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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISAS EM ADMINISTRAÇÃO FERNANDA TARABAL LOPES FOTOGRAFIA DE FAMÍLIA: HISTÓRIAS DE PODER EM ORGANIZAÇÕES FAMILIARES Belo Horizonte 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS

CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISAS EM ADMINISTRAÇÃO

FERNANDA TARABAL LOPES

FOTOGRAFIA DE FAMÍLIA:

HISTÓRIAS DE PODER EM ORGANIZAÇÕES FAMILIARES

Belo Horizonte 2008

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FERNANDA TARABAL LOPES

FOTOGRAFIA DE FAMÍLIA:

HISTÓRIAS DE PODER EM ORGANIZAÇÕES FAMILIARES

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Administração da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Administração. Área de concentração: Estudos Organizacionais e Gestão de Pessoas Orientador: Prof. Dr. Alexandre de Pádua Carrieri

Belo Horizonte 2008

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Dedico este trabalho aos meus pais, meus maiores exemplos de

esforço e dedicação profissional, meus grandes incentivadores

na realização de meus sonhos.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Prof. Dr. Alexandre de Pádua Carrieri, pela confiança depositada em mim

na definição da orientação, pelo exemplo e incentivo na construção da caminhada acadêmica,

pela liberdade e entusiasmo nas discussões, que me possibilitaram crescer e, principalmente,

ter idéias próprias;

À Prof.ª Dr.ª Ana Paula Paes de Paula, pelas contribuições apresentadas à pesquisa e pelo

grande aprendizado e amadurecimento desenvolvidos ao longo de suas aulas, as quais tive o

prazer de freqüentar;

Ao Prof. Dr. Mozar José de Brito, pelas contribuições e sugestões à pesquisa;

Ao Prof. Dr. Allan Claudius Queiroz Barbosa, por possibilitar o período de estudos em

Portugal. Aos professores e colegas do Instituto Superior de Economia e Gestão da

Universidade Técnica de Lisboa, por propiciarem esta experiência de grande valor, não

apenas acadêmico, mas também pessoal;

Aos demais professores e funcionários do Centro de Pós-Graduação e Pesquisa em

Administração, por me abrirem as portas e contribuírem para a realização desta importante

etapa;

Aos colegas do mestrado e doutorado, em especial à minha turma (mestrado 2006), pelos

trabalhos, pelas discussões, pelos congressos, e pelos momentos de alegria e descontração,

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que, com certeza, tornaram esse período muito especial. Agradeço aos amigos Carolina,

Clarissa, Werner, Lucílio, Igor; e à Ana Alice, que esteve sempre presente nos momentos

mais importantes dessa caminhada;

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, por possibilitar a

concretização de meus estudos mediante o fornecimento da bolsa de estudos, permitindo a

dedicação exclusiva à pesquisa;

A todos os participantes da pesquisa, que, gentilmente, abriram as portas não apenas da

empresa, mas também da sua vida, contando-me corajosamente suas histórias, pelo tempo

cedido e pela confiança e presteza em narrar seu depoimento;

Aos meus familiares e amigos, que, de alguma forma, contribuíram para a concretização desta

etapa, pelo incentivo, pelas palavras de apoio ou simplesmente por compreenderem meus

períodos de ausência;

Às amigas sempre presentes Ana Paula, Renata, Fernanda, Jamile e Débora;

À Tia Vanessa, pela hospitalidade com que me recebeu em sua casa todo este período;

À Vovó Florita, pelo carinho e pelas orações; ao Vovô Antônio, que do Céu deve estar

orgulhoso dessa conquista;

Aos meus irmãos, pela amizade tão especial e confiança;

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Ao Juliano, pelo amor e apoio constantes, por compartilhar as angústias e dividir as alegrias,

por entender minhas ausências;

Aos meus pais, meus maiores incentivadores e grandes exemplos profissionais, pela confiança

ilimitada que sempre tiveram por mim, por acreditarem e apoiarem minhas escolhas, pelo

amor incondicional que me impulsiona a alçar novos vôos;

A Deus, por estar sempre presente, guiando e guardando meus passos, por abençoar a

realização deste sonho!

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“Num sistema de disciplina, a criança é mais individualizada

que o adulto, o doente o é antes do homem são, o louco e

delinqüente mais que o normal e o não-delinquente. É em

direção aos primeiros, em todo caso, que se voltam em nossa

civilização todos os mecanismos individualizantes; e quando se

quer individualizar o adulto são, normal e legalista, agora é

sempre perguntando-lhe o que ainda há nele de criança, que

loucura secreta o habita, que crime fundamental ele quis

cometer.”

Michel Foucault

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RESUMO

Este trabalho aborda as relações de poder observadas no contexto das organizações familiares.

A pesquisa busca compreender os elementos relacionados ao poder, constitutivos do vínculo

entre indivíduo e organização, que caracterizam a permanência, ou não, do sujeito na empresa

familiar. Para tanto, foi realizado um estudo com sujeitos indicados como sucessores de

organizações familiares. A partir das histórias de vida dos sujeitos, buscou-se compreender os

vínculos estabelecidos entre aqueles que permanecem no negócio da família e aqueles que são

expurgados, pelo entendimento do não-vínculo. Os resultados demonstram que a permanência

/ assujeitamento ou a saída / expurgo do indivíduo não se relaciona apenas ao poder

organizacional, mas também àquele oriundo do âmbito familiar. Dentre aqueles que se

assujeitam à dinâmica organizacional, destacam-se vínculos tanto objetivos, relacionados às

condições formais de trabalho, como subjetivos, os quais se constituem, em grande parte, por

relações de poder familiares que outorgam ao sujeito a submissão e conformação ao modo de

vida do trabalho na organização. Dentre os sujeitos que não permanecem na empresa, os

expurgados, os motivos do não-vínculo assemelham-se aos mencionados acima, visto que a

saída é também marcada por conflitos de ordem familiar. As relações de poder observadas

tanto no vínculo como no não-vínculo apresentam-se em suas diversas facetas de forma

permanente e discreta nas dinâmicas sociais, padronizando e docilizando os sujeitos e suas

subjetividades.

Palavras-chave: Poder. Vínculo. Organizações familiares.

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ABSTRACT

This work approaches the power relations observed in the context of Family Business. The

research seeks to understand the elements related to power, constitutive of the interest

between the subject himself and the organization, which characterizes one’s remaining in the

family business. Thus, a study has been conducted with people pointed as heirs in the family

business. From their background we sought to understand the links established among those

who remained in the family business and those who were purged away, through the non-

linkage understanding. The results have shown that remaining / subjectiveness or leaving /

purging away of the subject himself does not only relate to organizational power but also that

of the household environment. Amongst those who subjected themselves to the organizational

dynamics of both formal working conditions and subjective linkage are highlighted. The latter

constitutes mostly as family power relations which grant the subject himself the submission

and conformity of the working lifestyle in the organization. Amongst those who did not

remain in the company, those purged away, the non-linking reasons are similar to those

mentioned previously, considering the leaving itself is marked by household environmental

conflicts. The power relations observed in both non-linkage and linkage present themselves in

its various ways of both permanent and discreet forms in the social dynamics, standardizing

and breaking the subjects themselves and their subjectivities.

Key-words: Power. Link. Family business.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Árvore genealógica resumida da família da Empresa Curtidora ............................. 71

Figura 2: Árvore genealógica resumida da família da Empresa Estamparia .......................... 84

Figura 3: Árvore genealógica resumida da família da Empresa Metalúrgica ....................... 106

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Elementos do vínculo organizacional .................................................................... 36

Quadro 2: Níveis e formas de controle de análise ................................................................... 46

Quadro 3: Descrição dos entrevistados Joaquim, Maria e João .............................................. 71

Quadro 4: Descrição dos entrevistados Amanda, Adriana, Aline e José ................................ 85

Quadro 5: Descrição dos entrevistados Beatriz, Pedro, Antônio, Mateus, Marcos e Bruno..107

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................................14

2 REFLEXÕES TEÓRICAS...............................................................................................20

2.1 Organizações familiares: palco da investigação.......................................................20

2.1.1 Família e organizações familiares: contextualização e evolução .....................26

2.2 Compreendendo o trabalho: subjetividade, vínculo e poder ....................................31

2.3 Compreendendo o poder...........................................................................................43

3 CAMINHOS PERCORRIDOS ........................................................................................55

3.1 A história de vida......................................................................................................55

3.1.1 Em busca das histórias......................................................................................60

3.1.2 Produzindo significados ...................................................................................61

3.2 A entrada em campo .................................................................................................66

4 ANÁLISE DAS HISTÓRIAS ..........................................................................................69

4.1 Organização 1 – “A empresa é uma família” ...........................................................69

4.1.1 Contextualização da organização 1 ..................................................................69

4.1.2 As histórias .......................................................................................................70

4.2 Organização 2 – “Mas eu não posso fugir daqui, porque é uma coisa que é da

família. Não tem como sair”.................................................................................................81

4.2.1 Contextualização da Organização 2 .................................................................81

4.2.2 As histórias .......................................................................................................83

4.3 Organização 3 – “O avô constrói, o pai usa e o neto morre de fome” ...................101

4.3.1 Contextualização da Organização 3 ...............................................................101

4.3.2 As histórias .....................................................................................................105

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4.4 Análises sobre o vínculo organizacional ................................................................120

4.4.1 A entrada.........................................................................................................120

4.4.2 A permanência................................................................................................122

4.4.3 A saída ............................................................................................................124

5 CONCLUSÃO................................................................................................................126

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................131

APÊNDICE ............................................................................................................................138

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho aborda as relações de poder observadas no contexto de organizações familiares.

A pesquisa tem por objetivo explicitar os elementos relacionados ao poder constitutivos do

vínculo entre indivíduo e organização, que caracterizam a permanência, ou não, de sujeitos

indicados como sucessores na empresa da família.

Sobre os motivos para a pesquisa, destaca-se, inicialmente, a relevância do estudo sobre tais

organizações. As empresas familiares no Brasil apresentam significativa importância. Até a

década de 1950, sua presença era quase absoluta em praticamente todos os segmentos da

economia nacional, desde a atividade agrícola até o sistema financeiro, passando pela

indústria têxtil, de alimentação, de serviços e de meios de comunicação. A partir daí, iniciado

o grande projeto de desenvolvimento e modernização nacional, passam a partilhar cada vez

mais espaços com as empresas multinacionais e estatais. Ainda assim, destacam-se com

significativa parcela do empresariado nacional. Segundo Macedo (2002), representam cerca

de 90% das empresas não estatais brasileiras e são responsáveis, em grande medida, pela

absorção de mão-de-obra, pela geração de empregos, pela sustentação da economia e pelo

aquecimento do mercado do País. Em nível mundial, as organizações familiares respondem

por cerca de 90% dos negócios.

Dada sua importância no cenário econômico nacional e no mundial, a temática de pesquisa

sobre empresas familiares tem impulsionado uma gama de trabalhos relacionados aos estudos

organizacionais. As orientações conceituais e metodológicas destes estudos configuram-se nas

mais diversas possíveis. Trabalhos de caráter gerencialista são presença marcante. Na pauta

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de assuntos, destacam-se aspectos relacionados a sucessão, questões econômicas, evolução e

sucesso da empresa. No entanto, também se observam estudos que vão além desta

perspectiva, destacando-se investigações sobre fenômenos culturais, sociais, simbólicos,

emocionais e políticos.

É importante refletir sobre os aspectos inerentes e peculiares que permeiam tais organizações.

Por exemplo, a relação família e negócio, e as possíveis repercussões que tal união pode

acarretar para ambas as esferas. No ambiente da organização familiar, mescla-se o papel

profissional, racional e objetivo com o papel familiar, indissolúvel, carregado de afetividade,

decorrente das respectivas histórias de vida. Este seria, em destaque, o traço singular dessa

modalidade de organização: a onipresença de dimensões humanas influenciando o seu ritmo e

lógica de funcionamento (DAVEL; COLBARI, 2003).

Dessa forma, a dinâmica organizacional dessas empresas configura-se como indissociável das

particularidades da instituição familiar. Nesse sentido, é importante destacar os aspectos

psicológicos/subjetivos relativos à família que interferem na lógica das relações de trabalho.

Ou seja, é necessário, para a compreensão da organização familiar, levar em consideração

fatores como cultura, emoção e poder. O poder apresenta-se como temática de destaque na

pauta de discussão sobre as empresas familiares. Conflitos inerentes às relações de poder

estão constantemente presentes na história destas organizações, apresentando feições

particulares. Os significados, crenças valores, símbolos e formas de exercício de poder e de

dominação instituídos no âmbito familiar são corriqueiramente transferidos para o ambiente

organizacional, e vice-versa (CARRIERI, 2005). A afetividade da vida familiar irá refletir em

questões relacionadas aos padrões de gestão do trabalho, incluindo as relações de poder. A

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dimensão afetiva acaba, muitas vezes, dissimulando outras dimensões da família como

instâncias de poder, disputa e competição (DAVEL; COLBARI, 2000).

Os estudos sobre poder são bastante relevantes no contexto organizacional, tendo em vista

não apenas a abrangência do tema, como também sua pertinência na compreensão dos

fenômenos. Tal qual os estudos sobre organizações familiares, os trabalhos sobre poder

atrelam-se às mais variadas correntes teóricas. Observam-se vertentes de cunho

predominantemente funcionalista, marcadas pela instrumentalização, previsão e mensuração

da relação social. No entanto, são vislumbradas também perspectivas mais críticas, que,

desatreladas do objetivo maior de busca de eficiência organizacional, visam compreender o

poder por meio de sua construção sócio-histórica, como instância coletiva inerente às relações

sociais.

As relações de poder agem sobre os indivíduos sujeitando suas forças em uma relação de

docilidade-utilidade, impondo-lhes restrições, limitações, proibições e obrigações. O poder se

verifica enquanto formador de sujeitos obedientes e úteis, que enquanto vinculados à

organização, têm sua aptidão aumentada e sua submissão acentuada (FOUCAULT, 1987).

Dessa forma, o poder encontra-se diretamente imbricado na relação do sujeito com a

organização. Nessa perspectiva, reflete-se sobre outra questão de destaque, referente às

organizações familiares, que remete à escolha e preparação de membros da família como

sucessores, a fim de assumirem posições na organização, que são, muitas vezes, pré-

determinadas pela família. Tais sujeitos são incentivados desde a infância a inserir-se na

lógica dos negócios familiares, representando papéis outorgados aos mesmos, que podem ou

não coadunar com suas próprias escolhas pessoais e profissionais. Nestes casos, observa-se

que relações de poder familiares e/ou organizacionais são fatores determinantes na construção

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das trajetórias de vida e profissionais desses sujeitos, resultando em sua vinculação ou não à

organização.

O vínculo do indicado sucessor com a organização pode demonstrar situações de

assujeitamento (submissão, subordinação, conformação) do mesmo aos padrões e normas da

organização do trabalho na empresa (FARIA, 2007), bem como ao papel outorgado outrora

pela família. Por outro lado, a quebra do vínculo do indivíduo com a organização, sendo esta

imposta ao sujeito ou fruto de sua própria decisão, também pode ser compreendida pela

análise do fenômeno do poder, que sendo concebido como uma relação, faz-se presente como

uma rede produtiva que perpassa todo o corpo social (FOUCAULT, 1979).

Nesta perspectiva, desenvolveu-se o trabalho em questão, que buscou responder ao seguinte

problema de pesquisa: Como as relações de poder observadas no contexto das organizações

familiares, constitutivas do vínculo entre indivíduo e organização, interferem na permanência,

ou não, do sujeito na empresa da família?

Para maior compreensão desta problemática e do objetivo do trabalho – explicitar as relações

de poder envolvidas na permanência, ou não, de sujeitos indicados como sucessores nas

organizações familiares –, a pesquisa buscou esclarecer também os seguintes itens, descritos

aqui como objetivos específicos:

- Investigar como as relações inerentes ao grupo familiar influenciam as relações

profissionais estabelecidas no contexto organizacional.

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- Explicitar as histórias de vida dos sujeitos envolvidos na pesquisa e mostrar como

estas se interferem na trajetória na organização familiar.

Para a concretização empírica desta pesquisa, realizou-se um estudo em três organizações

familiares. Foram investigadas as histórias de vida de treze sujeitos, membros da família das

respectivas organizações. Ressalta-se que o núcleo familiar foi eleito como objeto principal da

investigação, apesar de entrevistas com outros sujeitos também terem sido realizadas. Além

disso, destaca-se a pesquisa em história de vida como base metodológica do trabalho. As

histórias coletadas foram analisadas pela técnica de análise lingüística do discurso, utilizada

neste trabalho como ferramenta metodológica.

Observou-se que as histórias dos sujeitos na organização não se relacionam apenas ao poder

organizacional, mas também àquele oriundo do âmbito familiar. Dentre aqueles que se

assujeitam à dinâmica organizacional, destacam-se os vínculos tanto objetivos, relacionados

às condições formais de trabalho, como subjetivos (FARIA; SCHMITT, 2007), que se

constituem, em grande parte, por relações de poder familiares que outorgam ao sujeito a

submissão e conformação ao modo de vida do trabalho na organização. Dentre os sujeitos que

não permanecem na empresa, os expurgados, os motivos do não-vínculos assemelham-se aos

mencionados acima, visto que o expurgo é também marcado por conflitos de ordem familiar.

As relações de poder observadas tanto no vínculo como no não-vínculo apresentam-se em

suas diversas facetas de forma permanente e discreta nas dinâmicas sociais, padronizando e

docilizando os sujeitos e suas subjetividades (FOUCAULT, 1979, 1987, 2004).

Esta dissertação compõe-se de cinco capítulos, incluindo esta Introdução, em que se

apresentam os objetivos do trabalho e a temática em questão.

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No capítulo 2, tem-se o referencial teórico, que se encontra dividido em três eixos temáticos:

organizações familiares; subjetividade, vínculo e poder; e poder. No eixo temático sobre

organizações familiares, segundo uma perspectiva sócio-histórica, revela-se como se deu a

formação do sistema familiar vigente, compreendendo as repercussões deste universo na vida

do indivíduo. Paralelamente, busca-se explicitar as organizações familiares com um olhar que

vai além da utilização de modelos de gestão, compreendendo o desenvolvimento destas

organizações a partir das mudanças nas formas de produção e organização do trabalho. No

eixo temático da subjetividade, vínculo e poder, abordam-se a centralidade do trabalho na

vida do indivíduo e sua vinculação a ele, refletindo sobre a subjetividade nos estudos

organizacionais. Também é destacado o vínculo social, compreendido em suas facetas de

poder e controle. O eixo seguinte aprofunda a discussão sobre o poder, remetendo aos estudos

de Michel Foucault e buscando também a contribuição de outras concepções críticas que irão

enriquecer a compreensão do assunto.

No terceiro capítulo, destinado ao método de pesquisa, explicitam-se, com mais detalhes, as

escolhas metodológicas. Em seguida, no quarto capítulo, encontra-se a análise das histórias

dos sujeitos e das organizações; tecendo-se considerações sobre a vinculação, ou não, dos

indivíduos com a empresa a partir da compreensão da entrada, permanência e saída dos

sujeitos da organização.

No quinto capítulo, formulam-se as reflexões finais do trabalho.

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2 REFLEXÕES TEÓRICAS

2.1 Organizações familiares: palco da investigação

Segundo Lodi (1998), empresa familiar é aquela em que a sucessão da diretoria está ligada ao

fator hereditário e cujos valores institucionais da firma identificam-se com um sobrenome de

família ou com a figura de um fundador. Para Bernhoeft (1989), é aquela que possui sua

origem e sua história vinculadas a uma família. Gonçalves (2000) esclarece: o que de fato

caracteriza a empresa familiar é a coexistência de três situações:

A empresa é propriedade de uma família, detentora da totalidade ou da maioria das ações ou cotas, de forma a ter o seu controle econômico; a família tem a gestão da empresa, cabendo a ela a definição dos objetivos, das diretrizes e das grandes políticas; finalmente, a família é responsável pela administração do empreendimento, com a participação de um ou mais membros no nível executivo mais alto (GONÇALVES, 2000, p. 7).

Vidigal (1999) aponta que no Brasil a origem da empresa familiar é remota, ligada ao

primeiro empreendimento privado nacional, as capitanias hereditárias, em que prevalecia o

sistema de primogenitura na transmissão da propriedade. Ao longo dos anos, configuraram-se

outros tipos de empreendimentos, mais relacionados à atividade agrícola. Desenvolvem-se os

grandes engenhos de açúcar e, posteriormente, as grandes fazendas cafeeiras. Com o declínio

do Ciclo do café, observa-se, no século XIX, uma onda de imigração européia, o que irá

contribuir para o processo de modernização do País. Os imigrantes tinham por finalidade

inicial servir como mão-de-obra barata na agricultura. No entanto, muitos se fixaram nas

cidades, atuando em atividades comerciais. Tais iniciativas resultaram em grandes

empreendimentos de sucesso, reconhecidos ainda atualmente. A modernização nacional é

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acelerada a partir da Segunda Guerra Mundial, quando ocorre o boom da industrialização,

com destaque para indústrias sofisticadas, como a automobilística e a de eletrodomésticos.

Tais empreendimentos, marcados por sua base eminentemente familiar, caracterizam-se como

uma presença marcante no desenvolvimento da economia brasileira.

As organizações familiares vêm sendo estudadas mediante abordagens conceituais e

metodológicas diversificadas. Observa-se uma gama de trabalhos concentrados nas temáticas

de questões sucessórias, econômicas, financeiras, funcionais e evolutivas. No entanto escassos

são os trabalhos realizados sobre aspectos sociais, culturais, simbólicos, políticos, emocionais,

relacionais, enfim, sobre as dinâmicas subjacentes a este tipo de organização (DAVEL;

COLBARI, 2003).

Portanto, o traço singular dessa modalidade de organização não seria justamente a onipresença de dimensões humanas influenciando o seu ritmo e lógica de funcionamento? Então, porque não focalizar outros conteúdos e abordagens conceituais e metodológicas para o estudo daquilo que essas organizações poderiam fornecer de original à teoria organizacional? (DAVEL; COLBARI, 2003, p. 2).

Os autores preconizam o desenvolvimento de investigações sobre organizações familiares

pautadas na abordagem sociocultural e na relação entre família e organização que permita

revelar aspectos da dinâmica organizacional caracterizados pelas particularidades da

instituição familiar. Tal perspectiva leva em conta diversos fatores, como emoção, poder e

cultura, captando o modo pelo qual os significados, crenças, valores, símbolos e formas de

exercício de poder e de manifestação da dominação são instituídos no âmbito da família. Os

autores explicitam também as dimensões das organizações familiares ainda pouco estudadas e

que necessitam de maior aprofundamento quanto à perspectiva sociocultural, tais como as

dimensões temporal, emocionais, política, discursiva, lingüística, étnica e de gênero. Tais

dimensões estão inseridas tanto na vida familiar quanto no funcionamento das organizações.

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As pesquisas que adotam um referencial sociocultural preconizam a dinâmica entre

organização e família, aprofundando a relação entre estes dois universos e favorecendo a

compreensão da complexa relação entre grupos sociais movidos por interesses e valores

distintos, mas que se fundem. Permitem o entendimento “da família e da empresa como

instâncias produtoras de significados, crenças, valores e símbolos e como local tanto de

experiência emocional e sentimental quanto do exercício de poder e de dominação” (DAVEL;

COLBARI, 2003, p. 12).

Para Lima (1999), as relações familiares e profissionais das pessoas envolvidas com essas

empresas interpenetram-se continuamente. “Há uma constante sobreposição entre as pessoas

que constituem a família e os sócios da empresa, dando origem a uma permanente

articulação de distintos valores, comportamentos, sentimentos e formas de acção” (LIMA,

1999, p. 88). Dessa forma, nestas organizações as pessoas se unem não apenas por interesses

econômicos, mas uma por uma rede densa de relações familiares. Segundo o autor, tal

situação é tida com desconforto, visto a conduta da maioria das pessoas, que afirmam que,

apesar de estarem em uma empresa familiar, possuem relacionamento estritamente

profissional no trabalho. No entanto, o autor afirma que a análise das ações destas pessoas

mostra contradições em tais afirmações.

Em estudo que realizou com grandes empresas familiares portuguesas, Lima (1999) observou

que os códigos, valores, atributos e atitudes da família são perpetuados na empresa como

concepções de valor central da harmonia e da ordem, representadas por ideais de respeito e

obediência ao pai e obediência das mulheres. Tais concepções são centrais nas grandes

famílias da elite empresarial portuguesa. Outra característica dessas empresas é a sua

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perpetuação como uma manutenção dinástica e sustentação de relações ativas entre os

membros de famílias alargadas; a empresa atua como fonte de união entre parentes distantes,

mais até, muitas vezes, do que a própria relação de parentesco. Questões de gênero estão

também presentes nas empresas portuguesas. Os homens são os mais desejados para a

continuação dos negócios, desempenhando as mulheres papéis exclusivamente familiares. A

participação de acionistas femininas nas empresas familiares é pequena. Quando ocorre, as

mulheres costumam exercer papéis de menor responsabilidade, corroborando com um sistema

cultural que atribui primazia simbólica aos homens, centrado no patriarcalismo e na

autoridade masculina, no qual homens e mulheres são tratados para assumirem papéis

diferentes: aqueles para serem os sucessores do negócio; estas, para serem “gestoras

familiares”.

No Brasil verificam-se posturas semelhantes em relação à questão de gênero. Em estudo

realizado em empresas familiares gaúchas (GRZYBOVSKI; BOSCARIN; MIGOTT, 2002),

observou-se que a gestão feminina ainda sofre preconceitos e discriminação, além de outras

barreiras à sua presença nos negócios. As autoras afirmam que sobre as mulheres executivas

há preconceitos instalados nas entranhas organizacionais em relação à sua ascensão. Um deles

é o preconceito tradicional, que diz respeito às diferenças sexuais, com base nas quais a

empresa vê a mulher como inferior ou desigual para assumir postos de comando. Outra forma

de preconceito é o funcional, que implica desconfiança da disponibilidade do investimento da

mulher no trabalho. A pesquisa demonstrou que as gestoras, ao trabalharem no negócio

familiar, conduzem a empresa como se fosse a sua família, relacionando a organização a

sentimentos de amor e missão familiar. Além disso, assumem a empresa por se considerarem

a base da família, de forma que seus desejos e ou sonhos pessoais são colocados em segundo

plano, a fim de buscar o progresso da empresa e a estabilidade da família. Dessa forma, é

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nítida a inter-relação entre sentimentos pessoais e sentimentos profissionais. Nas organizações

familiares, “as relações econômicas estão imersas em relações de parentesco de uma maneira

que torna difícil saber quais prevalecem” (LIMA, 1999, p. 110). Mesmo assim, as empresas

buscam separar as esferas negócios e família, anulando essa realidade.

Mas nem sempre foi assim. Vida familiar e vida produtiva comungavam nas sociedades pré-

industriais dos mesmos espaços, constituindo-se em realidades entrelaçadas. No entanto, o

advento da Revolução Industrial traz consigo o aumento da racionalização econômica, que

acaba por separar a esfera produtiva empresarial da esfera familiar. Esta separação reflete-se

também nas formas de organização do trabalho. O trabalho artesanal passa a ser substituído

pelo trabalho mecanizado. A racionalidade da “visão científica da administração” busca

neutralizar qualquer influência da família sobre a vida organizacional (DAVEL; COLBARI,

2003).

Essa lógica racional orienta diversas obras gerencialistas que fazem referência às

organizações familiares. De forma normativa, prega-se a separação da vida familiar da vida

dos negócios da organização como princípio para o sucesso do empreendimento. Dessa

forma, muito da compreensão teórica dessa área encontra-se ligada a modelos de consultores

que buscam, por meio da racionalização das relações, aumentar a eficiência organizacional.

Nessa perspectiva, Davel e Colbari (2003) citam os primeiros estudos de Donnelley (1964),

que prescrevem estratégias para o trato das questões emocionais que possam influenciar a

organização. Os autores referem-se também àquelas teorias que pregam a necessidade de

profissionalização do negócio e administração da sucessão (DYER, 1989; FOX; NILIKANT;

HAMILTON, 1996), o encorajamento ao empreendedorismo e a manipulação das mudanças

do ciclo de vida (GERSICK; DAVIS; HAMPTON, 1997).

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As teorias sobre o processo de evolução e desenvolvimento das empresas enfatizam que as

mesmas passam por um processo de progressão ordenado e seqüenciado, e que as mudanças,

padronizadas e previsíveis, alternam-se por meio de estágios (DAVEL; SOUZA SILVA;

FISCHER, 2000). Hollander e Elman (1988) reúnem estas teorias em três grupos de pesquisa:

o primeiro relaciona o processo de desenvolvimento da empresa à progressão das gerações

familiares; o segundo sustenta que há interação entre a necessidade da empresa e o estágio de

vida dos indivíduos, e o terceiro inclui em sua análise outros elementos além da empresa e da

família. Davel, Souza Silva e Fischer (2000) demonstram o modelo de desenvolvimento

tridimensional proposto por Gersick, Davis e Hampton, o qual considera que as empresas

familiares possuem três dimensões: família, propriedade e empresa, as quais mantêm

independência parcial entre elas. Tais dimensões possuem desenvolvimento próprio e

progridem por meio de estágios. A partir da combinação desses estágios, são definidos os

modelos característicos pelos quais as empresa costumam passar durante seu

desenvolvimento:

[...] (1) a empresa de primeira geração, dirigida pelo fundador, de propriedade de um indivíduo empreendedor; (2) a empresa estabelecida de propriedade e a partir de uma Sociedade entre Irmãos e passando por crescimento e mudanças rápidas; (3) o complexo e maduro Consócio de Irmão; e (4) a empresa a beira da transição, controlada por uma família no estágio de Passagem do Bastão (DAVEL; SOUZA SILVA; FISCHER, 2000, p. 105).

Não limitado a modelos teóricos a priori, este projeto de pesquisa aborda as organizações

familiares, analisando sua evolução a partir de uma perspectiva sócio-histórica. Busca-se

compreender a formação do sistema familiar e suas repercussões na vida do indivíduo.

Também importante constitui-se o entendimento da evolução dessas organizações e de sua

relação com as mudanças observadas nas formas de produção e organização do trabalho.

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2.1.1 Família e organizações familiares: contextualização e evolução

De modo geral, a família pode ser compreendida em termos de duas concepções: a naturalista

e a historicista. A primeira concebe a família como uma entidade natural e biologicamente

determinada, anterior a qualquer forma de sociedade. Já a segunda entende a família em sua

dinâmica econômica e sociocultural, compreendendo-a como um fenômeno eminentemente

social (DAVEL; COLBARI, 2000).

Engels (1975) aborda a evolução da família segundo a uma perspectiva histórica. Como

exemplo, cita sobre formas primitivas de família, em que onde “cada filho tinha vários pais e

mães”, dentre uma série de arranjos familiares que entram em contradição com aquele

concebido atualmente como único e natural. O autor demonstra que, com o passar do tempo,

as relações sexuais vão se tornando mais estáveis. Do matrimônio por grupos evolui-se para a

monogamia, fruto da concentração de riquezas e do desejo de sua transmissão apenas para os

filhos, estando relacionada às condições econômicas e de propriedade. Engels afirma que a

família não permanece estacionária, constituindo-se em um fenômeno social. O autor defende

que “a família deve progredir na medida em que progrida a sociedade, que deve modificar-se

na medida em que a sociedade se modifique; como sucedeu até agora. A família é produto do

sistema social e refletirá o estado de cultura desse sistema” (ENGELS, 1975, p. 91).

Nessa perspectiva, Sarti (2004) afirma que a família se configura como um mundo de

relações, mas que estas costumam se uniformizar no discurso social vigente. O discurso social

tende a conceber um modelo único e cristalizado de como deve ser a família: socialmente

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instituído pelos dispositivos jurídicos, médicos, psicológicos, religiosos e pedagógicos, enfim,

os dispositivos disciplinares existentes na sociedade. Este modelo encontra-se fortemente

ancorado numa visão de família como unidade biológica constituída segundo as leis da

“natureza”. No entanto, a autora alerta para a necessidade de conceber a família “como uma

realidade de ordem simbólica, que se delimita por uma história contada aos indivíduos e por

eles reafirmada e ressignificada, nos distintos momentos e lugares da vida familiar,

considerando a relação da família com o mundo externo” (SARTI, 2004, p. 11). É necessário

atenção à singularidade do grupo familiar. Cada família assimila o discurso oficial

culturalmente instituído de forma particular, devolvendo ao mundo social sua imagem,

filtrada pela singularidade.

Cada família constrói sua própria história, ou seu próprio mito, entendido como uma formulação discursiva em que se expressam o significado e a explicação da realidade vivida, com base nos elementos objetiva e subjetivamente acessíveis aos indivíduos na cultura em que vivem (SARTI, 2004, p. 13) .

A família constitui-se como importante instância de socialização. Berger e Luckmann (1985)

enfatizam que a primeira socialização, ou socialização primária, ocorre pelo intermédio da

família. A socialização corresponde à introdução do indivíduo na sociedade, ou parte dela. A

socialização primária diz respeito à primeira forma de socialização experimentada na infância,

em virtude da qual o indivíduo se torna membro da sociedade. É quando a realidade é

interiorizada, ou seja, quando acontecimentos de outrem (pais, responsáveis, etc – a família)

se tornam significativos para o indivíduo, de forma que este apreenda o mundo como uma

realidade social. Nesta etapa, o indivíduo “assume” o mundo no qual os outros já vivem; um

mundo que, uma vez “assumido”, pode ser modificado ou até recriado – “a criança interioriza

o mundo dos pais como sendo o mundo, e não como o mundo pertencente a um contexto

institucional específico” (BERGER; LUCKMANN, 1985, p. 188). No entanto, os autores

enfatizam que dessa assunção de mundo não decorrem problemas de identificação, visto que

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não há possibilidade de escolha de outros arranjos. “Temos que nos arranjar com os pais que o

destino nos deu” (BERGER; LUCKMANN, 1985, p. 180). A socialização primária torna o

indivíduo um membro efetivo da sociedade; dá-lhe uma personalidade, um mundo.

Carrieri (2005) afirma que à família é conferida a socialização primária, de forma a adequar

os indivíduos aos papéis e padrões sociais, introjetando noções de ordem e autoridade, que

irão atuar na formação da personalidade individual. Nesse sentido, a família atua “mapeando”

comportamentos desejáveis e indesejáveis em um processo de controle e ajustamento social.

Dessa forma, a família representa um elo intermediador entre o indivíduo e a sociedade,

utilizando aspectos afetivos e emocionais na configuração de um padrão moral e socialmente

aceito.

No entanto, essa interiorização da sociedade nunca é total, nem jamais está acabada, o que

remete a outras formas de socialização: a socialização secundária, que corresponde aos

processos subseqüentes à socialização primária, em que o indivíduo se socializa em novos

setores de sua sociedade. Corresponde à interiorização de “submundos” institucionais ou

baseados em instituições. Relaciona-se à aquisição do conhecimento de funções específicas,

diretas ou indiretamente, com raízes na divisão do trabalho. Dubar (1997) afirma que os

processos da socialização secundária podem ou não concordar com aqueles desenvolvidos na

socialização primária, de forma que vários casos são possíveis, desde a vivência em

concordância com o “mundo vivido” pelos membros da família de origem, com os saberes

construídos anteriormente, até a transformação radical da realidade subjetiva construída

durante a socialização primária, acenando para a possibilidade da mudança social.

É de facto, graças à transformação possível das identidades na socialização secundária que se podem pôr em causa as relações sociais interiorizadas ao longo da socialização primária: a possibilidade de construir outros “mundos” para além

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daqueles que foram interiorizados na infância está na base do sucesso possível de uma mudança social não reprodutora (DUBAR, 1997, p. 99).

Benincá e Gomes (1998) afirmam que a família abre espaço para a mudança social, sendo um

organismo mutável, que transforma e é transformada pela sociedade. No entanto, destacam

que a instituição familiar também se caracteriza por uma busca de manutenção de seus valores

vigentes. Dessa forma, configura-se na família um movimento permanente de oposição entre

valores e regras da herança familiar (leis internas) e valores e regras da urgência do tempo

presente (leis externas). Para os autores, encontra-se aí o drama da sucessão familiar: a

diversidade dos valores e comportamentos atuais e a luta entre gerações pela estabilização da

identidade.

[...] os pais preocupam-se com a transmissão dos seus valores como forma de projetar sentido e justificação às suas vidas. Os filhos, ao contrário, querem estabilizar seus próprios valores recorrendo a estratégias compatíveis com as modernidades tecnológicas, demográficas e políticas (BENINCÁ; GOMES, 1998, p. 178).

Além de configurar-se como importante instância de socialização e controle social, a família

também se apresenta como fonte motivadora e condicionadora do indivíduo no processo

produtivo. Separada da vida produtiva pelo advento da Revolução Industrial, a configuração

familiar torna-se marcada também pelo modelo nuclear, com reduzido tamanho de família e

forte autoridade paterna. Este modelo

[...] torna-se estratégico na sustentação de uma ação moralizadora de contingentes populacionais errantes que precisavam ser transformados em disciplinados operários de fábrica e responsáveis provedores de família. (...) O “familialismo” funcionou como uma “tecnologia política” de intervenção no tecido social, produzindo os “suportes ideológicos, morais e simbólicos” necessários à imposição de um padrão disciplinar requerido pela sociedade industrial (DAVEL; COLBARI, 2000, p. 47).

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Além disso, é importante destacar os aspectos emocionais envolvidos na ligação familiar.

Apesar de sua inserção e contribuição na racionalidade do industrialismo, a família constitui

local de formação de fortes laços marcados por solidariedade, afetividade, segurança e

estabilidade, dentre outros fatores, o que a caracteriza de forma dualística, ou seja, oscilando

entre, de um lado, o conflito, a competição e a desagregação, e, de outro, a ordem, a

estabilidade e a cooperação. A dimensão afetiva acaba, muitas vezes, por dissimular outras

dimensões da família como instância de poder, de disputa e de competição. Também a

afetividade da vida familiar reflete em questões relacionadas à cultura da organização e aos

padrões de gestão do trabalho, incluindo as relações de poder (DAVEL; COLBARI, 2000).

Deve ser lembrado que a família é um pequeno grupo social, no qual são desenvolvidos os sentimentos mais fortes que possam marcar um ser humano: amores e ódios; as empatias e as repugnâncias criadas em aparente subjetividade; a proximidade e a rejeição; a proteção castradora e a indiferença; e, muito especialmente, a inveja. Esse mundo familiar, povoado por forças ocultas e alguns fantasmas, pode ser transferido para o mundo da empresa, quando inevitavelmente os resultados serão lamentáveis (GONÇALVES, 2000, p. 11).

Esse aspecto dual da instância familiar, caracterizada, de um lado, pelo pilar da racionalidade

do progresso civilizatório e, de outro, pela afetividade inerente aos laços parentais, é

fundamental para a compreensão das relações sociais nas organizações familiares, dentre elas

as relações de poder.

Nesta perspectiva, as seguintes seções abordam as relações de poder. A seção 2.2 enfoca a

relação entre trabalho e subjetividade, remetendo à questão do vínculo social e suas formas

de controle e poder. A seção 2.3 trata sobre o poder na perspectiva dos estudos

organizacionais, sendo este concebido como inerente à relação social.

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2.2 Compreendendo o trabalho: subjetividade, vínculo e poder

O trabalho configura-se como uma das principais dimensões da vida do homem. Interfere na

sua inserção na sociedade, delimita espaços de mobilidade social e aparece como um dos

fatores constitutivos da identidade dos indivíduos. Não é uma atividade dentre tantas outras,

na medida em que diferencia-se pela centralidade que ocupa na vida do sujeito, adquirindo

uma função psicológica (CLOT, 2006). Lima (2002) sustenta que o trabalho configura-se

como categoria central para a condição de o homem realizar-se. Segundo Freitas (2000), o

trabalho é uma grande fonte de referência para a construção social dos homens e de sua auto-

estima. Viegas (1989) destaca que o trabalho representa a possibilidade de o homem crescer e

realizar-se pessoalmente; ou seja, construir a si mesmo enquanto ser, enquanto indivíduo.

Nessa concepção, o trabalho significa mais do que uma ocupação ou um ato de servir;

também oportuniza o desenvolvimento e o preenchimento da vida do homem.

[...] quanto mais o homem coloca de si no mundo, mais conteúdo interior ele vai adquirindo. E é exatamente esse o sentido de trabalho vinculado à vida. Trabalho é a forma humana de fazer jus à vida, é a forma humana de produzir, não no sentido de criar objetos reificados, simplesmente, mas no sentido de criar significações. [...] o trabalho acrescenta o que sou ao que não sou, acrescenta o que não sou ao que sou. Ele dá uma dimensão virtual para o meu ser (VIEGAS, 1989, p. 10, 11).

Dada a importância do trabalho e de sua centralidade na vida do sujeito, Clot enfatiza a

necessidade do resgate da subjetividade e sua importância para o entendimento da atividade

laboral, que deve ser compreendida como inerente ao desenvolvimento humano. Para a

compreensão das relações do homem no trabalho, é importante, além da análise da

organização, observar sua vida subjetiva. “A ação não é situada apenas nas circunstâncias

presentes; é situada igualmente na história pessoal e social do sujeito psicológico e inclusive

em seu corpo” (CLOT, 2006, p. 199). Para compreender o homem nas organizações é

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importante considerá-lo em sua interioridade, subjetividade e universo inconsciente

(FREITAS, 2000). Dessa forma, as relações de trabalho devem ser analisadas tanto na

situação real do ato laboral como na subjetividade relativa às histórias de vida dos sujeitos.

Nesse sentido, o indivíduo deve ser compreendido com um ser sócio-histórico, no qual sua

gênese encontra-se inscrita em uma história.

O trabalho pode ser palco de repetições vinculadas a vivências passadas, relacionadas a uma

cadeia de significações pessoais, estando, muitas vezes, no campo do inconsciente. O

inconsciente psíquico resulta da impossibilidade de uma atividade passar para outra. Dessa

forma, uma representação passada não é abolida, e sim “deslocada”, permanecendo ativa.

“Essas seqüências psíquicas saturam a ação presente do condutor, imobilizando sua atividade”

(CLOT, 2006. p. 178). As situações passadas são re-significadas no momento presente, e o

sujeito repete sua história, a fim de responder a uma situação atual.

Freitas (2000) destaca que as organizações são também lugares de transferência. Nestas, os

indivíduos podem vivenciar relações novas e genuínas, mas podem também reatualizar seu

repertório afetivo, resgatando motivações inconscientes, que possuem suporte em

reminiscências de construções passadas. Nesse sentido, as organizações não criam as

estruturas psíquicas, mas delas se utilizam. A autora afirma que tal relação é ainda mais

destacada em empresas familiares:

Nas organizações, as pessoas disputam umas com as outras lugares, posições privilegiadas, poder e influência. Querem ocupar tronos que pertencem a outros, numa espécie de disputa semelhante à da criança que quer o lugar do pai ou de qualquer outro que lhe impeça o acesso ao objeto de amor, representado pela mãe. Isso é especialmente percebido nos casos de sucessão (e mais ainda na sucessão em empresas familiares), quando o filho, o discípulo ou o jovem destrona o “pai” e buscar instaurar uma nova ordem, mais moderna, mais dinâmica, e com maior potencial. [...] As empresas acabam se configurando como uma caixa de ressonância ampliada de desejos, capaz de absorver e estimular processos de

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transferência de afetos que antes ligaram o indivíduo ao pai, à mãe, aos irmãos, aos amigos e à comunidade pátria (FREITAS, 2000, p. 45).

Nessa perspectiva, o resgate à subjetividade faz-se importante para a compreensão do trabalho

humano, tendo em vista sua centralidade na vida do sujeito e sua relação intrínseca com o

desenvolvimento dos indivíduos. A subjetividade pode ser compreendida como forma de

construção da concepção do real, em que o sujeito reconhece a si e delimita sua singularidade,

sendo construída, social e historicamente, pelo indivíduo, integrando o domínio de suas

atividades psíquicas, emocionais e afetivas, base da tradução racional idealizada dos valores,

interpretações, atitudes e ações (FARIA, 2007; FARIA; MENEGHETTI, 2007).

Clot (2006) destaca a necessidade de diferenciar subjetivização de subjetivação. O primeiro

conceito corresponde a uma mobilização da atividade pela subjetividade; o segundo refere-se

a uma mobilização inversa da subjetividade pela atividade. Subjetivização significa atribuir à

subjetividade constituinte caráter de projeção. No trabalho, a vida subjetiva deve ser

entendida mais como uma subjetivação da atividade, em que as relações construídas derivam-

se das condições atuais e reais de trabalho e a subjetividade outrora constituída atua como

ponto de partida para este entendimento.

Na ação, o que vem antes – a subjetividade constituída e as “pré-ocupações” – é naturalmente o ponto de partida, mas não a fonte do que vem depois. Claro que o passado (o do gênero e o do sujeito) promove o presente e o torna possível. Mas, na história do desenvolvimento, é o presente que se aparta do passado, confere-lhe um sentido e promove seu retorno e seu recomeço (CLOT, 2006, p. 183).

Lima (2002) atenta para o fato de que a subjetividade deve ser resgatada para o entendimento

das relações de trabalho, sem no entanto cair na especulação da tendência ao subjetivismo.

Tal subjetivismo relaciona-se a um relativismo, cuja valorização excessiva mascara as reais

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condições de vida e trabalho. Nesse caso, a subjetividade configura-se como algo autônomo,

como uma “subjetividade desencarnada”, como instância conformadora do mundo. Ao

analisar a situação de trabalho, é importante compreender a subjetividade como atributo do

ser, na medida em que ela não se auto-sustenta. Para Chasin (1995), citado pela autora, a

subjetividade deve ser entendida como qualidade imanente às individualidades de cada um,

enquanto dimensão do sujeito. Fora disso, desfigura-se como irrealidade ou pura abstração.

No intuito de compreender as relações entre sujeito e trabalho, Faria e Meneghetti (2007)

afirmam que as relações laborais são também relações de poder; não apenas de produção. As

relações de poder incidem na subjetividade do indivíduo, impondo-lhe padrões de conduta

que o mesmo deve desenvolver para ser aceito em seu meio, aliviando tensões que possam ser

estabelecidas com a sociedade. Os autores empregam os termos subjetividade fragmentada e

seqüestro da subjetividade ao remeterem ao controle exercido pela organização. Nesse

sentido, destaca-se que as formas de controle nas organizações visam atingir não apenas o

corpo físico dos indivíduos, mas também sua subjetividade.

O conceito de subjetividade fragmentada refere-se à perda de autonomia do sujeito quando

este “abre mão” de seus desejos, em um sentido amplo, em prol do coletivo, da organização.

É o desejo total partilhado em submissão às regras estabelecidas. A fragmentação da

subjetividade abre espaço para o seu “seqüestro”, ou seja, a violência psicológica, a

manipulação do comportamento com o intuito de submeter o indivíduo aos valores da

organização, por meio da apreensão de seus desejos e interesses. No entanto, o termo

seqüestro remete à possibilidade de fuga, de liberdade do indivíduo em resgatá-la. A liberdade

do seqüestro pode se dar pelas seguintes formas:

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[...] (i) pela fuga ou pelo rompimento da relação de subordinação, de iniciativa do sujeito (individual ou coletivo), (ii) pela negociação entre o seqüestrador e a associação coletiva representativa do sujeito [...], (iii) pelo seqüestrador e uma instância de mediação (FARIA; MENEGHETTI, 2007, p. 51).

Além disso, o valor do regresso à liberdade pode se dar por: pactuação voluntária (acordo

entre as partes); punição (demissão, desligamento, humilhação, etc.); transgressão; ou

extinção das regras que mantêm as relações de trabalho.

O controle sobre as subjetividades dos indivíduos relaciona-se à sua vinculação, ou não, à

organização. Desse modo, uma das formas de exercer controle é mediante a formação e

manutenção do vínculo entre indivíduo e organização. Tal controle é sutil, quase sempre

imperceptível. Relaciona-se com os aspectos mais íntimos do indivíduo, como seus desejos e

necessidade de pertença, filiação e realização. O vínculo se caracteriza como condição

fundamental para a relação de troca entre a organização e os sujeitos. No entanto, pode

caracterizar, de acordo com a dinâmica exercida, “um meio eficaz de submeter e alienar o

indivíduo à organização” (FARIA; SCHMITT, 2007, p. 42).

Vinculo é a dinâmica psíquica da inter-relação entre sujeito e objeto (objeto/pessoa/coisa visada pelas pulsões), que se dá no espaço subjetivo. É o processo que possibilita ao sujeito reconhecer o outro enquanto objeto de desejo e enquanto sujeito, assim como se reconhecer enquanto sujeito (FARIA; SCHMITT, 2007, p. 32).

Os autores enfatizam que o vínculo pode ser objetivo ou subjetivo. O vínculo objetivo

encontra-se nas relações formais de trabalho, como salário e contrato de trabalho, ao passo

que o vínculo subjetivo relaciona-se a sentimento de pertença, filiação, possibilidade de

realização de desejos e reconhecimento, entre outros (FARIA; SCHMITT, 2007, p. 23). As

formas de controle que operam no nível objetivo relacionam-se à formalização dos

procedimentos das organizações e se explicam pela relação com a realidade instituída. Já o

vínculo subjetivo possui caráter psicológico, que se caracteriza pela possibilidade de

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satisfazer necessidades psicológicas e de obter satisfação por meio das relações sociais que se

delineiam no interior da organização. Freitas (2000) defende que os indivíduos não se ligam

às organizações somente por laços materiais, mas também por laços afetivos, imaginários,

psicológicos. Para Pagés et al., o indivíduo se liga à organização por laços subjetivos, e não

apenas por questões materiais e morais, vantagens econômicas e satisfações ideológicas.

A estrutura inconsciente de seus impulsos e de seus sistemas de defesa é ao mesmo tempo modelada pela organização e se enxerta nela, de tal forma que o indivíduo reproduz a organização, não apenas por motivos racionais, mas por razões mais profundas que fogem à sua consciência. A organização tende a se tornar fonte de sua angústia e de seu prazer. Este é um dos aspectos mais importantes de seu poder (PAGÉS et al., 1987, p. 144).

O quadro 1 ilustra os elementos que permeiam o vínculo organizacional:

Salário Benefícios (plano de saúde, alimentação, clube) Oportunidades (trabalho, conhecimento, aprendizado, desenvolvimento) e carreira Segurança no emprego Condições de trabalho Autonomia no trabalho Investimento no funcionário

VÍNCULO FORMAL Elementos oferecidos pela empresa

Humanismo e comprometimento com funcionários Fama da empresa Status por trabalhar na empresa Valorização social Sonho de trabalhar na empresa Respeito no trabalho Relacionamentos no trabalho Ambiente de trabalho Integração com a empresa Comprometimento com a empresa Reconhecimento da empresa Satisfação com o trabalho Amor à empresa Sentimento de família

VÍNCULO PSICOLÓGICO Elementos de satisfação psíquica

Medo do mercado Quadro 1 – Elementos do vínculo organizacional

FONTE: Faria; Schmitt (2007, p. 35)

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O vínculo psicológico faz parte da subjetividade dos indivíduos e da possibilidade de

realização de necessidades psicológicas. O indivíduo se identifica com a organização por

sentimentos como fama da empresa, status, respeito no trabalho e sentimento de família,

dentre outros, que proporcionam satisfação e prazer ao indivíduo. Segundo os autores, a

compreensão da história da fundação e o desenvolvimento da empresa permitem revelar as

formas de controle social que atuam nos níveis objetivo e subjetivo, percebendo-se a

importância dada às origens do fundador da empresa, seus ideais e toda a vida de dedicação

ao desenvolvimento do seu negócio.

Sobre o vínculo social, Enriquez (1990) afirma que para compreendê-lo é necessário

debruçar-se sobre os adventos da alteridade, ou seja, da concepção de um homem social, que

interage e é interdependente de outros indivíduos. Para o autor, o vínculo social pode ser

percebido como uma relação com os outros, que se explica em termos de amor e ódio, aliança

e competição, trabalho e lazer.

Sobre a origem do vínculo social, Freud (1974) defende que este tem início na cumplicidade

do crime comum. Partindo da compreensão das civilizações primitivas e seus rituais

totêmicos, o autor analisa o começo da organização social, compreendendo as restrições

morais e a religião. Para Freud, as mais antigas e importantes proibições estão ligadas aos

tabus, que correspondem às duas leis básicas do totemismo: não matar o animal totêmico; e

evitar relações sexuais com os membros do mesmo clã (proibição ao incesto). O autor afirma

que a base destes tabus encontra-se na dimensão mítica: “Certo dia, os irmãos que tinham sido

expulsos retornaram juntos, mataram e devoraram o pai, colocando assim um fim à horda

patriarcal”. O pai primevo é violento e ciumento, guarda as fêmeas para si próprio e expulsa

os filhos à medida que estes crescem. O pai, temido e invejado pelos filhos, é assassino pelo

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desejo dos mesmos de obter o seu poder. No entanto, os filhos também o amavam e o

admiravam, o que faz com que sintam profundos sentimentos de culpa e remorso. Dessa

forma, passam a proteger e venerar a imagem do pai, dando continuidade ao que era pregado

por ele e que eles buscavam quebrar com seu assassinato. “O pai morto tornou-se mais forte

do que o fora vivo”. O que até então era interditado pela presença real do pai continua sendo

proibido pelos próprios filhos, procedimento psicológico conhecido na psicanálise como

“obediência adiada”. Desse sentimento de culpa filial nascem os dois tabus fundamentais do

totemismo, referidos anteriormente, que correspondem também aos dois desejos reprimidos

do Complexo de Édipo (Édipo matou o pai e casou-se com a mãe) e que marcam a

ambivalência implícita na relação complexo-pai1. Dessa forma, pela concretização do crime

comum, tem-se a origem do vínculo social.

Com base nas considerações psicanalíticas, Enriquez (1990) afirma que a civilização nasce

com e pela repressão. Não pode existir corpo social sem a instauração de um sistema de

repressão coletivo. Para o autor, as formas de dominação são necessárias para que a ordem

instituída não seja transgredida:

Veremos progressivamente se desenvolver um movimento que transformará os deuses imanentes (sensuais) em deuses transcendentes (do intelecto), a natureza mãe ou amiga em uma natureza a ser modificada ou dominada, os homens irmãos ou iguais em seres dominados, explorados, alienados, convertidos, tanto quanto possível em mercadoria (e o gozo de viver transformado em infelicidade de existir). Esse movimento nascerá, desde a aurora da humanidade, através da dominação das mulheres e dos jovens, paradigmas de todas as formas de dominação (ENRIQUEZ, 1990, p. 177).

Nessa perspectiva, o autor discute as formas de dominação. Dentre elas, cita-se a dominação

da mulher, que esta se configura para o homem como a forma de ele garantir o seu poder e

1 No complexo de Édipo, o menino apresenta desejo sexual pela mãe e tem no pai um rival. Caracteriza-se por sentimentos contraditórios de amor e hostilidade. A criança também ama a figura do pai que hostiliza. Já a menina é hostil à mãe porque ela possui o pai. Ao mesmo tempo, quer se parecer com ela para competir e tem medo de perder o amor da mãe que é acolhedor (FREUD, 1976).

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ampliá-lo, por meio de manifestações de submissão. Da mesma forma, cita a relação

adulto/jovem, mais especificamente a relação pai/filho, e a ambivalência de sentimentos

presentes nessa relação. A experiência primitiva do poder acontece na relação do filho com a

figura do pai, na qual se define o que é bom e o que e ruim, o que é permitido e o que é

proibido. O filho, dependente do pai, internaliza os interdito parentais ao longo do

desenvolvimento de sua personalidade. O pai possui o papel de iniciador e de educador. Ao

ser o depositário da lei, transforma-se também em um dominador em potencial, possuindo

direitos sobre a criança. O pai é apoiado a fazer com que o filho entre num ciclo submissão-

dominação. No entanto, teme a revolta ou animosidade do futuro rival, que pode tomar-lhe o

poder. Quantos pais martirizam, estropiam, negam cotidianamente seus filhos ou impedem-

nos de viver e de desenvolverem-se de maneira autônoma? Dessa forma, o pai pode desejar o

desaparecimento do filho, assim como o filho pode desejar a anulação do pai, obstáculo à sua

própria realização (ENRIQUEZ; 1990, 2007).

Enriquez (1990) enumera outros modos de controle social. Por exemplo: o controle direto

(físico), que ocorre por meio da violência; o controle organizacional que se dá por intermédio

da máquina burocrática; o controle por meio da competição econômica, em que o importante

para os grupos, organizações ou indivíduos é o sucesso nos negócio e na vida, sucesso

reconhecido e invejado pelos outros, indispensável para não se tornar desacreditado pelo

sistema; o controle pela saturação, em que o discurso doutrinador é infinitamente repetido,

com o objetivo de condicionar os sujeitos, inibindo-os e reprimindo suas idéias; o controle

pela dissuasão, em que a ameaça funciona como represália e indução à desistência de uma

idéia ou propósito: “mostrar sua força para não ter que usá-la” (ENRIQUEZ, 1990, p. 289).

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Além das formas acima, cita-se o controle social exercido pelo amor, pela identificação total

dos sujeitos ou pela expressão de confiança. “Não há como falar de poder sem referência ao

amor [...]. Todo poder usa desse artifício, tanto para se estabelecer quanto para durar”

(ENRIQUEZ, 2007, p. 60). O discurso amoroso atua por duas formas de funcionamento: pelo

fascínio; e pela sedução. O fascínio está próximo da hipnose, corresponde à possibilidade que

os homens têm de se perderem em um ser e de nele se encontrarem. É a forma de poder típica

de estados que vivem sob regimes ditatoriais ou totalitários. O ser que exerce fascínio sobre

os demais se configura como um deus, um herói, um profeta, sendo, ao mesmo tempo, um

homem do povo, e um homem fora e acima do povo, induzindo nos indivíduos que o escutam

a passividade e a docilidade. Já a sedução reside na aparência. O seduzido não se sente

forçado; ele é atraído pelo discurso da sedução, pelas palavras lisas e sem asperezas, mesmo

que estas não signifiquem coisa alguma. No entanto, também na sedução há alienação. Ao

jogar com o outro, o sedutor busca “amordaçá-lo, aliená-lo”. Destaca-se que nessa tentativa

há o risco de o sedutor ser preso ao jogo que ele mesmo instituiu, ao contrário do fascinador,

que não é nunca fascinado pelo outro.

Quanto maior o amor vindo do objeto, mais ele será despótico. Mas, ao mesmo tempo,

provocará entusiasmo. Também, o amor e o poder encarnam situações de submissão,

manipulação e alienação. Nessa perspectiva, Enriquez (1990) discute sobre a imagem familiar

que as organizações transparecem ao fazerem uso do discurso do amor como forma de

controle.

Os velhos chefes de empresas carismáticos conheciam bem o coração humano, quando sabiam que, designando alguém como um bom operário cheio de futuro, eles garantiam a submissão, a admiração, o reconhecimento e o amor. [...] Essas organizações devem, então, ser vividas sob uma dupla imagem: a da mãe que alimenta e do pai protetor (mesmo que castrador). Essa imagem familiar favorece, nos membros do grupo, a emergência do que assume a aparência de uma “identidade edipiana”, de desejo de rivalidade e de aceitação de castração, fenômenos que se traduzem em comportamentos de competição entre pares, cuja

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saída é a ocupação do lugar do melhor filho (o temor do abandono e a angústia de não ser amado tem também poderoso papel no desenvolvimento de tais comportamentos) (ENRIQUEZ, 1990, p. 308).

É importante se destacar também que “as vítimas são ao mesmo tempo cúmplices de seus

carrascos”. O controle pelo amor cria nos sujeitos uma relação de dependência para com o

objeto. Nessa posição de dependência, os sujeitos sentem necessidade de serem consolados,

protegidos por uma autoridade tutelar, podendo ser facilmente manipulados e alienados.

Neste estado de alienação em relação ao objeto, os indivíduos são constantemente reformados

pelo desejo de auto-alienação, que significa a fantasia de um estado não conflitual do

psiquismo, uma coerência entre o que se pensa e o que se realiza e as exigências do mundo

exterior. Dessa forma, os sujeitos mantêm o objeto idealizado, fonte de sua proteção.

Nesta perspectiva, cita-se também o vínculo afetivo estabelecido entre o sujeito e a

organização que se dá pela idéia do mito do herói fundador e do herói dirigente. O mito atua

na organização desde a sua fundação, a partir da remissão à sua história oficial e ao seu

passado – o mito fundante – e atua também pelo mito contemporâneo, na crença de que a

organização é capaz de preencher todas as necessidades e desejos do indivíduo. O mito

fundador é institucionalizado com o intuito de unificar pensamentos e comportamentos que se

convergirão em prol do projeto social comum, que será a base de identificação, de relação

afetiva com a organização e do vínculo social baseado na crença de pertença e no

compartilhamento de sentimentos afetuosos entre os sujeitos. Dessa forma, a estratégia de

mitificação atua como fonte de alienação, em que os indivíduos sentem-se “hipnotizados” e se

entregam aos ideais da empresa, tomando-os para si, sem questionamentos. O mito do herói

fundador materializa-se nas fotografias, estátuas, bustos e demais imagens e narrativas

relacionadas à história da organização e seus personagens. A história, muitas vezes,

assemelha-se a um romance, por exemplo, do jovem humilde que muito batalhou e com

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brilhantismo, conseguiu o sucesso empresarial. Também se destaca que esta tende a servir de

guia para os sujeitos, buscando envolvê-los nos projetos da organização, mediante o

comprometimento objetivo e subjetivo, “uma vinculação tão plena quanto possível”. As

imagens refletem e reafirmam a história e valores da empresa, reforçando a figura mitológica

do criador (ENRIQUEZ, 1997; FARIA, 2004b).

Os vínculos estabelecidos do sujeito para com a organização estão relacionados com sua

permanência ou saída da mesma. Faria (2007) discute tal situação em empresas familiares.

Segundo o autor, é importante analisar em função de quais elementos de vínculo os indicados

sucessores destas organizações decidem permanecer no negócio da família, “assujeitando-se2”

às suas normas e valores. A análise também deve ser feita com os sujeitos que saem, os

expurgos familiares (e organizacionais). Neste caso, é importante verificar quais elementos

de não-vínculo estão relacionados ao expurgo, identificando se o que ocorre é um auto-

expurgo do sujeito (relacionado a uma autopurificação) ou se o mesmo foi expurgado pela

família/organização (por ser nocivo a estas). Além disso, o autor destaca que a saída da

organização pode caracterizar-se por duas facetas. Uma delas seria a do auto-expurgo devido

a uma oposição aos padrões familiares de existência capitalista, assumindo, por exemplo,

modos de existência proletários. A outra seria a de o sujeito não se sujeitar aos compromissos

inerentes à empresa da qual seria sucessor, mas ainda construir sua subjetividade a partir de

valores (normas, moral, atitudes) próprios do capital (e da sua família burguesa). Nesse caso,

a saída da empresa caracteriza-se mais por uma contraposição aos poderes patriarcais

(poderes constituídos inerentes à relação familiar) ou por uma inadaptabilidade à função (de

direção normalmente) do que por uma oposição à burguesia (FARIA, 2007). Nas palavras do

autor:

2 Segundo Faria (2007), o assujeitamento é uma forma de tornar o sujeito subjugado (submetido, subordinado, conformado) a algo, constituindo-se em parte da subjetividade desses sujeitos.

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[...] Mais especificamente, os expurgados podem construir sua subjetividade a partir de valores (códigos, normas, moral, atitudes, valores) próprios do capital (e, portanto, da burguesia ou da pequena burguesia), ainda que não se sujeitem ao sistema de competição, às regras de gestão, às atividades empresariais, enfim, aos compromissos inerentes à gestão da empresa da qual seria o sucessor. Aqui, parece haver mais um problema de inadaptabilidade a uma função do que uma oposição à burguesia. Uma oposição (ainda que dicotômica) "assujeitamento" x subjetivação, no caso, só teria sentido [...] se os expurgados tivessem assumido modos de existência ou estilos de vida proletários. Seriam expurgados da família (não apenas das organizações). Mais precisamente, seriam expurgados ou teriam se auto-expurgado das famílias pequeno-burguesas para viver um modo de existência proletário (FARIA, 2007, s/ p.).

É importante salientar que o vínculo social relaciona-se diretamente ao poder – o vínculo

social é, antes de tudo, um vínculo de poder (FARIA; SCHMITT, 2007). Dessa forma, após

as reflexões sobre trabalho, vínculo e subjetividade, a seção seguinte se destina à

compreensão do poder, tendo-se por base que as relações de poder mediam o vínculo social.

2.3 Compreendendo o poder

O debate sobre o poder tem sido constante objeto de atenção e interesse desde o início dos

tempos, remontando a pensadores de diferentes períodos históricos, iniciando-se com os

primeiros filósofos e prolongando-se até os recentes debates que envolvem conceitos sociais,

ao abordar a organização e a distribuição de poder. Datar o início da utilização do poder como

conceito e assunto de debate parece ser tarefa impossível, mas sua emergência pode ser

notada desde a existência do homo sapiens (DAUDI, 1986).

Daudi (1986) enfatiza que a concepção do discurso de poder pode perpassar duas perspectivas

opostas: a conservadora e a radical. Pela perspectiva conservadora, o poder é conceituado

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como o exercício necessário para legitimar a autoridade. Em contrapartida, a visão radical

entende o poder com o significado de opressão. Segundo o autor, em ambas as perspectivas a

idéia do poder está relacionada a controle, coerção, dominação e repressão. Também nestas

perspectivas o poder é concebido como um atributo que polariza a posição entre quem tem o

poder e quem não o tem. Para o autor, estas concepções constituem-se em uma visão

reducionista e primitiva do poder, pois tratam-no como uma patologia que atrapalha a

harmonia da organização, como uma disfunção.

Procópio (2003) enfatiza diferentes concepções sobre o poder nos estudos organizacionais,

agrupando-as em dois grandes grupos: o do poder utilitário; e o do poder comunicativo, causal

e simbólico. O primeiro é marcado pela instrumentalização da relação social, em que o poder

está atrelado à capacidade estratégica do indivíduo (ou grupo) de realizar os objetivos

externos. Já os poderes comunicativos, causais e simbólicos aparecem como concepções mais

dialógicas com outros campos das ciências humanas, apresentando-se como alternativas ao

poder utilitário para a análise organizacional.

Faria (2004a) analisa as formas de poder e controle nas organizações numa perspectiva crítica

marxista, trazendo para os estudos organizacionais abordagens oriundas de outros campos do

conhecimento, como as ciências sociais e econômicas, e a psicossociologia. O interesse de

Faria é:

[...] identificar, teórica e empiricamente, os níveis, as formas, os processos, os mecanismos de controle desenvolvidos e utilizados pelas organizações capitalistas em um determinado contexto sócio-histórico, bem como seus significados e conseqüências objetivas e subjetivas para os sujeitos que nelas trabalham (FARIA, 2004a, p. 19).

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Em sua compreensão do poder, o autor atenta para a complexidade dinâmica das relações

sociais e para os possíveis enganos que podem ser cometidos na sua apreensão, seja por

suposições ou por simplificações. No entanto, destaca pontos importantes a se considerar em

relação ao estudo do poder.

[...] (i) o poder é uma capacidade e não um atributo; (ii) o poder não pertence e nem é exercido por um indivíduo (este possui autoridade do cargo, influência, liderança e outro requisitos pessoais), mas por uma instância coletiva; (iii) o poder, ainda que seja uma capacidade potencial, para ser efetivo implica, necessariamente, seu exercício, o que significa que se deve falar em relações de poder; (iv) o exercício do poder não se esgota em relações de dominação, sendo correta considerar os conflitos, legítimos ou não, como parte de sua prática; (v) o poder não se encontra em um lugar definido, mas pode ser exercido através de determinados lugares, daí a razão das lutas políticas para a ocupação do comando destes lugares (FARIA, 2004a, p. 134).

Faria atenta também para a necessidade de, ao estudar o poder e o controle nas organizações,

perceber não apenas o que é passível de observação direta, o que está na aparência, mas

também o que não se deixa ver. É importante apreender não apenas o que pode ser expresso e

manifesto, mas também o que não consegue se exprimir, o que não pode se exprimir, o que

permanece oculto. A partir desse olhar, é possível perceber as relações de poder em suas

distintas formas de exercício, expressas pelas diversas formas de controle. “O controle é a

mais bem estruturada garantia da permanência do poder” (FARIA, 2004a, p. 150).

Em suma, Faria (2004b) propõe uma teoria crítica das formas de controle nos locais de

trabalho sob o comando do capital. O autor desenvolve um modelo referencial tendo por base

pesquisas empíricas realizadas que estrutura as investigações neste campo, integrando os

níveis e as formas de controle – econômica, política-ideológica e psicossocial, com as

instâncias de análise desenvolvidas por Enriquez (1997) – mítica, social-histórica,

institucional, organizacional, grupal, individual, pulsional. As formas de controle têm origem

em processos objetivos e subjetivos. A forma de controle econômica relaciona-se às relações

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de produção, com destaque para as relações e os processos de trabalho que se referem à

propriedade e a posse, nas formas legal e real. O nível de controle político-ideológico diz

respeito ao aparato normativo, que tem como suporte um sistema de idéias que legitimam as

ações e que possui como formas de controle: estrutura hierárquica-burocrática, sistema

disciplinar, processos de transmissão da ideologia e alienação. O controle psicossocial diz

respeito às relações entre os sujeitos individuais e coletivos. Suas formas de controle

classificam-se em física, normativa, finalística ou por resultados, compartilhada ou

participativa, simbólica-imaginária, por vínculos e por sedução monopolista. As formas de

controle cruzadas com as instâncias de análise de Enriquez formam uma matriz que indica os

mecanismos que operacionalizam os processos objetivos e subjetivos das relações de poder.

Este modelo de estudo das relações de poder e controle nas organizações encontra-se

resumidamente descrito no quadro 2:

INSTÂNCIAS DE ANÁLISE DAS ORGANIZAÇÕES NÍVEIS DE

CONTROLE FORMAS DE CONTROLE Mítica

Social-histórica

Institu-cional

Organiza-cional

Grupal Indivi-

dual Pulsional

Propriedade Legal

ECONÔMICO

Propriedade Real Hierárquico- burocrático

Disciplinar Por Transmissão Ideológica

POLÍTICO-

IDEOLÓGICO

Por Alienação Físico Normativo Finalístico ou por resultados

Compartilhado ou Participativo

Simbólico-imaginário

Por Vínculos

PSICOSSOCIAL

Por Sedução Monopolista

Quadro 2 – Níveis e formas de controle e instâncias de análise

FONTE: Faria (2004b, p. 133)

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O modelo proposto busca sistematizar a investigação sobre as práticas de controle nas

organizações sob o comando do capital. Sobre a divisão detalhada dos elementos constitutivos

dos mecanismos de poder e controle, o autor afirma que tal divisão apresenta apenas

finalidade didática, e não uma descrição partida da realidade, pois “tanto os níveis e formas de

controle quanto as instâncias de análise não se encontram separados, ao contrário, pois tanto

elementos de uns aparecem em outros, como ocorre uma interação complexa entre os

mesmos” (FARIA, 2004b, p. 142). Além disso, o autor destaca também que busca construir

um modelo abrangente; no entanto, jamais definitivo ou acabado.

Paes de Paula (2005) reconhece sobre a pertinência do trabalho de Faria (2004a e 2004b) nos

estudos organizacionais. De acordo com a autora, a perspectiva marxista observada na obra

tem ocupado lugar cada vez mais marginal. Sobre as conseqüências deste fato, segundo ela,

“as perdas não poderiam ser maiores, pois juntamente com o marxismo relega-se o potencial

de crítica e análise presente no método dialético e nas elaborações de vários autores que o

professam” (PAES DE PAULA, 2005, p. 122). A autora defende que os estudiosos das

organizações devem estar atentos a isso, buscando opções mais heterodoxas, articulando as

contribuições oferecidas pelas diversas correntes de pensamentos.

Também em uma vertente crítica de estudos sobre poder, Souza (2004) recorre aos estudos de

Foucault, contrapondo-os aos de Mintzberg e Crozier, autores funcionalistas da

administração, analisando as principais diferenças entre eles. Segundo Souza, os estudos de

Mintzberg e Crozier apresentam traços do que Foucault denominou de “analítica da verdade”,

uma característica da diversidade da modernidade, sendo

[...] uma forma de pensar mecânica, pois trabalha sempre com os pressupostos de que os ‘fenômenos’ estudados podem ser previstos, mensurados e comportam-se de forma linear, ou seja, sempre existe uma relação causa/conseqüência que mantém a

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continuidade da história. A principal conseqüência deste traço da modernidade é fazer com que a vida, em todas as suas instâncias, seja vista como algo completamente mecânico (SOUZA, 2004, p. 158).

Em contrapartida a esses autores, o pensamento de Foucault segue a ontologia do presente,

que nega toda forma de generalização, hierarquização e estruturação do poder. Segundo o

Souza:

Contrariamente a analítica da verdade, a ontologia do presente não enxerga a vida como algo linear, previsível e que pode ser medida por meio das diversas técnicas desenvolvidas pelas ciências naturais. A ontologia do presente não é algo mecânico e sim maquínico, ou seja, é algo da ordem do imprevisível, sempre se atualizando por meio de rupturas em algo que não pode ser previsto. Desta forma, não existe na ontologia do presente qualquer linearidade entre os fatos, tampouco uma relação causa/conseqüência (SOUZA, 2004, p. 159).

Dentre seus diversos estudos, Foucault aborda a analítica do poder, temática que se encontra

na etapa genealógica de sua obra3 (MOTTA; ALCADIPANI, 2003). O pensamento

genealogista percebe a história como algo em transformação, e não como uma entidade fixa,

linear, contínua. A história apresenta rupturas que representam as modificações sofridas de

acordo com determinado contexto. “O genealogista procura acompanhar o processo de

transformação das relações de poder em lugar de fixar definições colocadas em uma busca da

verdade” (SOUZA, 2004, p. 111).

A genealogia seria, portanto, com relação ao projeto de uma inscrição dos saberes na hierarquia de poderes próprios à ciência, um empreendimento para libertar da sujeição os saberes históricos, isto é, torná-los capazes de oposição e de luta contra

3 As obras de Foucault distribuem-se em três “etapas”: arqueologia, genealogia e ética. Percebem-se nesse três percursos de seus pensamentos deslocamentos em relação aos eixos de análise, ou, segundo Silveira (2005), diferentes eixos metodológicos. Destaca-se na primeira etapa o foco no eixo do saber; na segunda fase, a genealógica, o foco no eixo do poder; sendo este, em seguida, fixado no eixo do sujeito, na etapa da ética. A arqueologia trata das práticas discursivas de certos domínios do saber (medicina, psiquiatria, ciências humanas), buscando clarificar as regras que regem os discursos científicos. Nesta etapa, Foucault tenta construir uma história dos saberes que tomam o homem como objeto a partir da reconstrução do sistema geral de pensamento de certas épocas. O foco de seus estudos está na discursividade, na forma como se expressa o discurso, independente de sua falsidade ou veracidade. Dentre os trabalhos desse período, destacam-se as obras História da Loucura na Idade Clássica (1962), O Nascimento da Clínica (1963), As Palavras e as Coisas (1966). A ética discute a questão da constituição do sujeito, estudando os jogos de verdade na relação de si para si e a constituição de si mesmo como sujeito (SILVEIRA, 2005).

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a coerção de um discurso teórico, unitário, formal e científico (FOUCAULT, 1979, p. 97).

Na etapa genealógica, Foucault desenvolve a analítica do poder. Tal perspectiva, em

concordância com autores já citados neste trabalho, encontra-se como alternativa à ortodoxia

das abordagens funcionalistas na Administração. Em geral, os estudos funcionalistas

costumam conceber o poder de forma instrumental e utilitária, sendo estudado com finalidade

performática. A ortodoxia funcionalista tende a perceber o poder como algo que atua pela

negação, pela repressão, pelo controle unilateral, que enxerga o poder como sendo restrito a

uma estrutura hierárquica de cargos (SOUZA et al., 2006). “É necessária uma abordagem

alternativa que não tenha sido seduzida pelas sirenas do conhecimento instrumental ou do

poder instrumental [...]. A vertente de Foucault é uma correção útil ao tornar o processo muito

menos instrumental que essas explicações supõem” (CLEGG, 1992, p. 79, 80). É importante

ressaltar que Foucault não aborda uma teoria do poder, pois considera que o poder não é uma

questão teórica; faz parte da experiência, é uma relação, uma prática social. Conceber o poder

como uma teoria significaria datá-lo a partir de um determinado momento.

Se o objetivo for construir uma teoria do poder, haverá sempre a necessidade de considerá-lo como algo que surgiu em um determinado ponto, em um determinado momento, de que se deverá fazer a gênese e depois a dedução. Mas se o poder na realidade é um feixe aberto, mais ou menos coordenado (e sem dúvida mal coordenado) de relações, então o único problema, munir-se de princípios de análise que permitam uma analítica das relações do poder (FOUCAULT, 1979, p. 141).

Ao abordar a analítica do poder, o autor busca determinar quais são, em seus mecanismos, em

seus efeitos e em suas relações, os diferentes dispositivos de poder, que se exercem em níveis

e campos diferentes da sociedade e com extensões tão variadas. As diversas correlações de

forças que se formam e atuam nos aparelhos de produção, nas famílias e nas instituições,

atravessam o corpo social como um todo, como uma rede. Tal rede remete ao que Foucault

denomina de “microfísica do poder”, em que o poder não é uma apropriação, e sim uma rede,

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uma rede de relações sempre tensas, sempre em atividade. Argumenta ainda que não há uma

oposição entre dominadores e dominados como a matriz geral e global das relações de poder.

Temos que deixar de descrever sempre os efeitos de poder em termos negativos: ele “exclui”, “reprime”, “recalca”, “censura”, “abstrai”, “mascara”, “esconde”. Na verdade o poder o produz; ele produz realidade; produz campos de objetos e rituais da verdade (FOUCAULT, 1987, p. 161).

Foucault (1979) defende a idéia de que o poder não apresenta apenas um caráter negativo em

sua ação, até pelo contrário. Acredita que se o poder fosse apenas repressivo ele não seria

obedecido. Para o autor, o que faz com que o poder se mantenha e seja aceito é justamente o

fato de ele não transparecer apenas como força negativa, mas também como sua faceta de

indução ao prazer, formação de saber, produção de discurso. “Deve-se considera-lo como uma

rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa

que tem por função reprimir” (FOUCAULT, 1979, p. 8).

Ao estudar o poder, Foucault (1979) destaca algumas precauções metodológicas necessárias,

tais como: (i) o poder deve ser concebido não em suas formas regulamentares e legítimas de

seu centro, mas sim deve ser captado em suas extremidades, onde ele se torna capilar, em suas

ultimas ramificações; (ii) analisar não quem tem o poder e o que pretender fazer com o poder,

pois “o poder não é visto como uma commodity, algo possuído ou personificado, mas como

práticas que se tornam aparentes quando são exercidas” (CAPPELLE; BRITO, 2002, p. 3);

(iii) o poder deve ser analisado como algo que circula, que funciona em rede, e não como algo

que se possa dividir entre aqueles que possuem e os que não possuem; (iv) a análise do poder

deve ser ascendente, partindo dos mecanismos infinitesimais, ao contrário de uma espécie de

dedução que, partindo do centro, chegaria até os elementos moleculares da sociedade; e (v) o

poder, para atuar, põe em circulação um saber. É necessário entender como o saber se

constitui e relaciona-se ao poder.

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A relação entre poder-saber perpassa a analítica de poder foucaultiana. Todo ponto em que se

exerce poder é também um lugar de formação de saberes. Os saberes representam verdades, e

estas não existem fora das relações de poder, servindo para sustentá-las. O sujeito se constitui

historicamente a partir das relações de poder.

Na analítica do poder, Foucault destaca três mecanismos de poder: os suplícios, as disciplinas

e a biopolítica. Os suplícios correspondem às punições dos que atentavam contra a ordem

social por meio de práticas violentas, como tortura e humilhações. Seu objetivo era fazer do

criminoso um exemplo para que as pessoas evitassem transgredir as regras. Característico do

regime monárquico, vai, com o passar do tempo, cair em desuso, sendo substituído pelo

regime de biopoder, que corresponde às disciplinas e à biopolítica.4

Nas palavras de Michel Foucault, “esses métodos que permitem o controle minucioso das

operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma

relação de docilidade-utilidade, são o que podemos achar as ‘disciplinas’” (FOUCAULT,

1987, p. 118). Se no regime anterior o poder tinha o objetivo de gerar a morte, sua faceta

agora corresponde ao propósito de majorar a vida. Para tanto, o controle dos corpos passa a

ser, como diria Silveira (2005), o principal alvo do poder. A disciplina controla os corpos,

individualizando-os. Para tanto, o poder deve agir em todas as camadas da sociedade, em todo

o tecido social, havendo, assim, uma capilaridade do poder.

4 A biopolítica corresponde ao mecanismo de poder que age sobre um conjunto de processos populacionais, tais como proporção dos nascimentos e dos óbitos e taxas de reprodução, de natalidade, exercendo sobre tais processos efeitos de conjunto e regulação. Enquanto as disciplinas atuam sobre o corpo individual, a disciplina atua sobre o ‘corpo’ coletivo, a população. Destaca-se nessa fase a atenção de Foucault à prática de governar e ao modo como se governa, o que chama de ”governamentabilidade”.

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As disciplinas constituem-se de uma vigilância exaustiva, ilimitada, permanente e discreta.

Ela não é visível como no regime dos suplícios; é subliminar. As disciplinas impõem um

modelo, uma norma previamente estabelecida, padronizando os indivíduos e seus

comportamentos. Relaciona-se ao adestramento dos sujeitos, tornando-os dóceis e submissos.

Para tanto, as disciplinas fazem uso de instrumentos como o olhar hierárquico, a sanção

normalizadora e sua combinação num procedimento específico, o exame (FOUCAULT,

1987). A disciplina estabelece uma separação entre o normal e o anormal, o padronizado e o

não-padronizado, o disciplinado e o não-disciplinado, agindo sobre o não disciplinado para

torná-lo normalizado.

Num sistema de disciplina, a criança é mais individualizada que o adulto, o doente o é antes do homem são, o louco e delinqüente mais que o normal e o não-delinquente. É em direção aos primeiros, em todo caso, que se voltam em nossa civilização todos os mecanismos individualizantes; e quando se quer individualizar o adulto são, normal e legalista, agora é sempre perguntando-lhe o que ainda há nele de criança, que loucura secreta o habita, que crime fundamental ele quis cometer (FOUCAULT, 1987, p. 161).

Sobre as disciplinas, Garcia (1984) discute acerca de suas funções políticas e econômicas. Do

ponto de vista econômico a disciplina tem por finalidade aumentar as forças do corpo. Já na

perspectiva política, a intenção é a obediência, docilizar os corpos; ou seja, aumentar a

produtividade destes, diminuindo a força em sua dimensão ideológica e aumentando-a em sua

dimensão utilitária. Nas palavras de Motta (1981), o poder disciplinar se concretiza na

organização do espaço, do tempo, na vigilância e nos exames, “quaisquer que sejam as

modalidades e a intensidade do poder disciplinar, porém, ele tem sempre o mesmo objetivo:

formar corpos dóceis e produtivos” (MOTTA, 1981, p. 41). As práticas disciplinares

relacionam-se às microtécnicas de poder, que normalizam não apenas os indivíduos, mas

também o coletivo, organizando os corpos. Este conceito compreende, em diversas instâncias,

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supervisão, rotinização, formalização, mecanização e legislação, tendo como efeito aumentar

o controle sobre o comportamento dos operários (CLEGG, 1989).

Foucault aborda também as resistências. “Não existe relação de poder se não existir

resistência, ou seja, se não existir liberdade no campo social” (SOUZA, 2004, p. 138). As

relações de poder estão inseridas em todas as relações humanas, o que implica a existência de

liberdade para os sujeitos envolvidos nessa relação.

Mesmo quando a relação de poder é completamente desequilibrada, quando verdadeiramente se pode dizer que um tem todo o poder sobre o outro, um poder só poder se exercer sobre o outro a medida que ainda que reste a este último a possibilidade de se matar, de pular pela janela ou de matar o outro. Isso significa que, nas relações de poder, há necessariamente possibilidade de resistência, pois se não houvesse possibilidade de resistência, de resistência violenta, de fuga, de subterfúgios, [...] não haveria de forma alguma relações de poder (FOUCAULT, 2004, p. 277)

As resistências ao poder organizacional devem ser compreendidas levando-se em

consideração as subjetividades dos sujeitos. As organizações são constituídas por relações de

poder entre pessoas, as quais possuem diferentes subjetividades e identidades. Estas

subjetividades e identidades constituem-se em diferentes recursos para a acomodação ou para

a resistência organizacional sobre as relações de poder (CLEGG, 1994)

Clegg (1992) afirma que o poder disciplinar rompe com a visão “mecanicista” e “soberana”,

apresentando um questionamento histórico. O autor destaca que, apesar de a concepção de

poder disciplinar ser compatível ao enfoque marxista, em relação às resistências no trabalho

capitalista, é importante notar as diferenças entre as duas abordagens. Foucault não considera

que o controle disciplinar teve origem nas fábricas, e sim nas várias instituições estatais. Além

disso, sua função não se destina à pura exploração capitalista, e sim à criação de corpos

obedientes.

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Por fim, Motta e Alcadipani (2003) pesquisaram sobre utilização de Foucault na área de teoria

das organizações. Observaram que, muitas vezes, ocorrem equívocos quanto à utilização

correta da obra de Michel Foucault. Um fato vislumbrado é a adoção simplificada e, mesmo,

instrumentalizada da analítica do poder e uma junção acriteriosa de conceitos e noções

oriundas de diferentes matrizes epistemológicas. Outra questão é a inadequação da designação

do autor como “pós-moderno”. De toda forma, propor o estudo de Foucault no campo

organizacional

[...] abala as estruturas dominantes de pesquisas que pretendem entender um mundo organizacional por meio dos pressupostos da modernidade e traz uma forma completamente nova de se entender a dinâmica dos processos organizacionais, desnaturalizando de uma vez por todas a razão instrumental da modernidade (SOUZA, 2004, p. 184).

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3 CAMINHOS PERCORRIDOS

3.1 A história de vida

Este estudo consistiu em um trabalho de cunho qualitativo. Buscou-se, a partir de uma postura

reflexiva, compreender o conhecimento como produção, apoiando-se em seu caráter

construtivo e interpretativo. Segundo González Rey

Ao afirmar que nosso conhecimento tem um caráter construtivo-interpretativo, estamos tentando superar a ilusão de validade ou a legitimidade de um conhecimento por sua correspondência linear com uma realidade, esperança essa que se converteu, contrariamente ao que pensam e sentem seus seguidores, em uma construção simplificada e arbitrária a respeito da realidade, ao fragmentá-la em variáveis suscetíveis de procedimentos estatísticos e experimentais de verificação, mas que não possuem o menor valor heurístico para produzir “zonas de sentido” sobre o problema que estudam, afastando-se, dessa forma, da organização complexa da realidade (GONZÁLEZ REY, 2005, p. 6-7).

Nessa perspectiva, adotou-se como método de investigação a pesquisa em histórias de vida. A

pesquisa em histórias de vida data do início do século XX, com a Escola de Chicago (EUA),

quando os relatos biográficos passaram a assumir status de material de pesquisa sociológica.

Desde então, as histórias de vida sofreram muito em seu desenvolvimento, em decorrência,

principalmente, do predomínio da filosofia positivista nas ciências sociais, ocorrido após a

Segunda Guerra Mundial. Nessa época, o uso das histórias de vida mantinha-se atrelado à

simples coleta de dados empíricos. No entanto, a partir da década de 1970 inicia-se uma

utilização mais ampla do método, que passou a caminhar para um novo limiar epistemológico.

Nesse novo patamar, as histórias de vida passam a não considerar apenas os indivíduos, e sim

a análise sociológica de grupos. A experiência histórica do grupo é compreendida por meio

das histórias singulares. Observa-se “uma ruptura importante para passar de uma leitura

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tradicional, ilustrativa ou realista das histórias de vida, para a captação e compreensão

multidisciplinar e mais profunda das suas mensagens diversas oriundas da história de um

grupo” (MARRE, 1991, p. 137).

A história de vida tem como objetivo “a partir da totalidade sintética – que é o discurso

específico de um indivíduo – reconstruir uma experiência humana vivida em grupo e de

tendência universal” (MARRE, 1991, p. 89). Consiste na busca de conhecimento a partir da

experiência do sujeito (BARROS; SILVA, 2002). É uma maneira de recolocar o indivíduo no

social e na história. Inscrita entre a análise psicológica individual e a análise dos sistemas

socioculturais, a história de vida permite captar de que modo os indivíduos fazem a história e

modelam sua sociedade, sendo também modelados por ela (LAVILLE; DIONNE, 1999).

Marre (1991) considera a história de vida em um sentido amplo, englobando tanto relatos

orais como autobiografias escritas, longas entrevistas abertas e outros documentos orais ou

testemunhos escritos. Segundo o autor, a história de vida, em sua faceta contemporânea, não

foca sua investigação em sujeitos “atomizados” ou pouco relacionados entre si. Seu foco está

na reconstrução da história estrutural e sociológica de determinados grupos sociais, na

trajetória de um ou vários grupos sociais. “Nesse caso, a unidade de investigação não é nem

uma autobiografia oral ou escrita, mas várias histórias de vida entrelaçadas e constitutivas das

várias posições e itinerários da trajetória de um grupo” (MARRE, 1991, p. 108). Além disso,

a história de vida apresenta uma leitura descontínua. O significado da experiência do grupo,

expressa por meio dos relatos singularizados, não se apresenta de forma neutra ou objetiva.

Pela narração de sua história, o sujeito se afirma como “existindo”. Ao contar sua história, o

indivíduo pode “trabalhar” a sua vida, reconstruindo o passado, suportando o presente,

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embelezando o futuro. Reconstruir o passado significa mudar a relação com ele, re-significar

sua existência, “remexer”, transformar. Contar a vida é um modo de ser re-fazer. Esse aspecto

constitui importante faceta das histórias de vida, apresentando uma função de historicidade

(Histoires de vie et choix théoriques, 1996, trad. p. 4). Para Gaulejac (2005), a função de

historicidade significa a possibilidade de o indivíduo analisar e compreender os elementos que

o constituem como sujeito histórico, reconstruindo sua relação com sua história. Para o autor,

o homem é história, visto que tanto é produzido por ela, como também é produtor de sua

própria história. Nesse sentido, as histórias de vida configuram-se como método rico e

diversificado, cuja abrangência vai além da pesquisa, englobando intervenções, formação e

terapia. Dessa forma, as histórias de vida são consideradas não apenas um método

sociológico, mas também um método clínico, visto que os participantes são conduzidos a

utilizar desse conhecimento para compreender melhor seu próprio destino.

No entanto, contar sua vida consiste em um encadeamento de recontares, de modo que

fantasia e realidade, objetividade e subjetividade, lembrança real e lembrança transformada se

misturam, tornando dubitável o que é verdadeiro e o que falso, sendo tal distinção não

passível de vir da narrativa ela mesma. “O homem resiste a ver a realidade como ela é; ele

ama travestí-la de acordo com seus desejos, com seus medos, com seus interesses ou sua

ideologia” (Histoires de vie et choix théoriques, 1996, trad. p. 4). No entanto, se convém

diferenciar real e imaginário, não se pode perder de vista que o imaginário é também a

realidade e que este abre para uma possibilidade de sentidos, de significações, de direções e

de explicações. Além disso, o que se busca em um relato de vida não é um espelho do social,

e sim o modo como o indivíduo se apropria dele, projetando a sua subjetividade. Nesse

sentido, ao pedir ao sujeito que conte a sua história, o que se busca é compreender o universo

do qual ele faz parte, segundo seu ponto de vista, ou seja, da sua subjetividade em relação aos

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fatos sociais. Na história de vida, é o sujeito que ocupa o lugar central do que se conta.

(BARROS; SILVA, 2002). Nessa discussão, Bosi acrescenta:

Qual versão de um fato é a verdadeira? Nós estávamos e sempre estaremos ausentes dele. Não temos, pois, o direito de refutar um fato contado pelo memorialista, como se ele estivesse no banco dos réus para dizer a verdade, somente. Ele, como todos nós, conta a sua verdade. Ser inexato não invalida o testemunho, diferentemente da mentira, muitas vezes exata e detalhista (BOSI, 2003, p. 66).

Além disso, destaca-se que não existe no método “a pretensão de demonstrar leis, de buscar a

prova empírica de hipóteses teóricas ou encontrar causas últimas. O interesse é o

conhecimento de uma situação ou objeto por meio de um saber que jamais é dado a priori, e

sim construído na experiência cotidiana e na interlocução” (BARROS; SILVA, 2002, p. 136).

Para as autoras é na especificidade de cada história que se encontra o “modo de trabalhar”.

Senão, corre-se o risco de recolher o que o pesquisador deseja, e não o que foi construído na

dinâmica existencial própria do entrevistado.

Para Gaulejac (2005) o método biográfico permite compreender o que há entre o universal e o

singular, entre o objetivo e o subjetivo, entre o geral e o particular, entre o positivismo e o

subjetivismo psicologizante. O material produzido pelas histórias de vida expressa as

determinações sociais nas trajetórias individuais e a relação dos atores com essas

determinações. Também permite compreender a relação entre o indivíduo produto da história

e o indivíduo agente da historicidade.

As histórias de vida compreendem o tempo recomposto pela memória (GAULEJAC, 2005) e

abordam sobre o tempo passado compreendido através do tempo presente (NEVES, 2001). Há

também a distinção entre tempo vivido e tempo pensado. Este, relaciona-se às idéias, aos

planos que ainda estão no imaginário do sujeito; aquele, às práticas vivenciadas. As idéias que

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surgem no nível do tempo pensado não devem ser desconsideradas; elas são o estado nascente

do tempo vivido, na medida em que levam os indivíduos à prática. É importante observar nos

relatos coletados “os momentos em que se começa a pensar determinadas idéias (tempo

pensado), as que, mais tarde, transformar-se-ão em estratégias, práticas (tempo vivido)”

(MARRE, 1991, p. 126).

Neves (2001) cita como importantes fontes de dados os depoimentos de histórias de vida, as

entrevistas temáticas e as entrevistas de trajetórias de vida. Os primeiros constituem-se em

depoimentos aprofundados que buscam reconstituir por meio do diálogo a história de vida do

sujeito desde sua infância até os dias atuais. As entrevistas temáticas focam experiências ou

processos específicos, ou podem constituir-se em desdobramentos dos depoimentos de

história de vida. As trajetórias de vida são depoimentos de histórias de vida mais sucintos e

menos detalhados. A autora ressalta também a complementaridade entre história de vida oral

e pesquisa documental, ressaltando a importância desta como subsídio e informação à outra.

Para Barros e Silva, as histórias de vida ajudam a ultrapassar os limites das histórias oficiais.

Como ressalta Bosi (2003), história que se apóia apenas nos documentos oficiais “não pode

dar conta das paixões individuais que se encontram atrás dos episódios” (BOSI, 2003, p. 15).

Na análise das histórias, é importante perceber as influências recíprocas entre os diferentes

registros da história do sujeito, entre os aspectos sociológicos e os aspectos psicológicos. O

trabalho de interpretação das histórias de vida deve pautar-se, além do relato, nas situações

concretas na qual os atores se encontram, na percepção dessa situação pelos indivíduos, à luz

de teorias que o pesquisador introduz como referência de sua leitura das histórias (BARROS;

SILVA, 2002). Bosi (2003) também destaca a importância de analisar não apenas as

lembranças, mas também os esquecimentos.

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Entrar na complexidade de uma vida é analisar o conjunto das influências, mais ou menos contraditórias, as quais o sujeito foi confrontado no curso de sua existência. Como ele se “fabricou” uma identidade própria a partir de sua identidade familiar e social [...]. Como ele foi produzido pelas múltiplas contradições que atravessaram a história de seu grupo de pertencimento, de sua família, de sua existência; contradições externas de seu meio de vida, mas igualmente contradições internas na medida em que ele interioriza o mundo do qual ele pertence (Histoires de vie et choix théoriques, 1996, trad. p. 4.)

3.1.1 Em busca das histórias

Nesta pesquisa, as informações foram coletadas pelos depoimentos dos sujeitos por meio das

entrevistas. A técnica de entrevista pode se apresentar desde sua completa estruturação até o

uso pouco ou não-estruturado, constituindo-se em entrevistas estruturadas, semi-estruturadas e

não-estruturadas. O uso desta técnica permite um contato mais próximo com o sujeito

estudado, favorecendo a exploração em profundidade e a observação de nuanças não

alcançadas sem a proximidade do contato pessoal.

Para os fins deste trabalho foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas (apêndice 1), com

perguntas exploratórias, buscando a depreensão dos depoimentos em profundidade. O roteiro

versou em torno da temática da história do indivíduo, mais precisamente dos fatos

relacionados à sua história na organização da família. Também foi abordada a história da

organização, assim como o relacionamento afetivo e o relacionamento profissional, na

organização e fora dela, mais a influência dos laços familiares no trabalho na empresa, dentre

outras questões. Ao pedir aos entrevistados que contassem sua história, o objetivo principal

foi permitir-lhes ao sujeito a livre narração sobre suas vivências. As questões abertas

possibilitaram que o informante falasse livremente, sendo realizado apenas o delineamento

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anterior de uma “trilha”, na qual constavam os objetivos de investigação. A investigação em

profundidade buscou o acesso às interpretações subjetivas dos sujeitos em relação a suas

vivências.

A observação também constituiu rica fonte de dados para o trabalho. A técnica de observação

é um recurso de coleta de informações importante, pois privilegia o contato com o real. A

observação pressupõe a participação do pesquisador no contexto objeto de sua pesquisa. Pode

ser estruturada, consistindo na utilização de escalas, campos, etc. para se registrar o que é

observado, como também pouco ou não estruturada. Além disso, varia também a postura do

pesquisador, que pode se inserir no campo de uma forma mais observadora ou mais

participante. Neste trabalho, utilizou-se a primeira opção; ou seja, a inserção da pesquisadora

no campo voltou-se à observação, e não à participação ativa.

A busca por informação faz uso de fontes como pessoas e documentos. A pesquisa com base

documental utiliza não apenas documentos impressos, mas também recursos audiovisuais e os

mais diversos vestígios utilizados pelo homem. As fontes impressas correspondem desde

publicações de órgãos até documentos pessoais, sem esquecer as revistas, publicações

científicas, etc. Nesta pesquisa, a recorrência a documentos enriqueceu e contribui para a

análise que se segue. Foram contemplados vídeos institucionais comemorativos de final de

ano, publicações internas (jornaizinhos), sites das empresas, documentos sobre a empresa

publicados em livros, revistas e outros documentos da empresa, como organograma,

planejamento estratégico, fôlderes e fotografias de família.

3.1.2 Produzindo significados

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Os discursos coletados foram analisados por meio da técnica de análise lingüística do

discurso. Pela técnica, observou-se a construção de narrativas, discutindo-se os achados com o

saber científico disponível. Os conceitos e ferramentas da análise lingüística do discurso são

aplicados a diversos e diferentes objetos sociais resultantes da interação linguageira (MELLO,

2005). A análise do discurso, utilizada neste trabalho apenas como ferramenta de análise

metodológica, visa compreender como uma mensagem é transmitida, explorando o seu

sentido (VERGARA, 2005). A análise do discurso possibilita, por meio da investigação de

textos escritos e da interação oral, compreender a passagem do subjetivo para o objetivo,

configurando-se em uma rica fonte de conhecimento sobre os fenômenos organizacionais

(CARRIERI; RODRIGUES, 2001).

Para González Rey (2005), na pesquisa qualitativa é de grande importância a compreensão do

processo de comunicação e do processo dialógico, visto que o homem permanentemente se

comunica nos diversos espaços sociais em que vive. Tal ênfase centra-se no fato de que

grande parte dos problemas social e humana expressa-se, de modo geral, na comunicação das

pessoas, de forma direta ou indireta. A comunicação é uma via privilegiada para se

compreender os processos subjetivos que caracterizam os sujeitos, assim como as diversas

condições objetivas da vida social que afetam o homem. Dessa forma, através do

entendimento da comunicação busca-se compreender as diferentes formas de expressão

simbólica utilizadas pelo sujeito, que se configuram como vias para o estudo da sua

subjetividade.

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Faria e Linhares (1993) enfatizam a importância do discurso, compreendido como a

combinação de elementos lingüísticos utilizados como forma de expressão de pensamentos e

de ação no mundo. Para Maingueneau (2005), o código linguareiro é individual, representa as

visões de mundo de cada sujeito.

Na análise do discurso, destacam-se as relações que a linguagem mantém com a ideologia. A

ideologia é um fenômeno da realidade “que oculta as relações mais profundas e expressa-as

de um modo invertido. A inversão da realidade é a ideologia” (FIORIN, 2005, p. 29). Não há

um conhecimento neutro, pois este sempre expressa o ponto de vista de uma classe. Como

afirma este autor, “uma formação ideológica deve ser entendida como a visão de mundo de

uma determinada classe social, isto é, um conjunto de representações, de idéias que revelam a

compreensão que uma dada classe tem do mundo” (FIORIN, 2005, p. 32). Essa visão de

mundo se reproduz, então, por meio do discurso. As formações ideológicas ganham existência

nas formações discursivas, ou seja, na linguagem, entendida em seu sentido amplo de

instrumento de comunicação verbal e não-verbal. Por formação discursiva entende-se que esta

[...] é ensinada a cada um dos membros de uma sociedade ao longo do processo de aprendizagem lingüística. É com essa formação discursiva assimilada que o homem constrói seus discursos, que ele reage lingüisticamente aos acontecimentos. [...] Assim como uma formação ideológica impõe o que pensar, uma formação discursiva determina o que dizer (FIORIN, 2005, p. 32).

Dessa maneira, a formação discursiva deve ser compreendida, a fim de se depreender as

determinações ideológicas que nela se materializam. A análise do discurso se propõe a

desvelar a visão de mundo dos sujeitos inscritos no discurso. Para tanto, faz-se necessário

compreender sua estrutura. Nesse sentido, é importante a diferenciação do que corresponde à

sintaxe e à semântica discursiva. Fiorin (2005) afirma que a sintaxe discursiva compreende

aspectos como a introdução, ou não, da primeira pessoa no discurso e a utilização de discurso

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direto, indireto e indireto livre, dentre outros. São estratégias argumentativas utilizadas a fim

de persuadir o leitor, garantindo ao discurso efeito de verdade. Já a semântica discursiva é o

campo da determinação ideológica.

Há no discurso, então, o campo da manipulação consciente e o da manipulação inconsciente. A sintaxe discursiva é o campo da manipulação consciente. [...] O campo das determinações inconscientes é a semântica discursiva [...]. A semântica discursiva é o campo da determinação ideológica propriamente dita. Embora esta seja inconsciente, também pode ser consciente (FIORIN, 2005, p. 18-19).

Para a compreensão do discurso e de sua relação com a ideologia, é fundamental o

entendimento de duas dimensões: a interdiscursividade e a intradiscursividade. Todo discurso

é atravessado pela interdiscursividade, uma relação multiforme com outros discursos, em

geral, categorias de oposição. O discurso remete a uma concepção no qual se constrói e a uma

oposição desta concepção. Faria propõe “a oposição como categoria para análise das relações

entre o intradiscurso e o interdiscurso; essa categoria analítica permite, a partir de um dado

discurso, caracterizar o outro discurso, a outra ‘visão de mundo’ em oposição à qual aquele

discurso dado se constitui” (FARIA, 2005, p. 257).

Para perceber o contexto interdiscursivo no qual o texto se insere, deve-se tomar como base o

intradiscurso presente na narrativa, ou seja, as trajetórias de sentidos desenvolvidas ao longo

da narrativa, os percursos semânticos. Na percepção dos percursos semânticos, é importante

desvelar os temas e figuras observados, bem como os aspectos explícitos, implícitos e

silenciados no decorrer do discurso. As metáforas e metonímias são também elementos

importantes presentes no intradiscurso que indicam suas relações com a interdiscursividade e

sustentação da argumentação discursiva. As metáforas e metonímias são dados lingüísticos

que contribuem para a formação do plano de discurso proposto do enunciador ao enunciatário.

A metáfora reside na relação comparativa, ao passo que a metonímia expressa relações de

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contigüidade entre parte e todo, e vice-versa (FARIA, 2000). Carrieri (2001) reconhece que a

utilização das narrativas e das metáforas construídas pelo sujeito é valiosa fonte de

informação sobre os fenômenos organizacionais, destacando que ambas resultam de um

processo, de uma construção social da realidade na qual os sujeitos e os grupo estão inseridos.

O autor enfatiza também sobre a importância das metáforas como meio de compreensão da

apreensão que os sujeitos têm da realidade, além de possibilitar o entendimento dos universos

simbólicos envolvidos.

Na análise discursiva, é de grande valia identificar também as estratégias de persuasão

ideológica presentes no discurso. Faria e Linhares (1993) identificam como estratégias de

persuasão importantes: as personagens discursivas, as relações estabelecidas entre as

afirmações explícitas e as implícitas, o silenciamento sobre determinados temas e a seleção

lexical. Os autores afirmam que as estratégias discursivas de persuasão ideológica constituem

parte da formação discursiva – ou seja, do que é socialmente dito, do que deve ser dito, da

visão de mundo do sujeito. O entendimento das relações descritas é importante para se

compreender o discurso em profundidade.

Concluindo, compreende-se a dimensão discursiva como uma perspectiva da subjetividade,

como produção essencial desta, sem, no entanto, desconsiderar outras dimensões do subjetivo

e tampouco o sujeito individual em sua capacidade geradora e crítica em relação aos aspectos

discursivos em que transita (GONZÁLEZ REY, 2005). A análise discursiva é utilizada neste

trabalho é como ferramenta, auxiliando na compreensão do tecido informacional produzido

pelos sujeitos.

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A análise dos depoimentos das entrevistas e das fontes documentais foi norteada por um

roteiro de análise do discurso5. Dessa forma, buscou-se identificar aspectos como: seleção

lexical utilizada, temas e figuras (explícitos ou implícitos) recorrentes, principais percursos

semânticos, discurso(s) presente(s) no texto, principais aspectos ideológicos defendidos no(s)

discurso(s), principais aspectos ideológicos combatidos no(s) discurso(s) e posição do

discurso hegemônico no texto, com relação aos discursos hegemônicos na sociedade em que

ele se situa.

3.2 A entrada em campo

Para a concretização empírica da pesquisa, realizou-se, inicialmente, contato com quatro

organizações familiares, localizadas em um mesmo município do estado de Minas Gerais.

Primeiramente, era necessário que a empresa fosse de cunho familiar. Para tanto, foram

consideradas empresas cuja propriedade e gestão encontram-se concentradas na família.

Favoreceu a escolha o fato de a pesquisadora ter contatos próximos aos gestores, os quais

puderam atuar como facilitadores no processo de aceite em participar da pesquisa.

Uma das organizações contatadas não autorizou entrevistas com os membros da família;

apenas permitiu que fosse entrevistada a gerente de Recursos Humanos. Dessa forma, os

dados desta entrevista não se encontram na análise da dissertação, visto que a impossibilidade

de contato com os familiares inviabilizou sua utilização no trabalho.

5 Roteiro desenvolvido por Faria, A. A. M. (2006), fornecido aos alunos da disciplina Seminário de Tópicos Avançados em Análise de Discurso: Discurso e Ideologia do Programa de Pós-graduação em Estudos Lingüísticos da Universidade Federal de Minas Gerais

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Os contatos ocorreram entre julho de 2007 e janeiro de 2008, segundo a disponibilidade dos

depoentes. Algumas entrevistas tardias foram feitas no decorrer do trabalho de análise,

concomitantemente ao processo de reflexão e construção da pesquisa.

O primeiro contato ocorreu na organização 1. Todas as entrevistas foram realizadas nas

dependências da empresa, nas salas dos respectivos entrevistados. Também houve conversas

informais com a responsável pelo Setor de Recursos Humanos, que auxiliou no agendamento

das entrevistas e forneceu informações sobre o funcionamento da organização: atividades

diárias e processo de produção, dentre outros. A pesquisa no website da empresa também

auxiliou em relação a estes aspectos.

Na organização 2, foram feitas diversas visitas, tanto para o conhecimento da empresa como

para realização das entrevistas. Os gestores mostraram-se bastantes disponíveis, atenciosos,

solícitos e dispostos a contribuir ao máximo para a riqueza da pesquisa. Na primeira visita, foi

apresentado todo o processo produtivo da empresa, explicado minuciosamente por uma das

filhas do fundador. Também foram apresentadas as dependências físicas, escritórios,

refeitório, etc. Durante a visita, foi servido o café no refeitório da empresa. Também nessa

visita inicial conversou-se com o fundador e com sua filha do meio (que orientou a visita). As

conversas não se basearam em nenhum roteiro anteriormente estruturado, no entanto as

informações ali relatadas foram utilizadas no processo de análise (o gravador foi utilizado em

alguns momentos). Posteriormente, foram agendadas entrevistas em dias alternados, de

acordo com a disponibilidade dos sujeitos, sendo realizadas nas dependências da empresa, na

sala de reuniões. Apenas uma das entrevistas não foi realizada na empresa, visto que esta

pessoa encontra-se desligada da organização, e sim no estabelecimento de comércio de sua

propriedade, onde hoje trabalha. Também foram analisados vídeos institucionais, material

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interno disponibilizado sobre o planejamento estratégico, organograma da empresa, fôlderes,

website e matéria em revista sobre a organização.

Na organização 3, os contatos foram diversos. As entrevistas com os membros da família que

ainda atuam na organização foram realizadas em dias alternados, nas dependências da

empresa – mais especificamente, na sala de reuniões. O processo produtivo e outros aspectos

administrativos da organização também foram apresentados ao longo das visitas. Foram

disponibilizados “jornaizinhos” de circulação interna, além de indicações de livros que

abordavam sobre a história da empresa. Também se recorreu ao website. As entrevistas com

membros da família que não atuam na empresa foram realizadas nas respectivas residências.

As visitas às residências foram bastante proveitosas. A informalidade do local propiciou aos

sujeitos tranqüilidade no relato das informações. Soma-se a isso a maior disponibilidade de

tempo para as entrevistas, que tiveram mínimas interrupções (no ambiente de trabalho há,

algumas vezes, necessidade de pausas para atender o telefone, resolver assuntos de urgência,

etc). Durante as entrevistas nas residências, pôde-se ter acesso a fotografias de família e

material bibliográfico sobre empresa mantido no arquivo pessoal de um dos depoentes.

O capítulo seguinte analisa as histórias dos sujeitos das três organizações. Como foi solicitado

sigilo em relação à identidade por alguns depoentes, optou-se pela utilização de nomes

fictícios para todos os casos em questão. Dessa forma, tanto o nome do respondente como da

organização foram substituídos, a fim de resguardar a identidade dos sujeitos. Com os

mesmos propósitos, também foi omitido o nome da cidade na qual as empresas se inserem. As

organizações 1, 2 e 3 foram caracterizadas apenas pelo seu segmento industrial, sendo assim

chamadas por “Curtidora”, “Estamparia” e “Metalúrgica”, respectivamente.

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4 ANÁLISE DAS HISTÓRIAS

4.1 Organização 1 – “A empresa é uma família”

4.1.1 Contextualização da organização 1

A organização 1, aqui designada por Curtidora, foi fundada em 1960. Sua atual gestão é

formada pelos três filhos do fundador. Inserida no segmento de beneficiamento de couro,

encontra-se hoje em nítida expansão. Com uma equipe de 282 funcionários, a Curtidora

possui negócios não apenas no Brasil, mas principalmente no exterior, com cerca de 70% das

vendas destinadas ao mercado internacional, principalmente Europa e Ásia. A empresa produz

couro para calçados, artefatos, acessórios, vestuário e estofamento, além de artigos em wet-

blue, semi-acabados e acabados, em flor e raspa.

A análise da história da organização mostra uma empresa de nascimento modesto e que se

consolidou com o passar do tempo. De grande tradição na comunidade em que se insere, é

fortemente ligada à imagem da família e principalmente à do fundador, figura que transmite

rigidez e conservadorismo, que podem ser atribuídos à cultura de sua região, à época em que

nasceu e à formação: tendo estudado até o 3º ano do ensino primário, filho de sapateiro, inicia

sua vida profissional como servente de pedreiro.

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A empresa vivencia no momento um período de transição. A sociedade entre irmãos foi

recentemente destituída, pois o filho mais velho do fundador comprou as ações que antes

eram repartidas entre os irmãos, sendo hoje o único proprietário do negócio. No entanto, seus

irmãos continuam na empresa, exercendo os mesmos cargos de diretoria que antes já

ocupavam. O pai/fundador, já ausente do contexto societário há mais tempo, não se afasta da

empresa, fazendo visitas quase diárias e opinando sobre a gestão dos filhos. Infelizmente, não

houve abertura para que o mesmo prestasse seu depoimento. Também não houve abertura

para entrevistas com funcionários não-membros da família, fato que não prejudicou a análise,

tendo em vista não ser este o foco do estudo em questão.

4.1.2 As histórias

Foram entrevistados os três únicos filhos do fundador, todos inseridos no negócio em cargos

de gestão: Joaquim, Maria e João6, com idades de 48, 47 e 45 anos, respectivamente,

identificados, nessa ordem, como entrevistado 1 (E1), entrevistado 2 (E2) e entrevistado 3

(E3). A figura 1 e quadro 3 explicitam a organização da família e a caracterização dos

entrevistados. Na árvore genealógica, os membros da família marcados com um ponto são

aqueles que participaram das entrevistas, estando o nome do entrevistado demarcado abaixo.

6 Foram utilizados nomes fictícios para todos os entrevistados.

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Figura 1 – Árvore genealógica resumida da família da organização Curtidora

Fonte – Elaborado pela autora7

Quadro 3 - Descrição dos entrevistados Joaquim, Maria e João

Fonte: Elaborado pela autora

7 Inspirado em Barcelos (2007).

Joaquim Maria João

Nom

e

Entrevistado 1 – [E1]

Entrevistado 2 – [E2]

Entrevistado 3 – [E3]

Idad

e

48 47 45

Sexo

Masculino Feminino Masculino

For

maç

ão

2º grau completo Graduação em Direito 2º grau completo

Car

go

Diretor da indústria Diretora financeira Diretor comercial

Tem

po n

a em

pres

a

36 anos aproximadamente

30 anos 33 anos

aproximadamente

Fundador

Filho 1 Joaquim

Filha 2 Maria

Filho 3 João

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As falas dos entrevistados, compreendidas pela análise do discurso, remeteram a temáticas e

figuras recorrentes utilizadas pelos sujeitos. Inseridos no percurso semântico do trabalho,

pode-se depreender os seguintes temas: “trabalho braçal”, “trabalho infantil”, “trabalho

feminino”, “estudo”, “família” e “trabalho profissionalizado”. A análise buscou evidenciar os

discursos presentes, os principais aspectos ideológicos defendidos e combatidos no discurso e

a relação interdiscursiva observada.

A temática do trabalho braçal apareceu com bastante freqüência na fala dos entrevistados. O

trabalho braçal aparece como característica daquele realizado pelo pai/fundador na época da

fundação da empresa, conjugado com a luta e as dificuldade enfrentadas pelo mesmo para

conseguir seu patrimônio. O tema em questão caracteriza-se por um quadro típico quando da

fundação da empresa. Segundo Davel, Souza Silva e Fischer (2000) o desenvolvimento de

empresas familiares tem como característica, durante a fundação, a propriedade de um

indivíduo empreendedor, que tudo faz para alavancar o negócio.

[01] [...] ele começou a trabalhar como servente de pedreiro. Não estudou também, ele fez o grupo incompleto. Me parece que até o 3º ano. Mas aprendeu mais foi com a madrinha e tia dele, que na escola ele era muito vadio, muito moleque. Então ele não conseguiu completar o grupo e partiu mesmo foi para o trabalho. E em 1960 ele ingressou no negócio sem conhecer nada, com a cara e a coragem. Ele tinha feito uma poupançazinha porque ele evoluiu no trabalho de servente de pedreiro. Ele aprendeu a profissão de pedreiro e começou a tocar pequenas obras. Com isso ele foi criando um grupo, também de pedreiros e serventes trabalhando para ele. Então, ele conseguiu alavancar um primeiro degrau aí de suporte [...] [JOAQUIM]

[02] [...] Ele era um pedreiro. Pegou um dinheiro emprestado [...] até que ele foi conseguindo erguer a empresa. É uma pessoa batalhadora. Só viveu para trabalhar. Tá hoje com 80 anos, ainda está trabalhando. [MARIA]

Tais discursos remetem ao mito do herói fundador. A forma como a história da organização é

contada à maneira de um romance, mediante a exaltação do mito do herói fundador,

caracteriza-se como forma de alienação (ENRIQUEZ, 1997; FARIA, 2004b). Os indivíduos

sentem-se “hipnotizados” e se entregam aos ideais da empresa, tomando-os para si, sem

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questionamentos, o que pode ser percebido nas falas seguintes. Nelas, os valores relacionados

ao trabalho do pai são incorporados pelos filhos ao descreverem sua entrada na organização e

trajetória profissional. Desse modo, o esforço associado ao trabalho físico surge de forma

valorativa quando recordado pelos sujeitos. Além disso, observa-se que a socialização

primária (BERGER; LUCKMANN, 1985) dos filhos homens ocorre concomitantemente ao

trabalho na organização, pois os mesmos são levados pelo pai ainda criança para a empresa.

Dessa forma, a incorporação de valores relacionados ao pai e ao trabalho no negócio da

família foi precocemente interiorizada e, assim, mais fortemente enraizados na subjetividade

dos sujeitos.

[03][...] E eu era criança, queria ficar acompanhando o meu pai, ver o que que ele fazia, e fui tomando gosto pela coisa... [...] Começamos a trabalhar de peão, né, com exceção da Maria. Mas eu e o Joaquim trabalhávamos em piso de fábrica. [...] tinha vida boa, não. [JOÃO]

[04] Mas o meu pai foi um homem que colocou a gente na indústria desde criança, desde criança. Tinha que varrer chão, recolher o lixo, fechar portão de tarde enquanto ele resolvia as coisas no escritoriozinho que ele tinha. A gente tinha que estar fechando os portões, manter a indústria varrida todo dia porque ele sempre foi de muita limpeza. Então, essa era a rotina nossa. E comecei também fazendo pequenas tarefas de refilar couro, que é pegar uma faquinha e recortar as bordas dele, entendeu, para dar o acabamento... Também acumulava a tarefa de aguar a horta, que eu me recordo muito bem disso. Meu pai tinha uma horta muito grande. Acumulava a tarefa de aguar horta... [JOAQUIM]

Como se observa no trecho acima, a temática do trabalho braçal aparece aliada à do trabalho

infantil. Os entrevistados Joaquim e João, ambos do sexo masculino, descrevem sua inserção

na empresa como ocorrida desde que eram crianças, como algo natural e incentivado pelo

pai/fundador, que os colocava nas mais diversas atividades. Dessa forma, o trabalho na

empresa se inicia ainda na infância, amalgamado à socialização primária (BERGER;

LUCKMANN, 1985), ou seja, às formas iniciais de interiorização da sociedade. Além disso,

ao serem socializados no mundo do pai – neste caso, no trabalho na empresa –, os sujeitos são

também controlados e disciplinados, inseridos numa relação docilidade-produtividade

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(FOUCAULT, 1987) que os torna obedientes e eficazes conforme os comportamentos

desejados pela figura paterna. Tais padrões, ao serem interiorizados ainda na infância, tornam-

se fortemente enraizado nas subjetividades dos sujeitos – “a criança interioriza o mundo dos

pais como sendo o mundo” (BERGER; LUCKMANN, 1985, p. 188).

Em contrapartida, a inserção de Maria, única irmã, no negócio da família ocorre de forma

diferenciada, vista com maus olhos e preconceito por parte do pai, que, ao contrário da

conduta de incentivo tida com os outros filhos, retarda a entrada da filha na organização e

direciona-a para serviços administrativos. A dificuldade na aceitação do trabalho feminino

remete ao interdiscurso da subvaloração desta atividade e expressa questões culturais de

gênero de uma época (década de 1970) em que a atividade da maioria das mulheres remetia

ao serviço doméstico.

[05] A minha entrada foi difícil, porque na época meu pai não aceitava mulher trabalhar, porque a minha mãe sempre foi do lar. Então, foi muito complicado. Eu tive que peitar mesmo: “Eu quero”, “Não, você não pode. Lá não entra mulher”. E naquela época o escritório era muito pequeno. Não tinha, assim, departamento. Então, praticamente, quem trabalhava no escritório fazia tudo: era telefonista, era departamento pessoal, ia dentro da empresa, convivia com os empregados. Então, assim, tinha contato com os homens diretamente, e aquilo pra ele, na cabeça dele era um escândalo. Então, eu lembro que eu peitei mesmo e fiz um concurso na Brahma e passei. Aí falei: “Então, se o senhor não deixar eu trabalhar com o senhor eu vou trabalhar na Brahma”. Aí, ele falou: “Não, lá não pode de jeito nenhum. Então, você vem comigo porque aqui eu te olho8”. Aí começou meu histórico de empresa, foi quando eu tinha 17 anos. [...] Aí eu vim para o escritório... [MARIA]

Destaca-se neste trecho do discurso de Maria a relação de poder oriunda da figura paterna

como determinante de sua trajetória profissional e do vínculo estabelecido entre ela e a

empresa. A tentativa de trabalho em outra organização e a posterior vinculação da filha ao

negócio familiar podem ser percebidas como estratégias de resistência perante a relação de

poder instituída pelo pai que proibia o trabalho feminino na empresa (FOUCAULT, 2004;

8 Grifo nosso.

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SOUZA, 2004, CLEGG, 1994). O trecho destacado na fala acima “Então, você vem comigo,

porque aqui eu te olho” exprime a vigilância exaustiva, ilimitada, permanente e discreta, e

também a imposição de uma disciplina ligada ao controle da filha (FOUCAULT, 1979, 1987,

2004). Além disso, o discurso remete também à dominação feminina, preconizada por

Enriquez (1990), que afirma ser esta uma estratégia masculina para garantir e ampliar o poder.

Tal qual destacado por Lima (1999), ideais de respeito e obediência ao pai e obediência das

mulheres são valores preconizados no seio familiar que tendem a ser transferidos para o

trabalho na empresa. Além disso, observa-se um sistema cultural que estabelece primazia ao

homem, sendo este o indicado ao negócio, cabendo à mulher a “gestão familiar”. É presente o

preconceito tradicional atribuído à mulher (GRZYBOVSKI; BOSCARIN; MIGOTT, 2002),

no qual ela é tida como inferior ou desigual para assumir postos de comando nas empresas. As

diferenças nas relações de gênero apontam para práticas que refletem e distribuem

manifestações de poder e resistência – o gênero é uma forma de expressão das relações de

poder no espaço organizacional (CAPPELLE, et al., 2004).

Também no percurso semântico do trabalho destaca-se a temática do estudo. A ausência de

estudo, em concorrência da disciplina do trabalho braçal, aparece na fala dos entrevistados,

que lamentam não poder ter estudado mais em decorrência da autoridade paterna, que, por

valorizar mais o trabalho, pouco contribuiu para a continuidade prolongada da educação dos

filhos. Destaca-se nesse aspecto a relação de poder oriunda da relação pai-filho, na qual o pai,

ao assumir o papel de iniciador e educador, determina também as experiências do filho, o que

é bom e o que é ruim, o que é permitido e o que é proibido (ENRIQUEZ, 1990). Além disso,

o pouco estudo dos filhos pode contribuir para a permanência do poder do pai. Se os filhos

não estudam, não ameaçam ao pai, pois o poder permanece com ele. Os filhos ficam

submissos ao seu poder-saber (FOUCAULT, 1979), mantendo uma situação de submissão.

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[06] Ele abriu mão de estudar, no conceito dele, que era o oposto do conceito da minha mãe, para que a gente desse prioridade ao trabalho. [...] Então quer dizer, se meu pai tivesse tido no passado uma cultura de ter estudado os filhos, o sucesso seria outro, muito maior, muito maior, entendeu? [...] eu não tive a formação de capacitação pedagógica pra ser o profissional que gostaria de ter sido porque eu não tive a base lá atrás [JOAQUIM]

O tema da família é recorrentemente abordado nos relatos dos entrevistados. A preconização

de uma relação familiar harmoniosa na organização é veementemente defendida nos discursos

dos sujeitos como ponto positivo tanto para a vida familiar quanto para a sobrevivência da

organização.

[07] Porque a gente vê a família romper laços por causa do negócio. E a experiência mostra que você, na maioria das vezes, perde a família e perde o negócio. E para você preservar o negócio, o meu conceito é que você primeiro preserve a família. O negócio é uma conseqüência de preservar a família. [JOAQUIM]

Também a organização é percebida como uma grande família. Os laços familiares,

relacionados a sentimentos de “amor”, “dignidade” e “respeito”, ampliam-se para a esfera do

trabalho. O sentimento de família relacionado à organização configura-se como forte vínculo

subjetivo, que remete à possibilidade de realização e satisfação de necessidades de cunho

psicológico (FARIA; SCHMITT, 2007). Enriquez (1990) também defende que a imagem da

organização, tal qual a de uma família apresenta-se como importante forma de controle dos

sujeitos, garantindo submissão, admiração, reconhecimento e amor, de maneira que a

organização transpareça como imagem tanto da mãe que alimenta, como do pai protetor

(mesmo que castrador). Nessa perspectiva, também se destacam aspectos da análise sintática,

como a utilização de termos relacionados à afetividade, caracterizando um comportamento de

“pessoalismo” em relação ao trabalho, o que remete neste caso à influência de emoções

oriundas da família na empresa. Esta afirmação é ainda mais nítida no discurso de Joaquim,

que sintetiza a empresa na palavra família.

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[08] (Sobre o relacionamento com os irmãos depois que entraram para a empresa) Sempre para melhor. Sempre para melhor. Apesar de que a gente tá junto desde a infância, entramos no trabalho desde novos, nós não temos essa diferença... Aliás, tem, porque a minha irmã saiu e voltou. Pra nós foi uma alegria muito grande. Só melhorou porque ela foi embora, ficou dez anos fora e voltou9. Se a família não tem harmonia, quando ela volta, a primeira coisa que nós iríamos fazer é barrar a entrada dela, não é isso? Nós não só acatamos a volta dela como inserimos ela no contexto societário. [...] Então, quer dizer, só enriqueceu o convívio, só enriqueceu. [...] A empresa é uma família, entendeu? A empresa é uma família. Se não o é no todo, nós sempre buscamos que seja. A vida é uma família, né? [JOAQUIM]

[09] (Sobre o motivo de ocupar o cargo de diretora financeira) Foi definido porque sempre tem aquela idéia, né: quem mexe com dinheiro tem que ser da família. Então, foi definido assim. Foi ficando na minha mão, foi ficando na minha mão. Relação de confiança, família. [MARIA]

No entanto, a valorização da influência familiar na empresa aparece menos exaltada quando

da ocorrência de temas como “profissionalização” e “sucessão familiar”. Nestes casos, a

influência dos laços familiares, antes assimilada como benéfica, surge como interferência, que

pode ser prejudicial ao negócio. Nesse momento, metáforas como jogo, tabuleiro de xadrez e

locomotiva são utilizadas, reforçando a idéia da racionalidade na empresa, em contraposição

aos valores afetivos relacionados à família outrora percebidos.

[10] A minha meta é profissionalizar a empresa. Nós estamos trabalhando hoje para profissionalizar a empresa. [...] E o tabuleiro de xadrez aqui dentro da empresa, a nível de funções, ele tá bem arquitetado. O plano tá muito bem formado. As peças estão muito cimentadas nas posições que ocupam. O jogo ta bem traçado, entendeu? (Sobre a influência da família na organização) Influencia negativamente porque a pessoa não pode estar tomando as decisões, direcionar uma locomotiva que é uma empresa e buscar o trilho que quer, que é o caminho, ou buscar o norte da empresa, o nicho de mercado se ela não tem conhecimento do caminho o qual ela tá buscando ir, entendeu? [JOAQUIM]

Outro ponto de destaque refere-se à entrada dos filhos dos entrevistados – a terceira geração –

na organização. Ora percebida como indesejada, ora como desejada, observam-se no discurso

9 Maria casou-se e foi residir no estado de Goiás, mas regressa, segundo ela, devido à contaminação por césio ocorrida na época, na localidade.

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dos sujeitos reflexos da contradição positividade versus negatividade da influência familiar na

organização.

[11] Eu não gostaria que eles entrassem na empresa. Gostaria que eles estudassem e fossem conduzir a vida por si próprio. Mas se tivesse que entrar eu ia dizer para eles que é uma empresa familiar, que pode ter alguns problemas de sucessão, principalmente na terceira geração. [...] A gente tem assistido aí no mercado é que muitas famílias, muitos filhos ficam focado na empresa familiar. Às vezes, esquecem de outros caminhos, até de se formar e procurar seu próprio caminho. A carga fica pesada em cima da empresa. Afinal, são muitas pessoas ali em cima, com retiradas altas, com altos salários, e no final a empresa não agüenta, não suporta, entendeu? Então é por isso que eu coloquei que se cada um procurasse seu caminho, eu preferiria. É por isso... [JOÃO]

[12] No fundo, no fundo, a gente sempre quer que o filho dê seqüência naquilo que o pai faz, seja um médico, um dentista, ou profissional da área industrial, qualquer que seja. Eu também não sou diferente, eu gostaria que eles viessem para cá. [JOAQUIM]

Interessante observar nesses depoimentos as divergentes opiniões em relação à vinculação ou

não da terceira geração à empresa. Enquanto Joaquim (o atual dono) é favorável a tal situação,

João posiciona-se contrário, desejando que os filhos sigam caminhos próprios, sem submeter-

se ao tio e primos, desejando assim livrar os filhos da teia familiar de poder. O termo

“problemas de sucessão” funciona como implícito, sugerindo que tal situação já ocorreu. Uma

questão que reforça tal afirmação refere-se ao fato de Maria e João terem vendido suas partes

na empresa antes que a segunda sucessão (que seria a entrada da terceira geração) ocorresse.

A venda das ações é justificada no discurso de João, que afirma que ele e seus irmãos já

vislumbram possíveis conflitos quando da entrada da terceira geração. “Irmão com irmão

combina; primo com primo, não”. Dessa forma, planejam que apenas um deles permaneça

“100% com os filhos”. No entanto, é silenciado em seu discurso e também no do irmão o

motivo pelo qual decidiu-se pela hegemonia de Joaquim na propriedade do negócio. Apenas

Maria justifica a venda de suas ações, que, segundo ela, se deu pelo fato de suas filhas (ela

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possui duas filhas), já universitárias, almejarem seguir por caminhos diferentes do trabalho

empresarial industrial. Dessa forma, achou mais sensato vender a sua parte.

Apesar do silenciamento no discurso dos entrevistados em relação a possíveis problemas de

sucessão que resultariam na venda das ações, é possível pensar em tal ocorrido, visto o desejo

de João para que os filhos não ingressem na empresa, alegando a probabilidade de ocorrência

de conflitos. Outra questão de destaque refere-se ao fato de João almejar que os filhos sigam

caminhos próprios (não quer que os filhos façam como ele fez), o que também funciona como

implícito de que ele não pôde seguir por outras áreas profissionais, vinculando-se ao negócio

da família. João refere-se à sua permanência na empresa utilizando o termo “vou ficando”.

Corroborando com as afirmações acima, uma possível análise do fato seria a de que o

entrevistado não possui outras opções profissionais senão o trabalho na empresa, e por isso

“vai ficando”. Mesmo já tendo vendido sua parte ao irmão, ele continua como empregado da

empresa, o que demonstra o desinteresse na propriedade do negócio, ou em seus filhos, que

são ainda crianças, tornarem-se herdeiros. Dessa forma, sua acomodação na posição atual

pode demonstrar sentimentos de incapacidade ou inabilidade para outra ocupação

profissional, fato reforçado nas poucas oportunidades de estudo quando mais novo (pois tinha

de privilegiar o trabalho em detrimento à educação formal escolar) e pelo fato de ter sido o

trabalho na empresa praticamente o único desempenhado em toda sua vida.

Destaca-se ainda o discurso amoroso, que funciona como poderoso controle social.

Configurando-se de forma entusiásticas, o controle pelo amor mascara as relações de poder

que se traduzem em situações de submissão, manipulação e alienação (ENRIQUEZ, 1990). A

idéia da empresa como uma grande família e permeada por sentimentos de afetividade, que

atuam no imaginário dos sujeitos, incutindo neles, sensações similares àquelas vivenciadas na

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relação familiar, pode se tornar “um meio eficaz de submeter e alienar o indivíduo à

organização” (FARIA; SCHMITT, 2007, p. 42).

[13] Amor... em tudo, amor... Amor mesmo, muito amor, em tudo, tudo, tudo, tudo amor. [...] porque a gente apaixona com o couro, a gente apaixona com o couro... [JOAQUIM] [14] Aí eu fui ficando, e a gente vai tomando amor [JOÃO]

Um controle social comum às falas dos três entrevistados refere-se à importância dada às

origens do fundador, seus ideais e toda a vida de dedicação ao desenvolvimento do seu

negócio. Tal fato é presente nas histórias dos três sujeitos, atuando possivelmente como fator

de vínculo dos três ao negócio da família. A continuidade ao legado do pai constitui-se em

uma situação de transmissão familiar, sendo esta não apenas material, mas também afetiva e

simbólica (CARRETEIRO; FREIRE, 2006). Dessa forma, o trabalho na empresa significa se

apropriar do “sonho do pai” dando-lhe prosseguimento, reproduzir os desejos paternos,

perpetuar a própria família.

Os três sujeitos entrevistados encontram-se vinculados à organização. No entanto, a

compreensão do vínculo relativo a cada trajetória apresenta nuanças particulares. No caso de

João, o assujeitamento às normas e valores da empresa familiar aparece como resultado de

devoção ao pai/fundador, sua história de vida e dedicação ao negócio (FARIA, 2007; FARIA;

SCHMITT, 2007). No entanto, os implícitos já citados, percebidos ao longo de seu discurso,

dão pistas de um possível desejo de seguir um caminho próprio, diferente da atuação no

negócio da família. Outra questão que corrobora esta afirmação é o fato de o mesmo ter

vendido suas ações ao irmão, abdicando do papel de proprietário do negócio. A filha do meio,

Maria, apresenta na análise de sua história, uma trajetória de busca de autonomia e resistência

à situação de controle e poder do pai, mediante sua inserção no negócio onde “mulher não

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entra”, o que também coaduna com uma busca de libertação da submissão feminina, conforme

já comentado. Em contrapartida, o vínculo de Joaquim com a empresa demonstra estar em

harmonia com as normas e valores da organização. Em todos os casos, ressalta-se o forte

vinculo subjetivo estabelecido entre os irmãos e a figura do pai/gestor. Tal situação se

configura como uma relação de poder, imbricada por sentimentos familiares e profissionais,

que irá atuar na permanência dos indivíduos na organização.

4.2 Organização 2 – “Mas eu não posso fugir daqui, porque é uma coisa que é da

família. Não tem como sair”.

4.2.1 Contextualização da Organização 2

A organização 2, referida neste trabalho como Estamparia, em decorrência do segmento no

qual atua, foi fundada em 1969. Surgiu na época com “data para acabar”. O fundador era

sócio de outra empresa, e a Estamparia surgiu para “fazer dinheiro” em determinado

momento. Naquele tempo, ele e seu sócio vislumbraram uma carência no fornecimento de

fornos para fogão a lenha no Nordeste e resolveram investir no negócio. O objetivo era

fabricar peças que atendessem ao segmento de mercado do sistema doméstico de

aquecimento. Havia no País deficiência no suprimento de energia elétrica. Em face dessa

situação, a empresa desenvolveu o forno, o cilindro para serpentina e a chapa térmica de

aquecimento a lenha, os quais, apesar do desenvolvimento tecnológico atual, continuam sendo

fabricados na empresa. Na década de 1970, a Estamparia agregou ao negócio a produção e

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distribuição de equipamentos de movimentação de materiais, como carros de tração manual

para a construção civil, a agropecuária e a jardinagem10.

Na década de 1990, os sócios desfazem a sociedade, ficando o atual presidente como único

proprietário da empresa, que se torna então uma organização familiar. Segundo depoimentos

de suas filhas, a separação se deu por motivos relacionados a conflitos de gestão. Devido às

brigas entre o fundador e o outro sócio, resolveram desmanchar a sociedade. O depoimento da

filha mais nova do fundador (sujeito descrito mais abaixo) evidencia traços desses conflitos

que marcaram o início da história da empresa e foram decisivos para a concentração da

propriedade com a família atual.

[15] [...] só que o meu pai com o Luiz11 nunca foram sócios de combinar muito bem, nunca foram. Com formas totalmente diferentes de se viver, de se administrar, pra tudo, totalmente diferente. Cada um com a sua competição. Então, começou-se as brigas, todo mundo sabe das brigas [...] Foi onde eles tiveram que determinar cada um ficar em algum lugar. [ALINE]

[16] Foi até a gente insistir na separação da sociedade porque não dava mais pros dois conviverem. Aí, é... então foi onde surgiu a idéia. Nós ficamos insistindo. Os dois começaram a brigar muito. [...] Aí, a Estamparia já estava feita no mercado, já estava conhecida com o carrinho de mão e tudo mais. Então, começamos a insistir com meu pai pra largar. O Luiz tem quatro filhas, meu pai, três filhas. Nós somos totalmente voltadas para o meu pai. Nós fomos criadas com ele. Não tem jeito de ser diferente. As filhas dele, são totalmente voltadas pra ele. Então, não tinha nada pra nós, sete mulheres darmos conta da outra empresa e da Estamparia juntas. Se dois não estavam dando certo, que dirá sete? [ALINE]

Atualmente, a empresa conta um número reduzido de produtos voltados para o sistema

doméstico de aquecimento, sendo a maior parte de sua atividade destinada à pintura

eletrostática e industrialização de derivados de produtos siderúrgicos, fabricando produtos

como carros de tração manual, caixas protetoras para hidrômetro e escadas de uso doméstico e

10 Informações obtidas de reportagem comemorativa do 35º aniversário da empresa, noticiada em veículo de comunicação local sobre aspectos econômicos do município (ano III- nº V – maio de 2003). 11 Nome fictício.

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profissional. A empresa conta hoje com cerca de 70 funcionários e ocupa uma área total de 48

mil m².

A organização passa por um momento de transição, no qual o fundador, hoje com 66 anos,

procura se desligar do cargo da presidência, voltando-se para o Conselho Administrativo. Sua

sucessão está sendo preparada de modo que sua filha do meio assuma a função de presidente.

A filha mais velha também trabalha na empresa, assumindo uma das diretorias. A mais nova

encontra-se atualmente desligada da gestão da organização, sendo proprietária de um

estabelecimento de comércio.

4.2.2 As histórias

As entrevistas foram realizadas com o fundador (atual presidente) e suas três únicas filhas.

Também foram entrevistados cinco funcionários da organização, não membros da família,

com tempo de serviço na empresa entre 27 e 34 anos, ocupantes dos seguintes cargos: gerente

de vendas, auxiliar de vendas, supervisor de logística, encarregado de expedição e embalador.

Os depoimentos destes entrevistados auxiliaram na compreensão da história organizacional e

de outros aspectos da realidade da empresa, visto o elevado tempo de serviço dos mesmos. No

entanto, seus relatos não foram utilizados no foco principal da análise, visto não se

enquadrarem na perspectiva do vínculo em relação aos membros da família com a

organização.

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A filha mais velha tem 41 anos e trabalha na empresa há 23 anos, sendo este seu único

emprego. Este é o mesmo caso da filha do meio, que possui 36 anos e há 20 anos trabalha na

empresa. A mais nova, com 34 anos, permaneceu na empresa por 13 anos, até o seu

afastamento, no ano de 2004. Todas as filhas, juntamente com o pai, são cotistas da empresa.

A entrevista com o fundador ocorreu para maior conhecimento da organização, sua história e

fundação, sendo importante para a compreensão da dinâmica organizacional e das histórias

das filhas. No entanto, estes dados não foram utilizados para o entendimento do vínculo, visto

que o fundador não se enquadra nessa perspectiva de análise. Para tanto, entrevistaram-se

então suas três filhas. A figura 2 e quadro 4 explicitam a organização da família e a

caracterização dos entrevistados. Na árvore genealógica, os membros da família marcados

com um ponto são aqueles que participaram das entrevistas, estando o nome do entrevistado

demarcado abaixo.

Figura 2 – Árvore genealógica resumida da família da empresa Estamparia Fonte – Elaborado pela autora12

12 Inspirado em Barcelos (2007).

Fundador José

Filha 1 Amanda

Filha 2 Adriana

Filha 3 Aline

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Quadro 4 – Descrição dos entrevistados Amanda, Adriana, Aline e José

Fonte – Elaborado pela autora

O discurso das entrevistadas perpassa por dois percursos semânticos: trabalho e família.

Ambos se encontram interlaçados, muitas vezes, por temáticas em comuns. O percurso

semântico do trabalho é marcado pelos temas da trajetória profissional e na empresa e pelo

tema da gestão do pai na organização familiar. No percurso semântico da família, destaca-se a

temática das relações com o pai no ambiente familiar.

No percurso semântico do trabalho, o tema da trajetória profissional das irmãs apresenta

diversos pontos de convergência. Inicialmente, cita-se a influência dos pais na escolha do

13 Foram utilizados nomes fictícios para todos os entrevistados.

Amanda Adriana Aline José13

Nom

e

Entrevistado 4 - [E4] Entrevistado 5 -

[Adriana] Entrevistado 6 - [E6] Entrevistado 7 - [E7]

Idad

e

41 36 34 66

Sexo

Feminino Feminino Feminino Masculino

For

maç

ão

Graduação em Letras

Graduação em Economia

Pós-Graduação em Gestão Empresarial

Graduação em Administração

2º grau completo

Car

go Gerente Administrativo

e de RH (em transição para o

financeiro)

Gerente Financeiro (em transição para presidência)

Gerente Comercial (antes do afastamento)

Diretor Presidente (em transição para o

conselho de administração)

Tem

po n

a em

pres

a

23 anos 20 anos 13 anos Desde a fundação

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curso superior. Eles fizeram pressão para que as filhas fizessem o curso existente na cidade

onde moravam, demonstrando facetas da experiência mais primitiva do poder, aquela que

ocorre na relação pai-filho (ENRIQUEZ, 1990, 2007; FREUD, 1974; FREUD, 1976). O pai

em seu papel de iniciador e educador define o que é bom e o que é ruim para o filho. Ao ser o

depositário da lei, transforma-se em um dominador em potencial, outorgando do filho a

capacidade de escolha. Devido a isso, por exemplo, Aline só foi cursar o que desejava,

Administração, quando este foi oferecido na cidade vizinha: “[...] eu sempre amei o curso.

Administração é tudo na minha vida”. A filha mais velha só atualmente pode fazer um curso

na área que realmente gosta (arte, decoração), devido à subordinação outrora apresentada em

relação aos desejos do pai. Hoje, faz o curso de Design de Interiores, segundo ela, “porque

realmente é alguma coisa que eu gosto de fazer”. No entanto, freqüenta o curso “só aos

sábados, para não atrapalhar o andamento” da empresa. A relação de poder paterno expressa-

se desde a escolha profissional na juventude até sua relação com o curso atual, o qual é

colocado num segundo patamar, sendo segundo ela, “levado em paralelo” com a empresa.

[17] [...] na época que eu fui pra fazer o vestibular, aquele negócio todo, meu pai falou que eu não podia ir pra Belo Horizonte estudar Belas Artes. Nada desse negócio, não. Naquela época era só ou medicina ou veterinária. Então, vou ficar por aqui mesmo porque eu não quero nenhuma dessas coisas. Então, fui enrolando. Eu fiz mais um curso de segundo grau, terminei o magistério, comecei a fazer contabilidade porque eu já tava aqui dentro. Então, aí depois passou muito tempo que eu estudava. Eu queria fazer vestibular, aí minha mãe falou: “Vai fazer!” Aí, fui fazer Letras que eu estudei inglês muito tempo. [AMANDA]

Sobre a entrada na empresa da família, todas as filhas tiveram sua primeira experiência

profissional na empresa, por volta dos 16 anos. No início, exerciam atividades mais simples

como atendimento de telefone e serviços de office-boy, dentre outros, passando, em geral, por

todas as áreas da empresa. Ressalta-se a entrada na organização como algo “automático”,

natural, como que inerente aos indivíduos que possuem negócio familiar. Tal situação reflete

o caráter discreto e subliminar das relações de poder (FOUCAULT, 1987). Ou seja, o poder

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se configura de modo que o sujeito nem sempre toma consciência dele, como no caso – é

“natural”. Além disso, o fato de trabalhar no negócio da família, como se isso fizesse parte da

“natureza natural das coisas”, atua como uma justificativa que mascara relações desiguais. Tal

comportamento relaciona-se ao mascaramento da luta pelo poder, que se dá pela justificação

(a desigualdade é algo natural) ou pela negação (não há desigualdade de poder) (ENRIQUEZ,

2007). Apesar disso, observam-se na fala de Aline indícios de uma conscientização de que a

entrada na organização como algo “automático” não é fato tão “natural”, tendo em vista a

metáfora utilizada pelo sujeito, “cair de helicóptero” na empresa, que remete a algo imposto

às filhas, sem que houvesse um desejo anterior ou busca e planejamento por este caminho.

[18] Nós três caímos lá dentro da Estamparia de helicóptero, entendeu? Você nasceu naquela família, você cai lá dentro automaticamente. Por que que você vai procurar emprego? Por que você vai trabalhar pra alguém se você tem um negócio que é seu? Não vai! Nem pensa. É automaticamente. Fez dezoito anos. Na verdade, foi dezesseis. Cai lá dentro. [ALINE] [19] (sobre a entrada) [...] foi no susto, mas automaticamente porque as pessoas assistem, a família tem alguma coisa automaticamente você vai trabalhar no negócio da família, e foi o que aconteceu comigo. Foi praticamente automático. Quando eu entrei, foi praticamente automático. [AMANDA]

Em relação à trajetória de cada uma na empresa, as histórias se divergem. A filha mais nova

enfatiza o gosto pelo trabalho na organização. Relata que gostou do trabalho, e daí não quis

mais sair. Ela afirma sua tendência e gosto pela Administração como algo inato: “Você nasce

desse jeito”. Isso está enfatizado, várias vezes, na metáfora “está no sangue”, fato, segundo

ela, herdado de seu pai. “A tendência administrativa do meu pai é toda minha”. O gosto pelo

trabalho na empresa pode ser percebido como fator de transmissão familiar, como uma

herança imaterial, simbólica, afetiva, que mantém forte ligação da filha com o pai

(CARRETEIRO; FREIRE, 2006). Sua predisposição e sua disposição para a gestão são,

freqüente e fervorosamente, enfatizadas em seu discurso, no qual se orgulha de feitos

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realizados em sua gestão que surtiram lucro para a empresa. Era a filha mais indicada a

suceder o pai na organização, fato que não ocorre devido ao seu desligamento da empresa.

[20] […] a Aline ama. Aline ama, ama. É o que ela nasceu para fazer. [...] É a pessoa que tem mais perfil é a Aline. Ela é o meu pai de novo. Ela é dinâmica e ela corre atrás... A gente sabia que ela ia assumir o lugar dele. [ADRIANA]

A saída de Aline ocorre devido a sérios conflitos em relação à gestão do pai, que acarretaram

grandes frustrações e descontentamentos no trabalho. Segundo ela, tais conflitos começaram

quando ela foi cursar a formação gerencial. Afirma que o estudo pôs em xeque a admiração

ora cultivada pelo pai. Daí surgiram conseqüências negativas não apenas na empresa, mas

também no ambiente familiar. Além disso, cita que após começar a estudar Administração e

assumir uma posição de sucessora, tomando frente em questões da empresa, “começou-se a

briga pelo poder”. Os conflitos do pai em relação à filha que estuda sobre gestão e intenta

sucedê-lo na organização remetem a um posicionamento de defesa diante da possibilidade de

perda de poder, suscitado, inclusive, pela possibilidade de perda do poder-saber

(FOUCAULT, 1979), visto que a filha põe em xeque os saberes do pai na organização,

saberes que sustentam sua posição de controle.

[21] Então quando eu fui pra formação gerencial, ate então meu pai era meu ídolo. Aí, quando eu comecei a ver as coisas, eu comecei então a achar que já que eu fazia o curso que eu tinha direito e obrigação de levar pra dentro da Estamparia, começaram os conflitos por aí. [...] Fui tomando a minha posição ali na empresa. E, na medida em que eu fui tomando, os conflitos com meu pai aumentaram, porque o dia que eu fazia qualquer coisa que ele percebia que foi bom, ele falava assim com a gente: “Foi péssimo! Você não podia ter feito. Você tinha que ter me perguntado. Afinal de contas, quem manda na Estamparia ainda sou eu”. [...] “Afinal de contas, o dinheiro que está aqui dentro é meu.” Todo dia a história era a mesma. Então, começou-se a briga pelo poder14 . Chegava num ponto, chegava domingo à noite, eu começava a chorar porque eu não queria trabalhar de jeito nenhum. Eu não agüentava mais a Estamparia. Eu não agüentava mais o ambiente. [ALINE]

14 Grifo nosso.

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A irmã do meio também afirma gostar do trabalho na organização. Atualmente, ela passa por

um período de transição na empresa, pois vem sendo preparada para assumir o lugar do pai na

sucessão. Com a saída da irmã mais nova, a provável sucessora, Adriana encontra-se diante de

um grande desafio, para o qual vem, em um curto período de tempo, preparando-se, fato que

lhe causa certa ansiedade:

[22] Nada fala com você que eu não goste. Eu gosto, muito, mas pesou a responsabilidade porque era uma coisa que era para ser mais dividida. E aí começou a direcionar pra mim [...]. [...] de repente apareceu uma responsabilidade muito grande pra mim, porque era uma coisa que era para ser dividida entre eu e a Aline. Ficou só para mim, porque ela está magoada. Ela não aceita nem pisar aqui. Hoje, ela vai lá naquele portão, mas vai lá no portão e pede para me chamar. Ela não entra. Então, hoje ficou a responsabilidade pra mim. Então num período aí de um ano eu tive que abraçar tudo. [ADRIANA] [23] (...) a Adriana está aprendendo agora, a duras penas, sabe, faz até dó. Porque você olha pra Adriana, tem dia, que está desesperada. E é um caso assim, fácil de resolver, mas não está no sangue. [ALINE]

Já a irmã mais velha mostra-se insatisfeita com o trabalho: “Não morro de amores por

Administração. Não é a minha área. Não sirvo para isso”. Diante de sua insatisfação, Amanda

procura estar nos bastidores da organização, exercendo funções burocráticas e operacionais,

ficando, segundo ela, “no meio do caminho”, expressão que reforça sua inadaptabilidade à

atividade profissional. Apesar de não gostar do trabalho, ela permanece na empresa sem

motivação para assumir uma postura gerencial e de liderança, nem galgar uma ascensão

profissional na organização.

[24] Então, eu sou muito mais de ficar nos bastidores do que ir pra frente, de dar ordem, sabe, aquela coisa de estar pensando: eu não consigo. Faço, às vezes, sou focada pra fazer muitas coisas, mas assim, me troca. Eu prefiro ficar lá no operacional fazendo, pagando, sabe? Vai em banco, essa parte do administrativo que eu acho chato, estar sempre olhando, encaminhando, um passo à frente. Pra mim, é mais complicado. [AMANDA] [25] Ela fala claramente (que não gosta do trabalhão na empresa). Ela tá fazendo até terapia. Ela não gosta, ela chora, ela não quer. Tudo que pede para ela fazer ela xinga, ela reclama. Ela faz funções operacionais e aquela assim que não tem jeito mesmo. Ela não gosta. Ela deixa claro: ela gosta de artes. Amanda nasceu para

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fazer... ela está fazendo agora no INAP, que não tem nada a ver: decoração. Mas é o que ela gosta. E a gente não pode atropelar, não, sabe. Ela já foi muito atropelada. [ADRIANA]

Aline atribui a estada da irmã na empresa ao comodismo. Segundo ela, a permanência da irmã

na organização ocorre pelo vínculo econômico: “A Amanda está lá pelo seguinte, porque ela

já tem uma estabilidade financeira [...]. Ela só fica pelo lado financeiro”. Ressalta que esta

permanência no negócio da família se reflete em frustrações para a irmã, somada a outras não-

realizações em outras esferas da vida: “Por que a Amanda tem depressão direto? Porque ela

nunca está satisfeita com o que ela faz. A Amanda está lá. Ela não tem nada na vida dela que

ela realizou”.

No entanto, Aline ressalta que a irmã deveria “aprender a gostar”: “Amanda, se dá dinheiro,

se o negocio é seu, vai para um psicólogo, vai para um psiquiatra, quem você quiser, e exija

de você aprender a gostar”. O discurso de Aline para com a irmã ressalta seu posicionamento

a favor da subordinação e conformação da mesma aos padrões do trabalho na administração

da organização da família. Ou seja, seu assujeitamento, que impede suas possibilidades de

auto-realização em outras atividades. Esse aspecto de seu discurso entra em oposição em

relação ao seu posicionamento diante de seu próprio percurso na empresa, onde é defendida a

necessidade de saída da realidade profissional tensa e conflituosa da organização familiar, tal

qual ela o fez.

A temática da gestão do pai é caracterizada como autoritária, marcada pela imposição de

vontades, permeada de conflitos oriundos das relações de poder. O uso da metáfora “ele tem

que ter só índios e ele, o cacique” ressalta a afirmação.

[26] [...] meu pai não admite erro, né. A perseguição, o perfeccionismo e a cobrança muito grande. [ALINE]

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[27] O meu pai tem um papel de autoridade muito grande. Uma das coisas que me impediu de crescer mais é o excesso de autoridade do meu pai, porque ele não admite erros, ele é extremamente centralizador. [ADRIANA]

O autoritarismo é presente não apenas no relacionamento com as filhas no trabalho, mas no

trato com os funcionários em geral. Estes demonstram sinais de resistência em relação à

política do “berro”.

[28] [...] eu comecei a descobrir internamente tantos problemas que a Estamparia vivia que eram relacionados com meu pai. Quantas máquinas nós tivemos quebrada? Quantos produtos não chegaram na expedição a tempo de faturar e expedir? Quantos problemas de chapa não chegaram a tempo e a hora? Eu fui descobrir, ao longo do tempo, que era só boicote. A gente achava que funcionário, porque meu pai era bravo, funcionário andava só certo. Boicotaram meu pai muitos anos. O boicote até hoje. Cada vez que ele berra, o boicote tá pronto, armado. [...] Ele vence tudo no berro. [...] Ele berra. [...] “O senhor grita, pai. Para que o senhor grita?” [ALINE]

Aline afirma que os conflitos gerados pelo autoritarismo e pela imposição da vontade do pai

estão relacionados a questões de poder, refletindo uma inabilidade do mesmo em tratar as

questões relacionadas à sucessão e à idéia de ser substituído por outra pessoa que pode fazer

melhor ou tão bem quanto ele, o que acarretaria a perda do saber que sustenta a sua posição de

poder (FOUCAULT, 1979). As outras entrevistadas também afirmam sobre o autoritarismo

da gestão do pai.

[29] Então, eu tinha ou que ter ficado menos esclarecida a respeito de administração, que ele seria meu ídolo eternamente. Eu não sei qual que seria a situação da Estamparia, com relação a funcionário, o que que teria dado, mas que eu e ele estaríamos muito bem, isso estaria. Eu seria submissa a ele eternamente sem preparar pra sucessão. [...] Porque então a única frase que a gente ouvia: “Aqui, quem manda sou eu. O dinheiro que ta aqui é meu.” [...] Então, ele é uma pessoa que tem tanto medo de perder o poder que ele prefere não te treinar. Ele não te treina, pra você não ser igual a ele nunca. Você tem que pensar sempre menos do que ele pra ele manter no poder.15 [ALINE]

15 Grifo nosso.

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[30] (...) ele é uma pessoa autoritária e ele não consegue. Tanto é que tem muita coisa na mão dele que ele não conseguiu delegar até hoje, entendeu? Então, é porque ele quer tudo debaixo da asa dele ali. [AMANDA] [31] Então quando você está perto de uma pessoa que é extremamente centralizador e que não admite erros você arrisca pouco, quase nada. Demora o processo seu. Esses dias atrás eu falei com ele: “Pai, deixa, me delega pequenas coisas. Se eu tiver que errar, eu não vou fazer nada que vá prejudicar a Estamparia. Se eu tiver que demitir algum funcionário, se eu tiver que ter alguma postura diferente, alguma decisão, sem ter que passar pelo senhor que não vá prejudicar, eu não sou doida que eu vou fazer alguma coisa que vá deixar a Estamparia numa situação complicada”. São situações corriqueiras do dia a dia. Então, ele tá fazendo um esforço enorme para mandar para mim as coisas. [ADRIANA]

As dificuldades de relacionamento com o pai no trabalho são enfatizadas nas escolhas lexicais

guerra, cacique, berro, grito, mandar, vigiar, brigar, xingar, ser tratada igual cachorro e

falta de humildade, dentre outras. As características do pai/gestor enumeradas pelas filhas

remetem à figura de liderança narcísica (PAES DE PAULA, 2003). A autora, baseada em

estudo de Ket de Vries e Miller (1990), afirma que tal liderança é caracterizada por uma

necessidade intensa de poder e prestígio, dentre outras disposições narcisistas, necessitando

explorar / subjugar o outro para satisfação de seus próprios desejos, descrição que coaduna

com o perfil do pai traçado pelas filhas.

Além disso, o relacionamento familiar é constantemente inserido no ambiente empresarial, o

que constitui mais fonte de conflitos. No entanto, as irmãs consideram a influência da vida

afetiva na organização como algo inevitável, sendo difícil separar a esfera familiar da

vivência empresarial. Em oposição ao discurso das filhas, o discurso do pai prega que tal

inter-relação não acontece ou é evitada ao máximo para não ocorrer: “Coisa da empresa é

coisa da empresa; família é família. A gente não deixa a coisa misturar de jeito nenhum”. O

discurso do pai busca neutralizar a influência da família na organização, numa tentativa de

exclusão do conflito, buscando em seu discurso transparecer a funcionalidade harmônica do

sistema (DAHRENDORF, 1980).

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[32] [...] todos os problemas que tem dentro de casa são levados pra empresa, 100%. [...] No livro fala o seguinte: que coração a gente tem que ter um fora da empresa e um dentro. Dentro da empresa as coisas não podem misturar. [...] isso é balela, porque você leva todo sentimento lá pra dentro, sim. [ALINE] [33] [...] mistura problema lá de casa com problema daqui, entendeu? E muitas vezes meu pai não consegue nos enxergar como profissionais aqui dentro. Às vezes, ele trata como filha mesmo e chama atenção como se fossemos só filhas, como se não fizesse parte de mais nada, como se eu tivesse dentro de casa, e isso estressa e isso atrapalha muitas vezes o andamento da coisa, porque, por mais que assim: “Eu não gosto, eu não misturo.” Misturar, ele mistura. Muito mais que eu e a Adriana, entre nós no trabalho aqui. Ele mistura mais porque ele esquece que nós já crescemos e que temos responsabilidade aqui e chama a atenção como se tivesse chamando a atenção só da filha dele, entendeu? [AMANDA] [34] Mistura sua cabeça tanto assim, O patrão e o pai, a punição do pai com o filho16. Dá aquela misturada boa, você fica assim: “Ele vai me chamar atenção”. [...] Porque o meu pai ele só me vê aqui como filha. Então, ele nunca vai... nunca consegue me enxergar aqui como profissional, e acontece a mesma coisa comigo. Ao invés de me chamar atenção em casa, ele chama minha atenção aqui, na frente. E isso todas as vezes causa um maior transtorno, uma maior dificuldade. Além de eu ter que trabalhar o meu profissional - tem muita coisa que eu não sei, tem muita coisa que eu tenho que aprender, tenho que voltar a estudar, estar sempre informada com tudo que está acontecendo no país. A gente tem sempre o desafio de estar provando que a gente pode ser, que a gente cresceu. Eu amadureci, eu posso ser, ter, dar algum retorno, eu posso dar conta. [ADRIANA]

O trabalho das filhas é tido como desvalorizado em relação ao trabalho de outros

funcionários: “As pessoas de fora têm valor, mas as de casa não precisa pensar”. O “não-

pensar” pode garantir ao pai o domínio do saber e a sustentação de seu poder perante as filhas.

As políticas de gestão são mais “duras” em relação às filhas, que, por serem da família, devem

trabalhar mais que os funcionários comuns. Cita-se como exemplo a ausência de período de

férias estendido. O trabalho na empresa permeado por relações tensas e conflituosas é tido

como fator de adoecimento psíquico.

[35] Então, assim, todo mundo tomava remédio pra stress e pra depressão. Para stress, para calmante. Eu tinha que tomar calmante senão eu sofria um troço. Então, assim, stress lá em casa ninguém nunca deixou de tomar remédio. Desde que nós trabalhamos lá, vinte anos de idade, que eu devo tomar remédio pra stress. Hoje, eu não tomo mais, não. Então, é o seguinte, é muito caro. Empresa familiar custa caro pra saúde da gente, no nosso caso. [ALINE]

16 Grifo nosso.

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A gestão do pai e sua relação com Aline no trabalho culminaram em sua saída da empresa.

Com enormes sentimentos de frustração e descontentamento em relação aos conflitos com o

pai e sentindo-se profundamente “ferida”, ela enfatiza o dia de sua saída da empresa como o

mais feliz da sua vida. Sua saída da organização acarretou o distanciamento do pai tanto no

contexto empresarial quanto no contexto familiar. Parou de freqüentar a empresa: “Não

passava nem mesmo na porta”, como também parou de freqüentar a casa do pai. O pai utiliza

artifícios financeiros para puni-la, como em uma tentativa de reafirmar o controle de

gestor/pai. Tal qual preconizado por Foucault (1987), a punição ocorre para aqueles que

transgridem a regra, de forma a padronizar o não-padronizado, disciplinar o não-disciplinado.

[36] E aqui na Estamparia nós tivemos um momento, nós estamos saindo de um momento de um grande conflito familiar e empresarial.[...] Todos os desentendimentos, desencadearam um grande desentendimento na empresa. Com isso a Aline teve, ela recuou... porque mexeu mesmo com os brios dela, sabe. Sabe o que é mexer? Pisou mesmo. A Aline então recuou e não teve outra alternativa que a Aline se afastar. [...] Eu estou te abrindo para você ver o que é uma empresa familiar. [...] Saiu com uma mão na frente outra atrás. Nem o salário que ela recebia aqui mais ela passou a receber. Foi uma forma que meu pai encontrou de punir17 a Aline, sabe. Então assim, foi cruel. [ADRIANA]

Além disso, aspectos positivos em relação à gestão de seu pai também são mencionados. Cita-

se o fato de ele ter construído o patrimônio sem ter cursado educação superior, possuir

tendência administrativa inata: “Tudo que meu pai administrou até hoje foi por natureza. Está

no sangue”. Além de seu enorme conhecimento sobre a empresa, também se destaca o uso de

lexemas como responsabilidade, seriedade, luta, esforço, que caracterizam aspectos positivos

da gestão do pai e do empenho empregado por ele na fundação da organização. Esta passagem

remete às características do fundador, sujeito empreendedor, trabalhador, que, de origem

modesta, empenha-se fortemente na edificação da empresa. O caso é semelhante ao ocorrido

na Organização 1. Conforme já destacado, a exaltação do mito do herói fundador e do herói

17 Grifo nosso.

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dirigente atua no imaginário dos sujeitos como instâncias de caráter mítico, funcionando

como forma de controle. Nestes casos, o indivíduo passa a incorporar os ideais do fundador e

da empresa, que irão unificar seu pensamento e seu comportamento (FARIA, 2004b).

[37] Meu pai teve uma vida muito difícil e isso fica em mim, sabe. Meu pai começou a vida dele como engraxate. Depois, ele foi caixeiro, ele vendeu doce. Então, ele tem uma infância muito pesada. Depois, ele foi taxista. E, depois, o meu avô era representante comercial. Ele falou: “José você tem que ir, que vai ser bom. Você vai ganhar dinheiro”. E ele começou. Mas meu pai sempre teve um tino muito grande para negócio [...]. E isso foi muito tempo. Eu nasci, cresci, escutando Estamparia, escutando a outra empresa, vendo meu pai sair 5h da manhã para acompanhar empregado chegando em turnos. Aquela confusão toda. [ADRIANA]

Os conflitos mencionados no âmbito da empresa repercutiram nas relações familiares,

caracterizando o segundo percurso semântico observado no discurso dos sujeitos: o percurso

semântico da família. Nele se destaca a temática das relações com o pai. A saída da Aline da

empresa abalou a estrutura familiar, como já mencionado, afastando do convívio do pai não

apenas ela, mas as filhas em geral.

[38] Então no que a Aline afastou ficou eu e a Amanda, por um período assim no silêncio, no vazio. Só que a empresa agüentou. Foi muito bem, mas a família estragou. [...] Aí, a empresa subiu, mas a família acabou. [ADRIANA] [39] Ele (o pai) ficava sozinho do amanhecer ao anoitecer. Ninguém sentava perto dele, ninguém conversava com ele. E isso acho que foi deixando ele mal. A família dele cobrava muito dele. Meu avô que foi o intermediador de todo tamanho. Então, meu avô falava pra ele: “Você tá perdendo família por causa de dinheiro, tá perdendo família por causa dos outros, tá dando bobeira. No final, o que vale pra gente é família”. [ALINE]

Outra faceta de destaque da relação das filhas com o pai refere-se ao fato de ele não ter tido

filhos homens. Segundo Amanda: “Ele sempre quis ter um filho... E tudo mulher!”. Aline

afirma que o pai sempre a tratou como homem, como o filho que não teve, delegando-lhe

responsabilidades e autonomia que não foram repassadas para as outras filhas. Acredita que,

devido a esse tratamento, pode “engrenar” na carreira profissional. No entanto, sobre este fato

diz: “Para mim, foi bom. Hoje, eu já melhorei. Já acho bom”. Ou seja, percebe-se

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implicitamente na sua fala que ela já achou ruim os desejos do pai em tratá-la como filho, fato

este que pode contribuir em sentimentos conflituosos em relação à figura paterna.

[40] Então, lá em casa, precisou de um homem. Meu pai fala que faltou um homem na vida dele e meu pai sempre me tratou como tal. [...] Então, eu podia tudo porque eu acho que a vida inteira ele me focou como um homem que ele não teve [...]. Então, ele, automaticamente, sem ele perceber, ele foi me colocando na função de filho, entendeu? [ALINE]

A vontade de ter tido filhos relaciona-se, no percurso semântico do trabalho, ao desejo do pai

de que fosse um homem o seu sucessor. Segundo o fundador, como “não veio o filho homem”

e como o genro não apresentou interesses pelo trabalho na empresa, pois já possui negócio

próprio, também familiar, restou-lhe aceitar a idéia de uma mulher na sucessão. Esta

passagem remete ao aspecto interdiscursivo das desigualdades na relação de gênero, no qual o

pai, imbuído por uma cultura conservadora e tradicionalista, almejava que fosse um homem o

seu sucessor, mesmo que este não fosse um filho. A desigualdade nas relações de gênero nas

empresas familiares é ressaltada por Lima (1999), que afirma que os homens são mais

desejados que as mulheres na sucessão do negócio, corroborando com um sistema cultural de

primazia masculina. Grzybovski, Boscarin e Migott (2002) defendem que a gestão feminina

nas empresas familiares vem despontando como fato em ascensão. Seus estudos confirmam

que habilidades relacionais, vinculadas historicamente ao papel da mulher no ambiente

doméstico, estão sendo valorizadas no ambiente empresarial, descaracterizando a imagem do

sexo frágil. No entanto, ainda afirmam que “apesar dos avanços ocorridos nas últimas décadas

em relação às mulheres que ocupam cargos gerenciais nas empresas, o preconceito e a

discriminação ainda são poderosas barreiras à presença feminina nos negócios”

(GRZYBOVSKI; BOSCARIN; MIGOTT, 2002, p. 186).

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Aline aborda também a relação do pai com seu casamento. Após o casamento da filha,

começou a exigir mais dela no trabalho, enfatizando que sua prioridade devia ser a empresa, e

não o marido. No entanto, a entrevistada ressalta que este discurso do pai entrou em

contradição com o discurso pregado antes de ela se casar, discurso que defendia que “mulher

nasceu foi pra acompanhar homem.[...] que a prioridade, a partir do momento que você casa, a

prioridade é o marido”. Segundo ela, esse discurso tinha como finalidade o controle da sua

mãe, no qual ele exige dedicação absoluta ao casamento. Dessa forma, o casamento de Aline

é percebido pelo pai como perda de domínio sobre a filha, o que o faz mudar a idéia outrora

defendida. O casamento é percebido pela filha como um forte gerador dos conflitos decisivos

para seu afastamento da empresa. Ao se casar, Aline quebra a relação primitiva do poder que

acontece na relação do filho com a figura do pai (ENRIQUEZ, 1990, 2007). A hostilidade do

pai no tratamento com a filha após o seu casamento, sem sombra de dúvidas, alude a uma

série de análises psicológicas que fogem ao escopo do trabalho. No entanto, destaca-se a

perda de poder, fato corroborado na atitude do pai em ser mais “linha-dura” com ela após o

seu casamento, como numa tentativa de resgate de controle.

[41] Meu casamento pra ele sempre foi uma situação, o seguinte, ele viu como perda de controle, me perder18. E isso irritou ele, irritou, entendeu? Então, ele queria manter, porque meu pai, para aceitar o casamento de uma lá, era complicado, porque ele pôs todo mundo de baixo da asa a vida toda. Então, o casamento pra ele, eu acho que foi uma afronta, apesar de não ter sido, apesar de ter sido tudo do jeito que ele queria. [ALINE]

A história de Aline na organização familiar é marcada por relações de poder, muitas delas

fruto de um relacionamento turbulento com o pai, que exibe conseqüências não apenas na

vida empresarial, mas também na esfera familiar. Os conflitos vivenciados na trajetória

profissional da empresa imprimem a ela sentimentos negativos em relação à empresa familiar

em geral. 18 Grifo nosso.

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[42] [...] empresa familiar não é, não é, coisa de Deus, não é. Só serve pra destruir. Na minha situação, só serviu pra destruir a nossa família, só, e pra impedir o crescimento da Estamparia. [...] a empresa familiar foi só frustração. Só frustração. Então, sociedade, empresa familiar, vou te dizer o seguinte: em resumo, ela não pode existir, devia ser terminantemente proibido, porque acaba com a vida das pessoas e da empresa. [ALINE]

No entanto, apesar da percepção negativa em relação à empresa familiar, ela acena a

possibilidade de voltar para a Estamparia: “Porque se amanhã, se eu voltar para a Estamparia

[...]”, e também demonstra sentimentos positivos em relação à empresa:

[43] A Estamparia foi a menina dos meus olhos a vida toda. [...] Tudo meu foi pela Estamparia. Tudo meu foi focado para a Estamparia.[...] Me sentia 100% realizada com a Estamparia. Amo. Amo aquele lugar. Se você perguntar pra mim se eu amo aquele lugar, eu ainda amo, mas no que diz respeito à empresa familiar, foi só frustração. Só frustração. [ALINE]

Na realidade, o auto-expurgo de Aline da empresa familiar aparece mais como reflexo da

relação conflituosa com o pai, fruto não só do ambiente de trabalho, mas de vivências

turbulentas também no âmbito familiar. Seu auto-expurgo pode ser percebido por frustrações

relativas ao conflito com a figura paterna (aspecto discursivo relevante em toda sua narrativa)

e como forma de resistência diante do autoritarismo da figura pai/gestor (FOUCAULT, 2004;

SOUZA, 2004, CLEGG, 1994), e não por uma inabilidade à função ou, mesmo, uma oposição

à burguesia (FARIA, 2007). Ou seja, seu afastamento relaciona-se a uma busca de um não-

assujeitamento ao poder e ao controle do pai, e não à prática administrativa em si. Esta

afirmação é corroborada nos lexemas escolhidos para expressar seus sentimentos em relação à

empresa: realização e frustração.

[44] É porque isso que eu tô te dizendo, se for envolver administração, meu sentimento de quando eu lembro dela e só de frustração. Palavra que eu sintetizaria é frustração. Agora, a Estamparia, vou falar, pra mim ela é o lugar de maior prazer da minha vida, realização.[...] Tudo que eu penso na Estamparia, eu penso em realização. Eu estaria, profissionalmente, 100% feliz. Realização minha seria plena,

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mas questão da administração, frustração total. 100% frustração. (Choro). Então acho que você pode resumir nessas duas palavras: realização e frustração. [ALINE]

Adriana mantém-se vinculada à organização por questões afetivas familiares. Ela demonstra

constantemente a necessidade em dar continuidade ao que o pai outrora construiu, assumindo

para si as idéias defendidas por ele, incorporando os ideais do fundador e da empresa, que irão

unificar seu pensamento e seu comportamento de modo a controlá-los (FARIA, 2004b). No

entanto, tal idéia é resgatada como algo positivo, como possibilidade de crescimento

profissional. Tal fato remete à questão de o poder não transparecer apenas como força

negativa, como repressão, mas também por meio de sua faceta de indução ao prazer

(FOUCAULT, 1979). Dessa forma, o assujeitamento de Adriana à empresa e aos ideais do pai

está relacionado à oportunidade vislumbrada por ela no negócio da família, que é tido como

algo promissor, caracterizando também uma vinculação de caráter formal e objetivo,

relacionada a laços materiais, a satisfações ideológicas e a vantagens econômicas, que

também caracterizam formas de controle (FARIA; SCHMITT, 2007). É o controle por meio

da competição econômica, aquele que se dá pelo desejo do sucesso nos negócios e na vida,

sucesso reconhecido e invejado pelos outros, indispensável ao sujeito para que ele não se

torne desacreditado pelo sistema (ENRIQUEZ, 1990). Tal afirmação é evidenciada na

expressão de seus sentimentos em relação à organização.

[45] Eu peguei pronto. Agora, ele, não. Cada tijolo que tem aqui tem uma história para contar. Então, essa história dele, eu pego, eu guardo como se fosse minha, sabe. O sofrimento que ele teve e as glórias, eu pego como se fosse minha... Não foi fácil, principalmente nesse caso. A responsabilidade, ela dobra, porque eu tenho que trabalhar e dar seguimento a tudo aquilo que ele construiu, né. Já pensou meu pai hoje com a idade que ele tem, 64 anos, de repente, ele vê o negócio dele todo no chão por falta de alguém para acompanhar. Então assim, eu abraço a causa dele. Além de eu gostar, eu sei de tudo que ele passou, as histórias que ele conta. [ADRIANA] [46] Desafio. Vem muito assim, seriedade, responsabilidade. Mas a Estamparia hoje para mim ela representa um grande desafio, uma grande oportunidade. Hoje, eu vejo a Estamparia como uma grande oportunidade pra mim. É oportunidade. [ADRIANA]

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Além disso, a incorporação dos ideais do pai por Adriana também pode estar relacionada ao

projeto familiar comum. Ao dar continuidade à empresa da família, ela garante a continuidade

de laços familiares, atribuindo união à família. “A empresa torna-se um importante símbolo

da identidade familiar e a sua continuidade é um estímulo fundamental para a continuidade

das relações familiares” (LIMA, 1999, p. 92). O trabalho na empresa possibilita a apropriação

do “sonho do pai”, reproduzindo os seus desejos, perpetuando e dando continuidade aos

legados da família, o que a mantém unida à figura paterna. A própria empresa atua como

objeto de transmissão familiar (CARRETEIRO; FREIRE, 2006). Grzybovski, Boscarin e

Migott (2002) afirmam que na gestão feminina de empresas familiares a mulher tende a

conduzir a empresa como se fosse a sua família, como que para cumprir a missão familiar e

por se considerar a base desta instituição. No entanto, ao assumir tal papel, ela pode ter seus

desejos e ou sonhos pessoais rejeitados em detrimento dos sonhos e desejos empresariais.

A rejeição de sonhos e ou desejos pessoais em detrimento dos desejos empresariais é ainda

mais evidente no caso de Amanda. O assujeitamento de Amanda à organização também

mantém relações com questões familiares, fato reforçado na metáfora da empresa como uma

família. Há que se destacar que a entrevistada mantém-se há 23 anos numa atividade

profissional à qual não possui predileção. Apesar da possibilidade de uma vinculação

econômica mencionada pela irmã, Amanda atribui sua permanência na empresa à necessidade

de ter que trabalhar no negócio da família e à impossibilidade de se realizar em outras áreas

profissionais devido ao controle dos pais. Seus desejos quanto a outras atividades

profissionais são colocados em segundo plano em comparação ao negócio familiar, no qual a

mesma afirma não ter como sair. Apesar da densidade do caso, no qual análises mais

aprofundadas fogem ao escopo deste trabalho, a situação de subordinação que determina o

assujeitamento de Amanda pode ser identificada ao poder, controle e autoritarismo da figura

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paterna mencionado por ela na narração de sua história. Nesse caso, a idéia de um sujeito

adestrado, dócil, submisso, padronizado às normas, ao modelo e ao modo de ser do poder

disciplinar, conforme vislumbrado por Foucault (1987), são evidentes. A afirmação de

Amanda de não gostar do que faz e sua atitude como coadjuvante na gestão da organização

podem ser encaradas como formas de resistência à situação. Afinal, “não existe relação de

poder se não existir resistência, ou seja, se não existir liberdade no campo social” (SOUZA,

2004, p. 138). No entanto, é digno de destaque o poder oriundo de relações familiares como

algo determinador de sua vinculação à organização.

[47] Eu digo o seguinte, porque hoje eu sou muito voltada pra área de artes. A minha praia é muito isso. Eu gosto de mexer com decoração, mas eu não posso fugir daqui, porque é uma coisa que é da família. Não tem como sair.19 [AMANDA]

Em todos os casos, verifica-se a influência da figura autoritária paterna como determinante da

trama organizacional, que vem enredando a trajetória das sucessoras e da organização. Dessa

forma, observa-se que situações passadas são re-significadas no presente, a fim de responder à

situação atual, que tem como cenário o trabalho na organização (CLOT, 2006; FREITAS,

2000).

4.3 Organização 3 – “O avô constrói, o pai usa e o neto morre de fome”

4.3.1 Contextualização da Organização 3

19 Grifo nosso.

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A organização 3, denominada aqui de Empresa Metalúrgica, foi fundada em 1924. Possui 84

anos de existência e membros da quinta geração em sua direção. O fundador é um imigrante

italiano, que veio para o Brasil, juntamente com a esposa, em 1883, à procura de melhores

condições de vida. Inicialmente trabalhou na construção de rodovias; posteriormente, atuou na

construção de alto-fornos. Chefiou a construção de um alto-forno de estrutura de pedras, o

primeiro da América do Sul, localizado no interior mineiro. Com o tempo vislumbrou a

possibilidade de montar um negócio com os filhos nesse segmento, dando origem à empresa

Irmãos Ferreira.20 Começou a fabricar peças e implementos para o pequeno agricultor, como

arados, debulhadores, engenhos para moer cana, trempes para fogão, etc (produtos fabricados

ainda hoje, “por honra da casa”).

Durante a gestão dos filhos do fundador, a empresa sofreu processos de alteração societária,

entrando pessoas que não eram da família. Passou a se chamar Ferreira e Cia. Em 1947, os

sócios dessa empresa “resolveram ficar somente com o alto-forno e a respectiva jazida de

minério de ferro e vender a parte de fundição mecânica. Foi então que surgiu a Fundição

Ferreira S/A21”, que voltou à propriedade exclusiva da família. Nesta empresa, permaneceu o

último remanescente dos irmãos Ferreira, liderando com três de seus filhos (netos do

fundador) a fundição. Estes permaneceram e tornaram-se os três únicos sócios do negócio por

um longo tempo, tido como época áurea da organização. Cada um possuía o capital de 27%,

51% e 22% das ações, do mais velho para o mais novo, respectivamente. Os filhos destes

sócios também foram para a empresa (bisnetos do fundador), e hoje apenas a família do neto,

com maior número de ações (51%), permanece na gestão do negócio. Com o desligamento

dos irmãos/sócios minoritários da empresa, os familiares relacionados a eles também acabam

se afastando. Tal desligamento ocorreu há cerca de dez anos e se deu, em relação ao neto mais

20 Sobrenome da família fictício. 21 Informações obtidas de pesquisa sobre o início e penetração da siderurgia na região (1977), encontrada em documentos do acervo pessoal da família.

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velho, por motivos de saúde, e ao outro, por ele ter se demitido. Posteriormente, suas ações

foram vendidas aos familiares que permaneceram no negócio.

Localizada no interior de Minas Gerais a empresa evoluiu sua produção de peças para o

pequeno agricultor para uma linha de peças pesadas, fornecendo produtos para fiaria,

indústrias de máquinas e equipamentos. A empresa, hoje denominada Metalúrgica Ferreira

(apesar de ainda ser conhecida popularmente pelo nome anterior), é referida como

locomotiva, comboio ferroviário que percorre os trilhos da história.22 Produz cerca de “350

toneladas/mês de fundidos, atendendo principalmente ao mercado de São Pedro. Fabrica,

dentre outros produtos, lingoteiras, mandaris e carcaças de motores elétricos, mantendo,

também, a tradição na fabricação de produtos agrícolas23”. A empresa conta com cerca de 108

funcionários diretos e é hoje liderada pela bisneta do fundador, que ocupa o cargo de diretora-

presidente, e por seu filho, o tataraneto, que ocupa a posição de vice-presidente.

A atual gestão optou por manter-se à frente da empresa diante da grande crise que a mesma

enfrentava, que quase culminou com a sua venda. Na tentativa de reerguer o negócio,

compraram as cotas dos outros familiares e submeteram a empresa a um processo de

profissionalização. Empresa tradicional e de família tradicional na região, a mesma enfrentou

variadas crises econômicas nacionais e internacionais, passando por diversas conjunturas

políticas, desde a ditadura militar até a abertura do País ao mercado internacional em

governos mais recentes. Os problemas enfrentados pela empresa são evidenciados na

utilização de lexemas como batalha, luta e dificuldade.

22 Informações obtidas do “jornalzinho” de circulação interna da empresa (fevereiro de 2007 - edição 3 - ano 1). 23 Informações noticiadas em veículo de comunicação local sobre aspectos econômicos do município (ano III- nº V – maio de 2003).

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Por sua longevidade e história, a empresa apresenta grande inserção na comunidade em que se

insere, sendo descrita como uma “empresa do povo”, tendo em vista a simplicidade e

popularidade dos membros da família envolvidos na época de sua fundação. A imagem do

fundador é ainda hoje cultuada. Na entrada da empresa, encontra-se um busto com a sua

figura. A imagem é reforçada por mais dois quadros com retratos do fundador e de um de seus

filhos (o filho 7 descrito na figura 3), localizados na sala de recepção. Além disso, a história

da organização foi recentemente narrada como matéria de capa de uma recente edição do

“jornalzinho” de circulação interna, onde também constam fotografias de membros de

representantes de cada geração.

[48] Hoje em função do desenvolvimento da cidade, da economia da cidade, ela é tida como uma empresa tradicional, com a relevância de ser tradicional, com certo respeito dela ter conseguido superar as dificuldades na transição desses governos [...]. Mas no inicio ela era um ponto de referência muito grande. Falava em Ferreira todo mundo sabia que era da cidade24. Então, os meus tios e meu pai eles eram, não eram venerados, mas eram estimados, mas muito estimados por todo mundo, porque a empresa veio trazer progresso para a cidade, e eles tinham uma vida sempre pautada por dificuldades: carvoeiros, moldadores, mecânicos, etc e tal, [...] e eles então eram muito do povo. Eles ficaram realmente sendo uma gente que tinha uma empresa respeitada, conhecida do povo, uma gente que tinha muita ligação com o povo, e isso continua até hoje. A família Ferreira tem uma ligação muito grande com o povo. Isso realmente até hoje. Quando se fala Ferreira se fala com muito respeito, fala: “Ferreira, ah os Ferreira... é lutadores, pioneiros é gente que está enfrentando a dificuldade e não abaixaram a cabeça, seguiram em frente”. [ANTÔNIO]

Importante ressaltar, já neste trecho, que a história da organização, narrada por um dos

familiares, assemelha-se ao conto de um “romance”, de forma similar aos casos das outras

organizações, e com base na figura do mito do herói fundador. As imagens do fundador

(busto, fotografias, “jornalzinho”) encontradas na empresa refletem e reafirmam sua história,

reforçando seus valores. Para Faria (2004), a institucionalização do mito fundador ocorre

como uma tentativa em justificar as ações e decisões tomadas pelos dirigentes em nome de

sua missão original definida na fundação. Além disso, cria-se uma unidade entre os sujeitos e

24 O terma “da cidade” foi utilizado na fala dos sujeitos em substituição ao real nome do município, com intuito de preservar a identidade dos depoentes.

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os grupos, que irão se identificar afetivamente com a organização, partilhando sentimentos de

afeição e amor, relacionados ao vínculo social. Dessa forma, destaca-se que a narrativa atua

na trama organizacional como forma de controle e relações de poder.

4.3.2 As histórias

Foram entrevistados os membros da família que não trabalham mais no negócio e também

aqueles ainda atuantes. Não houve abertura para entrevistas com funcionários não-membros

da família, fato que não prejudicou a análise, pois não era esse o foco do estudo em questão.

Da terceira geração, foram entrevistados dois dos sócios que compunham a sociedade entre os

netos do fundador: o antigo diretor-presidente, possuidor de 51% das ações, Antônio25, 75

anos, que há pouco cedeu a presidência à filha e aposentou-se; e Marcos, 72 anos, proprietário

anterior de 22% de ações na empresa e que há cerca de oito anos pediu demissão e também se

aposentou. O outro irmão/sócio não pôde ser entrevistado, pois encontra-se com idade

avançada e acamado por problemas de saúde. Também desta geração foi entrevistado o

cunhado dos irmãos, Mateus, que ainda trabalha na organização como funcionário, não

possuindo cotas. Na quarta geração, entrevistou-se Beatriz, que sucedeu seu pai, tem 51 anos

e é a diretora-presidente atual; e Bruno, 45 anos, que se desligou da empresa há cerca de oito

anos. Também foi entrevistado o filho de Beatriz, Pedro, de 26 anos, membro da quinta

geração, que vem sendo preparado para a sucessão e ocupa atualmente o cargo de vice-

presidente. A figura e o quadro 5 explicitam a organização da família e a caracterização dos

25 Foram utilizados nomes fictícios para todos os entrevistados.

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entrevistados. Na árvore genealógica, os membros da família marcados com um ponto são

aqueles que participaram das entrevistas, estando o nome do entrevistado demarcado abaixo.

Figura 3 – Árvore genealógica resumida da empresa Metalúrgica

Fonte – Elaborado pela autora26

26 Inspirado em Barcelos (2007).

Fundador

Filha 1 Filho 2 Filho 3 Filha 4 Filho 5 Filho 6 Filho 7 Filho 8 Filha 9

Neta 1 Neta 2 Neto 3 Neto 4 Neto 5 Neto 6 Neta 7 Neto 8 Antônio

Neto 9 Neto 10 Marcos

Bisneta 1 Beatriz

Bisneta 2

Bisneto 5 Bruno

Bisneta 3

Bisneta 4

Tataraneto 1 Pedro

Tataraneta 2

Tataraneta 3

Neta 11

Neta 12

Mateus

Bisneta 6

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Quadro 5 – Descrição dos entrevistados Beatriz, Pedro, Antônio, Mateus, Marcos e Bruno

Fonte – Elaborado pela autora

As falas dos entrevistados remetem a temáticas e figuras recorrentes utilizadas pelos sujeitos.

Inseridos no percurso semântico do trabalho, podem-se depreender os seguintes temas:

“entrada na empresa e trajetória profissional”, “trabalho feminino”, “profissionalização” e

“família”.

Beatriz Pedro Antônio Mateus Marcos Bruno

Nom

e

Entrevistado 8 - [E8]

Entrevistado 9 - [E9]

Entrevistado 10 - [E10]

Entrevistado 11 - [E11]

Entrevistado 12 - [E12]

Entrevistado 13 - [E13]

Idad

e

51 26 75 63 72 45

Sexo

Feminino Masculino Masculino Masculino Masculino Masculino

For

maç

ão Graduação em

Administração de Empresas.

Pós-Graduação em Gestão da

Qualidade

Técnico em Administração. Graduação em Direito. Pós-

Graduação (em curso)

em Controladoria e

Gestão Empresarial.

MBA (em curso) em Direito da

Economia da Empresa.

Técnico em Contabilidade

Graduação em Economia

Técnico em Contabilidade

Graduação em Economia

Car

go

Diretora-Presidente

Vice-Presidente Diretor-

Presidente (aposentado)

Diretor-Presidente da

Fundição (antiga

empresa). Coordenador da área esportiva

Diretor (aposentado)

Diretor Financeiro (antes do

afastamento)

Tem

po n

a em

pres

a

28 anos 7 anos 60 anos 46 anos 50 anos

aproximadamente

28 anos

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Sobre a entrada na organização, as histórias são divergentes. A geração mais nova, Beatriz e

Pedro, apesar de freqüentarem a empresa desde novos, ingressaram na mesma durante/após o

curso superior. Dessa forma, eles se inserem na empresa já assumindo cargos de maior

responsabilidade, como na área fiscal ou desenvolvendo projetos específicos.

Já a entrada da antiga geração ocorre na adolescência por volta dos 16, 17 anos. Mateus

começa a trabalhar na organização a convite de Antônio. Após quatro anos de trabalho na

empresa casa-se com a irmã de Antônio e Mateus, a décima segunda neta do fundador, e

passa então a fazer parte da família. Estes sujeitos ingressam em cargos operacionais, por

exemplo, office-boy, e evoluem para cargos de direção/gerenciais. O trabalho na empresa é

considerado praticamente o único exercido por eles em toda a vida. Tal fato também ocorre na

entrada de Bruno, em exceção ao ocorrido na geração mais nova, com os entes Beatriz e

Pedro. Bruno ingressa na empresa aos 9 anos de idade trabalhando na limpeza, como

faxineiro. Ao longo do tempo, progride em cargos na empresa, passando da faxina e serviços

na produção, para faxina do escritório, serviços no almoxarifado e contabilidade até chegar ao

setor financeiro, onde permaneceu na diretoria financeira até o momento de sua saída.

Destaca-se que a socialização primária (BERGER; LUCKMANN, 1985), experimentada na

infância, ocorre juntamente com o trabalho na empresa, o que certamente solidifica ainda

mais o significado das experiências ali vivenciadas para o sujeito.

[49] Eu entrei no mais baixo escalão. Quando eu entrei lá, desculpa a expressão, mas eu limpava privadas para a produção. Eu tinha 9 anos. Foi uma sugestão que foi dada pelo meu pai, para eu começar de baixo. Na época eu achei até um pouco esquisito “Pô, o dono, diretor do negócio vai me tacar limpando privadas lá na produção?” E hoje eu agradeço ele muito por isto, por ter me colocado lá. E eu fui de faxineiro a auxiliar de produção, ou seja, carregar caixa, carregar ferramentas, limpar a área, varrer a área, para turno de produção. Pé no chão mesmo, para fazer as caixas. Se você conhece produção, sabe que é uma coisa muito suja, muito pesada, ambiente muito poluído, e eu amei essa colocação lá. Agradeço muito ao meu pai por isto até hoje. E, continuando meu processo, eu fui para mecânica.

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Ficava cortando os vergalhões dos ferros no auxílio à produção e virava implementos de alguns produtos lá, agrícola dentre outras peças. Anos depois passei para o escritório, como faxineiro também do escritório e fazendo almoxarifado, guardando papeis e coisas organizacional. Depois, eu já estava começando com contabilidade, curso técnico de contabilidade, passei no auxiliar, no contador, na digitação, nos dados, nos balancetes diários, no diário razão [...]. Depois fui para o caixa, auxiliar do caixa, tesoureiro, depois passei para caixa, depois passei para área financeira, fui assumindo a gerência financeira, depois diretoria financeira. Quando chegou na diretoria financeira, eu me desliguei. Isto ai compreende entre os 9 anos de idade até o ano de 99/2000. [BRUNO]

Sobre os motivos para o ingresso na empresa, destacam-se fortemente a influência familiar e o

desejo em realizar um trabalho semelhante às figuras da família. A admiração pelo pai/avô é

presente na fala dos entrevistados Beatriz e Pedro, que expressam, desde a infância, vontade

em ir trabalhar na empresa. Além disso é percebido também o “problema da tradição” como

motivador da entrada no negócio da família.

[50] [...] uma admiração incrível pelo trabalho que meu pai fazia aqui. A gente era pequenininho e de vez em quando, meu pai nos levava pra ver o negócio, e eu achava aquilo fascinante, sabe? [...] Eu tinha um orgulho tão grande do trabalho que meu pai fazia... [...] Puxa vida, isso era tudo que eu queria ser. Aquilo mexia comigo, me criava uma emoção tão grande que de pequenininha eu já pensei: “É isso que eu quero fazer.” Pronto. [BEATRIZ] [51] Eu morava muito tempo com meu avô. Desde os 15 anos, eu fiquei um bom tempo morando com meu avô. [...] E meu avô como acionista majoritário, controlador da empresa. Então, eu sempre vivi, mesmo na infância eu vinha muito aqui, nem que fosse para ficar pentelhando aí, para brincar e tal. Então eu vivi muito esse ambiente da empresa [...], então eu sempre vivi muito ligado ao ambiente da empresa. Então, isso aí favoreceu com que eu fosse crescendo já com o objetivo de um dia eu vou trabalhar lá. [...] Por essa convivência muito grande com a empresa e essa proximidade com meu avô, sempre tinha na cabeça um dia eu vou trabalhar na Ferreira. [PEDRO]

Ainda sobre os motivos para a entrada na organização da família, o discurso de Bruno aparece

como exceção. Em oposição ao depoimento de seus entes, relaciona sua entrada na empresa a

questões de âmbito financeiro/racional, apontando fatores como interesse e curiosidade na

área mecânica e no funcionamento do maquinário, vontade de ganhar “um trocadinho”.

Questões relacionadas à família são ausentes na fala do entrevistado quando o mesmo aborda

a temática da inserção na empresa.

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Ao longo da trajetória na organização, destaca-se a intensa relação dos entrevistados com a

empresa. Sendo este praticamente o único trabalho, observa-se o forte laço emocional dos

entrevistados com a organização e o trabalho executado. Nesse aspecto, destacam-se a função

psicológica do trabalho, seu papel de formação de identidade, de desenvolvimento, e o

preenchimento da vida do homem (CLOT, 2006; VIEGAS, 1989; FREITAS, 2000; LIMA,

2002).

[52] Mas a minha vida inteira foi aqui dentro. [BEATRIZ] [53] Deus no céu, minha família e a empresa na terra. [MATEUS] [54] Antônio é a alma da empresa. A vida dele foi fundição Ferreira. [...] A vida dele foi pela empresa. [PEDRO] [55] Até os outros que estavam fora: “Ah, você é lá da Ferreira? Você é um Ferreira da cidade?” Encontrava com meus primos: “Ah, você é lá da Ferreira? Você é um Ferreira da cidade?” Dentro disso, a gente tomou um amor muito grande pela empresa e até hoje a gente tem esse amor. [ANTÔNIO] [56] Paixão pelo que faz, todo mundo, todo Ferreira tem uma paixão. É um empreendedor nato, todos, tanto da minha geração quanto da geração do meu pai, não consegue ficar sem estar transformando alguma coisa. Então, é uma paixão pelo que faz, é um amor pelo segmento. [BRUNO]

Para Lima (1999), a intensa relação dos entrevistados com a organização e o sentimento de

família para com o trabalho na empresa garantem a continuidade do negócio no tempo, o que

é observado na organização 3, que possui 84 anos de existência. O autor ressalta que é como

se a empresa se tornasse parte integrante da família, a reificação da sua unidade, o símbolo da

sua identidade. A empresa atua como objeto de transmissão familiar que dá continuidade ao

legado da família (CARRETEIRO; FREITAS, 2006).

A temática do trabalho feminino é recorrente no discurso de Beatriz e de seu pai, Antônio, em

relação à sua posição atual na diretoria da empresa. Essa é encarada com dificuldades pelo

pai, pois, além de ser mulher, seu desejo inicial era de que seu único filho homem assumisse a

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liderança da organização. Segundo Antônio, a empresa sempre foi gerida por homens, fato

que indica relações de poder e gênero na organização (CAPPELLE, et al. 2004). A transição

da presidência para a filha, na realidade, só ocorre quando seu neto, Pedro, entra na empresa,

evidenciando relações de desigualdade e poder na relação de gênero, que remetem no

interdiscurso a uma situação de desvalorização do trabalho feminino. Além disso, destaca-se a

entrada de Pedro na empresa, onde o mesmo a relaciona a sentimentos de admiração e

identificação com o trabalho do avô, sem mencionar o trabalho da mãe. Importante destacar

que o interdiscurso da desvalorização do trabalho feminino é recorrente nas histórias das três

organizações analisadas. Tal desvalorização é presente ainda mais no contexto estudado, visto

que as mulheres entrevistadas atuam em cargos de gestão de empresas, ou seja, num universo

que tem sido historicamente de dominação masculina. Segundo Betiol e Tonelli (1991),

empreendedoras que atuam em trabalhos relacionados ao universo feminino, como moda,

cosméticos e alimentação, são menos confrontadas a situações de preconceito, visto que não

há uma competição direta com homens por postos na organização. Para as autoras, as

barreiras em relação às mulheres executivas tendem a ser maiores. Nos casos em questão, o

segmento das organizações não se assemelha àqueles culturalmente atribuídos à mulher. As

empresas estudadas atuam em setores de metalurgia, siderurgia e beneficiamento de couro, ou

seja, nichos da indústria nada relacionados ao universo feminino, histórica e culturalmente

concebido. Esta realidade pode contribuir ainda mais para a questão de gênero observada.

Além disso, destaca-se que o preconceito no trabalho organizacional remete não apenas

àquele tradicional, em que a mulher é vista como inferior ao homem para assumir postos de

comando, mas também ao preconceito funcional, que implica desconfiança na disponibilidade

do investimento da mulher no trabalho, tendo em vista as demandas do ambiente doméstico

(BETIOL; TONELLI, 1991). Cappelle et al. (2004) destacam que as relações de gênero

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devem ser consideradas como práticas discursivas que refletem e distribuem manifestações de

poder e resistência entre as pessoas.

[57] [...] o meu pai continuou, como sempre, à frente, não querendo deixar o pepino na mão da gente, achando que a gente não ia dar conta, principalmente por eu ser mulher. O eleito dele era o único filho homem, mas que se interessou por outros negócios, né, saiu. Aí, nesse processo de crise, o meu filho mais velho, veio trabalhar comigo ao meu chamado e como eu, desde os treze anos que eu pedi pra com meu pai. “Ainda vou ser presidente da empresa!” [...] Então, pra mim foi um pouco mais difícil. Filha de pai descendente de italiano, filha mulher, pai italiano quer pôr as filhas todas debaixo, proteger do mundo. Então, eu fui muito super-protegida. Queria aprender, queria fazer, queria ousar. E foi um processo de muita insistência mesmo pra poder assumir esse posto. Mas quando ele viu que meu filho vinha comigo, tava ali, aí, ele resolveu descansar. “Não, a Beatriz não vai estar sozinha. Tem um homem do lado dela”. Aí, meu pai se retirou. [BEATRIZ]

Observa-se no discurso dos entrevistados o tema da profissionalização, com destaque para as

falas de Beatriz e Marcos, como algo necessário à sobrevivência das empresas familiares. A

necessidade em se profissionalizar a empresa é apontado por Marcos como fontes de conflitos

entre ele e seus sócios. Segundo o sujeito, não houve por parte de seu irmão sócio majoritário

uma preparação adequada para sucessão, o que incluiria a profissionalização do filho. Além

disso, alega que familiares eram contratados na empresa não por méritos profissionais.

[58] Outra coisa muito importante dessa situação de sociedade familiar é a preparação para sucessão. É o que é mais vulnerável dessa situação, porque caso os sócios que são idosos, que vão ficando, entregando a atividade física para os sucessores, se eles não prepararem psicologicamente os candidatos, além de psicologicamente, também numa forma estrutural profissional, vai acontecer atritos. Qual que é o atrito? O atrito é a incapacidade, a preponderância muitas vezes de gente que tem maior capital, acha que é o mandante, e não está preparado para exercer uma atividade que possa dar uma sucessão tranqüila. [MARCOS]

Questões relacionadas à temática “profissionalização” também são percebidas no discurso de

Bruno. Sua idéia era dividir a empresa, na época da gestão e propriedade de seu pai e dos

dois tios, em três segmentos, um para cada família. Seu objetivo com a divisão era minimizar

o impacto do grande número de familiares na administração da mesma empresa, além de

poder recomeçar um novo negócio, que estaria ainda na primeira geração.

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[59] Pelo fato de uma empresa, pelo meu entendimento, não comportar tantas pessoas. Se todo mundo, almejar, pelo fato de estar numa mesma situação, almejar o mesmo cargo, que não existe. [...]. Tentei dividir a empresa, dividir em fundição leve, fundição pesada, mecânica e carpintaria, que daria os três segmentos, um para cada família e fazer uma holding administrativa para tocar o negócio, e ai eu acho que não teria problema não. Seria a primeira geração pegando uma empresa, cada um em um segmento [...]. Tem um ditado japonês que você deve conhecer bem, “O avô constrói, o pai usa e o neto morre de fome”, algo mais ou menos assim [...]. Então eu acho que isto é certo, que nem no neto não chega. Na segunda geração a coisa já complica muito e o neto vai herdar só divida, a segunda gera um patrimônio e não tem ambiente saudável para poder administrar. A terceira, com certeza, vai morrer de fome. [BRUNO]

O tema “família” é evidenciado em diversas passagens dos discursos dos entrevistados.

Observam-se narrativas que defendem a idéia de que as relações parentais inseridas na

organização são prejudiciais ao negócio e podem também abalar o convívio fora da

organização. Também se destaca a questão da inter-relação do papel profissional com o papel

familiar e das dificuldades relacionadas em conciliá-la.

[60] [...] um dos maiores problemas da empresa familiar é que você tem medo de tomar decisões em prol da empresa e comprometer os laços familiares. […] empresa familiar têm muitas vantagens, mas têm problemas que tem que saber lidar com eles. Eu tenho três filhos. Graças a Deus, os outros dois, escolheram áreas de atuação diferentes. [...] É administrar a carência de mãe, ah, como é que fala? A necessidade da empresária, né?! [...]Você entra no contexto para poder administrar os afetos que são tão importantes para a gente também. Ainda mais mãe e filho, pai e filha. [BEATRIZ] [61] Às vezes, tinha que tomar alguma decisão séria em beneficio da empresa, às vezes, tinha até que protelar para conseguir uma opinião para não machucar a família, porque, às vezes, você machuca alguém da família e vai lá dentro, reflete em toda família, né. Então, nesse aspecto eu não era para decidir, eu demorava. Tinha decisões que tinham que ser tomadas imediatamente, e eu demorava por causa da família. [ANTÔNIO]

Outra dificuldade apontada refere-se às diferenças de poder entre os irmãos na organização,

fato que culminou com o pedido de demissão de Marcos da empresa. Tais diferenças referem-

se ao fato de Antônio ser o sócio majoritário entre os irmãos; com 51% das ações, ele tinha o

domínio no processo decisório da empresa. Nessa situação e tendo que “bater de frente” com

o irmão nas decisões, que freqüentemente apresentava opiniões divergentes, Marcos resolve

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se desligar do negócio, tendo inclusive de passar por cirurgias devido ao acúmulo de estresse.

Segundo ele, preferiu o desligamento a ter de presenciar maiores conflitos entre a família. É

nítido na saída de Marcos da organização como as relações de poder que permeiam a rede

social foram determinantes no seu não-vínculo com a organização.

[62] Agora, a minha experiência que eu vi dentro desse meu estágio de empresário foi que numa empresa familiar não deve haver acúmulo de força. Eu recomendaria que se fosse, tem que ter forças iguais. Se têm três sócios, deveria ser parcela 33% para cada um, para que um só não seja o dono da verdade. Porque, por mais que ele possa achar que ele é o dono da verdade, mas a visão dele pode prejudicar o andamento da entidade. E isso foi um dos meus pontos de vista de deslocar porque com 22% você não tem mando27. [...] Aí o lance também que não foi favorável foi quando houve uma, essa centralização, porque era para poder quando se comprasse, permanecesse uma certa igualdade. Mas o Antônio achou conveniente de manter. Ele ficou com a parcela maior, não quis fazer a jogada de dividir. Ele ficou com o grupo. Nessas contas, ele não quis fazer a mudança de dividir o capital. Coisa que eu acho que isso chegou a prejudicar um pouco o interesse da empresa, de modo que meus filhos perderam o interesse e eu também desaconselhei. Porque não há uma valorização quanto a isso na profissionalização de cada um. [...] Eu não queria também ter nenhuma diversidade com familiares, irmãos... Se fossem pessoas à parte, eu tornava o caldo, via o que que acontecia, se vendia, comprava, tal... Mas não é, não. É o caso de familiar. Você, no meu entender, eu prefiro deslocar do que criar um problema. [MARCOS]

Em contrapartida, é expresso o desejo de que a empresa continue sendo gerida pela família,

fato que pode ser corroborado não apenas na fala dos entrevistados, mas também na esquiva

dos sujeitos em vendê-la no período da crise. Marcos, mesmo demonstrando

descontentamentos relacionados à sua saída da empresa, expressa sua vontade para que a

organização permaneça na família. Dessa forma, podem-se perceber indícios positivos na

relação com a propriedade familiar, remetendo à oposição intradiscursiva positividade versus

negatividade da família na empresa.

[63] Porque é uma tradição. É um nome centenário, que a gente gostaria que ficasse vinculado aos futuros netos e bisnetos mesmo fora da atividade. Mas aquilo foi um marco da família. [MARCOS]

27 Grifo nosso.

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[64] [...] para que ela continuasse mais anos, mais tempo na mão da própria família né!? [...] para que a empresa possa ser gerida pela família durante anos e anos, né!? [ANTÔNIO]

Destaca-se na fala de Beatriz a existência de conflitos na relação com a família no trabalho,

quando aborda um fato ocorrido com seu irmão. Tal idéia é percebida implicitamente na fala

abaixo, quando se refere aos dizeres do irmão, que afirma não querer passar pelo que o pai

passou.

[65] Meu irmão [...] um dia, ele veio a falar comigo em reunião: “O dia que eu assumir a presidência, eu vou te demitir”. Falei: “Uai, por que, meu irmão? Porque eu não tenho problema nenhum de trabalhar com você”. E ele falou assim: “Mas eu tenho. Eu não quero passar pelo que meu pai passou”. [BEATRIZ]

O abandono de Bruno ao negócio, o então indicado sucessor, revela facetas de uma situação

conflituosa que não é explicitada diretamente na fala do próprio sujeito. Pelo discurso de

Beatriz e Marcos, depreende-se que sua não vinculação remete a desgastes no ambiente de

trabalho. Bruno relaciona sua saída às dificuldades em conciliar a multiplicidade de interesses

dos diversos familiares envolvidos no negócio, que não se mostraram dispostos a fazer a

divisão da empresa como ele propôs. Dos filhos de Antônio, membros da quarta geração, três

trabalharam na empresa: seu único filho homem e duas filhas. As outras filhas assumiram

profissões diferentes do trabalho industrial: uma é médica e as outras bailarinas. Beatriz é a

única que ainda permanece no negócio. A outra, formada em engenharia, trabalhou por um

período, mas desligou-se da organização há mais de vinte anos, pois se casou e mudou para

outro município com o marido. Já o filho abandonou a organização há cerca de sete anos por

motivos conflituosos relatados nas falas dos entrevistados, mas que são silenciados na fala do

próprio sujeito.

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A vinculação dos sujeitos à organização é explicitada nos discursos por questões afetivas

relacionadas ao vínculo familiar. Tal afirmação se confirma nos motivos de ingresso dos

sujeitos no negócio, nas falas recorrentes de admiração pelos gestores parentes e, por fim, na

metáfora da empresa como uma família, utilizada pelos sujeitos na expressão de seus

sentimentos de afeto em relação à organização. Tal qual comentado nas análises das histórias

das organizações anteriores, o controle social exercido na metáfora da empresa como uma

grande família e na incursão de sentimentos de afetividade no âmbito da racionalidade do

trabalho torna-se um “um meio eficaz de submeter e alienar o indivíduo à organização”

(FARIA; SCHMITT, 2007, p. 42). Para Carrieri (2005), o familialismo promove uma maior

identificação do trabalhador com a organização. As bases dessa relação “estariam nas relações

pessoais do fundador para com os empregados, de cunho afetivo e subjetivo (confiança,

amizade, carisma, etc.) e que proporcionariam aos membros tornarem-se cúmplices em

relação à organização e seus valores” (CARRIERI, p. 15, 2005).

[66] Família (palavra que define a organização). Não por ser uma empresa familiar, não só por ser uma empresa familiar, mas pelo conjunto, pelas pessoas que estão aqui dentro, pelo conjunto de empregados, fornecedores, colaboradores que, pelo tempo que nós estamos juntos, é uma família que enfrenta as dificuldades junto, que enfrentou as dificuldades juntos, que comemora as vitórias juntos também. Então é como se fosse uma família, é uma extensão da minha casa. [...] O facilitador do trabalho foi o amor que eles têm à empresa. É uma empresa familiar também pelos trabalhadores. Somos todos uma família aqui, por esse tempo de casa da maioria dos funcionários, pelo amor que eles tem à empresa e por eles estarem esperando alguém que fosse ajudar a botar ordem na casa. [PEDRO] [67] É uma empresa que [...], que passa a todos os seus funcionários que deve se trabalhar com amor, produtividade, para que a empresa cresça [...]. [MATEUS] [68] A gente desligou a pessoa, mas o coração não desliga. [...] É um coração metalúrgico que pulsa dentro da cidade há anos. [ANTÔNIO] [69] A gente via os funcionários com muito... um relacionamento quase irmão, de irmandade. [MARCOS]

Além disso, destaca-se o fato do auto-expurgo de Marcos da organização, que ocorreu devido

ao desgaste nas relações societárias com os irmãos por conflitos relacionados às diferenças de

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forças na propriedade do capital. Os conflitos pelo poder na empresa entre os irmãos/sócios

culminam com a não-vinculação do sujeito à organização, fato expressado com emotividade

em razão do grande apego desenvolvido por ele para com o trabalho no negócio da família,

único emprego que possuiu: “Eu só trabalhei na empresa”. Dessa forma, o vínculo objetivo e

psicológico (FARIA; SCHMITT, 2007) é quebrado por relações de poder (FOUCAULT,

1979, 1987, 2004). Além disso, sua saída é reforçada pela evitação de maiores conflitos com a

família, o que fortalece a afirmativa acima da preponderância de vínculos familiares no

trabalho. Por fim, destaca-se que o auto-expurgo de Marcos da organização ocorre não por

uma inabilidade ao negócio ou oposição aos ideais capitalistas (FARIA, 2007), e sim por

questões de poder relacionadas ao sócio/irmão, que mantém íntima relação, não apenas com

questões racionais de diferenças societárias, mas com conflitos de trabalhos que vinham sendo

levados para o âmbito familiar, e vice-versa. Após o pedido de demissão da empresa, Marcos

organizou para si e os filhos um empreendimento rural, no qual ainda hoje atua com atividade

no setor pecuário e de hotelaria.

A saída de Bruno da organização é relatada pelo sujeito como devida a conflitos de interesses

relacionados ao grande número de familiares (irmãos, tios, primos) inseridos na gestão do

negócio. Pelo fato de os entes não aceitarem a divisão do negócio proposta, o entrevistado

resolve abandonar a empresa, pois visualizava que lá “não ia dar certo”, segundo ele, por

motivos como este, além das dificuldades encontradas em crises no cenário político-

econômico mundial. A ocorrência de relações conflituosas é silenciada em seu discurso e

parcialmente relatada na fala da irmã, conforme já citado. Mesmo assim, a influência da

família é corroborada, visto que o mesmo se ausenta devido ao elevado contingente de

familiares no negócio. Sobre sua saída, alega que “está muito ligado à minha decisão ao

motivo da sua entrevista, devido ao fato de ser empresa familiar”. Ainda assim, a análise dos

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fatos leva à conclusão de que relações conflituosas e de poder não estão ausentes desse caso.

Bruno era o único filho homem do então sócio majoritário. Marcos afirma que todos os

esforços de Antônio na organização foram para que seu filho o sucedesse, mesmo este não

tendo preparo para tanto. Ele anuncia conflitos em relação ao fato:

[70] Ele (Antônio) tinha muitas filhas, mas era assim maioria mulher, todas mulheres e um homem. E esse sucessão, ele confiava que o filho homem desse conta de dar a ele uma tranqüilidade de sustentar um capital maior. Tanto que ele colocou ele com toda a força lá dentro sem o garoto estar preparado de forma nenhuma. Eu presenciei fatos lá que lamentáveis, que isso trouxe muita... quer dizer, o sujeito exerceu, nunca teve filho profissionalizado ia ter uma atividade de uma superintendência financeira de uma empresa que tinha 330 empregados. Quer dizer, eu via erros assim, e numa transição de você ter que transformar a empresa, modernizando na face de informática. E ele não tinha nenhum preparo pra isso, era o dono da verdade, da informação. Contratamos gente, gente dava tombo, e contratava outro, e ficava caríssimo essas coisas de não ter uma noção perfeita de direcionar uma mudança estrutural de organização que a época recomendava e exigia, porque não tem como. Então, hoje o filho dele... Ele chegou depois que eu saí, chegou a conclusão que realmente, acho que até os próprios familiares recomendaram que ele não permanecesse, nem na empresa ele não está hoje mais. Mas no período que eu estava foi uma situação muito dramática por causa dessa confiança que o pai dava toda a força para que aquele menino o sucedesse ele, o único homem da filiação. [MARCOS]

Outra questão de destaque refere-se ao modo como Bruno ingressa na organização. Ainda

criança, passa por diversos setores da empresa, desde aquelas puramente operacionais, como

faxina e produção, até assumir um cargo de alto executivo na diretoria financeira. É

importante destacar que a socialização desse sujeito ocorre vinculada ao trabalho fabril, visto

sua inserção ainda na infância. Dessa forma, há indícios de que sua socialização primária

esteja intrinsecamente relacionada ao trabalho na empresa, pois ainda garoto já está presente

na organização. Considerando-se a socialização primária como bastante arraigada e

constitutiva da formação da personalidade do indivíduo (BERGER; LUCKMANN, 1985),

não há como não refletir sobre o “drama” que tal saída pode ter se configurado. Além disso,

Berger e Luckman (1985) também afirmam sobre a “imposição” da socialização primária, em

que os sujeitos, sem alternativas de escolhas, assumem o mundo arranjado pelos pais. Nesse

caso, o indivíduo é socializado primariamente na empresa, o que caracteriza uma socialização

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solidificada e com pistas de uma possível interiorização deste mundo como sendo o mundo, o

único caminho. Tal fato é reforçado em sua fala quando trata de seu filho e da possibilidade

de ele trabalhar na empresa familiar: “Eu não falaria nada [...]. Uma das coisas eu tenho é não

predeterminar um passo de um filho meu, que seja um terceiro, que me peça opinião”. Dessa

forma, há indícios de que sua trajetória na organização tenha sido predeterminada por outra

pessoa – no caso, o pai. A socialização primária atua como instância de controle na medida

em que introjeta no indivíduo noções de ordem e autoridade, que irão mediar comportamentos

desejáveis e ajustamento social (CARRIERI, 2005). Nesse sentido, o fato de o filho ser

inserido na organização ainda com 9 anos reforça esta perspectiva. Ao colocá-lo na empresa

ainda criança e em trabalhos de faxina, o pai ajusta-o, disciplina-o, controla-o e padroniza-o

para que ele seja obediente aos seus padrões (FOUCAULT, 1987). A obediência é destacada

por Garcia (1984) como uma tentativa de aumentar a produtividade dos corpos, diminuindo a

força de sua dimensão ideológica e aumentando-a em sua dimensão utilitária. Também há que

se destacar a estranheza que a atitude do pai causou em Bruno quando o mesmo era criança –

“Mas eu limpava privadas para a produção, eu tinha 9 anos. Foi uma sugestão que foi dada

pelo meu pai para eu começar de baixo. Na época, eu achei até um pouco esquisito: ‘Pô, o

dono, diretor do negócio, vai me tacar limpando privadas lá na produção’?”. Tal estranheza

pode estar relacionada à condição socioeconômica elevada da família, que na época

desfrutava dos anos áureos da organização. Ou seja, o filho do dono, rico, vai trabalhar na

faxina. Apesar de hoje o sujeito afirmar que “agradece ao pai por isso”, não há como negar

possíveis repercussões do fato na subjetividade do menino.

Aliado a tais reflexões, soma-se a longa permanência de Bruno na empresa e de este ter sido

praticamente seu único trabalho até a sua saída, que repercute na formação de sua identidade e

centralidade desta ocupação em sua vida (VIEGAS, 1989; CLOT, 2006; FREITAS, 2000;

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LIMA, 2002). Enfim, o silenciamento sobre relações de poder no discurso do sujeito e

também no de seu pai Antônio (sujeito envolvido diretamente na sua história) não exclui o

fato de que estas estavam presentes. Ao sair da empresa, Bruno monta seu próprio negócio:

inicialmente, uma loja de artigos religiosos; em seguida, abre uma distribuidora; e,

atualmente, é também proprietário de uma editora. O entrevistado considera-se um

empreendedor nato, característica herdada da família Ferreira. Dessa forma, sua saída

relaciona-se não a uma inabilidade para negócio (FARIA, 2007), mas a questões que também

remetem ao âmbito familiar. Além disso, o expurgo de Bruno pode ser pensado como forma

de resistência (FOUCAULT, 2004; SOUZA, 2004, CLEGG, 1994) diante dos conflitos

relacionados a sua história na organização (trabalho imposto pelo pai, conflitos com outros

familiares, impossibilidade de tomas as medidas administrativas que almejava, etc.).

4.4 Análises sobre o vínculo organizacional

Esta seção busca traçar um panorama do que foi analisado, apontando elementos de destaque

e pontos de congruência e divergência nas histórias relatadas. Para tanto, os percursos

semânticos e os temas depreendidos das falas dos sujeitos e observados na análise anterior

serão agrupados em três níveis de análise: a entrada na organização; a permanência na

mesma; e a saída, quando esta ocorre.

4.4.1 A entrada

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Observou-se que a entrada na organização ocorre, em grande parte dos casos, ainda na

infância, adolescência, sendo o trabalho na empresa a primeira experiência profissional da

maioria dos respondentes, coincidindo, em alguns casos, com o desenvolvimento da

socialização primária (BERGER; LUCKMANN, 1985; CARRIERI, 2005; DUBAR, 1997).

Ou seja, a escolha da profissão, característica da fase do desenvolvimento relacionada à

socialização secundária, é designada ainda na infância, fato que implica a interiorização

aprofundada das vivências relacionadas ao trabalho na empresa e que pode apresentar

conseqüências diversas, como maior obediência, disciplina e ajustamento aos padrões

designados (FOUCAULT, 1987; GARCIA, 1984; CARRIERI, 2005). Observam-se alguns

casos de entrada na empresa durante ou após o curso superior. Destaca-se no ingresso dos

sujeitos na organização a “naturalidade” com que este ocorre, como algo automático, natural

àqueles filhos de pais que possuem empresas, tal qual observado nas passagens 18 e 19 das

falas dos sujeitos inseridos na organização 2 e também nos sujeitos da organização 1. A

“naturalidade” explícita no discurso dos indivíduos pode ser concebida como uma justificação

que mascara relações desiguais (ENRIQUEZ, 2007). É como se trabalhar no negócio da

família fizesse parte da “natureza natural das coisas”. Para Enriquez, o poder é criador de

ansiedade. Como resposta a essa ansiedade, pode ocorrer o mascaramento da luta pelo poder,

que se dá pela justificação (a desigualdade é algo natural) ou pela negação (não há

desigualdade de poder).

Outra faceta da entrada dos sujeitos na organização da família refere-se aos sentimentos de

admiração em relação ao pai e a seu trabalho na empresa da família (ou outros familiares,

como o avô, no caso de Pedro), expressa nos trechos 03, 45, 50, 51, dentre outros. A

admiração à figura paterna remonta aos primórdios da organização social (FREUD, 1974;

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FREUD, 1976). Além disso, destaca-se que a admiração sentida pelos sujeitos em relação ao

trabalho dos familiares remonta a situações de controle e poder. Conforme exposto por

Enriquez (2007), a experiência primitiva do poder acontece na relação do filho com a figura

do pai, que é determinante em seu desenvolvimento. Dessa forma, pode-se inferir que a

escolha por seguir a trajetória do pai (ou familiares) na organização caracteriza-se também

como uma forma de controle. Além disso, tal escolha remete a um processo de transmissão

familiar, onde a perpetuação do legado da família (material, afetivo e simbólico) se concretiza

no trabalho na organização (CARRETEIRO; FREIRE, 2006).

4.4.2 A permanência

A permanência dos indivíduos na organização configura-se de diversas formas. O fator

familiar determinante da entrada dos sujeitos também se mantém de forma expressiva na

permanência dos mesmos. O sentimento de família é transferido para o âmbito

organizacional. Tal fenômeno apresenta-se como fonte de prazer e satisfação para o

indivíduo, reforçando seu vínculo com a organização. A metáfora da empresa como uma

grande família, expressa nos trechos 08, 09, 66, 69 e nas falas de Amanda, remete a situações

de submissão, manipulação e alienação, mascaradas por sentimentos de admiração e amor,

além de incutir maior identificação entre trabalhador e organização (FARIA 2007; FARIA;

SCHMITT, 2007; ENRIQUEZ, 1990, 2007; CARRIERI, 2005). O amor, recorrente nos

trechos 13, 14, 55, 66, 67, destaca-se como poderosa forma de controle social, que caracteriza

a instituição do vínculo. Os sujeitos identificam-se com a organização, que é concebida como

uma família, o que torna ainda mais intensa a natureza do vínculo. Assim como na família,

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sentem-se protegidos e consolados, gerando situações de dependência. Tal qual enfatizado por

Enriquez (1990, 2007), a situação de dependência, além de gerar situações de submissão,

manipulação e alienação, pode acarretar nos indivíduos a auto-alienação, que se torna ainda

mais poderosa, visto que os sujeitos corroboram a situação de controle, diante da proteção

encarnada por ela. Além disso, destaca-se que as situações de submissão, que caracterizam a

permanência dos sujeitos na organização, transparecem as características do poder disciplinar,

que atua como forma de controle minucioso das operações dos corpos, impondo-lhes relação

de utilidade-docilidade (FOUCAULT, 1987).

A auto-alienação pode ainda ser mais realçada no caso de Amanda, que anuncia

explicitamente em seu discurso seu contragosto em relação à permanência na organização. O

conceito de “subjetividade fragmentada” e o de “seqüestro da subjetividade”, preconizados

por Faria e Meneghetti (2007), coadunam com esta história. Nesse caso, é explícita a perda de

autonomia do sujeito, visto que o mesmo abre mão de seus desejos em prol da organização.

Seu desejo é partilhado em submissão às regras estabelecidas.

Também é importante citar as vinculações estabelecidas por questões objetivas, de cunho

econômico, racional (FARIA; SCHMITT, 2007). Os sujeitos vinculam-se à organização pela

rentabilidade econômica que um negócio próprio já estabilizado oferece. Tal faceta configura-

se como uma relação de poder, em que o controle se dá por meio da competição econômica,

na qual os indivíduos buscam a realização no negócio, que refletirá como sucesso também na

vida, sucesso reconhecido e invejado pela sociedade, sendo indispensável para não se tornar

desacreditado pelo sistema (ENRIQUEZ, 1990).

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Tanto na entrada como na permanência dos indivíduos na organização, as relações de poder

configuram-se presentes, determinando a trama organizacional e trajetória dos atores. Tal qual

preconizado por Foucault (1979, 1987, 2004), o poder apresenta-se como uma prática social

comum, permanente, discreta, contínua, atuando como em uma rede de relações tensas

sempre em atividade. As relações de poder caracterizam as diversas situações apresentadas

nas histórias dos sujeitos.

4.4.3 A saída

Sobre os sujeitos que não se vincularam à organização, abandonando a empresa da família28,

observam-se elementos que se coadunam. No caso de Aline, sujeito relacionado à segunda

organização, sua saída da empresa familiar deve-se à relação conflituosa com o pai/gestor,

relacionada a disputas pelo poder. Segundo Enriquez (1990, 2007), o pai pode desejar o

desaparecimento do filho, assim como o filho pode desejar a anulação do pai, obstáculo à sua

própria realização. O auto-expurgo do sujeito da organização está ligado mais à busca de um

não-assujeitamento ao poder e controle do pai/gestor do que a uma inabilidade profissional

com a área administrativa (FARIA, 2007). Pelo contrário, tanto a profissão de administrador

quanto o trabalho na empresa em si são tidos como fonte de sentimentos positivos.

O sujeito Marcos afasta-se da empresa também por situações conflituosas relacionadas ao

poder e à esfera familiar. A disputa por poder em relação ao irmão (acionista majoritário) e os

conflitos de gestão ocorridos em decorrência do fato são apontados como fatores decisivos

28 O caso de Antônio não foi considerado nesta seção, pois ele afasta da empresa por motivo de aposentadoria relacionado a idade, o que não é o caso dos outros sujeitos abordados, que abandonam a empresa para se dedicarem a outro negócio, estando na época ativos no trabalho.

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para seu auto-expurgo da organização. Dessa forma, os elementos primordiais de sua saída

não se relacionam a uma inadaptabilidade, ou inabilidade à função administrativa e ao

trabalho na empresa em si (FARIA, 2007). Na realidade, sua saída da empresa é encarada por

ele como fato extremamente doloroso, tendo em vista a identidade constituída na atividade na

empresa e a centralidade do trabalho na organização em sua vida (CLOT, 2006; VIEGAS,

1989; FREITAS, 2000; LIMA, 2002), dentre outros aspectos.

A saída de Bruno não é mencionada explicitamente por ele como devida a relações de poder e

ou conflitos. No entanto, as falas de seus parentes remetem à existência de tais relações. Além

disso, sua saída também não ocorre por inabilidades ao trabalho administrativo ou

desinteresse pelo negócio. Pelo contrário, o trabalho administrativo é exaltado por ele na

tendência para administrar herdada, que, segundo ele, é inata à sua família. Também é

percebida em seu depoimento a questão familiar como presente em sua decisão de

desligamento da organização. Além disso, sua história na organização remete a formas de

controle e ajustamento quando o mesmo é disciplinado pelo pai para assumir o negócio na

organização (FOUCAULT, 1987; GARCIA, 1984; CARRIERI, 2005).

Há também que se destacar a saída dos sujeitos como formas de resistência diante das

relações de controle e poder parentais e ao trabalho na organização (FOUCAULT, 2004;

SOUZA, 2004; CLEGG, 1994). Nos casos analisados, o auto-expurgo dos sujeitos relaciona-

se a conflitos inerentes ao poder, que emergem no contexto de trabalho, mas possuem raízes,

ou repercutem, na esfera familiar. Nesse contexto, destaca-se que a família se encontra

diretamente relacionada ao contexto organizacional nas três instâncias de análise supracitadas.

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5 CONCLUSÃO

Diante das considerações tecidas, cabe fazer algumas reflexões finais. Retomando o objetivo

central deste trabalho – explicitar as relações de poder envolvidas na permanência, ou não, de

sujeitos indicados como sucessores nas organizações familiares –, pode-se afirmar que o

mesmo foi realizado. Observou-se que o poder se apresentou de forma constante em toda a

trama organizacional. O poder verificado na análise das histórias foi além de uma perspectiva

utilitária, em que o mesmo é atrelado à estratégia do indivíduo para realizar os objetivos

externos (PROCÓPIO, 2003), ou, de uma perspectiva do poder como patologia, como

disfunção maléfica à harmonia organizacional (DAUDI, 1986; DAHRENDORF, 1980). Na

realidade, observou-se que o poder se configura como algo inerente às relações sociais,

compreendido em sua complexidade dinâmica, por meio de seus significados objetivos e

subjetivos (FARIA, 2004a). Dessa forma, ao observar as diversas correlações de forças que

permeiam as realidades organizacionais e familiares, universos entrelaçados no objeto de

estudo em questão, percebeu-se que o poder não se encontra em um lugar definido, não deve

ser percebido apenas em suas formas regulamentares e legítimas, mas, sim, deve ser

compreendido como algo que circula, que funciona em rede (FOUCAULT, 1979, 1987).

Configurando-se como instrumento padronizador, docilizador, de submissão e alienação, o

poder perpassa as histórias dos sujeitos, estando diretamente relacionado à vinculação, ou não,

destes à organização. O poder foi vislumbrado desde as formas mais explícitas até aquelas

subliminares, nas quais o controle era quase imperceptível ou, mesmo, tido como algo

natural. Dessa forma, procurou-se analisar não apenas a relação de poder passível de

observação direta, mas também suas formas latentes, ocultas, que não podem exprimir-se. No

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estudo, verificou-se que as relações de poder atuam como algo que circula todo o tecido

social, configurando-se como uma rede, atuando nos aparelhos de produção, nas famílias, nas

instituições (FOUCAULT, 1979, 1987, 2004; CLEGG, 1989, 1992, 1994; SOUZA, 2004,

2006; CAPPELLE; BRITO, 2002; MOTTA, 1981; GARCIA, 1984). Nesta investigação,

mesclaram-se os cenários; o poder oriundo das relações familiares foi constantemente inserido

na organização, e vice-versa.

Dessa forma, respondeu-se também ao objetivo específico: investigar como as relações

oriundas do contexto familiar influenciam as relações profissionais estabelecidas no contexto

organizacional. No estudo destacaram-se as relações de controle e poder oriundas do âmbito

familiar. A influência familiar pode ser percebida na entrada dos sujeitos na organização, em

que os mesmos relacionam o ingresso a sentimentos de admiração pelos familiares que

trabalham na empresa e por sua história, incorporando seus valores e comportamentos, tal

qual preconizado no mito do herói-fundador (FARIA, 2004b). Esta situação também remete

ao trabalho na empresa, e à própria organização, como objeto de transmissão familiar, onde

sua continuidade garante a permanência do legado da família e a manutenção de laços entre os

familiares (CARRETEIRO; FREIRE, 2006; LIMA, 1999). De forma similar, a permanência e

saída dos sujeitos também são marcadas pelas relações familiares. No primeiro caso,

disposições afetivas, relacionadas ao amor e ao sentimento de família para com a organização

são apontadas, remetendo às formas de controle e poder veladas por estes sentimentos

(ENRIQUEZ 1990, 2007). A saída dos sujeitos da organização também é fortemente marcada

pela dimensão familiar. Nesses casos, a relação conflituosa do trabalho na empresa é

transferida para o âmbito familiar, e vice-versa, fazendo com que tais sujeitos se auto-

expurguem da organização (FARIA, 2007). Também se destacaram as relações de poder

emergidas dos conflitos de gestão ligadas às atividades do trabalho na empresa. No entanto,

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mesmo nessas situações eram evidentes as influências do tecido familiar, que aparentou estar

indissociável da vida organizacional.

O recurso metodológico de história de vida foi sobremaneira importante nesta pesquisa. Pelo

método, foi possível compreender as histórias dos sujeitos e como estas são entrelaçadas à

organização familiar, sendo este um dos objetivos específicos do estudo. A utilização das

histórias de vida permitiu uma investigação em profundidade acerca dos fenômenos

estudados. Pelos depoimentos, buscou-se reconstituir a experiência vivida, compreendendo o

universo do qual o sujeito faz parte, sua subjetividade e relação com os fatos sociais. Dessa

forma, o foco em questão era o sujeito e sua relação com o grupo, como estes se apropriam da

realidade. Além disso, buscou-se compreender as histórias de vida não como fatos

atomizados, mas como realidades entrelaçadas e constitutivas das várias posições e itinerários

da trajetória do grupo (MARRE, 1991; BARROS; SILVA, 2002; LAVILLE; DIONNE, 1999;

GAULEJAC, 2005; NEVES, 2001; BOSI, 2003).

É importante destacar a centralidade que a atividade laboral apresentou para os sujeitos em

estudo (CLOT, 2006; VIEGAS, 1989; FREITAS, 2000; LIMA, 2002). O trabalho interfere na

inserção do homem na sociedade, delimita espaços de mobilidade social e apresenta-se como

elemento constitutivo da identidade dos indivíduos. Destaca-se na pesquisa a relevância do

trabalho desempenhado na organização pelos indivíduos, seja por aspectos positivos ou

negativos. Em relação aos aspectos positivos, destacam-se as afeições apresentadas pelos

sujeitos com seus trabalhos, fato que adquire grande expressão na história dos sujeitos que

saíram da empresa. O abandono do trabalho na organização é relatado com profunda

emotividade por estes, que expressam sentimentos de tristeza em relação ao não-trabalho no

negócio da família. Em contrapartida, o trabalho na organização também foi percebido em

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seus aspectos negativos, como nos casos dos sofrimentos relatados relacionados ao trabalho e

também na história de Amanda, que vivencia o trabalho na empresa com sentimentos de

descontentamento e frustração.

Este estudo acena que, para compreender as organizações familiares, é fundamental

desprender-se apenas de análises pautadas na racionalidade positivista, voltando-se também

para a compreensão da relação social. Nessa perspectiva, a pesquisa almejou contribuir com o

que Davel e Colbari (2003) denominam de “perspectiva sociocultural”. Este enfoque só foi

possível porque se preconizou a subjetividade dos indivíduos, compreendida como uma

dimensão do sujeito imanente às suas individualidades (GONZÁLEZ REY, 2005; CLOT,

2006) e fundamental para a compreensão do trabalho humano.

A investigação demonstrou a grande influência das relações familiares nas organizações em

estudo. A compreensão da dinâmica familiar apresentou-se como caminho a ser trilhado para

aqueles que buscam enveredar-se em pesquisas com esta temática. Dessa forma, aponta-se

como perspectiva para futuros trabalhos a realização de estudos que aprofundem ainda mais

na instituição familiar. Outra possibilidade de estudo refere-se às questões de gênero, voltadas

especificamente para a realidade destas empresas. Nesta pesquisa, foram evidentes os

conflitos vivenciados pelas sucessoras pelo fato de serem mulheres. Embora tais conflitos

tenham sido apontados neste trabalho, um aprofundamento maior, tanto na análise quanto no

respaldo teórico científico, em relação à questão do gênero pode ser apontado como uma das

limitações deste estudo. Dessa forma, um aprofundamento nestas relações revela-se como

importante pauta para futuros trabalhos. Outra questão para estudo encontra-se na

investigação sobre as relações de poder no âmbito dos empregados. Embora apontada sua

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existência por alguns sujeitos, esta abordagem não foi realizada nesta dissertação. Dessa

forma, lança-se aqui mais um importante debate para posteriores pesquisas.

Concluindo, buscou-se analisar a dimensão do poder e como esta se insere na vinculação, ou

não, dos sujeitos à empresa familiar. O poder configurou-se inerente às relações sociais na

organização, estando intrinsecamente relacionado à permanência ou saída dos sujeitos da

mesma. Tal compreensão só foi possível mediante o resgate da subjetividade. Ao analisar o

vínculo dos indivíduos com a organização, também sobressaiu nas histórias, a centralidade do

trabalho na vivência dos sujeitos, seja por sua positividade, seja pela negatividade.

Por fim, destaca-se que as histórias de vida revelaram a forte influência do poder oriundo da

família, que se mostrou diretamente ligado ao estabelecimento do vínculo com a empresa. Os

dramas familiares estavam imbricados às histórias dos sujeitos nas organizações. O trabalho

mostrou-se, muitas vezes, palco de repetições vinculadas a vivências passadas, fato nem

sempre consciente aos sujeitos. Situações outrora vivenciadas foram re-significadas no

presente, histórias foram repetidas para responder ao momento atual. Nesse sentido, as

histórias dos sujeitos nas organizações remetem a uma “fotografia de família”. Fotografia que

permanece arraigada às situações de trabalho, determinando as trajetórias dos indivíduos na

empresa e a trajetória da própria organização. Tal fotografia ora é camuflada pelos sujeitos,

ora é escancarada em sua mais nítida expressão. Dessa forma, a vivência organizacional

configura-se como reflexo dos mais profundos dramas experenciados no espaço familiar – é a

fotografia de família estampada na organização.

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APÊNDICE

Apêndice A

Roteiro de Entrevista

1. Nome: 2. Idade: 3. Formação: 4. Cargo: 5. Tempo na empresa: 6. Conte sobre a história da organização (fundação até os dias atuais). 7. Conte sobre sua história na organização. 8. Como foi a sua entrada na empresa? Relação com os pais Relação com irmãos Relação com outros membros envolvidos 9. Quais motivos o levaram a trabalhar na empresa da família? 10. Como foi definida sua atual posição na empresa? 11. Houve alguma mudança no seu relacionamento com sua família após sua entrada na

empresa? Houve resistência, facilitadores, etc. Pais Filhos Outros membros 12. Como é o seu relacionamento com os membros da família que trabalham na empresa? Pais Filhos Outros membros 13. Como é o seu relacionamento com os outros funcionários da empresa (não membros da

família)? Colegas Superiores (se houver) Subordinados 14. Como é o seu relacionamento com os membros da família que não trabalham na empresa? Pais Filhos Outros membros

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15. Você percebe alguma influência dos laços familiares no seu trabalho na empresa? Quais? Descreva.

16. Já trabalhou em outras empresas? Quais, por quanto tempo? Comente. 17. Se seu filho fosse entrar na empresa, por exemplo, como você descreveria a empresa para

ele. 18. Escolha uma palavra que sintetize o que a empresa representa para você. 19. Quem você indica para conhecer a história da organização. Quem não indica.