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Optimização da configuração de chips de electrowetting
para transporte de gotas de biofluidos
Filipa Alexandra Mariano Dias da Mata
Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em
Engenharia Mecânica
Orientadores: Prof. António Luís Nobre Moreira
Dr. Ana Sofia Oliveira Henriques Moita
Júri
Presidente: Prof. Viriato Sérgio de Almeida Semião
Orientador: Dr. Ana Sofia Oliveira Henriques Moita
Vogal: Prof. Duarte Miguel de França Teixeira dos Prazeres
Novembro 2016
ii
iii
Agradecimentos
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer à minha orientadora Doutora Ana Moita por todo o
apoio e ajuda que me deu, pela paciência e disponibilidade que teve e pelas dúvidas existenciais que
me ajudou a esclarecer com o seu conhecimento.
Agradeço também ao Professor Miguel Prazeres, meu co-orientador, e à Professora Susana
Freitas do INESC-MN, por toda a sabedoria que partilharam comigo em áreas não directamente
relacionadas com o meu curso, mas igualmente importantes à compreensão dos fenómenos envolvidos
na minha dissertação.
Ao professor Luís Moreira por me ter acolhido no laboratório e no grupo de investigação e pela
confiança em mim depositada no âmbito do projecto RECI/EMS-SIS/0147/2012 da Fundação para a
Ciência e Tecnologia (FCT), à qual agradeço o financiamento de uma bolsa de investigação.
Agradeço à Cláudia Alves e à Ana Rosa pela sua disponibilidade e experiência na preparação
das soluções e ao Raju Kumar pela sua dedicação no fabrico dos chips. A sua ajuda foi essencial para
a progressão do trabalho de laboratório.
Durante estes últimos meses, tive oportunidade de conhecer os meus colegas de laboratório
com os quais sempre pude contar, tanto para trabalhar como para uns momentos de maior
descontração, também necessários.
Ao meu namorado pela sua maneira descontraída de encarar as dificuldades e por me apoiar
e aturar sempre, principalmente nas fases mais complicadas e de maior stress.
À minha amiga e “companheira de tese”, Ana Taborda, que, apesar de não estar no mesmo
laboratório que eu, partilhou comigo todas as fases desta experiência.
A todos os meus amigos que foram acompanhando o meu percurso, tanto do Técnico como
dos escuteiros, pela paciência que têm comigo e pela ajuda que me deram, nomeadamente na
realização de alguns ensaios com o chip microfluídico.
Agradeço também à minha família, mãe, irmã e avós pois sem o apoio deles não teria
conseguido chegar até aqui. Sempre acreditaram nas minhas capacidades e apostaram na minha
educação e formação.
Por fim, queria agradecer ao Técnico pelo acolhimento e pela exigência e excelência no ensino,
ferramentas essenciais para uma carreira profissional de sucesso.
iv
v
Resumo
Este trabalho considera a resposta dinâmica de gotas de biofluidos sob actuação electrostática
em chips microfluídicos, com eléctrodos coplanares interdigitados, por forma a seleccionar o material e
a configuração mais apropriados, garantindo o transporte das gotas. A sua resposta à actuação foi
estudada para soluções proteicas com GFP (Green Fluorescent Protein) e para suspensões celulares
com E-coli (Escherichia coli). Este estudo considera o efeito das propriedades do material dieléctrico
sobre o qual as gotas se deslocam e o efeito de outros factores que podem influenciar a dinâmica das
gotas tais como a frequência e a tensão impostas, a configuração (largura) dos eléctrodos e a possível
alteração da molhabilidade do material dieléctrico por efeito de mecanismos de adsorção da
componente biológica das soluções testadas.
A resposta da gota é quantificada pelo diâmetro de espalhamento e pela velocidade de
deslocação da linha de contacto. Em geral, para frequências mais elevadas verificam-se velocidades e
diâmetros maiores (>200 Hz), observando-se, porém, uma resposta mais eficaz a 100 Hz.
O material dieléctrico a utilizar deve ser hidrofóbico para garantir baixa adesão e histerese dos
ângulos de contacto, minimizando a energia dissipada na linha de contacto no espalhamento. Neste
contexto, o uso de um revestimento químico sugerido num trabalho anterior, Glaco©, confirmou um
resultado positivo, tendo contribuído para o aumento da hidrofobicidade e redução da adsorção,
facilitando assim o transporte da gota.
Para os biofluidos testados conclui-se que a configuração dos chips mais favorável possui
eléctrodos com largura de 1200 µm, revestido de SU8 com Glaco©.
Palavras-chave: Molhabilidade, EWOD, actuação electrostática, adsorção, biofluidos, chip
microfluídico.
vi
vii
Abstract
This work addresses the dynamics of biofluid droplets under electrostatic actuation using
microfluidic chips, with interdigitate coplanar electrodes, in order to select the most appropriate materials
and chip configuration, assuring the transport of the droplets. Its dynamic response is studied for protein
solutions with GFP (Green Fluorescent Protein) and cell suspensions with E-coli (Escherichia coli). This
study considers the effect of the properties of the dielectric materials, on which the droplets move,
together with several factors that can influence droplet dynamics, such as the imposed frequency and
voltage, the configuration (width) of the electrodes and the possible changes in the dielectric material
wettability, due to adsorption of the biologic component of the solutions studied here.
The dynamic response of the droplets is quantified using the spreading diameter and the velocity
of the contact line. Overall, the results show that larger spreading diameters and velocities are achieved
for higher imposed frequencies (>200 Hz), but the droplet has a faster response for frequencies of
100 Hz.
The selected dielectric material should be hydrophobic with low contact angle hysteresis, to
minimize the dissipated energy at the contact line during droplet spreading. Hence, using a chemical
coating as suggested in a previous work, Glaco©, confirms a positive result, leading to the increase of
the hydrophobicity of the dielectric material and reducing the adsorption of the biocomponents, thus
favoring droplet transport.
For the biofluids tested here, the most favorable chip configuration has a set of electrodes with a
width of 1200 µm, coated with SU8 and Glaco©.
Keywords: Wettability, EWOD, electrostatic actuation, adsorption, biofluids, microfluidic chip.
viii
ix
Índice
Agradecimentos ...............................................................................................................................iii
Resumo .............................................................................................................................................v
Abstract ........................................................................................................................................... vii
Índice ................................................................................................................................................ix
Lista de Figuras ...............................................................................................................................xi
Lista de Tabelas .............................................................................................................................. xv
Lista de Acrónimos ....................................................................................................................... xvii
Nomenclatura ................................................................................................................................. xix
1. Introdução ..................................................................................................................................1
1.1. Contexto e motivação ........................................................................................................1
1.2. Estado da Arte ...................................................................................................................3
1.3. Objectivos........................................................................................................................ 11
1.4. Estrutura .......................................................................................................................... 12
2. Fundamentos teóricos ............................................................................................................ 13
2.1. Molhabilidade .................................................................................................................. 13
2.2. Electrowetting .................................................................................................................. 18
2.3. Chips microfluídicos ......................................................................................................... 22
3. Metodologia e Implementação ................................................................................................ 25
3.1. Instalação experimental e condições de funcionamento ................................................... 25
3.1.1. Caracterização da molhabilidade sem actuação electrostática ............................. 26
3.1.2. Ensaios com actuação electrostática com eléctrodo de tungsténio....................... 26
3.1.3. Ensaios com actuação electrostática nos chips microfluídicos (usando eléctrodos
coplanares)...................................................................................................................... 28
3.1.4. Configuração do microscópio confocal para avaliação da adsorção ..................... 31
3.2. Procedimento experimental ............................................................................................. 32
3.2.1. Preparação das soluções e caracterização das suas propriedades termofísicas .. 32
3.2.2. Caracterização e selecção das superfícies .......................................................... 35
3.2.3. Medição dos ângulos de contacto estáticos com e sem actuação electrostática ... 37
3.2.4. Medição dos ângulos de contacto quasi-estáticos ................................................ 38
3.2.5. Medição do diâmetro de espalhamento da gota sob actuação electrostática e da
velocidade na linha de contacto ....................................................................................... 38
x
3.2.6. Avaliação da adsorção das proteínas no substrato por microscopia confocal ....... 40
3.3. Quantificação de incertezas ............................................................................................. 41
3.3.1. Medição da tensão superficial, ângulos de contacto estáticos e quasi-estáticos ... 41
3.3.2. Medição do diâmetro de espalhamento ............................................................... 42
3.3.3. Medição da velocidade da linha de contacto ........................................................ 42
3.3.4. Análise de adsorção ............................................................................................ 42
4. Resultados e discussão .......................................................................................................... 43
4.1. Selecção dos materiais dieléctricos a usar nos chips microfluídicos ................................. 43
4.1.1. Caracterização dos ângulos de contacto estáticos sem actuação electrostática ... 43
4.1.2. Análise da histerese ............................................................................................ 45
4.1.3. Análise da adsorção ............................................................................................ 46
4.2. Caracterização da resposta das gotas à actuação electroestática com eléctrodo de
tungesténio ................................................................................................................................ 49
4.2.1. Efeito das propriedades das soluções.................................................................. 52
4.2.2. Efeito das propriedades da superfície .................................................................. 54
4.3. Caracterização da resposta das gotas nos chips microfluídicos (actuação em eléctrodos
coplanares) ............................................................................................................................... 56
4.3.1. Efeito da largura dos eléctrodos .......................................................................... 61
4.3.2. Efeito das propriedades das soluções.................................................................. 63
4.3.3. Efeito das propriedades da superfície .................................................................. 65
5. Conclusões e propostas para trabalho futuro ....................................................................... 69
5.1. Conclusões...................................................................................................................... 69
5.2. Propostas para trabalho futuro ......................................................................................... 71
Referências ..................................................................................................................................... 73
xi
Lista de Figuras
Figura 1: Diferentes regimes de molhabilidade, consoante o ângulo de contacto. ................................4
Figura 2: Representação esquemática de uma configuração de (a) electrocapilaridade, (b)
electrowetting, (c) electrowetting on dielectric. Adaptado de Virgilio (2015) e Mugele (2009). ...............6
Figura 3: Representação esquemática de um (a) sistema fechado, (b) sistema aberto. .......................9
Figura 4: Balanço das tensões interfaciais entre a gota, o substrato e o meio envolvente. ................. 13
Figura 5: Esquema ilustrativo das forças intermoleculares de uma gota. Baseado em Yuan e Lee (2013).
......................................................................................................................................................... 14
Figura 6: Regimes de molhabilidade. (a) homogéneo, (b) heterogéneo. ............................................ 15
Figura 7: Método da placa inclinada na determinação do ângulo de contacto de avanço e recuo. ..... 16
Figura 8: Método usado neste trabalho para a determinação do ângulo de contacto de avanço e recuo.
......................................................................................................................................................... 16
Figura 9: Dupla camada eléctrica espontânea. .................................................................................. 19
Figura 10: Configuração para ensaios de EWOD. ............................................................................. 21
Figura 11: Força electrostática e a sua influência no balanço de forças na linha de contacto da gota. 21
Figura 12: Manipulação de microgotas em chips programáveis: (a) transporte, (b) mistura, (c)
separação. ........................................................................................................................................ 23
Figura 13: (a) Esquema da configuração e (b) representação do circuito de uma gota sobre dois
eléctrodos coplanares. ...................................................................................................................... 23
Figura 14: Dimensões da configuração do chip. Adaptado de Laurência (2015). ................................ 24
Figura 15: Câmara Perspex com janelas que quartzo usada nos ensaios. ......................................... 25
Figura 16: (a) Ligação do sensor DHT22 ao arduino uno e ao computador (https://www.arduino.cc/). (b)
Variação da temperatura e da humidade relativa do ar no interior da câmara de Perspex, medidas pelo
sensor DHT22 durante um ensaio de electrowetting. ......................................................................... 26
Figura 17: Instalação experimental utilizada na medição dos ângulos de contacto estáticos, quasi-
estáticos, tensão superficial e diâmetro de espalhamento das gotas: (a) em esquema e (b) em foto. 27
Figura 18: Esquema da instalação experimental usada nos ensaios de EWOD. ................................ 28
Figura 19: Exemplo do desenho da configuração de um chip em AutoCAD. ...................................... 29
Figura 20: Diferentes configurações dos chips microfluídicos usadas nos ensaios de transporte de
microgotas. Foram utilizados eléctrodos com largura de (a) 1400 µm, (b) 1200 µm, (c) 800 µm e (c) 120
µm. ................................................................................................................................................... 29
xii
Figura 21: (a) Apoio utilizado para encaixe do chip e para as ligações à fonte. (b) Pormenor da instalação
no interior da câmara de Perspex. ..................................................................................................... 29
Figura 22: Esquema ilustrativo da configuração de um chip. ............................................................. 30
Figura 23: (a) Arduíno uno utilizado na imposição da frequência. (b) Exemplo de ciclo de trabalho com
frequência e tensão impostas de 50 Hz e 200 V, respectivamente. .................................................... 30
Figura 24: Instalação experimental utilizada na análise da adsorção. 1 – Microscópio DM6000 CFS; 2
– Unidade óptica confocal de varrimento; 3 e 4 - Painéis de controlo do microscópio; 5 – Lâmpada de
fluorescência EL6000; 6 - Caixa electrónica do microscópio; 7 – Unidade de alimentação compacta. 31
Figura 25: Representação do modelo da gota pendente. ................................................................... 33
Figura 26: Medição da tensão superficial através do software One Attension. ................................... 34
Figura 27: Medição dos ângulos de contacto estáticos (esquerdo e direito) a partir da linha de base e
da tangente à gota pelo software One Attension. (a) Em esquema. (b) Visualizado no software. ....... 37
Figura 28: Medição, no One Attension, dos ângulos de contacto quasi-estáticos (a) de avanço e (b) de
recuo. ............................................................................................................................................... 38
Figura 29: (a) Imagens captadas pela câmara de alta velocidade através do software Phantom. (b)
Análise das imagens no MatLab. ....................................................................................................... 39
Figura 30: Software usado na detecção da fluorescência nas superfícies. ......................................... 41
Figura 31: (a) Software ImageJ e resultados obtidos. (b) Imagem convertida em escala de cinzentos
pelo ImageJ. ..................................................................................................................................... 41
Figura 32: Histerese medida para diferentes superfícies e soluções. ................................................. 45
Figura 33: FTCG verificada para diferentes superfícies com gotas de E-coli de diferentes concentrações
electrostaticamente (a) não actuadas e (b) actuadas. ........................................................................ 47
Figura 34: Imagens das pegadas das gotas de E-coli (actuadas) com concentração de (a)
1×109 𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠/𝑚𝐿 e (b) 2×109 𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠/𝑚𝐿. ...................................................................................... 47
Figura 35: Pegada de gota de E-coli (2×109 𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠/𝑚𝐿) não actuada. ............................................. 47
Figura 36: FTCG verificada para diferentes superfícies com gotas não actuadas de (a) E-coli de
diferentes concentrações e (b) GFP. ................................................................................................. 48
Figura 37: Imagens de pegadas, em SU8 resist, de gotas (não actuadas) de (a) E-coli e (b) GFP. .... 49
Figura 38: Estudo da variação do ângulo de contacto estático em gotas de suspensões celulares com
concentração de 1×109 𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠/𝑚𝐿, depositadas em Teflon. (a) Variação do ângulo de contacto com a
tensão aplicada. (b) Comparação da variação do cosseno do ângulo de contacto com a equação de
Young-Lippmann. .............................................................................................................................. 50
Figura 39: Evolução temporal do diâmetro de uma gota de solução com E-coli (1×109 𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠/𝑚𝐿) para
diferentes tensões aplicadas. ............................................................................................................ 51
xiii
Figura 40: Forças electrostáticas aplicadas na gota de E-coli depositada numa superfície de Teflon. 52
Figura 41: Gota de E-coli em Teflon (a) antes e (b) depois da actuação electrostática. ...................... 52
Figura 42: Variação do ângulo de contacto com a tensão aplicada de diferentes soluções. 4Valores
retirados de Laurência (2015). .......................................................................................................... 53
Figura 43: Evolução temporal do diâmetro de espalhamento das gotas de solução proteica e suspensão
celular para (a) 175 V, (b) 200 V, (c) 220 V e (d) 230 V. ..................................................................... 53
Figura 44: Variação do ângulo de contacto com a tensão aplicada para diferentes soluções de duas
superfícies distintas. 5Valores retirados de Laurência (2015). ............................................................. 55
Figura 45: Evolução temporal do diâmetro de espalhamento de diferentes soluções para (a) 175 V, (b)
200 V, (c) 220 V e (d) 230 V. ............................................................................................................. 55
Figura 46: Variação do ângulo de contacto com a tensão aplicada para diferentes frequências impostas.
......................................................................................................................................................... 57
Figura 47: Evolução temporal do diâmetro de espalhamento entre pares de eléctrods para diferentes
tensões aplicadas a 350 Hz. ............................................................................................................. 58
Figura 48: Variação temporal do diâmetro de espalhamento para as frequências em estudo a (a) 230 V
e (b) 245 V. ....................................................................................................................................... 58
Figura 49: Variação (a) da velocidade na linha de contacto da gota e (b) do diâmetro máximo de
espalhamento atingido com a frequência imposta para diferentes tensões aplicadas. ....................... 60
Figura 50: Gota de GFP em PDMS (a) antes e (b) depois da actuação electrostática. ....................... 60
Figura 51: Evolução temporal do diâmetro entre pares de eléctrodos de diferentes larguras a 230 V e
350 Hz. ............................................................................................................................................. 61
Figura 52: Variação da velocidade na linha de contacto da gota com a frequência imposta para chips
com eléctrodos de diferentes larguras a (a) 200 V, (b) 215 V, (c) 230 V e (d) 245 V. .......................... 62
Figura 53: Variação do diâmetro máximo adimensional com a frequência imposta para chips com
eléctrodos de diferentes larguras a (a) 200 V, (b) 215 V, (c) 230 V e (d) 245 V. ................................. 63
Figura 54: Evolução temporal do diâmetro de espalhamento para diferentes soluções a 230 V e 350
Hz. .................................................................................................................................................... 64
Figura 55: Variação da velocidade na linha de contacto da gota com a frequência imposta para
diferentes fluidos a (a) 200 V, (b) 215 V, (c) 230 V e (d) 245 V. .......................................................... 64
Figura 56: Variação do diâmetro máximo de espalhamento com a frequência imposta para diferentes
soluções a (a) 200 V, (b) 215 V, (c) 230 V e (d) 245 V. ....................................................................... 65
Figura 57: Evolução temporal do diâmetro de espalhamento entre um par de eléctrodos para diferentes
superfícies dieléctricas, para uma tensão aplicada de 230 V e uma frequência imposta de 350 Hz. .. 66
xiv
Figura 58: Variação da velocidade na linha de contacto da gota com a frequência imposta para
diferentes materiais dieléctricos a (a) 200 V, (b) 215 V, (c) 230 V e (d) 245 V. .................................... 67
Figura 59: Variação do diâmetro máximo atingido com a frequência imposta para diferentes substratos
a (a) 200 V, (b) 215 V, (c) 230 V e (d) 245 V. ..................................................................................... 68
xv
Lista de Tabelas
Tabela 1: Diferentes dimensões usadas na configuração do chip. ..................................................... 24
Tabela 2: Propriedades físicas das soluções estudadas neste trabalho e da água destilada. 1Valores
retirados de Ramos (2014). 2Valores retirados de Laurência (2015). ................................................. 35
Tabela 3: Espessuras dos dieléctricos em estudo. ............................................................................. 36
Tabela 4: Propriedades dos materiais em estudo (Melai et al. 2009, Liu et al. 2010, Kumar & Sharma
2012). ............................................................................................................................................... 36
Tabela 5: Ângulos de contacto estáticos em equilíbrio medidos para diferentes superfícies e soluções.
3Valores retirados de Laurência (2015). ............................................................................................. 44
xvi
xvii
Lista de Acrónimos
µ-TAS micro-Total Analysis Systems
BSA Bovine Serum Albumin
CCD Charge-Coupled device
DHT Digital Humidity and Temperature sensor
E-coli Escherichia coli
EWOD Electrowetting On Dielectric
FTCG Fluorescência Total Corrigida da gota
GFP Green Fluorescent Protein
PDMS Polidimetilsiloxano
PTFE Politetrafluoretileno
xviii
xix
Nomenclatura
𝒂 Espaçamento entre os eléctrodos (m)
𝐀𝟏 Área do elétrodo 1 (m2)
A𝟐 Área do elétrodo 2 (m2)
𝒄 Concentração molar (mol/dm3)
𝒄𝒊𝒏𝒊𝒄𝒊𝒂𝒍 Concentração molar inicial (mol/dm3)
𝒄𝒇𝒊𝒏𝒂𝒍 Concentração molar final (mol/dm3)
𝑪𝒆𝒒 Capacitância equivalente (F)
𝑪𝒇 Factor de calibração (pixel/m)
𝑪𝒈 Capacitância da gota (F)
𝑪𝑯 Capacitância da dupla camada espontânea (F)
𝑪𝟏 Capacitância do eléctrodo 1 (F)
𝑪𝟐 Capacitância do eléctrodo 2 (F)
𝒅 Espessura da camada dielétrica (m)
𝒅𝑯 Espessura da dupla camada espontânea (m)
𝑫𝒈𝒐𝒕𝒂 Diâmetro da gota (m)
𝑫𝒎𝒂𝒙 Diâmetro máximo de espalhamento da gota (m)
𝑫𝟎 Diâmetro inicial da gota (m)
𝒆 Erro relativo (%)
𝒆𝒅𝒈𝒐𝒕𝒂 Erro de definição da fronteira
𝐄𝑪 Energia eléctrica acumulada nos condensadores (J)
𝒇𝒓 Fração da área projetada na superfície sólida molhada pelo líquido
𝒇𝒓𝒆𝒔 Força de resistência da superfície (N)
𝑭𝒆 Força electrostática (N)
𝑭𝒆𝒙 Componente horizontal da força electrostática (N)
𝑭𝒆𝒚 Componente vertical da força electrostática (N)
𝒈 Aceleração gravítica (m/s2)
𝒍 Comprimento dos eléctrodos (m)
xx
𝒎 Massa (kg)
𝒏 Quantidade de soluto (mol)
𝒓𝒇 Factor de rugosidade da superfície
𝑹 Raio da base da gota (m)
𝑹𝒂 Rugosidade média aritmética (m)
𝑹𝒑 Rugosidade máxima de picos (m)
𝑹𝒒 Raiz da rugosidade média quadrática (m)
𝑹𝒕 Rugosidade máxima de pico para vale (m)
𝑹𝒗 Rugosidade máxima de vales (m)
𝑹𝟎 Raio principal de curvatura na origem (m)
𝑹𝟏 Raio principal de curvatura do plano xy (m)
𝑹𝟐 Raio principal de curvatura do plano perpendicular a xy (m)
𝑽 Diferença de potencial aplicada (V)
𝑽 Volume (dm3)
𝑽𝒊𝒏𝒊𝒄𝒊𝒂𝒍 Volume inicial (dm3)
𝑽𝒇𝒊𝒏𝒂𝒍 Volume Final (dm3)
𝑽𝒈 Diferença de potencial da gota (V)
𝑽𝒑𝒔𝒛 Diferença de potencial de carga zero (V)
𝑽𝟏 Diferença de potencial do eléctrodo 1 (V)
𝑽𝟐 Diferença de potencial do eléctrodo 2 (V)
𝒘 Largura dos eléctrodos (m)
𝑾𝒂𝒅 Trabalho de adesão (J)
𝒚 Coordenada vertical (m)
Símbolos gregos
𝜸𝑺𝑳 Tensão interfacial entre o sólido e o líquido (N/m)
𝜸𝑳𝑽 Tensão interfacial entre o líquido e o gás (N/m)
𝜸𝑺𝑽 Tensão interfacial entre o sólido e o gás (N/m)
xxi
𝜺𝟎 Constante dieléctrica do vácuo (F/m)
𝜺𝟏 Constante dieléctrica da superfície (F/m)
𝜽 Ângulo de contacto (após actuação electrostática) (º)
𝜽𝒓 Ângulo de contacto medido (aparente) (º)
𝜽𝑨 Ângulo de contacto de avanço (º)
𝜽𝑹 Ângulo de contacto de recuo (º)
𝜽𝑺 Ângulo de contacto de saturação (º)
𝜽𝒀 Ângulo de contacto de Young (sem actuação electrostática) (º)
𝝆 Massa específica do líquido (kg/m3)
𝝈𝑺𝑳 Densidade de carga interfacial entre o sólido e o líquido (C/m)
∆𝜽 Histerese (º)
𝜟𝝆 Diferença de densidade ao longo da interface da gota (kg/m3)
𝜟𝑪𝒇 Erro relativo cometido na calibração com o papel milimétrico (-)
𝜟𝑫𝒈𝒐𝒕𝒂 Variação do diâmetro da gota
∆𝒑 Diferença de pressão (Pa)
∆𝒙 Deslocamento (m)
∆𝒕 Intervalo de tempo (s)
xxii
1
1. Introdução
Este capítulo serve de enquadramento à presente dissertação, sendo aqui apresentados o seu
contexto e a sua motivação, bem como os seus objectivos e a estrutura do documento. Um pequeno
estado da arte é também apresentado neste capítulo, no qual se resumem os avanços retratados na
literatura dentro do tema deste trabalho, por forma a melhor contextualizar a contribuição do presente
estudo para o mesmo.
1.1. Contexto e motivação
A microfluídica digital tem sido fortemente explorada nos últimos anos (Lee et al., 2010),
nomeadamente na manipulação de pequenas amostras biológicas em sistemas microelectromecânicos
que integram uma ou várias funções laboratoriais, tais como preparação e manipulação da amostra,
separação, reacções para análise e detecção, num único dispositivo microfluídico, denominado lab-on-
a-chip (Vergauwe et al., 2011). Os lab-on-a-chip são caracterizados pela sua simplicidade, flexibilidade,
portabilidade, automatização e, cada vez mais importante nos dias de hoje, pela economia de recursos
(tanto energéticos como materiais) (Yi & Kim, 2006).
A maioria dos dispositivos microfluídicos actualmente existentes baseia o transporte das
amostras biológicas em escoamentos contínuos no interior de microcanais. Apesar de funcionais, estes
dispositivos apresentam vários problemas, devido ao facto de usarem bombas, sensores, válvulas e
outros elementos auxiliares complexos, susceptíveis de criar microbolhas de desgaseificação
originadas por junções abruptas, que conduzem ao entupimento dos canais por essas e outras
partículas, para além de consumirem grandes quantidades de energia eléctrica e mecânica, ou seja de
megawatts e de necessitarem de elevadas pressões (na ordem das dezenas de megapascal) ou
tensões (na ordem das dezenas de quilovolt) para transportar as soluções pelo sistema (Gilmore &
Seah 2000, Hetsroni et al. 2005, Rokade et al. 2014, Taylor & Krupenkin 2011). A elevada complexidade
destes sistemas com microcanais dificulta a limpeza e manutenção dos dispositivos, bem como o
acesso à amostra (Pollack et al. 2002, Cooney et al. 2006). Estes dispositivos também apresentam
muitas limitações no que diz respeito a controlar diversos reagentes em simultâneo, dado que exigem
o desenho de uma rede complexa de canais conectados, mesmo usando arquitecturas com
microválvulas.
Como alternativa a esta configuração com microcanais, tem-se observado um interesse
crescente em sistemas que usam microgotas para o manuseamento e análise das amostras biológicas.
Graças ao elevado número de estudos realizado neste tópico, durante a última década, actualmente é
possível manusear (separar, transportar e misturar) microgotas ao longo de superfícies com percursos
programáveis (Mugele & Baret, 2005). Nesta configuração alternativa, baseada no transporte de gotas
milimétricas ou submilimétricas, as forças de tensão superficial tornam-se dominantes sobre as forças
de pressão e de dissipação viscosa, minimizando a necessidade do uso de equipamentos auxiliares.
2
As reduzidas distâncias em causa (escala submilimétrica) permitem também maior controlo sobre os
processos de transporte e sobre os mecanismos de difusão das reacções, permitindo
consequentemente que o tempo necessário para a análise seja menor e reduzindo o consumo de
reagentes, amostras e energia (Shamai et al. 2008, Brassard et al. 2008). Esta configuração permite
assim o transporte de amostras em microgotas apenas por alteração da molhabilidade na interface
gota-superfície (por meio de actuação electrostática), sem recorrer a qualquer contacto mecânico
(Orejon et al., 2013). Esta forma de alteração da molhabilidade designa-se por electrowetting e o seu
uso no controlo do movimento de microgotas permite transportar, misturar e separar gotas de volumes
na ordem dos micro ou nanolitros de uma forma rápida e eficiente, com consumos de potência
relativamente baixos (Kang, 2002). Por último, a montagem desta configuração é mais simples que a
dos sistemas baseados em microcanais e tem uma configuração mais flexível que pode ser facilmente
alterada (Pollack et al., 2002). A consequente redução da dimensão do dispositivo favorecida por esta
configuração é também um factor relevante que potencia a sua portabilidade e favorece a sua aplicação
por exemplo em diagnósticos do tipo point-of-care. Nos países em desenvolvimento, este tipo de
diagnóstico tem imensa utilidade, dado que as características acima mencionadas potenciam a fácil e
rápida utilização do dispositivo para realizar uma análise biológica em condições extremas. A elevada
taxa de mortalidade por doenças como a Malária em África não está só relacionada com a falta de
tratamento, mas também com o facto de não ser possível fazer o diagnóstico atempado da doença,
dado que a realização de análises em algumas regiões é praticamente impossível (Yager et al. 2006,
Yager et al. 2008, Urdea et al. 2006, Lee et al. 2010). O diagnóstico point-of-care é também usado junto
dos pacientes no mundo industrializado, em situações de diagnóstico rápido, de emergência. Todos
estes benefícios tornam os lab-on-a-chip e, em particular, a configuração baseada no transporte de
gotas, numa tecnologia com um enorme potencial para diagnóstico em situações extremas e
monotorização de patologias. A redução de reagentes abate significativamente os custos, o que
actualmente também é um importante factor de preocupação em laboratórios clínicos.
Neste contexto, a manipulação de pequenas quantidades de líquido por actuação electrostática
tem sido fortemente explorada num vasto leque de aplicações ao nível da biotecnologia e diagnóstico
clínico (análise de ADN e proteínas), nomeadamente por análise da composição química de fluidos, em
particular fisiológicos (sangue, urina, entre outros), através do transporte de gotas do fluido no chip para
exame das células (Shamai et al., 2008). Srinivasan et al. (2004) consideram até que os microssistemas
baseados em microgotas controladas por electrowetting são a solução mais promissora para transporte
e análise de fluidos fisiológicos, nomeadamente sangue humano (soro, plasma), urina, saliva, suor e
lágrimas, dado que o menor volume de amostra do paciente que é necessário minimiza a invasão e
reduz as perdas de sangue, particularmente em pacientes geriátricos e pediátricos e em situações de
cuidados intensivos. Tem sido possível transportar gotas com apenas poucas dezenas de volts, mas
pretende-se no futuro diminuir a tensão necessária à alteração da molhabilidade da gota até à zona
dos 10-20 V, o que pode ser viável, por exemplo, com a diminuição da espessura dos substratos que
se tem conseguido produzir abaixo dos micrómetros (Mugele & Baret, 2005). No entanto, existem ainda
diversas barreiras à implementação eficiente e à comercialização destes sistemas, as quais estão
relacionadas com a procura de simplificação da sua configuração e com a necessidade de controlar o
3
movimento das gotas de forma mais eficaz por alteração das propriedades da superfície, do fluido e
até do meio envolvente, que influenciam a resposta da gota à actuação electrostática de um modo que
ainda não se encontra devidamente descrito nem compreendido na literatura (Chen & Bonaccurso,
2014). Neste sentido, e apesar dos trabalhos citados nos parágrafos anteriores, existe ainda muito
pouca informação disponível sobre o efeito das propriedades das soluções biológicas nos processos
que ocorrem na interface gota-superfície e que controlam o movimento da gota durante a actuação
electrostática. De facto, a tensão aplicada no transporte de fluidos biológicos é habitualmente muito
superior às poucas dezenas de volts referidas por Mugele e Barret (2005), atingindo frequentemente
valores da ordem das várias centenas de volts (Novo, 2016). Isto dificulta a escolha do material
dieléctrico a usar, dado que é necessário equilibrar as propriedades eléctricas com as propriedades da
superfície que facilitem o transporte da gota, nomeadamente a molhabilidade. Por outro lado, a
alteração das propriedades da superfície tem sido bastante explorada (Klingner & Mugele 2004, Jones
2005, Lapierre et al. 2013), mas nem sempre da forma mais eficiente, dado que a alteração da
molhabilidade da superfície, em particular à custa da modificação da sua topografia, pode causar
variações abruptas e assimétricas na morfologia da gota quando actuada externamente, por exemplo
aquando da aplicação de um campo eléctrico (Mugele & Baret, 2005). Apesar do electrowetting ser
amplamente utilizado actualmente em diversas aplicações, tais como criação de lentes ópticas com um
comprimento focal variável de acordo com o desejado ou arrefecimento de circuitos electrónicos, a
configuração óptima de dispositivos microfluídicos para análise de amostras biológicas é ainda uma
incógnita pois, para além das questões já mencionadas, a actuação electrostática pode induzir um
escoamento interno na gota que pode influenciar o seu movimento e que não está ainda caracterizado
(Mugele, 2009).
O Estado da Arte, que se apresenta na secção seguinte, descreve a evolução e os principais
problemas existentes na implementação destes sistemas lab-on-a-chip baseados no transporte de
amostras em gotas.
1.2. Estado da Arte
De modo a produzir dispositivos cada vez mais eficientes que visam a manipulação de gotas, é
necessário ter em conta a influência do fluido, da superfície e até do meio. A molhabilidade é uma
importante propriedade que está associada à facilidade com que um líquido se espalha sobre uma
superfície. Quando uma gota de líquido é depositada sobre uma superfície sólida, esta encontra uma
posição de equilíbrio, definida pelo balanço de tensões interfaciais entre a superfície sólida, o líquido e
o vapor que envolve a gota. A relação entre estas tensões e o ângulo de contacto de equilíbrio ou
ângulo estático, 𝜃𝑌, foi deduzida por Thomas Young em 1805:
𝛾𝐿𝑉 ∙ cos 𝜃𝑌 + 𝛾𝑆𝐿 = 𝛾𝑆𝑉 (1)
onde 𝛾𝐿𝑉 é a tensão interfacial entre o líquido e o gás/vapor envolvente, 𝛾𝑆𝐿 a tensão interfacial
entre o sólido e o líquido e 𝛾𝑆𝑉 a tensão interfacial entre o sólido e o gás.
4
Embora ainda exista alguma controvérsia sobre a classificação dos vários regimes de
molhabilidade, é habitualmente aceite por diversos autores, tais como Koch e Barthlott (2009),
classificar o comportamento das superfícies em termos de molhabilidade em quatro categorias,
dependendo do valor do ângulo contacto estático, 𝜃𝑌, como definido na figura 1. Se a gota é constituída
por água ou é uma solução aquosa (como é o caso das soluções utilizadas neste trabalho), as
superfícies são superhidrofílicas para ângulos estáticos inferiores a 10˚, hidrofílicas para ângulos entre
os 10º e 90º, hidrofóbicas para ângulos compreendidos entre 90º e 150º e superhidrofóbicas para
ângulos superiores a 150˚. Para soluções não aquosas o termo mais geral considera superfícies
liofílicas ou liofóbicas para ângulos de contacto estáticos inferiores ou superiores a 90º,
respectivamente.
Figura 1: Diferentes regimes de molhabilidade, consoante o ângulo de contacto.
Assim, um ângulo de contacto menor que 90˚ é indicador de uma superfície com elevada
molhabilidade, isto é, o fluido irá espalhar-se facilmente sobre a superfície. Por outro lado, ângulos de
contacto superiores a 90˚ apontam para uma maior dificuldade do líquido em molhar a superfície, o que
irá implicar menor área de contacto entre o fluido e o sólido. Os cenários extremos de superfícies
completamente molháveis (𝜃𝑌 = 0°) e completamente não molháveis (𝜃𝑌 = 180°) não ocorrem em
situações reais e por isso vários autores propõem classificações alternativas, como a considerada no
presente trabalho, na qual as situações extremas de molhabilidade/não molhabilidade completas
ocorrem para 𝜃𝑌 < 10° e 𝜃𝑌 > 150°, respectivamente. É necessário salientar que o termo
superhidrofobicidade não tem uma definição clara e única, amplamente aceite pela comunidade
científica. Apesar dos estudos acima mencionados, recentemente foi reconhecido que a medição do
ângulo de contacto estático não é suficiente para classificar as superfícies quanto à sua hidrofobicidade,
sendo importante complementar esta informação com a avaliação da histerese (irreversibilidade da
gota após o seu espalhamento e retracção). Esta irreversibilidade está associada a irregularidades e
inomogeneidades da superfície (Li & Amirfazli, 2007), tanto químicas como geométricas (topografia da
superfície), como será visto em pormenor no próximo capítulo. Assim, após o espalhamento
espontâneo ou por acção de força externa, a gota regressa a uma posição mais próxima da inicial
quanto mais hidrofóbica for e quanto menor for a histerese. Neste contexto, de forma a poder
rentabilizar o transporte de microgotas em sistemas lab-on-a-chip e reduzir a dissipação de energia, é
necessário que as superfícies sejam o mais hidrofóbicas possível (Koch & Barthlott, 2009), ou
idealmente superhidrofóbicas.
5
Os primeiros modelos utilizados para o estudo da superhidrofobicidade de superfícies surgiram
na primeira metade do século XX a partir dos trabalhos de Wenzel (1936), Cassie e Baxter (1944) e
Johnson e Dettre (1964). No entanto, foi somente a partir de 1996, com a publicação dos trabalhos de
Onda et al. (1996) e de Barthlott e Neinhuis (1997), que se despertou o grande interesse pelo tema da
superhidrofobicidade das superfícies e pela vasta gama de potenciais aplicações desta característica.
Onda et al. (1996) relaciona a superhidrofobicidade com a existência de estruturas fractais na
superfície, enquanto que Barthlott e Neinhuis (1997), num trabalho considerado como um dos mais
importantes dos últimos 40 anos (Burkarter, 2010), descrevem as características superhidrofóbicas da
folha da flor de Lotus. A grande importância desses trabalhos, confirmada pelas mais de setenta por
cento de publicações nessa área que ocorreram entre 2006 e 2009, deve-se ao facto de ambos
identificarem formas de microestruturar artificialmente as superfícies para as tornar superhidrofóbicas.
A maioria destes trabalhos considera a variação da molhabilidade modificando as propriedades da
superfície que, consequentemente alteram o balanço das forças interfaciais. Alternativamente, a
molhabilidade pode modificar-se por actuação externa, fazendo variar a tensão interfacial entre a gota
e a superfície. Vários métodos têm sido utilizados por forma a variar o ângulo de contacto da gota, tais
como actuação térmica (Sammarco & Burns, 2000), dielectroforética (Jones 2002, Jones et al. 2003),
através de ondas acústicas de superfície (Guttenberg et al., 2005), magnética e, mais frequentemente,
por electrowetting (Torkkeli et al. 2001, Pollack et al. 2002).
O electrowetting permite, assim, alterar o ângulo de contacto de uma gota numa superfície pela
aplicação de um campo eléctrico (Kang, 2002). As primeiras observações deste fenómeno foram
relatadas por Gabriel Lippmann no final do século XIX (Lippmann, 1875). No seu trabalho, Lippmann
descobriu que a molhabilidade podia ser efectivamente controlada através de aplicação de campos
eléctricos, fazendo variar o ângulo de contacto de uma gota de mercúrio em contacto com um electrólito
(líquido com substâncias dissociadas ou ionizadas que, originando iões pela adição de um solvente ou
por aquecimento, se tornam condutores de electricidade). O físico franco-luxemburguês formulou a
teoria básica da electrocapilaridade, na qual assenta o electrowetting, e chegou a desenvolver algumas
aplicações nesta área (Aristizábal, 2012). As conclusões de Lippmann aliadas à equação de Young
(Equação 1), permitem obter a conhecida equação de Young-Lippmann, que relaciona o ângulo de
contacto de uma gota com a diferença de potencial:
𝑐𝑜𝑠 𝜃 = 𝑐𝑜𝑠 𝜃𝑌 −1
2
𝜀0𝜀1
𝑑𝐻𝛾𝐿𝑉
(𝑉 − 𝑉𝑝𝑐𝑧)2 (2)
onde 𝜃 é o ângulo de contacto após a actuação, 𝜀0 e 𝜀1 são, respectivamente, as constantes
dieléctricas do vácuo e da superfície e 𝑑𝐻 a espessura da dupla camada espontânea que surge
aquando da criação do campo eléctrico. Esta dupla camada cria-se de forma espontânea na interface
sólido-líquido, constituída por cargas positivas no lado do metal e cargas negativas no lado do líquido
(Mugele & Baret, 2005). 𝑉 é a tensão aplicada e 𝑉𝑝𝑐𝑧 a diferença de potencial de carga zero. Porém, só
em 1981 é que foi descrito e designado o fenómeno de electrowetting, pela observação do
comportamento da linha de contacto da gota com a superfície quando aplicada uma diferença de
potencial entre o líquido e o substrato (Beni & Hackwood, 1981).
6
As experiências de Lippmann foram realizadas com os electrólitos em contacto directo com o
metal, em particular o mercúrio (Figura 2a e 2b), configurações que facilitam a ocorrência de electrólise
(decomposição da água em hidrogénio e oxigénio por efeito da passagem de uma corrente eléctrica),
mesmo aplicando tensões na ordem dos milivolts (Virgilio, 2015).
O interesse prático do electrowetting deve-se, porém, a Berge que, em 1993, (citado em Cho
et al. 2003) introduziu a configuração de electrowetting on dielectric (EWOD), na qual utilizou uma
camada de um material dieléctrico, isoladora entre o líquido condutor e o substrato, de modo a evitar o
contacto entre ambos e, consequentemente, o fenómeno de electrólise (Figura 2c). Esta ideia permitiu
a aplicação de tensões mais elevadas e a simplificação da equação 2:
𝐶𝑜𝑠 𝜃 = 𝐶𝑜𝑠 𝜃𝑌 −1
2
𝜀0𝜀1
𝑑𝛾𝐿𝑉
𝑉2 (3)
onde 𝑑 é a espessura da camada dieléctrica. A figura 2 apresenta esquematicamente a
evolução das configurações supramencionadas.
(a) (b)
(c)
Figura 2: Representação esquemática de uma configuração de (a) electrocapilaridade, (b) electrowetting, (c)
electrowetting on dielectric. Adaptado de Virgilio (2015) e Mugele (2009).
Segundo Mugele (2009), a configuração mais básica e genérica do electrowetting consiste
numa gota séssil com um líquido condutor depositada numa camada dieléctrica que cobre um
eléctrodo, como é mostrado na figura 2c. A gota a um potencial nulo está representada pela linha a
tracejado e com um potencial aplicado pela linha a cheio. O pormenor da gota ampliada, apresentado
na figura 2c, representa o campo eléctrico que é gerado na vizinhança da linha de contacto da gota,
que gera as forças eléctricas que a fazem mover. Este conceito foi, nos últimos anos, transportado para
aplicações microfluídicas, sendo fortemente explorado em Bioengenharia e ciências Biomédicas, como
recentemente revisto por Pollack et al. (2011). A arquitectura dos sistemas microfluídicos para
manipulação e análise de amostras biológicas, os denominados lab-on-a-chip, tem evoluído no sentido
7
de se explorar a análise de múltiplas amostras em diversas microgotas, mais especificamente na
execução de tarefas específicas autoprogramadas, cada uma delas exigindo complexidade adicional
aos chips microfluídicos. Neste contexto os lab-on-a-chip são também designados por micro-total
analysis systems (µ-TAS). As pesquisas realizadas sobre o tema dos lab-on-a-chip começaram em
1990, quando Manz introduziu o conceito de sistemas miniaturizados, que integravam todas as etapas
de análise necessárias, partindo da amostra inicial para a detecção dos compostos de interesse (Manz
et al., 1990). Porém, só catorze anos depois, Srinivasan et al. (2004) implementaram, pela primeira vez,
um sistema totalmente integrado e automatizado que permitia mistura de amostras, formação de gotas
e transporte multifásico. Estas funções tornaram-se posteriormente mais usuais, tendo sido exploradas
por inúmeros investigadores tais como Paik et al. (2005), Haeberle et al. (2007) e mais recentemente
Pollack et al. (2011). Estes sistemas são essencialmente compostos por matrizes de eléctrodos, que
permitem ainda realizar tarefas mais complexas, tais como dividir, criar (Cho et al., 2003), detectar
soluções e controlar a sua concentração (Yi & Kim, 2006).
Contudo, para estes sistemas terem a aplicabilidade clínica que é desejada, é necessário
avaliar e progredir em determinados parâmetros no desempenho do dispositivo, tais como
sensibilidade, precisão, especificidade, recuperação e interferências (Srinivasan et al., 2004). Por outro
lado, a rápida evolução das técnicas de microfabrico permitiu o rápido desenvolvimento destes sistemas
complexos, mas a sua aplicabilidade tem-se mostrado reduzida, devido ao forte constrangimento criado
pelas geometrias e configurações implementadas e pelo ainda reduzido número de trabalhos que focam
efectivamente o dimensionamento dos sistemas e a sua resposta com biofluidos. Estes apresentam
propriedades que nem sempre estão optimizadas para a aplicação de electrowetting e que, por isso
têm de ser estudadas à priori. Assim, Srinivasan et al. (2004) usou pela primeira vez electrowetting para
transportar fluidos fisiológicos humanos e relatou que fluidos com maior teor em proteínas, como
sangue ou serum, apresentam maior dificuldade em movimentar-se, devido ao facto destas soluções
contaminarem a superfície, por adsorção biomolecular - adesão dos iões, átomos ou moléculas a uma
superfície. A adsorção pode ser passiva na ausência de potencial actuado ou electrostaticamente
accionada quando um campo eléctrico externo é aplicado. Yoon e Garrell (2003) observaram que, no
caso das gotas serem portadoras de soluções proteicas, se verifica frequentemente uma adsorção das
mesmas na superfície, embora diversas biomoléculas tendam a ser adsorvidas em praticamente todos
os tipos de superfícies. As moléculas adsorvidas poderão desencadear cada vez mais adsorção e
comprometer o fenómeno de electrowetting de gotas em contacto com as zonas já contaminadas (Yoon
& Garrell, 2003). A adsorção de biomoléculas em superfícies sólidas altera as propriedades das
superfícies, nomeadamente aumentando localmente a sua molhabilidade, o que pode dificultar a
variação do ângulo com a actuação electrostática (Garza, 2011) e comprometer o movimento da gota
(Ramos 2014, Laurência 2015, Moita et al. 2016).
A tendência das proteínas para serem adsorvidas não é só determinada pelas propriedades da
proteína e da superfície, mas também pela natureza do solvente, pela presença de outras soluções,
pelo pH, pela concentração da solução, pelo potencial aplicado e pela temperatura (Garza 2011, Wang
et al. 2015).
8
Yoon e Garrell (2003) foram mais longe e demonstraram que a adsorção pode ser minimizada
se as superfícies forem hidrofóbicas e se for diminuído o tempo que o potencial está aplicado à gota,
dado que a aplicação do campo eléctrico pode promover a adsorção activa das biomoléculas por forças
electrostáticas, além da adsorção que já ocorre naturalmente de forma passiva. Este mecanismo tem,
assim, de ser devidamente considerado logo no processo de projecto e construção do sistema
microfluídico. Os materiais mais utilizados para revestimento hidrofóbico e isolador no estudo do
electrowetting têm sido os fluoropolímeros, que conferem a reversibilidade desejada em aplicações
práticas e são habitualmente hidrofóbicos para as soluções geralmente utilizadas, tais como soluções
aquosas de cloreto de sódio e de cloreto de potássio (Seyrat & Hayes, 2001). Materiais como
Politetrafluoretileno (PTFE), mais conhecido por Teflon, Parylene, Cytop, Pentóxido de Tântalo (𝑇𝑎2𝑂5),
Polidimetilsiloxano (PDMS), Nitrato de silício (𝑆𝑖3𝑁4) e SU8 resist são também frequentemente
associados a aplicações de electrowetting (Mugele & Baret 2005, Herbertson et al. 2006, Li et al. 2008,
Lin et al. 2010). Porém, os trabalhos supracitados raramente descrevem a influência do substrato ou
dos mecanismos de adsorção na resposta dinâmica da gota. Cooney et al. (2006) referem brevemente
o possível efeito da percentagem de Teflon usada no seu dieléctrico, que pode contribuir para a variação
do ângulo de contacto durante a actuação electroestática e estudam o efeito da espessura do mesmo,
no sentido de determinar a espessura mínima do dieléctrico que favorece a passagem de corrente que
conduz à ocorrência de electrólise da gota transportada. No entanto, como só utilizaram soluções
salinas, não referem efeitos de adsorção que, como referido nos raros trabalhos que focam este
assunto, é fortemente promovida em substratos à base de Teflon, um dos materiais mais comumente
utilizado como dieléctrico em electrowetting. Cooney et al. (2006) são também dos raros autores que
estudam o efeito da concentração do soluto, que foi posteriormente explorado em soluções proteicas,
como por exemplo em Moita et al. (2016).
Outra dificuldade que tem sido debatida na implementação de sistemas microfluídicos de
manipulação de microgotas em electrowetting, embora ainda não tenha sido solucionada, tem sido a
denominada saturação do ângulo de contacto. Este fenómeno, que será abordado em pormenor no
capítulo 2, não está ainda devidamente explicado na literatura, mas impõe diversas dificuldades no
dimensionamento dos chips microfluídicos, dado que consiste num valor crítico do ângulo de contacto
que é atingido em condições ainda mal definidas e que não se altera, independentemente do aumento
da tensão aplicada, limitando assim o movimento da gota.
Existem duas configurações principais usadas na realização de ensaios de EWOD: i) o sistema
fechado (Figura 3a), onde os elétrodos e contra-eléctrodos estão colocados em faces opostas das
gotas e ii) o sistema aberto (Figura 3b), onde os eléctrodos e os contra-eléctrodos estão todos no
mesmo chip, por baixo da gota (Pollack et al., 2002).
A configuração fechada é a mais usual, apesar de não oferecer fácil acesso às amostras,
exigindo a remoção frequente da placa superior. Ainda que a configuração aberta seja mais fácil de
construir e de manipular, é mais difícil de implementar devido à limitação no tamanho e ao
posicionamento dos eléctrodos, não estando ainda optimizada (Pollack et al., 2011). Contudo, tem vindo
a ser explorada, sendo que autores como Srinivasan et al. (2004), Paik et al. (2005), Cooney et al.
9
(2006) e, mais recentemente, Chang et al. (2011) já obtiveram resultados experimentais utilizando uma
configuração aberta.
(a) (b)
Figura 3: Representação esquemática de um (a) sistema fechado, (b) sistema aberto.
Na configuração aberta, tem-se explorado o uso de superfícies definidas por micropadrões de
diferentes molhabilidades, ou seja, padrões hidrofóbicos em substratos hidrofílicos ou vice-versa com
a finalidade de controlar, com elevada precisão, a adesão e histerese dos fluidos aos substratos
(Falconnet et al. 2006, Hong & Pan 2011, Singh et al. 2013) e facilitar assim a actuação electroestática.
Porém, estas superfícies geram frequentemente efeitos inesperados na morfologia da gota durante a
sua resposta à actuação, como brevemente apresentado na secção 1.1., que têm de ser devidamente
considerados no projecto e dimensionamento do sistema.
Outra importante limitação na aplicação de electrowetting, verificada principalmente em
sistemas abertos é a evaporação da gota durante o transporte, que altera a concentração da amostra.
É essencial, portanto, estudar e avaliar a evaporação nestes microssistemas, que tem sido tema de
algumas investigações apresentadas na literatura (Davoust & Theisen 2012, Laurência 2015). O
fenómeno de evaporação de uma gota séssil numa superfície hidrofóbica não é um processo simples,
como demonstram Singh et al. (2013) e Pan et al. (2013). A maioria destes estudos envolve quantificar
a taxa de transferência de calor entre as gotas e a superfície por imposição da temperatura e/ou fluxos
de calor nos substratos onde a gota é depositada. Os mecanismos de transferência de calor que
ocorrem na interface sólido-líquido são complexos pelo facto dos perfis de temperatura se irem
alterando à medida que a gota evapora, tanto entre o sólido e o líquido como entre o líquido e o meio
envolvente (Fabien et al., 2011). Em alguns casos, a evaporação da gota ocorre devido ao efeito
combinado de difusão mássica e convecção natural da mistura ar-vapor que rodeia a gota (Kelly-Zion
et al., 2013). A evaporação das gotas por difusão mássica é, no entanto, uma realidade que pode
afectar os resultados das análises efectuadas, como recentemente descrito em Moita et al. (2016). Nas
configurações fechadas, este problema tem sido minimizado pelo uso de óleos de silicone que
envolvem as gotas. Este encapsulamento da gota permite diminuir a contaminação dos substratos, a
dissipação de energia por atrito na superfície e, consequentemente, a histerese (Srinivasan et al. 2004,
Brassard et al. 2008), reduzindo ainda o potencial mínimo que é necessário aplicar à gota de forma a
espalhar-se, pois funciona como um lubrificante (Park et al., 2010). A implementação desta solução em
10
sistemas de configuração aberta foi já testada por Berthier et al. (2007), sendo este um estudo ainda
muito pouco aprofundado.
Utilizar os princípios de electrowetting supramencionados, passando da configuração
simplificada explicada por Mugele (2009) para a construção de um chip para o transporte da gota não
é uma tarefa trivial, dado que é necessário ter em conta a dimensão e o espaçamento entre os
eléctrodos, que por sua vez, influencia o campo eléctrico gerado. Como se pretende uma configuração
aberta, o chip apresenta-se formado por um conjunto de eléctrodos coplanares.
Para promover o movimento da gota, é necessário impor uma actuação programada alternada
aos diversos eléctrodos para garantir a geração de uma força eléctrica direcionada no sentido desejado.
Tendo em conta a complexidade exigida na construção de um dispositivo com estas caracterísitcas,
incompatível em termos de custos e tempo de contrução dos dispositivos, com uma fase de
investigação ainda exploratória, diversos autores optam por impor uma frequência em corrente continua
(Berry et al., 2006) ou alternada (Hong et al. 2008, Kumari et al. 2008, Nanayakkara et al. 2010). Esta
foi também a solução usada no presente trabalho. De um modo geral, estes autores estudaram o efeito
da frequência e da tensão aplicada na variação do ângulo de contacto, na força actuada, na velocidade
da gota, na força do campo eléctrico que atravessa a camada dieléctrica e até na estabilidade da
solução da gota, tendo verificado que para frequências maiores, a força actuada, o campo eléctrico e
a oscilação da linha de contacto da gota são menores. Por outro lado, para tensões elevadas, a solução
presente na gota parece ser mais estável para baixas frequências. No que diz respeito à variação do
ângulo de contacto, existe alguma controvérsia visto que, ao contrário de Hong et al. (2008),
Nanayakkara et al. (2010) verificaram um aumento desta variação para frequências elevadas. Por
último, Hong et al. (2008) afirmam que para frequências elevadas é necessária a aplicação de tensões
maiores. Porém, nenhum dos autores mencionados descreve o processo de dimensionamento do chip,
que tem de ter em conta as restrições acima mencionadas, associadas às limitações no espalhamento
e deslocamento da gota causadas por diversos factores tais como a molhabilidade, mecanismos de
adsorção e propriedades electroquímicas dos biofluidos.
Assim, é possível concluir desta análise bibliográfica que, apesar dos diversos estudos já
realizados no presente século, existem ainda muitos desafios na implementação de dispositivos
lab-on-a-chip fiáveis e comercializáveis. Neste sentido, o presente trabalho visa contribuir para a
resolução de algumas destas questões, nomeadamente aprofundando a descrição do efeito das
propriedades dos biofluidos e dos substratos usados para o transporte das gotas em chips
microfluídicos em configuração aberta (usando eléctrodos coplanares). O trabalho pretende também
relacionar estes efeitos com a configuração do chip, de modo a encontrar aquela que permite o melhor
desempenho do chip em termos de transporte da amostra (medido pelos diâmetros de espalhamento
e velocidade da gota). Dado que a maioria dos trabalhos revistos defende o uso destes dispositivos
para o transporte de fluidos fisiológicos (compostos complexos contendo soluções e frequentemente
células), mas considera apenas o uso de soluções, suspensões contendo células serão também
utilizadas no presente trabalho. Os objectivos específicos do trabalho são apresentados na secção
seguinte.
11
1.3. Objectivos
Esta dissertação surge na continuidade de um projecto que visa o desenvolvimento e
implementação de um chip microfluídico para manipulação e análise de amostras biológicas
transportadas em microgotas (1-3 microlitros de volume). O chip a desenvolver apresenta uma
configuração aberta com eléctrodos coplanares.
No seguimento do contexto e do estado da arte apresentados nas subsecções anteriores, o
objectivo principal deste trabalho consiste em caracterizar a resposta dinâmica das gotas de biofluidos
durante o transporte em diversos chips que foram fabricados para o efeito, optimizando a sua
configuração e a selecção de materiais a utilizar. O trabalho anteriormente desenvolvido permitiu sugerir
algumas configurações de teste que têm de ser agora confirmadas, testadas e optimizadas.
Assim, como objectivo secundário, pretende-se que este trabalho mostre uma metodologia a
seguir para estabelecer a configuração óptima dos chips microfluídicos a desenvolver, identificando os
parâmetros que permitem de forma expedita, a selecção dos materiais e o dimensionamento do chip.
Deste modo, numa primeira fase, os chips preparados no INESC-MN (Instituto de Engenharia
de Sistemas e Computadores para os Microsistemas e Nanotecnologias) terão de ser caracterizados
para optimizar o revestimento hidrofóbico a usar e a configuração dos eléctrodos (dimensionamento e
posicionamento). Relativamente à optimização do revestimento, os chips produzidos apresentam três
tipos de revestimentos diferentes. Estes revestimentos terão de ser caracterizados pela sua
molhabilidade estática e quasi-estática, por medição dos ângulos de contacto estáticos e
quasi-estáticos de avanço e recuo, usando um tensiómetro óptico. Esta análise permite verificar o grau
de hidrofobicidade dos revestimentos e avaliar posteriormente a histerese e a energia dissipada na
linha de contacto durante o movimento da gota. Os revestimentos terão ainda de ser testados para
verificar a possível adsorção das amostras biológicas na superfície, como verificado anteriormente
(Moita et al., 2016), recorrendo à microscopia confocal. O estudo efectuado até agora tem utilizado
gotas que transportam essencialmente soluções proteicas (Laurência, 2015). Pretende-se também com
esta dissertação testar o transporte de células compatíveis com o meio fluido usado nas microgotas,
comparando com o de soluções proteicas mais comummente usadas nas aplicações de electrowetting.
Os possíveis mecanismos de adsorção serão também observados para suspensões celulares.
Posteriormente, será necessário avaliar diversos parâmetros, como o ângulo dinâmico, os
diâmetros de espalhamento e a velocidade de deslocamento das microgotas, que servem de base ao
presente estudo para seleccionar os materiais e a configuração dos chips que favorece o transporte
das gotas. Estes parâmetros são quantificados por análise e processamento das imagens obtidas com
uma câmara de alta-velocidade. Embora exista já um código preparado para o efeito, ele terá de ser
modificado e adaptado uma vez que não está preparado para avaliar diversos dos parâmetros acima
mencionados. Neste contexto, a obtenção de um código que possibilite o tratamento das imagens para
a obtenção desses parâmetros é também um objectivo secundário importante para alcançar o objectivo
principal aqui proposto.
12
Para definir a configuração final do chip mais adequada, é, finalmente, necessário identificar os
parâmetros mais relevantes para o transporte da gota e definir a metodologia a seguir com base nesses
parâmetros.
No final do trabalho espera-se ter definida essa metodologia e com base nela recomendar a
configuração mais adequada a utilizar nos próximos chips microfluídicos, que serão desenvolvidos para
adicionar algumas funções específicas mais complexas (por exemplo, relacionadas com o diagnóstico).
O trabalho é essencialmente realizado no laboratório de Termofluidos, Combustão e Sistemas
Energéticos, no IN+, do Departamento de Engenharia Mecânica, mas com apoio do iBB (Instituto de
Biotecnologia e Bioengenharia), do Departamento de Bioengenharia do Instituto Superior Técnico e do
INESC-MN.
1.4. Estrutura
A presente dissertação divide-se em cinco capítulos cujos conteúdos serão brevemente
descritos nesta secção.
O primeiro capítulo consiste numa introdução ao tema em estudo. Neste apresenta-se o
contexto do problema e a motivação para a realização deste trabalho, indicando-se a contribuição desta
investigação para o estado da arte referente às aplicações de electrowetting. São também identificados
os objectivos desta dissertação.
O segundo capítulo aprofunda os fundamentos teóricos, necessários à compreensão dos
resultados obtidos neste trabalho, estando dividido em três áreas importantes: molhabilidade, visto que
o princípio de electrowetting se baseia na alteração desta, o fenómeno de electrowetting em si e, por
fim, os conceitos fundamentais a ter em conta no desenvolvimento dos chips microfluídicos que são o
objecto de estudo principal desta dissertação.
No terceiro capítulo descrevem-se a metodologia e as instalações experimentais utilizadas no
trabalho, assim como os procedimentos seguidos e condições experimentais utilizadas.
No capítulo 4, diz apresentam-se e discutem-se os resultados obtidos, tendo em conta os
objectivos propostos.
Por último, o quinto capítulo sumariza as principais conclusões e apresenta algumas sugestões
para trabalho futuro dentro desta temática.
13
2. Fundamentos teóricos
Este capítulo aborda os conceitos teóricos relevantes e necessários à melhor compreensão
deste trabalho, em particular dos resultados que serão apresentados e discutidos no capítulo 4.
2.1. Molhabilidade
A molhabilidade é uma propriedade fundamental a considerar neste trabalho e está associada,
como referido na Introdução, à facilidade com que um líquido se espalha sobre o sólido numa situação
de equilíbrio.
Do ponto de vista macroscópico, a molhabilidade é frequentemente caracterizada pelo ângulo
de contacto estático ou de equilíbrio, 𝜃𝑌, definido como o ângulo criado entre um plano tangente a uma
gota de líquido e um plano que contém a superfície onde o líquido está depositado (Delcheva et al.,
2014). A molhabilidade depende do equilíbrio existente entre as tensões que actuam nas interfaces
líquido, vapor e sólido (Figura 4). A linha de intersecção destas três interfaces denomina-se como linha
de contacto ou trifásica (Yuan & Lee, 2013).
Figura 4: Balanço das tensões interfaciais entre a gota, o substrato e o meio envolvente.
A molhabilidade e, consequentemente, a formação do ângulo de contacto para um dado
sistema sólido-líquido-vapor pode também ser facilmente interpretada, recorrendo ao conceito de
energia de superfície.
A forma de uma gota é determinada pela sua tensão superficial. Cada molécula, num líquido
puro, é igualmente “puxada” em todas as direções por moléculas de líquido vizinhas, resultando num
somatório de forças nulo. Por outro lado, as partículas na superfície livre do líquido (na interface com o
vapor) apresentam apenas forças direcionadas para o centro do líquido, criando uma pressão interna
(Figura 5). Consequentemente, o líquido contrai espontaneamente de modo a minimizar a área
superficial e, consequentemente, a manter a menor energia na superfície livre. Esta força intermolecular
que actua na interface líquido vapor obrigando-a a contrair é denominada tensão superficial e é
responsável pela forma esférica das gotas. Na prática, forças externas tais como a gravidade podem
deformar a gota e, nesse caso, o ângulo de contacto é determinado pela combinação da tensão
superficial e das forças externas (Yuan & Lee, 2013). Esta deformação ocorre em gotas grandes, com
raios tipicamente superiores ao comprimento capilar definido por (𝛾𝐿𝑉 /𝜌𝑔)1/2, onde 𝜌 é a massa
14
específica do líquido, 𝑔 a constante de aceleração gravitacional e 𝛾𝐿𝑉 a tensão interfacial líquido-vapor
ou tensão superficial (Batchelor, 1967), o que não sucede no presente trabalho.
Figura 5: Esquema ilustrativo das forças intermoleculares de uma gota. Baseado em Yuan e Lee (2013).
Normalmente, o ângulo de contacto entre uma gota de um dado líquido com uma tensão
superficial conhecida e uma superfície sólida vai depender da relação existente entre as forças
adesivas, por exemplo as forças que contribuem para o espalhamento do líquido sobre a superfície e
as forças coesivas do líquido, que fazem com que a gota mantenha a sua forma esférica, com uma
superfície de contacto mínima. Thomas Young (1805) definiu o ângulo de contacto de equilíbrio de uma
gota de líquido numa superfície sólida, 𝜃𝑌, como o equilíbrio mecânico da gota sob actuação das três
tensões interfaciais (Equação 1).
A equação de Young é apenas válida para situações ideais, ou seja, situações em que a
superfície é perfeitamente lisa, quimicamente homogénea, plana e indeformável. Na realidade, as
superfícies são rugosas, pelo que o ângulo de contacto medido é um ângulo aparente. Neste caso,
podem surgir dois cenários de seguida apresentados onde se aplicam, em alternativa à equação de
Young, as equações de Wenzel (1936) ou de Cassie e Baxter (1944), que relacionam o ângulo de
Young, 𝜃𝑌, com o ângulo aparente que é medido na superfície, 𝜃𝑟.
Wenzel considera um regime de molhabilidade homogéneo, no qual o líquido penetra
completamente entre as irregularidades da superfície (Figura 6a) e a adição de rugosidade a uma
superfície faz aumentar tanto o seu carácter hidrofóbico como o hidrofílico (Burkarter, 2010). De acordo
com Johnson e Dettre, na percepção de Wenzel, uma superfície rugosa pode ser tratada como uma
superfície lisa, cujas tensões interfaciais são 𝑟𝑓𝛾𝐿𝑉 , 𝑟𝑓𝛾𝑆𝐿 e 𝑟𝑓𝛾𝑆𝑉, sendo 𝑟𝑓 o factor de rugosidade na
superfície molhada (McHale, 2007). Substituindo estas tensões interfaciais na equação de Young,
chegamos à equação de Wenzel que relaciona o ângulo de contacto aparente e o ângulo de contacto
de Young com a superfície:
𝐶𝑜𝑠 𝜃𝑟 = 𝑟𝑓 𝐶𝑜𝑠 𝜃𝑌 (4)
O factor de rugosidade é definido como a razão entre a área efectivamente molhada e a área
projectada. Numa superfície rugosa, como a área molhada é maior que a área projectada, o factor de
rugosidade é superior a 1. No caso de uma superfície lisa, este factor é 1, logo 𝜃𝑟 = 𝜃𝑌.
Por outro lado, Cassie e Baxter defendem um regime de molhabilidade heterogéneo, no qual o
líquido não penetra completamente entre as irregularidades das superfícies, de modo que bolsas de ar
15
ficam aprisionadas entre o líquido e a superfície, o que contribui para reduzir a área de contacto entre
o líquido e o sólido (Figura 6b). Neste regime, o ângulo de contacto aparente e o ângulo de contacto
de Young com a superfície relacionam-se através da expressão:
𝐶𝑜𝑠 𝜃𝑟 = 𝑟𝑓 𝐶𝑜𝑠 𝜃𝑌 − 𝑓𝑟(𝑟𝑓 𝐶𝑜𝑠 𝜃𝑌 + 1) (5)
em que 𝑓𝑟 representa a fracção da área projetada na superfície sólida molhada pelo líquido.
(a) (b)
Figura 6: Regimes de molhabilidade. (a) homogéneo, (b) heterogéneo.
As duas equações supracitadas permitem estimar o ângulo de contacto aparente, medido sobre
uma superfície rugosa, de uma forma mais fidedigna que a equação de Young. Porém, as simulações
numéricas realizadas até agora, juntamente com uma análise cuidada destas equações, indicam que
elas são válidas se a escala da dimensão da gota for cerca de três ordens de grandeza acima da escala
de rugosidade típica da superfície ou de potenciais zonas de heterogeneidade química (Marmur, 2011).
Wolansky e Marmur (1999) afirmam que, em geral e de forma rigorosa, o ângulo de contacto aparente
de uma gota no estado mais estável é muito bem aproximada pela equação de Wenzel (Equação 4),
se a superfície tiver uma rugosidade conhecida e for quimicamente homogénea. Por outro lado, foi
demonstrado por meio de simulações tridimensionais que a equação de Cassie e Baxter (Equação 5)
oferece uma aproximação muito boa para ângulos de contacto sobre uma superfície sólida
quimicamente heterogénea, contudo lisa (Marmur, 2011). Assim, existem algumas limitações na
utilização destas equações, que deverão ser tidas em conta na análise das medidas dos ângulos de
contacto aparentes (Varanasi et al. 2010, Smyth et al. 2015). Por outro lado, não existe ainda um
consenso relativamente ao critério que estabelece a transição entre molhabilidade homogénea e
heterogénea, havendo diversos estudos na literatura que discutem a validade das equações de Young,
Wenzel e Cassie and Baxter, procurando estabelecer um critério mais objectivo de transição entre os
regimes de molhabilidade homogénea e heterogénea. A transição entre estes regimes pode ocorrer
devido a alterações do equilíbrio das tensões interfaciais e das forças de adesão e coesão sucedendo
a uma escala micrométrica ou nanométrica que não são por isso devidamente captadas pelo ângulo
de contacto aparente. Esta dependência do critério de transição entre regimes de molhabilidade com a
escala espacial a considerar é por exemplo defendida por Santini e Guilizzoni (2014) que referem que
numa escala nanométrica é difícil assegurar uma molhabilidade perfeitamente homogénea ao longo de
toda a linha de contacto. Como no presente trabalho se lida com escalas micrométricas, é válido
adoptar estas equações para estimar os regimes de molhabilidade em superfícies rugosas.
16
Para além dos ângulos de contacto de equilíbrio ou estáticos, que têm vindo a ser abordados,
podem ainda identificar-se ângulos de contacto quasi-estáticos, de avanço e de recuo. Na prática,
existem muitos estados metaestáveis de uma gota num sólido e os ângulos de contacto observados
geralmente não são iguais a 𝜃𝑌. O fenómeno de molhabilidade não é apenas um estado estático, pelo
que certos autores afirmam que a medição de um único ângulo de contacto estático não é adequada
(Yuan & Lee, 2013).
O ângulo quasi-estático de avanço, 𝜃𝐴, é o valor máximo do ângulo de contacto estável, medido
imediatamente antes da linha de contacto avançar e a gota se começar a espalhar. Se a linha de
contacto se move no sentido contrário, o menor ângulo estável obtido antes do movimento de retracção
é o ângulo quasi-estático de recuo, 𝜃𝑅. Estes ângulos podem ser medidos através do método da placa
inclinada, imediatamente antes da gota se mover, como é mostrado na figura 7.
Figura 7: Método da placa inclinada na determinação do ângulo de contacto de avanço e recuo.
Outro método, que será utilizado no decorrer deste trabalho para a determinação destes
ângulos, está representado na figura 8 e consiste em colocar a gota na superfície sólida e adicionar
líquido à gota de modo que a linha de contacto avance - ângulo de avanço - ou, alternativamente,
remover líquido da gota até que a linha de contacto retraia - ângulo de recuo (Extrand, 1998).
Figura 8: Método usado neste trabalho para a determinação do ângulo de contacto de avanço e recuo.
A diferença entre os dois ângulos quasi-estáticos é definida como histerese (Equação 6)
(Extrand, 1998). O significado da histerese tem sido extensivamente investigado e a conclusão geral é
que esta surge das heterogeneidades químicas e/ou geométricas da superfície (rugosidade) (Yuan &
Lee, 2013). Em superfícies sólidas ideais, não existe histerese e o ângulo de contacto observado é o
ângulo de contacto definido por Young. Contudo, na prática, não existem sistemas termodinâmicos
perfeitamente reversíveis, sendo a histerese o resultado dessa irreversibilidade.
∆𝜃 = 𝜃𝐴 − 𝜃𝑅 (6)
17
Deste modo, quando uma gota se espalha a partir de uma determinada situação de equilíbrio,
mesmo que o líquido retraia pela acção coesiva da tensão interfacial líquido-vapor, ela nunca irá
regressar exactamente à sua forma inicial.
Da discussão apresentada nos parágrafos anteriores, torna-se evidente que não exista forma
de evitar o efeito das heterogeneidades da superfície no ângulo de contacto, sendo este efeito difícil de
prever e apenas quantificável pela histerese. Por conseguinte, recomenda-se que as superfícies sejam
preparadas com o mínimo de heterogeneidades possível e que seja inerte em relação aos líquidos em
estudo (Delcheva et al., 2014). É também óbvio que o ângulo de contacto estático é muitas vezes
insuficiente para caracterizar a molhabilidade da superfície. Assim, por exemplo, a categorização das
superfícies de acordo com o ângulo de contacto de equilíbrio, como apresentada na figura 1 necessita
de informação complementar obtida pela medição dos ângulos quasi-estáticos. De facto, a transição
entre regimes de molhabilidade homogénea ou heterogénea depende de um valor crítico de energia
mínima que pode ser atingido em situações quasi-estáticas ou dinâmicas, como a considerada no
presente trabalho onde existe um espalhamento dinâmico da gota. Assim, a superfície pode
aparentemente apresentar um ângulo de contacto estático elevado (superior a 150º) que a classifique
como superhidrofóbica, mas o ligeiro deslocamento da linha de contacto ocorrido durante a avaliação
dos ângulos quasi-estáticos pode ser suficiente para que o líquido penetre entre as irregularidades
rugosas da superfície alterando o seu regime de molhabilidade de um modo irreversível, se a histerese
for elevada. Neste contexto, vários autores, nomeadamente Bhushan (2012), consideram que as
superfícies só são superhidrofóbicas se, para além de um ângulo de contacto estático superior a 150°,
a histerese for inferior a 10°.
Estes deslocamentos irreversíveis da linha de contacto têm também consequências no
processo de espalhamento da gota. Eral et al. (2013) relacionaram a energia dissipada na linha de
contacto com a histerese, definindo a força de resistência da superfície ao avanço da gota devida à
histerese, como sendo:
𝑓𝑟𝑒𝑠 = 2𝑅 ∙ 𝛾𝐿𝑉 ∙ (cos 𝜃𝑅 − cos 𝜃𝐴) (7)
sendo R o raio da gota depositada. Assim, valores elevados de histerese estão associados com
uma irreversibilidade do espalhamento devida à dissipação de energia de superfície na linha de
contacto limitando assim o movimento da gota tanto no avanço como no recuo.
Como já foi referido, a equação de Young (Equação 1) descreve o equilíbrio da gota e este, tal
como a histerese, dependem das forças adesivas e coesivas. Um factor determinante durante o
movimento de uma gota numa superfície hidrofóbica é o trabalho de adesão, 𝑊𝑎𝑑, que é definido como
o trabalho realizado para contrariar a tendência da gota para espalhar (Xiu et al., 2008). A equação de
Dupré define esta grandeza (Bisanda, 2000):
𝑊𝑎𝑑 = 𝛾𝐿𝑉 + 𝛾𝑆𝑉 − 𝛾𝑆𝐿 (8)
18
Combinando esta equação com a de Young (Equação 1), tem-se a equação de Young-Dupré:
𝑊𝑎𝑑 = 𝛾𝐿𝑉 ∙ (cos 𝜃𝑌 + 1) (9)
É ainda possível, do ponto de vista termodinâmico, usar trabalho de adesão para caracterizar
a histerese (Extrand, 1998):
𝑊𝑎𝑑 = 𝛾𝐿𝑉 ∙ (cos 𝜃𝑅 − cos 𝜃𝐴) (10)
Por outro lado, o trabalho de coesão pode ser definido como o trabalho necessário para romper
a coesão da gota. Por conseguinte, para um ângulo de contacto crescente, a tensão superficial da gota
também é crescente, pelo que a molhabilidade e o trabalho de adesão são decrescentes. Em termos
de histerese, uma superfície com baixa histerese terá menos adesão e, consequentemente, menor será
o termo da energia dissipada na linha de contacto (Bhushan & Her, 2010).
Quando uma gota de líquido é colocada em contacto com uma superfície plana a sua interface
avança até esta atingir o equilíbrio. Se o seu espalhamento for imposto por uma força externa (no
presente trabalho, uma força eléctrica), a gota espalha-se radialmente até que esta força externa seja
equilibrada pela acção das tensões interfaciais. Se esse espalhamento gerar gradientes de velocidade
consideráveis é necessário ter também em consideração o efeito da dissipação viscosa junto à
superfície. À medida que a gota se espalha, o ângulo de contacto diminui desde um máximo inicial (no
momento do contacto) até ao valor atingido no diâmetro máximo de espalhamento. Como este não é
um estado de energia de superfície mínima, a gota tende a retrair novamente para uma posição próxima
da inicial, sendo que a posição final depende da histerese e eventualmente da dissipação viscosa.
Neste processo o ângulo de contacto também varia no tempo. Assim, contrariamente aos processos
estáticos ou quasi-estáticos, onde a velocidade da linha de contacto é praticamente nula e o ângulo de
contacto aparente medido é próximo do estático (Blake et al., 1997). Neste processo, no qual a
velocidade da linha de contacto não é desprezável, surge a necessidade de medir ângulos de contacto
dinâmicos, avaliados macroscopicamente a cada instante do espalhamento ou da retracção da gota,
que são utilizados na caraterização de estados de “molhabilidade dinâmica” (Vignes-Adler, 2002).
Assim, no presente trabalho, os ângulos estáticos e quasi-estáticos são utilizados para caracterizar a
molhabilidade das superfícies estudadas à priori. No entanto, a análise do processo de espalhamento
da gota para avaliar a eficácia do seu transporte entre elétrodos requer a quantificação do diâmetro de
espalhamento, da velocidade da linha de contacto e dos ângulos dinâmicos.
2.2. Electrowetting
O fenómeno de electrowetting pode ser definido como uma alteração da molhabilidade, ou seja,
do ângulo de contacto através da variação da tensão superficial da gota por aplicação de um campo
eléctrico.
19
Após a aplicação de uma diferença de potencial 𝑑𝑉, forma-se na interface sólido-líquido uma
dupla camada eléctrica espontânea, ou seja, na superfície do sólido surge uma nuvem de iões positivos
e na faixa de líquido mais próxima da superfície uma camada de iões negativos (Figura 9). Estas cargas
funcionam como um condensador de placas paralelas (Bormashenko & Gendelman, 2014).
Figura 9: Dupla camada eléctrica espontânea.
Lippmann (1875) estabeleceu a relação entre a tensão aplicada em corrente contínua (DC), 𝑉,
e a tensão interfacial, 𝛾𝑆𝐿, como sendo:
𝑑𝛾𝑆𝐿 = −𝜎𝑆𝐿𝑑𝑉 (11)
onde 𝜎 é a densidade de carga interfacial sólido-líquido (Quilliet & Berge, 2001). O potencial eléctrico
aplicado resulta, assim, no espalhamento da gota e, consequentemente, no decréscimo do ângulo de
contacto por redução da tensão interfacial gota-superfície. Quando a actuação é interrompida, a gota
retrai recuperando a sua esfericidade, desde que a superfície de contacto seja hidrofóbica ou
superhidrofóbica e não haja uma dissipação significativa de energia na linha de contacto entre a gota
e a superfície.
Helmholtz, em 1853 (citado em Spohr 1999), considerou que a distância, 𝑑𝐻, entre os pares de
iões é fixa e da ordem do comprimento de Debye-Hückel (nanómetros). Neste caso, a camada dupla
tem uma capacitância por unidade de área, 𝐶𝐻, também constante e é definida pela expressão (Mugele
& Baret, 2005):
𝐶𝐻 =𝜀0𝜀1
𝑑𝐻
(12)
Ao integrar a Equação 11, é possível analisar a dependência que 𝛾𝑆𝐿 tem com a tensão:
𝛾𝑆𝐿(𝑉) = 𝛾𝑆𝐿 − ∫ 𝜎𝑆𝐿𝑑𝑉𝑉
𝑉𝑝𝑐𝑧
= 𝛾𝑆𝐿 − ∫ 𝐶 ∙ 𝑉 𝑑𝑉𝑉
𝑉𝑝𝑐𝑧
= 𝛾𝑆𝐿 −1
2𝐶(𝑉 − 𝑉𝑝𝑐𝑧)2 (13)
onde 𝑉𝑝𝑐𝑧 é a diferença de potencial de carga zero, necessária para compensar as cargas
espontâneas que se geram em determinados materiais quando em contacto com electrólitos (Mugele
& Baret, 2005). O primeiro termo da parte direita desta equação, 𝛾𝑆𝐿, surge também na equação de
Young (Equação 1), dado que está associado à componente química da tensão interfacial
sólido-líquido, sendo independente da tensão (potencial aplicado nulo). Por outro lado, o termo
quadrático corresponde à sua componente da actuação electrostática, dependendo da tensão aplicada
(Sondag-Huethorst & Fokkink, 1994).
20
De modo a obter a resposta do ângulo de contacto de uma gota colocada directamente na
superfície do eléctrodo, a equação 1 é combinada com a equação 13 obtendo-se assim, a equação de
Young-Lippmann (Equação 2). Esta relação descreve o balanço das tensões interfaciais com a força
eléctrica gerada, sendo 𝜃 o ângulo de contacto formado neste equilíbrio, quando a tensão eléctrica é
aplicada. Apesar de ser largamente aceite e fornecer uma boa descrição do fenómeno de
electrowetting, a equação de Young-Lippmann apenas é válida para tensões eléctricas na ordem dos
100 V ou menos (Dubois et al., 2006), dependendo do par líquido-superfície (Pollack et al. 2002,
Raccurt et al. 2007).
O ângulo de contacto só diminui até um determinado valor, a partir do qual permanece
constante, mesmo continuando a aumentar a tensão aplicada (Quinn et al., 2003). Este fenómeno é
denominado efeito de saturação e não é descrito pela equação de Young-Lippmann (Equação 3) que
prevê que o ângulo de contacto diminua com o aumento da tensão e não impõe qualquer limitação
sobre quão pequeno o ângulo de contacto pode ser. Porém o fenómeno de saturação do ângulo de
contacto é relevante na maioria das aplicações, incluindo no presente trabalho, em virtude dos valores
de tensão eléctrica utilizados. A saturação do ângulo de contacto ainda não é totalmente compreendida
e explicada. Alguns autores têm tentado justificar a ocorrência deste fenómeno com diversas hipóteses,
mas que não são confirmadas pela maior parte dos resultados experimentais. Por exemplo Quinn et al.
(2005) e Sedev (2011) defendem que como a actuação electrostática apenas afecta a tensão interfacial
sólido-líquido, chega a um ponto em que esta é zero. Não havendo valores negativos de tensão
interfacial, a equação de Young (Equação 1) para 𝛾𝑆𝐿 = 0 estabelece um limite para o ângulo de
contacto mais baixo que é possível obter com electrowetting, que é o ângulo de contacto de saturação,
𝜃𝑆:
cos 𝜃𝑆 =𝛾𝑆𝑉
𝛾𝐿𝑉
(14)
Para além da tensão interfacial nula, já explicada, outras teorias têm surgido, tais como o
carregamento do dieléctrico com cargas de igual sinal às criadas no interior da gota pelo facto das
tensões aplicadas excederem o isolamento eléctrico da camada dieléctrica ou o carregamento do meio
envolvente, sendo mais frequente no caso de ser também um fluido (Jones 2005, Chevalliot et al. 2012).
Chevalliot et al. (2012) demonstraram experimentalmente que usando corrente contínua (DC), o ângulo
de contacto de saturação não variava com o campo eléctrico, perfil da linha de contacto, tensão
interfacial nem com o fluido ou meio envolvente.
Como recentemente revisto por Chen e Bonaccurso (2014) alguns autores referem que o uso
de corrente alterna evita a ocorrência de saturação, mas a veracidade dessa afirmação ainda não está
totalmente provada do ponto de vista teórico nem demonstrada experimentalmente. Por outro lado, a
maioria dos modelos utilizados para descrever a variação do ângulo de contacto em electrowetting,
nomeadamente a equação simplificada de Young-Lippmann (Equação 3), consideram que a gota é um
electrólito ideal e um meio condutor continuo e homogéneo, o que pode não ocorrer quando se aplica
corrente alternada, particularmente recorrendo a frequências elevadas (Mugele & Baret, 2005). Sendo
21
assim, do ponto de vista físico, este fenómeno é ainda um grande desafio a ser estudado e solucionado
nesta área.
Pela análise da equação de Young-Lippmann (Equação 2), a espessura da dupla camada tem
de ser reduzida (da ordem dos nanómetros), para permitir que, com a actuação de apenas dezenas de
milivolts, seja possível modificar o ângulo de contacto da gota. Porém, ao aumentar um pouco a
diferença de potencial elétrico, é possível que a corrente atravesse a dupla camada, causando a
electrólise da gota, no caso dos electrólitos serem soluções aquosas. Este fenómeno impossibilitava a
aplicação prática do electrowetting.
De modo a solucionar este problema, como já referido na secção 1.2., Berge, nos anos 90
(citado em Cho et al. 2003), propôs uma nova configuração (Figura 10), onde introduziu uma camada
dieléctrica isoladora entre a gota e o eléctrodo com espessura já na ordem dos micrómetros que veio
permitir a utilização de tensões mais elevadas (centenas de volts).
Figura 10: Configuração para ensaios de EWOD.
Esta alteração introduziu o conceito de Electrowetting On Dielectric (EWOD) e, do ponto de
vista teórico, implica alterar a equação de Young-Lippmann para a forma apresentada na Equação 3,
onde 𝑉 é simplesmente a tensão eléctrica aplicada e 𝑑 a espessura da camada dieléctrica.
Além do estudo dos fenómenos moleculares, isto é, da variação da tensão interfacial
sólido-líquido, é possível compreender o movimento da gota provocado pela actuação electrostática de
um ponto de vista macroscópico, realizando o balanço entre as forças interfaciais e as componentes
da força gerada pelo campo eléctrico. Kang (2002) analisou o campo eléctrico gerado à volta da gota,
assumindo o líquido como um condutor perfeito, e propôs um balanço de forças aplicadas na linha
trifásica da gota (Figura 11).
Figura 11: Força electrostática e a sua influência no balanço de forças na linha de contacto da gota.
Kang (2002) defende que a força electrostática, 𝐹𝑒, induz uma alteração no ângulo de contacto
da gota e é obtida partindo do potencial electrostático (Equação 15).
𝐹𝑒 =𝜀0𝜀1𝑉2
2𝑑𝑐𝑜𝑠𝑒𝑐𝜃𝑌 (15)
22
Esta força pode ser decomposta numa componente horizontal, 𝐹𝑒𝑥, e numa vertical, 𝐹𝑒𝑦,
respectivamente:
𝐹𝑒𝑥 =𝜀0𝜀1𝑉2
2𝑑 (16)
𝐹𝑒𝑦 =𝜀0𝜀1𝑉2
2𝑑𝑐𝑜𝑡𝜃𝑌 (17)
O balanço macroscópico das forças na componente horizontal para um pequeno volume de
líquido na linha de contacto resulta na relação da equação 18, muito similar à equação de
Young-Lippmann (Equação 3).
𝛾𝐿𝑉 ∙ 𝑐𝑜𝑠𝜃𝑌 = 𝛾𝑆𝑉 − 𝛾𝐿𝑆 +𝜀0𝜀1𝑉2
2𝑑 (18)
É importante salientar que a componente horizontal não depende do ângulo de contacto,
puxando a linha de contacto trifásica da gota até que o equilíbrio com as tensões da superfície seja
atingido, ou seja, é responsável pela variação do ângulo de contacto, pelo que entra no balanço da
equação 18. Por outro lado, a componente vertical da força electrostática, com a diminuição do ângulo
de contacto, aumenta com a sua cotangente, ou seja, quando o ângulo de contacto é mais pequeno, é
necessário exercer uma força consideravelmente maior, o que pode estar relacionado com o fenómeno
da saturação do ângulo de contacto (Kang, 2002).
2.3. Chips microfluídicos
Geralmente, os estudos realizados em electrowetting focam-se no processo de transporte da
gota, mas existem outros processos que são estudados, tais como a mistura e separação das
microgotas (Figura 12). Estas operações conseguem realizar-se desenhando configurações
apropriadas de elétrodos em chips que permitem controlar o movimento das gotas. O princípio de
funcionamento destes chips rege-se pelas equações acima representadas, nomeadamente pela
equação de Young-Lippmann aplicada a sistemas EWOD (Equação 3) mas implica que se considere a
existência de eléctrodos discretos, com dimensões finitas que, por isso, geram campos eléctricos que
não são ideias. A actuação de tensão tem de ser alternada, em frequências programadas, nos diversos
elétrodos que compõem o caminho de transporte da gota para gerar uma força eléctrica direccional que
conduza à sucessiva variação do ângulo de contacto da gota que faz com que esta se espalhe e recue
de um modo direccional avançando assim entre elétrodos.
(a)
23
(b)
(c)
Figura 12: Manipulação de microgotas em chips programáveis: (a) transporte, (b) mistura, (c) separação.
De modo a compreender melhor os fenómenos ocorridos nestas matrizes, vários autores
representaram esta configuração num circuito, como ilustrado na figura 13 (Chen et al. 2004, Cooney et
al. 2006, Fan et al. 2007). O circuito é constituído por três capacitâncias em série: a da gota, 𝐶𝑔 e as dos
eléctrodos, 𝐶1 e 𝐶2.
(a) (b)
Figura 13: (a) Esquema da configuração e (b) representação do circuito de uma gota sobre dois eléctrodos
coplanares.
Contrariamente às configurações convencionais em sistema aberto, quando se trata de aplicar
uma voltagem a um par de eléctrodos coplanares, a tensão eléctrica que atravessa a capacitância de
cada eléctrodo já não é igual à tensão aplicada. Considerando que as áreas dos eléctrodos, 𝐴1 e 𝐴2
são iguais, a tensão aplicada vai ser igualmente distribuída por eles (𝑉1 = 𝑉2 = 𝑉). Apesar de 𝑉1 e 𝑉2
serem iguais, possuem polaridades opostas (Fan et al., 2007).
A minimização da energia total é uma ferramenta importante para compreender o equilíbrio das
gotas actuadas por electrowetting. A minimização da energia eléctrica é conseguida pela maximização
da capacitância (𝐶 𝛼 𝑙𝑛 [(1 + (𝑤/𝑎) + ((1 + 𝑤/𝑎)2 − 1)1/2]) que determina a magnitude do campo elétrico
gerado. Nos sistemas EWOD aplica-se uma determinada tensão entre o fluido e o eléctrodo e a gota
tenderá a espalhar-se tanto quanto possível, de modo a aumentar a capacitância, que é proporcional à
área molhada. O mesmo conceito deve ser aplicado para compreender o comportamento da gota
quando colocada sobre múltiplos eléctrodos. Assim sendo, quando |𝑉1| > |𝑉2|, a gota tenderá a mover-
se para o eléctrodo 1 e vice-versa.
Considerando que o fluido é um condutor perfeito, ou seja, que o potencial na gota, 𝑉𝑔, é
contante, este vai ser igual a:
𝑉𝑔 =𝐶1𝑉1 + 𝐶2𝑉2
𝐶1 + 𝐶2
(19)
24
A energia eléctrica acumulada nos condensadores pode ser escrita como sendo:
𝐸𝐶 =1
2𝐶1(𝑉1 − 𝑉𝑔)2 +
1
2𝐶1(𝑉𝑔 − 𝑉2)2 =
1
2𝐶𝑒𝑞(𝑉1 − 𝑉2)2 (20)
Em que 𝐶𝑒𝑞 é a capacitância equivalente do circuito (Cooney et al. 2006, Park et al. 2010).
A força aplicada (𝐹𝑒 𝛼 𝐶𝑒𝑞𝑉2/2) tem de superar a resistência da superfície ao movimento da gota
(𝑓𝑟𝑒𝑠
𝛼 ∆𝜃𝑑), ou seja à histerese.
Como referido na introdução, não existe informação na literatura revista sobre a metodologia a
seguir para determinar a configuração mais adequada do chip que garanta o transporte eficaz das
amostras.
Assim sendo, o primeiro passo do projecto de construção deste chip consistiu num estudo dos
parâmetros que influenciam a resposta dinâmica da gota à actuação electroestática de modo a obter
dimensões características dos chips de teste com pares de eléctrodos paralelos e coplanares de
comprimento 𝑙, largura 𝑤 e espaçamento 2𝑎 entre eles, representados na figura 14.
Figura 14: Dimensões da configuração do chip. Adaptado de Laurência (2015).
Chen et al. (2004) recomendam fixar a distância a no valor mais baixo possível e defendem
que a capacitância do chip é optimizada para razões de 𝑤/𝑎 << 1, uma vez que a capacitância é
função desta razão. Assim, para que gota esteja em contacto com o elétrodo sucessivo, a soma de 2𝑎
com 𝑤 deve ser no limite o diâmetro máximo de espalhamento da gota:
2𝑎 + 𝑤 = 𝐷𝑚𝑎𝑥 (21)
Para garantir a satisfação destas condições e dando seguimento ao trabalho apresentado por
Laurência (2015), as configurações usadas neste trabalho irão ter a dimensão 2𝑎 fixa e a largura dos
elétrodos, 𝑤, a variar entre 120 e 1400 µm (Tabela 1).
Tabela 1: Diferentes dimensões usadas na configuração do chip.
Largura dos eléctrodos, 𝑤 [µm] Espaço entre os eléctrodos, 2𝑎 [µm] Comprimento dos eléctrodos, 𝑙 [µm]
120
60 24000 800
1200
1400
25
3. Metodologia e Implementação
O presente capítulo descreve as instalações experimentais e condições de funcionamento
consideradas para a realização dos ensaios neste trabalho, bem como os procedimentos seguidos para
caracterizar as superfícies e fluidos testados, a molhabilidade e a resposta dinâmica das gotas em
EWOD e avaliar a possível adsorção dos componentes biológicos das soluções testadas nas
superfícies em estudo. No final do capítulo apresentam-se também as incertezas e os erros cometidos
nas medições efectuadas.
3.1. Instalação experimental e condições de
funcionamento
Todos os ensaios foram realizados no interior de uma câmara Perspex, assente na base de um
tensiómetro óptico, que pode ser regulada segundo três graus de liberdade (Figura 15). Esta câmara
de dimensões totais 55x80x90 mm3 possui, em duas das faces laterais, janelas quadradas de quartzo
com 50 mm de lado, de modo a reduzir a distorção óptica nas medições obtidas e minimizar os erros
que lhes estariam associados.
Figura 15: Câmara Perspex com janelas que quartzo usada nos ensaios.
A temperatura e a humidade no interior da câmara são medidas ao longo do tempo pelo sensor
DHT22, com uma frequência de aquisição de 0,5 Hz. Os valores de humidade relativa são medidos
com o seu sensor capacitivo de humidade e têm uma precisão de 2-5 %, enquanto que os de
temperatura são obtidos através da variação da sua resistência térmica com a temperatura, com uma
precisão de ±0,5 °C. Este sensor está ligado a um arduíno uno (https://www.arduino.cc/) que, por sua
vez, está conectado ao computador (Figura 16a), a partir do qual é possível traçar gráficos como o que
está apresentado na figura 16b, e no qual é possível observar a variação da temperatura e da humidade
relativa do ar medidas pelo sensor DHT22 durante um ensaio de electrowetting.
26
(a) (b)
Figura 16: (a) Ligação do sensor DHT22 ao arduino uno e ao computador (https://www.arduino.cc/). (b) Variação
da temperatura e da humidade relativa do ar no interior da câmara de Perspex, medidas pelo sensor DHT22
durante um ensaio de electrowetting.
Para a realização dos ensaios, a câmara de Perspex é previamente saturada com o fluido em
estudo à temperatura ambiente, ou seja, a cerca de 20°C ± 3°C. A humidade foi mantida constante
entre os 75% e 78%. Nestas condições controladas de temperatura e humidade, a evaporação da gota
só é significativa (conduzindo a um máximo de 30% de redução do volume inicial da gota depositada)
para intervalos de tempo grandes, na ordem dos 1500 segundos (Moita et al., 2016), que são muito
maiores do que os dos ensaios aqui considerados (na ordem dos milissegundos).
3.1.1. Caracterização da molhabilidade sem actuação
electrostática
Os ângulos de contacto estáticos, quasi-estáticos e a tensão superficial dos líquidos usados
foram medidos usando um tensiómetro óptico Attension - modelo Theta, (Figura 17a) que inclui uma
câmara de CCD (charge-coupled device) monocromática conectada a um microscópio e um sistema
de geração de gotas com volume regulável (Figura 17b). As imagens captadas pela câmara de CCD
têm 640x480 pixel de dimensão e o sistema óptico tem uma resolução espacial de 15,6 µm/pixel. O
sistema de geração de gotas é constituído por uma pequena bomba de seringa que controla o caudal
de líquido que passa por uma agulha que está fixa a um suporte regulável, até gerar uma gota, de
volume controlável, na extremidade dessa agulha. Este suporte possui dois graus de liberdade, o que
permite ajustar a distância e a posição da agulha e, consequentemente, da gota, em relação à
superfície em estudo. Todo o sistema de geração de gotas e de medição dos ângulos é controlado
automaticamente pelo computador através do software One Attension.
3.1.2. Ensaios com actuação electrostática com eléctrodo de
tungsténio
Para além de caracterizar os ângulos estáticos em função da tensão eléctrica aplicada, usando
o tensiómetro óptico descrito na subsecção anterior, nestes ensaios é também necessário caracterizar
a resposta dinâmica da gota à actuação electrostática, nomeadamente quantificando a variação do
27
diâmetro de espalhamento no tempo. Dado que os tempos característicos de espalhamento estudados
neste trabalho são da ordem dos milissegundos o processo de espalhamento da gota ao longo do
tempo é captado usando uma câmara de alta velocidade - Phantom v4.2 da Vision Research Inc.,
colocada perpendicularmente ao plano de deposição da gota. As imagens captadas têm uma dimensão
de 512x512 pixel e são gravadas a uma taxa de aquisição de 2200 frames/s. A resolução espacial é de
25 µm/pixel e a resolução temporal é de 0,45 ms. A área de visualização é iluminada usando uma luz
LED e um vidro difusor (Figura 17).
(a)
(b)
Figura 17: Instalação experimental utilizada na medição dos ângulos de contacto estáticos, quasi-estáticos,
tensão superficial e diâmetro de espalhamento das gotas: (a) em esquema e (b) em foto.
Os ensaios de actuação electrostática são realizados no interior da câmara de Perspex e, para
a análise da actuação electrostática usando eléctrodo de tungsténio (para avaliação da resposta das
gotas de suspensões celulares) utiliza-se a configuração ilustrada na figura 18, dando continuidade ao
28
trabalho desenvolvido por Ramos (2014) e Laurência (2015). A actuação é realizada com um eléctrodo
capilar de Tungsténio de diâmetro 25 µm (Goodfellow Cambridge Ltd.), que funciona como elétrodo de
controlo e que realiza a actuação na parte superior da gota, e com um cilindro de Cobre de diâmetro
22 mm e altura 18 mm, que serve de contra-eléctrodo, situado na base da gota. A superfície hidrofóbica
seleccionada foi o Teflon, com 10 µm ± 20% de espessura (Goodfellow Cambridge Ltd.), funcionando
também como camada dieléctrica, para evitar a ocorrência de electrólise da água. Foram ainda
utilizadas superfícies de Teflon com tratamento superficial químico, descrito em detalhe na subsecção
3.2.2. De modo a evitar a formação de pequenas bolhas de ar entre o Teflon e o Cobre que dificultam
a condução, é aplicada uma pequena quantidade de uma solução de cloreto de sódio, como
recomendado em Restolho et al. (2009).
Figura 18: Esquema da instalação experimental usada nos ensaios de EWOD.
O eléctrodo de Tungsténio e o cilindro de Cobre estão ligados a uma fonte de alimentação de
corrente contínua da Sorensen Company – modelo DCR600-.75B – e os ensaios são realizados com
incrementos de tensão de 25 V entre 0 e 230 V.
Da discussão revista no capítulo 2 sobre o uso de corrente contínua ou alternada e para evitar
a ocorrência de saturação do ângulo de contacto conclui-se que não existe nenhuma evidência da
vantagem do uso de corrente alterna, embora existam algumas dificuldades identificadas por Mugele e
Baret (2005). Assim, neste trabalho optou-se por usar corrente contínua de modo a dar continuidade
ao trabalho de Ramos (2014) e de Laurência (2015).
3.1.3. Ensaios com actuação electrostática nos chips
microfluídicos (usando eléctrodos coplanares)
Nesta fase do trabalho testaram-se os diversos chips microfluídicos que foram construídos no
INESC-MN, usando eléctrodos coplanares interdigitados. As configurações dos chips microfluídicos
foram primeiramente desenhadas em SOLIDWORKS, tendo sido depois convertidas para AutoCAD
para ficheiros do tipo .dxf e enviadas para o INESC-MN (Figura 19). Aqui foram impressas por litografia
com alumínio de espessura 0,6 µm numa tira de vidro de dimensões 102x55 mm2 com 700 µm de
espessura. De seguida, os materiais dieléctricos seleccionados a partir da lista apresentada na
subsecção 3.2.2., de acordo com a análise de resultados discutida no Capítulo 4, foram depositados
ao longo dos eléctrodos, sem cobrir os contactos.
29
Figura 19: Exemplo do desenho da configuração de um chip em AutoCAD.
As configurações testadas diferem apenas na largura dos eléctrodos, compreendida entre 120
e 1400 µm, sendo a distância entre eles 60 µm e seu comprimento 24000 µm (Figura 20).
(a) (b) (c) (d)
Figura 20: Diferentes configurações dos chips microfluídicos usadas nos ensaios de transporte de microgotas.
Foram utilizados eléctrodos com largura de (a) 1400 µm, (b) 1200 µm, (c) 800 µm e (c) 120 µm.
Os ensaios foram realizados também no interior da câmara Perspex, devidamente saturada,
com o chip encaixado no suporte da figura 21, que também serviu de apoio para as ligações à fonte de
alimentação de corrente contínua.
(a) (b)
Figura 21: (a) Apoio utilizado para encaixe do chip e para as ligações à fonte. (b) Pormenor da instalação no
interior da câmara de Perspex.
30
Os chips são alimentados por dois contactos, nos quais estão ligados o pólo positivo e o
negativo da fonte. Cada um dos contactos está associado a um conjunto de eléctrodos para que cada
par seguido tenha diferentes polaridades, como mostra a figura 22 através das diferentes cores. Assim
sendo, o circuito só é fechado aquando da colocação da gota de electrólito no substrato que tem de
cobrir, pelo menos, dois eléctrodos.
Figura 22: Esquema ilustrativo da configuração de um chip.
O pólo negativo está ligado à terra, pelo que, ao contrário dos estudos feitos por Cooney et al.
(2006) e Park et al. (2010), terá um potencial zero. A tensão no pólo positivo é igual à tensão aplicada
pela fonte. Como explicado no capítulo 2, para conseguir mover a gota é necessário programar a
actuação de tensão alternadamente nos elétrodos que compõem o caminho de transporte da gota.
Nesta fase do trabalho, optou-se por uma solução mais simples, em que se impõe uma frequência no
sinal de alimentação dos chips. Essa frequência é imposta com um arduíno uno, ligado a um interruptor,
que possui um relógio interno com frequência de 16 MHz, ou seja, com um erro de precisão desprezável
(Figura 23a). A frequência tem uma onda quadrada como aplicado por exemplo por Fan et al. (2007).
Estes ensaios são realizados com acréscimos de tensão de 15 V entre os 200 e 245 V e com
incrementos de frequência de 50 Hz entre 50 e 400 Hz, com um ciclo de trabalho constante de 50%.
Por exemplo, se forem impostas uma tensão de 200 V e uma frequência de 50 Hz (que corresponde a
0,02 s), a tensão é aplicada a cada eléctrodo durante metade do período (0,01 s), não sendo aplicada
nos restantes 0,01s (Figura 23b).
(a) (b)
Figura 23: (a) Arduíno uno utilizado na imposição da frequência. (b) Exemplo de ciclo de trabalho com
frequência e tensão impostas de 50 Hz e 200 V, respectivamente.
31
É de salientar que, visto que os eléctrodos possuem diferentes polaridades, a gota deve cobrir,
no mínimo, dois eléctrodos.
3.1.4. Configuração do microscópio confocal para avaliação
da adsorção
Tal como já foi mencionado nas secções anteriores, o uso de biofluidos pode conduzir à
contaminação por adesão dos iões, átomos ou moléculas da solução ao substrato, adsorção, que pode
comprometer o transporte das gotas em contacto com as zonas onde este fenómeno ocorre (Yoon &
Garrell 2003, Srinivasan et al. 2004, Garza 2011). As soluções utilizadas no presente trabalho,
nomeadamente as soluções aquosas de GFP (Green Fluorescent Protein) e as suspensões de células
E-coli (Escherichia coli) foram seleccionadas precisamente pela sua afinidade química com os materiais
seleccionados para os substratos, que conduz a uma elevada probabilidade de serem adsorvidas,
tendo em conta o trabalho realizado anteriormente (Ramos 2014, Laurência 2015) e os estudos revistos
na literatura. O uso destas soluções visa assim testar os chips nas condições de trabalho mais
desfavoráveis de modo a seleccionar as configurações de funcionamento mais robustas.
A avaliação da possível adsorção de componentes destas soluções (nomeadamente a proteína
GFP ou as células) é feita utilizando um microscópio confocal Leica – modelo TCS SP8, através de um
procedimento de análise por fluorescência (Figura 24). Evidentemente, este estudo só foi possível com
a utilização de soluções fluorescentes. A solução GFP é naturalmente fluorescente e as células de E-
coli têm um gene que codifica a proteína GFP num plasmídeo (moléculas circulares duplas de DNA).
Por este motivo, a célula expressa esta proteína no seu interior, ficando assim fluorescente, através da
indução de um promotor por adição de IPTG no meio (Madeira et al., 2009).
Figura 24: Instalação experimental utilizada na análise da adsorção. 1 – Microscópio DM6000 CFS; 2 – Unidade
óptica confocal de varrimento; 3 e 4 - Painéis de controlo do microscópio; 5 – Lâmpada de fluorescência EL6000;
6 - Caixa electrónica do microscópio; 7 – Unidade de alimentação compacta.
32
O microscópio está equipado com um laser azul (contínuo) - OPSL 488 – com um comprimento
de onda de 488 nm e um laser verde (contínuo) - OPSL 552 - com um comprimento de onda de 552
nm) e objectivas de 4x, 10x e 20x (com aberturas numéricas entre 0,10 e 0,8). A potência dos lasers é
no máximo de 350 mW, mas foi limitada a 10 mW no presente trabalho. As imagens obtidas para análise
da adsorção foram retiradas usando a objectiva de 4x, com um tamanho de pixel de 5,42x5,42 µm2.
O microscópio é usado em modo de fluorescência. Para avaliar a adsorção, são feitos
varrimentos numa área definida da superfície, dependendo da ampliação. A imagem total analisada tem
1024x1024 pixel. Visto que as amostras utilizadas neste trabalho são excitadas naturalmente num
comprimento de onda de 470 nm, ou seja, na gama do azul (440 a 490 nm), a análise foi realizada
usando o laser azul. As soluções emitem radiação por fluorescência com um comprimento de onda de
510 nm, pelo que o recetor foi ajustado para uma gama de comprimentos de onda entre 500 e 530 nm.
No sistema confocal, a radiação emitida pela amostra é obrigada a atravessar um sistema de
pinholes antes de chegar ao recetor, ou seja, a imagem está sempre focada para um determinado
plano, o que permite obter a imagem da amostra em diversos planos, espaçados de um determinado
passo, em profundidade. A análise das imagens obtidas é descrita em detalhe no procedimento
experimental, na subsecção 3.2.7.
3.2. Procedimento experimental
3.2.1. Preparação das soluções e caracterização das suas
propriedades termofísicas
No desenvolvimento deste trabalho foram utilizadas duas soluções aquosas: uma delas, já
usada por Laurência (2015), a solução de GFP (Green Fluorescent Protein) e outra, uma suspensão
com células E-coli, que são bactérias. A primeira foi escolhida por se assemelhar a uma proteína
existente no plasma sanguíneo e por dar continuidade ao trabalho realizado anteriormente no projecto
que usou soluções com a proteína BSA – Bovine Serum Albimune. O transporte de microgotas
contendo células é testado pela primeira vez nesta dissertação pelo facto da maioria dos fluidos
fisiológicos, como o sangue, conter células e até bactérias, que são maiores que os compostos
proteicos e que, por isso, poderão ser mais difíceis de transportar. A GFP foi também eleita pela sua
fluorescência natural, de modo a facilitar a análise de adsorção. As bactérias usadas expressam
também naturalmente a fluorescência proveniente da GFP, o que facilita a sua visualização e a análise
da adsorção, como já referido na subsecção 3.1.3. O efeito da concentração da proteína no
comportamento da gota durante a actuação electrostática é desprezável, mas o aumento da
concentração pode promover a adsorção (Laurência 2015, Moita et al. 2016). Neste contexto e para
averiguar o efeito da concentração nas suspensões celulares, prepararam-se soluções com
concentrações de 1×109 𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠/𝑚𝐿 e 2×109 𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠/𝑚𝐿. Para as soluções de GFP usou-se uma
concentração fixa de 1,71×10−3 𝑚𝑀.
33
A solução de GFP foi preparada recorrendo a duas diluições seriadas, partindo de uma
concentração inicial, [𝐺𝐹𝑃]𝑖 = 0,171 𝑚𝑀. A primeira consiste em diluir 20 µL desta solução em 980 µL
de água destilada, resultando na solução I de concentração [𝐺𝐹𝑃]𝐼 = 3,42×10−3 𝑚𝑀. A concentração
final é obtida juntando 250 µL da solução I a 250 µL de água destilada, dando origem à solução final
(II) de concentração [𝐺𝐹𝑃]𝐼𝐼 = 1,71×10−3 𝑚𝑀. Estes cálculos foram realizados recorrendo à premissa
de que o número de moles se mantém constante ao longo da diluição, ou seja, visto que 𝑐 = 𝑛/𝑉, tem-
se:
𝑐𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 ∙ 𝑉𝑖𝑛𝑖𝑐𝑖𝑎𝑙 = 𝑐𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 ∙ 𝑉𝑓𝑖𝑛𝑎𝑙 (22)
Relativamente à preparação das suspensões celulares, após a produção de GFP na bactéria
E-coli já descrita anteriormente, as células foram colectadas por centrifugação e ressuspensas numa
solução tampão de fosfato (NaH2PO4, pH 8).
Após a sua preparação, estas soluções foram caracterizadas pela sua massa específica, 𝜌,
tensão superficial (ou interfacial líquido-gás), 𝛾𝐿𝑉 e viscosidade dinâmica, 𝜇, por se tratarem das
propriedades físicas mais relevantes das soluções.
A tensão superficial foi medida no tensiómetro óptico usando o método da gota pendente. A
forma de uma gota suspensa na extremidade da agulha é determinada pelo equilíbrio de forças,
incluindo a de tensão superficial (ou interfacial líquido-gás) e o peso de líquido e é governada pela
equação de Laplace (Mugele & Baret, 2005):
∆𝑝 = 𝛾𝐿𝑉 (1
𝑅1
+1
𝑅2
) (23)
em que ∆𝑝 é a diferença de pressão ao longo da interface, 𝑅1 e 𝑅2 são os raios principais de
curvatura que definidos no plano xy e no plano perpendicular a este, respectivamente (Figura 25).
Quando não existem forças externas a actuar na gota, ∆𝑝 pode ser descrita pela função linear:
∆𝑝 = −∆𝜌𝑔𝑦 +2𝛾𝐿𝑉
𝑅0
(24)
onde ∆𝜌 é a diferença de densidade ao longo da interface, 𝑔 é a constante de aceleração da
gravidade, 𝑦 a coordenada vertical e 𝑅0 o raio principal de curvatura na origem (Figura 25). O primeiro
termo corresponde aos valores de y em que a pressão ∆𝑝 é dada pela pressão hidrostática, enquanto
que o segundo corresponde à diferença de pressão no referencial de referência (𝑥 = 𝑦 = 0), ou seja,
ao ponto em que 𝑅0 = 𝑅1 = 𝑅2 , que coincide com a curvatura da gota quando esta se forma (Harris &
Byers, 1989).
Figura 25: Representação do modelo da gota pendente.
34
Combinando as Equações 23 e 24, obtém-se a equação de Young-Laplace:
−∆𝜌𝑔𝑦 +2𝛾𝐿𝑉
𝑅0
= 𝛾𝐿𝑉 (1
𝑅1
+1
𝑅2
) (25)
Manipulando a equação anterior, é possível obter então a tensão superficial, 𝛾𝐿𝑉 , em função de
alguns parâmetros já mencionados e do factor de forma, 𝛽:
𝛾𝐿𝑉 =∆𝜌𝑔𝑅0
2
𝛽 (26)
Esta é a expressão usada pelo software One Attension para determinar a tensão superficial do
líquido pelo método da gota pendente. O perfil geométrico da gota é detectado a partir de imagens
gravadas pela câmara acoplada ao microscópio do tensiómetro que são posteriormente processadas,
utilizando um algoritmo de detecção de contornos associado a um gradiente da intensidade na escala
de cinzentos. O algoritmo de implementação do método da gota pendente encontra-se descrito em
detalhe por Harris e Byers (1989) ou, mais recentemente por Cheng et al. (1990).
A gota pendente é gerada na extremidade da agulha, ficando as forças de tensão superficial a
equilibrar o peso da gota. Registam-se 120 imagens, captadas pela câmara do tensiómetro, em
intervalos de 80 ms (Figura 26). Cada imagem obtida é, de seguida, processada automaticamente pelo
software, sendo determinado um valor para a tensão superficial. Por fim, é calculado um valor médio
do total dos 120 valores registados. Para cada líquido testado, estes ensaios foram repetidos quinze
vezes, sendo o valor final considerado para a tensão superficial o valor médio da totalidade dos ensaios.
Este procedimento foi seguido para avaliar a tensão superficial das duas concentrações de E-coli
usadas ao longo deste trabalho, sendo que a tensão superficial dos restantes fluidos já tinham sido
anteriormente determinada por Ramos (2014) e Laurência (2015). Estes ensaios foram realizados no
interior da câmara de Perspex, previamente saturada a 20 °C ± 3 ºC.
Figura 26: Medição da tensão superficial através do software One Attension.
35
A massa específica das soluções foi calculada através da equação 27, sendo que a sua massa
foi medida numa balança e o seu volume num balão volumétrico.
𝜌 =𝑚
𝑉 (27)
A tabela 2 resume os valores destas propriedades, a 20°C ± 3°C, para as soluções utilizadas
neste trabalho acima mencionadas. É possível constatar que, por se tratarem de soluções aquosas, os
seus valores são próximos dos da água destilada, também presentes na tabela, de modo a facilitar a
comparação. Assim sendo, a viscosidade dinâmica foi considerada como aproximadamente constante
e igual à da água a 20°C, ou seja, de 1,000x10-3 Ns/(m2) (White, 2009).
Tabela 2: Propriedades físicas das soluções estudadas neste trabalho e da água destilada. 1Valores retirados de
Ramos (2014). 2Valores retirados de Laurência (2015).
Solução Massa específica, 𝜌
[g/cm3] Tensão interfacial, 𝛾𝑆𝐿 [mN/m]
Água destilada1 0,998 72,200 ± 0,700
GFP 0,990 73,800 ± 0,040 2
E-coli (1×109 𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠/𝑚𝐿) 0,991 71,793 ± 0,325
E-coli (2×109 𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠/𝑚𝐿) 0,982 61,327 ± 0,203
3.2.2. Caracterização e selecção das superfícies
Nas secções 1 e 2 foi referido que a aplicabilidade dos sistemas de electrowetting é devida à
presença de uma camada dieléctrica isoladora, pensada por Berge (1993) (citado em Cho et al. 2003),
que impossibilita o contacto directo entre a gota condutora e o substrato e que permite a aplicação de
tensões mais elevadas sem a ocorrência de electrólise. Para espessuras demasiado pequenas (abaixo
dos 50m, como relatado por Cooney et al. , 2006) o material dieléctrico pode ceder (ocorrendo o
dielectric breakdown, como denominado na literatura inglesa) e permitir esporadicamente a ocorrência
de electrólise. Porém, a sua espessura não pode ser demasiado grande para não comprometer a
actuação electrostática (Equação 3). Na escolha da espessura do material tem de haver, portanto, um
compromisso para permitir a actuação do campo eléctrico e evitar a electrólise. É possível ter uma ideia
mais fiável da espessura e da tensão indicada a aplicar em cada material através da caracterização da
sua rigidez dieléctrica, propriedade que determina o campo eléctrico máximo a que um material com
uma determinada espessura pode ser sujeito sem que deixe de funcionar como isolante. Esta grandeza
diminui com o aumento da espessura, da temperatura e da frequência (Kim et al., 2007).
Na sequência de trabalhos anteriores (Ramos 2014, Laurência 2015), o material utilizado como
dieléctrico na configuração da figura 18 é o Teflon (PTFE), com uma espessura de 10 µm (Tabela 3).
Para aumentar a hidrofobicidade do Teflon, os ensaios realizados consideraram também o uso de Teflon
revestido com uma camada uniforme de Glaco©, um composto comercial de perfluoroalcalitriclorosilano
combinado com ácido carbónico contendo um solvente fluorinado, de modo a tornar a superfície mais
hidrofóbica (Kato et al., 2008).
36
Na secção do Estado da Arte foi feito um levantamento bibliográfico dos principais materiais
usados em ensaios experimentais com chips em estudos sobre electrowetting, usando a configuração
com eléctrodos coplanares (subsecção 3.1.2.). Combinando essa lista com os materiais que podiam
ser utilizados pelo INESC-MN no âmbito deste trabalho, escolheram-se três materiais diferentes, para
serem analisados de forma a seleccionar o mais adequado a usar na configuração final dos chips
microfluídicos: Polidimetilsiloxano (PDMS), SU8 resist e Nitrato de Silício (Si3N4), com as espessuras
apresentadas na tabela 3.
Tabela 3: Espessuras dos dieléctricos em estudo.
Dieléctrico Teflon (PTFE) PDMS SU8 resist Si3N4
Espessura [µm] ≈ 10 ≈ 30,0 ≈ 10,0 ≈ 0,4
As propriedades destas superfícies recolhidas na literatura encontram-se resumidas na tabela
4, de modo a auxiliar na selecção do material dieléctrico a usar no chip microfluídico. As espessuras
usadas neste trabalho nem sempre são concordantes com as mais usadas na literatura, devido a
limitações do processo de deposição dos materiais que estava disponível no INESC-MN.
Tabela 4: Propriedades dos materiais em estudo (Melai et al. 2009, Liu et al. 2010, Kumar & Sharma 2012).
Dieléctrico Teflon (PTFE) PDMS SU8 resist Si3N4
Rigidez dieléctrica [kV/mm] 60 21,2 440 500
Constante dieléctrica 2,1 2,3-2,8 3 7,5
Tensão aplicada (DC) [V] <300 ± 500 ± 80 >40
Espessura típica [µm] 25-50 38 2-15 0,15
Ângulo de contacto da água [°] 120 120 84 30
Pela análise da tabela 4, pode concluir-se que, das superfícies propostas para o estudo do chip,
apenas o PDMS é hidrofóbico e a sua espessura (Tabela 3) é próxima daquela tipicamente utilizada
nos trabalhos revistos na bibliografia. Contudo, o SU8 resist apresenta uma espessura mais próxima
da pretendida (por comparação com a bibliografia) e possui uma rigidez dieléctrica superior. A
desvantagem desta superfície é a de não ser hidrofóbica. Para tentar contornar esta limitação, testou-se
também a aplicação de Glaco© nos materiais a serem utilizados nos chips. Antes de serem aplicados
nos chips de teste estes materiais foram depositados sobre pedaços de wafer de silício e as superfícies
resultantes foram caracterizadas em termos de molhabilidade com todas as soluções utilizadas,
medindo-se os ângulos estáticos e os quasi-estáticos. Os resultados obtidos nestas medições são úteis
para definir a metodologia de selecção da configuração final dos chips microfluídicos, pelo que serão
apresentados e discutidos em detalhe no capítulo 4. Estas superfícies foram também caracterizadas
em relação à sua topografia, usando um perfilómetro DekTak 3 (Veeco), com uma resolução de 20 nm
na medição da variação de amplitude vertical e seguindo os procedimentos descritos, por exemplo em
Moita e Moreira (2007) e Moreira et al. (2010). A topografia foi quantificada pela rugosidade média
aritmética, 𝑅𝑎, pela raiz da rugosidade média quadrática, 𝑅𝑞, pela rugosidade máxima de vales, 𝑅𝑣, e
de picos, 𝑅𝑝 , e pela rugosidade máxima de pico para vale, 𝑅𝑡 (Gadelmawla et al., 2002). Visto que
todos os valores estão dentro da resolução máxima de 20 nm, acima referida, a rugosidade das
superfícies estudadas é considerada negligenciável.
37
3.2.3. Medição dos ângulos de contacto estáticos com e sem
actuação electrostática
Os ensaios para a medição dos ângulos de contacto estáticos das gotas foram realizados no
interior da câmara Perspex, montada na base do tensiómetro já descrito na secção 3.1. (Figura 17),
previamente saturada com o líquido em estudo, à temperatura ambiente (20°C ± 3°C). As medições
foram realizadas usando o método da gota séssil (Cheng et al., 1990). Para cada fluido usado neste
estudo (água, soluções de GFP e de E-coli), gotas com um volume entre 1 a 3 µm, são depositadas
em cada uma das superfícies em estudo (Tabela 4). A câmara acoplada ao microscópio do tensiómetro
grava um conjunto de 120 imagens da gota depositada sobre a superfície, com intervalos de 80 ms.
Estas imagens são posteriormente tratadas pelo software One Attension, que aplica o algoritmo de
contorno da gota e aproxima a curva resultante da detecção do perfil da gota à equação de Young-
Laplace. O valor do ângulo de contacto é definido, para cada uma das imagens obtidas, pela medição
do ângulo formado entre o sólido e a tangente à superfície da gota, para ambos os lados (Figura 27a).
O software apresenta, para cada imagem, o ângulo medido à esquerda, à direita e a média dos dois
(Figura 27b). Por fim, o ângulo é calculado pela média destes pontos.
A incerteza na medida do ângulo é, segundo o manual do equipamento, de ±1º
(http://www.paralab.pt/sites/default/files/pdf/703D.pdf). Porém a incerteza apresentada nas medidas
discutidas no capítulo 4 depende da homogeneidade das superfícies sendo, por isso, em alguns casos
superior. Esta medição é repetida em diferentes regiões de cada superfície, pelo menos cinco vezes,
sendo o valor final do ângulo a média desses cinco ensaios.
(a)
(b)
Figura 27: Medição dos ângulos de contacto estáticos (esquerdo e direito) a partir da linha de base e da
tangente à gota pelo software One Attension. (a) Em esquema. (b) Visualizado no software.
38
Para os ensaios de medição da variação do ângulo de contacto estático sob actuação
electrostática, isto é, para obter a relação entre o ângulo de contacto estático e a tensão aplicada, o
método de medição usado é idêntico. Porém, as imagens da gota só são captadas depois de lhe ser
aplicada uma dada tensão, ou seja, depois do eléctrodo de tungsténio ser colocado em contacto com
a gota. Os ensaios realizam-se para valores de tensão entre 0 V e 230 V, com incrementos de 25 V. A
curva final da variação do ângulo de contacto estático com a tensão aplicada, 𝜃 = 𝜃(𝑉), resulta da
média de pelo menos 6 curvas obtidas em condições experimentais semelhantes, partindo de valores
do ângulo de contacto para 0 V idênticos. Em cada ensaio a gota é depositada numa região diferente
da superfície.
3.2.4. Medição dos ângulos de contacto quasi-estáticos
Os ângulos quasi-estáticos de avanço e recuo foram também avaliados, por forma a estimar o
valor da histerese, útil na selecção dos materiais a aplicar nos chips microfluídicos. Estas medidas são
também efectuadas no tensiómetro óptico, sob as mesmas condições dos ensaios anteriores (Figura
28). Por conseguinte, para a medição dos ângulos quasi-estáticos de avanço, a gota é depositada sobre
a superfície, sendo o caudal de líquido que alimenta a gota controlado, por forma a fazer variar o seu
volume muito lentamente, conduzindo ao avanço da linha de contacto. O ângulo quasi-estático de
avanço é então o primeiro ângulo medido aquando do avanço da linha de contacto. O ângulo quasi-
estático de recuo é medido da mesma forma, mas agora controlando a sucção de líquido para que o
volume da gota diminua. Este procedimento encontra-se detalhadamente descrito, por exemplo por
Extrand (1998) e é ilustrado na figura 8.
(a) (b)
Figura 28: Medição, no One Attension, dos ângulos de contacto quasi-estáticos (a) de avanço e (b) de recuo.
3.2.5. Medição do diâmetro de espalhamento da gota sob
actuação electrostática e da velocidade na linha de
contacto
Para além da caracterização estática, neste trabalho é também estudada a resposta dinâmica
da gota durante a actuação electrostática, sendo a evolução temporal do diâmetro de espalhamento
um parâmetro fundamental desta análise dinâmica. Estes ensaios foram realizados, uma vez mais,
39
dentro da câmara Perspex, com as mesmas condições dos restantes ensaios, sendo a evolução do
diâmetro captada usando uma câmara de alta velocidade, como descrito anteriormente (Figura 29a).
As imagens são posteriormente analisadas em MatLab, recorrendo ao processamento descrito por
Laurência (2015) e Valente (2015), ilustrado na Figura 29b.
(a) (b)
Figura 29: (a) Imagens captadas pela câmara de alta velocidade através do software Phantom. (b) Análise das
imagens no MatLab.
Nos ensaios usando o eléctrodo de tungsténio, a gota é depositada sobre a superfície e
actuada com as tensões de 175 V, 200 V, 220 V e 230 V. A avaliação da resposta de cada tensão é
feita depositando uma nova gota numa região diferente da superfície. A resposta da gota é registada
pela câmara de alta velocidade e as imagens processadas para obter a evolução temporal do diâmetro
de espalhamento D/D0(t), sendo D0 o diâmetro inicial da gota depositada (sem actuação). As curvas
finais apresentadas no capítulo 4 resultam da média de cerca de seis ensaios, realizados para cada
uma das tensões analisadas.
Para os ensaios realizados com os chips com eléctrodos coplanares, avaliaram-se as diversas
configurações, o efeito das propriedades do material dieléctrico e o efeito das propriedades das
soluções testadas no diâmetro de espalhamento para as tensões de 200 V, 215 V, 230 V e 245 V. Para
cada configuração, solução e tipo de material, os ensaios são realizados, para cada tensão aplicada,
fixando o valor da tensão e variando a frequência entre os 50 Hz e os 400 Hz, em incrementos de
50 Hz. Deste modo, é possível representar a evolução do diâmetro de espalhamento com a tensão e
com a frequência aplicadas, sendo as curvas apresentadas no capítulo 4, resultantes da média de três
ensaios realizados em condições experimentais semelhantes. Os intervalos de tensão aplicada e
frequência foram seleccionados para garantir que se observava uma resposta evidente da gota à
actuação, evitando a ocorrência de electrólise, que danifica a superfície do material dieléctrico, podendo
em casos extremos inutilizar o chip testado.
O diâmetro de espalhamento é apresentado na sua forma adimensional, ou seja, é dividido
pelo diâmetro inicial da gota depositada (𝐷(𝑡)/𝐷0), por forma a eliminar efeitos da variação do diâmetro
inicial na análise dos resultados. Os valores de diâmetro inicial medidos na totalidade dos ensaios
estiveram compreendidos entre os 1,298 e 2,831 mm.
Nos ensaios usando os chips microfluídicos, para além do diâmetro de espalhamento da gota
é também importante avaliar a velocidade de deslocamento da linha de contacto. Esta velocidade é
40
calculada através do quociente entre o deslocamento, Δx e o tempo decorrido, Δt. O deslocamento é a
diferença entre os diâmetros final e inicial da gota, para um dado Δt. A velocidade obtida corresponde
à média de 3 ensaios realizados em condições experimentais semelhantes.
3.2.6. Avaliação da adsorção das proteínas no substrato por
microscopia confocal
Na análise à adsorção por parte das proteínas e das células ao substrato, o procedimento é
seguido por forma a avaliar a adsorção activa e/ou passiva. Laurência (2015) demonstrou a ocorrência
adsorção principalmente passiva (sem actuação electroestática) da proteína GFP em Teflon, e sugere
que a adsorção pode ser promovida pela actuação, apesar deste efeito ser muito ténue. Neste trabalho
utiliza-se o mesmo método de Laurência (2015) para avaliar a possível ocorrência de adsorção passiva
e/ou activa das suspensões celulares nas superfícies testadas. Para avaliar a adsorção passiva, pelo
menos seis gotas da solução são depositadas sobre a superfície, em condições ambientais controladas,
no interior da câmara de Perspex, durante 10 minutos. De seguida, o líquido é removido com papel
absorvente e a superfície é visualizada no microscópio confocal. A adsorção da proteína/célula deixa
uma pegada fluorescente revelando as zonas onde as gotas foram depositadas (Figura 30). Este
procedimento é repetido para avaliar a adsorção activa, mas neste caso, as gotas são actuadas com o
eléctrodo de tungsténio, com tensões crescentes em intervalos de 25 V, entre 0 V e 230 V. De seguida,
as imagens obtidas pelo software do microscópio, LASX (Leica Application Suite X), são convertidas
para escala de cinzentos (8 bits), usando o software ImageJ, de modo a destacar a pegada da gota do
resto da superfície (Figura 31). Para reduzir o ruído da imagem e as incertezas, o valor médio de
cinzentos da imagem de fundo, 𝑀𝑒𝑎𝑛𝑏𝑎𝑐𝑘𝑔𝑟𝑜𝑢𝑛𝑑, é multiplicado pela área da gota considerada, 𝐴𝑟𝑒𝑎𝑔𝑜𝑡𝑎,
e este valor é subtraído à densidade integrada da pegada da gota (Equação 28). A densidade integrada
é obtida multiplicando o valor médio de cinzentos da pegada, 𝑀𝑒𝑎𝑛𝑔𝑜𝑡𝑎, pelos pixel seleccionados. O
valor que determina a adsorção verificada é designado por Fluorescência Total Corrigida da Gota
(FTCG) e permite comparar as diferentes gotas através da intensidade da fluorescência de cada uma
(Laurência 2015).
𝐹𝑇𝐶𝐺 = 𝑀𝑒𝑎𝑛𝑔𝑜𝑡𝑎×𝐴𝑟𝑒𝑎𝑔𝑜𝑡𝑎 − 𝑀𝑒𝑎𝑛𝑏𝑎𝑐𝑘𝑔𝑟𝑜𝑢𝑛𝑑×𝐴𝑟𝑒𝑎𝑔𝑜𝑡𝑎 (28)
Valores mais elevados de FTCG correspondem a uma maior adsorção do componente
biológico na superfície.
41
Figura 30: Software usado na detecção da fluorescência nas superfícies.
(a) (b)
Figura 31: (a) Software ImageJ e resultados obtidos. (b) Imagem convertida em escala de cinzentos pelo
ImageJ.
3.3. Quantificação de incertezas
3.3.1. Medição da tensão superficial, ângulos de contacto
estáticos e quasi-estáticos
Na utilização do tensiómetro óptico para determinação da tensão superficial, existe um erro
associado de ± 0,01mN/m e na medição dos ângulos de contacto estáticos e quasi-estáticos, existe um
erro de ± 0,1º, ambos previstos pelo manual do aparelho de medida. É ainda importante salientar que
42
o erro associado à rugosidade das superfícies introduz um desvio médio de 3,52° nos ângulos de
contacto estáticos e quasi-estáticos.
3.3.2. Medição do diâmetro de espalhamento
As medições do diâmetro de espalhamento da gota são todas efectuadas em pixel, através da
definição da fronteira da gota e do cálculo da distância que define o diâmetro (Figura 31a). A incerteza,
neste caso, está associada a esta determinação da fronteira que separa a gota e o a imagem de fundo
(background) e que corresponde, em média, a cerca de ±2 pixel de incerteza. Estas medições em pixel
são posteriormente convertidas pelo código desenvolvido em MatLab em milímetros, através de uma
calibração que é feita captando uma imagem de papel milimétrico. A esta calibração corresponde a
mesma incerteza de ±2 pixel.
Com estas medições, o diâmetro tem associado um erro relativo, 𝑒(%), que pode ser calculado
através da seguinte equação:
𝑒(%) =𝛥𝐷𝑔𝑜𝑡𝑎
𝐷𝑔𝑜𝑡𝑎
×100 = √(𝛥𝐶𝑓
𝐶𝑓
)
2
+ (2𝑒𝑑𝑔𝑜𝑡𝑎
𝐷𝑔𝑜𝑡𝑎 ∗ 𝐶𝑓
)
2
×100 (29)
onde 𝛥𝐶𝑓 é o erro relativo cometido na calibração com o papel milimétrico e 𝑒𝑑𝑔𝑜𝑡𝑎 é o erro da
definição da fronteira da gota, já supraenunciados. O factor de calibração usado para a correspondência
pixel-milímetros, 𝐶𝑓, é de 45 pixel/mm.
Para as gotas utilizadas ao longo deste trabalho que têm um volume de em média 3 µl, obteve-
se um erro relativo de 6,50%.
3.3.3. Medição da velocidade da linha de contacto
Os erros existentes na medição da velocidade da linha de contacto são devidos à incerteza
associada ao cálculo do seu deslocamento, Δx. Sendo Δx a diferença entre os diâmetros final e inicial
da gota, estabelecidos para um dado Δt, a incerteza dependerá também neste caso da definição da
fronteira da gota no MatLab e da calibração com o papel milimétrico. A incerteza existente na
determinação do deslocamento é de 1,519 µm, duas ordens de grandeza abaixo dos valores típicos
obtidos.
3.3.4. Análise de adsorção
Como já foi referido no procedimento experimental, a análise das imagens retiradas do
microscópio confocal para avaliar a possível adsorção dos componentes biológicos nas superfícies é
efectuada contabilizando a intensidade de fluorescência baseada nos níveis de cinzentos na área da
pegada da gota. Visto que a área que se pretende estudar é delineada de forma manual, é introduzido
um erro relativo de, aproximadamente, 9,35%. Este erro provém da diferença da área medida
manualmente no software ImageJ e a área calculada pelo programa do MatLab.
43
4. Resultados e discussão
Os resultados apresentados neste capítulo podem dividir-se essencialmente em duas fases. A
primeira fase consistiu na selecção dos materiais dieléctricos a utilizar nos chips, entre a lista
apresentada na subsecção 3.2.2., realizada após levantamento bibliográfico dos materiais
comummente utilizados em chips para ensaios de electrowetting. A selecção dos materiais é, assim,
suportada pela análise da molhabilidade de todos os pares líquido superfície em estudo. No seguimento
das observações apresentadas por Laurência (2015) e Moita et al. (2016) é também importante analisar
a propensão dos materiais dieléctricos para adsorverem os componentes biológicos das soluções
estudadas, que aumentam localmente a molhabilidade das superfícies, limitando o movimento de recuo
da gota e, consequentemente a sua deslocação. Finalmente, ainda nesta primeira fase de projecto dos
chips para fabrico, é importante caracterizar à priori a resposta dos biofluidos à actuação electrostática
e avaliar antecipadamente o efeito de alguns factores que podem afectar o espalhamento da gota
(nomeadamente relacionados com as propriedades das soluções e/ou das superfícies dos materiais
dieléctricos) para poder verificar se a gama de valores estimada é adequada para dimensionar a largura
dos eléctrodos e a distância entre eles. Esta análise é particularmente relevante no caso das gotas de
suspensões celulares, uma vez que existe muito pouca informação disponível na literatura sobre a
dinâmica de gotas deste tipo de soluções. Este estudo é realizado usando uma configuração
simplificada, descrita no capítulo 3, usando um eléctrodo de tungsténio e um contra eléctrodo de cobre.
A segunda fase do trabalho apresenta os resultados obtidos nos testes dos chips fabricados
com base na análise realizada na primeira parte do trabalho. Nesta fase, os resultados apresentados
concentram-se na avaliação do desempenho do chip para o transporte das gotas dos biofluidos aqui
estudados.
Os resultados obtidos são interpretados de modo qualitativo e quantitativo e do ponto de vista
electromecânico, tendo em conta os objectivos do projecto.
4.1. Selecção dos materiais dieléctricos a usar nos
chips microfluídicos
4.1.1. Caracterização dos ângulos de contacto estáticos sem
actuação electrostática
A caracterização da molhabilidade estática é muito importante quando se pretende seleccionar
os materiais a utilizar nos chips. Como foi discutido no capítulo dos fundamentos teóricos, tanto ao nível
dos fenómenos moleculares como do ponto de vista macroscópico, é possível compreender que o facto
de a superfície ser hidrofóbica ou superhidrofóbica deverá facilitar a movimentação da gota em
electrowetting, permitindo um maior espalhamento durante a actuação e uma maior retração após a
44
actuação, para a mesma tensão aplicada, em relação a uma superfície hidrofílica. Como tal, foram
medidos os ângulos de contacto estáticos sem actuação para as soluções utilizadas neste trabalho e
para a água destilada, que é usada como fluido de referência. Em estudos anteriores (Ramos 2014,
Laurência 2015, Moita et al. 2016), não se registaram alterações significativas do ângulo estático para
diferentes concentrações das soluções, pelo que se apresentam aqui apenas os resultados obtidos
para a solução com células E-coli com 1×109 𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠/𝑚𝐿 de concentração.
Os resultados obtidos apresentam-se na tabela 5, onde é possível verificar que os ângulos de
contacto medidos para os três fluidos na mesma superfície são muito semelhantes entre si, estando as
diferenças observadas relacionadas com variações nas condições experimentais associadas,
nomeadamente, à histerese e à heterogeneidade química das superfícies em estudo.
Tabela 5: Ângulos de contacto estáticos em equilíbrio medidos para diferentes superfícies e soluções. 3Valores
retirados de Laurência (2015).
Revestimento dieléctrico Ângulo de contacto [°]
Água destilada E-coli GFP
Teflon (PTFE) 112 ± 5 3 103 ± 6 121 ± 6 3
Teflon com Glaco© 145 ± 1 3 141 ± 9 153 ± 3
Polidimetilsiloxano (PDMS) 121,0 ± 0,7 112 ± 1 119,5 ± 0,4
PDMS com Glaco© 153 ± 3 153 ± 2 155 ± 3
SU8 resist 67,1 ± 0,7 65 ± 2 71,8 ± 0,2
SU8 com Glaco© 160 ± 7 162 ± 1 153 ± 4
Nitrato de Silício (Si3N4) 64,1 ± 0,7 59 ± 4 65 ± 2
Os valores da tabela 5 confirmam que apenas as superfícies com SU8 resist e Si3N4 são
hidrofílicas, sendo as restantes hidrofóbicas. Os ângulos de contacto mais elevados foram registados
para o PDMS (~121º). As superfícies sujeitas ao tratamento superficial (Teflon, PDMS e SU8) chegam
a ficar superhidrofóbicas, com ângulos a atingir os 162º, confirmando os resultados relatados
anteriormente por Laurência (2015) e Moita et al. (2016).
Apesar dos resultados do ângulo de contacto com a água destilada diferirem, em média, cerca
de 20% dos valores apresentados na tabela 4, ambos caracterizam as superfícies pelo mesmo regime
de molhabilidade.
Tal como supramencionado, os microchips, fabricados no INESC-MN, apenas podem ser
revestidos com PDMS, SU8 resist e Si3N4, pelo que da lista de materiais apresentada na
subsecção 3.2.2. só se testaram estes. O Teflon e respectivo tratamento superficial servem de estudo
para a actuação electrostática usando a instalação experimental da figura 18 de forma a dar
continuidade ao trabalho realizado por Ramos (2014) e Laurência (2015).
45
4.1.2. Análise da histerese
A obtenção de ângulos estáticos elevados é uma característica essencial que tem de ser
verificada nas superfícies a utilizar nos ensaios de electrowetting, dado que é indicativa da
hidrofobicidade das superfícies com as gotas dos líquidos que se pretende transportar. Porém, de
acordo com os fundamentos teóricos introduzidos no capítulo 2, esta medida é habitualmente
insuficiente para caracterizar a molhabilidade da superfície, não fornecendo nenhuma informação sobre
o movimento de recuo da gota ou sobre a dissipação de energia na linha de contacto, durante o seu
movimento. Esta dissipação de energia pode implicar a não retracção da gota quando a actuação é
interrompida, o que neste trabalho é um factor importante a ter em conta de modo a assegurar o
transporte da gota nos chips. Para além disto, como referido na secção do estado da arte, recentemente
foi reconhecido que a medição do ângulo de contacto não é suficiente para classificar as superfícies
quanto à sua hidrofobicidade, sendo necessário complementar com a avaliação da histerese, isto é, da
diferença entre o ângulo de avanço e recuo (Li & Amirfazli, 2007). Assim sendo, realizou-se uma análise
da histerese das superfícies para as mesmas soluções da subsecção anterior (Figura 32).
Figura 32: Histerese medida para diferentes superfícies e soluções.
Apesar de apresentarem elevados ângulos de contacto estáticos, observados na subsecção
anterior e desejáveis à aplicação em estudo, as superfícies com PDMS e Teflon apresentam valores
de histerese muito elevados, o que implica uma maior adesão das gotas a estes substratos e, por isso,
uma maior dissipação de energia na linha de contacto, resultando numa menor retracção da gota
quando a aplicação de tensão é interrompida.
A aplicação de Glaco© nas superfícies teve como objectivo diminuir estes valores de histerese
e, consequentemente, a dissipação de energia na linha de contacto. Verificou-se assim uma redução
em média de cerca de 27% deste valor, sendo maior no caso do SU8 (cerca de 57%). Por outro lado,
a aplicação deste tratamento ao SU8 resist deveu-se ao facto de estar no limiar da hidrofobicidade e,
como já discutido anteriormente, de ser o material mais dentro da espessura pretendida para aplicações
46
de EWOD e possuir uma rigidez dieléctrica superior, sendo por isso um material que seria importante
usar no fabrico dos chips de teste.
4.1.3. Análise da adsorção
A análise da adsorção é realizada no microscópico confocal que detecta a pegada da gota
deixada na superfície pela sua fluorescência. Laurência (2015), após comparar a pegada de gotas de
soluções de GFP em superfícies de Teflon, com e sem o tratamento superficial com Glaco©, concluiu
que a FTCG é consideravelmente mais baixa para a superfície tratada com o Glaco©, ou seja, o
tratamento superficial reduz a adsorção da proteína. Também foi constatado que, apesar de se verificar
uma maior FTCG no caso das gotas actuadas, isto estaria relacionado com o facto da área da gota em
contacto com a superfície ser maior. No presente estudo, pretende-se averiguar se a solução de
bactérias E-coli se comporta da mesma forma que a solução proteica de GFP e se o aumento da
concentração das células influencia a sua adsorção.
A figura 33 apresenta os valores de FTCG obtidos para gotas de soluções de E-coli com 2
concentrações distintas (1×109𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠/𝑚𝐿 e 2×109𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠/𝑚𝐿), depositadas na superfície de Teflon,
com e sem aplicação de Glaco©.
Os resultados experimentais apresentados na figura 33 e as imagens da figura 34 obtidas no
microscópio confocal confirmam o aumento da adsorção no caso da solução com bactérias E-coli de
concentração superior (2×109𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠/𝑚𝐿), com ou sem actuação.
Concordantemente com a análise de Laurência (2015), o valor de FTCG diminui com a
aplicação de Glaco© no Teflon, tanto para gotas não-actuadas (Figura 33a) como actuadas
(Figura 33b). No entanto, contrariamente às observações relatadas por Laurência (2015), neste
trabalho verifica-se que a contaminação com as suspensões celulares é substancialmente superior
após a actuação electrostática, dado que os valores do FTCG para as pegadas das gotas actuadas
são essencialmente uma orderm de grandeza superiores aos calculados para as pegadas das gotas
não atuadas. A diferença na intensidade da fluorescência é, aliás, visível nas imagens apresentadas
nas Figuras 34b e 35. A interpretação mais detalhada deste resultado exige o aprofundamento do
estudo dos mecanismos de adsorção que está fora do âmbito da presente dissertação, sendo um
interessante objecto de estudo no futuro.
47
(a) (b)
Figura 33: FTCG verificada para diferentes superfícies com gotas de E-coli de diferentes concentrações
electrostaticamente (a) não actuadas e (b) actuadas.
(a) (b)
Figura 34: Imagens das pegadas das gotas de E-coli (actuadas) com concentração de (a) 1×109 𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠/𝑚𝐿 e
(b) 2×109 𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠/𝑚𝐿.
Figura 35: Pegada de gota de E-coli (2×109 𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠/𝑚𝐿) não actuada.
48
Confirmada a ocorrência de adsorção também para as suspensões celulares, é importante
verificar a propensão dos materiais dieléctricos, que serão usados no fabrico dos chips, para serem
contaminados, tanto pelas proteínas como pelas células, sendo este resultado naturalmente importante
na selecção final dos materiais a serem usados nos chips, pelas razões já mencionadas. A figura 36
apresenta os valores de FTCG obtidos para ambos os tipos de soluções (proteica e com células).
(a)
(b)
Figura 36: FTCG verificada para diferentes superfícies com gotas não actuadas de (a) E-coli de diferentes
concentrações e (b) GFP.
O aumento da concentração das células promove ligeiramente a sua adsorção, como
confirmado pelos valores superiores do FTCG (Figura 36a). Os resultados são consistentes no que diz
respeito a aferir que o PDMS e o Si3N4 são as superfícies onde se observa menor e maior adsorção,
respectivamente. Apesar deste facto poder estar associado, uma vez mais, ao carácter hidrofóbico do
PDMS, a diferença verificada é significativa, pelo que se eliminam erros associados à diferença da
área.
49
Por último, apesar de não se poder comparar quantitativamente a adsorção da proteína e das
células, por serem compostos muito distintos, qualitativamente é possível observar que a adsorção com
gotas de GFP é superior. No caso da solução com E-coli, apenas as células expressam GFP e não a
solução tampão, na qual estas estão suspensas. Este facto permite verificar que, contrariamente à
proteína, que é adsorvida de um modo mais homogéneo em toda a área de pegada da gota, (Figura
37b), as células concentram-se maioritariamente ao longo da linha de contacto (Figura 37a). Por outro
lado, a aplicação de Glaco© reduz significativamente a adsorção, tal como verificado por Laurência
(2015). Estes materiais, como anteriormente referido, foram depositados sobre pedaços de wafer de
silício, o que não permitiu o estudo da adsorção activa.
Pela análise efectuada nas secções anteriores e nos últimos parágrafos, é possível concluir
que o substracto mais adequado para a realização de ensaios com o microchip é o PDMS, pois é o
material que apresenta um maior ângulo de contacto, ao mesmo tempo que minimiza a adsorção de
biocomponentes. Porém, também será testado o SU8 resist por ser o material que se pode depositar
com uma espessura mais próxima dos valores recomendados na literatura e por possuir uma rigidez
dieléctrica superior. Apesar de não ser hidrofóbico, o SU8 resist pode ser revestido com Glaco©. Assim
sendo, decidiu-se utilizar superfícies de PDMS e SU8 com posterior aplicação de Glaco© no fabrico
dos chips usados no estudo da resposta dinâmica das microgotas no chip, abordado na secção 4.3.
(a) (b)
Figura 37: Imagens de pegadas, em SU8 resist, de gotas (não actuadas) de (a) E-coli e (b) GFP.
4.2. Caracterização da resposta das gotas à
actuação electroestática com eléctrodo de
tungesténio
Em trabalhos prévios (Ramos 2014, Laurência 2015) foi estudada a resposta de soluções
proteicas, como BSA e GFP, à actuação electrostática, utilizando a configuração da figura 18. Sendo
um dos objectivos desta dissertação testar a viabilidade de se transportarem soluções contendo células
nos chips a desenvolver, torna-se importante repetir toda a análise realizada anteriormente para as
50
suspensões celulares, para analisar os diâmetros de espalhamento e de recuo das gotas e seleccionar
assim a configuração dos chips, em termos da dimensão e disposição dos eléctrodos com base nestes
resultados. Assim sendo, foram efectuados ensaios estáticos, de modo a aferir a variação do ângulo
de contacto com a tensão aplicada e ensaios dinâmicos, que fornecem a evolução temporal do diâmetro
da gota durante a aplicação de diferentes tensões.
A figura 38a representa a variação do ângulo de contacto de gotas com células E-coli, com
concentração 1×109𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠/𝑚𝐿, depositadas em Teflon. O ângulo de contacto diminui à medida que
se vão aplicando valores de tensão, V, sucessivamente mais elevados, o que está qualitativamente de
acordo com a equação de Young-Lippmann (Equação 3). Porém, esta variação torna-se menos
evidente para tensões a partir dos 200 V, sugerindo o gráfico uma tendência para ocorrer a saturação
do ângulo estático, a partir desta tensão. Esta tendência é notória na figura 38b, que compara a variação
teórica do cosseno do ângulo obtido com actuação, prevista pela equação de Young-Lippmann, com a
variação obtida experimentalmente. Os resultados experimentais estão concordantes com a variação
prevista pela equação de Young-Lippmann até aos 215 V. A partir deste valor de tensão, os pontos
experimentais desviam-se da curva teórica, o que confirma a ocorrência de saturação do ângulo de
contacto, que não é prevista pela Equação 3.
(a) (b)
Figura 38: Estudo da variação do ângulo de contacto estático em gotas de suspensões celulares com
concentração de 1×109 𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠/𝑚𝐿, depositadas em Teflon. (a) Variação do ângulo de contacto com a tensão
aplicada. (b) Comparação da variação do cosseno do ângulo de contacto com a equação de Young-Lippmann.
A análise do ponto de vista dinâmico é apresentada na figura 39, que representa a evolução
temporal do diâmetro de espalhamento resultante da actuação electrostática com diferentes tensões.
O instante inicial, imediatamente antes da actuação corresponde a 𝑡 = 0 𝑚𝑠. Efectivamente, o diâmetro
máximo atingido pela gota tende a aumentar com o acréscimo de tensão aplicada, o que era de prever
pela diminuição do ângulo de contacto estático (Figura 38a). A evolução obtida é concordante com a
descrita por Annapragada et al. (2011), apesar destes autores conseguirem observar o espalhamento
da gota para valores de tensão aplicada inferiores às usadas neste trabalho, estando este facto
associado às diferentes condições experimentais consideradas, particularmente à espessura do
material dielétrico e às propriedades dos fluidos em estudo.
51
Figura 39: Evolução temporal do diâmetro de uma gota de solução com E-coli (1×109 𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠/𝑚𝐿) para
diferentes tensões aplicadas.
Como abordado no capítulo dos fundamentos teóricos, a equação de Young-Lippmann pode
ser compreendida também do ponto de vista electromecânico (Figura 11), através de um balanço entre
as forças interfaciais e as componentes da força gerada pelo campo eléctrico (Equação 18). A força
electrostática, 𝐹𝑒, pode calcular-se pela Equação 15. A sua componente horizontal (Equação 16) é
responsável pela diminuição do ângulo de contacto, enquanto que a sua componente vertical
(Equação 17) resiste a esta variação. Com base nesta formulação, Kang (2002) sugere uma possível
justificação do fenómeno da saturação do ângulo de contacto, pois com a diminuição do ângulo de
contacto, aumenta com a sua cotangente e, consequentemente, a intensidade de 𝐹𝑒𝑦, ou seja, quando
o ângulo de contacto é mais pequeno, é exercer uma força consideravelmente maior para aumentar a
molhabilidade. A força electrostática e as suas respectivas componentes são apresentadas na figura
40, onde é possível verificar que para tensões superiores a 150 V a força electrostática vertical começa
a ganhar importância relativa, coerentemente com a proximidade dos valores de tensão para os quais
se começa a observar a saturação do ângulo de contacto. Esta análise está de acordo com a
apresentada em Laurência (2015) para soluções proteicas de BSA.
Por último, a figura 41 apresenta imagens ilustrativas do processo de espalhamento da gota
por actuação electrostática, registadas pela câmara de alta velocidade. Com o auxílio da régua
apresentada a vermelho, é possível verificar que o espalhamento é aproximadamente simétrico, visto
que a actuação é feita por um fio de tungsténio na parte superior da gota, gerando um campo eléctrico
homogéneo em redor da gota.
Os resultados obtidos são qualitativamente concordantes com os apresentados por Laurência
(2015). Porém, e para garantir que o dimensionamento dos chips é realizado considerando
configurações que à partida permitam o transporte, tanto de soluções proteicas como de suspensões
celulares, é conveniente apresentar uma análise quantitativa mais detalhada, comparando o
comportamento das gotas de ambas as soluções. Esta análise, apresentada no subcapítulo seguinte,
52
permite também avaliar atempadamente o efeito das propriedades das soluções no espalhamento da
gota, para prever a eventual inclusão de algum efeito relevante no dimensionamento dos chips de teste.
Figura 40: Forças electrostáticas aplicadas na gota de E-coli depositada numa superfície de Teflon.
(a) (b)
Figura 41: Gota de E-coli em Teflon (a) antes e (b) depois da actuação electrostática.
4.2.1. Efeito das propriedades das soluções
Laurência (2015) concluiu que, embora a tensão superficial diminua ligeiramente em soluções
proteicas com concentrações sucessivamente mais elevadas, não se verifica nenhuma influência
significativa da concentração da solução na forma como o ângulo de contacto varia com a tensão
aplicada nem na evolução temporal do diâmetro de espalhamento. Assim, e verificando-se que a tensão
superficial é igualmente pouco afectada pela concentração das células (Tabela 2) os resultados aqui
apresentados foram obtidos para valores fixos de concentração de 1,71×10−3 𝑚𝑀 e 1×109 𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠/𝑚𝐿
para as soluções com GFP e com células E-coli, respectivamente.
Na sequência deste raciocínio, analisou-se a variação do ângulo de contacto com a tensão
aplicada (Figura 42) e a evolução temporal do diâmetro de espalhamento da gota sujeitas a diferentes
tensões aplicadas (Figura 43) para ambas as soluções em estudo.
53
Figura 42: Variação do ângulo de contacto com a tensão aplicada de diferentes soluções. 4Valores retirados de
Laurência (2015).
(a) (b)
(c) (d)
Figura 43: Evolução temporal do diâmetro de espalhamento das gotas de solução proteica e suspensão celular
para (a) 175 V, (b) 200 V, (c) 220 V e (d) 230 V.
54
Embora a tensão superficial e massa específica não sejam significativamente diferentes para
as duas soluções (Tabela 2), a resposta dinâmica da solução de GFP aparenta ser melhor do que a de
células E-coli, corroborando a hipótese de que, sendo as bactérias maiores que os compostos
proteicos, poderão ser mais difíceis de transportar. Por outro lado, as células possuem uma maior
propensão a aderir à superfície, junto à linha de contacto (como observado na Figura 37) e têm
tendência a aglomerar-se, aumentando a densidade local e acabando por criar resistência ao
movimento do fluido junto da superfície. Esta tendência é evidente na figura 43, onde o diâmetro
máximo registado para as gotas da solução de GFP é, em média, cerca de 7% superior ao atingido
pelas gotas da solução com bactérias, no mesmo intervalo de tempo (de 5 a 10 ms). Este facto não é
tão evidente na análise dos ângulos de contacto, embora seja possível verificar pela figura 42 que a
diferença entre os pontos experimentais para cada solução vai diminuindo. A solução proteica
apresenta uma diminuição do ângulo de 51º, de 0 V para 230 V, enquanto que para a solução com
células E-coli esta redução é apenas de 36º, o que indica que a solução proteica possui uma maior
propensão ao aumento da molhabilidade sob actuação.
4.2.2. Efeito das propriedades da superfície
A equação de Young-Lippmann prevê que, após a actuação, com a anulação do termo
dependente da tensão aplicada, V, o ângulo de contacto retorne a um valor próximo do inicial, de modo
a reequilibrar as tensões interfaciais sólido-líquido-vapor, fazendo diminuir o diâmetro da gota. Pela
observação da figura 43, é possível verificar que a gota, aquando da interrupção da actuação
electrostática, praticamente não recua, o que indica que uma parte significativa da energia de superfície
se dissipa durante o processo de espalhamento. Seguindo as recomendações de Laurência (2015), na
secção 4.1. avaliou-se o efeito na molhabilidade estática da aplicação de um revestimento químico
adicional, o Glaco©, que aumentava a hidrofobicidade do material. Extrapolou-se também que, pela
diminuição da histerese, este revestimento permitiria reduzir a dissipação de energia no espalhamento
da gota, permitindo o recuo da mesma. Estes efeitos são efectivamente confirmados na variação do
ângulo de contacto sob actuação (Figura 44) e na evolução temporal do diâmetro de espalhamento
(Figura 45), tanto para a solução proteica como para a solução com E-coli. Assim, a figura 44 mostra
que aplicação do tratamento superficial fez com que o ângulo de contacto inicial aumentasse em média
35º em ambas as soluções comparativamente com a superfície sem Glaco©. Porém, tal como verificado
por Laurência (2015), os ângulos de contacto finais apresentam uma diferença muito inferior uns entre
os outros, o que comprova que, independentemente do tipo de solução, o Glaco© promove o
movimento da gota. Adicionalmente e do ponto de vista dinâmico, para a superfície de Teflon com
Glaco© verifica-se um maior recuo da linha de contacto da gota para ambas as soluções, evidenciado
pelos picos na variação do diâmetro de espalhamento (Figura 45).
55
Figura 44: Variação do ângulo de contacto com a tensão aplicada para diferentes soluções de duas superfícies
distintas. 5Valores retirados de Laurência (2015).
(a) (b)
(c) (d)
Figura 45: Evolução temporal do diâmetro de espalhamento de diferentes soluções para (a) 175 V, (b) 200 V, (c)
220 V e (d) 230 V.
56
4.3. Caracterização da resposta das gotas nos
chips microfluídicos (actuação em eléctrodos
coplanares)
No final do seu trabalho, Laurência (2015) apresenta recomendações para o dimensionamento
do chip microfluídico, nomeadamente quanto ao posicionamento e dimensão dos elétrodos, tendo por
base a resposta dinâmica de gotas de BSA, uma solução proteica com um comportamento semelhante
ao da solução de GFP. Por outro lado, o estudo apresentado na subsecção 4.2.1. torna-se importante
também no contexto do dimensionamento dos chips a testar, pelo facto de mostrar que as suspensões
celulares têm uma resposta à actuação muito característica, nomeadamente apresentando diâmetros
de espalhamento e de desempenho de recuo menores, quando comparados com os obtidos com as
soluções proteicas. Porém, analisando a totalidade dos resultados, verifica-se que as configurações
dos chips sugeridas serão relevantes para a análise do transporte de gotas de ambas as soluções,
tendo em conta os diâmetros característicos de espalhamento das gotas de ambas as soluções.
Considerando que a solução proteica de GFP apresentava uma resposta mais evidente à actuação
electrostática, optou-se por realizar primeiramente uma análise mais exaustiva do desempenho dos
chips, apenas considerando o transporte de gotas de GFP. Os resultados obtidos relativamente ao
transporte das gotas de solução com E-coli são apresentados apenas na subsecção 4.3.2., onde se
avalia o efeito das propriedades das soluções testadas. Tal como referido anteriormente, para avaliar o
efeito das propriedades de superfície dos materiais dieléctricos, optou-se por usar PDMS e SU8 resist,
sem e com Glaco©. Dado que não foi possível nos ensaios preliminares avaliar algum efeito
potencialmente negativo da aplicação do Glaco© no funcionamento dos chips e sendo este tratamento
irreversível, optou-se primeiramente por analisar o desempenho dos chips com PDMS (pelas razões ja
discutidas na secção 4.1.), discutindo-se especificamente o efeito das propriedades de superfície dos
materiais dieléctricos apenas na subsecção 4.3.3.
A avaliação do desempenho dos chips baseia-se na análise do diâmetro de espalhamento
(adimensionalizado pelo diâmetro inicial da gota depositada) e da velocidade de deslocamento da linha
de contacto, em função da tensão aplicada e da frequência imposta.
Inicialmente, é interessante analisar a variação dos ângulos de contacto, apresentados na
figura 46 em função da tensão aplicada, para diferentes frequências impostas. Este ângulo é medido
numa situação de repouso, após a actuação, estando por isso relacionado com a forma como a gota
se espalhou e recuou durante o transporte entre dois pares de eléctrodos. A título ilustrativo,
apresentam-se os resultados obtidos apenas para gotas da solução de GFP (1,71×10−3 𝑚𝑀),
movendo-se sobre um chip revestido com PDMS, com eléctrodos coplanares interdigitados de 1400 µm
de largura e 60 µm de espaçamento entre si. Sendo medido numa situação quasi-estática, não se pode
considerar um ângulo verdadeiramente estático, embora a sua evolução esteja qualitativamente de
acordo com a equação de Young-Lippmann. Porém verifica-se uma tendência de decréscimo dos
57
valores do ângulo para tensões superiores para as quais se verificava já saturação do ângulo estático,
na análise apresentada no ponto 4.2. As propriedades dieléctricas do material poderão também
influenciar este atraso na ocorrência da saturação dado que, como revisto na subsecção 3.2.2., os
valores de tensão aplicada revistos na literatura usando PDMS são habitualmente superiores aos
aplicados com Teflon. Verifica-se também que a redução do ângulo, para frequências superiores a
200 Hz é mais evidente que para baixas frequências (50 Hz).
O movimento da gota exige a aplicação de valores de tensão superiores a 200 V, o que se
atribui ao facto da configuração do chip em estudo não se encontrar ainda optimizada e às propriedades
da solução em estudo, sendo que a maioria dos estudos em electrowetting considera o uso de soluções
salinas (Cooney et al, 2006). Adicionalmente, o processo de deposição do material dieléctrico não
permite a obtenção de espessuras tão reduzidas como as descritas noutros trabalhos revistos na
literatura. Para tensões aplicadas superiores a 245 V, observa-se frequentemente a rotura do material
dieléctrico que conduz à ocorrência de electrólise da gota, o que está de acordo com diversas
observações relatadas na literatura (Mugele & Baret, 2005, Cooney, 2006).
A evolução temporal do diâmetro da gota para diferentes tensões a 350 Hz está representada
na figura 47. Estes resultados são idênticos aos da secção anterior e aos apresentados por
Annapragada et al. (2011), ou seja, independentemente da configuração, a equação de
Young-Lippmann é qualitativamente respeitada.
Figura 46: Variação do ângulo de contacto com a tensão aplicada para diferentes frequências impostas.
58
Figura 47: Evolução temporal do diâmetro de espalhamento entre pares de eléctrods para diferentes tensões
aplicadas a 350 Hz.
Para avaliar agora com maior detalhe as diferentes respostas que a gota apresenta às
frequências impostas, como sugerido pelos resultados apresentados na figura 46, a figura 48 mostra a
variação temporal do diâmetro da gota actuada, para diferentes frequências impostas e para duas das
tensões testadas (230 e 245 V), pois, para as tensões mais baixas o movimento da gota é mais reduzido
e, consequentemente, mais afectado por heterogeneidades da superfície. Relembre-se que nestes
ensaios se usam sempre chips revestidos com PDMS, com eléctrodos coplanares interdigitados, com
1400 µm de largura e 60 µm de espaçamento entre si. A figura sugere que não existe um recuo da linha
de contacto quando a actuação é interrompida, apesar de se usar PDMS como dieléctrico, superfície
mais hidrofóbica e com menos adsorção neste estudo. Esta forte irreversibilidade tem, portanto, de
estar associada à elevada histerese previamente medida com o PDMS (Figura 32) e que não é
superada pela força eléctrica. Assim sendo, a energia dissipada na linha de contacto durante o
movimento de espalhamento da gota impede o seu recuo, tornando o seu movimento irreversível e
dificultando o transporte da gota ao longo dos eléctrodos subsequentes.
(a) (b)
Figura 48: Variação temporal do diâmetro de espalhamento para as frequências em estudo a (a) 230 V e
(b) 245 V.
59
Coerentemente com a tendência sugerida pela figura 46, verifica-se que para diferentes
tensões aplicadas, o diâmetro de espalhamento da gota é baixo para a menor frequência de 50 Hz,
apresentando um aumento abrupto para frequências compreendidas entre os 100 e os 250 Hz, não
sendo, no entanto, visível uma relação monotónica entre o aumento do diâmetro de espalhamento e o
acréscimo da frequência imposta. Para as frequências mais elevadas (tipicamente superiores a 200 Hz)
observa-se que o espalhamento da gota decorre de forma mais gradual, ocorrendo quase que em
degraus discretos, ao longo do tempo. Assim, a gota espalha-se consideravelmente nos primeiros
instantes de actuação (𝑡 < 50 𝑚𝑠), observando-se um novo espalhamento acentuado já para tempos
superiores a 500 ms. A figura 49 apresenta os valores máximos obtidos para o diâmetro de
espalhamento adimensional e para a velocidade de deslocamento da linha de contacto avaliada a partir
do declive dos gráficos apresentados na figura 48. Verifica-se, efectivamente, uma tendência para estes
valores serem mais elevados quando se impõem frequências entre os 100 e os 250-300 Hz, embora
claramente não exista nenhuma relação linear entre a frequência imposta e o diâmetro (adimensional)
ou a velocidade. Devido à evolução gradual, mas significativa, do diâmetro, observada nas frequências
máximas de 400 Hz na figura 48, os valores máximos de velocidade acabam por ser também
relativamente elevados para esta frequência, embora a resposta temporal seja mais gradual, como
discutido anteriormente. Esta tendência poderá estar relacionada com a frequência de aplicação da
força eléctrica, tal como explicado por Sen et al. (2009). O ciclo de aplicação de frequências mais baixas
não permite vencer a resistência ao movimento associada à dissipação de energia na superfície,
discutida anteriormente. Por outro lado, a resposta da variação do diâmetro acaba por ser mais gradual,
como consequência da imposição de frequências mais elevadas, que vence gradualmente esta
resistência ao movimento da gota.
Como esperado e consistentemente com os resultados que têm vindo a ser apresentados até
aqui, verifica-se que tanto a velocidade na linha de contacto como o diâmetro máximo de espalhamento
aumentam com a tensão aplicada, independentemente da frequência imposta. É também de notar que
da linha a verde (230 V) para a azul (245 V) não existe um aumento tão evidente da velocidade e do
diâmetro, o que pode estar associado a efeitos de saturação do ângulo. A 200 V, a variação destas
grandezas com a frequência imposta é visivelmente inferior à observada para tensões aplicadas mais
elevadas, dado que esta é a tensão limite mínima, a partir da qual se observa uma resposta da gota
nos chips microfluídicos testados neste trabalho.
Deve referir-se que as velocidades obtidas neste trabalho são inferiores às referidas na
literatura por outros autores, tais como Cooney et al. (2006), Fan et al. (2007) ou Sen et al. (2009),
devido às questões que não estão ainda optimizadas nestes chips e às diferenças das propriedades
dos fluidos testados.
60
(a) (b)
Figura 49: Variação (a) da velocidade na linha de contacto da gota e (b) do diâmetro máximo de espalhamento
atingido com a frequência imposta para diferentes tensões aplicadas.
A título ilustrativo, a figura 50 apresenta uma sequência de imagens captadas pela câmara de
alta velocidade, correspondentes à resposta de uma gota de GFP depositada em PDMS num par de
eléctrodos coplanares com diferentes polaridades aquando da aplicação de 245 V de tensão e 50 Hz
de frequência. Ao contrário do constatado na figura 41 (na secção 4.2.), é notório neste caso o
espalhamento direccional da gota que ocorre entre pares de eléctrodos coplanares.
(a) (b)
Figura 50: Gota de GFP em PDMS (a) antes e (b) depois da actuação electrostática.
Após a análise detalhada da resposta da gota para uma configuração específica (chip com
eléctrodos com 1400 µm de largura, espaçados entre si 2a=60 µm), é agora interessante avaliar o
desempenho dos chips, considerando o efeito da configuração (ou seja, variando a largura dos
eléctrodos), das propriedades das soluções e das propriedades das superfícies dieléctricas,
seleccionadas com base na análise efectuada na subsecção 4.1. Por questões práticas relacionadas
com a maior facilidade de visualização dos resultados, esta análise comparativa será baseada na
variação do diâmetro máximo adimensional e da velocidade de deslocamento da linha de contacto, em
função da frequência imposta, para várias tensões aplicadas. Adicionalmente, ao invés da análise
repetitiva e exaustiva da evolução do diâmetro em cada instante de tempo, será somente apresentada
em cada subsecção para uma determinada tensão e frequência (230 V e 350 Hz), de modo a detectar
eventuais recuos da linha de contacto por influência da alteração destas grandezas.
61
4.3.1. Efeito da largura dos eléctrodos
No capítulo dos fundamentos teóricos foram abordadas as recomendações sugeridas por Chen
et al. (2004) e Laurência (2015) relativamente à configuração a utilizar para os chips microfluídicos. É
necessário que gota esteja em contacto com, pelo menos, dois eléctrodos consecutivos e garantir que
a capacitância seja elevada o suficiente para a gota se mover. Por forma a assegurar estes requisitos
e considerando os diâmetros de espalhamento avaliados na secção 4.2. e as restrições inerentes ao
processo de fabrico (que recomenda que o espaçamento entre eléctrodos se mantenha o menor
possível), seleccionaram-se como configurações de teste para avaliar o efeito da largura dos
eléctrodos, quatro configurações distintas, com espaçamento entre eléctrodos fixo, 2a=60 µm e com
largura de elétrodos, w, de 120, 800, 1200 e 1400 µm. Mantendo a consistência com os resultados
anteriores, esta análise apresenta-se para chips revestidos com PDMS, transportando gotas da solução
de GFP (1,71×10−3 𝑚𝑀).
O gráfico da figura 51 mostra que, independentemente da largura dos eléctrodos, não existe
recuo da linha de contacto, pelas razões já discutidas anteriormente. É, no entanto, evidente que todas
as configurações permitem um espalhamento elevado da gota entre eléctrodos, à excepção da
configuração que usa os eléctrodos mais finos (w=120 µm). Verifica-se também que a evolução mais
homogénea do diâmetro de espalhamento ao longo do tempo ocorre para a configuração com a largura
de eléctrodos w=1200m, observando-se um aumento gradual, para diversos intervalos de tempo, para
as restantes configurações.
Figura 51: Evolução temporal do diâmetro entre pares de eléctrodos de diferentes larguras a 230 V e 350 Hz.
Consequentemente, de um modo geral, a velocidade de deslocamento da linha de contacto
(Figura 52) e o diâmetro de espalhamento (Figura 53), em função da frequência imposta são idênticas
para todas as configurações testadas, à excepção daquela com os eléctrodos mais finos (w=120 µm),
62
embora para a maioria das tensões aplicadas os valores máximos, principalmente obtidos para o
diâmetro de espalhamento, sejam mais elevados para o chip com eléctrodos de largura w=1200 µm.
(a) (b)
(c) (d)
Figura 52: Variação da velocidade na linha de contacto da gota com a frequência imposta para chips com
eléctrodos de diferentes larguras a (a) 200 V, (b) 215 V, (c) 230 V e (d) 245 V.
(a) (b)
63
(c) (d)
Figura 53: Variação do diâmetro máximo adimensional com a frequência imposta para chips com eléctrodos de
diferentes larguras a (a) 200 V, (b) 215 V, (c) 230 V e (d) 245 V.
4.3.2. Efeito das propriedades das soluções
Visto que um dos objectivos secundários do presente trabalho consiste em averiguar a
viabilidade dos chips fabricados serem utilizados para transportar suspensões celulares, é relevante
discutir esta viabilidade. Os ensaios realizados neste contexto consideraram o uso de chips revestidos
com PDMS, com eléctrodos de largura w=1200 µm, por ser a configuração que apresentou melhor
desempenho no transporte das gotas da solução de GFP, como discutido nos parágrafos anteriores.
A figura 54 compara o diâmetro de espalhamento entre dois eléctrodos de uma gota de GFP
(1,71×10−3 𝑚𝑀) com uma gota de solução com E-coli (1×109 𝑐é𝑙𝑢𝑙𝑎𝑠/𝑚𝐿). Em concordância com os
resultados apresentados na subsecção 4.2.1., o diâmetro de espalhamento da gota de solução proteica
é significativamente superior. Consequentemente, a velocidade de avanço da linha de contacto (Figura
55) e o diâmetro de espalhamento (Figura 56), em função da frequência imposta, para diferentes
tensões aplicadas é também significativamente superior para a gota de solução proteica.
64
Figura 54: Evolução temporal do diâmetro de espalhamento para diferentes soluções a 230 V e 350 Hz.
(a) (b)
(c) (d)
Figura 55: Variação da velocidade na linha de contacto da gota com a frequência imposta para diferentes fluidos
a (a) 200 V, (b) 215 V, (c) 230 V e (d) 245 V.
65
(a) (b)
(c) (d)
Figura 56: Variação do diâmetro máximo de espalhamento com a frequência imposta para diferentes soluções a
(a) 200 V, (b) 215 V, (c) 230 V e (d) 245 V.
Estes resultados confirmam a maior dificuldade em transportar gotas de suspensões celulares,
embora demonstre que o seu transporte não é inviável nestes dispositivos. A hipótese discutida na
secção 4.2., de que a dificuldade no transporte das gotas poderá estar relacionada com o facto das
bactérias serem maiores que os compostos proteicos e por terem maior propensão a aderir à superfície
junto à linha de contacto, é consistente com a análise apresentada até aqui, mas requer um estudo
mais detalhado do escoamento no interior das gotas, que se recomenda ser realizado em trabalhos
futuros.
4.3.3. Efeito das propriedades da superfície
Apesar da superfície de PDMS ser naturalmente a mais hidrofóbica e com menor propensão
para adosorver as células e as proteínas testadas, é também a que apresenta valores mais elevados
de histerese do ângulo de contacto que, consequentemente, promovia uma elevada dissipação de
energia na superfície durante o espalhamento, não permitindo o recuo da gota. Este efeito foi evidente
em todos os ensaios apresentados até agora. De modo a tentar contornar este problema, testaram-se
66
alternativamente os dieléctricos SU8 resist e PDMS revestidos com Glaco©. Para estes testes usaram-
se chips com eléctrodos de largura w=1200 µm, para transportar gotas da solução proteica de GFP
(1,71×10−3 𝑚𝑀). Devido ao baixo ângulo de contacto medido com todos os fluidos testados, o SU8
resist, sem o revestimento adicional de Glaco©, não permite o movimento da gota, independentemente
da tensão aplicada ou da frequência imposta.
A figura 57 apresenta a evolução temporal do diâmetro da gota actuada, entre pares de
eléctrodos, para as três diferentes superfícies (PDMS, PDMS com Glaco© e SU8 resist com Glaco©),
para uma tensão aplicada de 230 V e uma frequência imposta de 350 Hz.
Figura 57: Evolução temporal do diâmetro de espalhamento entre um par de eléctrodos para diferentes
superfícies dieléctricas, para uma tensão aplicada de 230 V e uma frequência imposta de 350 Hz.
Esta figura mostra claramente o recuo da gota, após atingir o diâmetro máximo (identificado
pela diminuição do valor de D(t)/D0) nas superfícies revestidas com Glaco©. O diâmetro de
espalhamento obtido para a superfície de SU8 resist com Glaco© é, porém, significativamente superior
ao obtido para a superfície de PDMS com Glaco©. Consistentemente com os resultados apresentados
anteriormente, não se observa nenhum movimento de recuo da linha de contacto para as gotas
actuadas nos chips revestidos apenas com PDMS.
As figuras 58 e 59 que mostram a variação da velocidade da linha de contacto e do diâmetro
máximo de espalhamento, respectivamente, em função da frequência imposta e apresentam
consistentemente velocidades de deslocamento e diâmetros de espalhamento mais elevados para as
gotas actuadas sobre o chip revestido com SU8 resist e Glaco©. Este resultado confirma o efeito
benéfico deste revestimento adicional em reduzir a dissipação ocorrida durante o espalhamento da
gota. Deve, porém, considerar-se que a espessura do SU8 resist depositado é muito próxima daquela
frequentemente referida na literatura, contrariamente à obtida na deposição do PDMS sobre os chips
aqui testados. Por outro lado, o SU8 resist possui uma rigidez dieléctrica mais elevada (Liu et al. 2010).
Relembrando a equação de Young-Lippmann, a promoção de condições de molhabilidade mais
67
favorável (aumento da hidrofobicidade e redução da histerese dos ângulos de contacto) compensa
assim o acréscimo de espessura da camada dieléctrica no chip, favorecendo o movimento da gota, no
balanço final destes efeitos. Porém, para o PDMS, os resultados sugerem que a alteração na
molhabilidade não compensa o acréscimo da espessura da camada dieléctrica, o que pode explicar os
piores resultados obtidos para o chip revestido com PDMS e Glaco© (velocidade e diâmetro de
espalhamento das gotas transportadas mais baixos).
(a) (b)
(c) (d)
Figura 58: Variação da velocidade na linha de contacto da gota com a frequência imposta para diferentes
materiais dieléctricos a (a) 200 V, (b) 215 V, (c) 230 V e (d) 245 V.
68
(a) (b)
(c) (d)
Figura 59: Variação do diâmetro máximo atingido com a frequência imposta para diferentes substratos a (a) 200
V, (b) 215 V, (c) 230 V e (d) 245 V.
69
5. Conclusões e propostas para
trabalho futuro
5.1. Conclusões
Esta dissertação teve como principal objectivo desenvolver chips de teste para transportar
gotas de biofluidos sob actuação electrostática, com vista à criação de dispositivos microfluídicos para
a realização de análises clínicas. Estes chips apresentam uma configuração aberta, usando eléctrodos
coplanares interdigitados, como alternativa à configuração fechada mais comummente usada em
ensaios de electrowetting, mas que é pouco prática para a aplicação final desejada, considerando,
entre outras questões, a maior dificuldade de limpeza e manutenção dos dispositivos e o acesso às
amostras a analisar.
Neste contexto, caracterizou-se a resposta dinâmica das gotas de biofluidos, com volumes
compreendidos entre 1 e 3 µl à actuação electrostática em diversos chips de teste fabricados para o
efeito, optimizando a sua configuração e materiais a utilizar, que favorecem o transporte dos biofluidos
testados. Para além de soluções proteicas (neste caso soluções de GFP – Green Fluorescent Protein)
habitualmente utilizadas em diversos estudos apresentados na literatura, testou-se ainda o potencial
destes chips transportarem suspensões celulares, dado que os a maioria dos fluidos fisiológicos
analisados clinicamente contém células. Para esse efeito utilizaram-se suspensões com células E-coli.
As soluções usadas são fluorescentes para permitir a análise de fenómenos de adsorção por
microscopia confocal com fluorescência.
O processo de dimensionamento dos chips considerou diversos passos. Em primeiro lugar,
depois de se fazer um levantamento bibliográfico dos materiais dieléctricos habitualmente usados em
chips para actuação electrostática, considerou-se um conjunto de superfícies a testar, usando os
materiais disponívies neste trabalho. Inicialmente, procedeu-se à caracterização dessas superfícies,
medindo os ângulos de contacto estáticos, quasi-estáticos (de forma a quantificar a histerese) e
aferindo a sua propensão para serem contaminadas por mecanismos de adsorção. Estudos realizados
anteriormente indicam que a deposição de um revestimento químico, o Glaco© sobre os materiais
dieléctricos a testar, aumenta significativamente a hidrofobicidade dos materiais, reduzindo também a
ocorrência de adsorção. Este composto foi assim aplicado, tendo-se verificado após a análise acima
descrita, que os materiais que à priori deveriam ser utilizados no fabrico dos chips seriam o
Polidimetilsiloxano (PDMS) e o SU8 resist revestidos com Glaco©, uma vez que apresentavam maior
hidrofobicidade, menor histerese dos ângulos de contacto e para os quais a adsorção era de facto mais
reduzida. Tendo seleccionado os materiais dieléctricos a usar, foi posteriormente necessário definir as
configurações dos chips para testar, nomeadamente a largura dos electrodos e o espaçamento entre
eles. Embora trabalhos anteriores tivessem fornecido algumas informações indicativas das dimensões
a utilizar, foi necessário proceder a alguns ensaios preliminares para avaliar a resposta dinâmica dos
70
biofluidos utilizados, para avaliar, por exemplo os diâmetros de espalhamento das gotas. Esta
investigação preliminar foi particularmente importante para caracterizar a resposta das gotas de
suspensões celulares dada a rara informação disponível na literatura. Para estes ensaios utilizou-se
uma configuração simplificada para realizar os ensaios, recorrendo a um eléctrodo de tungsténio e a
um contra-eléctrodo de cobre, no seguimento de trabalhos anteriores. Terminados os ensaios e
avaliando os diâmetros de espalhamento resultantes da aplicação de tensões eléctricas entre 0 e 230 V
optou-se por testar diversas configurações, com eléctrodos coplanares de largura variável com valores
compreendidos entre 120 e 1400 µm e uma distância fixa entre eles de 60 µm. Para além de permitir a
definição das configurações a testar, estes ensaios permitiram concluir que as suspensões celulares
apresentam um comportamento semelhante ao das soluções proteicas em termos de espalhamento
sob actuação electrostática, obedecendo à equação de Young-Lippmann, até tensões de cerca de
215 V, quando começa a ocorrer a saturação do ângulo de contacto, que não é prevista por esta
equação. Apesar de se começar a observar saturação, as gotas respondem com um espalhamento
rápido, para tensões aplicadas entre 215 e 230 V, começando a ocorrer electrólise das soluções a partir
de 245 V, por cedência do material dieléctrico (designada por dielectric break-down na literatura
inglesa). Nota-se, no entanto, quantitativamente que o diâmetro de espalhamento das gotas da
suspensão celular é significativamente inferior ao das gotas de solução proteica.
Os ensaios realizados com os chips fabricados consideraram o efeito da largura dos eléctrodos
e do material dieléctrico previamente seleccionado no desempenho dos chips, avaliado pelo diâmetro
de espalhamento das gotas e pela velocidade de deslocamento da linha de contacto. As tensões
óptimas para o transporte das gotas, tanto das soluções proteicas como das soluções com células
situam-se entre os 215 e os 230 V, estando de acordo com os resultados obtidos com a instalação
simplificada. As velocidades de deslocamento da gota e o diâmetro de espalhamento são globalmente
maiores para frequências superiores a 200 Hz, mas a resposta da gota é mais eficaz a 100 Hz (e, mais
especificamente entre 100 e 250 Hz) notando-se uma resposta mais lenta com um espalhamento mais
gradual para frequências mais elevadas. Este comportamento é atribuído à frequência de aplicação da
força eléctrica necessária para vencer a resistência oferecida pelas forças de adesão e a dissipação
de energia de espalhamento na linha de contacto que é elevada e proporcional à grande histerese dos
ângulos de contacto medida neste material (PDMS). Esta dissipação de energia ocorrida durante o
espalhamento limita assim o movimento de retracção das gotas, impedindo o seu transporte contínuo
ao longo do chip. Esta tendência é concordante com a variação dos ângulos dinâmicos com a aplicação
de diferentes frequências demonstrando uma resposta favorável de redução dos ângulos dinâmicos,
para valores de tensão entre 215 e 245 V, para os quais os ângulos estáticos ja mostram efeitos de
saturação.
Nos chips com SU8 resist e Glaco©, o revestimento permite reduzir a dissipação na superfície,
durante o espalhamento da gota, favorecendo o aumento da sua velocidade. Porém o transporte ao
longo de todo o chip requer uma programação mais complexa dos chips, a realizar num trabalho futuro.
Apesar da molhabilidade desempenhar assim um papel fundamental no transporte das gotas, a
espessura do dieléctrico tem de se manter reduzida (equação de Young-Lippmann). Assim, superfície
71
de PDMS com Glaco© conduziu a resultados piores em termos de transporte da gota, (menores
velocidades e principalmente menores diâmetros de espalhamento) quando comparada com a
superfície de PDMS sem revestimento. Este resultado é atribuído ao facto do aumento da espessura
com a aplicação do tratamento superficial não ser compensado pela rigidez eléctrica do material nem
com o decréscimo da histerese.
Concordantemente com os resultados obtidos na instalação simplificada, as suspensões
celulares são muito mais difíceis de transportar nos chips, apresentando valores inferiores de cerca de
8 % no diâmetro de espalhamento e 64 % na velocidade relativamente às das obtidas nas gotas de
soluções proteicas. Dado que as propriedades físicas das soluções não são significativamente distintas,
esta diferença é atribuídas ao facto das células serem muito maiores que as moléculas da proteína,
afectando localmente o escoamento da gota, principalmente junto à superfície. Por outro lado, as
células têm tendência a aglomerar-se aderindo à superfície preferencialmente na região da linha de
contacto, como observado nos ensaios de adsorção. No entanto é necessário proceder a um estudo
mais detalhado do escoamento no interior da gota para verificar a validade desta hipótese.
No final deste estudo concluiu-se que a configuração mais favorável de microchips para
transporte de biofluidos é a que possui eléctrodos com largura de 1200 µm, revestidos de SU8 com
Glaco© para a solução de GFP. Esta configuração não está ainda optimizada, como se verifica pelas
velocidades de transporte das gotas, que são ainda relativamente baixas comparativamente aos
valores encontrados na literatura, embora estes últimos sejam frequentemente obtidos no transporte
de gotas de soluções salinas.
O trabalho desenvolvido ao longo desta dissertação deu origem a um artigo científico (Mata et
al. 2016) que foi apresentado na ILASS 2016 (27th International Conference on Liquid Atomization and
Spray Systems).
5.2. Propostas para trabalho futuro
O trabalho realizado nesta dissertação demonstra um pouco o elevado potencial da utilização
dos chips microfluídicos no transporte de gotas biofluidos. Porém, este é o ponto de partida para
desenvolver os primeiros chips, que necessitam agora de ser optimizados em diversas vertentes. Um
dos aspectos fundamentais a melhorar prende-se com a forte dissipação de energia que ocorre na
superfície do chip que faz com que, mesmo após aplicação do tratamento superficial, a gota não
consiga prosseguir o transporte para os eléctrodos seguintes. Este problema poderá ser contornado
com superfícies ou tratamentos alternativos aos considerados neste trabalho, de modo a aumentar a
hidrofobicidade e diminuir a histerese da superfície e, se possível, eliminar por completo a adsorção. É
também necessário encontrar métodos alternativos de depositar o material dieléctrico, por forma a
reduzir a sua espessura (possivelmente até uma ordem de grandeza abaixo da usada no presente
trabalho).
72
Tendo este trabalho fornecido uma configuração de base funcional, é agora necessário investir
no fabrico do chip, introduzindo uma programação mais complexa da actuação alternada dos
eléctrodos, em substituição da frequência imposta, uma solução simplificada abordada no presente
trabalho.
Ao longo deste trabalho, nomeadamente na metodologia seguida para teste dos chips, foram
identificados alguns problemas de quebra dos dispositivos ou de não aproveitamento dos eléctrodos
mais afastados dos contactos, onde a tensão era aplicada. Sugere-se, portanto, a optimização desta
configuração de modo a evitar estes problemas.
Outro tópico interessante seria estudar a influência da concentração de células na gota, visto
que este trabalho sugere que a presença das células pode dificultar o movimento da gota. Como
referido anteriormente, é necessário também estudar de forma mais detalhada o escoamento no interior
das gotas durante o seu transporte, para descrever efectivamente a influência do comportamento das
células e, eventualmente, da sua concentração no transporte.
É ainda importante verificar a viabilidade das células após os ensaios de electrowetting, à
semelhança do que foi feito por Ramos (2014) para soluções proteicas, permitindo averiguar se com a
aplicação de tensão as células permanecem vivas.
Por fim, sugere-se o encapsulamento das gotas em óleo de silicone, tal como sugerido por
muitos autores na bibliografia como Srinivasan et al. (2004) e Brassard et al. (2008), de modo a minorar
o problema da evaporação, identificado por Laurência (2015). Este encapsulamento das gotas deverá
ser também explorado no sentido de aferir se os efeitos dissipativos que ocorrem na superfície durante
o espalhamento da gota.
73
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