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O Mostrengo
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1.Assunto: Chegados ao Cabo das Tormentas, os portugueses encontram
um monstro voador, o «mostrengo», que pretende atemorizá-los para que
não prossigam a viagem. Porém, o marinheiro português (o «homem do
leme»), embora de início o receie e hesite, enfrenta-o, neutralizando-o,
pois está imbuído da vontade de um rei e de um povo que não abdica da sua
missão.
2. Título
1.º) A palavra «mostrengo» é derivada por sufixação («monstro + engo»). O sufixo «-
engo», de origem germânica, tem um valor pejorativo. «Mostrengo» significa, assim,
«ente fantástico, geralmente considerado perigoso e assustador, dotado de uma
configuração fora do normal e desagradável» .
2.º) Por outro lado, «mostrengo» está relacionado com o verbo «mostrar». Neste sentido,
«mostrengo» é aquele que mostra o que não é ainda conhecido.
3. Retrato do «mostrengo»:
. situa-se no desconhecido, na lonjura, no local que se julgava ser o fim («está no fim do
mar / Na noite de breu…») – vv. 1-2), ligado a um tom de mistério, de enigma;
. é o senhor dos mares e dos seus segredos: «Nas minhas cavernas que não desvendo, /
Meus tetos negros do fim do mundo» (vv. 6-7) - o mar é apresentado fechado no sentido
de espaço e sem fim no sentido da profundidade, indiciando mistério; por outro lado,
representa o desconhecido («Nas minhas cavernas que não desvendo»; «fim do mundo»);
. tem um aspeto semelhante ao de um morcego:
- voa (v. 2) – notar a intenção de exprimir a voz do morcego e o seu nervosismo, por ver os
seus domínios ameaçados, através da musicalidade de sons como /u/, /ô/, /ê/, /i/, /a/;
- chia;
- habita cavernas e tetos negros;
- roça nas velas da nau;
- vê as quilhas de alto (v. 11);
- é imundo e grosso - tem um aspeto medonho, horrível (v. 13);
. é ameaçador e arrogante (as suas falas);
. defende os seus domínios perante a ousadia dos portugueses, que ousam invadir e
desvendar esses domínios;
. tem atitudes intimidatórias, ameaçadoras, aterrorizadoras, de força e poder:
- os movimentos circulares que tece em roda da nau (vv. 3, 4, 12, 13, 25) parecem querer
«asfixiar» os portugueses;
Ficha informativa- 9º ano "O Mostrengo" de Fernando Pessoa
Intertextualidade com " O Adamastor" de Luís de camões
- roça nas velas;
- chia;
- etc.
. tem poder sobre o mar: «o que só eu posso» (v. 14);
. identifica-se com o mar tenebroso e desconhecido: «moro onde nunca ninguém me visse /
E escorro os medos do mar sem fundo» (vv. 15-16) - notar a expressividade do verbo
«escorrer», sugerindo que o «mostrengo» simboliza o mar, bem como a aliteração em /m/
e o pretérito imperfeito do conjuntivo «visse», sugerindo o desejo do «mostrengo» em
continuar desconhecido;
. sente-se desafiado;
. infunde medo e terror;
. manifesta revolta, indignação e desejo de vingança perante a ousadia dos portugueses
(«Quem é que ousou entrar…», «Escorro os medos do mar sem fundo…»);
. os argumentos de autoridade que evoca têm como objetivo infundir nos marinheiros o
medo e levá-los a retroceder, a desistir da sua viagem;
. na 3.ª estrofe, apaga-se e já não fala, facto que denota o triunfo dos marinheiros. De facto,
à medida que o poema vai avançando, o «mostrengo» perde força, acabando por se
anular.
. Retrato do marinheiro:
<!--[if !vml]--><!--[endif]--> . 1.ª resposta:
- treme e fala em simultâneo;
- invoca a autoridade de que foi investido: «El-Rei D. João segundo!» (v. 9);
- é o agente, o representante do rei e, na pessoa do soberano, todo o povo português.
. 2.ª resposta:
- mostra um crescendo de coragem e valentia, pois se, na 1.ª estrofe, fala a tremer, nesta
fala depois de tremer.
. 3.ª fala do marinheiro - clímax da tensão dramática:
- as suas atitudes contraditórias [desprender (desistência) e prender as mãos ao leme,
tremer e deixar de tremer] revelam ainda certa dúvida, insegurança, hesitação e receio;
- de facto, o marinheiro está dividido interiormente entre o terror e a coragem, acabando
por vencer esta última;
- consciencializa-se de que ali não se representa a si mesmo («Aqui ao leme sou mais do
que eu« - v. 22), mas a vontade do rei e do seu povo, e enfrenta o «mostrengo»,
vencendo e prosseguindo a sua missão, uma atitude que revela coragem, convicção, força
e determinação.
Estas reações do marinheiro ao discurso do «mostrengo» mostram que há uma espécie de
gradação ascendente nas suas atitudes que contrasta com as do monstro.
. Simbolismo das personagens:
- O mostrengo simboliza : o mar desconhecido, os segredos ocultos, o medo dos
navegadores que enfrentam o desconhecido, os perigos que tiveram de enfrentar.
- O homem do leme: simboliza a coragem e a ousadia do povo português; é o herói
mítico, símbolo do seu povo e que, por isso, passa de herói individual a coletivo, com uma
missão a cumprir.
Recursos poético-estilísticos
1. Nível fónico
. Estrofes: três estrofes de 9 versos, finalizadas por um refrão.
. Irregularidade:
- métrica:
. versos decassílabos;
. versos hexassílabos no refrão;
. outros versos de metro mais curto (6, 8, 9);
- rimática:
. esquema rimático: aabaacdcd;
. emparelhada e cruzada, sendo cada terceiro verso das três estrofes um verso branco;
. Harmonia imitativa (onomatopeia) produzida pela repetição dos sons /v/, /s/, /ch/,
/r/, /z/ (aliterações), que sugerem o ruído do voo do «mostrengo».
2. Nível morfossintático
. Abundância de formas verbais que sugerem movimentos incontroláveis, violentos, de
terror e que emprestam ao poema grande dinamismo. Os tempos verbais predominantes
são o pretérito perfeito, predominante na parte narrativa, e o presente do indicativo,
usado quase exclusivamente no diálogo entre o «mostrengo» e o marinheiro, contribuindo
para a grande força e vivacidade do poema, para o seu valor universal e para o tom épico
que culmina na última fala do marinheiro.
. Juntamente com as formas verbais, a abundância de nomes traduz a sucessão
incontrolável e dramática dos acontecimentos.
. Os adjetivos são quase inexistentes: «negros», «imundo» e «grosso» (traduzem a noção
de mistério e terror).
. Tipos de frase:
- declarativo: narração e parte do discurso do «homem do leme»;
- interrogativo: discurso do «mostrengo»;
- exclamativo: discurso do marinheiro.
. Funções da linguagem: emotiva, fática e apelativa.
. Anáfora: «de quem (…) / De quem…» (vv. 10-11); «Três vezes (…) / Três vezes (…) / Três
vezes (…)» (vv. 13, 19 e 20).
3. Nível semântico
. Metáforas / imagens:
- «nas minhas cavernas que não desvendo»;
- «meus tetos negros do fim do mundo»: estas duas primeiras sugerem o mistério
impenetrável de um local desconhecido e medonho;
- «E escorro os medos»: sugere a ideia de terror, proveniente de algo que constitui uma
fonte perene de medo;
- «a vontade que me ata ao leme»: expressa a missão do marinheiro, ligada fatalmente à
vontade do seu rei e do seu povo.
. Exclamações e interrogações: traduzem a emotividade, quer do «mostrengo» quer do
marinheiro.
. A personificação de um ser desconhecido, o «mostrengo» voador, que chia, vê, ouve e
fala ameaçadora e aterradoramente, e que corporiza todos os perigos da navegação em
mares desconhecidos.
. Reiteração do número 3 e seus múltiplos, um número cabalístico relacionado com as
ciências ocultas que remete para um triângulo sagrado, presente em muitas religiões,
como a tríade da religião egípcia, a tríade romana, a tríade dos cristãos (Pai, Filho e
Espírito Santo); em suma, assume as conotações de um triângulo ou ciclo que se fecha (=
perfeição), contribuindo para conferir ao poema um sentido oculto e esotérico
(misterioso):
- três estrofes;
- cada estrofe tem 9 versos (3 X 3);
- o refrão tem 6 sílabas (2 X 3);
- o «mostrengo» e o marinheiro falam três vezes cada;
- o marinheiro tremeu três vezes, ergueu as mãos do leme três vezes e três vezes as
reprendeu ao
leme.
. Linguagem visualista para sugerir o ambiente de terror e mistério, fazendo-se apelo às
sensações visuais e auditivas.
Conceitos de herói e heroísmo: quer este poema, quer o episódio do Adamastor
revelam o espírito
aventureiro, a intrepidez (coragem, atrevimento) e a audácia do povo português.
Por outro lado, o heroísmo do poema decorre da capacidade de o ser humano dominar e
vencer o próprio medo, exemplificada pelo marinheiro.
Fonte: http://portugues-fcr.blogspot.pt (adaptação