Fabricio Maciel a3pdf

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Artigo do Sociologo brasileiro Fabricio maciel sobre aspectos estruturais da desigualdade social no brasil contemporâneo.

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  • NMERO 04 - MaiO a OUTUBRO/2013

    REvisTa dE jORNalisMO ciENTficO E cUlTURal

    da UNivERsidadE fEdERal dE jUiz dE fORa

    www.ufjf.br/secom/a3issN 2317-112X

    Na contramo da mobilidade urbanaAeronave sem piloto vistoria torres de energia

    Enade coloca 25 cursos da UFJF entre os melhores do pas

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    O compromisso de fazer a diferena no contedo

    Cada novo nmero da A3 procura privilegiar um assunto que esteja na lista daqueles mais presentes no dia a dia das pessoas. Na elaborao deste exemplar, a questo da mobilidade humana, em especial nos grandes cen-tros urbanos, foi a reportagem que se transformou no centro de nossas aten-es, ganhou a foto de capa e tambm reuniu as opinies dos mais diversos es-pecialistas na tentativa de trazer contri-buies que esclaream um dos maiores ns crticos das cidades em todo o mun-do. Obedecendo a um enquadramento transdisciplinar, a reportagem traz infor-maes relevantes e nos coloca frente a frente com o dilema da privatizao do espao pblico, a falta de investimentos no transporte coletivo e a necessidade de repensar a cidade para os cidados, e no apenas motoristas, que nela se mo-vimentam.

    Esta edio tem, ainda, entre os seus des-taques a descoberta de uma nova esp-cie de sapo, em uma rea de preservao no Centro urbano de Juiz de Fora (MG), o que parece sinalizar para uma forma de resistncia da natureza destruio provocada pelo homem. E se a cincia capaz de fazer frente aos novos desafios de alimentar os mais de sete bilhes de seres humanos que habitam o planeta, a reportagem sobre o Polo de Excelncia de Leite e Derivados revela como a asso-

    ciao de modernos centros de pesquisa pode aumentar a produtividade e garan-tir a qualidade do queijo, patrimnio cul-tural brasileiro.

    A criatividade como resposta s novas necessidades do setor eltrico revelada no manuseio do Veculo Areo Autno-mo No Tripulado (Vaant), equipamento inovador que garante acesso aos mais difceis terrenos e possibilita, assim, a fis-calizao segura de centenas de milhares de quilmetros de redes de alta tenso. Inovao que tambm est presente no espao dos consultrios odontolgicos que pesquisam como provocar menos dor e desconforto aos pacientes que fa-zem uso de aparelhos ortodnticos. E a A3 ainda revela as vantagens de uma dieta normal na reabilitao dos pacien-tes internados por causa da pancreatite: alimentando-se sem as restries usuais, eles voltam para casa mais cedo.

    Entre as produes mais recentes de nossos programas de ps-graduao, as questes instigantes da dissertao da Psicologia que toca num tema delicado: a violncia domstica e o lcool, e des-constri mitos sobre o lugar do femini-no nesta delicada relao. J a tese do Programa de Cincias Sociais revela da-dos complexos sobre os batalhadores, agentes de mudana em todas as eco-nomias do mundo, que surpreendem os

    pesquisadores com seu crescente empo-deramento, tambm caracterizado como civilizatrio.No s de conflitos vive a histria da cincia e da religio. Nos Encontros Possveis, Ronald L. Numbers, da Universidade de Wisconsin, e Andrew Pinsent, de Oxford, desmistificam o que antes aparecia como evidncia e mostram que religio e cincia dialogam mais do que prega o senso comum.

    No h como deixar de se sensibili-zar com as histrias annimas que vm sendo colecionadas pelos professores e tcnicos envolvidos com a Educao a Distncia, marca de superao e de cria-o de novos laos de pertencimento na sociedade da informao. E neste novo cenrio que a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) desponta como um exemplo de crescimento com qualidade, evidente nos resultados obtidos por seus alunos em exames de avaliao, como o Enade.

    A revista chega ao seu quarto nmero com diversos outros artigos que demonstram a sua maturidade e qualidade editorial. Este o grande compromisso de um instrumento de jornalismo cientfico e cultural. Fazer a diferena no contedo e formato e formar leitores com mais possibilidades de interpretar o mundo que pode estar contido na sua aldeia.

    EdiTORial

    Boa leitura!Christina Ferraz MusseEditora-chefe

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    REVISTA DE JORNALISMO CIENTFICO E CULTURAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

    REITORHenrique Duque de Miranda Chaves Filho VICE-REITORJos Luiz Resende Pereira

    CONSELHO EDITORIALAlexander Moreira (Faculdade de Medicina)Anderson Ferrari (Faculdade de Educao)Ccero Incio da Silva (Instituto de Artes e Design)Cristiano Jos Rodrigues (Faculdade de Comunicao)Edimilson de Almeida Pereira (Faculdade de Letras)Helosa DAvila (Instituto de Cincias Biolgicas)Jorge Mtanios Iskandar Arbach (Faculdade de Engenharia)Marcelo do Carmo (Instituto de Cincias Humanas)Paulo Monteiro Vieira Braga Barone (Instituto de Cincias Exatas)Paulo Nepomuceno (Faculdade de Engenharia)Paulo Roberto Figueira Leal (Faculdade de Comunicao)Robert Willer Farinazzo Vitral (Faculdade de Odontologia)Suzana Quinet (Faculdade de Economia)

    COMISSO EDITORIALAnne Marie Autissier (Universidade de Paris VIII)Antnio Fernandes de Carvalho (Universidade Federal de Viosa)Cludio Soares (Fapemig)Luiz C. Wrobel (School of Engineering and Design - Brunel University - Middlesex, UK)Luis Felipe Feres Pereira (University of Wyoming USA)Mrcio Simeone Henriques (Universidade Federal de Minas Gerais)

    EXPEDIENTEEditora-chefe Christina Ferraz MusseEditoraOseir CassolaReportagensBrbara Duque; Carolina Nalon; Fernando Lobo; Flvia Lopes; Hlio Rocha; Raul Mouro; Valria Borges CostemalleColaboradoresAlexander Moreira; Bernardo Lino de Oliveira; Ccero Incio da Silva; Daniel Quaranta; Fabrcio Carvalho; Fernando Fiorese; Isabela Loureno; Joakim Sundnes; Jorge Arbach; Julia Milward; Maria Cristina Andreolli; Matheus Sobue; Petrillo; Srgio Puccini;Coordenao de CriaoFred BelcavelloFotgrafosGuilherme Portes; Marcelo Viridiano; Mrcio Brigatto; Paula Duarte; Raquel Rezende; RizzaIlustraoClber Kureb Horta; Joviana Marques; Phillip DouglasProduoJuliana Arajo; Tas MarcatoMarketingValria Borges CostemalleRevisoRafael Costa Marques

    REVISTA A3 Rua Jos Loureno Kelmer, s/n Campus UniversitrioBairro So Pedro CEP: 36036-900 - Juiz de Fora - MGTelefones: (32) 2102-3967 / 3968 / 3997E-mail: [email protected]: Grfica BrasilTiragem: 10 mil exemplares

    04www.ufjf.br/secom/A3

    U N I V E R S I D A D EF E D E R A L D E J U I Z D E F O R A

    6 - VOZ DO LEITOR A partir deste nmero, abrimos espao para trabalhos autorais dos leitores. Nesta edio, a contribuio de Matheus Sobue

    7 - EDUCAO A DISTNCIA A UFJF expande os cursos a distncia, qualificando mais de 5.790 pessoas em quatro estados

    10 - PESQUISA Ele tem s 1cm e foram precisos seis anos para confirmar sua existncia. Trata-se do sapo Meridionalis, descoberto no centro urbano de Juiz de Fora (MG)

    14 - MEIO AMBIENTE Dar maior sustentabilidade ao setor ferrovirio, monitorar a qualidade da gua de represas ou reciclar computadores so algumas das iniciativas sustentveis desenvolvidas na UFJF

    18 - ENCONTROS POSSVEISOs pesquisadores Andrew Pinset e Ronald Numbers questionam os mitos do eterno conflito entre cincia e religio

    22 - PESQUISA Um mtodo seguro e que reduz o tempo de hospitalizao de pacientes com Pancreatite Aguda Leve foi desenvolvido pelo Ncleo de Pesquisa em Gastroenterologia. O foco foi o processo de realimentao, antecipando a dieta normal para os pacientes

    NdicE

    ISSN 2317-112X

  • 5A3 - mAio A oUTUBRo/2013

    25 - OLHAR ESTRANGEIRO Bernardo Lino de Oliveira e Joakim Sundnes, do Simula Research Laboratory, assinam artigo sobre modelos computacionais para mecnica e eletrofisiologia cardaca

    27 - SADEQuase 2 milhes de crianas e adolescentes brasileiros precisam de tratamento ortodntico, s vezes adiado pelo medo do uso de aparelho, associado a dor e a aparncia pouco esttica. Pesquisadores investigaram as causas da dor, cruzando fatores biolgicos e psicolgicos

    31 - TESESDefendida na Ps-Graduao em Cincias Sociais, tese prope revisar noes de centro e periferia, lana nova perspectiva sobre a sociedade mundial do trabalho, jogando luzes sobre a vedete da economia atual: a nova classe mdia

    34 - MOBILIDADE URBANAA frota de veculos no Brasil passou de 35,5 milhes em 2002 para 83,5 milhes em 2012, aumento de 135%. J a populao cresceu 11%. A cada R$ 12 gastos em incentivos ao transporte particular, o governo investe R$ 1 em transporte pblico

    39 - ALM DA PALAVRAO designer grfico Jorge Arbach brinda os leitores com mais uma de suas criaes

    40 - PESQUISAO monitoramento de linhas e torres de transmisso energtica ser mais seguro e econmico para companhias do setor. O Veculo Areo Autnomo No Tripulado (Vaant), criado na UFJF, permitir monitorar sem necessidade de operador

    43 - DISSERTAESApresentada na Ps-graduao em Psicologia, dissertao aponta violncia domstica praticada por mulheres e associa consumo de lcool a maus-tratos contra filhos e vulnerabilidade diante de parceiro

    46 - PESQUISAPesquisadores desenvolvem estudos para a valorizao do queijo e constroem equipamento visando padronizao e deteco de fraudes no produto

    50 - MUNDO DIGITALO coordenador do Laboratrio de Software Studies no Brasil, Ccero Incio da Silva, analisa a revoluo pela qual passa o cinema

    51 - ARTENo artigo Entre a Msica e a Arte Sonora, do professor do IAD-UFJF, Daniel Quaranta, as novas prticas composicionais

    52 - INICIAO CIENTFICABolsas de intercmbio so importante caminho para alunos de Iniciao Cientfica ampliarem sua formao. Na UFJF h seis programas que auxiliam na capacitao durante a graduao

    53 - PESQUISACriar em meio eletrnico um dicionrio trilngue, abrangendo domnios de futebol e turismo o desafio de pesquisadores da UFJF e da Unisinos, visando atender imprensa internacional, turistas e pessoas envolvidas na organizao da Copa de 2014

    56 - EXPANSOA UFJF obteve no Enade os mais altos conceitos, 4 e 5, em 25 de seus cursos. No Guia do Estudante, uma das principais publicaes que tratam da Educao Superior, 28 esto entre os melhores do pas

    59 - LITERATURANo artigo Os filmes como referncia, o professor Fabrcio Carvalho aborda o livro Poltica e potica das imagens como processos educativos

    60 - LANAMENTOSLanamentos da Editora UFJF enfocam comunicao, habitao e pediatria

    61 - CINEMATravesti em cargo poltico o tema de Ktia, longa-metragem da docente Karla Holanda

    62 - ENSAIO FOTOGRFICOBraslia o foco da srie documento-ficcional Quadrado do Centro, da fotgrafa Julia Milward

    66 - LEIA-MEDoutor em Cincia da Literatura, Fernando Fiorese traz ao leitor micronarrativas coletadas das suas publicaes semanais no blog Corpo Porttil

    O desenho da 4 Capa do artista plstico Petrillo, graduado em Artes Visuais pela UFJF. Utilizando a tcnica de colagem sobre papel e impresso, a obra representa as curvas de nvel do terreno da Universidade

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    Esta seo reservada para ser o seu espao. Contribua para que aprimoremos cada vez mais a nossa publicao. Envie sugestes, crticas e temas de pesquisas, dissertaes e teses que gostaria de ver nas nossas pginas e tambm criaes autorais. Aguardamos a sua contribuio. E-mail: [email protected]

    Li a edio n 3 da revista A3 e fiquei impressionado pela qualidade e diversidade das matrias, alm da diagramao e qualidade das fotos. Enfim, uma revista que d prazer de ler. Alm de retratar o impressionante avano da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) na rea de pesquisa cientfica e tecnolgica, achei especialmente interessante a matria Encontros Possveis, com o socilogo francs Michel Maffesoli, e o artigo sobre poltica, analisando a crise da Europa. Parabns a toda equipe. Alberto Portugal(Professor da Fundao Dom Cabral)

    Parabns equipe que faz a revista A3. Gostei especialmente da reportagem sobre a tese sobre samba. Continuem assim, diversificando temas e mostrando o que a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) est produzindo.

    Clvis Santos(estudante do ensino mdio)

    Parabenizamos pelo excelente peridico, que muito rico em seu projeto grfico, fotografias e, principalmente, no contedo. As matrias apresentadas revelam a sintonia e a atualidade da equipe em apresentar temas to importantes e muito bem contextualizados com a opinio de pesquisadores brasileiros e internacionais.Parabns equipe da A3!

    Mayara Jordana(Coordenao de Comunicao Social do Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia de Gois - IFG - Campus Goinia)

    Voz do LeitorDesenho de prtico da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) do graduando em Arquitetura e Urbanismo Matheus Sobue que utilizou a tcnica de nanquim sobre papel

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    fluxos migratrios; elevar indicadores de educao e, por consequncia, os de qualidade de vida. Para atender a esse desejo, as universidades precisaram avanar para o interior dos estados, encontrar diferentes Brasis, a fim de expandir a oferta de cursos gratuitos a quem tem dificuldade de acesso formao universitria. Criado em 2006, o sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) facilitou a expanso ao agregar 95 universidades e institutos pblicos e fomentar a oferta dessa modalidade de ensino.

    Ligados s instituies, os centros ou ncleos de educao a distncia inserem-se fisicamente nas cidades por meio de 7.511 polos de apoio presencial, em parceria com a UAB, as prefeituras e os governos estaduais. O polo um ponto importante de suporte da universidade para o aluno, com equipamentos e pessoal disponveis, afirma a tutora presencial em Conselheiro Lafaiete (MG), Melisse Simes.

    Broa, biscoito, bolo e outras quitandas distribudas na mesa de um refeitrio, em Barroso (MG), na regio do Campo das Vertentes, so o convite para jogar conversa fora. Em outra mesa, um garoto com a caneca de caf na mo logo tasca a pergunta: Que qui c qu?. A questo est em bom mineirs. O menino quer saber o que o interlocutor deseja. A cena abre o documentrio que retrata a passagem do projeto de extenso Campanha Cultural do Centro de Educao a Distncia (Cead) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) por oito cidades de Minas Gerais. A pergunta, com toda sua particularidade, tornou-se o ttulo do vdeo e pode ser ampliada para diversos sentidos como em Que qui o ensino a distncia qu?. A resposta no simples, tampouco rpida, e vem sendo elaborada continuamente.

    Os desejos da nova modalidade de ensino so inmeros, tais como: melhorar a qualificao profissional; reduzir

    A UAB estima alcanar 220 mil alunos em universidades pblicas, no primeiro semestre de 2013, em mais de mil cursos, e 360 mil estudantes em 2014. Comparado aos Estados Unidos, ao Canad e ao Reino Unido, que possuem mais tradio em educao a distncia, o Brasil tem proporcionalmente menos estudantes em universidades abertas. No Reino Unido, com uma populao equivalente a um tero da brasileira, so mais de 240 mil matriculados na instituio nacional de ensino on-line, que atende tambm outros pases europeus.

    Mas a quantidade de matrculas brasileiras em graduaes a distncia, incluindo instituies privadas e pblicas, vem crescendo. Em 2011, eram apenas 5.359 discentes. Dez anos depois, houve o salto para 992.900 alunos. Eles so 14,7% dos 6,7 milhes de universitrios. A partir do acesso democrtico de camadas da populao que no foram includas pelo poder pblico, preciso visar a transformao social, a fim de

    O ensino a distncia na Ufjf associa conhecimento sobre diversidade cultural ao trabalho de qualificar mais de 5.790 pessoas em quatro estados

    RAUL MoURoReprter

    Em bom mineirs: Que qui c qu?

    EdUcaO a disTNcia

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    EdUcaO a disTNcia

    permitir uma mudana no Brasil profundo (que se situa margem em diversos mbitos), diz o coordenador-geral do Cead, Jos Aravena Reyes.

    Duas propostas fundamentais desse investimento so a capacitao de gestores pblicos e a formao de professores, cujo dficit de cerca de 300 mil profissionais, principalmente, de Biologia, Fsica, Matemtica e Qumica, conforme o Ministrio da Educao (MEC). Mas apenas 2,7% dos estudantes de ensino mdio desejam seguir carreira em Cincias Exatas ou Naturais, conforme o Observatrio Ibero-americano de Cincia, Tecnologia e Sociedade, que ouviu nove mil jovens da Amrica Latina e da Espanha entre 2008 e 2010.

    Desejo de mudana

    Em Governador Valadares, no Leste Mineiro, 30 alunos comearam, em 2013, a vencer essa rejeio, matriculando-se em Licenciatura em Fsica a distncia da UFJF. Sabemos que escolas na cidade e em municpios vizinhos no possuem professor dessa disciplina, precisando recorrer a profissionais de outras reas. Alguns colgios optaram por no oferec-la. Isso acontece na zona urbana. Imagine na rural?, ressalta o coordenador do polo local, Joo Bosco Pereira Alves. O aluno Willians Ferreira

    de S, 25 anos, morador da rea rural do municpio, ser uma exceo em quatro anos e meio, quando acrescentar a nova graduao em Fsica de Qumica, em que formado. Em Chonin de Baixo, em Governador Valadares, divide a rotina de docente com a de aluno em casa noite. Caso optasse por novo curso presencial, teria que percorrer diariamente 120 quilmetros. O nvel de cobrana do curso igual ao do presencial, porm, com flexibilizao de local e horrio de estudos. Estou me acostumando com o ritmo e escolhendo as horas mais adequadas.

    A pedagoga Valria Benini Ferreira Teixeira, 49, vivenciou esses momentos, de 2006 a 2008, em Cataguases (MG), aps mais de 20 anos da concluso do Magistrio. preciso ter disciplina, ser aluna e professora ao mesmo tempo, enfatiza a docente. O esforo compensou para ampliar conhecimentos, entender o comportamento infantil, elevar a autoestima e o salrio. Cerca de 420 profissionais concluram bacharelado ou licenciatura a distncia pela UFJF, que oferece sete graduaes, cinco especializaes e dois cursos de aperfeioamento em 32 polos em Minas Gerais, Esprito Santo, Rio de Janeiro e So Paulo. Esto matriculados 2.585 estudantes na graduao e 3.206 na ps-graduao. A maioria mulher 60% e 67%, respectivamente.

    Em Arax, no Alto do Parnaba (MG), a pedagoga Vnia Izabel Ferreira, deficiente visual total, no se reteve a limites fsicos para se aperfeioar em Educao para as Relaes tnico-raciais. Conforme a profissional, aprovada em dois concursos pblicos, a acessibilidade proporcionada pela Universidade possibilitou o acesso ao contedo disponibilizado na plataforma on-line de aprendizagem Moodle. Com o auxlio de programa leitor de tela, consigo ler textos, vdeos e conversar por e-mail. Quando necessito postar imagem, recorro a amigas ou ao polo presencial.

    A flexibilidade de horrios, ressaltada por alunos, tambm valorizada pela metodologia de ensino na educao a distncia. Para incorporar essas vantagens ao modelo presencial, mais do que puras inovaes tecnolgicas, necessria certa renncia` ao uso de modelos tradicionais de ensino para abrir passo s metodologias flexveis, frisa o coordenador-geral do Cead, Jos Aravena Reyes. Ainda segundo ele, a distncia geogrfica no mais o referencial principal para as reflexes sobre a modalidade. A flexibilizao at uma fonte de inspirao para oxigenar a educao presencial.

    Tornar uma universidade mais flexvel no sentido de perceber outros saberes tambm uma das aspiraes da educao a distncia. A prpria

    Campanha cultural pelas montanhas de Minas: em sentido horrio, acervo exposto em museu de Ilicnea (foto: Guilherme Portes); momento aps a oficina com o Caravela das Artes, em So Joo da Ponte (foto: Paula Duarte); flagrante durante almoo depois da Cavalhada em Santa Rita de Caldas (foto: Guilherme Portes); estrada a caminho de Cataguases (foto: Rizza)

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    EdUcaO a disTNcia

    Campanha Cultural auxiliou nessa busca ao direcionar o olhar da instituio para as comunidades nas quais atua. Com isso, descobre-se, entre outros pontos, a sabedoria local e os traos identitrios, como as nuances de sotaque, pois Minas so muitas, como escreveu o mineiro Guimares Rosa.

    Em dois anos, a equipe do projeto de extenso da UFJF visitou oito municpios do estado por um ou dois dias: Barroso, Cataguases, Bicas, Salinas, Mantena, So Joo da Ponte, Ilicnea e Santa Rita de Caldas. De acordo com uma das coordenadoras das atividades, Raquel Lara Rezende, os encontros, as apresentaes e as oficinas de arte no se destinavam prioritariamente ao ensino de uma tcnica. No trabalho com fotografia, interessava muito mais o olhar de cada pessoa sobre seu entorno do que o desenvolvimento de um padro. Levamos conosco um pouco de cada pessoa que conhecemos. Descobrimos comunidades ricas e diversas culturalmente, que fogem descrio reducionista de interioranas, tacanhas. E tambm possuem uma certa unidade no cotidiano. Percebemos, ainda, que a

    cultura popular no to conhecida ou valorizada internamente pela prpria comunidade e externamente pela mdia, escola e universidades, afirma Raquel. A fala de um morador de Salinas, no Norte de Minas, a 900 quilmetros de Juiz de Fora, relatada pela equipe do projeto, resume essa percepo: Se vocs querem cultura, tm de procurar mais l pro Vale do Jequitinhonha.

    Foi com o p na estrada para a troca de experincia e com o ouvido atento que a equipe do Cead conheceu o som do bandolim e do violo do instrumentista Francisco Procpio de Souza, o Seu Chico, 72. Integrante de Congado e Folia de Reis, o msico colabora na Associao de Afrodescendentes de Ilicnea, municpio com 11.500 habitantes, no Sul de Minas. Estudantes e ex-alunos de educao a distncia, ao lado de outros componentes, participam da associao e incentivam os pretendentes a uma vaga em cursos ofertados no polo a manterem bom desempenho na escola.

    Em dezembro de 2012, foi a vez de Seu Chico deixar sua comunidade e se apresentar com o bandolim no 3

    Seminrio de Educao a Distncia (EAD) da UFJF, evento que colabora para identificar caminhos para a nova modalidade de ensino. Se nos polos visitados, a sensao era de acolhimento e insero da equipe da campanha pelas comunidades, conforme Raquel, com a vinda de Seu Chico a Juiz de Fora ocorreu a mesma reao. Por isso, o msico nem trocou meias palavras, s quis tocar sob o olhar curioso da plateia. Essa convivncia com as comunidades e esse vnculo emocional so particularidades da UFJF, os quais auxiliam na permanncia do aluno, ressalta a diretora do Centro, Da Pernambuco. Para 2013, o Cead planeja nova edio da campanha.

    Quando vamos em direo aos polos, samos para um microcosmo cognitivo e cultural. Por tal motivo, trabalhamos com a ideia de educao Guimares Rosa, de modo a enxergar a diversidade dos relevos perceptivos (e seus sotaques) e compreender a multiplicidade cultural e cognitiva do mar de morros de Minas, para, a partir dos elementos que nos fornecem, poder construir saberes em conjunto, conclui o coordenador-geral do Centro, Jos Aravena.

    MAIS www.cead.ufjf.brwww.uab.capes.gov.br

    documentrio Que Qui c Qu?: http://vimeo.com/55027801

    CURSOS A DISTNCIADA UFJF32 polos em ES, MG, RJ e SP

    Sete graduaesBacharelado em AdministraoLicenciaturas em Computao, Educao Fsica, Matemtica, Fsica, Pedagogia e Qumica

    Cinco especializaes: Esportes e Atividades Fsicas Inclusivas para Pessoas com Deficincia; Gesto Pblica; Gesto Pblica Municipal; Gesto Pblica de Organizaes de Sade; Mdias na Educao

    Cursos de aperfeioamento:Educao para as Relaes tnico-Raciais; Atividades Fsicas para Pessoas com DeficinciaTrs polos em Moambique (frica): bacharelado de Administrao Pblica, em parceria com a Universidade Eduardo Mondlane

    Entretenimento com comunidades: no sentido horrio, em Ilicnea, senhor aguarda incio de roda de conversa (foto: Guilherme Portes); em So Joo da Ponte, crianas participam de criao cnica (foto: Paula Duarte); em Mantena, menina se encanta com msica, e garoto se concentra para capoeira; e, em Salinas, pblico atento apresentao (fotos: Raquel Rezende)

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    Municipal da Lajinha, em ponto distante dos setores de lazer, abertos ao pblico, mas a apenas 150m da borda da mata, circundada por avenidas, clubes e estdio de futebol. Incluindo a rea de livre acesso e o trecho verde, o parque possui apenas 0,8 quilmetro quadrado, menor que o Campus da UFJF, de 1,34 quilmetro quadrado. A suspeita de a rea possuir outra nova espcie e abrigar sapos vistos pela primeira vez no Esprito Santo e na Serra do Brigadeiro, na Zona da Mata Mineira, reforam a necessidade de fazer pesquisa em parques urbanos e ratificam que o tamanho do local ou da espcie no mesmo garantia de grandeza na cincia.

    E no foi to fcil achar o sapinho Meridionalis, nome dado pelo grupo em aluso regio mais ao Sul do Brasil em que foi encontrada uma espcie do gnero. A dificuldade em colet-lo desproporcional ao comprimento reduzido, e o tom marrom de sua pele ajuda na camuflagem em meio s folhas

    Eu sou pequeno por fora, mas grande por dentro, tamanho no documento, avisa o compositor carioca Lamartine Babo (1904-1963), em uma de suas canes, brincando com o ditado sobre estatura. Essa frase poderia ser apropriada por um dos mais novos cariocas do brejo alcunha dada ao morador de Juiz de Fora (MG), cidade localizada a 184 quilmetros da capital fluminense e influenciada por ela. Nesse caso, o nativo literalmente do brejo: um sapo sapinho ou sapo, conforme o ponto de vista que tem, em mdia, respeitvel 1cm de comprimento do focinho cloaca, menor at que seu nome cientfico Adelophryne meridionalis.

    O anfbio foi descoberto por uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e da Universidade Federal da Paraba (UFPB) em parque urbano, um tipo de espao de onde, equivocadamente, no se esperam grandes achados. A espcie habita um fragmento de Mata Atlntica, no Parque

    e galhos da serrapilheira da mata. Os pesquisadores precisaram cercar um trecho da vegetao com lona preta e ficar espera, s vezes de madrugada, at que ele entrasse em um funil gradeado. O trabalho de campo e perseverana incluiu, ainda, a convivncia com outros animais de porte maior, como a jararaca. Mas, para os herpetlogos, especialistas em rpteis e anfbios, o animal no se tornou ameaa.

    Dos primeiros exemplares de sapos capturados at a descrio completa da espcie passaram-se muitas noites. Foram quase seis anos at que a equipe tivesse a certeza de se tratar de novidade, anunciada na revista cientfica alem de Herpetologia, Salamandra, em dezembro de 2012. A divulgao em publicao cientfica impressa o requisito para validar a descrio do sapo, pois a pesquisa passa pelo crivo de outros cientistas, responsveis por checar os dados levantados. No final de 2006, as primeiras coletas do anfbio,

    O anfbio, encontrado por pesquisadores da UFJF e da Universidade Federal da Paraba (UFPB), habita um fragmento de Mata Atlntica, no Parque Municipal da Lajinha, em Juiz de Fora (MG), em ponto distante dos setores de lazer abertos ao pblico

    RAUL MoURoReprter

    Nova espcie de sapo descoberta em parque urbano

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  • 11A3 - mAio A oUTUBRo/2013

    levadas ao setor de taxonomia do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, detentor de reconhecida coleo de 280 espcies da classe, no garantiram sequer a identificao do gnero. No por menos que Adelophryne, parte do nome composto que designa o gnero, significa sapo desconhecido, escondido.

    Aps mais uma temporada de chuvas, entre o final de novembro de 2007 e maro de 2008, quando os sapos se reproduzem e entram em mais atividade, a equipe obteve 14 exemplares. Eles foram levados para nova anlise, no museu, em 2008, quando se tornou possvel apontar o gnero Adelophryne e a probabilidade de se tratar de uma espcie nova, ressalta a professora do Departamento de Zoologia do Instituto de Cincias Biolgicas (ICB), Rose Marie Hoffmann de Carvalho, que coordenou a pesquisa, acompanhada do bilogo Matheus de Oliveira Neves, do aluno de Cincias Biolgicas Emanuel Masiero da Fonseca, todos da UFJF, e do doutorando da UFPB Diego Jos Santana.

    A sinalizao da provvel novidade reforou as pesquisas do grupo juiz-forano e paraibano. A equipe obteve o emprstimo de outras sete espcies,

    encontradas no pas, para serem comparadas com a coleo da UFJF. Em um trabalho minucioso, auxiliado por microscpio, os pesquisadores observaram cada detalhe da estrutura desses anuros ordem de sapos, rs e pererecas para descrever a espcie, utilizando metodologias consagradas. Os anuros no possuem uma chave taxonmica bem definida, como determinadas aves, plantas e peixes, cujas diferenas entre espcies podem ser percebidas, entre outras caractersticas, pelo tipo de bico, folha ou escama. Com sapo muito difcil, pois temos que comparar a estrutura morfolgica, explica Rose Marie. Nesse ponto, a atuao de Diego Santana foi preponderante. No laboratrio em que trabalho na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e na UFPB, fui descobrindo as diferenas, escrevendo o artigo, falando com outros pesquisadores e comparando o material.

    A partir desse esforo, o grupo identificou cinco pontos que diferenciam a espcie juiz-forana das demais do mesmo gnero: o tmpano no visvel; a pele dorsal lisa; o quarto dedo da mo possui s duas falanges (tipo de osso) em vez de trs; o primeiro dedo

    da mo menor ou igual ao quarto; e as gotas na extremidade dos dedos do p so menos salientes. A descoberta e a descrio foram etapas importantes de um trabalho que pretende ser expandido, pois a equipe objetiva compreender a reproduo, o canto nico para cada espcie , e os hbitos do Meridionalis, que no venenoso.

    Em risco

    Antes da pesquisa local, foram catalo-gadas sete espcies de Adelophryne no Cear, na Bahia, na Guiana e no Norte da Amaznia brasileira, onde foram obti-dos os primeiros exemplares em 1984. A quantidade pode saltar para 15, caso ou-tros sete sapos, achados no Amap, na Bahia, em Minas Gerais e em Pernambu-co, sejam confirmados como pertencen-tes mesma linhagem. Duas j descritas esto ameaadas de extino, no Cear, devido substituio da mata nativa por monoculturas, em reas de especulao imobiliria, de atividades tursticas sem controle adequado e fora de unidade de conservao, segundo o Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaada de Extin-o, elaborado pelo Ministrio do Meio Ambiente.

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    Para coletar o pequeno animal, os pesquisadores, orientados pela professora Rose Marie, cercam um trecho da vegetao com lona preta e ficam espera, s vezes de madrugada, at que o sapo entre em um funil gradeado

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    Apesar do conhecimento sobre o gnero estar em fase inicial, certo que somente a presena de anfbio em determinado espao, seja pequeno ou grande, j assinala que o ambiente encontra-se em condies adequadas de conservao. Os anuros so excelentes bioindicadores ambientais, pois, em caso de poluio do ar, do solo ou da gua, eles sero, entre os vertebrados, os primeiros a dar sinais de transformao na rea, desaparecendo do local, no sobrevivendo ou tendo alteraes no corpo. Isso porque a respirao dos anfbios feita pela pele permevel e exposta, e a maioria se reproduz na gua, afirma a professora. Esses animais so tambm uma fonte riqussima em compostos biologicamente ativos, usados em pesquisas farmacolgicas. Por esse motivo, a perda em diversidade de anfbios poderia limitar descobertas biomdicas relevantes, conforme aponta o pesquisador Clio Haddad, um dos coordenadores temticos do Livro Vermelho.

    Com toda essa funcionalidade, os sapos no alcanam a posio de prncipe, seja em conto de fadas ou na realidade, em que so percebidos com ojeriza. Um dos pontos principais que espero da pesquisa a desmistificao dos sapos, pois, muitas vezes, so vistos como animais que precisam ser detidos. Para combater o medo que muitas pessoas tm desses animais, chegam a jogar sal na pele deles. Eles so peas fundamentais no equilbrio do ecossistema por serem predadores de outros bichos que prejudicam at o homem, como mosquitos, frisa o estudante Emanuel Masiero.

    Grandes fragmentos

    A descrio de novas espcies chama a ateno para, pelo menos, trs pontos: sinaliza o avano, ainda que tardio, da pesquisa brasileira na catalogao de sua fauna e flora; ressalta a biodiversidade brasileira; e desperta outro olhar sobre resqucios de matas e parques urbanos, para alm da finalidade de lazer e esttica.

    Interessados no valor econmico ou vislumbrados com a variedade ecolgica nacional, estrangeiros foram os primeiros a pesquisar a fauna e a flora brasileiras. Essa condio se manteve at as primeiras dcadas do sculo XX, tanto que um dos principais livros sobre a flora amaznica foi escrito por um alemo, no sculo XIX, sobre 22.700 itens. E uma das maiores colees de plantas da regio encontra-se no Jardim Botnico de Nova York (EUA). Na medida em que no sabemos exatamente o que possumos em termos de riqueza de espcies (especificamente de anfbios) e que pouco sabemos acerca das populaes das espcies j descritas, a conservao se torna uma tarefa bastante difcil. Aqui vale o axioma de que s se conserva aquilo que se conhece e, portanto, imperativo que os estudos avancem e se aprofundem, destaca Haddad, no relatrio sobre fauna em extino.

    A pesquisa da equipe da UFJF e da UFPB um sinal de mudanas, iniciadas com o avano da pesquisa no Brasil. importante destacar que o estudo foi feito em laboratrio da prpria Universidade, ressalta a professora Rose Marie, que obteve apoio tambm da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas

    Gerais (Fapemig) sem deixar de utilizar recursos do prprio bolso um ponto em comum entre muitos pesquisadores. Pesquisas cientficas so provas concretas da necessidade de proteo, frisa o bilogo Matheus Neves.

    Ainda h muito para ser averiguado, pois o Brasil abriga a maior biodiversidade do planeta ou mais de 20% de espcies de flora, fauna e micro-organismos da Terra, conforme o Ministrio do Meio Ambiente. O pas tambm o lder mundial em anfbios, com 946 espcies entre as mais de 6.100 encontradas. Em Juiz de Fora, no Parque da Lajinha, est em andamento outro estudo para investigar a existncia de mais uma espcie de sapo de 4cm. Ainda em 2006, foram encontrados exemplares do sapo Zachaenus carvalhoi, na poca conhecido apenas na sua localidade tipo, no Esprito Santo, onde foi catalogado h mais de 20 anos. Outra espcie, a Chiasmocleis mantiqueira, era vista somente na Serra do Brigadeiro, em Ervlia, na Zona da Mata Mineira, a 135 quilmetros do parque, mas foi coletada pelo grupo, em 2009, no espao juiz-forano. A ampliao da distribuio geogrfica desse animal foi publicada na revista alem Herpetology Notes. Isso indica a presena, no parque, de espcies endmicas de Mata Atlntica, bioma com apenas 7% de cobertura original. Faz, tambm, com que a coleo cientfica desses anuros aumente, afirma Rose Marie.

    A descoberta alerta, ainda, para a necessidade de pesquisar reas verdes urbanas, cujo mapeamento pode orientar a legislao ambiental na definio de indicadores e polticas para preservao e conservao. Existem

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    O sapo tem, em mdia, respeitvel 1 cm de comprimento, menor at que seu nome cientfico Adelophryne meridionalis

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    reas que merecem ser estudadas, pois animais podem se extinguir antes mesmo de serem conhecidos. Algumas espcies, inclusive de sapo, so restritas a condies ecolgicas especficas, existindo apenas em um determinado ambiente, informa a pesquisadora. Alm do risco de extino, h a possibilidade de dificuldade na sobrevivncia. Um levantamento feito pela docente e estudantes revelou alteraes no corpo de anuros, provocadas, possivelmente, pelo uso de agrotxicos em rea prxima Represa Dr. Joo Penido, em Juiz de Fora, onde existia uma fazenda.

    A urbanizao excessiva tambm acaba com espaos verdes na cidade. E, nas residncias, o cimento toma o lugar do quintal, geralmente, por motivos simples, como a sujeira provocada pela folhagem de uma rvore. Com isso, os corredores ecolgicos entre reas verdes fragmentadas, a infiltrao natural da gua de chuva e a ventilao so reduzidas, estimulando, por exemplo, ilhas de calor e enchentes. At certo ponto era comum encontrar um sapo pela rua, hoje uma raridade. Para o doutorando Diego Santana, a descoberta do Adelophryne meridionalis mostra a importncia de que reas urbanas, mesmo pequenas, podem ter ainda uma riqueza faunstica. O homem, bicho grande, corre o risco de aumentar a lista de espcies conhecidas s por documentos.

    MAIS rose marie hoffmann de carvalhodoutora em biologia animal pela universidade federal rural do rio de janeiro (ufrrj); professora do departamento de Zoologia

    do instituto de cincias biolgicas da ufjf

    bit.ly/curriculorose

    [email protected]

    diego jos santana silva

    doutorando em cincias biolgicas pela universidade federal da paraba (ufpb), com perodo sanduche na universidade da cidade

    de nova york; mestre em biologia animal pela universidade federal de viosa (ufv)

    bit.ly/curriculodiego

    [email protected]

    matheus de oliveira neves

    bilogo pela ufjf e estudante de licenciatura em cincias biolgicas na ufjf

    [email protected]

    emanuel masiero da fonseca

    estudante de cincias biolgicas da ufjf

    [email protected]

    artigo sobre a descoberta do sapo: bit.ly/ufjfsapo / livro vermelho da fauna brasileira ameaada de extino: bit.ly/livrovermelho

    www.ufjf.br/icb

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    Professora Rose Marie Hoffmann de Carvalho, que coordenou a pesquisa, e o estudante Emanuel Masiero da Fonseca, no Laboratrio de Zoologia do ICB

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    Projetos desenvolvidos na Ufjf mostram aplicabilidade em vrios setores da sociedadeFLviA LoPEsReprter

    Ideias sustentveis ultrapassam os muros da Universidade

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    Nos ltimos anos, aes de responsabilidade social tornaram-se parte da estratgia de um nmero crescente de organizaes e instituies, cientes da necessidade de garantir as demandas atuais da sociedade e de atender s futuras. Prticas que encontram, no ambiente universitrio, terreno frtil para o desenvolvimento de ideias e projetos, baseados em pesquisas e aes de extenso. Na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) iniciativas sustentveis vm ganhando destaque e muitas delas ultrapassam os muros da academia, com aplicabilidade em vrios setores da sociedade.

    As pesquisadoras da UFJF Zlia Maria da Costa Ludwig e Maria Teresa Gomes Barbosa utilizaram resduo de fibra tica durante o processo de desenvolvimento do Ecodor, que visa a sustentabilidade do setor ferrovirio brasileiro

    Um desses projetos o Ecodor, produto patenteado em janeiro de 2013, que consiste em uma mistura destinada fabricao de dormentes de concreto armado, que visa a sustentabilidade do setor ferrovirio brasileiro. A iniciativa, da coordenadora do Programa de Ps-graduao em Ambiente Construdo da UFJF, Maria Teresa Gomes Barbosa, e da docente do Departamento de Fsica da mesma instituio, Zlia Maria da Costa Ludwig, mira o projeto de investimento em ferrovias do Governo federal, que pretende ampliar a malha ferroviria brasileira em mais de dez mil quilmetros ao longo dos prximos 25 anos, ou seja, um incremento de cerca de 10% na matriz de transporte atual.

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    Moderna (Nimo) da Faculdade de Engenharia, o projeto prev a criao de um sistema de iluminao por diodos emissores de luz, popularmente conhecidos como LEDs (sigla em ingls para Light Emmitig Diode), em toda a rea externa do campus de Juiz de Fora da UFJF. Iniciado no final de 2009, o projeto contou com recursos da prpria instituio e do Programa Nacional de Conservao de Energia Eltrica (Procel/Eletrobras). J implantado por meio de um projeto piloto na parte externa da Faculdade de Engenharia - com a distribuio de 45 luminrias de LED na rea - o novo sistema traz inmeras vantagens, entre elas, a economia de mais de 40% no gasto de energia. Segundo o coordenador do projeto, o professor da Faculdade de Engenharia Henrique Braga, cada ponto de luz tpico ( base de lmpadas de sdio) dentro do campus consome em torno de 250 watts e h uma perda de cerca de 30 watts no circuito eletromagntico, totalizando 280 watts. Com a utilizao

    dos LEDs temos um consumo de 157 watts (44% a menos). Alm disso, o docente lista outros benefcios, como menor necessidade de manuteno; visualizao melhor de detalhes e cores e maior durabilidade, pois os LEDs contam com perodo de vida til quase trs vezes maior que o das lmpadas convencionais. Outra vantagem, conforme Braga, a possibilidade de programar a reduo da intensidade da luz em perodos quando a iluminao menos necessria. Ainda de acordo com o pesquisador, a dissertao de mestrado Avaliao experimental de luminrias empregando LEDs orientadas a iluminao pblica, defendida este ano pelo bolsista do Nimo, Fernando Nogueira, mostrou que a economia gerada na UFJF suficiente para arcar com o investimento realizado na implantao do sistema. Isso porque a Universidade adota a tarifa denominada verde na classificao da concessionria de energia Cemig. Mas o principal que estamos trabalhando com tecnologia limpa, com menos prejuzos ao meio

    Segundo a professora Maria Teresa Barbosa, o produto agrega detritos da construo civil, como cimento Portland, p de mrmore, p de brita, gua, alm de rejeitos de fibra tica (fibra de vidro). O projeto um aprimoramento de trabalho anterior de sua autoria, que consiste no reaproveitamento de restos da construo civil. O grande diferencial, conforme ela, a incluso da fibra de vidro. O rejeito da fibra tica confere aumento da resistncia do produto e diminuio de seu peso, o que significa reduo do custo de fabricao e do custo de transporte, durabilidade e alto apelo sustentvel. O projeto foi tema de dissertao da ps-graduao em Ambiente Construdo da UFJF, defendida a portas fechadas em 2012, por conta do processo de patente do produto. Alm de avaliar a resistncia do material trao, elasticidade e absoro de gua, a ento mestranda Mariana Paes da Fonseca Maia realizou uma completa anlise das possibilidades de insero do produto no mercado. Foi a que conclumos a viabilidade do emprego dessa nova mistura, ressalta a professora. O recolhimento do produto foi possvel graas parceria do Departamento de Fsica da UFJF com a Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e com o Centro de Pesquisa em ptica e Fotnica (Cepof) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), instituio responsvel pelo fornecimento da fibra de vidro descartada aps a produo da fibra tica. De acordo com Zlia, as pesquisadoras j planejam novos projetos interdisciplinares com vis sustentvel. Um grande problema ambiental hoje o descarte de lmpadas fluorescentes. Por meio do tratamento desse material temos condies de oferecer ao mercado novos produtos com alta resistncia, menor custo e dando uma finalidade para rejeitos que poluem o meio ambiente.

    Eficincia energtica

    Gerar aes priorizando a eficincia energtica o objetivo de outra ao idealizada na UFJF, com a utilizao de novas tecnologias em iluminao pblica. Desenvolvido pelo Ncleo de Iluminao

    Rejeitos de fibra tica utilizados na pesquisa

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    ambiente. O custo do material ainda alto, mas acredito que vamos ocupar esse espao convencendo a populao e realizando parcerias entre universidades e indstrias. Eu aposto na tecnologia verde.

    Qualidade da gua

    Monitorar a qualidade da gua das represas Doutor Joo Penido e So Pedro, que abastecem Juiz de Fora (MG), o principal objetivo do projeto que vem sendo realizado pelo professor e coordenador do Programa de Ps-graduao em Ecologia da UFJF, Czar Henrique Barra Rocha. Desenvolvida com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq) desde maro de 2012, a pesquisa tambm pretende levantar as principais formas de uso e ocupao do solo nas reas do entorno dos respectivos mananciais. De acordo com Barra, a ocupao irregular e as atividades desenvolvidas no entorno dos mananciais de abastecimento pblico do municpio podem comprometer drasticamente a qualidade da gua, elevando o custo de tratamento para o atendimento s necessidades da populao e demandando pontos de captao cada vez mais distantes dos centros consumidores. Apesar de existirem legislaes especficas para proteo de mananciais, elas no so respeitadas e a fiscalizao praticamente inexiste. Pelas anlises iniciais constatou-se ocupaes nobres e tambm invases s margens das represas. um quadro preocupante, pois o encarecimento do tratamento da gua reflete no bolso do contribuinte atravs do aumento da tarifa. Outro risco, conforme o professor, a desativao destes mananciais, devido piora gradativa da qualidade da gua. Isto favorece a especulao imobiliria que anda pressionando muito estas reas devido beleza paisagstica. A sociedade perde em benefcio de uma minoria de vendedores de lotes. Para Barra, o desenvolvimento de pesquisas como esta poder subsidiar a resoluo ou mesmo evitar provveis conflitos de uso e destinao da gua

    dos reservatrios. Ainda que o municpio de Juiz de Fora apresente, segundo a ANA (Agncia Nacional de guas), uma disponibilidade hdrica satisfatria at 2015, no se pode negligenciar a necessidade de um planejamento a longo prazo, uma vez que, como recurso essencial vida, a gua potvel deve ser preservada sob todas as formas. Outro projeto que coloca a gua no centro das discusses o trabalho desenvolvido pelo professor do curso de Engenharia Sanitria e Ambiental, Celso Bandeira de Melo Ribeiro, juntamente com a bolsista de iniciao cientfica Nicole Hastenreiter Rocha, sobre o potencial de aproveitamento da gua da chuva em Juiz de Fora. Segundo Bandeira, o projeto teve como etapa inicial o mapeamento de locais com potencial de utilizao da gua de chuvas, dotados de grande superfcie capaz de favorecer o recolhimento. Um dos mais importantes locais avaliados foi o Campus da UFJF em Juiz de Fora, principalmente os prdios da Engenharia, do ICE (Instituto de Cincias Exatas) e do ICB (Instituto de Cincias Biolgicas), por conta da grande concentrao de pessoas e da topografia favorvel, j que no seria necessria a utilizao de bomba.

    Por meio das anlises realizadas na gua, foi constatada a possibilidade de reutilizao para usos em jardinagem, limpeza de pisos e descargas de sanitrios. Para outros usos, necessrio um tratamento, o que requer um alto custo de implantao. Mas o principal o ganho para o meio ambiente.

    Reciclagem

    A antiga histria de que japoneses jogavam computadores no lixo - que j deixou muito brasileiro estarrecido h pouco menos de duas dcadas - hoje uma realidade no Brasil. Segundo a Organizao das Naes Unidas (ONU), o pas campeo em gerao de lixo eletrnico por habitante: o descarte chega a meio quilo por ano. Para reduzir os impactos socioambientais dessa grave estatstica e promover a incluso digital, o professor do ICE da UFJF, Eduardo Barrre, desenvolve o projeto Computador velho? Recicle esta ideia. O trabalho foi uma das iniciativas

    aprovadas no edital do Programa de Extenso Universitria (Proext) do Ministrio da Educao (MEC) para execuo em 2013.

    O projeto, desenvolvido desde o segundo semestre de 2012, consiste no recebimento de equipamentos eletrnicos para conserto e posterior doao para escolas, ONGs e outras instituies. Nos primeiros seis meses, segundo Barrre, foram recolhidos 50 gabinetes completos, 40 monitores, 30 teclados, 30 mouses, seis impressoras, cinco notebooks, alm de placas e estabilizadores. O pesquisador ressalta que a ideia nasceu em casa, numa conversa com a esposa, na tentativa de dar um bom uso para os seus computadores obsoletos. Aps um pouco de pesquisa, tive a certeza de que poderia dar um aproveitamento melhor para aqueles computadores e peas guardados no armrio de casa.Como esse um problema de boa parte da populao, ento decidi levar a ideia de reaproveitar essas partes de computadores velhos para montar computadores ainda em condio de uso e, assim, propiciar a incluso digital de pessoas que no podem adquirir o equipamento. Atualmente, o Computador velho? Recicle esta ideia conta com a participao de dois professores, trs funcionrios e quatro alunos de graduao. O prximo passo, ressalta Barrre, ampliar o alcance do projeto, promover a doao e trabalhar o descarte mais eficiente do lixo eletrnico. Vamos capacitar cooperativas de catadores de lixo para maximizar o ganho com a venda do lixo eletrnico, separando as partes conforme seu valor e venda direcionada para quem recicla aquele tipo de material selecionado.

    Lixo que vale granas

    Quanto vale seu lixo? Na UFJF pode valer muitas granas verdes e prmios, graas iniciativa desenvolvida por uma equipe de integrantes da Porte Empresa Jr. e da Mais Consultoria Jr., orientados pelo professor da Faculdade de Engenharia Paulo Roberto de Castro Villela e apoiados pelo Ncleo de Empreendedorismo

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    A troca efetuada no momento do depsito do resduo nos pontos de coleta, as sedes das empresas juniores envolvidas. O projeto superou as nossas expectativas. Tivemos s uma pessoa que trouxe mil latinhas. Agora vamos avaliar de que forma podemos aprimorar a iniciativa.

    MAIS ecodor: proposta de mistura sustentvel destinada fabricao de dormentes de concreto (bit.ly/a3_ecodor)ncleo de inovao moderna (nimo) - (www.ufjf.br/nimo)

    programa de ps-graduao em ecologia da ufjf (www.ufjf.br/ecologia)

    grana verde (sites.engenharia.ufjf.br/granaverde)

    Os estudantes da Porte Empresa Jr. e da Mais Consultoria Jr. criaram o Grana Verde, projeto que recompensa alunos que recolhem resduos, como leo de cozinha usado, pilhas, eletroeletrnicos e latinhas

    (Nempe). O projeto Grana Verde tem como objetivo recompensar os alunos que levarem ao campus os resduos listados no regulamento do projeto (como leo de cozinha usado, pilhas, eletroeletrnicos e latinhas). Cada tipo de material depositado tem como recompensa uma quantidade especfica de Granas Verdes.

    Conforme a gestora do Departamento de Qualidade da Porte, Juliana Mattos Bohrer Santos, o intuito estimular a preocupao dos universitrios com o descarte de resduos no meio ambiente. A partir do momento que criamos uma recompensa, comeamos a estimular a participao de mais pessoas e vamos criando nelas uma cultura de reciclagem.

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    O eterno conflito entre cincia e religio: um mito?

    A histria da cincia e da religio pontuada por relaes de aproxi-mao e conflitos. E h mitos ainda ensinados nas escolas. Os pesqui-sadores da Universidade do Wisconsin, EUA, Ronald L. Numbers (foto), e da Uni-versidade de Oxford, Inglaterra, Andrew Pinsent, estiveram na UFJF participando do III Ciclo de Conferncias Internacio-nais em Cincia e Espiritualidade. Na oportunidade, discutiram nesta entrevis-ta para a A3 conduzida pela jornalista da Secretaria de Comunicao, Valria Borges; pelo coordenador de Ps-Gradu-ao, Alexander Moreira; e pela coorde-nadora de Pesquisa, Maria Cristina An-dreolli , a histria desta relao e mitos sobre cincia e religio.

    - A3: Quais so os mitos acerca da rela-o entre cincia e religio?

    Ronald Numbers: H muitos, mas, prova-velmente, os dois maiores so os que consideram que cincia e religio sempre estiveram em conflito e o de que a reli-gio deu origem cincia, mais especifi-camente que o cristianismo deu origem cincia. A noo de que a cincia e a reli-gio esto sempre em conflito foi popula-rizada particularmente pelos autores americanos Andrew Dickson White e John William Draper no final do sculo XIX. Declara-se que a Igreja Crist aca-bou com a cincia antiga que prosperava na Antiguidade Grega, quando, na reali-dade, no havia muita cincia para a Igre-

    ja Crist destruir, pois os Romanos no estavam to interessados assim em cin-cia e desse modo, embora a tecnologia prosperasse na era primitiva crist, a ci-ncia no o fez e a que foi protegida at o final da Antiguidade e incio da Idade Mdia foi preservada particularmente pe-los cristos. Ao longo dos ltimos 150 anos, ouvimos tambm que na Idade M-dia a Igreja Catlica proibiu as disseca-es, que acreditavam que a Terra fosse plana e que em geral se opunham s ideias cientficas, tudo isso historicamen-te equivocado. Na verdade, a histria muito mais complexa, pois ocorreram conflitos, mas tambm houve muito apoio das instituies religiosas cincia.

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    ALEXANDRE sECH JRTradutor

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  • 19A3 - mAio A oUTUBRo/2013

    - E por que esses mitos no so mais debatidos pela comunidade acadmica e pelo senso comum?

    - Os historiadores de cincia e religio discutem esses mitos h dcadas e des-cobriram que no h fundamentao histrica slida para esses mitos. No en-tanto, a tendncia dos acadmicos de conversar e escrever uns para os outros e, por isso, as ideias tm ficado bastante restritas entre os acadmicos.

    - Qual seria uma concepo mais equili-brada e realista acerca da histria da relao entre cincia e religio?

    - Um dos mitos que mais tem circulado, e que tambm o ttulo para o livro que organizei, Galileo goes to jail *, tem a ver com Galileu. Ele tem sido apresenta-do como algum que foi perseguido pela Igreja por divulgar a noo copernicana de que a Terra gira ao redor do Sol e em quase todas essas narrativas ele preso, torturado e temia por sua vida. Foi terr-vel o que fizeram com ele, mas, na verda-de, a situao foi muito mais benigna. Galileu foi intimado pela Inquisio a comparecer em Roma no incio de 1633 por ter violado uma instruo papal. Che-gando l, foi hospedado na Embaixada da Toscana, no foi colocado em uma cela de priso. Depois de ter sido decla-rado culpado, foi passar algumas sema-nas em um belo palcio como convidado do bispo de Sena para, ento, passar o resto de sua vida em priso domiciliar em uma casa de campo nos arredores de Florena. No foi uma situao ideal, mas est longe de ser a histria que tem sido contada atravs dos sculos. Alm disso, as evidncias mais convincentes em favor do heliocentrismo ainda no haviam sido descobertas, o seu grande argumento emprico tinha a ver com as mars, que, em retrospecto, mostrou-se equivocado. Assim, odeio usar excessivamente esta palavra, mas esta uma histria bastante complexa. H, at certo ponto, a perse-

    guio a Galileu; que era uma pessoa muito difcil e fez de tudo para antagoni-zar amigos e inimigos; ele no foi tratado to duramente quanto nos contam, havia catlicos que o apoiavam e que se opu-nham a ele. Portanto, a oposio pura e simples no se encaixa nessa histria. Ademais, alguns historiadores enfatiza-ram o papel positivo da Igreja Catlica. John Hildebrandt afirmou que nenhuma instituio deu maior apoio astronomia durante os 600 anos entre os sculos XII e XVIII que a Igreja Catlica, e Michael Shank afirma que no mesmo perodo ne-nhuma outra instituio deu maior apoio a todas as cincias. Ele se referia ao apoio s universidades, principal local para en-sino e pesquisa cientficos. Portanto, necessrio que equilibremos as coisas. Sim, a Igreja Catlica s vezes se ops a certas concepes cientficas mas, em geral, apoiou muita cincia. A histria no to simples como aqueles que criaram os mitos queriam que acreditssemos.

    - O que pode nos dizer a respeito de pessoas que foram mortas por causa de suas ideias cientficas como Giordano Bruno?

    - Eu no encontrei historiador da cincia que pudesse identificar qualquer cientis-ta que tenha perdido sua vida por causa de suas ideias cientficas. Giordano Bruno era copernicano; ele foi queimado na es-taca, mas por causa de suas ideias a res-peito de Jesus. Foi uma heresia teolgica e no cosmolgica que culminou com sua morte.

    - Qual o maior obstculo para um dilo-go entre cincia e religio?

    - Creio que seja o dogmatismo de ambos os lados. Ouvimos cada vez mais declara-es de ateus famosos como Richard Dawkins e Daniel Dennett que afirmam que Deus no existe e que a cincia de-monstra isso e que a evoluo inerente-mente atesta. Isso exatamente o que

    dizem os fundamentalistas. Assim, as pessoas que esto nos dois extremos da discusso esto de acordo e eles rece-bem mais. H um grande nmero de reli-giosos afirmando que a Bblia simples-mente nos diz o que Deus fez e a cincia nos diz como Deus fez. No precisamos aceitar as concepes dos fundamenta-listas nem as dos ateus. Uma das coisas que me assustam nos Estados Unidos que a Corte Suprema interpreta nossa Constituio da seguinte maneira: as es-colas pblicas devem ser neutras em ter-mos de religio. Se os extremos estive-rem certos e a evoluo for atesta, no poderemos ensin-la em nossas escolas pblicas porque o atesmo certamente no neutro.

    - Como poderamos imaginar uma rela-o ideal entre a cincia e a religio?

    - Primeiramente, teramos que ter um mundo ideal, e no temos. Temos um mundo povoado por pessoas com opini-es extremamente divididas a respeito de muitos dos problemas mais importan-tes. Stephen Jay Gold publicou um livro no qual argumentava em favor de uma soluo pacfica com o que ele chamou de Non-overlapping magisteria (magist-rios que no se sobrepem): a religio atuaria em um mbito independente que diz respeito moralidade e tica, e a cincia atuaria no mbito independente que se ocupa do mundo natural. O pro-blema que o mundo natural representa um mbito enorme, e este outro mundo para o qual ele estava concedendo auto-ridade religio era um mundo minscu-lo. Acho que temos de viver com o que estamos enfrentando agora que, para mim, significa tentar conceber uma ideia um pouco mais apurada das relaes passadas, e ajuda comear por uma con-cepo real, ao invs de mtica, de como a cincia e a religio interagiram no pas-sado e assim dar um pequeno passo em direo a uma discusso mais civilizada.

    MAIS Ronald numbeRsprofessor da university of wisconsin-madison (eua); ex-presidente da international union of history and philosophy of science;

    galileo goes to jail and other myths about science and religion (harvard university press, 2009).

    leia o artigo mitos e verdades em cincia e religio: uma perspectiva histrica (www.scielo.br/pdf/rpc/v36n6/v36n6a07.pdf)

    eNCONTROs POssVeis

  • A3 - mAio A oUTUBRo/201320

    A histria do Big Bang, a teoria da origem do Universo, foi inventada por um padre catlico

    O professor da Universidade de Ox-ford, Inglaterra, Andrew Pinsent (foto), concedeu esta entrevista A3 quando esteve na UFJF participando do III Ciclo de Conferncias Internaciona-is em Cincia e Espiritualidade. Confira a seguir trechos da entrevista:

    - A3: Qual a sua opinio a respeito da percepo do pblico sobre a relao entre religio e cincia?

    - Andrew Pinset: Ela frequentemente a de que as duas esto em conflito, a chamada metfora do conflito. Mas, qual a origem desta percepo? Foi no sculo XIX, perodo em que se tinha a impresso de que o poder da cincia estava

    crescendo, particularmente o poder de transformar a sociedade. Assim, certas pessoas quiseram explorar este poder e fazer dele um meio para combater a teologia. Pessoas como Andrew Dickson White, que escreveu um livro sobre a histria da guerra entre a cincia e a teologia e a cristandade. Ele era o Richard Dawkins do sculo XIX. Estas histrias comearam a ter circulao popular e esta a narrativa na qual se acredita hoje. Mas devo ressaltar que narrativas no so cincia, narrativas so histrias que so contadas. A verdade sobre a histria da cincia e da religio e sua interao muito mais complicada, muito mais interessante do que qualquer narrativa simplista possa sugerir.

    - Qual seria uma concepo mais equilibrada e realista?

    - Seria no confiar em narrativas simples. Consideremos a histria do Big Bang, a teoria da origem do Universo. O homem que a inventou era um padre catlico e a maioria das pessoas no sabe disso. O nome dele era Georges Lemaitre, padre belga e astrofsico. Interessante como a teoria foi recebida pelo mundo religioso e pelo mundo cientfico. O Papa Pio XII concedeu importantes honras ao padre Lemaitre, fez dele o diretor da Pontifcia Academia de Cincias, o mais alto privilgio que um papa pode conceder a qualquer pessoa no mundo cientfico. Mas na Unio Sovitica, a teoria foi

    eNCONTROs POssVeis

    20 A3 - MAIO A OUTUBRO/2013

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  • 21A3 - mAio A oUTUBRo/2013

    rejeitada por 30 anos. Esta no uma histria encontrada em livros populares e por isso que acredito na importncia de ser crtico em relao s narrativas populares. A histria real frequentemente mais complicada e interessante.

    - Como avalia a declarao de muitos cientistas que afirmam que a cincia e a religio no so compatveis?

    - Penso que a cincia e a religio certa-mente no so a mesma coisa, e por que tudo no mundo deveria ser a mesma coi-sa? Se fizssemos tudo igual no tera-mos a histria, a arte, a literatura..., a reli-gio um tipo distinto de coisa. A maior parte da cincia hoje diz respeito medi-o precisa e relao de coisas no mun-do por meio de leis quantitativas. E a reli-gio, na maioria das vezes, diz respeito a pessoas e suas relaes com o divino. Assim, na maior parte do tempo elas operam em diferentes aspectos da reali-dade, portanto, no h razo em particu-lar para que haja conflito. s vezes, h conflitos acerca de temas acidentais, mas fundamentalmente elas lidam com dife-rentes tipos de coisas. O que eu acho que o mesmo tipo de desejo que opera na religio opera em certas reas da cin-cia, particularmente na Fsica, pois quere-mos conhecer as causas ltimas das coi-sas e este o tipo de problema que per-seguimos tanto na Fsica quanto na reli-gio.

    - Quais so os maiores obstculos para um dilogo entre a cincia e a religio?

    - Penso que seja a ignorncia da histria e da filosofia. A primeira pode ser atesta-da pela frequncia de narrativas simplis-tas em livros populares. J na filosofia, ainda vivemos sob a sombra do Positivis-mo que sugere que o nico conhecimen-to vlido o conhecimento oriundo de um experimento cientfico. Isso no verdade, pois o conhecimento pessoal no tem sua origem em experimentos

    cientficos, nem a literatura e nem a hist-ria. Temos assim, reas da atividade hu-mana que geram conhecimentos que no podem ser mensurados sob condies experimentais. frequente ouvir pessoas dizerem: A cincia diz que..., como se a cincia fosse uma coisa s e a nica fonte de todo o conhecimento, mas isso no verdadeiro nem no mundo cientfico. Penso que para ambos, religiosos e cien-tistas, preciso humildade; ns precisa-mos de humildade e tambm avaliar que a nossa rea particular de conhecimento no toda a histria. H 20 anos, eu era um fsico e se no tivesse sido educado para ser padre eu nunca teria estudado Filosofia e isso teria empobrecido minha vida... no estudar Filosofia. Como fsico, de maneira alguma eu me dava conta de que precisava dela... eu sabia de tudo... se voc capaz de medir algo ento isso tudo o que voc precisa. Felizmente, tive sorte em ter professores pacientes que me ajudaram a superar minha crena de que sabia tudo e que me ensinaram no-vas maneiras de pensar. Se eu tivesse que decidir, se houvesse uma rea que eu tentaria incentivar, eu diria histria de boa qualidade e filosofia de boa qualida-de. Mesmo para ser um bom cientista necessrio ser um bom filsofo, do con-trrio ele se torna apenas um tcnico criando mais experimentos no mesmo paradigma, e os grandes avanos na ci-ncia com frequncia vm de pessoas que possuem uma educao de fronteira, domina-se uma cincia, mas pensa-se tambm sobre o mundo de forma criativa e em termos mais amplos.

    - Como v o problema do dogmatismo na cincia e na religio?

    - Dogmatismo no sentido de no estar pronto para receber novas ideias um problema universal em todas as reas. Mesmo nas melhores universidades muito tentador para o professor j bem estabelecido dizer que agora ele sabe tudo, e para o aluno que faz perguntas o professor apenas diz: Fique quieto!

    Portanto, penso que devemos incentivar o questionamento genuno, e isto vale tanto para a religio quanto para a cin-cia. Uma coisa que muito difcil de ensi-nar para as pessoas o pensamento crti-co; muito importante ser capaz de pensar objetivamente, mesmo sobre coi-sas nas quais voc acredita com muito entusiasmo. Se ao final do debate eu me der conta que estou errado e que a outra pessoa est certa, eu vou me alegrar! Fi-carei feliz, se descobrirmos algo verda-deiro, Esta uma atitude difcil de ser estabelecida no processo educativo, por-que muito fcil pensar nela como um tipo de jogo de futebol no qual eu veno, voc perde, ou eu perco e voc vence. O que importante encorajar o dilogo verdadeiro.

    - Gostaria de saber mais sobre o dilogo entre cincia e religio em universida-des tradicionais como Oxford e tambm como v este campo de discusso na Amrica Latina?

    - Em Oxford o campo est crescendo porque ele interessante para o pblico, por isso importante que sejamos capa-zes de ajudar as pessoas a fazerem bons trabalhos acadmicos e a entenderem o tema claramente. J na Amrica Latina, penso que existem muitas oportunidades que so diferentes daquelas nos Estados Unidos. Vocs tm uma mescla de filoso-fia Anglo-Saxnica e Continental aqui com influncias do Iluminismo francs, o que significa que muitas pessoas de bom nvel de educao no Brasil apresentaro uma combinao de influncias filosfi-cas que talvez sejam menos comuns em partes dos Estados Unidos ou na Europa. Estou particularmente empolgado com o trabalho feito em Juiz de Fora (MG) por-que interessante o grande nmero de colaboraes que esto sendo desenvol-vidas entre a UFJF e universidades na Amrica do Norte e na Europa.

    eNCONTROs POssVeis

    MAIS andRew Pinsentpadre, filsofo, fsico; diretor de pesQuisa do ian ramsey centro de cincia e religio da universidade de oxford (inglaterra);

    ex-pesQuisador do centro europeu de pesQuisa nuclear (cern); www.andrewpinsent.info

  • A3 - mAio A oUTUBRo/201322

    os corredores hospitalares com os mais diversos sintomas. Propor estratgias viveis para essa gesto no uma equao facilmente resolvida. Nesse aspecto, a pesquisa acadmica pode ser grande aliada para apresentar opes eficientes, testadas e comprovadas nos prprios hospitais universitrios.

    Apontar uma soluo para a sade figura entre os principais desafios da gesto pblica. Estudos deixam claro que, alm de uma ateno sade bsica e obteno de recursos para novos leitos, fundamental uma gesto inteligente para conseguir, de fato, atender s demandas que lotam

    O sincronismo entre a pesquisa e o planejamento econmico tm se mostrado extremamente profcuo e uma sada bastante eficaz para o desenvolvimento e a viabilidade das polticas pblicas de atendimento sade. Seguindo essa direo, o Ncleo de Pesquisa em Gastroenterologia da

    Coordenada pelo diretor da Faculdade de Medicina da UFJF, Jlio Chebli, pesquisa resulta em alta hospitalar mais rpido, e, como consequncia, economia mdia anual de 80 dias de leito para o Hospital Universitrio

    BRBARA DUqUEReprter

    Segurana e menos tempo de internao marcam resultados de estudos sobre pancreatite

    PesqUisA

    O gastroenterologista e pesquisador Jlio Chebli comemora os resultados do trabalho que pode reduzir em um ou dois dias o tempo de internao dos pacientes com Pancreatite Aguda Leve (PAL)

  • 23A3 - mAio A oUTUBRo/2013

    Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) desenvolveu, na linha de pesquisa sobre Pancreatite, o trabalho que pode reduzir em um ou dois dias o tempo de internao dos pacientes com Pancreatite Aguda Leve (PAL).

    O foco do trabalho publicado no Journal of Clinical Gastroenterology, de grande fator de impacto e relevncia mundial para a rea mdica, a reduo do perodo de internao sem o aumento na recorrncia de dores abdominais. Para isso, a pesquisa privilegiou o processo de realimentao, ou seja, por meio da antecipao da prtica da dieta normal para os pacientes, incluindo o que se refere ao contedo de gorduras, observou-se ser um mtodo seguro e que reduz o tempo de hospitalizao.

    Rapidez na alta hospitalar

    Receber alta hospitalar mais rpido objetivo coincidente de mdico e paciente, principalmente, quando se trata de atendimento pblico. Porm, essa notcia inevitavelmente deve vir aliada a

    muita cautela. O trabalho desenvolvido na UFJF analisou justamente a segurana e a extenso de hospitalizao em pacientes realimentados com uma dieta slida completa (dieta normal) como a refeio inicial aps a PAL, quando comparada a outras dietas mais restritivas.

    O estudo, com durao de quatro anos, sendo os dois primeiros para coleta de dados e o restante para anlises e tabulao, reuniu sete pesquisadores da UFJF, entre professores e alunos de ps-graduao e iniciao cientfica. Desses, seis so da Faculdade de Medicina: Jos Maria Moraes, Guilherme Felga, Liliana Chebli, Mrcio Franco, Carlos Augusto Gomes e Pedro Gaburri; e, completando o grupo coordenado pelo gastroenterologista e professor da UFJF, Julio Chebli, o economista Alexandre Zanini, responsvel pela parte dos dados estatsticos.

    Seleo aleatria

    O processo investigativo consistiu em selecionar aleatoriamente pacientes com PAL que deram entrada no Hospital Universitrio (HU) da UFJF. Tais pacientes chegam unidade hospitalar, geralmente via emergncia, relatando fortes dores abdominais e vmitos. Depois de diagnosticada a PAL, a indicao para internao imediata. Para o tratamento de reabilitao o paciente submetido ao jejum completo, hidratao venosa e analgesia. O procedimento mantido at que a dor cesse e o apetite volte ao normal, o que em geral acontece simultaneamente em um perodo aproximado de trs a cinco dias.

    A credibilidade da pesquisa acadmica depende de alguns fatores fundamentais, como, neste caso, que o estudo seja duplo-cego, ou seja, nem os pacientes envolvidos nem os mdicos responsveis pela medicao e pela alta hospitalar saibam dos testes em trmite.

    O estudo tem incio na fase seguinte, quando a dieta oral reiniciada. Tradicionalmente, o tratamento prev a reintroduo inicial de lquidos. Alguns dias depois, prescreve-se uma dieta pastosa sem gorduras e, por fim, restabelecida a alimentao normal, completa, com gorduras. Somente ao final desse ciclo, com durao aproximada de quatro a cinco dias, caso as dores abdominais no voltem, o paciente poder receber alta, sendo fundamental que este esteja se alimentando da mesma forma que far em casa.

    Esse processo de reintroduo alimentar foi definido com base no funcionamento fisiolgico, j que a gordura a principal responsvel por estimular a secreo pancretica, causando, entre os especialistas, evidente receio dieta contendo gorduras. Por outro lado, anlises mostraram que o pncreas no estado de pancreatite aguda j est com o processo de secreo inibido, no fazendo, teoricamente, portanto, diferena sobre qual dieta seria adotada.

    Testes seguros

    A partir desta constatao, o Ncleo de pesquisa, liderado por Chebli, considerou os testes seguros. Ficou definido, ento, que 210 pacientes, divididos em trs grupos, seria um nmero adequado para imprimir confiabilidade aos resultados. Para um tero deles foi ministrada a realimentao tradicional (primeiro liquida, depois pastosa e, por fim, dieta normal com gordura); para o segundo grupo, a orientao foi que primeiro se alimentassem com uma dieta pastosa e, posteriormente, reintroduzida a alimentao completa; para o ltimo grupo, no entanto, indicaram o incio imediato da ingesto normal de alimentos.

    O resultado revelou que realmente no houve diferena nas taxas de recorrncia de dores abdominais durante a

    PesqUisA

    O trabalho desenvolvido na UFJF analisou justamente a segurana e a extenso de hospitalizao em pacientes realimentados com uma dieta slida completa (dieta normal) como a refeio inicial aps a PAL, quando comparada a outras dietas

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  • A3 - mAio A oUTUBRo/201324

    Alimentao: resultados da pesquisa garantem que o paciente pode iniciar imediatamente a ingesto normal de alimentos, sem qualquer restrio

    realimentao entre os trs grupos.Os pacientes que receberam a dieta normal desde o incio da realimentao ingeriram mais calorias e teor de gorduras nos dois primeiros dias, mesmo assim, no apresentaram piora do quadro, ou seja, recorrncia de dores abdominais que se destacassem dos outros grupos. Segundo Chebli, o resultado mais importante desta pesquisa que a extenso de hospitalizao deste terceiro grupo foi significantemente menor, implicando em vantagem para o paciente e tambm para o hospital.

    A partir dos resultados positivos, o procedimento vem sendo adotado

    MAIS Jlio maRia Fonseca cheblidoutor em gastroenterologia pela universidade federal de so paulo; professor associado da universidade federal de juiZ de

    fora (ufjf); diretor da faculdade de medicina da ufjf

    ncleo de pesQuisa em gastroenterologia

    http://dgp.cnpQ.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0804401jhd8kdi

    http://lattes.cnpQ.br/8780172445545967

    [email protected]

    PesqUisA

    no HU/UFJF, o que j representa uma disponibilidade de leitos anuais em mdia de 80 dias. Um impacto significativo indicando que, de fato, estudos como este podem contribuir expressivamente para a gesto hospitalar. Para os membros do grupo de estudos, o sucesso do trabalho se deve dedicao da equipe. Com interesse crescente pela pesquisa, o grupo se destaca pelas publicaes em literaturas indexadas, participaes em importantes congressos da rea e uma produo com qualidade frequentemente reconhecida pela comunidade acadmica.

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  • 25A3 - mAio A oUTUBRo/2013

    bons resultados em um paciente podem no funcionar com outros, mesmo quando os sintomas so similares. Desta maneira, encontrar o tratamento adequado para determinado paciente pode levar semanas ou at meses e, durante este tempo, sua condio pode se agravar. Alm disso, apesar dos altos investimentos em pesquisa e assistncia mdica especializada, ainda no foi descoberta a cura para esta doena. Geralmente, tudo que se pode esperar do tratamento mdico o aumento em alguns anos da sobrevida dos pacientes.

    O Departamento de Modelagem Computacional Cardaca no Simula Research Laboratory, em Oslo, na Noruega, desenvolve modelos computacionais para a mecnica e a eletrofisiologia cardaca. Nossa viso de longo prazo tornar pacientes virtuais uma realidade e aplicar modelos computacionais na pesquisa biomdica bsica. Nossos

    Imagine uma pessoa sendo hospitalizada e diagnosticada com insuficincia cardaca. Dentro dos computadores do hospital criado um prottipo completo e personalizado deste paciente, com base em exames e imagens mdicas. Neste paciente virtual, uma equipe de cardiologistas pode testar e avaliar opes de tratamento como, por exemplo, remdios, marca-passos e cirurgias. Com base nas respostas do paciente virtual, o tratamento ideal , ento, escolhido. Quando administrado ao paciente real, os resultados so imediata reduo dos sintomas e substancial melhora na qualidade de vida.

    Infelizmente, esta histria ainda no realidade. Diariamente, milhares de pessoas morrem de insuficincia cardaca e, at mesmo nos melhores hospitais do mundo, os tratamentos no momento so muitas vezes baseados na tentativa e no erro. As terapias que apresentam

    Modelos computacionais cardacos vo aprimorar tratamentos e salvar vidas

    objetivos so aprimorar as prticas clnicas e melhorar o entendimento de como o corao funciona. Com isso, ser possvel aperfeioar o tratamento de determinados pacientes e reduzir consideravelmente as despesas de instituies de assistncia mdica.

    Em essncia, o princpio de desenvolver modelos personalizados para os pacientes tem como finalidade transferir o longo processo de tentativa e erro para o computador. Desta forma, seria possvel descobrir o tratamento ideal em minutos ao invs de semanas. Apesar de esta ideia parecer distante da prtica clnica diria, ferramentas necessrias j esto disponveis, como os detalhados modelos da fisiologia cardaca humana; ressonncias magnticas de alta resoluo, capazes de capturar detalhes da anatomia; e a alta oferta de hardware computacional.

    OLHAR esTRANGeiRO

    Bernardo Lino de Oliveira e Joakim Sundnes*

  • A3 - mAio A oUTUBRo/201326

    De maneira similar, pesquisas biomdicas baseadas em simulaes computacionais podem complementar ou at substituir modelos animais e experincia em laboratrio. Os experimentos computacionais podem ser executados de maneira rpida, barata e com muito menos consideraes ticas. Desta forma, no surpreendente que o uso de modelos computacionais seja mais difundido em pesquisa bsica do que na prtica clnica, e seu uso tem contribudo para a compreenso de importantes processos fisiolgicos. Entretanto, h lacunas a serem preenchidas antes que todo o potencial da aplicao da modelagem computacional na biomedicina possa ser alcanado.

    Um dos desafios a enorme complexidade dos processos biolgicos que controlam a funo cardaca. Mesmo com o vasto conhecimento disponvel, os modelos matemticos, apesar de extremamente detalhados, continuam a ser uma descrio simplificada da realidade. Certificar-se de que esta descrio simplificada correta e capta os mecanismos essenciais tarefa desafiadora e importante rea de pesquisa. No nosso grupo, atualmente, trabalhamos em vrios estudos de

    validao, com foco em uma variedade de importantes mecanismos. Alguns exemplos so como o ciclo dos ons de clcio no interior das clulas causa a contrao muscular, e como deformaes mecnicas do tecido cardaco podem alterar suas propriedades eltricas. Neste ltimo estudo, contamos com estreita colaborao do professor Rodrigo Weber dos Santos e de seus colegas do Laboratrio de Fisiologia Computacional (Fisiocomp) da UFJF.

    Outro desafio est relacionado ao de-senvolvimento de mtodos numricos eficientes para solucionar as equaes dos modelos. Modelos matemticos do corao so normalmente formulados como complexos sistemas de equaes diferenciais. Estes modelos, geralmente em multi-escala, descrevem os processos a partir do nvel das clulas at o nvel do rgo como um todo. A resoluo de equaes diferenciais em um computa-dor tipicamente requer discretizao processo de colocao de um conjunto de pontos ao longo do domnio de in-teresse , e aproximao da soluo em cada um dos pontos. Para capturar os processos, que variam rapidamente, no corao, necessrio espaamento entre os pontos de cerca de 0,2 mm no espao e de 0,1 milisegundo no tempo. Represen-tar um corao humano ao longo de um ciclo cardaco completo pode equivaler a solucionar um problema com mais de cem milhes de incgnitas, um grande desafio computacional mesmo com os mais modernos computadores. Uma si-mulao computacional de alta preciso, de apenas uma batida do corao pode demorar at vrios dias para ser execu-tada em um computador normal. Este in-tervalo de tempo retarda toda a pesquisa com base nestes modelos, e os torna im-prprios para aplicaes clnicas.

    Recentes avanos em mtodos numri-cos e, em especial, o uso de plataformas de hardware modernas, como processa-dores multicore e unidades de proces-samento grfico, mostram o potencial de reduzir drasticamente os tempos de computao.

    Simular a funo do corao em tempo real, ou seja, cerca de um segundo de clculo para cada batimento cardaco, vem sendo um objetivo da comunidade cientfica por vrios anos. Embora este objetivo parea estar fora do alcance, os resultados recentes indicam que tempos de computao de alguns minutos podem ser viveis num futuro relativamente prximo. Isto aumentar drasticamente a capacidade de uso dos modelos em pesquisa bsica, e abrir possibilidades de aplicaes clnicas. Para alcanar este objetivo, trabalhamos em conjunto com pesquisadores do Fisicomp e do Programa de Ps-Graduao em Modelagem Computacional da UFJF para desenvolver mtodos numricos mais eficientes e para melhor utilizar o hardware de alto desempenho que temos a disposio hoje em dia.

    *Bernardo Lino de Oliveira, doutorando em Modelagem Computacional Cardaca pelo Simula Research Laboratory e pela Universidade de Oslo; mestre em Modelagem Computacional pela UFJF

    [email protected] | http://simula.no/people/belino

    *Joakim Sundnes, doutor em Computao Cientfica pelo Simula Research Laboratory e pela Universidade de Oslo; pesquisador snior no Simu-la Research Laboratory; professor Associado na Universidade de Oslo

    [email protected] | http://simula.no/people/sundnes

    OLHAR esTRANGeiRO

  • 27A3 - mAio A oUTUBRo/2013

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    estudo realizado na Faculdade de Odontologia da UFJF buscou definir possveis causas biolgicas e psicolgicas para o inevitvel desconforto provocado pelo uso de aparelhos

    CARoLiNA NALoN E HLio RoCHAReprteres

    Especialistas investigam a dor do tratamento ortodntico

    Cerca de 230 mil crianas de 12 anos e 1,7 milho de adolescentes precisam de tratamento ortodn-tico no Brasil. Os dados, da Pesquisa Na-cional de Sade Bucal, realizada em 2010, alm de refletir a urgncia na implanta-o de polticas pblicas nesta especiali-dade e a importncia da pesquisa cient-fica, podem ser agravados por fatores desestimulantes envolvendo o uso de aparelhos. Frequentemente, eles so as-sociados dor, demora no tratamento e aparncia pouco esttica.

    Para Lucas Nicodemos, 23 anos, j so quase nove anos frequentando a cadeira de dentista. Eu tinha uma arcada dent-ria complicada, com mordida cruzada, o que me causava dor de cabea. Esse mo-tivo, mais que a questo esttica, fez com que eu procurasse a ortodontia, lembra, ao se referir ao incio do tratamento, aos 14. O paciente um dos 240 atendidos atualmente pela Clnica Ortodntica da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Sempre escutei muitos comen-trios negativos sobre o aparelho. Diziam

    que demorava muito e que doa, incomo-dava. As mesmas crticas foram ouvidas por Raphaella Braz, 13. A opinio das pessoas era o que mais causava expecta-tiva. Mas hoje percebo que, embora s vezes incomode e doa quando o dentista aperta o aparelho, possvel superar isso tudo. uma questo de persistncia.

    Relatos como os de Lucas e Raphaella, sempre presentes nos consultrios e apreendidos pelo senso comum, servem de motivao para pesquisadores busca-

    Estudante da Faculdade de Odontologia Paula Amorim Vitoiatende Rafaela Brs na Clnica Ortodntica da UFJF

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  • A3 - mAio A oUTUBRo/201328

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    rem alternativas que minimizem o des-conforto inevitvel ao tratamento. Na Faculdade de Odontologia da UFJF, pro-fessores e alunos se propuseram a estu-dar o tema e criaram recentemente um novo grupo de pesquisa para explorar ideias inovadoras na rea. Um dos mem-bros, o ps-doutorando Mrcio Campos, investigou, ainda no curso de mestrado, possveis causas da dor no tratamento ortodntico, cruzando fatores biolgicos e psicolgicos.

    O estudo com 20 pacientes do sexo mas-culino de 11 a 37 anos mediu, durante trs semanas, duas substncias encontradas na saliva e coletou informaes sobre a percepo da dor de cada um dos indiv-duos no mesmo perodo. Na parte biol-gica, Campos testou a influncia da imu-noglobulina A, protena responsvel pela proteo da mucosa, e a da alfa-amilase, enzima liberada em situaes de estres-se. Nos dois casos, no encontrou ligao entre a dor relatada pelo grupo avaliado e o aumento dessas substncias no orga-nismo. A dor variou formando picos em certos momentos do tratamento (por exemplo, quando foi colocado o fio para a movimentao dentria), enquanto a imunoglobulina A e a alfa-amilase se mantiveram praticamente constantes.

    A publicao de trabalhos deste tipo importante porque serve de embasa-mento para outras pesquisas. De posse dos resultados, os pesquisadores podem procurar outros fatores relacionados dor, descartando aqueles j testados, explica o orientador da dissertao e co-ordenador do Programa de Ps-Gradua-o em Sade da UFJF, Robert Farinazzo Vitral.

    Em relao parte psicolgica, os 20 pacientes responderam a um questionrio, uma semana antes de iniciarem a colocao dos aparelhos, apontando as motivaes para o tratamento. E, depois, durante o tratamento, anotavam, em uma escala, a intensidade da dor que estavam passando. O objetivo foi descobrir se pessoas menos ou mais motivadas a corrigirem suas disfunes sentiriam o desconforto de forma diferente. Ao final, das 27 perguntas respondidas, somente

    uma apresentou correlao: os indivduos que avaliaram seus prprios dentes como muito tortos ou apinhados relatavam menos dor. Em quase todas as questes no foram encontradas relaes significativas com os nveis de desconforto relatados. No entanto, a impresso clnica de que os pacientes que fazem uma autocrtica mais severa, ou seja, que realmente se sentem bastante incomodados com o aspecto esttico dos dentes, so mais tolerantes ao tratamento, diz Campos.

    Exemplo de autocrtica e autoconheci-mento o do dentista Bernardo Caixeiro, 24 anos, atualmente aluno da especializa-o em Ortodontia na UFJF. Anos depois de concluir o primeiro tratamento orto-dntico, ainda na adolescncia, passou a conviver com um desvio de mandbula, problema que deveria ser solucionado com cirurgia. Seria uma opo invasiva e de ps-operatrio complicado. Mas eu estava incomodado com o problema, olhava minhas fotos e notava o desvio em minha mandbula, embora ningum mais percebesse. Por isso, senti motivao para fazer a cirurgia e enfrentar todas as complicaes que ela acarretaria. O jo-vem conta que o conhecimento sobre os

    percalos do tratamento contribuiu para que se submetesse cirurgia com segu-rana e atravessasse o ps-operatrio praticamente sem dor. Enfrentei com pacincia o perodo em que mal conse-guia abrir a boca e tinha que ingerir ape-nas lquidos e, mais tarde, somente ali-mentos pastosos.

    Segundo o pesquisador Campos, o trata-mento ao qual Caixeiro se sujeitou bas-tante complicado, pois os ossos da face so cortados para serem depois reposi-cionados. Ter plena noo do que en-frentaria, assim como estar motivado em fazer a mudana, certamente favoreceu seu processo de recuperao. Caixeiro afirma no se arrepender e v os benef-cios estticos e tambm de preveno quanto a outros problemas que poderiam surgir futuramente.

    Dor demais mau sinal

    Para o professor Robert Vitral, a dor inevitvel na correo de problemas s-seos e dentrios. Isso porque, ao movi-mentar o dente do paciente, o cirurgio-dentista provoca uma inflamao no liga-mento periodontal, tecido que envolve a raiz do dente, e essa inflamao proposi-

    O professor Robert Vitral e o ps-doutorando Mrcio Campos (ao centro) com alunos do curso de especializao em Ortodontia

  • 29A3 - mAio A oUTUBRo/2013

    sadE

    tal causa desconforto. No entanto, a dor dever passar entre 48 e 72 horas, caso contrrio, sinal de alguma interveno incorreta. Se houver aplicao de fora em excesso, ao invs de uma inflamao controlada, a regio poder entrar em um processo de necrose, que resultar em uma dor mais intensa e prolongada. As-sim, a quantidade de dor ou de fora aplicada no sinnimo de eficincia. Pelo contrrio, pode fazer o tratamento atrasar.

    Ainda de acordo com Vitral, os analgsi-cos no so a sada para o problema. Se o procedimento for feito corretamente, a dor diminuir naturalmente. No faz sen-tido submeter o paciente ao uso de anal-gsicos durante dois ou trs anos. A aplicao de laser de baixa potncia, a acupuntura, o uso de estimulador eltrico nervoso transcutneo, alm dos frma-cos, so opes para minimizar a dor causada pelos ajustes dos aparelhos.

    A queixa quanto ao tempo de uso dos aparelhos ortodnticos tambm comum nos consultrios e, em alguns casos, resulta no abandono do tratamento. Nesse sentido, o ideal mesmo respeitar a natureza e, se for o

    caso, procurar alternativas. Uma delas, criada ainda na dcada de 1990, est disponvel no atendimento clnico da UFJF: os mini-implantes. Realizados em parceria com o setor de implantodontia da instituio, o uso desses dispositivos temporrios tm como objetivo auxiliar os procedimentos de movimentao dentria sem depender da colaborao do paciente, reduzindo, e at eliminando, movimentaes indesejveis durante o tratamento. Os especialistas garantem que, apesar de estranho primeira vista, o dispositivo no provoca grande incmodo e tem um resultado bastante positivo por atuar de maneira fixa e contnua. Ao contrrio dos impla