Fichamento -HOBSBAWM (A Era das Revoluções) - Cap. 13

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/30/2019 Fichamento -HOBSBAWM (A Era das Revolues) - Cap. 13

    1/8

    HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revolues: Europa 1789-1848.Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 20 ed., 2006. Cap. 13 A ideologiasecular (p. 325-349)

    I

    Com rarssimas excees, todos os grandes pensadores do perodo aquiestudado falavam o idioma secular centrado nas cincias e nas artes ,independentemente de suas crenas religiosas: A quantidade deve ainda fazer-nos daruma posio de destaque ideologia religiosa no mundo de 1789-1848; a qualidade desta posio de destaque ideologia leiga ou secular (1, p. 325).

    Nesse sentido, analisaremos aquele que foi, afinal, o principal tema quenasceu da revoluo dupla: a natureza da sociedade e a direo para a qual ela estava

    se encaminhando ou deveria se encaminhar. Sobre esse problema, havia duas opinies

    principais: a dos que aceitavam a direo para a qual o mundo se encaminhava e a dosque no a aceitavam; em outros termos, os que acreditavam no progressoe os outros(1, p. 325-6).

    As ideologias do progresso constituam, de certa maneira, a grande linhaideolgica significativa, se comparadas com suas tendncias adversrias, dispersas

    numa srie de crticas negativas ao ideal iluminista. A ideologia do progresso abarcavatanto os liberais burgueses quanto os socialistas revolucionrios, e estava lastreada naideia de que a histria humana era um avano mais que um retrocesso ou oscilaoestacionria; tinham profunda confiana na cincia e na tcnica do homem sobre anatureza; acreditavam no aperfeioamento humano do individuo e da sociedade

    pela aplicao da razo (1, p. 326).

    Elaborado fundamentalmente nos sculos XVII e XVIII, tendo por baseGr-Bretanha e Frana, o liberalismo burgus foi a primeira expresso da ideologia do

    progresso (2, p. 326).

    A ideologia liberal era rigorosamente racionalista e secular, ou seja,convencida da capacidade dos homens para compreender e intervir no mundo pelo usoda razo, negando, por extenso, as tendncias obscurantistas das instituies tpicas dofeudalismo. Filosoficamente, inclinava-se ao materialismo ou ao empirismo devido

    influncia das cincias fsicas e matemticas impulsionadas no sculo XVII. Para oliberalismo clssico, o mundo humano estava constitudo de tomos individuais comcertas paixes e necessidades, cada um procurando acima de tudo aumentar ao mximosuas satisfaes e diminuir seus desprazeres, nisto igual a todos os outros, enaturalmente no reconhecendo limites ou direitos de interferncia em suas pretenses.Em outras palavras, cada homem era naturalmente possudo de vida, liberdade e buscada felicidade (...). No curso da busca desta vantagem pessoal, cada individuo nestaanarquia de competidores iguais achava vantajoso ou inevitvel entrar em certos tiposde relaes com outros indivduos, e este complexo de acordos teis constantementeexpressos na terminologia francamente comercial do contrato constitua a sociedadee os grupos polticos ou sociais. claro que tais acordos e associaes implicavam

    alguma diminuio da naturalmente ilimitada liberdade do homem para fazer aquilo quequisesse, sendo uma das tarefas da poltica reduzir tal interferncia a um mnimo

  • 7/30/2019 Fichamento -HOBSBAWM (A Era das Revolues) - Cap. 13

    2/8

    praticvel. Exceto para certos grupos sexuais irredutveis como pais e filhos, o homem

    do liberalismo clssico (cujo smbolo literrio foi Robinson Cruso) era um animalsocial somente na medida em que ele coexistia em grande nmero. Os objetivos sociaiseram, portanto, a soma aritmtica dos objetivos individuais. A felicidade (...) era osupremo objetivo de cada individuo; a maior felicidade do maior nmero de pessoas era

    claramente o objetivo da sociedade (3 -4, p. 326-7).De fato, o utilitarismo puro, que reduzia todas as relaes aos padres doclculo racional, esteve limitado no sculo XVII a filsofos como Thomas Hobbes,Jeremy Bentham, James Mill e, acima de tudo, aos economistas polticos clssicos.

    Nunca monopolizou, portanto, a ideologia da classe mdia liberal. Isso se explica porduas razes. Em primeiro lugar, uma ideologia que reduzia tudo ao clculo racional dointeresse prprio entrava em conflito com alguns poderosos instintos da classe mdia

    empenhada em melhorar. Assim, poder-se-ia demonstrar que o prprio interesseracional justificava uma maior interveno na liberdade natural do indivduo (Hobbes,

    por exemplo, pensador admirado pelos utilitaristas britnicos, demostrara que ointeresse prprio impedia quaisquer limitaes a priori sobre o poder estatal). Desse

    modo, para salvaguardar a propriedade privada, a liberdade individual e de empresa eraprefervel recorrer sano metafsica de um direito natural ao invs de convocar um

    vulnervel direito de utilidade. Em segundo lugar, uma ideologia que eliminava a

    moralidade e o dever atravs da reduo de tudo ao clculo racional, bem poderiaenfraquecer o sentido da disposio eterna das coisas entre os pobres,

    vulnerabilizando a estabilidade social. Em suma, o utilitarismo proporcionou o mais

    cortante dos machados radicais contra as instituies tradicionais, mas no era forte o

    bastante nem para inspirar uma revoluo nem para evita-la. Entre John Locke eThomas Hobbes, o primeiro continuou sendo o pensador favorito do liberalismo vulgar,

    pois, ao menos, ele colocou a propriedade privada como o mais fundamental e intocveldos direitos naturais (5-6, p. 327-9).

    A economia poltica clssica constitui, com a obra hobbesiana, o maisimpressionante monumento intelectual ideologia liberal. Em seu pensamento

    poltico, o liberalismo no apresentava o mesmo rigor e audcia que fizerem dele umafora revolucionria. Em sua vertente econmica, porm, estava menos inibido, em

    parte porque o triunfo do capitalismo era mais evidente que o triunfo da supremaciapoltica da burguesia, em parte porque as conjecturas clssicas sobre a natureza e oestado natural encaixavam-se bem na situao especial do mercado criado pela ordemcapitalista. A economia poltica clssica tem seu incio com a publicao da obra deAdam Smith, aRiqueza das Naes (1776); seu apogeu se d com David Ricardo e seu

    Princpios de economia poltica (1817); o ano de 1830 assinala o seu ponto de declnioou transformao (7, p. 329-330).O argumento social da economia poltica de Smith tambm se baseava na

    ideia de que a humanidade se constitua de indivduos que buscavam seus prpriosinteresses atravs da competio entre uns e outros. Poderia ser demostrado, contudo,que essas atividades, deixadas tanto quanto possvel livres de interferncias e controles,

    produziam no s uma ordem social natural contraposta ordem artificial doobscurantismo, da tradio etc. mas tambm o mais rpido aumento da riqueza dasnaes do conforto, bem-estar e felicidade dos homens. A diviso social do trabalhoera a base dessa ordem natural. Podia ser cientificamente provado que a existncia deuma classe de capitalistas beneficiava a todos, inclusive aos trabalhadores, vendedores

    de fora de trabalho, do mesmo modo como poderia ser cientificamente comprovadoque os interesses de Gr-Bretanha e Jamaica estariam melhor servidos se aquela

  • 7/30/2019 Fichamento -HOBSBAWM (A Era das Revolues) - Cap. 13

    3/8

    produzisse produtos manufaturados e esta produzisse acar natural. A inevitveldesigualdade econmica resultante das operaes da natureza humana no eraincompatvel com a igualdade natural de todos os homens nem com a justia, haja vistaque se fundava na mais equitativa das relaes: o intercmbio de valores equivalentesno mercado. O progresso era, pois, to natural como o capitalismo. Bastava que se

    retirassem os obstculos artificialmente criados no passado, para que o progresso, asartes e as cincias se desenvolvessem (8-9, p. 330-1).O otimismo subjacente a essa viso se apoiava no s na crena referente

    habilidade de demostrar seus teoremas econmicos pela via do raciocnio dedutivo,mas tambm no evidente progresso da civilizao e do capitalismo no sculo XVIII. Poroutro lado, as descobertas, por Ricardo, de contradies dentro do sistema smithiano e,sobretudo, a realidade de crescente misria e pauperizao que acompanhou a expansocapitalista entre 1810 e a dcada de 1840, refrearam aquele otimismo e estimularam ainvestigao econmica crtica, especialmente sobre a distribuio em contraste com a

    produo,que havia sido objeto preferido da gerao de Smith. A economia poltica naprimeira metade do sculo XIX tornou-se uma cincia lgubre mais do que cor-de-

    rosa (10, p. 331).A economia poltica de David Ricardo introduziu uma srie de elementos

    de discrdia no sistema harmonioso preconizado pelos primeiros economistas. Bemmais do que Smith, Ricardo enfatizou certos fatores que poderiam deter a mquina do

    progresso econmico tendncia para a queda da taxa de lucros. Ademais, criou ateoria geral do valor-trabalho, que, com alguns retoques posteriores, transformar-se-iaem argumento poderoso contra o capitalismo. Entretanto, seu domnio tcnico sobre amatria e seu apoio incondicional aos interesses dos homens de negcio o livrecomrcio e a hostilidade aos proprietrios de terra ajudaram a dar economia polticaainda mais prestgio no mbito da ideologia liberal. Junto com a indstria inglesa, aeconomia poltica se tornou uma cincia fundamentalmente britnica, marginalizando ocontributo francs, bem como se tornou smbolo do avano liberal (o Brasil, porexemplo, instituiu uma ctedra de economia poltica em 1808, bem antes da Frana)(11, p. 331-2).

    Na poltica, a ideologia liberal no apresentava a mesma fora.Teoricamente, continuava dividida entre o utilitarismo e as doutrinas jusnaturalistas,com predominncia do primeiro. Do ponto de vista prtico, a diviso se dava entre acrena numgoverno populargoverno de maioriase a crena, mais generalizada, no

    governo de uma elite de proprietrios: quer dizer, entre o radicalismo e o

    whiggismo, para usarmos os termos britnicos ( 12, p. 332-3).

    O governo de maiorias, popular, sem dvida, era visto, no mnimo, commuita desconfiana pela classe mdia liberal, afinal se a maioria realmente governasseou seja, as classes mais numerosas e pobres onde estariam as garantias de que o

    prprio programa liberal efetivamente se cumpriria? Antes da Revoluo Francesa, aignorncia e a superstio constituam a principal causa de alarme nesse aspecto. A

    prpria revoluo acrescentou um risco adicional, a saber, a ditadura jacobina. Osliberais prticos se assustavam com a democracia poltica e preferiam uma monarquiaconstitucional com sufrgio adequado ou, em caso de emergncia, qualquer absolutismoultrapassado. Depois de 1793-4, somente uma burguesia extremamente descontente, ouextremamente confiante, como a da Gr-Bretanha, estava disposta a encarar umarepblica democrtica (13, p. 333).

    Os descontentamentos sociais, os movimentos revolucionrios e asideologias socialistas do perodo ps-napolenico intensificaram este dilema, e a

  • 7/30/2019 Fichamento -HOBSBAWM (A Era das Revolues) - Cap. 13

    4/8

    revoluo de 1830 tornou-o mais agudo. O liberalismo e a democracia pareciam maisadversrios que aliados; o trpliceslogan da Revoluo Francesaliberdade, igualdadee fraternidade expressava melhor uma contradio que uma combinao (14, p.334).

    II

    medida que a ideologia liberal perdia sua confiana original, uma novaideologia, o socialismo, retomava os axiomas do sculo XVIII: razo, cincia e

    progresso. O que distinguia os socialistas de nosso perodo dos paladinos de uma

    sociedade perfeita de propriedade comum, que periodicamente aparecem na literatura aolongo da histria, era a aceitao incondicional da revoluo industrial que criava averdadeira possibilidade do socialismo moderno. Saint-Simon, conhecido como o

    primeiro socialista utpico, foi antes de tudo o apstolo do industrialismo e dos

    industrialistas (palavras criadas por ele). Robert Owen, na Gr-Bretanha, fundava sua

    crena no aperfeioamento humano e na criao de uma sociedade melhor a partir dapotencial abundncia desencadeada pela revoluo industrial. Nenhum dos novossocialistas, em suma, desejava retardar a hora da evoluo social (15, p. 334-5).

    Os prprios argumentos do liberalismo clssico se transformaram emarmas contra a sociedade capitalista que ajudaram a fundar. Se o objetivo socialsupremo era busca da maior felicidade do maior nmero de pessoas, era fcil observarque tal felicidade era a dos trabalhadores pobres. Mais ainda, a economia polticaclssica, notadamente em sua vertente ricardiana, podia virar-se contra o capitalismo,(como de fato virou): se o trabalho representava a fonte de todo o valor, restava claro,ento, que o lucro era proveniente da apropriao, pelo capitalista, do excedente que otrabalhador produzia alm daquilo que ele recebia de volta na forma de salrio.Portanto, o capitalista explorava o trabalhador (16-17, p. 335-6).

    As crticas socialistas s puderam florescer em razo da observao nos das injustias produzidas pelo capitalismo, mas tambm de seu mau funcionamento.O capitalismo no cumpria o que prometia: (...) no perodo de formao do socialismo,

    isto , entre a publicao da Nova viso da sociedade, de Robert Owen, lanado apblico em 1813-14, e o Manifesto Comunista, de 1848, a depresso, os salriosdecrescentes, o pesado desemprego tecnolgico e as dvidas sobre futuras

    possibilidades de expanso da economia eram simplesmente inoportunas (18, p. 336).

    A nova sociedade defendida pelos socialistas no abandonava o terrenodo humanismo clssico e do ideal liberal: Um mundo no qual todos fossem felizes e noqual todo indivduo realizasse plenamente suas potencialidades, no qual reinasse aliberdade e do qual desaparecesse o governo coercitivo era o objetivo mximo deliberais e socialistas. A distino das duas famlias ideolgicas se dava, porm, notocante aos mtodos para alcanar tal objetivo (19, p. 337).

    Em primeiro lugar, a ideologia socialista rompia com a suposio liberalde que a sociedade consistia num mero agregado de tomos individuais, e que sua foramotriz estava no interesse prprio e na competio. Os socialistas voltavam crena deque o homem naturalmente um ser comunitrio. A sociedade, longe de ser a reduonecessria, porm lamentvel, dos ilimitados direitos naturais do homem, era o seular. Os novos socialistas se distinguiam claramente dos crticos do capitalismo que

    culpavam o racionalismo, a cincia e a tecnologia pelas desumanidades produzidas ocaso do poeta William Blake e de J.J. Rousseau. Contudo, compartilhavam com eles

  • 7/30/2019 Fichamento -HOBSBAWM (A Era das Revolues) - Cap. 13

    5/8

    no s desse ideal comunitrio, mas tambm da ideia de que antes da instituio dasociedade de classes e da propriedade, os homens tinham, de algum modo, vivido emharmonia (vale mencionar a idealizao rousseaniana do homem primitivo e adescoberta do comunismo primitivo, por exemplo) (20, p. 337-8).

    Em segundo lugar, o socialismo adotou algo que estava relativamente

    fora da tradio liberal: a argumentao histrica e evolutiva. Para os liberais clssicos,e tambm para os socialistas utpicos, as propostas de uma nova sociedade eramnaturais e racionais, distintas da sociedade irracional e artificial que a ignorncia etirania tinham imposto at ento. Bastava que se proclamasse abertamente a propostaracional para que fosse imediatamente aceita pelos homens sensatos e de instruo. Aideologia socialista introduziu um elemento de evoluo histrica nessa questo, j queuma ideologia do progresso implica uma ideologia evolutiva. Com Karl Marx, osocialismo adquiriu sua mais formidvel arma intelectual ao substituir o projeto

    socialista do campo de sua racionalidade ou desejabilidade para o campo de suainevitabilidade histrica: Para Marx a sociedade humana havia inevitavelmentedividido o comunismo primitivo em classes, inevitavelmente se desenvolvia atravs de

    uma srie de sociedades classistas, cada uma delas progressista em seu tempo, adespeito de suas injustias, cada uma delas contendo as contradies internas que, a

    certa altura, se constituem em obstculo para o progresso futuro e geram as foras para asua superao. O capitalismo era a ultima delas (...). Mas era possvel demonstrar, pormeio da economia poltica, que o capitalismo apresentava contradies internas queinevitavelmente o convertiam, at certo ponto, em uma barreira para o progresso e quehaviam de mergulh-lo em uma crise da qual no poderia sair. Alm do mais, ocapitalismo (...) inevitavelmente criava seu prprio coveiro, o proletariado, cujo nmeroe descontentamento cresciam medida que a concentrao do poder econmico emmos cada vez menos numerosas tornavam-no mais vulnervel, mais fcil de serderrubado. A revoluo proletria devia, portanto, inevitavelmente derrub-lo. Osocialismo, ento, no constitua ideal eterno, passvel de ser efetivado em qualquerpoca. O socialismo era filho do capitalismo e no poderia ter sido formulado

    adequadamente antes que estivessem postas as condies objetivas para tal (21-22, p.338-40).

    III

    Comparadas com as coerentes ideologias do progresso, as de resistnciaao progresso (antiprogressistas) no constituam sistemas de pensamento, sendo antes

    atitudes carentes de um mtodo intelectual comum (23, p. 340).

    Sua principal crtica direcionava-se para a destruio da ordem social ouda comunidade anteriores, e sua consequente substituio pela ordem baseada naanrquica competio de todos contra todos e pela desumanizao do mercado. Nesse

    ponto, os antiprogressistas revolucionrios e conservadores, ou seja, os representantesdos pobres e dos ricos, tendiam a concordar at mesmo com os socialistas, o que

    produziu fenmenos to quanto a Democracia Conservadora ou o Socialismo

    Feudal. Os conservadores identificavam a ordem social ideal com qualquer regime

    ameaada pela revoluo dupla, ou outra situao do passado (por exemplo, ofeudalismo medieval), enfatizando sempre o elemento de ordem estabilizador da

    hierarquia social. Os revolucionrios, por sua vez, pensavam em alguma poca remota

  • 7/30/2019 Fichamento -HOBSBAWM (A Era das Revolues) - Cap. 13

    6/8

    dourada, destacando os elementos comunitrios e de ajuda mtua mais benficos paraos pobres (24, p. 340-1).

    Ambos, antiprogressistas conservadores e revolucionrios, concordavamque em alguns importantes aspectos o velho regime tinha sido ou era melhor do que onovo. Antes, todos viviam juntos, ainda que classificados por Deus entre superiores e

    inferiores. Predominavam redes de estreitas relaes pessoais e sociais, guiadas pelocostume e por instituies sociais, e no a lgica das mercadorias valoradas de acordocom o mercado (25. p. 341).

    Na falta de uma teoria coerente da evoluo, os antiprogressistas noconseguiam compreender acerca do que tinha acontecido de errado. Culpavam oracionalismo do sculo XVIII, responsvel por tentar algo impossvel para acompreenso humana: projetar uma nova sociedade, tal como se projetam as mquinas.Contra o imprio da razo, restava restabelecer os valores da tradio, do instinto, da freligiosa, da verdade etc. (26, p. 341-2).

    Se os pensadores conservadores, por outro lado, no tinham o sentido doprogresso e das transformaes histricos, por outro, tinham um senso apurado para aanlise da continuidade e dos usos prolongados. Por isso, seus maiores mritoslocalizam-se no campo da analise histrica e reabilitao do passado, a investigao dacontinuidade contra a revoluo. Seus expoentes mais importantes foram Edmund

    Burke, na Inglaterra, e a escola histrica alem (27, p. 342).

    IV

    Resta, por fim, considerar uma linha ideolgica singularmente situadaentre a progressiva e a antiprogressiva ou, em termos sociais, entre a burguesiaindustrial e o proletariado de um lado, e as classes aristocrticas e mercantis e as massasfeudais do outro. Seus defensores mais importantes foram homens da pequena-

    burguesia radical da Europa Ocidental e dos Estados Unidos e os homens da modestaclasse mdia da Europa Central e Meridional. Todos acreditavam, de algum modo, no

    progresso, mas no estavam preparados para segui-lo at suas concluses liberais ousocialistas; as primeiras pelo medo de serem transformados em proletrios com aliberalizao da competio; as segundas pelo fato de serem muito fracos para desafiaro poderio de seus prncipes. Combinavam, portanto, componentes progressistas comantiprogressistas, o que os empurrava para o sentido da dialtica de modo a possurem

    vantagens, frente aos liberais progressistas e antiprogressistas, no que tange compreenso da sociedade (28, p. 342-3).

    Desse primeiro grupo de radicais pequeno-burgueses, o mais importantepensador foi J. J. Rousseau. Longe de um sistema filosfico sistemtico, Rousseauexpressava as incertezas das classes que no podiam aceitar nem as promessas liberaisdos donos das fbricas nem as certezas dos socialistas proletrios: restava indeciso entreo individualismo puro e o senso de comunidade, entre o ideal de um Estado baseado narazo e o receio da razo ante o sentimento, entre o reconhecimento de que o

    progresso era inevitvel e a certeza de que destruiria a harmonia do homem natural.

    Sua influncia intelectual foi marcante na Alemanha e entre os romnticos, bem como

    entre os plebeus e radicais pequeno-burgueses (como Mazzini). Fundindo-se comadaptaes do racionalismo do sculo XVIII, influenciou personagens como Thomas

  • 7/30/2019 Fichamento -HOBSBAWM (A Era das Revolues) - Cap. 13

    7/8

    Jefferson e Thomas Paine. Seus seguidores tpicos foram fanticos da democracia, donacionalismo e de um Estado de pequenos homens com igual distribuio de

    propriedade e algumas atividades de beneficncia (29-30, p. 343-4).

    O segundo grupo, bem mais complexo, pode ser designado como o dafilosofia alem. Sem poder para derrubar a sociedade e sem recursos econmicos parafazer a revoluo industrial, seus membros tendiam a se concentrar na construo deelaborados sistemas de pensamento. Partiam da crenabem adequada a uma classe emque figuravam tanto servidores civis e professores a servio do Estado nainevitabilidade do progresso e nos benefcios do avano da economia e da cincia,combinada crena nas virtudes de uma administrao burocrtica de ilustrado

    paternalismo: As exigncias da classe mdia (...) levadas a termo por um estadoerudito: tal representa melhor o liberalismo moderado alemo. A atmosfera intelectual

    do pensamento alemo diferia enormemente da principal tradio liberal da EuropaOcidental: Os lugares-comuns liberais materialismo ou empirismo filosfico,

    Newton, a anlise cartesiana e o resto desagradavam muito a maioria dos pensadores

    alemes; em troca, o misticismo, o simbolismo e as vastas generalizaes sobreconjuntos orgnicos os atraam visivelmente (31-32, p. 344-6).

    Sua expresso mais monumental foi a filosofia clssica alem, um corpode pensamento formado entre 1760 e 1830, juntamente com a literatura alem e emntima relao com ela (basta pensar em Goethe: escritor, poeta, cientista e filsofonatural). Emanuel Kant e G. W. F. Hegel foram seus dois grandes pilares. Depois de1830, tal como aconteceu com a economia poltica clssica, entrou em processo dedesagregao, desaguando nos jovens hegelianos e, finalmente, no marxismo (33, p.346).

    No devemos esquecer que a filosofia clssica alem foi um fenmenoverdadeiramente burgus. Sua principais figuras Kant, Hegel, Fichte, Schelling saudaram com entusiasmo a Revoluo Francesa; o iluminismo era o campo dentro doqual se situava Kant, bem como foi o ponto de partida de Hegel; a filosofia de ambos,inclusive, era profundamente impregnada pela ideia de progresso; alm disso, aocontrario dos filsofos acadmicos posteriores, Kant, Fichte e notadamente Hegelestudaram alguns economistas polticos (34, p. 346-7; 35: a tendncia burguesa emHegel e Kant, e suas peculiaridades) .

    Desde o princpio, porm, a filosofia alem diferia do liberalismoclssico em importantes aspectos, mais claramente em Hegel do que em Kant. Primeiro,era deliberadamente idealista e rejeitava o materialismo e o empirismo da tradioclssica. Segundo, se a unidade bsica da filosofia kantiana o indivduo na forma de

    conscincia individual, o ponto de partida hegeliano o coletivo (ou a comunidade),que ele v se desintegrando sob o impacto do desenvolvimento histrico. Alm do mais,sua localizao margem do avano liberal-burgus afinal, a Alemanha no tinhavivenciado a sua revoluo burguesa -, fez com que os pensadores alemes se sentissemmais conscientes de seus limites e contradies (36, p. 347-8).

    Conclumos, ento, que a filosofia clssica alem, especialmente ahegeliana, corre paralelamente viso de mundo, cheia de dilemas, de Rousseau. Na

    pratica, as duas vertentes enfrentavam o problema da reconciliao com a realidade,que no caso de Hegel assumiu a forma de uma idealizao do Estado prussiano (37, p.348-9).

  • 7/30/2019 Fichamento -HOBSBAWM (A Era das Revolues) - Cap. 13

    8/8

    Desse modo, o perodo da dupla revoluo viu o triunfo e expresso dasradicais ideologias da classe mdia liberal e da pequena burguesia e sua posteriordesintegrao sob o impacto das transformaes societais que ajudaram a criar. O ano1830, que marca o renascimento do maior movimento revolucionrio do perodo ps-napolenico na Europa Ocidental, tambm marca o inicio de sua crise. Tais ideologias

    sobreviveram, embora diminudas: no existem mais Smiths, Ricardos, Kants, Hegelsetc. De fato, tais linhas ideolgicas no morreram; foram transformadas em seu oposto:Marx foi, em estatura e enfoque, o herdeiro dos economistas e filsofos clssicos. Mas

    a sociedade da qual ele esperava se tornar profeta e arquiteto era muito diferente dadeles (38, p. 349).