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1 ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE O ENSINO COMERCIAL NO BRASIL Fernando Antonio Peres Doutorando do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação – USP E-mail: [email protected] A história das instituições escolares dedicadas ao ensino comercial no Brasil ainda está por ser escrita. Há poucos estudos acadêmicos sobre estas instituições de ensino de grau médio, que chegaram a mais de um milhar na década de 1960, com a matrícula de cerca de 200 mil alunos por ano. Além disto, a história do SENAC apresenta-se como hegemônica nas análises dos historiadores que se dedicam ao estudo do ensino comercial. E o ramo industrial transformou-se no núcleo das preocupações dos estudiosos da educação técnico-profissional. É o caso, por exemplo, de Santos (2003), que em estudo recentemente publicado e intitulado “A trajetória da educação profissional”, acaba por focalizar apenas o ensino industrial, “(...) dada a sua importância no contexto do processo de desenvolvimento verificado no Brasil a partir de 1930” (p. 216). Todavia, o ensino comercial, a cargo majoritariamente da iniciativa particular, foi promovido por atores sociais comprometidos com as mais diversas propostas educacionais desde fins do século XIX 1 . Os protestantes foram pioneiros nestas iniciativas, com a criação de cursos de comércio no Mackenzie College (em São Paulo) e no Instituto Granbery (em Juiz de Fora). Houve inúmeras escolas e cursos criados e mantidos pelos católicos e suas ordens religiosas. Cândido Mendes de Almeida, criador da Academia de Comércio do Rio de Janeiro, pertencia à elite intelectual e política do Brasil. Horácio Berlinck, um dos fundadores da Escola Prática de Comércio de São Paulo, era de origem humilde, filho de imigrantes que aprendera as noções de 1 A história do ensino comercial no Brasil iniciou-se com a vinda de D. João VI, que em 1808 criou a cadeira e a aula pública de ciência econômica (a cargo do Visconde de Cairu) e, no ano seguinte, as aulas de comércio, ambas no Rio de Janeiro. Estas aulas de comércio sofreram uma primeira regulamentação por parte do governo do Império em 1846. Dez anos depois, foram transformadas no Instituto Comercial do Rio de Janeiro. Mesmo com os currículos reformulados em 1861, 1863 e 1880, a freqüência às aulas no Instituto Comercial era baixíssima, o que ajuda a compreender o encerramento de suas atividades em 1902. Por outro lado, desde fins do Império, aulas avulsas de contabilidade, economia, legislação e matemática comercial foram criadas nas faculdades de direito e engenharia, assim como nas escolas normais (Carvalho, 1965; Rodrigues, 1984; Saes, 2001).

Fernando Antonio Peres

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ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE O ENSINO COMERCIAL NO

BRASIL

Fernando Antonio Peres

Doutorando do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação – USP

E-mail: [email protected]

A história das instituições escolares dedicadas ao ensino comercial no Brasil

ainda está por ser escrita. Há poucos estudos acadêmicos sobre estas instituições de

ensino de grau médio, que chegaram a mais de um milhar na década de 1960, com a

matrícula de cerca de 200 mil alunos por ano. Além disto, a história do SENAC

apresenta-se como hegemônica nas análises dos historiadores que se dedicam ao estudo

do ensino comercial. E o ramo industrial transformou-se no núcleo das preocupações

dos estudiosos da educação técnico-profissional. É o caso, por exemplo, de Santos

(2003), que em estudo recentemente publicado e intitulado “A trajetória da educação

profissional”, acaba por focalizar apenas o ensino industrial, “(...) dada a sua

importância no contexto do processo de desenvolvimento verificado no Brasil a partir

de 1930” (p. 216).

Todavia, o ensino comercial, a cargo majoritariamente da iniciativa particular,

foi promovido por atores sociais comprometidos com as mais diversas propostas

educacionais desde fins do século XIX1. Os protestantes foram pioneiros nestas

iniciativas, com a criação de cursos de comércio no Mackenzie College (em São Paulo)

e no Instituto Granbery (em Juiz de Fora). Houve inúmeras escolas e cursos criados e

mantidos pelos católicos e suas ordens religiosas. Cândido Mendes de Almeida, criador

da Academia de Comércio do Rio de Janeiro, pertencia à elite intelectual e política do

Brasil. Horácio Berlinck, um dos fundadores da Escola Prática de Comércio de São

Paulo, era de origem humilde, filho de imigrantes que aprendera as noções de

1 A história do ensino comercial no Brasil iniciou-se com a vinda de D. João VI, que em 1808 criou a cadeira e a aula pública de ciência econômica (a cargo do Visconde de Cairu) e, no ano seguinte, as aulas de comércio, ambas no Rio de Janeiro. Estas aulas de comércio sofreram uma primeira regulamentação por parte do governo do Império em 1846. Dez anos depois, foram transformadas no Instituto Comercial do Rio de Janeiro. Mesmo com os currículos reformulados em 1861, 1863 e 1880, a freqüência às aulas no Instituto Comercial era baixíssima, o que ajuda a compreender o encerramento de suas atividades em 1902. Por outro lado, desde fins do Império, aulas avulsas de contabilidade, economia, legislação e matemática comercial foram criadas nas faculdades de direito e engenharia, assim como nas escolas normais (Carvalho, 1965; Rodrigues, 1984; Saes, 2001).

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contabilidade ao trabalhar nos escritórios das indústrias de Álvares Penteado. E a

Academia de Comércio Saldanha Marinho foi criada no bairro paulistano do Belenzinho

por João de Camargo Penteado, que na década de 1910 comandara a mais duradoura

experiência de educação escolar anarquista em São Paulo: a Escola Moderna N.º 1,

fechada em 1919 pelo governo paulista.

Estas iniciativas, a cargo de segmentos tão distintos da sociedade, por si só já

justificaria um olhar mais atento sobre o ensino comercial.

Neste texto, procuro compreender a constituição de uma política educacional,

através da análise da legislação referente ao ensino comercial entre 1905 e 1971, que

expressa as intenções do governo federal e a percepção da importância desta

modalidade de ensino para a expansão econômica do Brasil no século XX. Trata-se de

uma reflexão importante tanto para o aprofundamento da compreensão da história da

educação brasileira nas décadas de 1920 e 1930 quanto para a análise das instituições

escolares dedicadas ao ensino comercial surgidas nesta época.

Na perspectiva da legislação referente ao ensino comercial no Brasil, há quatro

datas significativas: 1905, 1926, 1931 e 1943. Em 1905 a União editou o primeiro texto

legal referente a esta modalidade de ensino, oficializando escolas de comércio criadas

alguns anos antes pela iniciativa particular. Em 1926 foram estabelecidos os princípios

da fiscalização federal sobre o ensino comercial. 1931 e 1943 representam as reformas

dos ministros da Educação Francisco Campos e Gustavo Capanema, que promoveram

importantes transformações no ensino comercial.

Cumpre observar que o grande “divisor de águas” da legislação do ensino

comercial situa-se em 1943, pois a legislação aprovada neste ano perdurou até a

aprovação da reforma do ensino médio do governo militar, em 1971.

1. De 1905 a 1931, ou a fase de oficialização2 do ensino comercial.

O Decreto n.º 1.339, de 9/1/1905, primeira legislação referente ao ensino

comercial no Brasil, declarou a Academia de Comércio do Rio de Janeiro e a Escola

Prática de Comércio de São Paulo, ambas fundadas em 1902, instituições de utilidade

pública, ao mesmo tempo que reconhecia como de caráter oficial os diplomas por elas

2 Ferreira (1980) apresenta três fases para o desenvolvimento do ensino comercial no Brasil: a “embrionária”, da vinda de D. João até 1905; a de “oficialização”, de 1905 até 1943; e a de “profissionalização”, após a edição da lei orgânica do ensino comercial.

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conferidos. Além disso, o decreto de 1905 estabelecia dois cursos para aquelas

instituições de ensino comercial, criadas e mantidas pela iniciativa particular, e para

todas as demais que viessem a ser reconhecidas pelo governo da União: o curso geral e

o curso superior. Em ambos buscava-se o ensino essencialmente prático, com as

matemáticas aplicadas ao comércio e capacitação para falar e escrever os idiomas

lecionados.

O curso geral, que habilitava para as funções de guarda-livros, perito judicial e

empregos públicos nas áreas da Fazenda, compreendia o ensino de português, francês,

inglês, aritmética, álgebra, geometria, geografia, história, ciências naturais (inclusive o

reconhecimento de drogas, tecidos e outras mercadorias), noções de direito civil e

comercial (e legislação de Fazenda e aduaneira), prática jurídico-comercial, caligrafia,

estenografia, desenho e escrituração mercantil.

O curso superior, que exigia o curso geral como preparatório, habilitava para os

cargos de agentes consulares, funcionários do ministério das Relações Exteriores,

atuários das companhias de seguros e chefes de contabilidade de estabelecimentos

bancários e de grandes empresas comerciais. Compreendia o ensino de geografia

comercial e marítima, economia política, ciência das finanças, contabilidade do Estado,

direito internacional, diplomacia, história dos tratados e correspondência diplomática,

alemão, italiano, espanhol, matemática superior, contabilidade mercantil comparada e

banco-modelo.

A criação destas escolas de comércio na capital federal e em São Paulo expressa

as condições excepcionalmente favoráveis para o desenvolvimento do ensino comercial

no período republicano, caracterizado pela expansão da economia de mercado, pela

urbanização acelerada, pelo estabelecimento de grandes indústrias, bancos e casas de

comércio e pela imigração. Além disso, como afirma Saes (2001), nesta época ocorreu

uma verdadeira multiplicação dos órgãos administrativos do Estado brasileiro, o que

exigia a formação e qualificação de um corpo de funcionários especializados para o

desempenho de funções burocráticas.

O Decreto n.º 4.724-A, de 23/8/1923, equiparou os diplomas expedidos por

outras instituições de ensino comercial no Brasil3 aos da Academia de Comércio do Rio

3 Trata-se da Academia de Ciências Comerciais do Estado de Alagoas; dos cursos de comércio do Liceu de Artes, Ofícios e Comércio do Sagrado Coração de Jesus (em São Paulo), do Instituto Comercial Mineiro, do Instituto Lafaiete (na Capital Federal) e do Liceu Nossa Senhora Auxiliadora (em Campinas),

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de Janeiro, além de determinar a utilização, por todas elas, dos programas de ensino

determinados em 1905. Este decreto também implantou o princípio da fiscalização,

pelo governo, dos estabelecimentos de ensino comercial, a ser determinado por lei ou

ato governamental, medida esta adotada três anos depois.

O Decreto n.º 17.329, de 28/8/1926, instituiu um regulamento para os

estabelecimentos de ensino técnico-comercial oficialmente reconhecidos pelo governo

federal. Composto de dezenove artigos, este regulamento determinou a distribuição

anual das matérias dos cursos geral e superior, assim como um regime escolar mínimo,

ao definir três aulas de quarenta minutos de duração para cada uma das matérias e o

período letivo de, no mínimo, nove meses por ano. Também estabeleceu como

indispensáveis os laboratórios de química e análises e as bibliotecas especializadas para

cada uma das matérias existentes nos cursos comerciais.

O regulamento também estabeleceu critérios para os exames de admissão e para

a validação e o registro dos diplomas expedidos pelas instituições de ensino comercial.

Desta forma, ficou estabelecido que os concluintes do curso geral recebessem o título de

contador e os do curso superior, o de graduado em ciências econômico-comerciais.

A matrícula no curso geral dar-se-ia através da comprovação da idade mínima de

12 anos, atestado de saúde e vacina e aprovação em exame de admissão das seguintes

matérias: português, aritmética prática, elementos de geografia física e de cosmografia,

noções gerais de história do Brasil, instrução moral e cívica, desenho e morfologia

geométrica. O exame de admissão era dispensável mediante apresentação de certificado

de aprovação nas matérias acima citadas, em estabelecimento de ensino oficial ou

equiparado. A matrícula no curso superior dar-se-ia através da comprovação da idade

mínima de 16 anos, atestado de saúde e vacina e apresentação do diploma do curso

geral, expedido por estabelecimento oficial ou equiparado.

O regulamento também reafirmou as diretrizes do decreto de 1905 quanto ao

caráter prático do ensino comercial. O ensino das línguas estrangeiras, por exemplo, a

ser feito no respectivo idioma, deveria habilitar o aluno a falar e escrever com facilidade

e correção as línguas ensinadas.

mantidos pela Pia Congregação Salesiana; da Escola Comercial (mantida pela Sociedade de Educação e Ensino de Campinas); da Escola Prática de Comércio (da Associação Comercial do Pará); da Escola de Comércio (da Fênix Caixeiral do Ceará); e da Academia de Comércio (da Associação Comercial de Pernambuco).

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O regulamento do ensino comercial aprovado em 1926 também apresentava os

mecanismos de fiscalização desta modalidade de ensino. Encaminhados anualmente por

seus diretores, os relatórios de funcionamento das instituições escolares complementar-

se-iam pela ação de fiscais nomeados pelo ministro da Agricultura, Indústria e

Comércio. A fiscalização abrangeria toda a organização e o funcionamento dos

estabelecimentos de ensino comercial, especialmente quanto à regularidade das aulas,

ao cumprimento dos programas, à moralidade dos exames e provas parciais, à

suficiência do aparelhamento escolar, à aptidão do corpo docente (com as vagas

preenchidas por concurso ou por estágio de no mínimo dois anos) e à legalidade dos

diplomas conferidos.

O regulamento do ensino comercial também estabeleceu as matérias ou

disciplinas dos cursos de comércio. O curso geral apresentava vinte e oito cadeiras,

distribuídas em quatro anos, além de aulas de caligrafia, datilografia, desenho

geométrico, mecanografia, estenografia, métodos de classificação de papéis e sistemas

de fichas e prática de comércio. Português, francês, inglês e matemática eram matérias

que figuravam em três anos do curso. Contabilidade aparecia em todos os anos, nas

modalidades geral, comercial, agrícola e industrial, bancária, de companhias de seguros

e pública. As outras matérias eram as seguintes: instrução moral e cívica; geografia

política e econômica; geografia do Brasil; história geral e do Brasil; álgebra; desenho à

mão livre, aplicado ao comércio; noções de física, química e história natural;

complementos de física, química e história natural aplicadas ao comércio; noções de

direito constitucional, civil e comercial; legislação de fazenda e aduaneira e prática

jurídico-comercial; noções de merceologia e tecnologia merceológica.

Já o curso superior compunha-se de quinze cadeiras, distribuídas em três anos.

Alemão, italiano ou espanhol apareciam nos três anos do curso. As demais matérias

eram: matemáticas aplicadas às operações comerciais; geografia humana e comercial;

tecnologia industrial e mercantil; contabilidade administrativa, agrícola e industrial;

obrigações de direito civil, direito comercial e marítimo; economia política e ciência das

finanças; história do comércio, da agricultura e da indústria; direito constitucional e

administrativo; ciência da administração; contabilidade mercantil comparada e banco-

modelo; direito internacional, diplomacia, história dos tratados e correspondência

diplomática; direito industrial e legislação operária; e psicologia aplicada ao comércio.

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Estabelecia-se assim uma política educacional para o ensino comercial no Brasil,

presente tanto nos textos legais quanto nos relatórios oficiais elaborados pelos ministros

da Agricultura, Indústria e Comércio entre 1926 e 1929 e encaminhados ao presidente

da república.

Os relatórios do ministro da Agricultura antes de 1926 apenas mencionavam a

existência de um Museu Comercial4 na cidade do Rio de Janeiro, também chamado de

Museu Agrícola e Comercial5, destinado sobretudo a divulgar os principais produtos

agrícolas brasileiros às delegações estrangeiras sediadas na Capital Federal.

O ensino comercial apareceu pela primeira vez no relatório anual do ministro da

Agricultura em 1926. Segundo este relatório, com o objetivo de “melhorar e coordenar”

o ensino comercial no Brasil, o decreto aprovado naquele mesmo ano aprofundou a

fiscalização e o controle do governo sobre os estabelecimentos de ensino comercial

criados pela iniciativa particular. O poder público buscava assim “garantir a eficiência,

uniformização e graduação conveniente a todos os estabelecimentos, estimulando-os e

aperfeiçoando-os de acordo com os métodos modernos” (Relatório, 1926). Afirma o

ministro que, dos trinta estabelecimentos de ensino comercial existentes no país, vinte já

haviam solicitado o reconhecimento do governo federal.

O relatório do ministro da agricultura em 1927 foi mais explícito ao afirmar as

vantagens da regulamentação do ensino comercial verificada no ano anterior. O decreto

de 1926 permitiu, em primeiro lugar, distinguir as “escolas sérias” daquelas que

promoviam a “concorrência desleal” neste ramo de ensino; na visão governamental,

garantia-se “a moralidade e a idoneidade pedagógica” dos estabelecimentos

fiscalizados. Além disso, promovia-se o “ensino verdadeiro” de línguas estrangeiras,

assim como a introdução de disciplinas inexistentes nas escolas de comércio, tais como

a merceologia, a “arte de vender e de comprar”, a arte de anunciar e a prática de

escritório, com o emprego da mecanografia. Na visão governamental, o ensino do

comércio assumia um caráter mais complexo, deixava de ser um curso noturno para

empregados que buscavam “promoção nos escritórios” para transformar-se numa

modalidade capaz de atrair “parte da clientela dos internatos”. Como resultado, “formar-

se-ão (...) contabilistas, patrões, gerentes, vendedores, compradores, anunciantes,

homens de visão nova, capazes de manejar a riqueza do Brasil” (Relatório, 1927).

4 Relatórios de 1907, 1908, 1909-1910, 1910-1911, 1911-1912, 1912-1913, 1913 e 1914.

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O relatório do ministro da Agricultura em 1928 ressaltou a importância da

fiscalização governamental, enquanto fator de informação e organização das escolas de

comércio. A cooperação advinda da fiscalização auxiliava as escolas na “organização de

sua secretaria, de seus arquivos e programas”, na implantação de novos cursos ou no

aperfeiçoamento e melhoria dos já existentes. Reafirmava-se a necessidade de

instalações mínimas para garantir a excelência dos estabelecimentos de ensino

comercial oficializados, tais como o gabinete de física, o laboratório de química, o

museu comercial e o escritório-modelo. No mesmo sentido, destacava-se o método

direto (e prático) de ensino das línguas (Relatório, 1928).

Este relatório de 1928 mencionava 21 escolas oficializadas e 27 fiscalizadas,

além de enfatizar os progressos dos últimos anos, a saber: o aumento na quantidade de

matrículas nos cursos de comércio; a criação de cursos comerciais nos internatos e nas

escolas secundárias, com a matrícula dos filhos das “melhores famílias” nesta

modalidade de ensino; e a criação de disciplinas anteriormente inexistentes, permitindo

a especialização em todas as carreiras do comércio. Afirmava o relatório do ministro

que o ensino comercial tornava-se “fator decisivo para melhor exploração e

desenvolvimento da riqueza brasileira”, através da formação de “homens competentes”

para o seu manejo (Relatório, 1928).

O relatório do ministro da Agricultura em 1929 destacou a tarefa fiscalizadora

da Superintendência do Ensino Comercial, centrada nos exames, na expedição dos

diplomas e na escolha dos métodos e dos livros empregados nos cursos. Além disso, o

relatório destacava a existência, naquele ano, de mais de 70 estabelecimentos de ensino

comercial fiscalizados, assim como o importante papel desempenhado pelo contador

(profissional da contabilidade) na “sociedade moderna”, no desempenho de atividades

no comércio, na indústria, nas fazendas e explorações rurais, nos bancos e na

administração pública e privada.

O Decreto n.º 19.402, de 14/11/1930, criou o Ministério da Educação e Saúde

Pública e incorporou a Superintendência dos Estabelecimentos de Ensino Comercial a

este novo órgão administrativo da União.

Pode-se concluir que na Primeira República a presença do Estado manifestou-se

pelo reconhecimento da importância do ensino comercial para o desenvolvimento da

5 Relatórios de 1924 e 1925.

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economia brasileira, ao mesmo tempo em que se buscou criar um corpo normativo para

este ramo de ensino totalmente entregue à iniciativa particular. O Estado reservava para

si a prerrogativa de fiscalizar e controlar o ensino comercial, submetendo com eficiência

as escolas de comércio às suas diretrizes.

A primeira reforma geral do ensino comercial – promovida por Francisco

Campos – ocorreu menos de um ano após a tomada do poder por Getúlio Vargas, com a

publicação do Decreto n.º 20.158, de 30/06/1931. Este decreto, composto de 82 artigos,

estabeleceu a organização do ensino comercial reconhecido pelo governo federal, ao

definir cursos e programas, o regime escolar, a estrutura de fiscalização federal e a

regulamentação da profissão de contador.

A reforma de Francisco Campos redefiniu toda a estrutura do ensino comercial,

ao criar um curso propedêutico de três anos, cursos técnicos (de um, dois ou três anos),

um curso elementar de auxiliar de comércio de dois anos e um curso superior de

administração e finanças, de três anos. Os cursos técnicos eram: de secretário (um ano);

de guarda-livros (dois anos); de administrador-vendedor (dois anos); de atuário (três

anos); e de perito-contador (três anos). O referido decreto também estabeleceu as

disciplinas de cada curso, assim como o detalhamento de seus programas.

O curso de auxiliar de comércio compunha-se das seguintes matérias:

português; inglês; aritmética; noções preliminares de contabilidade; e contabilidade

mercantil. Previa também aulas de datilografia e caligrafia. Já para o propedêutico

previa-se português, francês, inglês e matemática em todos os três anos do curso, além

de geografia e história da civilização, corografia do Brasil, história do Brasil, física,

química, história natural e caligrafia.

As matérias do curso de secretário eram: correspondência (portuguesa, francesa

e inglesa); noções de direito (constitucional, civil e comercial); legislação fiscal;

organização de escritórios; estenografia e mecanografia. No curso de guarda-livros

estudava-se: noções preliminares de contabilidade; matemática comercial; noções de

direito comercial; contabilidade mercantil; matemática comercial; legislação fiscal;

técnica comercial e processos de propaganda; estenografia; e mecanografia. As matérias

do curso de administrador-vendedor eram: francês comercial; inglês comercial;

matemática comercial; merceologia e tecnologia merceológica; desenho aplicado ao

comércio e à indústria; mecanografia; noções de direito constitucional, civil e

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comercial; economia política e finanças; legislação fiscal; geografia econômica;

técnicas comerciais e processos de propaganda. As matérias previstas para o curso de

atuário eram: noções preliminares de contabilidade; contabilidade mercantil;

contabilidade de seguros; matemática comercial; matemática financeira; cálculo

atuarial; noções de direito constitucional e civil; legislação fiscal; noções de direito

comercial terrestre; legislação de seguros; economia política e finanças; merceologia e

tecnologia merceológica; técnica comercial e processos de propaganda; estatística;

estenografia; mecanografia; e seminário econômico (com apresentação de uma

monografia ao final do curso). Para o curso de perito-contador as seguintes matérias

estavam previstas: noções preliminares de contabilidade; contabilidade mercantil;

contabilidade industrial e agrícola; contabilidade bancária; matemática comercial;

matemática financeira; história do comércio, da indústria e da agricultura; noções de

direito constitucional e civil; legislação fiscal; noções de direito comercial terrestre;

prática do processo civil e comercial; economia política e finanças; merceologia e

tecnologia merceológica; técnica comercial e processos de propaganda; seminário

econômico; estatística; estenografia; e mecanografia.

O curso superior apresentava as seguintes matérias: contabilidade de

transportes; contabilidade pública; matemática financeira; finanças e economia

bancária; geografia econômica; economia política; direito constitucional e civil; direito

internacional comercial; legislação consular; direito administrativo; direito industrial e

operário; direito internacional, diplomacia, história dos tratados e correspondência

consular e diplomática; ciência da administração; psicologia; lógica e ética; política

comercial e regime aduaneiro comparado; história econômica da América e fontes da

riqueza nacional; e sociologia.

A matrícula no curso propedêutico e no de auxiliar de comércio exigiria a

comprovação da idade mínima de doze anos, atestado de saúde e vacinação e

pagamento da taxa de matrícula. Além disso, o candidato deveria ser aprovado no

exame de admissão (para português, francês, aritmética e geografia). Este seria

dispensável aos portadores de certificado de aprovação na primeira série do Colégio

Pedro II ou em estabelecimentos de ensino secundário, oficiais ou equiparados. Os

concluintes destes cursos (propedêutico e de auxiliar de comércio) fariam jus a

certificados.

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A matrícula nos cursos comerciais técnicos far-se-ia através da apresentação de

certificado de conclusão do curso propedêutico ou da quinta série do curso secundário

no Colégio Pedro II ou instituição congênere equiparada, além do atestado de saúde e

vacinação, atestados de identidade e idoneidade moral e pagamento da taxa de

matrícula. Aos concluintes dos cursos técnicos seriam concedidos diplomas e os

respectivos títulos de secretário, guarda-livros, administrador-vendedor, atuário e perito-

contador.

A matrícula no curso superior de comércio far-se-ia através da apresentação de

diploma dos cursos técnicos de atuário ou perito-contador, além do atestado de saúde e

vacinação, atestados de identidade e idoneidade moral e pagamento da taxa de

matrícula. Ao concluinte do curso superior seria concedido o título de bacharel em

ciências econômicas, ou doutor em ciências econômicas, mediante defesa de tese junto à

respectiva congregação.

Quanto ao regime escolar, o Decreto n.º 20.158/31 estabeleceu o início do ano

letivo em 1º de março, com término em 30 de novembro, sendo de férias a segunda

quinzena de junho e a primeira de julho. Os cursos teriam, no mínimo, dezoito aulas

semanais de quarenta minutos cada, sendo duas de cada disciplina. A freqüência era

obrigatória, exigindo-se dois terços de presença para prestação dos exames finais. A

avaliação consistiria de argüições, trabalhos práticos, provas escritas parciais e provas

finais, estas orais e escritas. Os professores poderiam elaborar os programas das aulas e

escolher os compêndios dos cursos, mediante aprovação do superintendente do ensino

comercial.

O reconhecimento oficial do governo da União seria concedido às escolas de

comércio que tivessem o curso propedêutico e pelo menos um curso especializado, e

que comprovassem possuir instalações mínimas apropriadas a estes cursos (gabinete de

física, laboratório de química, museu de merceologia e história natural, biblioteca

especializada e escritório-modelo), além de apresentar o provimento dos cargos de

professor mediante concurso ou através de estágio de docência (de no mínimo dois

anos), e cumprir a seriação, a organização didática e o regime escolar estabelecidos no

decreto. Além disso, das escolas de comércio reconhecidas oficialmente exigir-se-ia a

organização dos exames finais através de bancas examinadoras, com os devidos

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registros em documentos apropriados a este fim. Estabelecia-se também a concessão de

diplomas somente aos alunos que de fato concluíssem os cursos.

A fiscalização das escolas de comércio estaria a cargo da Superintendência do

Ensino Comercial (antiga Superintendência de Fiscalização dos Estabelecimentos de

Ensino Comercial). Este órgão, diretamente subordinada ao ministro de Educação e

Saúde Pública, além de fiscalizar os estabelecimentos privados de ensino comercial e

registrar os diplomas por eles conferidos, também teria a atribuição de dirigir os

institutos ou escolas de comércio, de ciências econômicas e de administração

diretamente vinculadas à União.

O Decreto n.º 20.158/31 estabeleceu também o padrão federal do ensino

comercial, ao determinar que todos os estabelecimentos de ensino comercial, de

ciências econômicas e de administração, pertencentes a fundações, sociedades

particulares, estados e municípios, devessem requerer a fiscalização e o reconhecimento

da Superintendência do Ensino Comercial, como condição para receber favores legais.

O relatório do ministro da Educação e Saúde Pública em 1932 efetuou um

balanço das ações governamentais desde meados da década de 1920, ressaltando que o

principal mérito do decreto de 1926 foi reprimir a princípio e evitar depois “os abusos

que viciavam a concessão dos diplomas”, embora naquele momento os diplomados não

gozassem de privilégios ou regalias (Relatório, 1932).

A própria criação do Ministério da Educação e a reforma do ensino comercial de

Francisco Campos foram duas outras ações do governo federal que mereceram destaque

no relatório de 1932. Quanto a esta reforma do ensino comercial, o relatório ministerial

destacou quatro benefícios imediatos: a melhoria da fiscalização desta modalidade de

ensino; a ampliação dos programas; a diversificação dos cursos; e as regalias conferidas

aos diplomados, principalmente o reconhecimento do prestigioso trabalho dos

contadores e guarda-livros. “A habilitação técnica dos empregados do comércio e dos

seus dirigentes” representou um duro golpe nos “processos rotineiros” que causavam

“entraves à prosperidade das indústrias” e “prejuízos ao consumo”. O ensino comercial

visava portanto prover os responsáveis pelas “atividades intermediárias entre produtores

e consumidores na vida econômica do país” do necessário esclarecimento, nos moldes

do que já era praticado nos centros mais adiantados do mundo (Relatório, 1932).

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Havia em 1932, distribuídos por todo o Brasil, 192 cursos em estabelecimentos

fiscalizados, dos quais metade (81 cursos) no estado de São Paulo, 29 no Distrito

Federal e 27 em Minas Gerais. Mais da metade destes estabelecimentos de ensino

comercial, isto é, 100 escolas, possuíam o curso propedêutico e o curso técnico de

contador, enquanto 64 possuíam o curso propedêutico e o curso técnico de guarda-

livros, o que representava cerca de 85% das escolas de comércio em todo o país

(Relatório, 1932).

Convém observar que na Exposição de Motivos da reforma geral do ensino

comercial, em 1943, o ministro Gustavo Capanema apresentou dados estatísticos que

reafirmam o êxito da reforma de 1931; afinal, se naquele ano havia 12.500 alunos

matriculados em 83 estabelecimentos reconhecidos, em 1943 eram 304

estabelecimentos reconhecidos que atendiam mais de 70 mil alunos6.

Enfim, a reforma de 1931 pode ser compreendida como uma ampliação do

controle do Estado sobre o ensino comercial, ao mesmo tempo em que se buscava

atender aos reclamos de uma sociedade cada vez mais complexa, a exigir profissionais

qualificados para uma economia em crescente diversificação.

2. De 1943 a 1971, ou a fase de profissionalização7 do ensino comercial.

O ensino comercial sofreu nova reorganização doze anos depois da reforma de

Francisco Campos, em 1943, através da edição de três textos legais: o Decreto-Lei n.º

6.141 (Lei Orgânica do Ensino Comercial); o Decreto-Lei n.º 6.142; e o Decreto n.º

14.373, todos de 28/12/1943. E vale destacar que estas duas reformas ocorridas na era

de Vargas (em 1931 e em 1943) representam a síntese da política educacional para o

ensino comercial no Brasil. Estas leis contribuíram de forma decisiva para a grande

expansão das escolas de comércio, ocorrida nas décadas de 1950 e 1960.

A Lei Orgânica do Ensino Comercial estabeleceu as bases da organização e do

regime de ensino comercial, transformando-o num ramo do ensino secundário.

O ensino comercial passou então a dividir-se em dois ciclos, cada qual

desdobrado em cursos (de formação, de continuação e de aperfeiçoamento). Os cursos

6 O boletim Ensino Comercial, n.º 20, de 1962, editado pela CAEC, apresenta números um pouco diferentes da fala do ministro: 12.226 alunos matriculados em 83 escolas em 1931; e 75.064 matriculados em 384 escolas em 1943. 7 Carvalho (1965) chamou esta fase de “era da institucionalização do ensino comercial” (p. 73).

Page 13: Fernando Antonio Peres

13

de continuação (ou cursos práticos de comércio) eram de primeiro ciclo e destinavam-se

a uma sumária preparação profissional, que habilitasse profissionais não diplomados

para as mais simples ou correntes atividades no comércio e na administração. Os cursos

de aperfeiçoamento poderiam ser do primeiro ou do segundo ciclo, e tinham por

finalidade proporcionar a ampliação ou elevação dos conhecimentos e capacidades

técnicas de profissionais já diplomados.

Quanto aos cursos de formação, no primeiro ciclo havia apenas um: o curso

básico de comércio, dividido em quatro séries anuais. Já o segundo ciclo apresentava

cinco cursos comerciais técnicos, cada qual com a duração de três anos, a saber:

comércio e propaganda; administração; contabilidade; estatística; e secretariado. Da

mesma forma, os estabelecimentos de ensino comercial que apresentassem somente o

curso básico de comércio seriam denominados como “escolas comerciais”; já os que

tivessem um ou mais cursos comerciais técnicos seriam chamados de “escolas técnicas

de comércio”, podendo ministrar também o curso básico. Além dos estabelecimentos

federais de ensino comercial (mantidos e administrados pela União, e gratuitos para os

alunos), haveria os estabelecimentos equiparados (mantidos pelos estados ou pelo

Distrito Federal, desde que autorizados pela União) e os estabelecimentos reconhecidos

(mantidos e administrados pelos municípios ou pela iniciativa privada). Era

competência do Ministério da Educação a inspeção dos estabelecimentos de ensino

equiparados e reconhecidos, nos aspectos administrativos e pedagógicos.

Os concluintes do curso básico de comércio poderiam progredir para quaisquer

dos cursos técnicos de comércio. Da mesma forma, o curso básico de comércio estaria

articulado com o ensino primário; e os cursos comerciais técnicos, com o ensino

secundário (e o ensino normal de primeiro ciclo). Aos concluintes de quaisquer dos

cursos comerciais técnicos seria facultado o ingresso em estabelecimento de ensino

superior, observadas as condições de admissão a este ramo de ensino, para matrícula em

curso diretamente relacionado com o curso comercial técnico concluído.

Os cursos de formação seriam constituídos do ensino de disciplinas (de cultura

geral e de cultura técnica) e de práticas educativas (educação física, para os alunos dos

cursos diurnos até a idade de 21 anos; canto orfeônico, para os alunos até 16 anos; e

instrução pré-militar aos alunos do sexo masculino8). Além destas, estavam previstas

8 A instrução pré-militar foi extinta a partir de 1947, pelo Decreto-Lei n.º 9.331/46.

Page 14: Fernando Antonio Peres

14

também atividades sociais escolares e excursões. A educação moral e cívica seria

desenvolvida na execução de todos os programas e no próprio processo da vida escolar,

sem constituir-se em disciplina ou prática educativa separada.

Quanto ao regime escolar para os cursos de formação, a legislação estabelecia

como trabalhos escolares as lições, os exercícios e os exames, assim como um período

letivo de nove meses, de 15 de março a 15 de dezembro, com dez dias de férias no final

de junho. Os exames poderiam ser feitos também nos períodos de férias. Os cursos

deveriam apresentar de 18 a 21 horas semanais de trabalhos escolares, com freqüência

obrigatória (mínimo de 75% nas disciplinas e 70% nas práticas educativas).

A matrícula nos cursos de formação far-se-ia mediante comprovação de não ser

o candidato portador de doença contagiosa e de estar vacinado. Além disso, para a

matrícula no curso comercial básico havia a exigência da idade mínima de 11 anos

(completos ou a completar até 30 de junho), uma satisfatória educação primária e

aptidão intelectual para acompanhar o curso, revelada através de exames de admissão

(com provas orais e escritas de português, matemática, história e geografia do Brasil).

Para os cursos comerciais técnicos, exigir-se-ia a conclusão do curso comercial básico

ou o curso de primeiro ciclo do ensino secundário (ou normal). Facultava-se também

aos estabelecimentos de ensino comercial estabelecer exames de admissão para os

cursos técnicos de comércio.

Ao aluno concluinte do curso comercial básico seria conferido o diploma de

auxiliar de escritório. O concluinte dos cursos técnicos de comércio receberia um dos

seguintes diplomas: técnico em comércio e propaganda, técnico em contabilidade,

técnico em estatística, assistente de administração ou secretário, conforme o curso

concluído. Todos os diplomas deveriam ser registrados no Ministério de Educação.

O curso comercial básico apresentava as seguintes disciplinas de cultura geral:

português, francês e matemática (nas quatro séries); inglês (em três séries); geografia

geral, história geral, geografia do Brasil e história do Brasil (em duas séries); ciências

naturais e economia doméstica (em uma série, sendo esta última apenas para as alunas).

As disciplinas de cultura técnica eram: desenho, caligrafia, datilografia, estenografia e

prática de escritório e escrituração mercantil.

Page 15: Fernando Antonio Peres

15

Todos os cursos técnicos de comércio apresentavam as seguintes disciplinas de

cultura geral: português (nas três séries); francês ou inglês (em duas séries)9;

matemática (em duas séries); física e química, biologia, geografia humana do Brasil,

história administrativa e econômica do Brasil (em uma série).

As disciplinas de cultura técnica variavam de acordo com os cursos. Para o de

administração eram: elementos de administração; elementos de economia; elementos

de estatística; contabilidade geral; contabilidade aplicada; organização dos serviços

públicos; organização das empresas; administração de pessoal; administração de

material; elementos de finanças; direito usual; e mecanografia. Para o curso de

contabilidade eram: contabilidade geral; contabilidade comercial; contabilidade

industrial; contabilidade bancária; contabilidade pública; elementos de economia;

elementos de estatística; organização e técnica comercial; merceologia; prática jurídica

geral e comercial; e mecanografia. Para o de comércio e propaganda eram: elementos

de economia; elementos de estatística; merceologia; contabilidade geral; contabilidade

aplicada; organização e técnica comercial; técnica da compra, venda, armazenamento e

distribuição; comércio de exportação e importação; técnica da propaganda; direito

usual; mecanografia; e desenho técnico. Para o curso de estatística eram: estatística

geral; estatística aplicada; complementos de matemática e cálculos estatísticos; ciências

sociais; elementos de contabilidade; mecanografia; e desenho técnico. E para o de

secretariado eram: elementos de contabilidade; organização e técnica comercial;

estudos sociais; biblioteconomia e arquivística; direito usual; psicologia das relações

humanas; datilografia; estenografia; e mecanografia.

O Decreto n.º 42.671, de 20/11/1957, estabeleceu um novo plano de estudos para

o curso comercial básico, dividindo as disciplinas de cultura geral e de cultura técnica

em dois grupos: obrigatórias e complementares. Português, inglês, matemática, ciências

naturais, geografia geral e do Brasil e história geral e do Brasil tornaram-se disciplinas

de cultura geral obrigatórias; francês e espanhol, as disciplinas de cultura geral

complementares. Desenho, caligrafia, noções gerais de comércio, prática de comércio e

prática de escritório eram as disciplinas de cultura técnica obrigatórias, enquanto

datilografia, estenografia, elementos de desenho aplicado, economia doméstica, prática

de venda, prática da armazenagem e da distribuição e prática de hospitalidade eram

9 Exceto o curso técnico de secretário, que exigia as duas línguas estrangeiras, sendo a inglesa em três

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16

disciplinas de cultura técnica complementares. Pelo decreto, cada escola de comércio

poderia organizar seu plano de curso, ouvida a diretoria do ensino comercial, nele

incluindo, a partir da segunda série, pelo menos uma disciplina complementar, mas sem

ultrapassar o limite de oito matérias por série.

A organização do ensino comercial estabelecida em 1943 perdurou até a

promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei n.º 4.024, de

20/12/1961. Nesta, o curso comercial aparecia como uma das modalidades do ensino

técnico de grau médio, ao lado do curso industrial e do agrícola, ministrados todos em

dois ciclos: o ginasial, de quatro anos; e o colegial, de no mínimo três anos.

A Portaria Ministerial n.º 69, de 2/3/1962, dispôs sobre os currículos do ensino

comercial, além de determinar a manutenção do regime escolar vigente, conforme

estabelecido na Lei Orgânica do Ensino Comercial, desde que não contrariasse

expressamente a LDB recém-aprovada. O primeiro e o segundo ciclos do ensino técnico

comercial passaram a denominar-se, respectivamente, ginásio comercial e colégio

comercial. As alterações mais significativas no regime escolar foram os 180 dias de

trabalho escolar efetivo no ano10, assim como 24 aulas semanais para o ensino de

disciplinas e práticas educativas. Na avaliação do aproveitamento do aluno, as escolas

poderiam abolir as chamadas provas parciais, fazendo preponderar sobre os exames

finais os resultados obtidos nos trabalhos escolares realizados durante o ano letivo. O

ingresso na primeira série do curso ginasial de comércio far-se-ia mediante exame de

admissão (para comprovar satisfatória educação primária) e idade mínima de 11 anos

completos, ou a completar-se até 31 de dezembro11. O quadro curricular dos cursos

técnicos comerciais do primeiro ciclo sofreu também algumas alterações.

O curso ginasial de comércio apresentava, nas duas primeiras séries, as

seguintes disciplinas obrigatórias: português, geografia, história, matemática e iniciação

à ciência. Além disso, cada escola deveria escolher uma das seguintes disciplinas

optativas: desenho, línguas estrangeiras modernas, língua clássica, música (canto

orfeônico), iniciação às técnicas comerciais e noções gerais de comércio. Nas duas

últimas séries, as disciplinas obrigatórias eram: português, matemática, ciências físicas e

biológicas, prática de comércio e prática de escritório. As disciplinas optativas (para

séries. 10 No curso noturno, 160 (e depois 150) dias de efetivo trabalho escolar. 11 Para o curso noturno, a idade mínima exigida era de 14 anos, a completar-se até 30 de junho.

Page 17: Fernando Antonio Peres

17

escolha, pela escola, de uma) eram: geografia, história, organização social e política

brasileira, desenho, línguas estrangeiras modernas, língua clássica, música (canto

orfeônico), iniciação às técnicas comerciais e noções gerais de comércio. Nos quatro

anos do curso havia ainda as práticas educativas: educação física (obrigatória até os 18

anos) e outras, optativas, tais como educação cívica, educação artística, educação

doméstica, artes femininas e artes industriais.

Todos os cursos colegiais de comércio apresentavam as seguintes disciplinas

obrigatórias nas três séries anuais: português, matemática, história e ciências físicas e

biológicas. Cada escola de comércio deveria escolher uma ou duas disciplinas optativas,

dentre as seguintes: geografia, psicologia, lógica, línguas estrangeiras modernas,

estudos sociais, filosofia, língua clássica, higiene, puericultura e dietética. As práticas

educativas eram as mesmas dos cursos ginasiais de comércio.

Além destas disciplinas comuns, cada curso técnico de nível colegial

apresentava suas disciplinas específicas. O técnico de contabilidade previa:

contabilidade (geral e aplicada), contabilidade comercial, contabilidade bancária,

contabilidade industrial e agrícola, elementos de economia, organização e técnica

comercial, direito usual, técnica orçamentária e contabilidade pública, técnica

mecanográfica e processos mecânicos de contabilização, estatística e legislação

aplicada. O técnico de administração exigia: elementos de administração e

organização, contabilidade geral e aplicada, elementos de economia, organização de

empresas, técnica comercial e controle administrativo, direito usual, ciências sociais,

organização de empresas, organização dos serviços públicos, administração de pessoal e

material, princípios e técnicas de liderança, estatística e legislação aplicada. O técnico

de secretariado previa: contabilidade geral e aplicada, datilografia e estenografia,

organização e técnica comercial, biblioteconomia e arquivística, técnica profissional,

direito usual, organização e técnica comercial, técnica profissional, psicologia das

relações humanas, ciências sociais e estatística. O técnico de estatística estabelecia:

estatística geral, complementos de matemática, estatística aplicada, desenho técnico,

direito usual, elementos de administração e organização elementos de economia, teoria

e técnica de seguros e legislação de seguros e previdência social. E o técnico de

comércio e propaganda previa: contabilidade geral e aplicada, desenho técnico, direito

usual, elementos de economia, elementos de administração e organização, técnica de

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18

propaganda, técnica comercial e dos negócios, relações públicas, estatística, ciências

sociais e legislação aplicada.

A Portaria Ministerial n.º 69/62 também permitia algumas alternativas na

seriação mínima obrigatória dos cursos técnicos de comércio, a fim de atender à

“flexibilidade dos currículos” e às “peculiaridades da região e dos grupos sociais”,

conforme estabelecido na LDB. Desta forma, as escolas poderiam substituir algumas

disciplinas por outras semelhantes ou congêneres, conforme as necessidades da

localidade em que estivessem estabelecidas e dos freqüentadores de seus cursos. Por

exemplo, na 2ª série do curso técnico de contabilidade, a disciplina “contabilidade

bancária” poderia ser substituída por “contabilidade de seguros” ou por “contabilidade

de empresas diversas”.

Outra inovação importante da LDB aprovada em 1961 foi a articulação entre

todos os ramos do ensino médio, permitindo a transferência de alunos entre seus

diversos cursos, mediante processo de adaptação12. A transferência somente era vedada

para a última série dos cursos do segundo ciclo de ensino técnico comercial (cursos

colegiais de comércio).

Na década de 1950, antes mesmo da aprovação da LDB, o curso comercial

básico já havia se tornado muito semelhante ao ensino secundário de primeiro ciclo,

sobretudo em função da lei de equivalências e das alterações ocorridas em seu plano de

estudos. Rachid (1970) atentou para o fato de que a clientela dos cursos comerciais,

sensível à possibilidade de promoção social advinda destes cursos nesta época, “(...) é

tão consciente na escolha da educação que lhe convém que paga para obtê-la, ainda

quando ao lado da escola paga funcione um curso clássico ou científico da rede pública”

(p. 361). Canabrava (1985), ao mesmo tempo em que ressalta a desintegração da

estrutura dualista do sistema educacional brasileiro – ocorrida nas décadas de 1920 e

1930 como produto tanto das transformações sociais e econômicas quanto das

demandas originárias das camadas médias da sociedade – também afirma que, a partir

da década de 1940, os cursos comerciais constituíram-se em opção profissionalizante

que possibilitava o ingresso no ensino superior “com o respaldo financeiro do exercício

profissional” (p. 25).

12 Cumpre observar que a Lei n.º 1.821, de 12/03/1953, já havia estabelecido o regime de equivalência entre os diversos cursos do grau médio para efeito de matrícula no ciclo colegial e nos cursos superiores, o que significou a articulação do ensino comercial com os vários ramos do ensino médio.

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19

Esta política educacional destinada ao ensino comercial obteve o êxito esperado,

ao capacitar a mão-de-obra atuante no setor terciário através de educação formal e,

simultaneamente, ao permitir um caminho alternativo para a “promoção social” através

da escola, mediante acesso ao nível superior combinado com o exercício profissional.

Mas este rumo dado ao ensino comercial sofreria um profundo abalo com as reformas

educacionais promovidas pelos governos militares.

3. Após 1971, o crepúsculo do ensino técnico comercial.

A Lei n.º 5.692, de 11/8/1971 – que implantou a reforma de ensino dos governos

militares – determinou uma total reformulação nas diretrizes e bases da educação

nacional. Ao estabelecer o ensino de primeiro grau de oito anos, a lei 5.692/71 efetuou a

fusão do ensino primário com o primeiro ciclo do ensino secundário (ginasial), além de

transformar o segundo ciclo do ensino secundário (colegial) em ensino de segundo grau.

Neste grau de ensino, a regra passou a ser a profissionalização compulsória, através da

predominância da formação especial sobre a formação geral, com o objetivo de

propiciar habilitação profissional a todos os concluintes do segundo grau (Parecer CFE

n.º 853, de 12/11/1971). Buscava-se combinar o princípio da continuidade de estudos

(formação geral) com o da terminalidade (formação especial, que conduz à habilitação

profissional) em todo o ensino de segundo grau.

O Parecer CFE n.º 45 e a Resolução CFE n.º 2, de 27/1/1972, explicitaram “o

mínimo a ser exigido em cada habilitação profissional ou conjunto de habilitações

afins”, em termos de matérias e carga horária obrigatória. Estes textos legais

incorporaram um catálogo de habilitações profissionais, a partir do documento básico

elaborado (em fins de 1971) pelo Departamento de Ensino Médio do MEC. Este

catálogo continha 52 habilitações com o detalhamento das matérias do currículo mínimo

e 78 habilitações reunidas “em grupos afins, em torno das técnicas”.

As habilitações técnicas do antigo ensino comercial foram agrupadas em um

único conjunto, denominado “assistente de administração; contabilidade; estatística;

publicidade; secretariado; e comercialização e mercadologia” 13. A este conjunto de

habilitações afins a legislação propunha treze matérias: estatística; mecanografia e

processamento de dados; economia e mercados; direito e legislação; psicologia;

13 Dez outras habilitações eram citadas no referido catálogo de habilitações profissionais.

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20

contabilidade e custos; organização e técnica comercial; desenho; administração e

controle; publicidade; técnicas de secretariado; compra e armazenamento; e exportação

e importação. Estas matérias estavam distribuídas de forma não uniforme entre as

diferentes habilitações, exigindo-se: quatro para o curso de estatística; seis para

contabilidade, publicidade e secretariado; sete para administração; e dez para

comercialização e mercadologia.

A título de exemplo, destaco o currículo mínimo para a habilitação técnico em

contabilidade, presente no catálogo de habilitações profissionais da Resolução CFE n.º

2/72. Propunha-se para este curso 2.400 horas, das quais 840 para matérias de educação

geral, 270 para educação física e 1.290 para matérias da formação especial. Para a

formação geral propunha-se: língua e literatura nacional; língua estrangeira; educação

artística; geografia; história; educação moral e cívica; organização social e política do

Brasil; matemática; e ciências. Para a formação especial o currículo mínimo era

constituído das seguintes matérias: redação e expressão; mecanografia; estudos

regionais de economia e mercados; direito e legislação; organização e técnica

comercial; estatística; processamento de dados; contabilidade e custos; e programas de

saúde.

A Lei 5.692/71 também extinguiu o curso comercial básico, ao implantar o

princípio da iniciação para o trabalho, através de “atividades desenvolvidas pelos

educandos no ensino de 1º grau, na escola e na comunidade, com o fim de orientá-los no

sentido de conhecerem os diversos campos de trabalho existentes na localidade, na

região e no país, os diversos sistemas de produção e prestação de serviços, a aplicação

de materiais e instrumentos e a prática inicial na execução de tarefas que envolvam os

aspectos de criatividade, utilidade, organização, experimentação de técnicas básicas e

avaliação da qualidade” (Resolução CFE n.º 2/72, anexo B – Glossário).

Para João Paulo dos Reis Velloso, que foi ministro do Planejamento durante o

governo militar, o que se verificava no Brasil na década de 1960 era uma verdadeira

“crise de crescimento” dos ginásios industriais, agrícolas e comerciais, que padeciam de

um corpo docente escasso e com uma formação deficiente; incapazes, portanto, de

garantir uma pré-formação adequada dos educandos para a vida profissional. Da mesma

forma, ocorria uma distorção no ciclo colegial, que se tornara propedêutico aos cursos

superiores quando deveria formar os técnicos exigidos pelo mercado de trabalho em

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21

expansão (Velloso, 1970). Entretanto, convém lembrar que a reforma de 1971 foi

incapaz de reverter o quadro descrito acima, apesar das intenções declaradas da política

educacional dos governos militares e de todas as mudanças promovidas no ensino do

país. O sistema educacional brasileiro continuou marcado pelo ensino médio de

natureza propedêutica e sem um ramo de ensino adequadamente estruturado para a

formação dos profissionais de nível técnico.

4. Algumas conclusões sobre a política educacional para o ensino comercial.

Os dados estatísticos comprovam que o ensino comercial apresentou um grande

impulso a partir da década de 1920, atingindo o apogeu na década de 1960 (ver Anexo

I). Para Carvalho (1965), a expansão do ensino comercial no Brasil resultou do próprio

desenvolvimento econômico do país, com a urbanização, o surgimento de grandes

mercados consumidores, a produção em larga escala de inúmeras mercadorias, a

abertura de estradas e o surgimento de empresas de grande porte, com operações em

escala e vinculadas ao comércio importador e exportador. Para Saes (2001), a expansão

do ensino comercial foi uma resposta à necessidade crescente de “profissionais

qualificados para as tarefas de gestão” (p. 44), tanto por parte do governo que promovia

a ampliação das estruturas do Estado quanto para as empresas que buscavam enfrentar o

crescente nível de complexidade da economia nacional.

Até o final do século XIX, o predomínio de pequenas organizações comerciais

no cenário brasileiro justificava a “formação empírica” do pessoal empregado no setor

comercial (Carvalho, 1965). A partir de então, a necessidade de especialistas em

técnicas de contabilidade e legislação favoreceu o surgimento de cadeiras de

contabilidade, matemática comercial, economia e finanças e legislação comercial em

instituições de ensino dedicadas a outras modalidades de ensino, como as faculdades de

direito e engenharia e mesmo as escolas normais. Estas cadeiras avulsas estiveram a

cargo de profissionais formados no exterior ou de autodidatas, que possuíam apenas a

tão criticada “formação empírica”.

O surgimento das primeiras escolas de comércio, no alvorecer do século XX e

inteiramente a cargo da iniciativa particular, foi acompanhado pela institucionalização

do ensino comercial, a partir de meados da década de 1920. Neste período, o Estado

brasileiro tratou de criar todo um arcabouço legal para determinar as diretrizes do

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22

ensino comercial no país. O governo federal reservou para si o “papel de órgão

planejador, organizador e incentivador do ensino comercial” (Carvalho, 1965, p. 82). A

tônica das políticas educacionais para o ensino comercial recaía então no controle e na

fiscalização das iniciativas escolares a cargo da iniciativa particular, em plena

expansão.

A criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) em 1946

foi uma medida governamental destinada “a preparar mão-de-obra para o comércio e

realizar a aprendizagem comercial do empregado já em atividade” (Carvalho, 1965, p.

81). O SENAC, estabelecido através do Decreto-Lei n.º 8.621, de 10/1/1946, era um

órgão auxiliar do MEC, financiado com recursos do próprio comércio, arrecadados pelo

governo federal.

A partir da criação do SENAC, os estabelecimentos de ensino comercial

existentes – em sua maioria particulares – continuariam a dedicar-se à formação de

pessoal técnico para futuro ingresso no comércio, através de cursos de longa duração

(de quatro a sete anos), sob fiscalização federal. E ao SENAC caberia a preparação (e

também o aperfeiçoamento e a especialização) do pessoal sem formação específica, mas

já em atividade no comércio, através de cursos de curta duração (de alguns meses a, no

máximo, três anos), em escolas de aprendizagem e de formação comercial em nível

primário e médio.

A criação da Campanha de Aperfeiçoamento e Expansão do Ensino Comercial

(CAEC) em 1954, através do Decreto n.º 35.247, de 24/03/1954, representou uma

mudança na política do Estado em relação ao ensino comercial, ao se buscar orientar,

estimular e ajudar (inclusive financeiramente) a iniciativa privada, com ações visando a

formação e o aperfeiçoamento do pessoal docente, através de cursos, congressos e

publicações de informativos e material didático para o ensino comercial. Neste sentido,

Carvalho (1965) cita três fatos que demonstram a expansão do ensino comercial na

década de 1960: a criação de cursos e escolas de comércio pelos governos de vários

estados e municípios (Guanabara, Paraná, Minas Gerais e Rio Grande do Sul); a

expansão de cursos avulsos (de datilografia, taquigrafia, línguas estrangeiras,

correspondência comercial, noções de contabilidade, etc.), mediante professores

particulares, estabelecimentos de ensino livre e cursos por correspondência e pelo rádio;

e a criação do Colégio Comercial Prof. Clóvis Salgado, iniciativa do governo federal na

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23

cidade do Rio de Janeiro, destinada a ser uma escola-modelo de comércio e um centro

de formação de professores especializados para o ensino comercial14.

Neste período, sem prescindir das escolas de comércio custeadas pela iniciativa

privada, sob controle estrito do governo federal, as políticas educacionais foram

marcadas pela ampliação da presença do poder público neste ramo do ensino, assim

como um enfoque maior na questão da qualidade do serviço prestado, com

preocupações recorrentes com a formação do pessoal docente. Para Rachid (1970) “(...)

a formação de professores não tem acompanhado o ritmo de crescimento das matrículas

[no ensino comercial], resultando a necessidade de se recrutar na comunidade seus

elementos mais expressivos para atividades típicas para as quais não se encontram

preparados” (p. 358).

O crepúsculo do ensino comercial de nível médio no Brasil começou a

manifestar-se na década de 1980. Um fator explicativo desta “maré vazante” pode ser

identificado nas substanciais modificações ocorridas na estrutura da sociedade

brasileira, que se refletiu, no ensino, com a falência do modelo de qualificação para o

trabalho de todo o segundo grau. Cumpre lembrar que a aprovação da Lei n.º 7.044/82

simplesmente oficializou a impossibilidade de concretização desta política educacional

dos governos militares para o ensino médio.

Dois outros fatores, mais específicos do campo educacional, podem ser

apontados: a criação do SENAC e a grande expansão dos cursos referentes à área

administrativa em nível superior, a partir da década de 1970 15. Desta forma, a

preparação do pessoal empregado no comércio passou a realizar-se no ensino superior,

em cursos de administração, ciências contábeis e atuariais, economia, secretariado,

estatística, publicidade e propaganda16, mais atraentes quanto ao prestígio social e à

renda auferida aos profissionais formados. E o SENAC incumbiu-se de preparar a mão-

de-obra qualificada e semi-qualificada nas profissões mais elementares do ramo

14 Através do Decreto n.º 53.328, de 18/12/1963, o Colégio Comercial Prof. Clóvis Salgado passou a subordinar-se à Diretoria de Ensino Comercial do MEC. 15 Segundo Werebe (1968), a matrícula nos cursos superiores de ciências econômicas saltou de 2.589 alunos em 1945 para 15.183 em 1964, um crescimento de 586% em vinte anos. Saes (2001) identifica o surgimento dos cursos superiores de contabilidade e economia (nas décadas de 1930 e 1940) e de administração (na década de 1950) em estreita relação com a regulamentação das profissões: de contador (em 1931), economista (em 1951) e administrador de empresas (em 1965). Trata-se da “crescente especialização... numa economia cada vez mais complexa” (p. 58).

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24

comercial, em cursos de excelência e gratuitos para os alunos. Além disso, com a

informatização das atividades produtivas, foi possível ao trabalhador que tivesse apenas

a formação primária ou média desempenhar satisfatoriamente grande parte das tarefas

no setor terciário da economia. A prática da datilografia, tão exigida nos escritórios até a

década de 1980 e fator de prestígio social, tornou-se desnecessária na era da

informática.

Neste novo contexto social e educacional, as antigas escolas de comércio,

mantidas pela iniciativa particular e dedicadas à formação de grau médio, perderam a

razão de ser. Estas escolas comerciais transformaram-se então em escolas de ensino

fundamental e médio, ou em instituições de ensino superior. Ou desapareceram do

cenário educacional. Da mesma forma, deixou de ser relevante a existência de uma

política educacional específica para o ensino comercial, além daquela consubstanciada

pelo SENAC.

Anexo I

Rede Escolar de Ensino Comercial, 1905-1964. Data Estabelecimentos de

Ensino Comercial Quantidade de

Alunos População geral

do Brasil 1905 2 343 19.988.00 1915 2 500 1920 6 773 30.835.605 1925 20 1.000 1930 145 15.500 38.381.00 1935 236 24.349 1940 280 49.843 41.236.315 1945 436 79.370 1950 591 75.420 51.944.397 1955 750 96.497 1960 1.106 185.952 70.907.185 1964 1.423 270.036 79.837.000

Fonte: Carvalho, 1965, p. 89.

16 Saes (2001) identifica no ensino comercial a “raiz” do surgimento dos cursos superiores de contabilidade, economia e administração. Curiosamente, trata-se de uma árvore que, ao crescer e ramificar-se, contribuiu para sufocar suas raízes.

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25

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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