse rompimento das relações anteriores vai se dando com o tempo até

que a constante repetição da troca transforma-a num processo social regular. Isso

acontece quando há uma expansão geográfica e o valor das mercadorias se expande

em materialidade do trabalho humano em geral, e a forma dinheiro se encarna em

mercadoria que, por natureza, prestam-se a função social de um equivalente

universal, e para Marx esse primeiro equivalente universal são os metais preciosos.

O mais importante do argumento do equivalente universal para as trocas de

mercadorias é que o equivalente universal é uma maneira adequada de manifestação

do valor. Com isso, para Marx, a mercadoria-dinheiro possui uma dualidade, pois tanto

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é mercadoria no sentido ordinário de ser um produto do trabalho, quanto adquire um

valor de uso formal, que deriva de suas funções sociais especificas. Nessa função

social formal a forma-dinheiro é apenas o reflexo, concentrado numa única

mercadoria, das relações de todas as outras mercadorias.

Para Marx cada mercadoria é na verdade um signo, uma vez que como valor, ela é

tão somente um invólucro reificado do trabalho humano nela desprendido.

Para Marx a mercadoria-dinheiro não pode realizar seu valor específico sem a troca

de todas as outras mercadorias como equivalentes, ainda que para isso finja ser o

equivalente universal de todas as outras mercadorias.

Para Marx uma vez que exista dinheiro, as mercadorias encontram um meio de medir

seu próprio valor agindo como se o ouro fosse a encarnação imediata de todo trabalho.

E para Marx essa é a grande mágica: como o dinheiro passa a encarnar e equivaler

ao trabalho humano.

Neste Segundo Capitulo do Capital Marx também aceita as bases teorias do

capitalismo e do liberalismo só para poder provar que os mercados perfeitos e a mão

invisível do mercado só geram mais desigualdade social, dando mais riquezas para

os capitalistas e mais pobreza para os trabalhadores.

Chegamos então ao capitulo 3 de o Capital e até aqui ficou claro que a noção de

dinheiro elaborada por Marx está totalmente vinculada ao tratamento que Marx dá às

trocas de mercadorias. A disseminação da troca de mercadoria num ato social geral

conduziu ao surgimento de um equivalente universal, e esse equivalente universal é

a mercadoria-dinheiro. Aqui é valido que para Marx a mercadoria dinheiro encobre as

origens do valor no tempo de trabalho socialmente necessário, a mercadoria-dinheiro

traz uma nova forma de valor.

O dinheiro é um conceito unitário, mas interioriza funções duplas, que refletem a

dualidade do valor de uso e do valor de troca na própria mercadoria. Por um lado, o

dinheiro opera como uma medida de valor do tempo de trabalho socialmente

necessário. Para cumprir esse papel o dinheiro precisa possui qualidades especificas

capazes de fornecer um padrão preciso e eficiente de medida do valor. Por outro lado,

o dinheiro também tem a função de facilitar a expansão da troca, desse modo, ele

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funciona como um médio para movimentar uma variedade cada vez maior de

mercadorias de um lugar para o outro.

Começa-se o capitulo 3 de o capital dizendo que o ouro é uma ótima medida de valor,

porém seria surreal usar pequenas pepitas de ouro para pagar pelas mercadorias, e

mais surreal ainda seria levar pequenas quantidades de mercadorias para fazermos

as trocas por outras mercadorias. Portanto, conclui-se que apesar de o ouro ser uma

ótima medida de valor é um ineficiente meio de circulação.

Para Marx o dinheiro será medida de valor, mas também será um eficiente meio de

circulação, e no final existirá apenas um tipo de dinheiro (são as três características

do dinheiro). Marx ainda afirma que da tensão existente entre as características do

dinheiro é que surge uma outra forma de circulação que é o crédito, e com a criação

do crédito é que surge o CAPITAL. O dinheiro surge da relação de trocas e o capital

surge da tensão entre a característica do dinheiro ser medida de valor e de o dinheiro

ser meio de circulação. E esse é o objeto do capitulo 3 de O Capital.

O valor não é mensurável em si mesmo, antes requer uma representação e essa

representação é a mercadoria dinheiro, e a mercadoria dinheiro é a manifestação da

medida imanente de valor das mercadorias: o tempo de trabalho. O valor reside na

relação entre a mercadoria dinheiro como uma forma de manifestação do valor de

todas as mercadorias que são trocadas por ela. O valor das mercadorias é

irreconhecível sem sua forma de manifestação.

Depois Marx vai pensar como o preço é vinculado a mercadoria. Para ele o preço é

imaginário, pois não se tem ideia de qual é o valor da mercadoria antes de colocá-la

no mercado. Estabelece-se uma relação entre os preços imaginários, ideais, e os

preços efetivamente recebidos no mercado. O preço recebido deveria idealmente

indicar o valor verdadeiro, mas é apenas uma aparência, uma representação –

imperfeita – do valor.

Para Marx tratamos a mercadoria dinheiro sempre como algo dotado de um valor de

uso concreto, e suas próprias condições de produção influenciam o modo como o

valor é representado. Para Marx mesmo que toda mercadoria dinheiro provoque uma

medida oscilante de valor, sua inconstância não faz nenhuma diferença para os

valores relativos das mercadorias que são trocadas no mercado.

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Aqui nesse ponto nos é apresentado que o Estado tem a função de regular e organizar

o sistema monetário, mantendo-o efetivo e estável.

Para Marx as denominações monetárias desaparecem com todo o sinal da relação de

valor, ou seja com a relação com o tempo de trabalho socialmente necessário.

Portanto, a denominação monetária não é a mesma coisa que a mercadoria dinheiro.

Para Marx o preço é a denominação monetária do trabalho incorporado em uma

mercadoria. Para Marx pode haver uma incongruência quantitativa entre preço e

grandeza de valor, ou o desvio do preço em relação a grandeza de valor, para ele isso

é inerente a forma preço.

Marx conclui que o preço médio alcançado sempre oscilará de acordo com as

flutuações nas condições de oferta e demanda e é por esse mecanismo que ocorre

um equilíbrio do preço. E o que as flutuações nos preços produzem é uma

convergência no trabalho médio socialmente necessário para produzir uma

mercadoria.

Marx afirma que se podemos colocar uma etiqueta de preço numa coisa, então, em

princípio, podemos coloca-la em qualquer coisa, inclusive em coisas intangíveis, como

a honra e a consciência humanas. O sistema de preço pode atuar em qualquer

situação e causar incongruências quantitativas e qualitativas.

Para Marx o sistema de preço é, na verdade, uma aparência superficial que possuí

sua própria realidade objetiva, e esse sistema pode facilmente sair de controle. O

equilíbrio do preço é uma mera aparência do tempo de trabalho socialmente

necessário que gera o valor cristalizado em dinheiro.

Pensando no método dialético quer Marx apropriou de Hegel ele diz que as

contradições não são resolvidas, são interiorizadas e continuam se repetindo em um

movimento perpetuo ou em escala cada vez maior, é por isso que para Marx que as

contradições do dinheiro não são resolvidas.

Então Marx começa a analisar o metabolismo social por meio da troca. A troca faz

uma duplicação da mercadoria, em mercadoria e dinheiro. Estes quando em ação

movem-se em direções opostas a cada troca de mãos. Enquanto a troca de dinheiro

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facilita a movimentação das mercadorias, ocorre um fluxo oposto que cria a

possibilidade para o surgimento de formas antiéticas.

A troca é uma transação em que o valor sofre uma mudança de forma. Marx chama

essa cadeia de movimentos mercadoria em dinheiro e dinheiro em mercadoria de

relação M-D-M. Trata-se de uma dupla metamorfose do valor Mercadoria em dinheiro

e de dinheiro em mercadoria.

O lado M-D da troca (a venda) implica a mudança de forma de uma mercadoria

particular em seu equivalente universal, a mercadoria dinheiro. Um movimento do

particular para o universal. E para Marx existem vários obstáculos para a conversão

direta da mercadoria em equivalente universal.

Já o lado D-M da troca (a compra) é a transição do dinheiro para a mercadoria, ou

seja, do universal para o particular. E trocar dinheiro por mercadoria é muito mais fácil.

Nessa antítese que existe entre a compra e a venda Marx observa uma contradição

que existe na metamorfose das mercadorias tomadas em conjunto, isto é, na

circulação das mercadorias em geral.

A circulação de mercadoria é cada vez mais mediada pelo dinheiro. E a contradição

está no fato de que o dinheiro não desaparece, ele continua se movimentar.

E Marx argumenta que começo com a mercadoria, passo para o dinheiro mas não há

nada que me faça gastar imediatamente o dinheiro trocando o novamente por outra

mercadoria. A pessoa pode simplesmente guardar o dinheiro. E para Marx se todo

mundo tomasse a decisão de guardar seu dinheiro entraríamos em crise.

Marx observa que assim como o dinheiro de papel surge da função do dinheiro como

meio de circulação, também o dinheiro creditício possui suas raízes na função do

dinheiro como meio de pagamento.

Marx afirma que há apenas um dinheiro. Isso significa que de certo modo as

contradições entre o dinheiro como meio de circulação e como medida de valor

precisam de espaço para se mover, ou talvez devam ser resolvidas.

E Marx indica que a forma M-D-M pode ser vista como D-M-D, onde a obtenção do

dinheiro passa a ser um fim em si mesmo; é o que Marx chama de entesouramento.

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E Marx diz que isso pode acontecer pois temos um desejo apaixonado pelo poder do

dinheiro e porque temos uma necessidade social.

E para o pensador alemão o desejo de entesouramento é desmedido por natureza.

E Marx diz que não há nada que não seja mensurável em dinheiro. Mas o dinheiro

também é ele próprio uma mercadoria, uma coisa externa, que pode se tornar a

propriedade privada de qualquer um. Assim a potência social se torna potência

privada de uma pessoa privada e isso desemboca na tendência do dinheiro de tornar

o trabalho privado um meio de expressão do trabalho social. Com isso ele descreve

como pessoas privadas podem se apropriar de equivalente universal para suas

próprias finalidades privadas e começa-se a aparecer a possibilidade de concentração

de poder privado e eventualmente de poder de classe em forma monetária.

O poder social que o dinheiro proporciona não tem limite. Mas Marx vê uma

contradição no entesouramento, pois há uma limitação quantitativa do entesourador.

Existe uma limitação quantitativa e uma ilimitação qualitativa. E a acumulação de

dinheiro como poder social é um traço essencial do modo de produção capitalista.

O modo de produção capitalista é baseado essencialmente baseado na acumulação

infinita e no crescimento ilimitado.

Então Marx passa a analisar as implicações do dinheiro que é usado como meio de

pagamento. E o problema surge das temporalidades cruzadas de diferentes tipos de

de produção de mercadorias. Isso cria um hiato temporal entre a troca de dinheiro e a

troca de mercadoria. As mercadorias circulam fiado e o dinheiro se converte em

moeda contábil, lançada em livro comercial. E isso gera uma nova relação social, a

relação entre credores e devedores, e Marx identifica uma relação de poder no interior

da relação entre credor e devedor.

Além de que a relação de crédito faz com que a formula passe a ser D-M-|D, pois se

recebe de volta mais dinheiro do que se emprestou. E essa é a forma do dinheiro

como CAPITAL. E há uma grande diferença entre a circulação de dinheiro como

mediador da troca de mercadorias e o dinheiro usado para conseguir mais dinheiro.

Nem todo dinheiro é capital. O capital surge quando o dinheiro é posto em circulação

com o intuito de conseguir mais dinheiro.

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E aqui Marx afirma que para quitar as suas dividas você precisa conseguir dinheiro

vivo. A súbita escassez do meio de circulação em certo momento histórico pode gerar

uma crise. E para Marx cada vez que há uma crise quem fica mais forte são os

banqueiros.

Assim Marx observa a monetização de tudo quanto as propagações do crédito e do

capital financeiro.

Como já foi dito para o sistema monetário funcionar é necessário que exista uma

organização e regulação pelo Estado. Porém, existe um mercado mundial e as

políticas monetárias nacionais não podem isentar os Estados dos efeitos disciplinares

que derivam das trocas de mercadorias realizadas nesse mercado mundial. E Marx

diz que a base metálica se tornou essencial para o capitalismo global.

Passemos então ao capitulo 4 de O Capital, o referido capitulo trata das noções de

capital e de força de trabalho.

O capital começa apresentando uma forma de escambo de troca de mercadoria

representada por M-M, depois surge uma unidade de medida universal que pauta

essas trocas, a chamada forma dinheiro, e a formula passa a ser M-D-M, mas por uma

séria de contradições existentes na forma dinheiro chegamos a formula D-M-D, onde

o dinheiro se torna finalidade e objeto da troca.

Para Marx no sistema M-D-M uma troca de valores equivalentes faz sentido, pois sua

finalidade é obter valores de uso. Porém quando chegamos ao sistema D-M-D a troca

equivalente parece ser absurda. Pois qual o sentido de passar por todos os riscos que

existem na troca para no final ficar com a mesma quantia de dinheiro? Para Marx esse

sistema só faz sentido se no final houver um aumento de valor, isto é, a formula correta

seria D-M-

Então nos surge a questão de onde vem esse mais valor? Para a teoria funcionar é

necessário que surja uma mercadoria capaz de produzir um valor maior do que ela

possui. E essa mercadoria é a força de trabalho.

O que é bem importante frisar do quarto capitulo de O Capital é que o capital é definido

como um processo, pois isso diferencia Marx das outras teorias econômicas. A teoria

econômica tradicional entende o capital apenas como um estoque de recursos. Para

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Marx o capital é o processo de colocar o dinheiro em circulação para gerar mais

dinheiro. Nem todo dinheiro é capital, capital é o dinheiro usado de certa maneira.

Marx conclui também que o valor de uso jamais pode ser considerado a finalidade

imediata do capitalista. O Capitalista apenas produz valor de uso para ganhar valor

de troca. E disso Marx conclui que o Capital é valor em movimento.

Como já foi dito anteriormente Marx começa a investigar como é possível a existência

de um mais valor, pois em trocas equivalentes não existe mais valor. Então ele parte

do pressuposto que as trocas que geram mais valor não são trocas equivalentes mas

sim trocas desiguais. E para chegar a resposta do que produz o mais valor Marx

pressupõe um sistema perfeito e fechado. E Marx argumenta que para poder extrair

valor do consumo de uma mercadoria, nosso possuidor de dinheiro teria de ter a sorte

de descobrir no mercado no interior da esfera da circulação, uma mercadoria cujo

próprio valor de uso possuísse a característica peculiar de ser fonte de valor e essa

mercadoria para Marx é a força de trabalho.

E o pensador alemão define a força de trabalho como as capacidades, físicas e

mentais e humanas de incorporar valor as mercadorias. Para teoria marxiana é

essencial a ideia do trabalhador livre pois só assim ele poderá alienar a sua força de

trabalho. Outro pressuposto da teoria de Marx é que o trabalhador não pode trabalhar

para ele mesmo, pois ele está privado dos meios de produção. Assim o que lhes resta

é alienar a sua força de trabalho. E aqui Marx apresenta uma crítica à ideia de

liberdade burguesa.

A força de trabalho é uma mercadoria especial e diferente que tem a capacidade de

criar valor. E o capitalista usa essa força de trabalho que o trabalhador vende para

organizar a produção de mais valor. Aqui é valido lembrar que a venda da força de

trabalho funciona sobre a formula M-D-M, os trabalhadores põem sua força de

trabalho no mercado e a vendem em troca de dinheiro para conseguir as mercadorias

essenciais para a sua sobrevivência.

Então temos que o trabalhador está no circuito M-D-M e o capitalista no D-M-D. O

trabalhador está contente com a obtenção de valor de uso, mas o capitalista está

preocupado com a obtenção de mais valor.

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E Marx define que o valor da força de trabalho é fixado pelo valor de todas aquelas

mercadorias que são necessárias para reproduzir o trabalhador em certas condições

de vida. Então o valor da força de trabalho está ligado a necessidade, e isso diferencia

a força de trabalho de todas as outras mercadorias. Porém, Marx aceita que elementos

históricos, geográficos e morais influem na determinação do valor da força de trabalho.

Chegamos então ao capitulo 5 de o Capital. Neste capitulo Marx começa a sair do

mercado para entrar na esfera de trabalho. E para pensar o processo de trabalho Marx

recorre a dualidade existente na relação entre homem e natureza, existe um processo

entre o homem e a natureza onde o homem consegue regular seu metabolismo com

a natureza. Os seres humanos são agentes ativos em relação ao mundo que os

rodeia. Para Marx não podemos transformar o que está ao nosso redor sem

transformarmos a nós mesmos e vice e versa. E a dialética da transformação é

fundamental para entendermos a historia da evolução da sociedade.

Para Marx o que diferencia o homem dos outros animais é que o resultado obtido pelo

trabalho já está no início do processo previsto na cabeça, ou seja, o resultado já existia

idealmente.

Há sempre na atividade humana um momento ideal, um momento utópico.

Estes são os três elementos do processo do trabalho:

1) Força de trabalho;

2) Matéria-prima;

3) Meios de produção.

Bem voltemos ao nosso homem de dinheiro: depois de comprar a força de trabalho,

comprou também à matéria-prima, no caso algodão; os meios de trabalho, isto é, a

fábrica com todos os instrumentos e condições de trabalho, já perfeitamente

preparados. E agora, diz ele, saindo apressado do mercado: Mãos à obra!

Uma certa transformação parece ter-se dado na fisionomia dos personagens de nosso

drama. O homem do dinheiro toma a dianteira, na qualidade de capitalista, o

proprietário da força de trabalho segue-o, como seu trabalhador. Aquele, com a

aparência honrada, satisfeita e atarefada; o outro, tímido, hesitante, com a sensação

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de quem vendeu a própria pele, no mercado e que agora não pode mais esperar outra

coisa senão… ser esfolado.

Enfim chegam à fábrica. O capitalista se apressa em botar o seu operário para

trabalhar, entregando-lhe dez quilos de algodão. Antes que me esqueça, esse

operário é fiandeiro, produz fio de algodão.

É consumindo os seus três elementos: a força de trabalho, a matéria-prima e os meios

de trabalho, que o trabalho se realiza.

O consumo dos meios de trabalho calcula-se do seguinte modo: da soma do valor de

todos os meios de trabalho – o prédio, suas instalações, as ferramentas, o óleo, a

eletricidade, etc. – subtrai-se a soma do valor dos meios de trabalho consumidos no

processo de trabalho; dividindo-se o resultado dessa subtração pelo número de dias

que os meios de trabalho possam durar, temos o consumo diário dos meios de

trabalho.

Parece complicado, não? Vamos repetir isso, exemplificando com números:

Suponhamos que os meios de trabalho (a fábrica com suas instalações, máquinas,

ferramentas, etc.) devam durar 10 anos ou 3650 dias. Por todos esses meios de

trabalho, o capitalista desembolsou, por exemplo, R$ 1.460.00,00. Dividindo-se essa

quantia por 3650 dias, temos R$ 400,00, que corresponde ao consumo diário dos

meios de produção.

O nosso operário trabalhou durante toda uma jornada de 12 horas. Ao final dessa

jornada ele transformou os 10 quilos de algodão bruto em 10 quilos de fio; entregou-

os ao patrão e deixa a fábrica, retornando para a casa. No caminho, como todo o

operário, ele vai fazendo as contas, para saber quanto o seu patrão poderá ganhar

com aqueles dez quilos de fio.

– Não sei exatamente quanto custa o fio – vai dizendo para si mesmo -, mas, de

qualquer modo, a conta está praticamente feita. O algodão cru, eu mesmo vi que ele

comprou no mercado: R$ 300,00 por quilo. Todas as suas ferramentas podem ter um

consumo, digamos de R$ 400,00 por dia. Bem:

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10 quilos de algodão R$ 3.000,00

Desgaste diário dos meios de produção R$ 400,00

Meu trabalho hoje R$ 100,00

Total da produção dos 10 quilos de algodão R$ 3.500,00

Ora, certamente, sobre o algodão ele não ganhou nada: pagou o seu justo preço, nem

um centavo a mais, nem um centavo a menos; do mesmo modo ele comprou minha

força de trabalho, pagando seu justo preço de R$ 100,00 por dia.

Então continua pensando nosso fiandeiro, ele só pode ganhar vendendo o fio acima

do seu valor. Não pode vir de outra coisa, ele nunca perderia tempo e energia,

gastando R$ 3.500,00, para depois vender tudo e receber os mesmíssimos R$

3.500,00. Oh! Como são os patrões! A nós trabalhadores, traquejados no mercado,

ele não tem como disfarçar… E esses patrões têm ainda a mania de bancarem os

honestos na frente dos trabalhadores… mas é um roubo vender uma mercadoria por

mais do que ela vale; venderá com peso falso, um quilo de novecentos gramas. Isto é

proibido por lei. É um roubo! As autoridades vão ter que fechar suas fabricas. Vai ser

bom! Em seu lugar, construiremos grandes fábricas públicas, onde nós produziremos

as mercadorias de que precisamos.

Assim fantasiando, o operário chega em casa. Após jantar, se enfia na cama e

adormece profundamente, sonhando com o desaparecimento dos capitalistas da face

da terra e com as grandes fábricas públicas.

Dorme pobre amigo, dorme, enquanto te resta uma esperança. Dorme em paz, que

os dias de desengano não tardarão a chegar. Mais cedo do que pensas, vais entender

por que os capitalistas podem perfeitamente vender sua mercadoria com lucro, sem

para isso precisar enganar a ninguém. Ele mesmo te mostrara como pode ser tornar

capitalista e mesmo um grande capitalista, sem perder um fio de honorabilidade.

Então, o teu sono não será mais tão tranquilo assim. Verás, em tuas noites, o capital,

como um pesadelo, que te oprime e ameaça sufocar-te. Com os olhos e terrorizados,

vais vê-lo crescer, como um monstro com cem dentes de vampiro penetrando nos

poros do teu corpo, para chupar o teu sangue. Tomando proporções desmesuradas e

gigantescas, de sombrio e terrível aspecto, com olhos e boca de fogo, vais vê-lo

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transformando suas garras em uma enorme tromba aspirante em que vão

desaparecendo milhares de seres humanos: homens, mulheres, crianças. De tua

fronte corre agora um suor de morte, porque o monstro está se aproximando, para

agarrar a ti, tua mulher e teus filhos. Mas teu último gemido será abafado pelo riso

apavorante do monstro, satisfeito em sua gula. Quanto mais prospero, mais

desumano…

Voltemos ao nosso homem do dinheiro.

Este burguês modelo de exatidão e ordem acertou as suas contas do dia; vejam como

ele calculou o preço dos seus dez quilos de fio:

Dez quilos de fio (R$ 300,00 por quilo) R$ 3.000,00

Desgaste diário dos meios de produção R$ 400,00

Mas, quanto ao terceiro elemento, que entrou na formação de sua mercadoria, que é

o salário pago ao operário, ele nada assinalou isto, porque conhece muito bem a

diferença que há entre preço da força de trabalho e o preço do produto da força de

trabalho.

O salário de uma jornada de trabalho representa o necessário para manter o operário

em 24 horas, mas não representa de fato o que o operário produziu em uma jornada

de trabalho. O nosso homem do dinheiro sabe perfeitamente que os R$ 100,00 de

salário que ele paga, representam a manutenção de seu operário por 24 horas e não

o que este produziu nas 12 horas de trabalho em sua fábrica. Ele sabe tudo isso,

exatamente como o agricultor sabe a diferença que existe entre o que é manutenção

de uma vaca com seus currais, alimentação, etc., e o que esta vaca produz em termos

de leite, queijo, manteiga, etc.

A força de trabalho tem uma propriedade singular de render mais do que custa e é por

isso que o homem do dinheiro vai buscá-la no mercado. E o operário não pode

reclamar, porque ele pagou o preço justo pela sua mercadoria. A lei das trocas foi

rigorosamente observada. Além do que, o operário não tem que se meter no uso que

o comprador fará de sua mercadoria, do mesmo modo que o dono do armazém nada

tem a ver com o uso que seu freguês dá às mercadorias que vende.

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Página atrás, supôs que em 6 horas de trabalho se produzem 15 gramas de prata,

equivalentes a R$ 100,00. Ora, se em 6 horas a força de trabalho produz um valor de

R$ 100,00, em 12 horas produzirá, portanto, um valor de R$ 200,00. Assim, o valor

dos 10 quilos de fio passa a ser calculado desse modo:

Dez quilos de fio (R$ 300,00 por quilo) R$ 3.000,00

Desgaste diário dos meios de produção R$ 400,00

Pelas 12 horas de trabalho da força de trabalho R$ 200,00

Total R$ 3.600,00

O homem do dinheiro, depois de ter gasto R$ 3.500,00, obteve uma mercadoria que

vale R$ 3.600,00. Consegui, portanto, embolsar R$ 100,00. O seu dinheiro deu cria;

pronto, resolvemos o problema: o capital acaba de nascer.

A JORNADA DE TRABALHO

Nem bem nasceu, o capital sente a necessidade imediata de alimento para se

desenvolver. E o capitalista, que vive somente para a vida do capital, preocupa-se

atentamente com as necessidades deste ser, tornando-se o seu coração e sua lama,

sabendo como alimentá-lo.

O primeiro meio empregado pelo capitalista em benefício do capital é o prolongamento

da jornada de trabalho. Obviamente, a jornada de trabalho tem seus próprios limites.

Antes de mais nada, um dia não tem mais de 24 horas. Dessas 24 horas, já se tem

que eliminarem umas tantas, pois o operário precisa satisfazer suas necessidades

físicas e espirituais: dormir, comer, descansar para criar nova força, ler, passear, etc.

Fala Marx: Mas estes limites são, por si mesmos, muito elásticos e deixam muito

espaço para manobra. Assim, encontramos jornadas de trabalho de 6, 10, 12, 14, 16

e 18 horas, ou seja, das mais variadas durações e o capitalista comprou a força de

trabalho pelo seu valor diário. Com isto, ele adquiriu o direito de fazer trabalhar,

durante todo um dia, o trabalhador que está a seu serviço. Mas o que é afinal um dia

de trabalho? Em todos os casos, é menor do que um dia natural. Mas, de quanto? O

capitalista tem sua própria maneira de ver a questão sobre o limite necessário da

jornada de trabalho. O tempo durante o qual o operário trabalha é o tempo durante o

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qual o capitalista consome sua força de trabalho, que ele comprou do seu operário.

Se o assalariado consome o tempo que tem disponível, para si mesmo, ele está

roubando o capitalista. O capitalista não se apoia em outra coisa que não seja a lei

das trocas das mercadorias. Ele, como todo comprador, procura tirar da mercadoria,

do seu valor de uso, o maior benefício possível. Mas eis que o operário levanta a voz

e diz:

“A mercadoria que te vendi se distingue de todas as outras mercadorias, porque o seu

uso cria valor, e um valor maior do que seu próprio custo. E é por isso que compraste.

O que para ti parece ser crescimento de capital, para mim é excesso de trabalho. Tu

e eu não conhecemos outra lei, que não seja a da troca das mercadorias. O consumo

da mercadoria não pertence ao vendedor, que a aliena, mas o comprador, que a

adquire. O uso de minha força de trabalho te pertence, pois. Mas com o preço diário

de sua venda, eu devo todos os dias poder reproduzi-la, para vendê-la de novo.

Tirando a idade e outras causas naturais de desgastes, preciso amanhã estar tão forte

e capaz como hoje, para retomar o meu trabalho com a mesmíssima força. Tu me

pregas constantemente o evangelho da “economia” e da “abstinência”. Taí! Quero ser

um administrador sábio e inteligente para economizar a minha única fortuna: minha

força de trabalho; devo abster-me, portanto, de qualquer esbanjamento. Quero,

diariamente, coloca-la em movimento, pô-la a trabalhar, enfim, gasta-la apenas

quando for compatível com sua duração normal e seu desenvolvimento natural. Além

do que, com um prolongamento na jornada de trabalho, podes em um só dia mobilizar

uma quantidade tão grande de minha força de trabalho que não vou repô-la nem com

três jornadas. O que ganhas em trabalho, eu perco em substancia. Presta, pois, muita

atenção: o emprego de minha força de trabalho e o seu desfrute são duas coisas

distintas, muito distintas. Se eu, como operário, vivo em média 30 anos, trabalhando

num ritmo médio razoável, e tu consomes a minha força de trabalho em dez anos, tu

não me pagas mais do que um terço de seu valor diário; portanto roubas de mim,

todos os dias, dois terços de minha mercadoria. Exijo, pois, uma jornada de trabalho

de duração normal, e a exijo sem apelar para seu coração, porque em negócios não

se põe sentimento. Tu podes ser um burguês modelo; até pertencer à Sociedade

Protetora dos Animais e, ainda por cima, exalar cheiros de santidade… Pouco importa

o que representas. És inteiramente estranho aos interesses do meu coração. Exijo a

jornada normal, porque quero o valor da minha mercadoria como qualquer outro

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vendedor. Come se vê, estamos entre limites muitos elásticos e a natureza mesma da

troca não impõe nenhum limite a jornada de trabalho. O capitalista mantém seu direito

como comprador, quando procura prolongar a jornada de trabalho o máximo possível

e tentando fazer de dois dias, um só. Por outro lado, a natureza especial da

mercadoria vendida exige que o seu consumo pelo comprador não seja ilimitado, e o

trabalhador mantém seu direito como vendedor, quando quer restringir a duração da

jornada de trabalho a uma duração normalmente determinada. Direito contra direito,

entre o capitalista e o trabalhador, de acordo com a lei de trocas das mercadorias, há

um empate. E, o que decide entre dois direitos iguais? A força.

Como se emprega essa força, que hoje é toda do capital e para o capital, nos dirão os

fatos que agora exporemos. O que vamos contar neste livro são quase todos os

episódios do capital na Inglaterra. Em primeiro lugar, porque foi lá o país em que a

produção capitalista chegou ao máximo desenvolvimento (obs. este livro foi escrito

em 1878); e em segundo lugar, porque somente na Inglaterra encontramos um

material adequado de documentos, falando das condições de trabalho e recolhidos

por obra de comissões governamentais, instituídas para este fim. Os modestos limites

deste manual não nos permitem, entretanto, reproduzir mais do que uma

pequeníssima parte do rico material recolhido na obra de Marx. Eis aqui alguns dados

de uma pesquisa feita entre 1860 e 1863, na indústria de cerâmica:

W. Wood, de nove anos, tinha 7 anos e meio quando começou a trabalhar. Wood

trabalhava todos os dias da semana, das 6 da manhã até às 9 da noite, ou seja, 15

horas por dia. J. Murray, de 12 anos, trabalhava numa fábrica, trazendo as formas e

girando uma roda. Ele começava a trabalhar às seis da manhã, às vezes, às quatro;

seu trabalho era prolongado de tal modo, que muitas vezes entrava pela manhã

seguinte adentro. E isto em companhia de outros 8 ou 9 meninos que eram tratados

do mesmo modo do que ele.

O médico Charles Parsons assim escreveu a um comissário do governo: “Falo com

base em minhas observações pessoais e não sobre dados estatísticos. Não posso

esconder minha revolta ao ver o estado destas pobres crianças, cuja saúde é

sacrificada por um trabalho excessivo, para satisfazer a cobiça dos seus pais e de

seus patrões.”

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Ele enumera ainda vários casos de doenças e conclui a relação com a causa principal:

as longas horas de trabalho. Nas fábricas de fósforos, a metade dos trabalhadores

era de crianças com menos de 13 anos e adolescentes com menos de 18 anos.

Somente a parte mais pobre da população cede seus filhos a esta indústria tão

insalubre e imunda. Entre as vítimas interrogadas pelo comissário White, 270 não

tinham mais que 18 anos; 40 tinham menos de 10 anos; 12 tinham 8 anos e 5 tinham

apenas 6 anos. A jornada de trabalho nessas fábricas variava entre 12, 14 e 15 horas.

Eles trabalhavam durante a noite e comiam nas poucas horas incertas, quase sempre

no mesmo local de produção, tudo empestado pelo fósforo.

Nas fabricas de tapete, nas épocas de grande movimento, como nos meses que

antecedem o Natal, o trabalho durava, quase sem interrupção, das 6 da manhã, até

às 22 horas. No inverno de 1862, de 19 meninas, 6 contraíram doenças por causa do

excesso de trabalho. Para mantê-las acordadas durante o trabalho, era necessário

estar sempre gritando e sacudindo-as. As mesmas viviam tão cansadas, que não

podiam manter os olhos abertos. Um operário depôs à Comissão de Inquérito nestes

termos:

“Este meu garoto, quando tinha 7 anos de idade, eu o levava nas costas, por causa

da neve, da casa para a fábrica, da fábrica para a casa. Meu garoto trabalhava

normalmente 16 horas por dia. Muitas vezes, tive de me ajoelhar para alimentá-lo,

enquanto ele estava na máquina, porque nem podia abandona-la, nem desligá-la.”

Pelos fins de junho de 1863, os jornais de Londres destacavam em suas manchetes

a morte de uma costureira de 20 anos, por excesso de trabalho. Ela morrera nas

dependências da manufatura em que trabalhava. A jornada de trabalho nessa

manufatura era de 16 horas e meia por dia. Entretanto, por causa de um baile no

palácio do governo, para quem a empresa executava encomendas, suas operárias

tiveram que trabalhar 26 horas e meia, sem parar. Eram cerca de 60 moças que

trabalhavam em péssimas condições, espremidas no reduzido espaço da oficina. A

modista das manchetes do dia seguinte, além disso, dormia em um quarto muito

estreito e sem ventilação. Ela morrera antes de concluir sua jornada de trabalho. O

médico chegou tarde demais. Em seu laudo, além de observar as condições de

trabalho das costureiras, assinalou a causa mortis: excesso de trabalho. Em uma das

regiões mais populosas de Londres, morriam anualmente, 31 entre cada 1000

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serralheiros. E o que pode ter a natureza humana contra essa profissão? Nada! Mas

o excesso de trabalho tornou-a destrutiva para o homem. Assim, o capital tortura o

trabalho, o qual depois de muito sofrer, procura finalmente, defender-se. Os

trabalhadores se organizam e exigem que o Estado determine a duração para a

jornada de trabalho. E o que se pode esperar disso? Resposta fácil, considerando que

a lei é feita e aplicada pelos mesmos capitalistas: os operários deveram estar sempre

atentos às medidas tomadas pelos patrões e unidos para protegerem suas vidas.