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Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa Ano académico de 2008/2009 Disciplina de Estudos Interdisciplinares Trabalho de Estudos Interdisciplinares relativo à questão nº7 “Sendo celebrada a locação financeira e não vindo, no final da mesma, a A., S.A a adquirir o imóvel X, que sucederá às relações contratuais [que a A., S.A. mantém com os seus arrendatários e demais utilizadores de espaços no centro comercial]?” Trabalho realizado por: 1

Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa · Web viewa adesão à associação de lojas; como contrapartida da cessão de um espaço no centro comercial, o lojista deve

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Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa

Ano académico de 2008/2009

Disciplina de Estudos Interdisciplinares

Trabalho de Estudos Interdisciplinares relativo à questão nº7

“Sendo celebrada a locação financeira e não vindo, no final da mesma, a A., S.A a adquirir o imóvel

X, que sucederá às relações contratuais [que a A., S.A. mantém com os seus arrendatários e demais

utilizadores de espaços no centro comercial]?”

Trabalho realizado por:

-Anete Dias Borges;

-Jorge Gregório;

-Rosemary Santos

1

Advertência

Este trabalho não assume a pretensão de ser um trabalho académico, mas apenas um registo

das intervenções orais dos elementos do grupo responsáveis pela liderança da resolução em aula da

hipótese 7 do caso prático. Foi concebido como um auxiliar na preparação da cadeira, tendo em

conta que o exame irá ao encontro do conteúdo dos trabalhos.

O grupo declina assim qualquer tipo de responsabilidade relativamente à absoluta falta de

indicações bibliográficas.

As mais sinceras desculpas pelo atraso na colocação on-line do trabalho.

2

Índice

1.Natureza jurídica do contrato de sale and lease-back..................................4

2.Natureza do direito de opção de compra no contrato de locação fin……….6

3.Posição jurídica do banco (reintegração na plenitude das faculdades de

proprietário)....................................................................................................10

4.Posição jurídica dos arrendatários (emptio non tollit locatum)....................14

5.Natureza jurídica do contrato de utilização de loja......................................19

Posição jurídica dos lojistas não arrendatários..............................................26

6.Conclusão...................................................................................................29

7.Bibliografia...................................................................................................34

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Ponto 1

Natureza jurídica do contrato do contrato de sale and lease-back (em português,

locação financeira restitutiva ): trata-se do contrato “pelo qual o proprietário de um bem, por via de

regra tratando-se de um imóvel vende-o a uma instituição de crédito, sendo que entre os mesmos é

celebrado um contrato um contrato de locação financeira”. Esta definição foi retirada do manual do

professor Fernando de Gravato Morais. Um dos motivos para a conclusão deste negócio é

exactamente a falta de disponibilidade financeira do proprietário original, no caso em concreto da

sociedade A, S.A, a qual visa consolidar o seu passivo, portanto, transformar dívidas a curto prazo

em dívidas a médio/longo prazo. Com o valor patrimonial gerado pela alienação da coisa a A, S.A

– vendedora e depois locatária - passa assim a dispor de uma soma avultada que pode utilizar na sua

actividade. A vantagem é assim a possibilidade de a A, S.A obter liquidez a partir de algo que já

existia no seu património, sem perder a disponibilidade da coisa.

Com origem nos Estados-Unidos na década de 30 do século XIX, mas praticada também no

Reino Unido no início da década de 60, o sale and lease back surge como uma operação de largo

relevo que precedeu, nestes países, a ordinária locação financeira.

A grande diferença do sale and lease-back é a sua estrutura bilateral, em contraposição à

estrutura trilateral do leasing. Com efeito, estão em causa no sale and lease back apenas duas

pessoas, não havendo intervenção de um terceiro, concorrem na mesma pessoa, em simultâneo, as

posições de locatário financeiro e de vendedor, sendo contudo o título - pelo qual se detém o bem,

bem esse que não chega sequer a sair da esfera jurídica do vendedor/locador - distinto antes e

depois da realização da operação.

Acórdão do STJ de 25/01/99: «Na locação financeira, na modalidade de sale and lease

back ou de locação financeira restitutiva, o bem móvel ou imóvel é adquirido pela sociedade de

locação, em vez de ser o utente (locatário) do bem a obter daquela, um bem móvel ou imóvel que

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ela adquiriu ou mandou construir a terceiro.»

É exactamente por existir esta estrutura bilateral no contrato de sale and lease back -

enquanto que no típico contrato de locação financeira existe uma estrutura trilateral fornecedor-

locador/comprador e locatário - que alguma doutrina entende que não é admissivel qualificar o

contrato de sale and lease-back como um contrato de locação financeira.

Vejamos o que nos diz o professor Rui Pinto Duarte: originariamente o professor defendeu

o não enquadramento do sale and lease-back no tipo locação financeira, dizendo que no lease-back

«nenhum bem novo vem directamente a acrescer ao acervo daqueles que o locatário utiliza na sua

actividade.». Logo, as sociedades de locação financeira não poderiam praticar operações de lease-

back. Contudo, mais tarde vem o professor defender no texto “Quinze anos sobre leasing – balanço

e perspectivas” a sua admissibilidade na ordem jurídica portuguesa.

Também Sebastião Nóbrega Pizarro defende que o contrato de sale and lease back afasta-

se da noção de locação financeira, não obstante a sua essência financeira, uma vez que «na locação

financeira, o locatário só ao celebrar o contrato adquire esse direito, isto é, só a partir desse

momento lhe é conferida a possibilidade de gozo do bem. Ao invés, no sale and lease back o direito

ao uso não é objecto de qualquer aquisição, pois ele já pertence ao locatário antes da celebração do

contrato e a concretização de toda a operação dele não o virá a privar.»

Como defensores da qualificação do contrato de sale and lease-back como locação

financeira existem Diogo Leite de Campos, Calvão da Silva, Duarte Pestana de Vasconcelos e

Fernando de Gravato Morais. Este último refere que a estrutura trilateral não é um requisito

essencial mas tão só um elemento natural da figura, fora essa especificidade, do ponto de vista

estrutural, a operação tem fortes semelhanças com o leasing. No mesmo sentido, Raquel Tavares

dos Reis refere que «o que é determinante é que se vislumbram dois contratos distintos: a locação

financeira e a venda, independemente de a pessoa do locatário financeiro desenvolver ou não dupla

função de fornecedor e de utilizador do bem.

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Ainda quanto à natureza jurídica do contrato de sale and lease-back salientamos a posição

de Leite de Campos entende que está em questão “uma coligação de contratos” (dois contratos,

compra e venda e crédito), estruturalmente independentes, embora interligados por um nexo

funcional.

2.Natureza do direito de opção de compra no contrato de locação

financeira:

Decreto-Lei nº149/95, que disciplina o regime jurídico da locação financeira:

- da perspectiva do locatário:

(artigo 1º) “Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante

retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida

ou construida por indicação desta, e que o locatário poderá comprar...»;

(artigo 10º, nº1, alínea j) ): «São, nomeadamente, obrigações do locatário [...] Restituir o

bem locado, findo o contrato, em bom estado, salvo as deteriorações inerentes a uma

utilização normal, quando não opte pela sua aquisição.»

(artigo 10º, nº2, alínea e) ): «Para além dos direitos e deveres gerais previstos no regime da

locação que não se mostrem incompatíveis com o presente diploma, assistem ao locatário

financeiro, em especial, os seguintes direitos: [...] Adquirir o bem locado, findo o contrato,

pelo preço estipulado.»

- da perspectiva do locador:

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( artigo 9º, nº1, alínea c) ): «São, nomeadamente, obrigações do locador: [...] Vender o bem

ao locatário, caso este queira, findo o contrato.»

Do ponto de vista da teoria da relação jurídica:

na perspectiva do locatário, trata-se de um direito potestativo de futura aquisição de

propriedade do bem em causa (na definição de Mota Pinto, são “poderes jurídicos de, por

um acto livre de vontade, só de per si ou integrado por uma decisão judicial, produzir efeitos

jurídicos que inelutavelmente se impõem à contraparte”);

na perspectiva do locador, trata-se de uma sujeição ( na definição de Mota Pinto, “a

situação de necessidade em que se encontra o adversário de ver produzir-se forçosamente

uma consequência na sua esfera jurídica que inelutavelmente se impõem à contraparte.”)

Opção de compra no leasing e no contrato de locação e arrendamento:

-opção de compra no contrato simples de locação: artigo 936º CC, nº2: “Quando se locar

uma coisa, com a cláusula de que se tornará propriedade do locatário depois de satisfeitas todas as

rendas ou alugueres pactuados...”;

-opção de compra no contrato de arrendamento (relativamente às SGII): artigo 7º, nº1 do

Decreto-Lei nº135/91, que regula as sociedades de gestão e investimento imobiliário: “As

SGII podem, no âmbito do seu objecto principal, celebrar contratos de arrendamento com

opção de aquisição futura dos imóveis ou fracções arrendadas [...]”

7

-opção de compra no contrato de locação financeira: artigo 1º do DL nº149/95

Origens do direito da opção de compra no contrato de locação financeira

O contrato de locação com opção de compra corresponde ao que os franceses chamam de

location-vente, os Ingleses hire-purchase; em Portugal foi denominado por alguns de locação-venda

sendo hoje comummente designado por locação com opção de compra.

Dever-se-á, contudo ter em atenção que leasing em inglês assume um significado diferente:

no leasing inglês não é outorgado ao locatário o direito de adquirir a coisa findo o contrato, essa

opção só se dá na figura da hire-purchase; e mesmo esta figura não é absolutamente igual à nossa

locação financeira: a empresa financeira que pratica o hire-purchase desempenha-o com uma

função de crédito ao consumo e não como uma forma do crédito às empresas que necessitam de se

equipar.

A location-vente designa no direito francês genericamente o contrato de locação com opção

de compra; a expressão para designar o contrato de locação financeira com opção de compra é

crédit-bail; na Bélgica, esta mesma realidade denomina-se de location financement.

Qual o motivo que deu origem à celebração de contratos de locação com uma cláusula de

opção de compra pelo locatário? Esta cláusula nos contratos de locação surgiu como uma

alternativa à cláusula de reserva de propriedade nos contratos de compra e venda de bens imóveis;

isto porque a cláusula de reserva de propriedade num contrato de compra e venda não protegia,

segundo alguns autores estrangeiros, o alienante que reservava para si a propriedade da coisa:

alguns tribunais entenderam que se o comprador no contrato de compra e venda com reserva de

propriedade alienasse ou onerasse o bem a um terceiro adquirente de boa fé, os direitos deste

nasciam, apesar de aquele com quem contratava não ser (ainda) o dono.

Em Portugal, esta visão da tutela do terceiro adquirente num contrato de compra com

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reserva de propriedade não foi aceite: o alienante que reservava para si a propriedade podia opor a

mesma a qualquer terceiro adquirente, mesmo encontrando-se este de boa fé. De tal forma que a

locação com opção de compra pelo locatário não assumiu a importância que teve noutros

ordenamentos jurídicos.

Daí que a cláusula de opção de compra tenha assim assimilada pelo ordenamento jurídico

português tardiamente, para contornar as dificuldades postas à venda a prestações (dado que havia

bens que não podiam ser comprados a prestações) e à locação financeira pela legislação especial

que visava evitar a expansão do consumo.

O que é esta opção de compra?

Uma proposta de venda, por parte do locador, que o locatário poderia aceitar ou não no

prazo convencionado, constituindo assim uma compra e venda que operaria a transmissão do direito

de propriedade sobre a coisa do locador para o locatário?

Professor Rui Pinto Duarte não concorda: «tratar-se-á antes de um contrato-promessa

unilateral de venda, que obriga o locador perante o locatário. [...] Tratando-se de um mero contrato-

promessa, será pois necessário, quando o locatário exerça o seu direito, a celebração de um novo

contrato, de compra e venda, que se regerá pelas normas gerais aplicáveis a tal tipo de contratual.»

Fernando de Gravato Morais: no seu livro o autor refere que alguns autores,

nomeadamente o jurista italiano Alessandro Murani, consideram que se está perante uma típica

obrigação alternativa em que a “opção” é deixada ao devedor. Nesta existe “uma obrigação com

duas ou mais prestações, liberando-se o devedor com o cumprimento de uma só, daquela que vier

a ser determinada por escolha.” (noção de obrigação alternativa é de Pinto Monteiro).

Segundo o professor Gravato Morais, outros autores entendem que se trata de uma “obrigação com

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faculdade de substituição” citando para o caso o jurista Garcia Garnica, o qual refere que na

locação financeira “não se trata propriamente de um direito de escolha”, como sucede nas

obrigações alternativas, “mas sim de um ius variandi da primitiva relação obrigacional no momento

do pagamento”

Segundo o professor Gravato Morais, a primeira orientação é aquela que mais bem

corresponde ao esquema da locação financeira. Citando o professor: «O que caracteriza as

obrigações alternativas é a circunstância de não existir uma única prestação devida. Ora no caso em

questão, o locatário financeiro tem a faculdade de adquirir a coisa, mas também dispõe da faculdade

de não a adquirir, sendo que aqui o contrato caduca, estando ele vinculado à restituição da coisa.»

3.Posição jurídica do banco

Numa primeira fase do contrato de sale and lease-back o proprietário do bem vende esse

mesmo bem a uma instituição de crédito, operando-se assim transmissão da propriedade do bem: o

banco passa a ser o proprietário do bem, contudo esse direito é um direito diminuído nas suas

faculdades, em virtude da principal função da propriedade titulada pelo banco – a de garantia.

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Como refere Rui Pinto Duarte, “o direito de propriedade pode ter como função não a

possibilidade da retirada de utilidades da coisa sobre que incide, mas sim a garantia de créditos.”

(citação do livro Curso de Direitos Reais). No que diz respeito à locação financeira, o professor

refere que “o que a sociedade de locação financeira pretende do direito de propriedade que adquire

não é o aproveitamento das qualidades da coisa (do seu valor de uso), função típica de um direito

real de gozo – mas que ele reforce a possibilidade de realização dos seus direitos de crédito sobre o

locatário.”, referindo ainda que “Frequentemente a sociedade de locação financeira está mais

preocupada em obter o pagamento da totalidade das rendas do que no reapossamento da coisa”.

Assim, como refere Leite de Campos, “o devedor” ( entenda-se o locatário ) “transfere

para o credor a propriedade de um bem a título de garantia do crédito obtido”, assistindo ao

locatário unicamente o direito de o gozar, portanto de o usar e fruir; alguns autores falam a este

propósito de “propriedade jurídica” do locador e “propriedade económica do locatário”.

Nos termos do artigo 1305º do CC, o direito de propriedade é uma direito subjectivo

complexo, constituido por vários poderes e faculdades – nomeadamente, uso, fruição e disposição

das coisas tituladas por esse direito. Ora, nos termos do regime da locação financeira, o locador

parece ter uma espécie de propriedade nua sobre a coisa, a já referida função de garantia da mesma,

“a defesa da integridade do bem, nos termos gerais do direito” (artigo 9º, nº2, alinea a) do Decreto-

Lei nº149/95), parecendo-nos que o locador pode ainda assim utilizar, na vigência do contrato de

locação financeira, dos mecanismos de defesa da propriedade previstos no Código Civil; pode

ainda o locador procede à fiscalização do bem locado, nas palavras da lei, “Examinar o bem” (idem,

alinea b)) estando o locatário obrigado a facultar ao locador o exame do bem.

Chegado o termo do contrato de locação financeira e não sendo exercido a opção de compra

por parte do locatário, deixa de fazer sentido esta cisão da propriedade em “propriedade jurídica” e

“propriedade económica”: o banco ficará verá reintegrado o seu direito de propriedade em todas as

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faculdades e poderes que o compõem. Isso vem exactamente referido no diploma legal sobre

sociedades financeiras.

Este diploma – o Decreto-Lei nº72/95 – estatui o regime jurídico aplicável às sociedades de

locação financeira, alargando o objecto das mesmas: ainda que este seja o exercicio da actividade de

locação financeira, as sociedades de locação financeira podem contudo, acessoriamente, alienar,

ceder a exploração, locar ou efectuar outros actos de administração sobre bens que lhes hajam sido

restituidos, quer por motivo de resolução de um contrato de locação financeira, quer em virtude do

não exercício pelo locatário do direito de adquirir a respectiva propriedade. Neste mesmo sentido

aponta a letra do artigo 7º do Decreto-Lei 149/95 referindo que “Findo o contrato por qualquer

motivo e não exercendo o locatário a faculdade de compra, o locador pode dispor do bem,

nomeadamente vendendo-o ou dando-o em locação ou locação financeira ao anterior locatário ou a

terceiro.”.

Decreto-Lei nº72/95, que regula a actividade das sociedades de locação financeira:

- (artigo 1º, nº1): «As sociedades de locação financeira são instituições de crédito que têm

como objecto exclusivo o exercício da actividade de locação financeira.»

- ( idem, nº2): «As sociedades de locação financeira podem, acessoriamente, alienar, ceder a

exploração, locar ou efectuar outros actos de administração sobre bens que lhes hajam sido

restituídos, quer por motivo de resolução de um contrato de locação financeira, quer em virtude do

não exercício pelo locatário do direito de adquirir a respectiva propriedade.»

Actualmente, a redacção – dada pelo Decreto-Lei nº285/2001 – é a seguinte ( em pouco

alterou o regime anterior ):

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(artigo 1º, nº1): «As sociedades de locação financeira são instituições de crédito que têm por

objecto principal o exercício da actividade de locação financeira.»

(artigo 1º, nº2) As sociedades de locação financeira podem, como actividade acessória:

a) Alienar, ceder a exploração, locar ou efectuar outros actos de administração sobre

bens que lhes hajam sido restituídos, quer por motivo de resolução de um contrato de locação

financeira, quer em virtude do não exercício pelo locatário do direito de adquirir a respectiva

propriedade;

b) Locar bens móveis fora das condições referidas na alínea anterior.»

Verificamos assim a idoneidade em abstracto do banco para assumir a posição de senhorio

nas relações contratuais para com os arrendatários e senhorios, ou seja, o banco possui capacidade

jurídica para cobrar rendas e fazer cessar contratos de arrendamento e de utilização de lojas em

centros comerciais. Essa capacidade é justificada em virtude do objecto acessório que as sociedades

de locação financeira passaram a ter com o diploma de DL 72/95.

3.Posição jurídica dos arrendatários

Nota sob o arrendamento: com o diploma Lei 6/2006 foi adoptada uma nova classificação

quanto aos tipos de arrendamento, aludindo agora a lei a arrendamento habitacional e arrendamento

não habitacional, não se referindo contudo o novo regime sobre arrendamento urbano ao

arrendamento comercial; afasta-se assim da anterior divisão existente no RAU, o qual distinguia os

arrendamentos para habitação, para comercio, para o exercicio de profissões liberais e para outra

qualquer aplicação licita do predio, de cariz não habitacional. Com este regime inovador no tocante

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ao regime de arrendamento urbano gerou-se uma dualidade entre os contratos celebrados perante as

leis antigas e os concluidos em face da lei nova: os primeiros continuam sujeitos à disciplina

vinculista, da qual ressalta a impossibilidade do senhorio extinguir o contrato sem motivo. No que

especificamente toca ao arrendamento mercantil, o NRAU submete-o essencialmente ao principio

da liberdade mercantil: a duração do contrato, a denúncia, a oposição à prorrogação, a actualização

das rendas e o regime de obras estão subordinados ao princípio assinalado.

A disciplina substancial do regime do arrendamento encontra-se agora no Código Civil.

De qualquer modo, o artigo que aqui interessa para o caso permanece intocado desde que o

Código Civil entrou em vigor; a doutrina deste artigo provém do 1619º do Código de Seabra.

Artigo 1057º (Transmissão da posição do locatário)

O adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações

do locador, sem prejuízo das regras do registo.

Esta doutrina foi sobretudo defendida por Galvão Telles: segundo este autor, a posição

jurídica do locador só pode transmitir-se quando se transmita o direito com base no qual foi possível

celebrar o contrato, portanto quando ao mesmo tempo se transfira o direito a cuja sombra foi

celebrado e vive o contrato de locação.Como refere Antunes Varela e Pires de Lima no seu Código

Civil Anotado, relativamente a esta transmissão da posição jurídica: «Em tal caso deve mesmo

porduzir-se ipso iure, como maneira de não romper o vínculo contratual em iníquo detrimento do

locatário. A translação desse vínculo, diz a doutrina, é um efeito da lei, sem necessidade de

alienante e adquirente a clausularem, nem possibilidade de a excluirem. Se o dono de uma casa

arrendada a venda ou a lega, o comprador ou o legatário sucede na qualidade de senhorio, torna-se

imperativamente titular dos respectivos direitos e obrigações.», isto diz AV/PL.

Igualmente, Álvaro Moreira e Carlos Fraga referem que o efeito de transmissão da posição

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de locador entre alienante (A, S.A) e adquirente (banco), efeito esse decorrente da alienação do

prédio é imperativo: o adquirente subentra forçosamente – volens nolens – na posição de locador,

sem a sua vontade ou mesmo até contra ela.

O grupo entende que este artigo, ainda que estipulado em sede do contrato de locação, é

aplicável à locação de bens imóveis, portanto, ao arrendamento, e dentro do arrendamento é

aplicável ao arrendamento para fins não habitacionais, uma vez que não existe norma especial que

regule a transmissão da posição contratual em sede de arrendamento para fins não habitacionais.

Este regime veio substituir o principio que governava em matéria de arrendamento nas

legislações antigas, o princío de emptio tollit locatum. Este último princípio é mais conforme com a

natureza obrigacional da relação locativa. O que o artigo 1057º vem a pôr em evidência é

exactamente o direito de sequela que existe no arrendamento em benefício do locatário. Quer isto

dizer que o locatário pode continuar a exercer os seus poderes sobre a coisa; pode continuar a

utilizar a coisa apesar de ela ter já sido vendida ou por qualquer forma alienada pelo locador a

terceiro. O seu direito, a sua posição jurídica tem eficácia em relação ao novo adquirente da coisa.

De acordo com o Prof. Rui Pinto Duarte, no seu Curso de Direitos Reais, o direito de

sequela «consiste no poder de o titular seguir a coisa por onde quer que ela se encontre, ou seja,

independentemente das suas vicissitudes de ordem material; por outras palavras, é a

susceptibilidade de invocação do direito contra qualquer detentor da coisa. Ao contrário, nos

direitos obrigacionais o credor não pode atingir a coisa devida desde que ela saia do património do

devedor. Esta característica exprime-se, nomeadamente, na chamada «reinvidicação», ou seja, na

exigência judicial de reconhecimento do direito real e da sua restituição (regulada nos artigos 1311º

e 1315).»

E deste argumento – o argumento de que a alienação da coisa por parte do locador não faz

caducar a locação – serve-se a doutrina que qualifica o direito do arrendatário como um direito real,

mais propriamente um direito real de gozo. Nesta doutrina encontramos os nomes de Paulo Cunha,

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Dias Marques, Oliveira Ascensão, Mota Pinto e Menezes Cordeiro; Manuel Januário Gomes

qualifica, no seu livro Constituição da Relação de Arrendamento Urbano, o direito do arrendatário

“como creditório mas potencialmente real”.

Sem esquecer que o contrato de arrendamento tem uma dimensão obrigacional – que se

evidencia no dever de pagar renda ou aluguer, estruturalmente obrigacional – estes autores

defendem que existem elementos que, se não atribuem o carácter real ao direito do arrendatário,

pelo menos atribuem-lhe uma forte dimensão de direito real; são eles: a imediação do direito do

locatário; a regra de que a alienação da coisa não faz caducar a locação, a atribuição ao locatário

dos meios de defesa facultados ao possuidor.

Contudo a tese que nega a qualificação como real do direito do locatário permaneceu sempre

maioritária; defendem-na, entre outros, Inocêncio Galvão Telles, José Pinto Loureiro, Pires de Lima

e Antunes Varela, Henrique Mesquita, Pereira Coelho, Pinto Furtado e Ana Prata.

O Prof. Rui Pinto Duarte defende um entendimento intermédio, semelhante ao defendido

por José Andrade Mesquita e por Menezes Cordeiro: a contraposição entre direitos reais e direitos

de crédito não é dicotómica, havendo direitos privados patrimoniais que não se reconduzem a essas

categorias, para englobar alguns deles emprega-se a terminologia “direitos pessoais de gozo”.

O direito do arrendatário, segundo o professor Rui Pinto Duarte, é um direito pessoal de

gozo, portanto uma figura intermédia ou mista entre a classificação dicotómica direitos

reais/direitos de crédito ( tal como o são o ius ad rem, o direito real in faciendo, a expectativa real ).

Esta categoria está positivada nomeadamente no artigo 407º do Código Civil,:

«Quando, por contratos sucessivos, se constituirem, a favor de pessoas diferentes, mas sobre

a mesma coisa, direitos pessoais de gozo incompatíveis entre si, prevalece o direito mais

antigo em data, sem prejuízo das regras próprias do registo.

- no artigo 574º, nº1,:

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«Ao que invoca um direito, pessoal ou real, ainda que condicional ou a prazo, relativo a

certa coisa, móvel ou imóvel, é lícito exigir do possuidor ou detentor a paresentação da coisa, desde

que o exame seja necessário para apurar a existência ou o conteúdo do direito e o demandado não

tenha motivos para fundadamente se opor à diligência.»

- e no artigo 1682-A, nº1, alínea a) e nº2.

Esta continuação da relação contratual de arrendamento entre o adquirente do direito de

propriedade ao locador por acto entre vivos e o locatário constitui, segundo a doutrina, um

fenómeno de sub-rogação legal forçada no contrato de arrendamento, em homenagem ao princípio

emptio non tollit locatum, e não uma cessão da posição contratual, nos termos do artigo 427º CC.

Desta opinião partilha a generalidade da doutrina e também AV/PL:

«Não pode por isso falar-se com rigor, neste caso, de uma cessão da posição contratual do

locador, ao contrário do que se passa com a posição do locatário, nem tão pouco há que exigir o

consentimento deste para a transmissão do direito.»

Nos termos do artigo 424º, os requisitos para a existência de uma cessão de posição

contratual seriam:

a) um contrato a estabelecer a transmissão da posição contratual, celebrado com o

consentimento do outro contraente;

b) a inclusão da referida posição contratual no âmbito dos contratos com prestações

recíprocas.

A cessão da posição contratual não é, porém admissível sem o consentimento do outro

contraente, prestado antes ou depois da celebração do contrato, resultando assim do efeito

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conjugado das declarações negociais do cedente, cessionário e da outra parte no contrato

transmitido. A eficácia da cessão depende assim da aceitação do outro contraente. No caso em

questão – que é a transmissão da posição jurídica de locador do alienante para o adquirente do

imóvel em questão - a transmissão não está dependente da autorização do locatário, podendo o

locador transferir livremente a sua posição de locador a terceiros no contrato de arrendamento.

Trata-se assim de uma sub-rogação legal forçada e não de uma cessão de créditos, nos termos do

artigo 592º, nº1 do CC:

«[...] o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando

tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver directamente interessado na

satisfação do crédito.»

A diferença da sub-rogação para a cessão é que esta última exige o consentimento do

cedente, ao passo que na primeira basta que a transmissão em causa lhe seja notificada, não

importando o consentimento do outro contraente para nada. Assim caso os arrendatários e os

utilizadores venham a pagar à A S.A as respectivas rendas e contribuições acessórias, pagarão com

eficácia liberatória, restando apenas ao banco instaurar uma acção de enriquecimento sem causa

contra a A S.A (seria um exemplo de enriquecimento por intervenção através da disposição eficaz

de um direito alheio).

Algumas consequências desta sub-rogação legal forçada:

o banco não pode exigir aos arrendatários o pagamento das rendas vencidas antes de ter

ocorrido a sub-rogação (artigo 213º CC, nº2: «Quanto a frutos civis, a partilha faz-se

proporcionalmente à duração do direito), a não ser que a sociedade A S.A, no momento em que

o banco é reintegrado na plenitude dos seus poderes de propriedade, lhe ceda o direito de

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receber as rendas já vencidas; nesta hipótese como prevê o artigo 583º, nº1 a cessão do crédito –

que são as rendas vincendas – tem de ser notificada aos arrendatários e aos utilizadores; Pinto

Furtado contesta esta solução: segundo ele, o banco teria legitimidade para cobrar as rendas

relativas a meses anteriores à data da cessão;

ainda que o facto que se apresenta como fundamento no despejo tenha cessado antes da

aquisição o banco tem legitimidade para acção de despejo proposta com esse fundamento (Rlx,

11-10-1968); qual a razão? A A, S.A nunca teria legitimidade para essa acção de despejo, uma

vez que ela conserva apenas um direito (de crédito) às rendas vencidas e não pagas; há que

conceder essa legitimidade então ao banco;

a autorização genérica para obras dada por escrito pelo senhorio anterior ao seu inquilino

continua válida e eficaz após a transmissão da propriedade do prédio ainda que as obras venham

a realizar-se todas posteriormente a essa transmissão, por força do artigo 1057º CC ( «sucede

nos direitos e obrigações do locador» ) - Acórdão da Relação de Lisboa de 27-5-1970

4.Natureza jurídica do contrato de utilização em loja

O contrato de utilização de loja em centro comercial continua no nosso ordenamento

jurídico a ser um contrato legalmente atípico e inominado; isto significa que não é recondutível a

nenhum tipo legal por nenhum dos processos de qualificação tipológica. Contudo existe na

realidade social e é socialmente reconhecido como diferente de outros contratos: daí que seja

socialmente típico. Assim, antes de procedermos a qualquer tipo de qualificação jurídica, vamos

verificar como é que a vontade das partes o tem desenhado, portanto as suas principais

características enquanto contrato socialmente típico:

existência de um centro comercial que é um complexo imobiliário constituido por lojas e

espaços comerciais, destinados à exploração de actividades de comércio a retalho, e por espaços

19

comuns, concebidos e organizados de modo a tornar o centro um local aprazível para o

comércio;

existência de uma entidade gestora do centro comercial;

a exploração das lojas é realizada individualmente pelos lojistas, celebrando estes com a gestora

três “convenções”, se assim lhe podemos chamar:

o contrato de instalação em loja;

a adesão ao regulamento interno e

a adesão à associação de lojas;

como contrapartida da cessão de um espaço no centro comercial, o lojista deve pagar

mensalmente uma quantia definida em termos fixos, acrescida de um montante variável, que é

fixado em função de uma percentagem do volume de vendas;

o lojista fica também obrigado a contribuir para um fundo de promoção e publicidade do centro

comercial;

pelas despesas comuns do centro comercial é finalmente devida uma quantia fixada por

aplicação de uma percentagem (correspondente à relação entre a área útil da loja e a área útil

global das lojas efectivamente ocupadas) ao total das despesas comuns orçamentadas;

para cobrança da referida prestação variável, a sociedade gestora pode fiscalizar a contabilidade

do lojistas, guardando contudo sigilo dos elementos fiscalizados;

cabe ao lojista realizar todas as obras de instalação e decoração da loja, sujeitando-se à

apreciação e aprovação prévia dos projectos respectivos pela entidade gestora;

o lojista obriga-se a desenvolver a sua actividade nos termos de um regulamento interno, que

define as regras de funcionamento e utilização do centro comercial de um modo unitário para

todos os lojistas;

o lojista obriga-se ainda a integrar a associação de lojistas;

20

a entidade gestora vincula-se a zelar pela manutenção e conservação do bom estado de

funcionamento das partes comuns e a orientar a política de mercado do centro comercial;

a entidade gestora pode ceder a sua posição contratual a terceiro, independentemente de

consulta ou consentimento do lojista; ao lojista é proibido ceder a sua posição contratual,

subarrendar, trespassar ou dar em comodato a loja;

o contrato tem uma duração determinada, com possibilidade de renovação ou de denúncia, no

final do prazo, por qualquer das partes, desde que respeitado o período de pré-aviso;

há um interesse comum de atracção de clientes e como tal existe cooperação de todos.

Apesar de se tratar de um contrato atípico e de assim o princípio da liberdade contratual,

consagrado no artigo 405º ter um grande âmbito de aplicação, é prática comum a redução do mesmo

a escrito. Na medida que cada lojista “adere” a um conjunto de cláusulas que são elaboradas pelo

promotor do centro comercial e que os lojistas não têm a possibilidade de negociar ou discutir, não

tendo portanto a liberdade de estipulação, mas tão somente a liberdade de aceitação, o contrato de

utilização de centro comercial é um “contrato de adesão”. Daí que se imponha a tutela do lojista

face à inserção no acordo de cláusulas abusivas e injustas, aplicando-se plenamente a estes contratos

o Decreto-Lei nº446/85 sobre cláusulas contratuais gerais, dirigidas a um grupo indeterminado de

pessoas e o DL 249/99, para contratos que se dirigem a uma pessoa determinada mas cujo conteudo

ela não pode influir.

O facto de o contrato de utilização de centro comercial ser actualmente reconhecido como

um contrato atípico, especial marcado por uma lógica de integração empresarial, pela qual as

várias lojas actuam com um espírito de cooperação com o objectivo de atrair o maior número de

clientes, não impediu que nos primeiros tempos em que os centros comerciais se desenvolveram

uma boa parte da doutrina os reconduzisse a contratos de arrendamento comercial.

Entre os defensores da qualificação do contrato de utilização como contrato de

21

arrendamento comercial estavam Ferrer Correia, Galvão Telles e Rui Rangel. A jurisprudência

também nos primórdios dos centros comerciais em Portugal defendia que o contrato em causa

tratava-se de um contrato de arrendamento comercial.

Galvão Telles defendia que o contrato em questão se enquadrava perfeitamente no esquema

essencial do contrato de arrendamento comercial, por possuir a sua estrutura específica, ser dotada

dos seus elementos caracterizadores, obedecer à sua causa. Para o jurista o contrato de utilização

reunia os essentialia do contrato de locação, portanto o gozo temporário e renumerado de uma

coisa, de tal maneira que não era atípico.

Pinto Furtado referia que relativamente aos traços novos, característicos dos centros

comerciais, nenhum deles era incompatível com o arrendamento comercial, antes o potenciando;

seria preciso, segundo este autor provar que esses traços novos eram incompatíveis com o tipo legal

de arrendamento para que o mesmo não se lhe reconduzisse.

Rui Rangel também veio defender a qualificação do contrato de instalação de lojistas em

centros comerciais como arrendamento comercial; embora reconhecendo a lógica empresarial que

nasce da relação estabelecida entre o gestor do centro e os lojistas, o autor considera que esta não se

sobreporia nem descaracterizaria a essência dos contratos, porque nas palavras do autor “seria o

contrato de arrendamento que faria nascer e despoletar a relação empresarial entre os lojistas e a

administração e não o contrário”.

Já mais tarde a questão voltou a ser equacionada, sobretudo pela jurisprudência e esta

começou a contestar a qualificação tout court do contrato em questão como arrendamento e passou

a vê-lo como uma união de contratos/contrato misto. A base legal para tal propósito das partes era

o artigo 405º, nº2 CC.

A este propósito, o acórdão de 17 de Janeiro de 1991 da Relação de Lisboa decidiu que a

cedência em centro comercial de um espaço vazio, destinado à instalação de uma estabelecimento

comercial, acrescida da prestação de serviços (de limpeza, segurança, fornecimento de água e

22

electricidade), mediante retribuição, configura uma união de contratos de arrendamento e prestação

de serviços. Segundo o entendimento do tribunal, tratava-se aqui de uma união de contratos e não

de um contrato misto porque o contrato de prestação de serviços, embora dependente do

arrendamento quanto à sua subsistência, mantinha a sua individualidade e disciplina próprias. A

diferenciação entre contrato misto ou união de contratos é de pouca relevância e segundo o Prof.

Rui Pinto Duarte as expressões são praticamente sinónimas e não vale a pena aprofundar aqui a

autonomia das duas figuras. O entendimento de que o contrato de utilização constitui uma união de

contratos/contrato misto de arrendamento comercial e prestação de serviços foi repetido pelo STJ

num acórdão de 24 de Março de 1992, em que se discutia a qualificação a dar ao contrato de

“licença e utilização” de uma loja do centro comercial Fonte Nova.

A qualificação como contrato misto/união de contratos foi contudo contestada por alguma

doutrina.

Segundo Antunes Varela, a qualificação com união de contratos/contrato misto não seria a

mais adequada porque os elementos essenciais envolvidos na cedência da utilização de espaço em

centro comerciais não encaixavam na causa ou função economico-social típica de qualquer destes

dois contratos; o autor afirmava sugestivamente que “tentar incluir na causa de qualquer desses

contratos – isolados ou mesmo associados – todas as atribuições patrimoniais em que normalmente

se desmultiplica a prestação juridica do organizador do centro comercial na relação contratual com

o lojista [...] é meter o Rossio na Betesga”. Em termos simples, o autor considera que a função

economico-social do contrato de utilização seria muito mais rica do que a resultante do mero

somatorio desses dois contratos combinados.

Também Oliveira Ascensão não concorda com a qualificação do contrato como mistura,

plural ou unitária, dos tipos arrendamento e prestação de serviços; este autor, entre outros

argumentos, também enfatiza que existe uma nova e mais rica causa contratual, resultante do

elemento prevalecente neste contrato – a integração empresarial.

23

É com base nesta nova função do contrato de utilização não reconduzível a nenhum outro

contrato legal típico – a integração comercial – que os referidos autores sustentam a tese da

atipicidade do contrato de utilização de loja em centro comercial.

Também Pedro Pais de Vasconcelos conclui que se trata de um contrato legalmente atípico:

ainda que o contrato em questão apresente caracteristicas de alguns tipos contratuais legais, nenhum

deles é suficientemente adequado para enquadrar a vontade das partes; não contesta contudo que

existe já , em termos sociais, extralegais, um contrato de instalação de lojista em centro comercial.

Pedro Malta da Silveira também sustenta a tese da atipicidade, enfatizando tratar-se de

uma especifica formula de integração empresarial.

O Prof. Rui Pinto Duarte, na mesma linha, refere que há um excesso de conteúdo dos

contratos relativamente aos elementos essenciais da locação, na medida em que o organizador do

centro presta ao lojista um conjunto de serviços que não são simples acessorios da cedência do

gozo de uma loja “nua”; que várias normas do regime de arrendamento são inadequadas à espécie

contratual em causa; que a função economico-social é distinta da do contrato de arrendamento. O

autor sublinha ainda a interdependência existente entre os vários contratos de utilização celebrados

com os diversos lojistas

. Existem algumas figuras afins deste contrato socialmente típico que contudo devem ser

rejeitadas como hipótese de qualificação.

A mestre Ana Afonso na sua tese de mestrado – a qual seguimos de perto para a elaboração

deste capitulo do trabalho – rejeita, como hipótese de qualificação, figuras que não são mais,

segundo a autora, que afins deste novo tipo social.

O contrato de instalação de lojista em centro comercial não se reconduz a uma cessão de

exploração de estabelecimento comercial, uma vez que no espaço que é cedido não existe ainda

nenhum estabelecimento comercial a funcionar cuja exploração lhe possa ser proporcionada; apenas

24

existe uma loja vazia, “nua ou em tosco”, para que o comerciante ai crie e desenvolva a sua

actividade.

Também não cabe no tipo legal de contrato de sociedade: ainda que não se lhe possa negar o

carácter de integração empresarial - na medida em que há um empenho quer do promotor do centro

comercial quer dos lojistas na obtenção de lucro - não existe a affectio societatis, uma vez que não

há exercício em comum de uma mesma actividade.

A autora concorda que existem contudo algumas semelhanças deste contrato socialmente

típico com a associação em participação, na medida em que há uma certa vontade de colaboração:

o gestor do centro comercial vincula-se a prestar certos serviços de gestão ao lojista, adquirindo o

direito a participar nos lucros resultantes da actividade económica que desenvolva.

A autora afasta igualmente a aproximação desta nova realidade ao contrato de consórcio,

uma vez que o consórcio tem um carácter temporário e pontual no tempo, carácter esse que não se

coaduna com esta nova realidade empresarial.

Afasta também a qualificação do contrato como ACE (agrupamento complementar de

empresas), uma vez que o vínculo não se estabelece entre os titulares diversas lojas mas sim entre

cada lojista e o promotor do centro e na relação entre eles não se cria nenhum ente novo, dotado de

personalidade jurídica, que venha a permitir o exercício em comum de uma determinada actividade.

A aproximação à estrutura da propriedade horizontal também foi afastada: ainda que exista

uma dualização entre unidades próprias e partes comuns, uma convivência forçada que implica

limites à actuação individual, a figura da propriedade horizontal pressupõe que as diversas unidades

independentes pertençam a proprietários diversos ou então que o centro comercial tenha sido

validamente sujeito ao regime da propriedade horizontal.

Já a qualificação como empresa ou estabelecimento comercial põe em evidência a integração

de cada unidade num empresa mais vasta, relegando para segundo plano o elemento locação; os

contratos de centros comerciais seriam, ao fim e ao cabo, “contratos de empresa” - estão

25

compreendidas nesta tese ( que defende que se trata de “contratos de empresa”) as doutrinas do

estabelecimento único, sobre-estabelecimento e pluralidades de estabelecimentos individuais, que

não importa aqui falar. A propósito desta construção, os autores referem que neste novo modelo

empresarial existe uma cisão entre os conceitos de empresa e estabelecimento. Pedro Malta da

Silveira qualifica para o efeito o centro comercial como uma empresa (“empreendimento comercial

globalmente encarado”, com “capacidade de criar uma imagem una face ao exterior”), composta

por uma pluralidade de estabelecimentos comerciais.

5.Posição jurídica dos lojistas não arrendatários (que não celebraram um

contrato de arrendamento comercial mas um contrato de utilização de loja)

Esta exposição destinou-se a pôr em evidência a natureza jurídico-social do contrato de

instalação de lojistas em centros comerciais, nomeadamente as familiaridades que ele apresenta

com outros tipos legais e o intenso debate doutrinário que o rodeia.

Seguidamente serão retomadas algumas das ideias que anteriormente foram enunciadas e

concluir-se-á sobre a (não) plausibilidade da aplicação analógica das normas do contrato de locação

a este novo contrato, portanto o contrato de instalação de lojista em centro comercial.

O contrato de instalação de lojista em centro comercial é tratado pela doutrina e

jurisprudência como contrato atípico, em que portanto não se lhe corresponde um dos tipos

previstos na lei, coloca-se então a questão sobre qual regime lhe será aplicável.

Uma vez que nos encontramos no domínio da autonomia da vontade, é segundo esta que são

regulados os contratos atípicos: em tudo o que a vontade das partes não disponha, são aplicáveis por

analogia as disposições que regulam os tipos contratuais cuja similitude justifique tal extensão; o

último grau é ocupado pelos princípios gerais do direito dos contratos e das obrigações.

Para verificar qual o regime dos diversos tipos legais que melhor se aplica à situação em

26

concreto - o impacto que a transmissão da posição contratual de promotor do centro tem nos

contratos de utilização de lojas – podemos recorrer ao método tipológico ou ao método subsuntivo

O método subsuntivo, também denominado de teoria dos “elementos do contrato”, divide os

elementos do contrato em elementos essenciais, naturais e acidentais; é um método categórico:

fixados os factos e a interpretação do contrato, ou se verificam nele todos os elementos essenciais

ou não; a falta de um desses elementos afasta a subsunção: os elementos essenciais de cada tipo de

negócio são as caracteristicas “sine quibus non” do conceito classificatório de cada tipo de negócio,

portanto são as características cuja verificação é necessária e suficiente para a inclusão e cuja falta é

necessária e suficiente para a exclusão do tipo.

Outro racíocinio do qual nos podemos recorrer para a selecção do regime tipico é o

raciocínio tipológico; este raciocínio já não é um raciocinio subsuntivo, antes é um raciocínio de

“semelhança favorável”, portanto admite-se que a correspondência entre contrato e tipo possa ser

maior ou menor, raciocínio esse que se serve da comparação, analogia e graduação entre o tipo

jurídico estrutural e o contrato concreto. Importa, no final deste raciocínio, verificar se os desvios

são tão relevantes que nos levem ao ponto de não aplicar o regime ou de só aplicar parcialmente o

regime do tipo.

Verificamos que existem no contrato de utilização de centro comercial os elementos

essenciais do arrendamento comercial, maxime da locação – portanto, os que constam do artigo

1022ºCC, cedência do gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição. Contudo o contrato de

utilização de loja em centro comercial é um mais relativamente a estes elementos, a sua tipificação

social é de tal modo rica nos seus elementos que não nos permite qualificar este tipo de contrato

como um contrato de arrendamento comercial, quanto mais como um contrato de locação: a gestora

do centro não se exonera com o proporcionar do gozo de um espaço, vinculando-se igualmente a

prestar um determinado conjunto de serviços, o que se traduz numa vantagem na perspectiva da

promoção da actividade comercial exercida pelo lojista. É esta introdução de elementos

27

completamente novos neste novo contrato que leva a doutrina e a jurisprudência a qualificá-lo como

atípico. Fica contudo a nota de que este contrato reúne os elementos essenciais da locação.

Se empregarmos um raciocínio de “semelhança razoável” consideramos que possa já existir

um afastamento maior do contrato de instalação de lojista face ao regime da locação: como

referiram Antunes Varela e Oliveira Ascensão, o contrato em causa tem elementos que

transcendem a função economico-social de troca, que é a função característica da locação, no artigo

1022º CC expressa em “mediante retribuição”. Foi já anteriormente referido que existe uma certa

aproximação deste contrato ao contrato de associação em participação, o qual tem uma função

económico-social de cooperação: há, de facto, uma certa vontade de colaboração: o gestor do centro

comercial vincula-se a prestar certos serviços de gestão ao lojista, adquirindo o direito a participar

nos lucros resultantes da actividade económica que desenvolva; por outro lado o lojista

compromete-se a colaborar para a conservação das áreas comuns e para um fundo de promoção e

publicidade do centro comercial, com o objectivo de atrair clientela, sendo este um objectivo

comum quer ao promotor quer aos lojistas.

Comparando contudo as duas funções economico-sociais deste contrato, não nos é possível

deixar de verificar que a função de troca, própria do contrato de locação, é preponderante face à

função de cooperação, a natureza associativa não deixa de ser secundária ao elemento

“contrapartida pecuniária”. Ao invés, seguindo de perto a opinião do ilustríssimo professor Pinto

Furtado, o elemento “contrapartida pecuniária” aparece mesmo exposto de forma mais visível neste

tipo de contrato: é exactamente por a loja estar inserida num sítio privilegiado para a

actividade comercial que a contrapartida económica há-de ser mais intensa, englobando não

apenas um montante fixo, mas também um montante variável em função das vendas (a chamada

cláusula parciária), bem como uma contribuição para a manutenção dos espaços comuns do centro

comercial. Assim, a função de troca prepondera claramente sobre a função de cooperação.

Concluindo: entendemos que se trata de um contrato atípico que reúne elementos de vários

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tipos de contratos legais, como tal a sua regulação jurídica está sujeita ao princípio da autonomia

contratual, previsto no artigo 405º CC; daí que a primeira fonte jurígena seja a vontade das partes,

ou melhor a vontade lícita das partes. Dizemos “vontade lícita” porque as partes não podem

combinar elementos de vários tipos legais com o intuito de defraudar a lei, portanto de lançar uma

“cortina de fumo” em relação às normas imperativas para eventualmente contornar uma proibição

legal; também a liberdade negocial prevista no artigo 405º CC tem como limite princípios

injuntivos como o abuso de direito, a ordem pública e os bons costumes, previstos nos artigos 334º

e 280º do CC.

Na questão em discussão, assumindo que as partes – promotor do centro comercial e

utilizadores de loja – não regularam especificamente as consequências jurídicas da transmissão da

posição contratual de promotor, entendemos que se aplicará aos lojistas que não celebraram um

contrato de arrendamento comercial mas um contrato de utilização de loja, por analogia, a letra do

artigo 1057º do CC, que rege em sede de contrato de locação.

6.Conclusão

Entendemos assim que as relações contratuais que a A, S.A. mantém com os seus

arrendatários e demais utilizadores de espaços no centro comercial não são afectadas com

não exercício da opção de compra por parte daquela, uma vez que o banco subentra volens

nolens na posição jurídica anteriormente assumida pela A., S.A., assumindo os direitos e

obrigações do locador. O artigo 1057º CC aplica-se directamente ao caso dos arrendatários e

por analogia ao caso dos lojistas não arrendatários.

Em primeiro lugar, no entender do grupo, a letra da lei não o impede que o artigo em causa

se aplique directamente à situação dos arrendatários: foi referido em aula que o artigo 1057º CC

estava previsto para os casos de transmissões “típicas” (utilizamos o vocábulo “típicas” aqui não na

29

acepção de “transmissão legalmente típica” mas na acepção de “transmissão mais comum” no

tráfego jurídico), como aquela em que o senhorio vende um prédio a uma pessoa que nada tinha a

ver com o prédio em questão, isto é que não tinha qualquer tipo de pretensão jurídica anterior

relativamente ao prédio, que não detinha qualquer tipo de poder ou faculdade jurídica anterior

sobre o prédio. Com base neste raciocínio, o artigo 1057ºCC nunca se poderia aplicar aos contratos

de arrendamento em questão, uma vez que o banco já possuia uma pretensão jurídica anterior

mesmo à celebração desses contratos: para todos os efeitos, com a celebração do contrato de sale

and lease back ele ter-se-ia tornado proprietário - ainda que como vimos detivesse a propriedade

apenas como função de garantia – e portanto já detinha uma pretensão jurídica anterior e não seria,

digamos, de todo um estranho de todo face a esses contratos. Logo, segundo o professor Rui Pinto

Duarte, o artigo 1057º nunca se poderia aplicar à situação em questão, porque a norma do 1057º

fora especialmente prevista para os tais casos mais comuns e normais da pessoa que (não sendo

titular de qualquer tipo de posição jurídica anterior acessória ou instrumental a esse contrato de

arrendamento) adquire o imóvel do senhorio e assim subentra forçosamente na posição do mesmo.

A verdade é que este não seria o caso: o banco não era de todo um estranho face à celebração desses

contratos de arrendamento, porque efectivamente ele era já à data da celebração dos mesmos o

proprietário do imóvel (centro comercial) que fora dado em arrendamento - se bem que nunca

pudesse celebrar contratos de arrendamento até que fosse reintegrado na plenitude dos seus poderes

de proprietário, pois até esse momento conservava a propriedade, sim, ainda que em garantia. Logo,

com base neste raciocínio, o artigo 1057º nunca poderia ser aplicado aos arrendamentos do caso

prático: segundo o entendimento do professor o “direito com base no qual foi celebrado o contrato”

seria o direito de propriedade, direito esse de que o banco era detentor já à data da celebração dos

arrendamentos; por isso, quando a A.,S.A não exerce a opção de compra no final do contrato de sale

and lease back e o banco, consequentemente, se vê reintegrado na totalidade das faculdades de

proprietário, o banco não adquire nada ex novo, nos termos do artigo 1057º, pois ele já era o

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proprietário do bem. Logo, não estariamos perante uma situação que se pudesse enquadrar na letra

do artigo 1057º CC e consequentemente seria válido o entendimento de que o contrato se extinguia

( emptio tollit locatum ): restar-nos-ia, eventualmente, a aplicação directa ou analógica alínea c) do

artigo 1051º CC – o contrato extinguir-se-ia porque tinha cessado o direito (da A., S.A.) com base

no qual o contrato de arrendamento.

Ora o grupo não perfilha deste entendimento, com o devido respeito: o grupo entende que a

situação que é objecto de análise no caso prático é perfeitamente subsumível à norma do 1057º: o

“direito com base no qual foi celebrado o contrato” de arrendamento não foi o direito de

propriedade, nunca o poderia ser. Como já foi referido o direito de propriedade assumia, durante a

vigência do contrato de arrendamento, a função de garantia, o que jamais possibilitaria ao banco

celebrar contratos de arrendamento. Logo temos de averiguar qual é afinal o direito com base no

qual o contrato de arrendamento foi celebrado. Parece-nos sem dúvida ser esse direito o direito de

usufruição que a A.,S.A. tem sobre a coisa locada durante a vigência do contrato de locação

financeira.

Pela letra do artigo 1446º do CC, constata-se que o direito de usufruto é título suficiente para

que o seu detentor possa celebrar contratos de arrendamento que tenham por objecto a coisa

usufruída. Antes e durante a celebração dos contratos de arrendamento, o banco jamais foi titular

deste direito, só o passa a ser em consequência do não exercício da opção de compra pelo locatário.

Assim entendemos que o banco “adquire” efectivamente o direito com base no qual fora

celebrado o contrato de arrendamento. Ainda que o substantivo “adquirente” possa sugerir que o

artigo visa apenas regular as situações “típicas” de transmissão (como aquela em que o senhorio

vende um prédio a uma pessoa que nada tinha a ver com o prédio em questão), o grupo entende que

a aplicação da letra do artigo 1057º CC ao exemplo dos arrendamentos do caso prático não se

trataria já de um caso de aplicação por analogia mas apenas da necessidade de interpretar

extensivamente a norma. Assim sendo, o grupo entende que o artigo 1057º se aplica directamente –

31

ainda que extensivamente interpretado – à situação em discussão.

Foi suscitado em aula o argumento pragmático de que os bancos não têm expertising para

gerir um centro comercial e que numa situação como a do caso prático não lhes deveria ser exigível

que assumissem as funções de gestor do centro. Convenhamos que é um argumento de

conveniência: existem institutos jurídicos que permitem contornar esta dificuldade como por

exemplo o mandato oneroso (o banco poderá muito bem celebrar um contrato de mandato com

outra entidade gestora de centros comerciais, a qual disporá concerteza de expertising suficiente).

Passando agora para a análise da situação dos lojistas que celebraram contratos de

utilização: recorrendo a uma raciocínio de comparação/graduação com os tipos legais existentes,

verificamos que existe no contrato de utilização de loja uma dualidade de funções economico-

sociais: função de troca e de cooperação; a função de troca prepondera, sendo no fundo a que

constitui a “base”, o substrato do contrato e por isso não havendo norma convencional recorrer-se-á

antes de tudo ao regime da locação e só secundariamente ao regime de outros contratos

associativos, como a associação em participação; o que nos leva inevitavelmente à norma do

1057ºCC. Recorrendo já ao raciocínio subsuntivo dos “elementos essenciais”, verificamos que o

contrato de utilização de loja em centro comercial compreende as duas caracteristicas essenciais do

contrato de locação, mas já não compreende, nomeadamente, os elementos essenciais previstos

para o contrato de sociedade (não existe o “exercício em comum de certa actividade económica”).

Ainda que, olhando para a definição de contrato de associação em participação, prevista no artigo

21º do Decreto-Lei 231/81, nº 1 e 2 se verifique que o contrato de utilização de loja cumpre

também os elementos essenciais da associação em participação (estrutura associativa; actividade

económica de uma pessoa; participação de outra nos ganhos daquela actividade), estes elementos

associativos “assentam” sobre um contrato de base comutativo – cedência do gozo de um espaço,

com uma contrapartida pecuniária para o cedente, sendo estes dois elementos que mantêm o

32

contrato de instalação “de pé”.

Assim, o artigo 1057º é aplicável por analogia à situação dos lojistas que celebraram

contratos de utilização: o argumento essencial que funda, no entender do grupo, esta aplicação por

analogia é, por um lado, a primazia da função troca, característica do contrato de locação simples,

sobre a função de cooperação (raciocínio analógico de comparação/graduação) e, por outro, o facto

deste contrato socialmente típico reunir os essentialia do contrato de locação simples (raciocínio

subsuntivo), elementos esses que são irredutíveis, sob pena de não existir contrato.

Finalmente, o grupo alude à posição do professor Oliveira Ascensão, defensor da tese da

atipicidade: este autor defende contudo que as normas que tutelam a posição jurídica do

arrendatário – inter alia o principio emptio non tollit locatum – devem ser analogicamente

aplicadas aos lojistas de centros comerciais. Seria, no entender do grupo, extremamente

atentatório para a posição jurídica dos lojistas não arrendatários – especialmente se atentarmos

na forte dimensão de “contrato de adesão” deste contrato (contrato de utilização de loja em

centro comercial), em que os lojistas se encontram numa posição fragilizada face ao poder de

livre estipulação normativa que os gestores de centros comerciais tanto prezam em reservar para

exclusivamente para si – que na absoluta ausência de regime jurídico que discipline

especificamente este tipo de contrato e na ausência de norma convencional (que porventura

estipule que na eventualidade da transmissão da posição jurídica da A., S.A. os contratos de

utilização cessariam automaticamente) os contratos de utilização de loja tenham um tratamento

tão diferenciado daquele que recebem os arrendatários. Este, contudo, é um argumento de

equidade. Não esquecer por fim que pelo facto deste contrato socialmente típico ser um contrato

de adesão e algumas das suas cláusulas serem dirigidas a um grupo indeterminado de pessoas,

na inexistência de um regime legal que discipline especificamente este contrato, a tutela do

lojista pode ser conseguida pela aplicação das disposições do Decreto-Lei nº446/85 e do DL

249/99.

33

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34