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FESTA DE SÃO JORGE: PATRIMÔNIO CULTURAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO FEAST OF SAINT GEORGE: CULTURAL HERITAGE OF RIO DE JANEIRO FÊTE DE SAINT GEORGE: PATRIMOINE CULTUREL DE RIO DE JANEIRO Elizete Modesto de Souza Marinho Lopes Licenciada em Turismo e Pós-graduanda em Hotelaria pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro BR 465 Km7 Seropédica/RJ [email protected] Isabela de Fátima Fogaça Doutora em Geografia pela UNESP/ Rio Claro/SP, Mestre em Turismo e Hotelaria pela UNIVALI/SC e Bacharel em Turismo pela UEPG/PR. Professora Adjunta na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Av. Governador Roberto Silveira, s/n, Centro, Nova Iguaçu/RJ [email protected] RESUMO O presente trabalho tem como objetivo analisar a representatividade da Festa de São Jorge na constituição do Patrimônio Cultural da Cidade do Rio de Janeiro. Para sua realização optamos por uma pesquisa exploratória de cunho qualitativo, assim foi necessário utilizarmos da pesquisa bibliográfica e do trabalho de campo. Como resultado, nos foi possível verificar que a festa de São Jorge foi introduzida em nosso país pelos portugueses, através da utilização da imagem do santo nas festas de Corpus Christi e evoluiu ao longo dos anos, não só com a participação dos católicos, mas também com a participação efetiva de outros grupos como os adeptos da umbanda e do candomblé, que durante a festa fazem seus preceitos e realizam seus rituais fazendo do espaço uma grande manifestação de sincretismo religioso. Dessa forma, podemos afirmar que São Jorge, mesmo não sendo o padroeiro oficial do município do Rio de Janeiro, conquistou, extraoficialmente, esse título e, hoje, ocupa um lugar de destaque, de modo geral, nos corações do povo carioca. Palavras-chave: São Jorge, Festa, Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro, Devoção.

FESTA DE SÃO JORGE: PATRIMÔNIO CULTURAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

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FESTA DE SÃO JORGE: PATRIMÔNIO CULTURAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

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  • FESTA DE SO JORGE: PATRIMNIO CULTURAL DA CIDADE DO RIO

    DE JANEIRO

    FEAST OF SAINT GEORGE: CULTURAL HERITAGE OF RIO DE JANEIRO

    FTE DE SAINT GEORGE: PATRIMOINE CULTUREL DE RIO DE JANEIRO

    Elizete Modesto de Souza Marinho Lopes

    Licenciada em Turismo e Ps-graduanda em Hotelaria pela Universidade Federal Rural

    do Rio de Janeiro

    BR 465 Km7 Seropdica/RJ

    [email protected]

    Isabela de Ftima Fogaa

    Doutora em Geografia pela UNESP/ Rio Claro/SP, Mestre em Turismo e Hotelaria pela

    UNIVALI/SC e Bacharel em Turismo pela UEPG/PR.

    Professora Adjunta na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

    Av. Governador Roberto Silveira, s/n, Centro, Nova Iguau/RJ

    [email protected]

    RESUMO

    O presente trabalho tem como objetivo analisar a representatividade da Festa de So

    Jorge na constituio do Patrimnio Cultural da Cidade do Rio de Janeiro. Para sua

    realizao optamos por uma pesquisa exploratria de cunho qualitativo, assim foi

    necessrio utilizarmos da pesquisa bibliogrfica e do trabalho de campo. Como

    resultado, nos foi possvel verificar que a festa de So Jorge foi introduzida em nosso

    pas pelos portugueses, atravs da utilizao da imagem do santo nas festas de Corpus

    Christi e evoluiu ao longo dos anos, no s com a participao dos catlicos, mas

    tambm com a participao efetiva de outros grupos como os adeptos da umbanda e do

    candombl, que durante a festa fazem seus preceitos e realizam seus rituais fazendo do

    espao uma grande manifestao de sincretismo religioso. Dessa forma, podemos

    afirmar que So Jorge, mesmo no sendo o padroeiro oficial do municpio do Rio de

    Janeiro, conquistou, extraoficialmente, esse ttulo e, hoje, ocupa um lugar de destaque,

    de modo geral, nos coraes do povo carioca.

    Palavras-chave: So Jorge, Festa, Patrimnio Cultural do Rio de Janeiro, Devoo.

  • Abstract

    The present work aims analyze the representativeness of the Feast of St. George in the

    constitution of the Cultural Heritage of the City of Rio de Janeiro. For its realization we

    opted for an exploratory research of a qualitative, so it was necessary we use the

    literature and fieldwork. As a result, we have verified that the feast of Saint George was

    introduced in Brazil by the Portuguese through the use of the image of the holy feasts of

    Corpus Christi and evolved over the years, not only with the participation of Catholics,

    but also with the effective participation of other groups such as the followers of

    Umbanda and Candombl, that during the party make its precepts and perform their

    rituals making space a great manifestation of religious syncretism. Thus, we can say that

    St. Georg, despite not being the official patron of the city of Rio de Janeiro, won,

    unofficially, this title, and today occupies a prominent place, in general, in the hearts of

    the people of Rio.

    Keywords: St. George, Feast, Cultural Heritage of Rio de Janeiro, Devotion.

    Rsum

    Le prsent travail vise examiner la reprsentativit de la fte de Saint-Georges dans la

    constitution du patrimoine culturel de la ville de Rio de Janeiro. Pour sa ralisation nous

    avons opt pour une recherche exploratoire qualitative, il tait donc ncessaire que nous

    utilisons la littrature et sur le terrain. En consquence, il a t vrifi que la fte de

    Saint-Georges a t introduit au Brsil par les Portugais, grce l'utilisation de l'image

    des ftes saintes de Corpus Christi et a volu au fil des ans, non seulement avec la

    participation des catholiques, mais aussi avec la participation effective des autres

    groupes, comme les adeptes de l'Umbanda et le Candombl, que pendant la fte faire

    ses prceptes et effectuent leurs rituels faisant de l'espace une grande manifestation de

    syncrtisme religieux. Ainsi, nous pouvons dire que Saint-George, bien que n'tant pas

    le patron officiel de la ville de Rio de Janeiro, a remport, officieusement, ce titre, et

    occupe aujourd'hui une place de choix, en gnral, dans les curs des habitants de Rio.

    Mots-cl: St. George, Fte, Patrimoine Culturel de Rio de Janeiro, Devotion.

  • INTRODUO

    No existem registros precisos a respeito da vida de So Jorge. O que se pode,

    entretanto, afirmar diante de sua devoo que o Cavaleiro dos Templrios, como

    tratado por seus devotos, povoando o imaginrio de seus seguidores, cruzou fronteiras,

    rompeu obstculos, e hoje ocupa um lugar de destaque, sendo um dos santos mais

    festejados no s no Rio de Janeiro, mas em todo o Brasil e no mundo.

    Segundo Greco (2006), o culto litrgico a So Jorge bastante antigo e, por si

    s, atesta a sua existncia e martrio, visto seu sepulcro j ser meta de peregrinaes

    desde o sculo VII. So Jorge foi denominado pela igreja do Oriente o Grande Mrtir,

    e deu nome a diversas cidades; foi proclamado padroeiro da Gergia, da Inglaterra, da

    Alemanha, de Portugal, da cidade de Arago, na Espanha e Gnova e Veneza, na Itlia,

    entre outras (GRECO, 2006).

    Do Oriente o culto teria se alastrado para o Ocidente, atingindo o auge na

    Idade Mdia, tida como ocasio propcia para a sua difuso, atravs das Cruzadas,

    quando o santo foi constitudo seu padroeiro, o que proporcionou a difuso da imagem

    como um santo que desfiava o tirano e vencia os tormentos (GRECO, 2006).

    No municpio do Rio de Janeiro, apesar do santo no ser o seu padroeiro

    oficial, o dia 23 de abril constitui-se feriado municipal e as comemoraes se estendem

    por toda a cidade, desde a zona oeste at o centro da cidade onde realizada uma das

    maiores festas do Brasil em sua homenagem. Segundo Marques e Morais (2011, p.1),

    So Jorge sempre despertou nos mais variados povos da Antiguidade, e ainda

    hoje, o fascnio de uma divindade que mesclava a fora, a energia criativa,

    proteo do guerreiro, daquele que traz consigo o poder da terra e dos veios

    ferrosos. O ferro, enquanto matria prima imprescindvel para a confeco das

    armas que manteriam determinada sociedade em condies de lutar pela sua

    sobrevivncia, associou-se a vrios outros smbolos que culminaram por forjar

    o famoso Santo Guerreiro O povo brasileiro, muito associado ao Santo em questo, possui a mestiagem de ancestrais que de alguma forma estiveram em

    contato com o vasto simbolismo que So Jorge nos ensina: a fora da terra,

    com suas matas e grutas em pedra; a guerra e o cavaleiro; o ferro e a forja no

    fogo; um alfabeto mgico; o drago e os veios energticos que marcam os

    terrenos das sociedades.

    Assim, diante do pressuposto de que as festividades do santo so referncia

    sociedade carioca, este trabalho tem como objetivo geral analisar a Festa de So Jorge

    na composio do Patrimnio Cultural do municpio do Rio de Janeiro.

  • Como objetivos especficos, buscamos caracterizar as referncias

    historiogrficas e folclricas da origem e evoluo da Festa de So Jorge no Rio de

    Janeiro, especificamente no centro da cidade do Rio de Janeiro; identificar os grupos

    sociais que ao longo da histria compuseram as festividades e suas principais

    manifestaes; e as formas de insero da festa como patrimnio cultural do municpio.

    Essa pesquisa se justifica, pois contribui com o estudo do patrimnio cultural

    do Rio de Janeiro e com a apropriao turstica do mesmo. Alm disso, percebe-se o

    crescimento que a festa vem alcanando, bem como sua representatividade no que diz

    respeito identidade do carioca. A cada ano, surgem mais e mais devotos que, em

    reverncia ao Santo Guerreiro, colorem a Rua da Alfndega e arredores, segundo a

    tradio, vestidos de vermelho e branco, em uma grande manifestao de f e

    religiosidade.

    Diante de to expressiva manifestao popular, acredita-se ser relevante

    compreender melhor qual a representatividade da Festa de So Jorge constituio do

    Patrimnio Cultural do municpio do Rio de Janeiro.

    Assim, essa pesquisa se caracterizou como uma pesquisa exploratria de

    carter qualitativo, na qual foi priorizada a pesquisa bibliogrfica e documental. Nesse

    sentido, foram realizadas pesquisas em teses, dissertaes, trabalhos de concluso de

    curso, artigos de revistas cientificas disponveis, principalmente, em meio digital, livros,

    ensaios fotogrficos e legislao que tratavam do tema. Tambm foram realizados

    trabalhos de campo, como visitas Igreja de So Jorge no centro do Rio de Janeiro,

    participao das missas que se realizam todo dia 23 de cada ms, ao Centro Nacional de

    Folclore e Cultura Popular (CNFCP) e ao Museu do Folclore Edson Carneiro, sob

    reponsabilidade do Instituto do Patrimnio Histrico Artstico Nacional (IPHAN).

    Por ocasio dos trabalhos de campo, foram realizadas entrevistas livres junto

    coordenao do Museu do Folclore, na pessoa da senhora Elizabeth Bittencourt, e junto

    ao irmo jubilado, senhor Jorge de Aguiar, um dos mais antigos membros atuantes da

    Confraria dos Mrtires So Gonalo Garcia e So Jorge, principal entidade responsvel

    pela organizao dos festejos em louvou a So Jorge, no dia 23 de abril.

    Referncias Historiogrficas e Folclricas da Origem e Evoluo da Festa de So

    Jorge no Rio de Janeiro

  • As Sagas de Jorge

    Segundo Santos (2004), existem trs verses distintas sobre a vida de So

    Jorge. Na mais antiga das verses, que tem como base os escritos gregos, ele teria

    vivido no perodo do imperador persa, Graciano, que teria sido confrontado por So

    Jorge devido adorao de dolos pagos. Dessa feita, o santo teria sofrido perseguies

    e torturas at morrer degolado sem, entretanto, negar a crena na f crist.

    Na segunda verso, So Jorge teria nascido em uma famlia nobre da

    Capadcia, na atual Turquia, no ano de 916. Teria ficado rfo de pai, que era guerreiro,

    ainda criana, tornando-se, mais tarde, a exemplo do pai, soldado do Imprio Romano,

    vindo a conquistar glrias pela sua brilhante atuao em conflito com o imperador

    Diocleciano (SANTOS, 2004).

    Nessa segunda verso a autora afirma que So Jorge teria ento passado por

    uma srie de suplcios atribuindo as suas vitrias ao Deus cristo e sendo por isso

    tomado por feiticeiro (SANTOS, 2004). A autora, ainda cita que a sua morte, aos 23

    anos de idade, teria ocorrido no dia 23 de abril do ano 303, decapitado e que a segunda

    verso apresentada a propagada pela Igreja Catlica Apostlica Romana.

    A terceira e ltima verso apresentada pela historiadora, representa uma

    reaproximao com elementos fantsticos e msticos, tendo sido documentada no sculo

    XIII pelo ento arcebispo de Gnova, Varazze (1236-1298), em sua compilao de

    histrias de santos (SANTOS, 2004).

    O arcebispo cita que a cidade de Silca, provncia da Lbia, era aterrorizada por

    um drago que vivia em um lago prximo dali e, que para aplacar sua fria, eram-lhe

    oferecidas ovelhas ao sacrifcio. Com a escassez das ovelhas, passaram ento a oferecer

    pessoas que eram escolhidas atravs de um sorteio, nenhum habitante estava excludo).

    Em certa ocasio, a nica filha do rei, foi a sorteada para ser a prxima pessoa a ser

    sacrificada. Ento, So Jorge surge e evocando a Deus, faz o sinal da cruz, fere a fera

    com sua lana que domado e levado para o interior das muralhas da cidade. Nas

    muralhas, So Jorge teria dito aos habitantes: Nada temam, o Senhor me enviou para

    que eu os libertasse das desgraas causadas por este drago. Creiam em Cristo e

    recebam o batismo, que eu matarei o drago. Naquele dia, 20 mil homens teriam sido

    batizados e o guerreiro teria matado o drago com sua espada, libertando a cidade e

    convertendo-os ao cristianismo (SANTOS, 2004).

  • Santos (2004) ainda cita que, em algumas verses, como a que existe na

    Inglaterra, aps ter matado o drago o santo teria se casado com a princesa e teriam tido

    muitos filhos. Em outra verso, teria abdicado do casamento e seguido o seu destino de

    lutas pelo mundo.

    A autora ressalta que, de certa forma, os elementos que existem nessa terceira

    verso so semelhantes aos encontrados nos romances de cavalarias e nos contos de

    fadas, quando se recompe atravs da simbologia e temtica da luta do bem contra o

    mal e do triunfo do amor e da justia (SANTOS, 2004). Ela afirma que aos elementos

    apresentados por essas verses somam-se vrios outros e ainda vrias outras maneiras

    de combin-los.

    Greco (2006) apresenta uma nova verso sobre a historicidade do santo. Em

    sua verso, segundo a lenda, Diocleciano teria sido o iniciador da mais sangrenta

    perseguio contra os cristos, tendo Jorge como seu maior adversrio.

    Ainda segundo o autor, o martrio do santo teria ocorrido de forma diferente.

    So Jorge teria sido preso, jogado na priso com uma grande pedra ao peito, enterrado

    em cal virgem at o pescoo, obrigado a andar em brasa, e depois sim, teria sido

    decapitado.

    Segundo Carneiro (2011), So Jorge tambm teria nascido na Capadcia, na

    Turquia, mas teria se mudado para Palestina ainda jovem. Ingressou no exrcito do

    Imperador Deocleciano e, por ter se destacado, foi elevado a conde e depois a tribuno

    militar, cargos muito cobiados na poca.

    Com a intensificao das perseguies aos cristos e por no negar a sua f,

    Jorge foi perseguido pelo prprio Diocleciano e submetido a diversas provas,

    suportando lanas de soldados, resistindo ao calor da fornalha da cal, suportando o peso

    de uma pedra imensa e sobrevivido s poes de feitiaria encomendadas pelo

    imperador (CARNEIRO, 2011).

    Jorge a tudo teria resistido e ainda conseguira a faanha de converter o

    feiticeiro, contratado por Diocleciano, bem como a prpria esposa do imperador que

    mandou ento degolar o j ento ex-soldado em 23 de abril de 303 (CARNEIRO, 2011).

    Ainda segundo Carneiro (2011) nas religies afro-brasileiras, mas precisamente

    no Rio de Janeiro, So Jorge sincretizado ao orix Ogum que segundo a tradio

    um orix guerreiro do Reino de If. O mesmo era filho de Odudua, rei da cidade de If

  • que se tornou Onir, e, em decorrncia de sucessivas vitrias, proporcionou

    prosperidade ao seu reino, bem como conquistou grande prestgio diante do seu pai.

    Com tanto prestgio, Ogum teria sido vtima de inveja e de traio, tendo sido

    inclusive desprezado por aqueles que tanto o amavam (CARNEIRO, 2011).

    Assim, como podemos ento observar, inmeras so as verses sobre a origem

    do santo guerreiro, mas sua devoo manifestada independente dos registros sobre

    sua origem.

    Devoo e Festa em louvor a So Jorge: Origens, introduo no Rio de Janeiro e

    Evoluo.

    De acordo com Bartholo (1991), o culto portugus a So Jorge remonta o

    perodo da fundao do reino de Portugal, decorrido no sculo XII. Entretanto, a autora

    considera a batalha de Aljubarrota como fator decisivo para que So Jorge passasse a

    ser cultuado com padroeiro de Portugal, uma vez que o mesmo foi considerado

    intercessor das tropas portuguesas na vitria contra o drago castelhano e, dessa

    forma, evitou a unio entre as duas coroas: Portugal e Espanha. Logo aps esse fato, o

    rei Dom Joo I nomeia a casa real de Castelo de So Jorge.

    Assim, a partir do momento que Portugal passa a cruzar o Atlntico, So Jorge

    passa a fazer parte dessas novas conquistas, ligando-se ao novo mundo, atravs da

    toponmia desses territrios anexados.

    Santos (2006), que tambm estudou a devoo lusitana ao santo, afirma que

    aos poucos as celebraes e o culto ao santo tornou-se, atravs do patrocnio da

    monarquia, uma das mais solenes festas de Portugal, no sculo XVII, espalhando-se

    pelas terras que eram de domnio dos portugueses, inclusive no Brasil..

    Marques e Morais (2011), afirmam que a Inglaterra, que tem em sua histria

    uma grande ligao com a histria de Portugal foi tambm um dos pases ocidentais

    onde a devoo ao santo teve papel relevante para a propagao da f em outras

    localidades acrescentando que no sculo XII, a Inglaterra j cultuava o nome do santo,

    e, dessa feita, adotaram definitivamente o santo como padroeiro do pas, e com isso

    ajudaram a propagar a f pelo restante do mundo e trazendo na sua bandeira de fundo

    branco, cor da pureza e a cruz vermelha, cor do sangue, do fogo e do sacrifcio pelas

    grandes causas.

  • Assim, a partir dessa introduo da devoo ao santo no Brasil, So Jorge passa

    tambm a sair frente das procisses de Corpus Christi na cidade do Rio de Janeiro, e,

    a exemplo de Lisboa a responsabilidade pela preparao da imagem, bem como de toda

    a festividade ficou para a Irmandade do Venervel So Jorge que, desde 1740, j se

    encontrava devidamente instalada na Igreja de Nossa Senhora do Parto.

    Diferentemente do que ocorria em Lisboa, no Rio de Janeiro, as portas da

    Irmandade eram abertas, tanto para os homens livres e brancos, quanto para as

    mulheres, forros e escravos (africanos), sendo seu ingresso na entidade vinculada a

    algumas exigncias a ao pagamento de taxas (SANTOS, 2006).

    No Brasil, no dia destinado festividade, a imagem do santo seguia sobre um

    cavalo bem arreado e enfeitado, acompanhada de dois membros da Irmandade. Ainda

    segundo Santos (2006), o cortejo tambm era acompanhado por alferes com armas

    brancas, um pajem vestido de vermelho e de tocadores de trombetas e atabaques. Havia

    tambm a presena de msicos negros que levavam instrumentos de sopro e de

    percusso, e, dessa forma, atraiam benefcios ao mesmo tempo em que exorcizavam os

    males. A esse grupo juntavam-se outros fiis que percorriam o trajeto a p.

    De acordo com (MACHADO apud PORTO & GUIDI, 2011), a tradio da

    integrao de So Jorge procisso de Corpus Christi no Rio de Janeiro veio de

    Portugal, quando D. Joo I decretou So Jorge como patrono de Portugal e determinou

    que o mesmo fosse incorporado como Defensor Militar da Cristandade. Acrescenta

    que nessa poca o santo j era patrono de algumas profisses que tinham ligao direta

    com o ferro.

    Segundo Freyre (2003), no Brasil o culto a So Jorge popularizou-se nos idos

    do sculo XVII, no incio do processo de urbanizao do nosso pas. O autor destaca

    que, nessa ocasio, o santo era considerado um paladino da f crist, tendo sido elevado

    tanto categoria de patrono dos cavaleiros mantenedores da ordem social, como,

    tambm, era cultuado pelos ento chamados negros de ganho e pelos capoeiras, estes

    ltimos, inconformados com a sua explorao constante e sua condio de inferioridade

    social, tornaram-se os principais adversrios e desafiadores da ordem que os subjugava.

    So Jorge, dessa feita, tornou-se protetor de duas classes adversrias.

    Essa contradio no culto a So Jorge no Rio de janeiro permanece at nossos

    dias. Segundo Arruda (2008), as festas dedicadas a So Jorge ocorrem no s no centro

  • da cidade, mas tambm em outros locais da cidade do Rio de Janeiro, sejam nos adros e

    arredores das igrejas, nos terreiros de Umbanda e Candombl, nas ruas ou nas quadras

    das escolas de samba. A autora, entretanto cita que a mdia, bem como o poder pblico,

    do maior enfoque e ateno s comemoraes organizadas pelas igrejas catlicas que

    tm o santo como padroeiro.

    Arruda (2008) acrescenta que essas igrejas esto espalhadas pela cidade tendo

    como principais as situadas em Quintino Bocaiva, no subrbio carioca, em Santa Cruz,

    bairro da zona oeste do municpio, e na Praa da Repblica, local onde ocorre a festa

    objeto do nosso trabalho.

    Arruda e Pitrez (2008) citam que a igreja do centro da cidade tem dois santos

    como padroeiros: So Gonalo Garcia e So Jorge, entretanto a igreja conhecida como

    sendo nica e exclusivamente como de So Jorge pela maioria das pessoas.

    Sobre a dinmica da festa, Pitrez (2007, p.102) descreve que

    A ordenao do espao externo igreja, e pertencente jurisdio da Prefeitura

    Municipal do Rio de Janeiro, passou a ser alvo de maior controle por parte

    desta devido ao crescimento da circulao de pessoas e do nmero de

    barraqueiros que ali se organizam de tal forma que padronizam suas lonas com as cores do santo, dividindo os custos de infraestrutura, como a

    montagem das barracas e os pontos de energia, alm de negociarem a licena

    para o funcionamento das barracas com a prefeitura.

    Nos dias que antecedem a festa, segundo Pitrez (2007), a imagem do santo, que

    pesa aproximadamente 500 quilos, transferida da capela menor para a nave maior, e,

    para sua maior proteo, colocada entre grades. A decorao do lado de fora tambm

    sofre modificaes, uma vez que so colocadas bandeiras brancas e vermelhas,

    simbolizando as cores do santo.

    A autora tambm destaca que durante o evento podemos verificar que h uma

    grande diferena entre atividades que ocorrem dentro e as que ocorrem do lado de fora

    da igreja. Dentro do templo so realizadas somente as atividades programadas pela

    Irmandade, enquanto do lado de fora existe um grande comrcio com a presena de

    barracas de camels que comercializam os mais variados produtos (PITREZ, 2007).

    Pitrez (2007), tambm cita que ao longo dos anos a festa vem sofrendo diversas

    modificaes, entre estas a realizao das missas campais que j tinham sido realizadas

    em carter experimental nos anos de 2001 e 2003 e que passaram a ser definitivas a

  • partir de 2005, o que possibilitou uma maior participao de devotos nas solenidades

    promovidas pela Irmandade.

    Em face ao grande comparecimento do pblico que, a cada ano, aumenta, e em

    face da diversidade de religies que participam das festividades, no prximo item

    passaremos a identificar os diversos grupos que frequentam tanto o espao "puramente

    religioso", quanto o espao "diverso (PITREZ, 2007).

    Sincretismo Religioso: Os diversos grupos sociais que ao longo da histria

    compuseram as festividades e suas principais manifestaes.

    ...ta povo brasileiro! Miscigenado, Ecumnico e religiosamente sincretizado... Salve o sincretismo religioso! Salve!...

    ...Quem Omulu, gente?-So Lzaro! Ians? Santa Brbara! Ogum! So Jorge? So Jernimo! Oxssi?

    Aiok, Ina, Kianda Iemanj! Viva a Nossa Senhora Aparecida! Padroeira do Brasil!

    Iemanj, Iemanj, Iemanj, Iemanj... ("Sincretismo Religioso" - Martinho da Vila)

    Segundo Dias (2008), sincretismo caracteriza o fenmeno da mistura de culturas,

    quando diferentes sociedades entram em contato. Valente (1976 apud

    FERRETTI,1995), afirma que o sincretismo um fenmeno religioso que ao mesmo

    tempo em que se mostra atraente, mostra-se intrigante, uma vez que se torna de difcil

    entendimento estabelecer, como culturas to diferentes, podem se misturar e se

    entrelaar atravs de um nico elemento: o sagrado.

    Todas as manifestaes religiosas apresentam uma essncia universal, mesmo

    quando se leva em conta suas especificidades, e mesmo nas religies mais simples

    podemos encontrar elementos comuns aos de outras religies tidas como mais

    complexas (DRKHEIN,1993 apud FERRETTI,1995),.

    So Jorge, adorado por brasileiros e estrangeiros, representa o elo entre muitas

    culturas, inmeros simbolismos, mesmo arqutipos que uniram povos desde o norte da

    Europa at os nossos ancestrais portugueses e africanos (MARQUES e MORAIS,

    2011). Esse o caso da aproximao realizada nos rituais umbandistas, em territrio

    brasileiro, entre o santo catlico e o Orix Ogum.

    Como j apresentado, So Jorge sempre despertou, nos mais variados povos, e

    ainda hoje desperta, o fascnio de uma divindade que mesclava a fora, a energia

  • criativa, proteo do guerreiro. O povo brasileiro, muito associado ao santo, possui a

    mestiagem de ancestrais que, de alguma forma, estiveram em contato com o vasto

    simbolismo que So Jorge representa (MARQUES e MORAES, 2011).

    Portanto, como afirma Medeiros (2009), o sagrado vivido nas festividades de

    So Jorge desconhece os limites existentes entre as diferentes religies que transitam

    por aquele espao. A f se apresenta na multido que no mede esforos, chegando pela

    madrugada nas giras de umbanda em frente igreja, nas rodas de candombl ao longo

    da rua e nos que bebem cerveja, sambam e celebram So Jorge e Ogum sem nenhum

    preconceito. Conforme Carneiro (2011, p.7),

    O Sagrado vivido naquele lugar desconhece limites rgidos entre diferentes

    religies, espao sagrado e espao profano, diferenas pessoais, sejam quais

    forem. O sagrado vivido naquele lugar uma fronteira aberta convivncia,

    tolerncia e aos atos de f. So Jorge e Ogum fundam um lugar de

    convivncia, um lugar de encontro. Atos de f vo se tornando atos de

    alegria. A f presente nas palavras do padre que professa a missa; est no

    fervor das giras de umbanda em frente igreja; est na magia das rodas de

    candombl que se formam ao longo da rua. Mas a f est tambm nos que

    bebem cerveja e sambam no dia de Jorge est nos corpos que celebram So Jorge e Ogum sem preconceitos.

    Assim, nesse item pretendemos compreender como cada grupo religioso

    celebra sua devoo a So Jorge, suas manifestaes e rituais, inerentes a cada religio

    durante a festa de So Jorge.

    Catlicos

    Segundo Oliveira (1997 apud PITREZ, 2007), um dos elementos formadores do

    ncleo do catolicismo o culto aos santos. Essa prtica, segundo ele, foi introduzida em

    nosso pas atravs dos nossos colonizadores e persiste at hoje, sendo usada como

    estratgia de reafirmao da religio em face do pluralismo religioso encontrado em

    nossa nao.

    A festa em culto/louvor a So Jorge do centro do Rio de Janeiro promovida e

    organizada pela Irmandade dos Gloriosos Mrtires So Gonalo Garcia e So Jorge, e

    segue o ritual e a liturgia preconizada pelo catolicismo, sendo referendada pela

    Arquidiocese de So Sebastio do Rio de Janeiro, ao qual a igreja subordinada

    (PITREZ, 2007).

  • Segundo o arcebispo Arquidiocese de So Sebastio do Rio de Janeiro, Dom

    Orani Tempesta (ARQUIDIOCESE DE SO SEBASTIO DO RIO DE JANEIRO,

    2012), no ano 2012, dos 180 mil devotos que participaram das festividades em louvor a

    So Jorge, segundo a estimativa da Polcia Militar do Estado do Rio de Janeiro

    (PMERJ), o maior contingente era da religio catlica. No entanto, o arcebispo destaca

    que o Santo Guerreiro acolhe com carinho pessoas de outras religies uma vez que

    todos so filhos de um s Deus.

    Ainda, segundo o arcebispo, o dia do santo de tanta importncia para a f crist

    e para a cidade do Rio de Janeiro que foi transformado em feriado atendendo ao apelo

    do povo (ARQUIDIOCESE DE SO SEBASTIO DO RIO DE JANEIRO, 2012).

    Entre as manifestaes mais visveis dos catlicos est a visitao imagem de

    So Jorge que segundo Dionsio (2012) pode ser observado atravs da extensa procisso

    de devotos que se forma, tanto na rua da igreja, como nas ruas do entorno, fazendo com

    que muitos fiis cheguem a levar mais de trs horas para adentrar a igreja e chegar perto

    da imagem. Toda essa movimentao, para, muitos frequentadores, comea antes das

    cinco horas da manh que vestidos nas cores vermelha e branca tomam todos os espaos

    como se formassem um grande exrcito de So Jorge.

    Religies de origens africana

    Segundo Santos (2006), o culto a So Jorge cresceu graas contribuio das

    religies afro-brasileiras. A autora destaca que por medo da represso da polcia, muitos

    dos escravos viam no culto aos santos catlicos uma forma segura de manter o culto das

    suas entidades secretamente. Dessa forma, nos terreiros do Rio de Janeiro, So Jorge

    teria emprestado sua imagem a Ogum e na Bahia a Oxssi (SANTOS, 2006).

    Em visita festa de So Jorge no centro do Rio de Janeiro, em 2012, como

    tambm mencionado por Medeiros (2011), pode-se verificar que pelos arredores da

    igreja, h a presena de baianas devidamente ornamentadas, bem como a venda de

    diversas imagens de santos, no s da religio catlica, mas tambm imagens de

    algumas entidades encontradas nas religies africanas.

    O autor tambm observa presena de membros do candombl nos festejos ao

    santo, identificando a venda de velas azuis em tabuleiros e nas barraquinhas espalhadas

  • pelas ruas, que, segundo a tradio candomblecista, so ofertadas a Ogum. Dionsio

    (2012, p.137) destaca que

    H poucos metros da Igreja, uma segunda fila formada pelos devotos do

    Santo Guerreiro que, depois de suas obrigaes religiosas, passam pelos pais

    de santos. So Jorge ganha a configurao de Ogum pelo sincretismo da

    religio afro - Brasileira. Na calada, um altar preparado com vrias ervas

    gua, pipoca e arroz, que so servidos como instrumento de beno para o

    passe de Ogum, que ser dado por trs pais de santos para homens, mulheres

    e crianas que aguardam na fila.

    Medeiros (2011) refora o apresentado anteriormente afirmando que,

    possvel encontrar, bem prximo igreja, mes de santo e pais de santo tanto do

    candombl quanto da umbanda fazendo atendimento espiritual e abenoando aos que

    solicitam, como se verificou na foto 1.

    Foto 1: Manifestaes de seguidores de religies africanas durante os festejos em

    louvou a So Jorge no centro da Cidade do Rio de Janeiro

    FONTE: Dionsio, 2012

    Ainda segundo Dionsio (2012), apesar da maioria dos frequentadores

    vestirem-se da cor branca e vermelha, possvel tambm encontrar fiis vestidos de

    azul, que representa ao caminho no Candombl, religio afro-brasileira.

    Outros grupos/ Outras manifestaes

    Alm dos catlicos, umbandistas e seguidores do candombl, h outros grupos

    que participam dos festejos em louvor a So Jorge. Medeiros (2009) apresenta que em

    uma visita festa de So Jorge pode constatar uma srie de acontecimentos e, dentre

    eles observou que no lado da igreja que d para a Praa da Repblica havia uma

    concentrao maior, bem como a presena mais acentuada de um clima festivo que o

  • fez conferir a presena em destaque de vrios grupos distintos, entre esses grupos, o que

    lhe chamou especial ateno foi o dos "banqueiros" do bicho, trajando ternos brancos,

    bem como sapatos brancos e camisas vermelhas de colarinho aberto.

    O autor ainda destacou que alguns dos banqueiros usavam uma flor vermelha

    acompanhada de um chapu branco. Ele tambm observou que alguns poucos usavam

    coletes, bem como meias da mesma cor vermelha retratando a bomia dos anos de 1920

    a 1840 do Rio de Janeiro e, dessa forma, focalizando a presena de uma figura

    tradicional e obrigatria naquelas dcadas; o malandro (MEDEIROS, 2009).

    Dionsio (2012) tambm cita que

    Neste dia, fica evidente o respeito pela diversidade religiosa onde f e

    devoo transitam pelo sagrado com caminhos ambguos. Como todo festejo

    popular, alm do sagrado, o profano tambm ganha espao. Na mesma rua

    onde se acende a vela, toma passe e devotos aguardam na fila. Barracas de

    culinria so montadas com uma variao gastronmica que vai de lanche a

    comida de orixs.

    A Cerveja a bebida mais consumida. Depois de cumprir suas obrigaes

    religiosas, os devotos se concentram no fim da rua da igreja. O ato

    devocional agora o samba. Alm das velas e flores, msicos comeam a

    chegar com surdos, pandeiros, cavaquinho e tamborins, instrumentos que at

    o fim do dia sero acompanhados por muitas vozes no reencontrar dos novos

    e velhos amigos, que neste dia cantam pra Jorge.

    Assim, percebe-se que o culto a So Jorge, ultrapassa barreiras e vence

    diferenas religiosas e, dessa forma, tenta provar que a diversidade pode no ser fator de

    divergncias, mas sim fator integrador. Seu culto, bem como as suas manifestaes

    decorrentes desse culto, como as que ocorrem na festa em sua honra, j esto enraizadas

    no sentimento do povo, que ao longo dos anos vem perpetuando e passando de gerao

    a gerao essa prtica.

    A Festa de So Jorge como um Patrimnio Cultural do municpio.

    Nos itens anteriores, observamos que a devoo a So Jorge chegou nossa

    nao atravs do catolicismo legado pelos portugueses. No entanto, se espalhou por

    nossa terra, no somente atravs dessa religio, mas tambm com o apoio das

    manifestaes religiosas de origem africana, nas ocasies em que os adeptos dessas

    religies tinham que recorrer imagem do orago para cultuar seus orixs, sem serem

    perseguidos pela polcia.

  • No Rio de Janeiro, isso no foi diferente, o que leva-nos a afirmar que a

    devoo ao santo venceu barreiras, inclusive a da discriminao, e hoje considerado o

    padroeiro extraoficial dessa cidade, que no dia 23 de abril se colore de branco e

    vermelho fazendo com que essa manifestao seja repassada de gerao a gerao ao

    longo dos anos.

    Nesse item, no intuito de discutirmos a representatividade da festa em louvor

    So Jorge como um bem cultural que traz referencia identidade do povo carioca,

    fizemos um breve histrico de como a festa se desenvolve, ensaiamos algumas

    discusses sobre o conceito de patrimnio cultural, para em seguida, a partir do

    embasamento terico, analisarmos como esta festividade representada junto ao

    patrimnio cultural do municpio e fazermos algumas consideraes sobre sua

    potencialidade turstica.

    A festa de So Jorge no Centro do Rio de Janeiro.

    A Igreja da Venervel Confraria dos Gloriosos Mrtires So Gonalo Garcia e

    So Jorge localiza-se a Rua da Alfandega, em frente ao Campo de Santana. Segundo

    Maurcio (1946), a igreja de So Gonalo comeou a ser construda em 1750 e terminou

    em 1781. Em 1850, a igreja de So Jorge, que ficava situada na esquina da rua do

    mesmo nome (atual Gonalves Ledo), ficou muito destruda aps um temporal, seguida

    de um raio e, dessa forma, a igreja de So Gonalo acolheu a imagem de So Jorge. No

    ano de 1854, as duas irmandades dos santos resolveram se unir e fundaram a Venervel

    Confraria dos Gloriosos Mrtires So Gonalo Garcia e So Jorge.

    A procisso saa ento da atual igreja e seguia at o Largo do Pao na atual

    Praa XV de novembro, quando a mesma era recebida pela Irmandade. Entre 1940 e

    1943, com esse trajeto, a imagem passou a ser colocada em cima de uma carreta,

    primeiramente oferecida pelos funcionrios do arsenal de Guerra depois pelo Corpo de

    Bombeiros (MAURCIO, 1946). Atualmente a procisso no mais realiza esse trajeto e

    realizada em dia diferente do dia 23 de abril, geralmente no primeiro fim de semana

    aps o dia do santo.

    Durante o trabalho de campo foi possvel observar que a igreja no permanece

    aberta durante todos os dias e as missas tambm s ocorrem em dias pr-determinados:

    aos domingos s 10 horas, para as Almas (s segundas feiras s 12 horas), em Ao de

  • Graas a So Jorge (todo dia 23 de cada ms s 09 horas) e em devoo a Santo

    Expedito (todo dia 19 de cada ms s 09 horas). A missa mais concorrida a realizada

    em honra a So Jorge que so realizadas com a presena dos irmos da Confraria, que

    nessa ocasio vestem-se de preto e utilizam uma capa vermelha por cima das vestes.

    Ainda percebeu-se nas missas que ocorrem no dia 23, geralmente, so

    acrescentas liturgia alguns elementos no comuns a determinadas celebraes, mas

    que muito agradam aos fiis, como passagem embaixo do Manto Sagrado de So Jorge

    e a Beno da espada.

    Sobre a dinmica da preparao da festa, Pitrez (2007) apresenta que no

    perodo que antecede a festa, toda a igreja sofre modificaes para melhor acolher os

    fiis, facilitando a realizao do Trduo, que conta com a presena de um nmero

    expressivo de pessoas.

    Entre as modificaes, os bancos so retirados e so montadas as barracas da

    igreja que vendero artigos religiosos at o dia da festa.

    Em entrevista com um dos irmos responsveis pela organizao do evento,

    durante o trabalho de campo, o mesmo informou que no h uma comisso formal para

    organizao da festa, pois cada membro da Confraria j sabe de suas responsabilidades

    a cada ano, pois h anos no ocorrem grandes mudanas na dinmica da mesma. So

    alugados palanque e tendas que serviro para amenizar o calor aos frequentadores.

    O uso das barracas no entorno da igreja fica por conta da Prefeitura do

    Municpio do Rio de Janeiro que, em maro faz uma convocao dos interessados que

    se inscrevem e so submetidos a um sorteio.

    No dia da festa as ruas adjacentes ficam repletas de barracas com toldos

    vermelhos e brancos que vendem desde objetos religiosos at comidas tpicas de outras

    regies do Brasil como: acaraj, abar, caruru e mandioca com carne seca; tudo regado

    a muita cerveja gelada, o que retrata a parte profana da festa.

    Medeiros (1995) tambm ao observar o evento faz meno presena de

    diversas mulheres de umbanda ou do que ele chama de Umbandombl que se

    apresentam devidamente paramentadas com suas vestes de rituais e que ali se

    encontram com a finalidade de dar consultas, vender patus ou outros artigos

    relacionados f.

  • As festividades de So Jorge como um patrimnio cultural da Cidade do Rio de

    Janeiro.

    De acordo com Zaniato e Ribeiro (2006), nos ltimos anos o conceito de

    patrimnio cultural adquiriu um peso significativo no ocidente, de forma que,

    mltiplas paisagens, arquiteturas, tradies, gastronomia, expresses de arte,

    documentos e stios arqueolgicos passaram a ser reconhecidos e valorizados no s

    pelas comunidades, mas, tambm, por organismos governamentais tanto na esfera local

    quanto na esfera nacional e, at mesmo, internacional.

    Segundo Albuquerque (2012), ao recorremos ao dicionrio, encontraremos uma

    acepo de patrimnio como herana paterna, denotando que patrimnio um

    complexo de bens legados pelos nossos antepassados, representados no apenas no

    sentido material, mas tambm na dimenso imaterial. Certas formas de expresso, modo

    de falar, de criar, de fazer, de viver, usar so bens imateriais que se incorporam a

    algum e na coletividade, de tal maneira que passam a referenciar uma identidade.

    Portanto, tanto os bens tangveis quanto os intangveis so manifestaes ou

    testemunho significativo da cultura humana e, como tal, so considerados como

    imprescindveis para a confirmao da identidade cultural de um povo (ZANIATO E

    RIBEIRO).

    No Brasil desde 1988, a partir de sua Constituio Federal essa perspectiva

    sobre o patrimnio, colocadas por Zaniato e Ribeiro (2006), j vem sendo seguida, visto

    que o Artigo 216 da Constituio Federal de 1988 estabelece que:

    [...] Constituem patrimnio cultural brasileiro os bens de natureza material e

    imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referncia

    identidade, ao, memria dos diferentes grupos formadores da

    sociedade brasileira, nos quais se incluem:

    I - as formas de expresso;

    II - os modos de criar, fazer e viver;

    III - as criaes cientficas, artsticas e tecnolgicas;

    IV - as obras, objetos, documentos, edificaes e demais espaos destinados

    s manifestaes artstico-culturais;

    V - os conjuntos urbanos e stios de valor histrico, paisagstico, artstico,

    arqueolgico, paleontolgico, ecolgico e cientfico.

    Albuquerque (2012) tambm destaca que, to importante quanto o bem

    material, est o conhecimento de como us-lo, que igualmente nos herdado, e que o

  • conjunto de bens de valor com significado coletivo representa o patrimnio de um

    grupo de pessoas, de um pas ou, at mesmo, da humanidade.

    O produto da construo coletiva de uma sociedade o que faz a diferena

    entre elas, distinguindo-as de outras, criando da o verdadeiro sentido de identidade que

    vem a pertencer a todos os cidados (ALBUQUERQUE, 2012).

    Neste sentido, tudo que produto da ao consciente e criativa dos homens

    sobre o meio em que vive patrimnio cultural. Ou seja, patrimnio tem relao

    intrnseca com a cultura e transmitido s novas geraes como legado cultural.

    Portanto, o patrimnio cultural de um povo a herana cultural acumulada ao

    longo do tempo pelos homens, agentes das realizaes e histria de uma sociedade, tudo

    aquilo que faz referencia sua identidade, seja individual seja coletiva, vivida em

    sociedade.

    Jurkevics (2005) destaca, entre os patrimnios de um povo, suas festas

    religiosas. Para o autor estas manifestaes so fenmenos culturais e, tm sido

    redescobertas e revitalizadas como um frtil campo de investigao histrica,

    transcendendo sua visibilidade e revelando crenas e vivncias demarcadas por um

    tempo e uma identidade coletiva.

    No campo religioso, pela festa, tanto no sagrado quanto no profano, todas as

    coisas se reconciliam. um momento de celebrao da vida, o rompimento do ritmo

    montono do cotidiano, o que permite ao homem experimentar afetos e emoes. Por

    instantes, o tempo dos relgios suspenso, o homem experimenta o tempo mtico da

    eternidade e da manifestao divina que permite a reconciliao de todos com todos e,

    nesse sentido, as festas revelam a essncia fundante de respeito f e fraternidade

    comunal, que alimenta as manifestaes religiosas e perpetua as tradies que

    constituem um verdadeiro patrimnio cultural (JURKEVICS, 2005).

    Como aponta Sant'Anna (apud MENEZES, 2007, p.78-79)

    As celebraes religiosas articulam outros elementos e manifestaes

    culturais como expresses artsticas visuais (bandeiras, altares,

    andores, flores, mscaras, arraiais), culinria, cantos, danas,

    encenaes tudo relacionado ao universo simblico da riqueza e da dinmica cultural brasileira. As celebraes so reveladoras dos

    nossos modos, particulares ou comuns, de criar, fazer e viver pelo

    Brasil afora. Constituem espaos de sociabilidade, de afirmao de

    pertencimento, de formao e reproduo social. O fato de fazerem

    sentido para diferentes grupos sociais no mundo contemporneo

  • revela no apenas a formidvel continuidade histrica de suas

    expresses como tambm a capacidade de transformao,

    ressignificao e reiterao dos seus elementos essenciais.

    Ferretti (1995), afirma que os ritos, bem como as festas religiosas no costumam

    atrair somente devotos, mas tambm podem atrair pessoas que no professam a f que

    ali se apresenta, mas visualizam no evento a oportunidade de conhecer ou at mesmo se

    apropriar de alguns elementos culturais encontradas nessas ocasies.

    Como apresentado, a Festa em louvor a So Jorge foi um legado nos deixado a

    partir do catolicismo trazido pelos portugueses, e que, no ano de 2012, reuniu cerca de

    180 mil pessoas, segundo estimativa da Polcia Militar do Estado do Rio de Janeiro

    (Informao Verbal) 1.

    Essa manifestao foi ganhando novas feies, rituais e ritmos a partir da

    formao miscigenada do povo brasileiro, principalmente, a partir da apropriao da

    representao do santo pelas religies trazidas pelos escravos africanos que somaram

    aos ritos trazidos pelos lusitanos, manifestaes especficas de suas religies.

    No Rio de Janeiro, tambm outros grupos se voltaram ao culto ao Santo

    Guerreiro, o que faz com que, na linguagem popular, So Jorge seja conhecido como o

    protetor do mocinho e, mesmo, do bandido.

    Seus devotos demonstram claramente sua f, seja em pequenas ou grandes

    tatuagens mostradas com orgulho; cordes; escapulrios; anis; seja pelos pingentes dos

    mais diversos tamanhos e valores (em funo do metal pelo qual so produzidos: ouro,

    prata, etc.), o que independe da classe social e financeira a que se inclua o devoto. Outra

    demonstrao se d pela imagem do santo, montado em seu cavalo de punho de seu

    escudo e sua lana, em frente a casas/ comrcios simples nos bairros mais pobres e em

    casas/comrcios luxuosas de bairros da zona sul ou oeste da capital fluminense.

    Bartholo (1991) denomina o uso de adereos relacionados ao santo proteo

    fsica do corpo. Ele destaca o uso de adereos como medalhas, como j citado,

    santinhos, fitinhas (como se verifica nas imagens a seguir), que geralmente so usadas

    junto ao peito do fiel, numa tentativa de simbolizar, alm da sua proteo, uma forma de

    expressar a intimidade e proximidade como o mesmo.

    1Informaes coletadas em entrevista com um irmo jubilado, que h 64 anos membro da

    Confraria dos Gloriosos Mrtires So Gonalo Garcia e So Jorge, por ocasio do trabalho de

    campo desta pesquisa no dia 14 de outubro de 2012.

  • Foto 2: Venda de adereos relacionados ao santo destinados proteo fsica do

    corpo.

    Fonte: Modesto, 2012.

    A proximidade tambm o argumento apresentado pelo autor para as tatuagens

    com a imagem do santo no prprio corpo, quer seja por simples simpatia, quer seja para

    agradecer a uma graa recebida por intermdio do mesmo (BARTHOLO, 1991).

    Essa perspectiva de identidade cultural do carioca refora-se na definio de

    patrimnio cultural, presente em nossa Constituio Federal, e apresentada no incio

    deste tpico, que estabelece que se constituem patrimnios culturais brasileiros os bens

    de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores

    de referncia identidade, ao, memria dos diferentes grupos formadores da

    sociedade brasileira, nas quais se incluem as formas de expresso que so encontradas

    na festa de So Jorge realizada no centro do Rio de Janeiro.

    Tambm em funo da devoo do povo carioca e dos milhares de pessoas de

    outras localidades, que para o centro da cidade se direcionam para participar das

    festividades em louvor a So Jorge, em novembro de 2001, por iniciativa do ento

    vereador Jorge Babu do Partido dos Trabalhadores (PT), o dia 23 de abril tornou-se

    feriado a partir do projeto de lei n197/91. Como argumentao para a instituio do

    feriado municipal em 23 de abril na cidade do Rio de Janeiro, Babu utilizou-se da

    seguinte justificativa, conforme consta no projeto de lei n197/2001cujos trechos

    apresentamos a seguir:

  • Santo Catlico do Sc.IV, considerado patrono dos exrcitos. No Rio de

    Janeiro, patrono da Polcia Militar e do Corpo de Bombeiros. A Igreja

    Grega, o inclui como um de seus grandes mrtires. Soldado Romano, preso

    como cristo, foi provavelmente decapitado no tempo de Diocleciano por

    defender seus ideais cristos; tornou-se, na crena popular, uma espcie de

    Perseu Cristo vencedor de drages. No perodo imperial, foi ordenado por

    D. Joo I, que sua imagem sasse na procisso de Corpus Christi, montado

    em seu cavalo; o que ocorreu em 1837 pela primeira vez. No Brasil, So

    Jorge invocado como defensor das almas contra os demnios, tentaes e

    atos de feitiaria. popularmente reconhecido como o Grande Guerreiro que

    est sempre disponvel para atender aquele que nele deposita sua f. No

    Candombl, identificam-no como Oxssi e conta a lenda que designado pelo

    rei para defender uma princesa virgem, conseguiu vencer as foras do mal,

    encarnadas no drago, apenas com um escudo e uma lana e montado em seu

    cavalo, numa rdua batalha, fazendo por merecer o ttulo de Santo Guerreiro. Na Umbanda conhecido por Ogum (D.O.RIO DE JANEIRO, 23/11/ 2011, p.3)

    Pitrez (2007) ressalta que, a justificativa para o projeto de lei elaborado pelo

    vereador Jorge Babu foi bastante coerente, uma vez que seus argumentos foram

    respaldados tanto em dados adquiridos atravs de pesquisas cientficas quanto em dados

    da igreja.

    Tambm como parte das celebraes pelo dia de So Jorge, em 2011, O Centro

    Nacional de Folclore e Cultura Popular, em parceria com Instituto do Patrimnio

    Histrico e Artstico Nacional (IPHAN), realizou entre os dias 19 de abril e 31 de julho,

    uma exposio intitulada as Muitas faces de Jorge, cuja pesquisa e parte do acervo

    fotogrfico valeram-se, dentre outros aspectos, de material obtido na festa do ano

    anterior, tanto para realizao da exposio, quanto para a confeco do catlogo que

    apresenta a exposio, cuja capa se verifica na imagem a seguir (Informao Verbal)2.

    No catlogo supracitado, puderam-se encontrar descries que buscam definir

    o clima que se instaura durante as festividades nos ltimos anos, de harmonia entre as

    diversas manifestaes religiosas e de sincretismo. A exposio e o catlogo tiveram,

    entre outros objetivos, a divulgao da vida do santo, os rituais a ele oferecidos, bem

    como influncia em algumas religies professadas no Rio de Janeiro.

    2Informaes coletadas em entrevista para esta pesquisa com a senhora Elizabeth Bittencourt,

    Coordenadora do Museu do Folclore Edson Carneiro, em 24 de outubro de 2012.

  • Foto 3: Capa do Catlogo da exposio As muitas Faces de Jorge

    Fonte: IPHAN (2012)

    Segundo Arruda e Pitrez (2008), a preparao para a festa que comea em

    meados de maro, j anuncia o clima de comemorao que culmina na madrugada do

    dia 23 de abril com a Missa da Alvorada. Essa primeira missa a mais repleta de rituais,

    ornamentaes, entre outros, pois, alm de marcar a abertura dos festejos, conta com a

    participao da Banda do Corpo de Bombeiros e/ou da Polcia Militar e, ainda, com o

    toque de clarim efetuado por um representante dos Fuzileiros Navais.

    As autoras ressaltam que apesar da igreja ser a grande responsvel pela

    realizao da comemorao de seu patrono, essa festa ocorre atravs da integrao de

    diversos agentes, no se restringindo somente s aes da Irmandade catlica, sendo

    visvel, principalmente nos arredores da igreja, que so ocupados por diferentes grupos

    (ARRUDA e PITREZ, 2008). uma festa construda pelo povo carioca.

    A parte do comrcio de bebidas e comidas normalmente embalada ao som de

    sambas. Dentre as escolas de Samba do Rio de Janeiro apadrinhadas por So Jorge e

    que se fazem presentes nas festividades, podemos citar a Imprio Serrano, Grande Rio,

    Estcio de S, Salgueiro, Unio da Ilha, Beija-Flor de Nilpolis, Imprio da Tijuca

    (BARTHOLO, 1991).

    Bartholo (1991) argumenta que o santo, alm de padroeiro de inmeras cidades

    no Brasil e no mundo, j citadas neste trabalho, tambm declarado padroeiro de

    categorias de ofcios, principalmente as que so relacionadas ao ferro e ao fogo, bem

    como aqueles relacionados a situaes de combate: ferreiros, serralheiros, barbeiros,

  • funileiros, cuteleiros entre outras, o que faz com que grupos especficos tambm

    manifestem sua devoo ao santo em sua festividade.

    Assim, concordamos com Arruda e Pitrez (2008) quando colocam que forma-

    se, portanto, um mosaico de relaes que possibilita observar formas de diferenciao e

    congregao de grupos na configurao do prprio espao festivo. Sendo assim, a festa

    de So Jorge se constitui em um evento esperado e preparado pela populao carioca,

    compondo, dessa forma, parte de sua identidade cultural, de seu dia a dia, passado de

    gerao a gerao, portanto, seu patrimnio cultural.

    A festa de So Jorge do centro do Rio de Janeiro caracterizada pela presena

    de smbolos e manifestaes que a fazem nica e que ao longo dos anos vem

    procurando preservar a memria e a cultura do povo carioca.

    Percebemos que o poder pblico e os rgos responsveis pelo resguardo e

    incentivo valorizao do patrimnio turstico no municpio do Rio de Janeiro ainda

    no se deram conta da grande potencialidade da festa e as aes realizadas por esses

    rgos restringem-se somente ao cumprimento de algumas solicitaes da Irmandade

    como, o desvio do trnsito, a criao de estacionamentos ao longo da Avenida

    Presidente Vargas, na pista que fica interditada, a presena policiamento para fazer a

    segurana, e a presena, em algumas ocasies, de algum representante da prefeitura no

    evento.

    Consideraes Finais

    ...Vou acender velas para So Jorge

    A ele eu quero agradecer

    E vou plantar comigo-ningum pode

    Para que o mal no possa ento vencer....

    (Pr So Jorge- Zeca Pagodinho)

    O patrimnio cultural de um povo faz referencia sua identidade, ao e

    memria, seja individual seja coletiva, dos diferentes grupos formadores da sociedade.

  • Portanto, sem sombra de dvidas, na Festa de So Jorge do centro do Rio de Janeiro,

    possvel perceber referncia cultura do carioca, uma vez que a mesma reconhecida e

    compartilhada por todos os que dela participam, e isso, pode ser comprovado pelo

    nmero crescente dos participantes da mesma.

    A festa confere, no s a Igreja dos Gloriosos Mrtires So Gonalo Garcia e

    So Jorge, mas tambm ao seu entrono, um lugar de festejos capaz de transmutar tanto o

    espao festivo, quanto o espao sagrado, fazendo desses espaos uma espcie de palco

    onde so representadas memria e aes coletivas, onde os frequentadores, mesmo de

    origens e conceitos religiosos distintos se expressam de forma nica: a devoo pelo

    santo.

    Nessa interao, na combinao das cores, predominantemente vermelho e

    branco, nos gestos, nas saudaes emitidas, o espao neutro, no dando lugar para

    existncia de conflitos nem diferenas por conta do credo professado ultrapassando os

    limites do tempo. A festa no espao pblico, dessa forma, ultrapassa tambm o conceito

    de lugar, enquanto espao fsico propriamente dito, passando a ser um lugar de memria

    a ser valorizado e preservado.

    Assim, encerramos essa discusso no com a pretenso de ter esgotado as

    reflexes necessrios, mas com o intuito de ter iniciado uma complexa e necessria

    discusso sobre o patrimnio cultural do Rio de Janeiro.

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