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NOVO COMENTÁRIO BÍBLICO CONTEMPORÂNEO F. F. BRUCE Baseado na Edição Contemporânea de Almeida

Filipenses - Novo Comentário Biblico

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NOVOCOMENTÁRIO BÍBLICO

CONTEMPORÂNEO

F. F. BRUCEBaseado na

Edição Contemporânea de Almeida

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ÍNDICE

Prefácio ..........................................................................................................................6A breviaturas................................................................................................................. 8Introdução................................................................................................................... 12

Filipenses1. Preâm bulo (Filipenses 1:1-2)...................................................................... 352. Ações de graças introdutórias

(Filipenses 1:3-6)............................................................................................. 403. Interlúdio (Filipenses 1:7-8)........................................................................444. Oração Intercessória

(Filipenses 1:9-11)...........................................................................................465. Situação Atual de Paulo

(Filipenses 1:12-14)........................................................................................ 506. Várias Razões para o Testem unho do Evangelho

(Filipenses 1:15-17)........................................................................................ 537. Vida ou M orte? (Filipenses 1:18-26).......................................................... 568. Perseverança no Sofrim ento

(Filipenses 1:27-30)........................................................................................ 659. Convite para Considerações M útuas

(Filipenses 2:1-5).............................................................................................7010. Hino a Cristo (Filipenses 2:6-11)............................................................7711. Exortação à Fidelidade

(Filipenses 2:12-13)........................................................................................9012. Esperança de Paulo Quanto aos Filipenses

(Filipenses 2:14-16)........................................................................................9413. Libação de Paulo Sobre o Sacrifício dos Filipenses

(Filipenses 2:17-18)........................................................................................9814. Visita de Tim óteo A guardada

(Filipenses 2:19-24)...................................................................................... 10015. E logio a E pafrodito (Filipenses 2:25-30).............................................. 10416. Prim eira Conclusão: Cham ada ao Regozijo

(Filipenses 3:1)...............................................................................................11017. A dvertência Contra os "M aus Obreiros"

(Filipenses 3:2-3)...........................................................................................112

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18. A ntigo Código de Valores de Paulo(Filipenses 3:4-6)...........................................................................................116

19. Atual Código de Valores de Paulo(Filipenses 3:7-11).........................................................................................121

20. A m bição de Paulo (Filipenses 3:12-14).................................................13021. M aturidade Espiritual (Filipenses 3:15-16)..........................................13422. Im itação de Paulo (Filipenses 3:17)........................................................13723. A dvertência Contra Inim igos (Filipenses 3:18-19)............................13924. Esperança e Cidadania Celestiais

(Filipenses 3:20-21)...................................................................................... 14325. Exortação à Perm anecer Firme (Filipenses 4:1)..................................14726. Novo A pelo em Prol da Unidade (Filipenses 4:2-3)..........................14827. Convite Reiterado a Regozijar-se (Filipenses 4:4)............................. 15128. Estím ulo à Fé (Filipenses 4:5-7).............................................................. 15229. Segunda Conclusão: A lim ento para a M ente

(Filipenses 4:8-9)...........................................................................................15530. Suficiência de Paulo (Filipenses 4:10-13)............................................. 15831. A preciação de D ádivas Anteriores

(Filipenses 4:14-17)......................................................................................16232. R econhecim ento de D ádivas Atuais

(Filipenses 4:18-20)...................................................................................... 16533. Saudações Finais (Filipenses 4:21-22)................................................... 16734. Ação de Graças — Bênção (Filipenses 4:23)___________________ 170Posfácio ......................................................................................................................171Glossário................................................................................................................... 174

ÍNDICE 5

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Prefácio

Em bora não apareça nas listas com uns de "best-sellers", a B íblia continua a ser m ais vendida que qualquer outro livro. E, a despeito do crescente secularism o ocidental, não há sinais de que o interesse pela m ensagem da B íblia esteja arrefecendo. Bem ao contrário, núm ero cada vez m aior de hom ens e m ulheres exam ina suas páginas em busca de luz e orientação, em m eio à crescente com plexidade da vida m oderna.

Esse interesse sem pre renovado pelas Escrituras, o qual se encontra tanto dentro com o fora da igreja, é fato notável entre os povos da Ásia e da Á frica, bem como da Europa e das A m éricas. Na verdade, à m edida que saím os de países tradicionalm ente cristãos parece aum entar o in te­resse pela B íblia. Pessoas ligadas a igrejas tradicionais católicas e p ro ­testantes m anifestam , pela Palavra, o m esm o anseio presente em com u­nidades evangélicas m ais recentes.

Por isso, ao oferecerm os esta nova série de com entários, desejam os estim ular e forta lecer esse m ovim ento m undial de estudo da B íblia pelos leigos. Conquanto esperem os que pastores e m estres considerem estes volum es m uito úteis à com preensão e com unicação da Palavra de Deus, não os escrevem os prim ordialm ente para esses profissionais. Nosso objetivo é fornecer, a todos os leitores das Escrituras, guias confiáveis que os ajudem a m elhor com preender os livros da B íblia — guias que representem o que há de m elhor em erudição contem porânea, e que sejam apresentados de m aneira a não exigir preparo teológico form al para ser entendidos.

É convicção do editor, bem como dos autores, que a B íblia pertence ao povo, e não m eram ente aos acadêmicos. A m ensagem da B íblia é tão im portante que de m odo algum pode ficar acorrentada a artigos eruditos, presa a ensaios e m onografias herm éticos, redigidos apenas para os especialistas em teologia. Em bora a erudição rigorosa, esm erada, tenha seu lugar no serviço de Cristo, todos quantos participam do m inistério do ensino, na igreja, são responsáveis por tornar acessíveis à grande com unidade cristã os resultados de suas pesquisas. Por isso, os eruditos que se unem para apresentar esta série de com entários o fazem tendo em m ente estes objetivos superiores.

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Prefácio

Há m uitas traduções e edições contem porâneas, em português, do Livro santo. Na sua m aioria essas edições são excelentes e devem ter a p referência do leitor no que concerne à com preensão.

A Bíblia de Jerusalém , baseada na obra de eruditos católicos franceses, vividam ente traduzida para o português, talvez seja a m ais literária das traduções recentes. A BLH (Bíblia na L inguagem de H oje), da Sociedade B íblica do Brasil, é a tradução mais acessível às pessoas pouco fam ilia ­rizadas com a tradição cristã. Há, ainda, em português, a A lm eida Revista e A tualizada, e a Edição Revisada de A lm eida, além de outras traduções m ais recentes.

Todas essas versões são, à sua própria maneira, muito boas, e devem ser consultadas com proveito pelo estudante sério das Escrituras. É possível que a maioria dos estudantes deseje possuir diversas versões para consulta, objetivando especialmente a clareza de compreensão — em bora se deva salientar que de m odo algum qualquer delas esteja isenta de falhas e deva ser considerada a última palavra quanto a qualquer ponto. De outra form a, no haveria a m enor necessidade de um comentário como este!

Esta série de com entários, por ser tradução do inglês, faz referências à NEB, que constitui verdadeiro m onum ento à pesquisa m oderna pro tes­tante, e a outras versões em inglês, entre elas a RSV, a N A B, e a conceituada NIV.

Como texto bíblico básico desta série decidim os usar a ECA, por ser esta edição a que está-se tornando padrão, de m odo especial nos sem i­nários e institutos bíblicos. Por representar, no m om ento, o que há de m elhor na literatura evangélica em língua portuguesa, ela aos poucos se torna a m ais u tilizada por pastores e outros estudiosos das Escrituras.

Cada volum e desta série contém um capítulo introdutório expondo em m inúcias o intuito geral do livro e seu autor, os tem as m ais im portantes, e outras inform ações úteis. D epois, cada seção do livro é elucidada como um todo, e acom panhada de notas sobre aqueles pontos do texto que necessitam de m aior esclarecim ento ou de explanação m ais m inuciosa.

Esta nova série é oferecida com um a oração: que venha a ser instru­m ento de renovação autêntica, e de crescim ento entre a com unidade cristã no m undo inteiro, bem como meio de enaltecer a fé das pessoas que viveram nos tem pos bíblicos, e das que procuram viver, em nossos dias, segundo a Bíblia.

Editora Vida

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Abreviaturas

A Codex Alexandrinusa.C. antes de Cristoad loc. no lugarAleph Codex SinaiticusANF Pais Ante-Nicenos (série)Ant. Josephus, AntiquitiesASNU Acta Seminarii Neotestamentici UpsaliensisASV American Standard Version (1901)AT Antigo TestamentoB Codex VaticanusBC Início do CristianismoBDF F. Blass, A. Debrunner, R. W. Funk, Greek

Grammar ofthe New Testament and Other Early Christian Literature

BFCT Beitrage zur Forschung Christlicher TheologieBib. BíblicaBJ Bíblia de JerusalémBZAW Beihefte zur Zeitschrift für die altestamentliche

W issenschaftBZNW Beihefte zur Zeitschrift für die neutestamentenliche

W issenschaft C Codex EphraemiCB Coniectanea BiblicaCBC Cambridge Bible CommentaryCBQ Catholic Biblical CommentaryCBSC Cambridge Bible for Schools and Collegescf. confronte, comparecap. capítulo, capítulosCIJ Corpus Inscriptionum JudaicarumCIL Corpus Inscriptionum Latinarum1 Ciem Carta de Clemente de Roma aos CoríntiosCiem Hom Clementine HomiliesCNT Commentaire du Nouveau TestamentD Codex Claromontanus

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Abreviaturas

D*D 1D 2d.C.ECAEGTEPCEQETL

F

FRLANT

G

GNBHDBHNTHNTCHTRIBIBNTGICCJBJBLJRStatSocJTCJTSKEKKJVLLXXMNTCNASBNCBNClarBNEBNICNTNIGTCNIV

Primeira mão em D Primeiro corretor de D Segundo corretor de D Depois de CristoBíblia Sagrada, Edição Contemporânea, Almeida Expositor's Greek Testament Epworth Preacher's Commentaries Evangelical QuarterlyEphemerides Theologicae Lovanienses Expository TimesCodex AugiensisForschugen zur Religion und Literatur des Alten und Neuen Testaments Codex BoernerianusGood News Bible (versão em inglês contemporâneo) Hastings' Dictionary ofthe Bible Handbuch zum Neuen Testament H arpers's New Testament Commentaries Harvard Theological Review In terp re te is BibleC. F. D. Moule, Idiom-Book ofNew Testament GreekInternational Criticai CommentaryBíblia de JerusalémJournal ofBiblical LiteratureJournal ofthe Royal Statistical SocietyJournalfor Theology and the ChurchJournal o f Theological StudiesKritisch-Exegetischer KommentarKing James Version (Versão do Rei Tiago)Codex AngelicusSeptuaginta (tradução grega pré-cristã do AT)M offatt New Testament CommentaryNew American Standard BibleNew Century BibleNew Claredon BibleNew English BibleNew International Commentary onthe New Testament New International Greek Testament Commentary New International Version

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10 Filipenses

NovT Novum TestamentumNovTSup Novum Testamentum SupplementNPNF Pais Nicenos e Pós-Nicenos (série)NT Novo TestamentoNTC Comentário do Novo TestamentoNTD Das Neue Testament Deutsch (NT alemão)NTF Neutestamentliche ForschungenNTL Biblioteca do Novo TestamentoNTS New Testament StudiesNTTS New Testament Tools and StudiesP Codex PorphyrianusP46 Papiro Chester Beatty das Cartas de Paulopar. paraleloPNTC Pelican New Testament CommentariesPsi Codex Athous LauraeRB Revue BibliqueRNT Regensburger Neues TestamentRSPT Revue des sciences philosophiques et théologiquesRSR Recherche de Science religieuseRSV Revised Standard Versions.,ss. seguinte, seguintes (de versículos ou páginas)SBLDS Society ofB iblical Literature Dissertation SeriesSBT Studies in Biblical TheologySD Studies and DocumentsSE Studia EvangélicaSNT Die Schriften des Neuen TestamentsSNTSMS Society for New Testament Studies M onograph

SeriesTB Tyndale BulletinTDNT Theological Dictionary ofthe New TestamentTest Zeb Testament ofZebulun (in Testaments ofthe

Twelve Patriarchs)HKNT Theologischer Handkommentar zum Neuen TestamentTKNT Theologischer Kommentar zum Neuen TestamentTU Texte und UntersuchungenTZ Theologische Zeitschriftv.(w .) versículo (versículos)WBC Word Biblical CommentaryWC W estminster Commentaries

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Abreviaturas 11

WPCS W estminster Pelican Commentary SeriesWUNT W issenschaftliche Untersuchungen zum

Neuen Testament ZK Zahn KommentarZNT Zeitschrift fü r das Neue Testament

(

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Introdução

Filipos

A cidade de Filipos leva o nom e de Filipe II, rei da M acedônia, fundada por ele em 356 a.C. A ntes, existia nesse lugar um vilarejo traciano conhecido pelo nom e grego K renides ("fontes"), que em 361a.C. fo i tom ado por colonos da ilha de Tasos, com andados por um exilado ateniense cham ado Calistrato. O m aior atrativo desse lugar era o fato de localizar-se nas proxim idades das m inas de ouro do m onte Pangéus, que F ilipe fez questão de controlar ao fundar de novo a cidade. F ilipos tinha tam bém im portância estratégica por constituir a rota terrestre para o H elesponto (D ardanelos) e B ósforo, e portanto, para o interior da Ásia.

Lucas descreve Filipos com o "a prim eira cidade dessa região da M acedôn ia"1 — isto é, o prim eiro entre quatro distritos em que a M acedônia fora dividida pelos rom anos, em 167 a.C. — e acrescenta que se tratava de um a colônia rom ana (Atos 16:12). A cidade foi transfo rm a­da em colônia em 42 a.C., pelos líderes rom anos A ntônio e O taviano, após obterem vitória ali sobre Bruto e Cássio, os assassinos de Júlio César. Os com andantes vitoriosos estabeleceram um batalhão de solda­dos veteranos em Filipos. Doze anos m ais tarde O taviano, havendo por sua vez derrotado ali as tropas de A ntônio na batalha de A ctium , instalou na área parte das tropas desbaratadas de A ntônio, bem com o algum as fam ílias, às quais despojou a fim de estabelecer tam bém seus próprios soldados veteranos, dando à cidade seu próprio nome: Colônia JúliaFilipense. Três anos depois, quando O taviano assum iu o título de A ugus-

A 2to, o nom e da cidade foi ampliado: Colônia Júlia A ugusta Filipense.

Os cidadãos de qualquer colônia rom ana eram autom aticam ente c ida­dãos rom anos; a constituição de um a colônia rom ana seguia o m odelo da cidade-m ãe, Rom a, havendo um colegiado de dois m agistrados na liderança. Na m aior parte das colônias esses m agistrados eram o fic ia l­m ente conhecidos como duo uiri (ou duumuiri iuri dicundo, "dois hom ens que adm inistram justiça"). N outras colônias, todavia, p referiam ser cham ados pelo título m ais distinto de pretor; falando, por exem plo, dos m agistrados-chefes de Cápua, na Itália, Cícero observou que "em ­bora sejam denom inados duo uiri nas outras colônias, estes querem ser

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Introdução 13

cham ados de pretores." Parece que isso tam bém era verdade quanto aos m agistrados-chefes de Filipos: Lucas se refere a eles usando um term o grego strategoi, equivalente ao título de "pretores" (Atos 16:22, 35, 36, 38), que ECA traduz "m agistrado".

À sem elhança dos m agistrados-chefes de Rom a, os das colônias rom anas eram acom panhados pelos lictores, que possuíam fasces, ou m olhos de varas, sím bolos do cargo. Os lictores que atendiam aos pretores filipenses surgem na narrativa de Lucas sob a designação grega equivalente: rhabdouchoi, literalm ente "seguradores de varas", que ECA traduz "quadrilheiros" (Atos 16:35, 38).

Macedônia

M acedônia, território a que Filipos pertencia, era antigo reino da península balcânica, que se lim itava ao sul com a Thessália, e a este e nordeste com a Trácia. Q uando os persas invadiram a Europa, nos inícios do século quinto a.C., os reis da M acedônia colaboraram com os invaso­res e por isso conseguiram certa independência limitada para si próprios.4

A pesar disso, o rei m acedônico A lexandre I ajudou secretam ente as regiões gregas m ais distantes, ao sul, que foram atacadas p o rX erx es em 480 a.C ..5 Tanto A lexandre I como seus sucessores patrocinaram a cultura grega; o próprio A lexandre, como príncipe coroado da M acedô­nia, teve perm issão para com petir nos jo g o s olím picos (abertos acenas aos gregos), visto que sua fam ília afirm ava descender de Argive.

Por volta do quarto século a.C., a M acedônia fazia parte do m undo grego no que se referia à m aior parte das questões práticas. F ilipe II da M acedônia (359-336 a.C.), m ediante diplom acia e conquistas m ilitares, tornou-se senhor das cidades-estados da Grécia. Após seu assassinato, seu filho A lexandre III (A lexandre, o Grande) herdou o dom ínio greco- m acedônico, fazendo dele a base para a conquista da parte ocidental da Ásia (do extrem o leste, até o vale do rio Indo) e Egito. Todavia, com a divisão do im pério de A lexandre, logo após sua m orte em 323 a.C., a M acedônia tornou-se outra vez um reino separado.

O reino da M acedônia entrou em conflito com os rom anos quando Filipe V (221-179 a.C.) celebrou um t r a íd o com o inim igo deles, A níbal,

durante a segunda guerra cartaginesa. Os rom anos foram capazes de suscitar m uitas encrencas para Filipe, no lado ocidental do A driático, de m odo que Filipe perm aneceu ocupado o tem po todo, enquanto seu tratado com Aníbal deixou de surtir efeito. Quando a segunda guerra cartaginesa

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aproxim ou-se do fim , estando Aníbal m orto, os rom anos encontraram um pretexto para declarar guerra a Filipe. Essa guerra findou em 197 a.C. com a derrota de Filipe em C inocefália, na Thessália central. Daí em diante ele foi obrigado a lim itar seu governo à M acedônia, sem poder in terferir nos assuntos das cidades-estados gregas mais distantes, ao sul.

Perseu, filho de F ilipe, por sua vez atraiu as suspeitas de R om a, as quais foram increm entadas pelo seu inim igo, o rei de Pérgam o, e aliado de Roma. Seguiu-se a terceira guerra m acedônica (como é cham ada pelos h istoriadores rom anos), term inando em 168 a.C. com a vitória dos rom anos em Pidna, cidade litorânea ao sul da M acedônia. Foi quando os rom anos aboliram a dinastia real da M acedônia e dividiram o reino em quatro rep ú b lica s .10 Entretanto, em 149 a.C., um aventureiro cham a­do A ndrisco, declarando ser filho de Perseu, reunificou a M acedônia sob seu com ando, por um curto p e río d o .11 Q uando os rom anos abateram A ndrisco, em 148 a.C., decidiram que a única açâo a ser tom ada com respeito à M acedônia seria anexá-la a um a província. As quatro repú­blicas que vinte anos antes haviam sido estabelecidas, perm aneceram como distritos geográficos retendo, porém , pouca im portância política.

A fim de consolidar o poderio sobre a nova província, os rom anos construíram um a enorm e estrada m ilitar, a via Inácia, partindo de Apo- lônia e D irráquio, no A driático, até Tessalônica; m ais tarde estendeu-se para o leste, até F ilipos, e a seu porto N eápolis (a m oderna Cavala), e m ais tarde até B izân c io .13

A M acedônia tornou-se assim uma base para m aior expansão do poderio rom ano. Em 27 a.C., ela se tornou província senatorial, pelo im perador A ugusto. Seu sucessor, Tibério, colocou-a sob seu controle direto, como província im perial, em 15 d.C., mas Cláudio a devolveu ao senado em 44 d .C .14 O procônsul (assim se cham ava o governador de um a província senatorial) tinha sua sede adm inistrativa em Tessalônica.

A Chegada do Evangelho

O cristianism o chegou à M acedônia m enos de vinte anos após a m orte de Cristo. Um dos docum entos mais antigos do N ovo Testam ento — a prim eira carta aos Tessalonicenses — foi enviada de Corinto, p rovavel­m ente no outono de 50 d.C., dirigida à recém -fundada igreja de T essa­lônica. 15 Esta carta foi enviada por Paulo, Silvano e Tim óteo, e indica que a igreja de Tessalônica teve seu início quando esses três hom ens visitaram a cidade, tinha pouco tem po. A visita deles a T essalônica havia

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Introdução 15

sido precedida por um a visita a Filipos, "havendo, prim eiro padecido, e sido u ltrajados em Filipos" (1 Tessalonicenses 2:2).

Os m o v im en to s de P au lo e seus co m p an h e iro s , re g is tra d o s em1 T essalonicenses, coincidem com os registros m ais m inuciosos de Atos 16:6-18:5, os quais foram escritos em data posterior, e podem ser aceitos com m áxim a confiança como form ando uma estrutura histórica dentro da qual os dados m ais incidentais da correspondência paulina se encai­xam , para m aior com preensão.

Q uando Paulo e seu com panheiro Silvano (cham ado de Silas, em Atos) lançaram -se, após o concilio de Jerusalém , à travessia da Ásia M enor, a partir da Cilícia, indo para o oeste, a M acedônia nâo constava de seus planos de viagem. Pelo que se pode determ inar m ediante a narrativa de A tos, o objetivo deles era Efeso. Entretanto, am bos foram im pedidos de proseguir em sua viagem naquela direção e se viram obrigados (agora acom panhados de Tim óteo, que se lhes ju n ta ra em Listra) a ir para noroeste, saindo de Icônio ou A ntioquia da P isídia, até chegar ao m ar Egeu, ao porto de Trôade Alexandria).

E aqui que se inicia a passagem na prim eira pessoa do plural, "nós", de Atos: e a narrativa prossegue nessa pessoa, o que indica talvez que o próprio narrador estivesse presente aos acontecim entos:

"Paulo teve de noite uma visâo em que se apresentou um hom em da M acedônia, que lhe rogava: 'Passa à M acedônia, e a juda-nos.' Logo depois desta visâo, procuram os partir para a M acedônia, concluindo que o Senhor nos cham ava para lhes anunciarm os o evangelho" (Atos 16:9, 10).

O grupo m issionário, agora aum entado para quatro pessoas (segundo parece), pela adição do narrador (que presum im os ser Lucas), atravessou o m ar, de Trôade a N eápolis, e dali viajou cerca de dezesseis quilôm etros pela via Inácia, até Filipos.

Era costum e de Paulo, ao visitar um a cidade gentia, dirigir-se à sinagoga local a fim de encontrar alguns ouvintes dentre os ju d eu s e gentios tem entes a Deus que porventura a freqüentassem . Parece que em Filipos não havia um a com unidade judaica suficientem ente grande para estabelecer-se um a congregação regular na sinagoga (para isso o quorum seria dez h o m en s).16 Todavia, havia um local inform al de reuniões, fora da cidade, às m argens do rio G angites, onde algum as m ulheres se reuniam aos sábados para recitar determ inadas orações. Esse grupo

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fem inino era fo rm ado provavelm ente por m ulheres ju d ias e outras, tem entes a Deus (povo gentio que aderia à form a ju d a ica de culto sem serem prosélitos convertidos); a líder era Lídia, natural de Tiatira, na Ásia M enor, que negociava com púrpura, tintura fabricada com o sum o da raiz da ru iva-dos-tin tureiros, pela qual a cidade já há m uito tem po se tornara fam osa. (H om ero descreveu o m odo que "uma m ulher m acedônica ou cariana tingia o m arfim com tintura de púrpura.") L ídia e suas amigas form aram o núcleo da igreja em Filipos. As m ulheres da M acedônia já há m uito tem po tinham a fam a de exercer iniciativa e influência, e estas nobres tradições foram bem conservadas pelas m ulheres das igrejas m aced ô n icas .18

L ídia colocou sua casa à disposição dos m issionários, a qual se tornou sem dúvida o lugar de reuniões da igreja que logo surgiu em Filipos.

E ntretanto, os m issionários envolveram -se em problem as graves quando Paulo exorcizou o "espírito de adivinhação" de u m ajo v em que, "adivinhando, dava grande lucro aos seus senhores" (Atos 16:16). T ec­nicam ente esse espírito é cham ado de espírito de pitonisa, ou seja: tratava-se do m esm o espírito, porém de m enor poder, que subjugava a profetiza pítica de D elfos de m odo que esta fa lava com o porta-voz de Apoio. Como resultado do exorcism o a jovem não m ais conseguia predizer o futuro. (Existe um paralelo literário em Theophoroumene [A Mulher Divinamente Inspirada], de M enander, peça em que u m a jo v em escrava perde seus cím balos e tam borins e, com eles, o dom da profecia deles p ro v en ien te .)19

Os proprietários filipenses da escrava ficaram perturbados diante da perda dos rendim entos regulares que a leitura da sorte lhes proporciona­va. Paulo, assim ju lgavam eles, era culpado de in terferir em seus direitos de propriedade. Portanto, Paulo e Silvano (os dois ju d eu s genuínos do quarteto m issionário) foram arrastados ante o m agistrado, no fórum , sob a seguinte acusação: "Estes hom ens, sendo judeus, perturbaram a nossa cidade. E nos pregam costum es que não nos é lícito receber nem praticar, visto que som os rom anos" (Atos 16:20, 21). Os presentes uniram -se nesse ataque e o m agistrado, decidindo que aqueles dois estrangeiros indesejáveis precisavam de um a boa lição, ordenou que fossem castiga­dos com as varas dos lictores e trancafiados até o dia seguinte.

Quando os lictores chegaram à prisão na m anhã seguinte, a fim de expulsar am bos de F ilipos, foram surpreendidos com um protesto: os

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Introdução16

prisioneiros exigiam que fossem reconduzidos à presença dos m ag istra­dos. Paulo e Silvano eram cidadãos rom anos e não poderiam su jeitar-se ao tratam ento que receberam . Os m agistrados haviam ouvido a acusação sem dar-se o trabalho de investigá-la e sem convidar os dois acusados a deporem , contando sua versão do acon tec im ento .20

Se Paulo e Silvano declararam sua cidadania romana perante o fórum , nenhum a atenção lhes foi dada em meio à grande confusão. Agora, todavia, em circunstâncias mais tranqüilas, os homens injustiçados exigiam seus direitos. Agora os magistrados precisaram ouvi-los, e pedir desculpas por haverem açoitado cidadãos romanos sem julgam ento e sentença normais. Os m agistrados não podiam sum ariam ente expulsar cidadãos rom anos de uma cidade romana, mas com grande instância suplicaram que ambos fossem embora: julgaram -se incapazes de protegê-los contra o ressentim en­to público. Acertando a situação legal, Paulo e Silvano certificavam -se de que os convertidos filipenses não se tornariam vítimas do ódio popular, por estarem associados a criminosos comuns.

O episódio bem conhecido da narrativa de Lucas, sobre a evangeliza- ção de Filipos, é o que diz respeito ao terrem oto que ocorreu à m eia-noite, enquanto Paulo e Silvano "oravam e cantavam hinos a Deus" na escu ri­dão daquela prisão, e ao terror do carcereiro, sua tentativa de suicídio, e conversão (Atos 16:25-34).

Podem os destacar este episódio de seu contexto, pois possui a fin ida­des próprias. Num a obra grega do prim eiro século cham ada Testamento de José (um dos trabalhos da coletânea denom inada Testamentos dos Doze Patriarcas), José nos conta com o seu senhor egípcio "me açoitou e me encerrou na prisão de faraó. Estando eu na casa da escuridão, acorrentado, cantando hinos ao Senhor e glorificando ao meu Deus, regozijando-m e com voz jub ilosa , a m ulher egípcia me o u v iu ."21 Não existe nenhum a questão de dependência literária direta, desta ou daquela form a; todavia, am bos os docum entos prendem -se a um a convenção estilística comum. A idéia geral reaparece um pouco m ais tarde no escritor estóico Epiteto: "Serem os com petidores com Sócrates, quando puderm os escrever cânticos de louvor na prisão." 22

Quanto aos efeitos do terrem oto à m eia-noite, Orígenes, em m eados do terceiro século (ou m esm o o pagão Celso, setenta anos antes), sugeriu um paralelo entre o registro de Lucas e a descrição em Bacchae, de Eurípedes, da fuga dos ébrios e de D ionísio da prisão de Penteu: "os

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grilhões dos pés se lhes soltaram , por si m esm os, e as chaves abriram as portas sem que m ãos m ortais ag isse m ."23 Não é possível deixar de reconhecer as afin idades entre esses episódios, os quais todavia, não depreciam a h isto ricidade do evento bíblico.

A Igreja de Filipos

Paulo e Silvano deveriam abandonar F ilipos; o delicado pedido dos m agistrados não poderia ser desprezado, com o não poderiam desprezar a eventual expulsão à força, da parte dos lictores. Todavia, deixaram atrás u m a jo v e m igreja constituída de ardentes convertidos, cujo afeto pelo apóstolo foi dem onstrado m ediante dádivas que lhe enviaram em m ais de um a ocasião, iniciando-se algum as sem anas depois de sua partida (veja Filipenses 4:15, 16). T im óteo acom panhou seus dois colegas mais velhos; é possível que Lucas tenha perm anecido em Filipos.

É digno de nota que a prim eira passagem narrada na prim eira pessoa do plural (nós), em Atos, term ina em Filipos (Atos 20:5). Se Lucas perm aneceu em Filipos, durante os sete ou oito anos seguintes, sem dúvida os crentes filipenses o consideraram como um deles: é até possível que o tenham nom eado representante da igreja entre os delegados de outras igrejas que contribuíram para a oferta que Paulo levou aos pobres da Judéia, em 57 d.C.

A lista dos com panheiros de viagem de Paulo, de A tos 20:4, não m enciona nenhum m em bro da igreja de F ilipos, em bora talvez ela seja incom pleta. Os que constavam da lista, inform a-nos Lucas, "indo ad ian­te, esperaram -nos em Trôade" enquanto "nós" (isto é, Paulo, o narrador e talvez m ais um ou dois) "depois dos dias dos pães asm os, navegam os de Filipos" (Atos 20:5, 6). Na verdade, teriam em barcado em N eápolis, porto de Filipos. Em 57 d.C. a festa dos pães asm os caiu na sem ana de 7 a 14 de abril.

A igreja de F ilipos fo i, então, a últim a das igrejas de Paulo a oeste do m ar Egeu, com a qual ele m anteve contato pessoal antes de sua últim a e infeliz visita à Jerusalém . Essa igreja continuou a com unicar-se com o apóstolo, com o o fazia desde sua fundação , e a carta de Paulo aos filipenses dá ao leitor um a idéia do im enso prazer que essa igreja proporcionava ao apóstolo, cada vez que pensava nela, e como era grande a apreciação da bondade e afeição dos crentes.

Que a igreja de Filipos preservou o m esm o caráter m eio século depois, transparece pelo seu cuidado por Inácio, bispo de A ntioquia, a cam inho

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Introdução 19

de R om a, sob guarda m ilitar, a fim de ser atirado às bestas feras da arena. À sem elhança de Paulo, antes, Inácio velejou de Trôade a N eápolis, prosseguindo a viagem por terra, pela via In ác ia .24 Faltam -nos m inúcias da pousada de Inácio em Filipos; contudo, os crentes filipenses tiveram grande interesse por ele, ao ponto de escreverem a Policarpo, bispo de Esm irna, sujjlicando-lhe que lhes enviasse cópias das cartas de Inácio disponíveis. A resposta de Policarpo ao pedido dos filipenses sobrevi­veu até nossos dias. No início da carta, o bispo expressa sua alegria quanto ao fato de os filipenses "terem seguido o exem plo do verdadeiro amor, e terem ajudado com o puderam , sem pre que houve oportunidade, os que estavam em cadeias". Tais cadeias, diz ele, são ornam ento dos santos; constituem "diadem as de todos quantos verdadeiram ente têm sido escolhidos por D eus e nosso Senhor Jesus Cristo" (dentre os quais ele pensava de m odo especial em Inácio). A seguir acrescenta ele: "A legro-m e tam bém em vossa fé firm em ente enraizada, reconhecida desde os prim órdios, a qual prevalece até o presente e produz fru tos para nosso Senhor Jesus C r is to ."26 A árvore que Paulo e seus colabodores plantaram continuava a produzir fru tos que atestavam a qualidade do serviço daqueles servos.

Caráter. Ocasião e Propósito da Carta

Tema

A carta é enviada à com unidade cristã de F ilipos por Paulo, que acrescenta o nom e de Tim óteo ao seu, logo na saudação inicial.

A pós haver saudado seus am igos filipenses e assegurado sua profunda gratidão e suas orações por eles, Paulo lhes relata com o sua situação atual, a despeito das restrições da prisão, prom oveu a divulgação do evangelho entre os oficiais, sob cuja guarda ele se encontra, tendo encorajado a m uitos dos crentes locais a serem m ais ousados no testem unho da fé. A inda que alguns tenham sido im pelidos por m otivos inam istosos contra Paulo, perm anece o fato que Cristo está sendo proclam ado, o que faz Paulo regozijar-se. Ele não sabe em que resultará sua prisão; contudo, ele já entendeu e decidiu que, quer a prisão term ine com a libertação, quer com a m orte, tudo redundará para a glória de Cristo.

Em seguida, faz um apelo para que haja harm onia entre os m em bros da igreja filipense: lam enta a existência de ciúm es e antipatias desprezí­veis e lhes traz à m em ória a auto-renúncia de Cristo, ao tornar-se servo

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dos hom ens, ao ponto de sofrer a m orte na cruz. D epois de m ais algum as palavras de encorajam ento , nas quais se torna bem evidente o envolv i­mento pessoal de Paulo no bem -estar espiritual de seus convertidos, o apóstolo lhes diz que logo enviará Tim óteo, que os visitará e trará notícias deles. Agora, diz Paulo, ele lhes m anda de volta Epafrodito , m em bro da igreja deles, que viera para desincum bir-se de uma tarefa que lhe fora entregue pelos filipenses, e durante a qual ficara seriam ente doente.

Entâo, com um "Q uanto ao m ais, irm ãos m eus..." (3:1), Paulo dá a im pressão de que vai finalizar a carta m as, de súbito, alerta seus leitores contra intrusos subversivos. E o apóstolo estabelece (em parte ao rebater a má influência de tais pessoas), referindo-se à sua própria experiência, a essência da fé e da vida cristãs.

Palavras adicionais de adm oestaçâo (4:1-9) sâo seguidas de agradeci­m entos por um a oferta que E pafrodito lhe trouxe de Filipos (4:10-20). A carta se encerra com uma doxologia final, saudações e bênção.

Autoria

A ceita-se, de m odo geral, que Filipenses seja uma carta genuína de

Paulo.O prim eiro desafio sério à autenticidade da carta foi feita em 1840,

por F. C. Baur, de Tübingeajg27 Baur citou a opinião de um erudito mais

velho, W. M. L. de W ette, para quem a genuinidade da carta estava "acim a de qualquer questão." Baur, entâo, pediu licença para apresentar alguns pontos que poderiam enfraquecer a opinião de W ette.

Um desses pontos era o alegado em prego de expressões e idéias gnósticas que, com toda certeza, enchiam a m ente do autor da carta, e que aparecem de m odo especial na passagem cristológica — Filipenses 2:6-11 29 Outro ponto era a natureza repetitiva do docum ento. Dizia Baur que a carta caracterizava-se "por uma falta de conexão profunda, sólida de idéias, e por certa pobreza de pen sam en to ".30 A crescentou a seguir que nâo se consegue encontrar "nem m otivo nem oportunidade para a carta, nenhum a indicação distinta quanto a propósito e, tam pouco, uma idéia p rin c ip a l" .31 O desabafo polêm ico de Filipenses 3:2-19 foi consi­derado "im itação fraca e sem vida" de 2 C oríntios 11:13-15. A re fe ­rência em Filipenses 4 :15 ,16 a reiteradas oferendas recebidas de Filipos foi considerada contradição, pois Paulo afirm a em 1 C oríntios 9:15-18, e noutras passagens, que ele p referia nâo ser sustentado pelos seus convertidos, mas ganhar seu sustento m ediante seu próprio trabalho. A

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base estaria, segundo Baur pensava, em 2 Coríntios 11:9, onde Paulo m enciona um a exceção ao seu costum e regular — certa ocasião em Corinto quagx^o suas necessidades foram atendidas por alguns am igos da M acedônia.

Finalm ente, Baur, que presum iu ser Rom a o lugar da prisão, de onde a carta aos Filipenses supostam ente teria sido escrita, alega que a descri­ção do progresso do evangelho em Rom a, na época indicada, fica sem apoio. A pista que conduz a tal descrição, e à m enção dos "santos... da casa de César" (4:22) foi tirada (assim pensava Baur) da referência a certo C lem ente, em Filipenses 4:3. Este C lem ente, de acordo com Baur, deve ser identificado como o Tito Flávio Clem ente, aparentado por casam ento com o im perador D om iciano, que o m atou em 95 d.C. Este hom em , alega-se, foi introduzido na carta por um autor pós-apostólico que conhecia bem a história legendária de Clemente. Segundo essa história, Clem ente teria sido convertido por Pedro; ao trazê-lo em contato com Paulo, o autor de F ilipenses deu excelente contribuição à reconci­liação póstum a entre os dois apóstolos que (assim acreditava Baur) foram adversários enquanto v iv eram .34

A lguns dos argum entos de Baur sâo apenas questão de opinião, ou m odo de ver as coisas; outros dependem da form a como se encara a evidência; todavia, o argum ento a respeito de Clem ente é sim plesm ente errado. O Clem ente de F ilipenses 4:3 é um filipense cristão, sobre quem nada m ais sabem os, mas de form a nenhum a esteve associado a Roma. N enhum dos argum entos de Baur referen tes à carta aos Filipenses conseguiu convencer as futuras gerações de estudiosos sobre Paulo.

M ais recentem ente, colocou-se um ponto de interrogação sobre a autoria paulina dessa carta, á base de uma análise estatística da linguagem .35 Tampouco este argumento conseguiu aceitação geral; o documento é dem a­siado pequeno para prover evidências convincentes desse tipo.

Ocasião

E evidente que Filipenses foi escrita enquanto Paulo estava na prisão aguardando o ju lgam ento que significaria liberdade, ou talvez a perda da própria v id a .36 Três vezes no prim eiro capítulo ele m enciona a prisão, integrando-a no decurso de seu m inistério apostólico: declara estar onde foi "posto para defesa do evangelho" (Filipenses 1:16). M ediante a prisão de Paulo, na verdade, o evangelho estava sendo prom ovido em áreas onde, de outra form a, poderia nâo ter acesso.

Introdução

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M as, onde estava ele preso? Paulo não diz explicitam ente. N em era preciso dizê-lo a seus am igos filipenses. E les sabiam onde o apóstolo estava pois enviaram E pafrodito , um deles m esm os, para visitá-lo (2:25). A resposta tradicional a tal pergunta tem sido Rom a; entretanto, em épocas m ais recentes, E feso e Cesaréia têm sido m encionadas como possibilidades.

A prisão em E feso tem sido defendida por A. D eissm ann, G. S. D uncan, e o u tro s .38 E bem possível que Paulo houvesse sido preso pelo m enos um a vez, enquanto residiu em E feso (52-55 d.C .), mas a prisão que o apóstolo so fria ao enviar esta carta a F ilipos dificilm ente poderia ter sido um a prisão efésia. Q uando Paulo d iz: "de m aneira que as m inhas cadeias, em Cristo, se tornaram conhecidas de toda a guarda pretoriana e de todos os dem ais" (1:13), a palavra grega traduzida por "guarda pretoriana" é praitorion, em prestada do latim praetorium. Se Paulo usa um a palavra em prestada, a idéia é que ela detém seu sentido técnico. O term o denota a sede do pretor, m ais particularm ente o quartel do oficial com andante num acam pam ento m ilitar. N a cidade de R om a, sob o im pério, a "guarda pretoriana" significava a segurança pessoal do im pe­rador. Longe de Rom a, o term o designava a sede do governo provincial, mas governo de província im perial, que possuía unidades m ilitares sob seu com ando. Não existe exem plo, nos tem pos im periais, do em prego dessa expressão para a sede de um procônsul, o governador de um a província senatorial com o era a Á sia, nessa época.

Tem -se apelado para incrições, com o evidências da presença de um praetorianus (m em bro de um a guarda pretoriana) nas v izinhanças de E feso; todavia, tais evidências tornam -se irrelevantes para a questão que se discute. O praetorianus m encionado em três inscrições latinas era um antigo m em bro da guarda pretoriana que m ais tarde desem penharia funções policiais com o um stationarius num a estrada rom ana, na p ro ­víncia da Á sia .39

E feso está excluída, com o provável local de onde a carta fo i enviada,de modo que C esaréia se apresenta para nossas considerações. Cesaréiatem sido habilm ente defendida por vários eruditos, de m odo especial porErnst L o h m ey er.40 Em apoio desta cidade há a declaração expressa deAtos 23:35 de que Paulo cnji| m antido sob a guarda ali, "no pretório de H erodes" (lit., praetorium.)

Nos ú ltim os anos de seu m inistério ao longo do m ar Egeu, Paulo

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Introdução 23

organizou um a coleta nas igrejas da m issão gentílica, para socorro dos pobres da igreja em Jerusalém . Na festa de Pentecoste de 57 d.C., Paulo chegou a Jerusalém com alguns representantes dessas igrejas, os quais deveriam entregar as contribuições dos crentes aos líderes da igreja em Jerusalém . Não m uitos dias após sua chegada, Paulo fo i atacado por um a m ultidão feroz, no recinto do tem plo, tendo sido resgatado por m em bros da guarda rom ana e levado à forta leza Antônia, que dava para o pátio externo do tem plo. O com andante da forta leza tom ou-o sob custódia e o enviou ao procurador Félix, em Cesaréia.

Paulo perm aneceu em C esaréia dois anos (57-59 d.C.), aguardando que Félix prom ulgasse um a decisão ju d ic ia l quanto ao seu caso (Atos 24:26, 27). Félix, na verdade, nunca chegou a pronunciar um veredicto form al sobre Paulo: Lucas explica esse adiam ento pela esperança de Félix em receber um dinheiro de suborno, de Paulo ou de seus am igos. Ele sabia que Paulo havia chegado à Judéia trazendo um a substancial som a de dinheiro para ser distribuído entre os pobres da ig reja de Jerusalém (Atos 24:17), e presum iu que ele teria acesso a m aiores fundos. Todavia, Paulo tinha m uitas razões para supor que o veredicto de Félix, quando saísse, lhe seria favorável e ele sairia livre. Isso proveria, poder- se-ia argum entar, bom m otivo para o otim ism o do apóstolo: "E, tendo esta confiança, sei que ficarei, e perm anecerei com todos vós para o vosso progressso e gozo na fé" (Filipenses 1:25).

Contudo, Cesaréia era um charco político. Se fo i lá que Paulo ficou preso ao escrever a carta aos F ilipenses, é certo que todos do praetorium de H erodes ficariam sabendo por que Paulo estava lá, mas que im portân­cia havia nisso? H avia cristãos em Cesaréia, mas seriam eles su fic ien te­m ente num erosos ou diversificados de m odo que pudessem tom ar partido ao lado de Paulo, ou contra Paulo, à m aneira descrita em F ilipenses 1:15-18? A inda que fossem estim ulados pela residência fo rçada do apóstolo naquela cidade a pregar o evangelho com renovado entusiasm o, C esaréia o ferecia um am biente restrito dem ais que explicasse o alegre entusiasm o de Paulo ao narrar como sua prisão contribuiu para o avanço do evangelho. Rom a, porém , apresentaria um quadro bem diferente.

Félix fo i rem ovido da Judéia em 59 d.C. sem haver resolvido o caso de Paulo. Foi substituído como procurador por Festo. Q uando Festo com eçou a reabrir o caso de Paulo, o apóstolo logo percebeu que poderia expor-se a perigo m ortal em face da atitude que o novo procurador, em

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sua inexperiência, parecia tomar. Portanto, Paulo lançou m ão do direito que tinha, com o cidadão rom ano, e disse: "Apelo para C ésar", isto é, pediu que seu caso fosse transferido da corte provincial para a ju risd ição direta do im perador, em Roma. A Rom a, pois, Paulo fo i enviado, onde chegou em inícios de 60 d.C. Ficou durante os dois anos seguintes em prisão dom iciliar, aguardando a audição de seu caso. Q uando este viesse à tona, Paulo talvez tivesse de defender-se de m ais de um a acusação. A que pesava sobre sua cabeça ao ser preso em Jerusalém era a de violar a santidade do tem plo; tal acusação, todavia, poderia ser facilm ente r e fu ­tada. Havia m enção, porém , da acusação de perturbar a paz rom ana por todas as províncias do im pério (Atos 24:5). Esta era um a acusação séria, e em bora Paulo pudesse dar-lhe um a refutação poderosa, não havia m eios de saber com o o caso seria conduzido no tribunal imperial.

Enquanto Paulo aguardava que seu caso fosse levado perante Nero, ter-lhe-ia sido suprem am ente alegre ver como o evangelho estava-se espalhando por toda Rom a, m ediante sua presença na cidade, em bora sob custódia. A lém do m ais, favorecendo a idéia de que a carta vinha de Rom a há a referência aos "santos da casa de César" que, ju n tam en te com os dem ais cristãos, enviam suas saudações à igreja filipense (Filipenses 4:22). É verdade que o funcionalism o civil im perial se com punha de m em bros da casa de César — em grande parte constituída de ex-escravos, — os quais se espalhavam por todas as províncias. Todavia, concentra­vam -se em R om a, e só em Rom a seriam suficientem ente num erosos de m odo que tivessem um grupo de cristãos.

Se concluirm os que esta carta foi enviada de Rom a, torna-se necessá­rio relacionar a expectativa e intenção declaradas de Paulo de visitar Filipos em breve (Filipenses 1:25-27; 2:24) com o planejara anteriorm en­te, conform e R om anos 15:24, 29, de ir de Rom a à Espanha. Q uando o apóstolo rem eteu sua carta aos rom anos, no início de 57 d.C., estava prestes a despedir-se do m undo banhado pelo Egeu. Tem o m esm o sentido o registro que Lucas faz das palavras de Paulo aos anciãos da igreja efésia, quando se encontrou com eles brevem ente em M ileto, em sua últim a viagem a Jerusalém : "A gora, na verdade, sei que nenhum de vós ... jam ais tom ará a ver o meu rosto" (Atos 20:25). Se Filipenses deve ser datada de quando Paulo foi preso em Roma, ou m esm o de quando esteve preso em Cesaréia, seus planos devem ter m udado substancialmente.

Os planos de viagem de Paulo nunca foram inflexíveis: sem pre

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estiveram sujeitos à sua percepção da orientação divina. Na verdade, a prontidão com que Paulo estava disposto a m udá-los deixava seus am igos desconsertados, e dava m otivo a seus adversários para acusá-lo de vacilação (cf. 2 C oríntios 1:15 — 2:1). Quando ele m anifestou perante os crentes rom anos seu plano de passar algum tem po com eles, quando a cam inho da Espanha, previu a possibilidade de surgirem problem as durante sua im inente visita a Jerusalém , m as não previu sua prisão ali, sua subseqüente detenção por dois anos em Cesaréia, seu envio sob guarda arm ada a Rom a, e seu cativeiro dom iciliar adicional, de outros dois anos, enquanto aguardava a intim ação para com parecer perante César. Esta seqüência im prevista e im previsível de acontecim entos p o ­deria tê-lo levado a reconsiderar seus planos de viagens. C ontinuavam chegando notícias da parte de seus am igos do m undo ao redor do Egeu que o levaram a decidir que seria preciso visitá-los outra vez, tão logo ele pudesse, estando livre. Expectativa sem elhante Paulo expressa em sua carta a F ilem om , de Colossos (a qual tam bém deveria ser datada, provavelm ente, de quando esteve preso em Roma): "Prepara-m e tam bém pousada, porque espero que pelas vossas orações vos hei de ser conce­dido" (Filem om 22).

Se fosse provável a datação de Filipenses com o sendo de R om a, por outros argum entos, a esperança expressa de Paulo de v isitar F ilipos outra vez não constitui argum ento decisivo contra essa datação.

O núm ero de viagens de ida e volta entre F ilipos e o lugar do cativeiro de Paulo, im plícitas na carta, leva alguns a ju lg a r que a carta originou-se em É feso, em vez de R o m a .43 A viagem entre Rom a e Filipos, ou vice-versa, exigia cerca de 40 d ia s ;44 a viagem entre F ilipos e É feso requeria apenas um a sem ana ou 10 d ia s .45

A época em que a carta foi escritaa. chegaram a Filipos as notícias da prisão de Paulo;b. Epafrodito viajou de Filipos, a fim de entregar uma oferta a Paulo

(4:18);

c. chegaram notícias a Filipos da doença de Epafrodito (2:26);d. chegaram notícias a Epafrodito sobre a ansiedade dos filipenses, ao

saberem de sua doença (2:26);e. Epafrodito estava prestes a partir para Filipos, levando a carta de Paulo

(2:25, 28);

/ Timóteo deveria segui-lo em breve, tão logo os planos de Paulo se tomassem mais viáveis (2:19-23);

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g. O próprio Paulo esperava poder visitar Filipos, se fosse libertado (2:24).

Quatro destas viagens se realizaram ; as três últim as deveriam ocorrer em futuro próxim o. Porém , as quatro prim eiras estâo descritas de modo que deixam im plícito que Epafrodito caiu doente após ter chegado no lugar onde estava Paulo: como fica sugerido abaixo, no com entário sobre 2:26, os fatos nâo aconteceram assim , necessariam ente; E pafrodito p o ­deria ter ficado doente a cam inho do encontro com Paulo. Isto reduziria o tem po necessário para as sucessivas viagens. Em qualquer caso, como esclarece C. H. Dodd, "seja onde for que Paulo estivesse na época, as circunstâncias exigiam intercom unicações freqüentes com Filipos; ape­sar de E feso estar bem perto, o cativeiro rom ano tam bém foi longo". Paulo morou dois anos em Rom a e só então é que seu caso subiu aos tribunais; quando Filipenses foi escrita, estava im inente um a decisão a respeito do apóstolo. Houve, então, m uito tem po, suficiente para todas as viagens efetuadas.

Tem sido argumentado que a expressão de agradecimentos de Paulo aos filipenses, iniciada com um "finalmente" — finalm ente eles haviam de­monstrado cuidado pelo apóstolo outra vez (4:10) "nâo pode deixar de ser considerada repreensão, uma repreensão sarcástica, na verdade," caso a carta nâo fosse enviada até o período do cativeiro romano. Esta interpretação tam bém tem sido levantada como argumento favorável à origem efésia da carta. Como ficará demonstrado no comentário sobre essa passagem, entre­tanto, tanto Paulo quanto os filipenses sabiam bem que o longo intervalo que permeou o envio das ofertas era devido ao costume financeiro do próprio Paulo, e não a alguma negligência da parte dos filipenses. Outros eruditos, na verdade, têm dito que a expressão de agradecimentos de 4:10-20 constitui um a cartinha separada, que antecedeu a principal carta, dentro da qual esse bilhete teria sido inserido editorialmente.

Isso levanta a questão sobre se essa carta, como se nos apresenta hoje, é com pilação.

Documento Único ou Compilação de Fragmentos?

M ais especificam ente em tem pos recentes é que se levantaram algu­mas questões sérias quanto à unidade literária da carta. Na verdade, Policarpo escreveu aos crentes filipenses na prim eira m etade do segundo séculoTlêm brando-lhes de como Paulo nâo só lhes ensinou "a palavra da verdade", quando presente entre eles, "como tam bém , quando ausente,

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Introdução 27

vos escreveu cartas" {Aos Filipenses 3:2). Há grave risco em inferir-se daí que Policarpo entendia que a carta canônica se com punha de docu­m entos separados: se ele nâo está usando um plural generalizante, pode ter em m ente outras cartas que nâo chegaram até nós, além dessa que sobreviveu.

M uitos com entaristas (talvez a m aioria deles) ainda crêem na unidade do docum ento, mas há os que o consideram uma com pilação de fragm en­tos. G ünther B ornkam m o descreveu com o "uma coleção de cartas p au lin as ."50 Há duas seções, de m odo especial, que alguns pensam constituir inserções na carta principal:

(a) a nota de agradecim entos de 4:10-20 e(b) a seção que se inicia em 3:2 e prossegue até o capítulo 4.N ota de agradecim entos (4:10-20). A nota de agradecim entos de

4:10-20 vincula-se ao corpo principal da carta m ediante a referência a Epafrodito (4:18; cf. 2:25-30). Em ambas as passagens trata-se da m esm a e única m issão de Epafrodito . Todavia, os que inferem de 2:25-30 que E pafrodito gastou tem po considerável com Paulo, após lhe haver en tre­gue a oferta filipense, tendo ficado doente logo depois, chegam à con­clusão de que Paulo enviou essa nota de agradecim ento tão logo recebeu a oferta, nâo tendo esperado, portanto, que Epafrodito se curasse e pudesse voltar para casa. D eduzem , daí, que a nota de agradecim entos deve ter sido rem etida antes da carta p rin c ip a l.51

Contudo, se Epafrodito caiu doente a cam inho da visita a Paulo (o que é m ais provável), e o apóstolo o rem eteu de volta a Filipos antes do tem po planejado, a fim de aliviar a ansiedade dos am igos filipenses concernente a E pafrodito , teria sido m uito conveniente que o v iajante convalescido levasse consigo a nota de agradecim entos — jun to a um a carta mais longa, ou inserida nela (veja com entários sobre 2:26-28). (Se a nota foi enviada anexa à carta m aior, posteriorm ente teria sido incluída nela.)

A dvertência Contra os M aus Obreiros (3:2ss.). As três características principais desta seção são:

(a) vem depois do "finalm ente" (3:1)(b) a diferença de tom, em relação ao restante da carta, e(c) sem elhante aos últim os quatro capítulos de 2 Coríntios.A expressão "quanto ao mais" (gr. to loipon em 3:1 (usada outra vez

em 4:8), poderia ser considerada preparação do autor para a conclusão da carta; entretanto, nâo se pode afirm ar m uita coisa em cima dessa

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expressão apenas, visto que em cartas inform ais (não se falando de serm ões), as palavras que sugerem a aproxim ação da conclusão podem vir m uito antes da própria conclusão.

Entretanto, a repentina severidade da advertência, nesta seção, e sua sem elhança em tom e assunto com 2 C oríntios 10-13 exige algum a explicação. Na verdade, há diferenças: enquanto em 2 C oríntios 10-13 os "falsos apóstolos" já estão de fato operando em Corínto, tal não fica im plícito de F ilipenses 3:2ss.: não se sabe se os "m aus obreiros" já estavam trabalhando em Filipos — e tam pouco se havia qualquer d ispo ­sição entre os crentes filipenses para dar-lhes ouvidos.

Em Corínto, os intrusos proclam avam ter credenciais e realizações m ais elevadas do que as de Paulo, de m odo que o apóstolo se sentiu obrigado ("envergonhado o digo", 2 C oríntios 11:21) a argum entar que se tais credenciais e realizações que eles aparentem ente estavam apre­sentando fossem realm ente necessárias, ele, Paulo, poderia apresentar um currículo m uito m ais im pressionante que qualquer desses intrusos. Paulo trilha um cam inho sem elhante em F ilipenses 3:4-16, observando que se fosse adequado alim entar confiança nas dotações naturais e nas realizações, o apóstolo não se sentiria perdido, m as cheio de razões para ter confiança. Entretanto, tudo quanto antes ele valorizava agora despre­za com o inútil — e lança-se, em seguida, a um a eloqüente declaração das coisas que realm ente têm valor: o conhecim ento pessoal de Cristo, a participação em seus sofrimentos, a esperança de ressurreição com ele e a ambição de cum prir o alto propósito para o qual ele foi chamado por Cristo.

C. H. Dodd, que aceita Filipenses com o sendo um docum ento único, datado do cativeiro de Paulo em Rom a, cita F ilipenses 3:13-16 com o indicando "m uito claram ente o que a experiência havia fe ito desse hom em por natureza orgulhoso, autoconfiante e im paciente". Tam bém provendo evidências para sua tese segundo a qual na época da "tribulação que nos sobreveio na Ásia" (2 C oríntios 1:8), o apóstolo passou por um a "segunda conversão" que lhe resultou em m arcante m udança de tem pe­ram en to .52 Entretanto, é difícil reconhecer tal "m udança de tem peram en­to" na form a com o Paulo trata os "m aus obreiros" no próprio contexto de 3:13-16 — na fustigação dos "cães" de 3:2 ou na denúncia dos libertinos de 3 :18 ,19 . É verdade que ele afirm a estar escrevendo aquelas palavras de denúncia "chorando", enquanto em 2 C oríntios 10— 13 talvez ele houvesse escrito aquelas palavras m ais com ira do que com

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Introdução 29

tristeza. E ntretanto, não há grande diferença entre a linguagem de Paulo nesta ou naquela carta. Se houver alguma base para a tese de D odd quanto a um a "segunda conversão" (en a verdade há algum a), deveríam os, então, dizer com T. W. M anson que Filipenses 3:2ss. "se entende m elhor antes da segunda conversão, do que d ep o is ."53

E m uito im provável que se possa tirar algum a inferência de um a m udança de perspectiva que se tenha verificado entre a expectativa de Paulo em 3:20, 21, quanto a partilhar a "m udança" que os crentes rem anescentes experim entarão quando da volta de Cristo, e a expectativa do apóstolo em 1:23, de estar "com Cristo" ao m orrer; a possib ilidade de ser executado, com o resultado do ju lgam ento pendente, é suficiente para explicar sua expectativa de 1:23, enquanto em 3:20, 21, Paulo declara (talvez em form a de credo) a esperança dos crentes em geral.

À parte isso, se fosse possível vencer tal quebra de "probabilidade b ib liográfica" como a divisão de F ilipenses em duas cartas originaria- m ente separadas, m uito se poderia dizer a favor da datação de 3:2ss. no m esm o período genérico de 2 Coríntios 10— 13, datando a carta com o um todo no final do cativeiro rom ano de Paulo. Em bora as pessoas antipáticas de 1:15-18 não sejam as m esm as das m encionadas com tanta severidade em 3:2, 18, 19 (e, na verdade, aquelas não parecem haver adulterado o evangelho), a suavidade de Paulo, no entanto, ao referir-se àquelas pessoas fica em notável contraste com a forte invectiva contra estas outras, havendo a sugestão de um período interm ediário aplacador. Paulo aprendeu a enxergar m otivos para dar graças em situações que, noutros tem pos, tê-lo-iam levado a explodir de indignação.

Se supuséssem os que outra carta, ou parte de outra carta, se inicia em 3:2, até onde ela iria? Com certeza até 4:1, com aquele apelo aos filipenses: "estai assim firm es no Senhor, am ados"55 mas talvez até 4 :3 56

e possivelm ente até 4:9. Se a carta se encerrasse em 4:9, teríam os um a conclusão satisfatória para um a carta, em que o últim o parágrafo se iniciaria com "Quanto ao mais, irm ãos", encerrando-se com um a bênção: "E o Deus de paz será convosco." A seguir, a carta principal anunciaria sua conclusão: "Quanto ao m ais, irmãos m eus, regozijai-vos no Senhor" (3:1), seguida d an o ta de agradecim entos (4:10-20) e a saudação eb ên ção finais (4:21-23). Entretanto, todos os argum entos em prol de considerar- se F ilipenses como sendo produto de com pilação na m elhor das h ipóteses são apenas tentativas. O ju lgam ento de W. G. K üm m el deve m erecer

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14 Filipenses

respeito: "Nâo existe... razão suficiente para c^ue se duvide da unidade original de F ilipenses, com o foi transm itida ."5

Propósito

O propósito da carta só pode ser form ulado após considerar-se todo

seu conteúdo.Epafrodito estava de regresso a Filipos por causa da insistência de

Paulo, que aproveitou a oportunidade e lhe entregou um a carta dirigida aos crentes filipenses, agradecendo-lhes a oferta de que E pafrodito havia sido portador, agradecendo-lhes tam bém pela participação geral e cons­tante deles, em seu m inistério, e explicando-lhes incidentalm ente por que estava enviando E pafrodito de volta tão depressa.

Ao m esm o tem po, Paulo aproveita a oportunidade para dar-lhes inform ações sobre sua situação atual, a fim de prepará-los para a im inente visita de T im óteo, a qual seria seguida (assim esperava Paulo) de uma visita dele m esm o. O apóstolo os adverte contra um a variedade de elem entos que rondavam as igrejas subvertendo a fé e a m oral cristãs. Contudo, o principal objetivo de Paulo era, evidentem ente, estim ular o espírito de unidade entre os crentes. O que m ilitava contra tal unidade era a tendência natural para a auto-afirm ação, que Paulo com batia com toda a disposição de que era capaz. O exem plo de Cristo deveria inspirar seus seguidores no sentido de colocar os interesses dos outros diante de seus próprios interesses, e serem m arcados pelo espírito de autonegação e auto-sacrifício espontâneo. Se aprendessem essa lição, não apenas transbordariam o cálice de Paulo com alegria mas tam bém seriam liberados de tensões internas e seriam capazes de, jun tos com Paulo, regozijar-se no Senhor.

Nota: No início do livro há um a lista de abreviaturas usadas neste com entário (veja pp. 9-12).

Notas

1. Este texto (GNB) provavelmente deve ser original, embora nâo se encontre nos manuscritos gregos; foi preservado em alguns manuscritos da Vulgata Latina, e em versões provençais e alemãs, baseadas no latim; consulte E. Elaenchen, The Acts ofthe Apostles, p. 474.

2. Quanto ao nome completo, consulte a inscrição latina de Filipos, reprodu­zida por M. N. Tod, emAnnual ofthe British School atAthens 23 (1918-19), p.95, no. 21.

3. Cícero, On the Agrarian Law, 2.93.

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Introdução 31

4. Heródoto, History 5.17f.5. Idem, 7.173; 9.45.6. Ibid.,5.22; 8.137.7. Polybius, History 7.9.8. Idem, 18.22-28.9. Ibid., 31.29.

10. Livy, History 45.29.5ss.; cf. J. A. O. Larsen, Greek Federal States.11. Diodorus, History 32.9b, 15; Florus, Epitomel.30.12. Florus, Epitome 1.32.3; cf. M. G. Morgan, "Metellus Macedonicus e a

Província Macedônica," Historia 18 (1969), pp. 422-46.13. Strabo, Geography 1.1 A. Consulte, para um bom relato popular, F.

0 'Sullivan, The Egnatian Way.14. De 15 a 44 AD a Macedônia se uniu à Acaia, no sul, e à Moesia bem ao

norte para formar uma província imperial. (Tácito, Annals 1.76.4; 1.80.1.). Uma província imperial, diferentemente de uma província senatorial, exigia a presen­ça de unidades militares, e era governada por um legado nomeado diretamente pelo imperador. Consulte também F. Papazoglu, "Quelques aspects de l'histoire de la province Macédoine," in Aufstieg und Niedergang der romischen Welt, ed. H. Temporini e W. Haase, 2.7.1 (Berlim e Nova York: de Gruyter, 1979), pp. 302-69.

15. Cf. F. F. Bruce, 1 & 2 Tessalonicenses.16. O termo técnico para este quorum de dez homens é minyan.17. Homero, Iliada 4.141 s.18. Cf. W. W. Tarne G. T. Griffith, Hellenistic Civilisation, pp. 98s.; W. D.

Thomas ,"The Place of Women in the Church at Philippi," E xpT83 (1971-72), pp. 117-20. Consulte o comentário sobre 4:3 abaixo.

19. Cf. T. B. L. Webster, An Introduction to Menander (Manchester: Man- chester University Press, 1974), p. 191.

20. Por trás da frase grega traduzida por "sem sermos condenados" (Atos 16:37), W. M. Ramsay discerniu o termo legal romano re incógnita, "sem

investigar o caso" St. Paul the Traveller and the Roman Citizen pp. 224s.).21. Testament ofJoseph 8:4s. Veja W. K. L. Clarke, "St. Luke and the

Pseudepigrapha," JTS 15 (1914), p. 599; "The Use ofthe Septuagint in Acts," BC 1.2 (Londres: Macmillan, 1922), pp. lis.

22. Epictetus, Dissertations 2.6.26.23. Eurípedes, Bacchae 447s., cf, 586ss.; veja Orígenes, Against Celsus 2.34.

Quanto a um padrão corrente que seguidamente aparece nos relatos de fugas da prisão (cf. também Atos 5:19-23; 12:6-11) veja R. Reitzenstein, Die hellenis- tischen Wundererzahlungen (Leipzig: Teubner, 1906), pp. 120-122.

24. Inácio, A Policarpo 8:1.25. Policarpo, Aos Filipenses 13:226. Idem, 1:,2.27. F. C. Baur, Paulo: Sua Vida e Obras vol. 2, pp. 45-79.28. W. M. L. de Wette, Lehrbuch der historisch-kritischen Einleitung in die

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kanonischen Büucher des Neuen Testaments, p. 268.29. Baur, vol. 2, pp. 46-53.30. Idem, p. 53.31. Ibid., p. 53.32. Ibid., p. 55.32. 33. Ibid.,pp. 56-58. Veja comentário sobre 4:16.34. Ibid., pp. 58-64 .0 Flávio Clemente histórico é mencionado porDio Cássio,

Hist. 67.14; Suetônio, Domício 15.1. A explicação integral da lenda sobre Clemente, que envolve uma confusão entre Flávio Clemente com o pai apostó­lico Clemente de Roma, aparece no quarto século, nas obras Clementine Recognitions e Clementine Homilies.

35. Cf. A. Q. Morton, "The Authorship of Greek Prose," J R Stat Soe série A 127 (1965), pp. 169-233;" The Authorship ofthe Pauline Corpus," sm TheN ew Testamentin Historical and Contemporary Perspective: Essays in Memory o f G. H. C. MacGregoreá. W. Barclay eH . Anderson, pp. 209-35; The Integrity ofthe Pauline Epistles (Manchester: Manchester Statistical Society, 1965); M. Levison, A. 0 . Morton, and W. C. Wake, "OnCertain Statistical Features ofthe Pauline Epistles," Philosophical Journal 3 (1966), pp. 129-48.

36. Isto foi contestado por T. W. Manson, que sugeriu que o encarceramento mencionado em Filipenses 1:7, 13s., 17, foi o de Filipos (Atos 16:23-39) ou um breve período de custódia em Corinto, aguardando seu comparecimento diante deGálio (Atos 18:12-17); ele datou Filipenses como escrito durante o ministério efésio de Paulo, julgando que o encarceramento era o mais antigo, não aquele que o apóstolo estava sofrendo por ocasião da escrita (Studies in the Gospels and Epistles, pp. 149-67).

37. Cf. o prólogo "marcionita": "Os filipenses são macedônicos. Estes, haven­do recebido a palavra da verdade, permaneceram firmes na fé. O apóstolo oselpeia^escrevendo-lhes da pnsão em Roma,." * „ . , . ,

38. C f A. Ueissmann, Zur epnesimschen Gefangenschaft des AposteisPaulus," em Anatolian Studies Presentedto Sir W. M. Ramsayed. W. H. Buckler e W. M. Calder, pp. 121-27; P. Feine, Die Abfassung des Philipperbriefes in Ephesus-, W . Michaellis, Die Gegangenschaft des Paulus in Ephesus; Der B rie f des Paulus an die Philipper, J. H. Michael, The Epistle ofPaul to the Philip- pians; G. S. Duncan, St. PauTs Ephesian Ministry; "A New Setting for Paul's Epistle to the Philippians," ExpT43 (1931-32), pp. 7-11; "Were Paul's Impri- sonment Epistles Written from Ephesus?" ExpT 67 (1955-56), pp. 163-66; "Paul's Ministry in Asia — The Last Phase," NTS 3 (1956-57), pp. 211-18.

39. C1L\\\. 6085,7135,7136.

•2ÍSEsegundo se pen sav a , por M arcion (ca. 144 d .C .) e seus segm dores.

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Introdução 32

40. E. Lohmeyer, Der B rief an die Philipper pp. 3s., 38-49; também L. Johnson, "The Pauline Letters from Caesarea," ExpTôS (1956-57), pp. 24-26; J. J. Gunther, Paul: Messenger and Exile pp. 98-107; J. A. T. Robinson, Redating the New Testament, pp. 60s., 77-79.

41. A sede ocasional de Pilatos em Jerusalém é mencionada como praetorium (pretório) em Marcos 15:16; João 18:28, 33; 19:8.

42. B. Reicke ("Caesarea, Rome and the Captivity Epistles," em W. W. Gasque eR. P. M artin, eds., Aposto lie History and the Gospel, pp. 277-86), que defende a teoria segundo a qual as demais cartas do cativeiro provieram de Cesaréia, mas que a de Filipenses teria vindo de Roma, pensa que "era impossível que os leitores não entendessem a referência à Roma e aos funcionários de Nero" nesta saudação; ele compara a menção em seis inscrições romanas (C/J 284,301,338, 368,416,496) da sinagoga dos Augustenses, "os ex-escravos libertos" (p. 285). Compare o comentário e nota adicional ad loc.

43. Veja Duncan, St. PauTs Ephesian Ministry, pp. 80-81.44. Veja W. M. Ramsay, "Roads and travei (inNT)," em HDB5, pp. 375-402

(especialmente p. 385).45. Veja o itinerário em Atos 20:6-16.46. C. H. Dodd, "The Mind ofPaul: II," em New Testaments Studies, p. 97.47. Manson, Gospels and Epistles, p. 157.48. Compare Dodd, New Testaments Studies, pp. 97-98.49. Tais questões eram levantadas esporadicamente, em tempos mais remotos:

um dos primeiros estudiosos a apontar os problemas relacionados com a unidade (que era aceita) das cartas, foi S. Le Moyne, Varia Sacra (Leiden: Daniel à Gaesbeeck, 1685), vol. 2, pp. 332-43.

50. G. Bomkamm, "DerPhilipperbrief ais paulinische Briefsammlung" em W. (' van Unnik, ed., Neotestamentica et Patristica, pp. 192-202. Veja também F. W. Beare,^4 Commentary on the Epistle to the Philippians, pp.4,149-57; B. D. Rahtjen, "The Three Letters of Paul to the Philippians", NTS6 (1959-60), pp. 167-73; W. Schmithals, Paul atui the Gnostics, pp. 67-81.51. Veja Beare, Philippians, p .150. Rahtjen, "The Three Letters," p. 170,

•li f-uinenta que Epafrodito já havia sido enviado de volta a Filipos quando Paulo escreveu 2:25-30 — que Paulo não diz : "Por isso, tanto mais me apresso em mandá-lo" (2:28, "Almeida Revista e Atualizada"), mas "Por isso vo-lo enviei nmis depressa" (ECA). O tempo do verbo epempsa (mandou) indica aconteci­mento passado.

52. Dodd, New Testament Studies, pp. 80-82.53. Msnson, Gospels and Epistles, pp. 163, 164.54. Com esta expressão de repreensão suave, mas erudita, F. G. Kenyon

eo«l limava derrubar algumas hipóteses literárias e críticas (como em The Bible mui Modern Scholarship, Londres: JohnM urray, 1948, p. 37). Rupturas assim• k orriam, de vez em quando, e isto fica demonstrado pela (praticamente certa) Itmcrção da posterior "Constituição de Draco" na Constituição de Atenas in e.lotólica, de que Kenyon produziu a primeira edição impressa em 1891.

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34 Filipenses

55. Também Beare, Philippians, pp.24,25.56. Também Bomkamm, "Der Philipperbrief ais paulinische Briefsammlung,"

p. 195; também, (mais recente) J. E. Symes, "Five Epistles to the Philippians,"The InternrpterlO (1913-14), Dp. 167-70.

57. Tambem Rahtjen, The Three Letters , pp. 171,172. Entretanto, esse autorconsidera 3:2-4:9 como carta posterior, a qual "segue o padrão clássico do

testamento de um pai moribundo a seus filhos."58. W. G. Kümmel, Introduction to the New Testament, p. 237. A unidade da

carta é defendida também por B. S. Mackay, "FurtherThoughtsonPhilippians," N TS1 (1960-61), pp. 161-70; V. P. Fumish, "The Plan andPurpose ofPhilip- pians iii", NTS 10 (1963-64), pp. 80-88; T. E. Pollard, "The Integrity of Philippians," NTS 13 (1966-67), pp. 57-66; R. Jewett, "TheEpistolary Thanks- giving and the Integrity of Philippians," NovT 12 (1970), pp. 40-53.

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1. Preâmbulo (Filipenses 1:1-2)

O preâm bulo, ou saudação introdutória de um a carta antiga, norm al­m ente continha três elem entos:

(a) nom e do rem etente, ou dos que assinavam a carta;(b) nom e do destinatário, ou a quem deveria ser transm itida; e(c) cum prim entos e felicitações.São abundantes os exem plos de cartas da época do Novo Testam ento,

em grego e em latim, tanto literárias quanto comuns. Exem plos mais antigos são fragm entos de correspondência oficial da corte persa, m en­cionados no livro de Esdras; com pare Esdras 7:12, "A rtaxerxes, rei dos reis, ao sacerdote Esdras, escriba da lei do D eus do céu: Saudações." Este padrão é seguido aqui, com o tam bém em todas as cartas do N ovo Testam ento.

N esta carta que principiam os a estudar, Paulo e Tim óteo são m encio ­nados como rem etentes e "todos os santos em Cristo Jesus, que estão em Filipos" são os destinatários, sendo "graça" e "paz" os votos de bem -estar e felicidade.

1:1 / Paulo é o único autor da carta, ainda que o nom e de T im óteo seja acrescentado neste preâm bulo. Percebem os isto quando Paulo diz: "Dou graças ao meu Deus" (Filipenses 1:3). Ao contrário do que acontece em C olossenses 1:3, onde o nom e de Timóteo aparece ju n to ao de Paulo no preâm bulo, Paulo diz: "G raças dam os a Deus". Posteriorm ente, na carta aos filipenses, Paulo se refere a Tim óteo pelo nom e, com o verbo na terceira pessoa (2:19).

Tim óteo tem seu nom e associado ao de Paulo no preâm bulo em sinal de am izade. O m oço estava com Paulo à época em que a carta estava sendo escrita e até poderia ter agido com o secretário de Paulo, tom ando- lhe o ditado. Ele era bem conhecido entre os crentes filipenses, tendo sido m em bro da equipe m issionária que levou o evangelho àquela cidade pela prim eira vez. A presença de Tim óteo está im plícita, e não expressam ente declarada, conform e Atos 16:11-40.

Tim óteo era nativo de L istra, na L icaônia, nascido de um casam ento m isto, pois sua m ãe e ra ju d ia e seu pai grego. Foi educado na fé ju d a ica mas não havia sido circuncidado na infância. D urante a prim eira visita

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54 (Filipenses 1:15-17)

de Paulo e B arnabé à sua cidade natal (Atos 14:8-20) ele se converteu ao cristianism o. Q uando Paulo passou por ali outra vez, um ou dois anos m ais tarde, ficou im pressionado com o desenvolvim ento espiritual de T im óteo, que era reconhecido por crentes íntegros de L istra e de Icônio.

Paulo decidiu nom ear Tim óteo seu cooperador pastoral para que este trabalhasse em seu m inistério apostólico, m as circuncidou-o prim eiro, a fim de regularizar sua situação religiosa anômala: sendo filho de m ãejudia, não era um cristão gentio, mas um judeu em tudo, exceto quanto à circun­cisão.

Paulo e T im óteo bem sabiam que a circuncisão não faria a m ínim a d iferença quanto à sua situação perante D eus; todavia, a circuncisão tinhao objetivo de rem over um a verdadeira barreira nas relações de Paulo com as autoridades da sinagoga (Atos 16:1-3).

Com grande disposição Timóteo uniu-se a Paulo, a quem passou a servir com devoção como colaborador; o desprendimento desse moço pode ser avaliado pelas palavras elogiosas de Paulo em Filipenses 2:20-22.

Paulo e Tim óteo são descritos como servos (literalm ente "escravos") de Cristo Jesus. Em Rom anos 1:1 Paulo se apresenta como "servo de Cristo Jesus, cham ado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus."

Ao dirigir-se aos filipenses, Paulo não tinha necessidade de enfatizar sua autoridade apostólica, como o fez ao dirigir-se às igrejas da Galácia e de Corinto: não havia a tendência, em Filipos, para deixar de reconhecer sua autoridade, com o acontecia naquelas outras igrejas.

Tem sido argum entado que o term o "servos", aqui, não tem o sentido de "escravos", porque a palavra grega "do u lo s” é usada na LX X (versão grega do Velho Testam ento) referindo-se a alguém a quem Deus usa num m inistério especial, ou através de quem D eus fala, com o M oisés (Ne- em ias 10:29), Josué (Josué 24:29), Davi (Salm o 89:20 [LXX: 88:21], Jonas (2 Reis [LXX: 4 Reis] 14:25), todos os quais são cham ados de "servo (Grego: doulos) do Senhor."

Entretanto, os leitores das cartas de Paulo entenderiam m ais depressa que o apóstolo queria dizer que era um "escravo" de Cristo no sentido de hum ildade, pois esse era o sentido que a palavra tinha para eles. Não há dúvida de que Paulo considerava um a honra elevada ser escravo de Cristo, m as tam bém deixava im plícito, pela palavra "escravo", que estava totalm ente à disposição de seu Senhor. No entanto, por essa

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(Filipenses 1:15-17) 55

m esm a razão suas palavras e ações tinham a autoridade de seu Senhor, e naquele trabalho de servo Paulo sentia liberdade perfeita.

Os destinatários da carta são cham ados de santos ou de "povo santo", pessoas a quem D eus separou para si m esm o — designação m uito com um de Paulo para os crentes em suas cartas (conform e R om anos 1:7;1 C oríntios 1:2; 2 C oríntios l : l ;E fé s io s 1:1; Colossenses 1:2).

A designação grega " hagios” tem raízes nos tem pos do AT quando Deus celebrou um a aliança com Israel, depois de havê-lo libertado do Egito. D eus o cham ou de "nação santa" (Êxodo 19:6) e intim ou o povo: "Sede santos porque eu sou santo" (Levítico 11:45). Esta intim ação é trazida ao NT e im posta sobre o povo da nova aliança. O uso cristão tam bém pode ter sido influenciado, até certo ponto, pela descrição que Daniel faz do rem anescente eleito, no fim dos tem pos: "os santos do Altíssim o" (Daniel 7:18, 22, 27). E provável que Paulo tenha em m ente í» descrição de D aniel, quando afirm a que "os santos hão de ju lg a r o mundo" (1 Coríntios 6:2).

Paulo escreve, a seguir, a todos os santos em Cristo Jesus que estão «Mi Filipos — isto é, à igreja toda naquela cidade. Suas cartas anteriores •;ao endereçadas explicitam ente às igrejas em várias cidades, conform e <«álatas 1:2; 1 Tessalonicenses 1:1; 2 Tessalonicenses 1:1; 1 C oríntios 1:2; e 2 Coríntios 1:1.

Paulo introduz variações em suas ú ltim as cartas às igrejas, quanto à rrdação (Rom anos 1:7; C olossenses 1:2; E fésios 1:1). Ele descreve osi icntes com o estando em Cristo Jesus. Isto indica que os que crêem em ( i isto estão unidos a ele, a nova vida da qual participam representa seu quinhão na vida e ressurreição de Cristo. Esta idéia é idêntica àquela que I' tiilo expressa noutra passagem , quando fala dos crentes com o sendo im-mbros do corpo de Cristo, 1 Coríntios 12:12,27, e R om anos 12:4.

I >entre as pessoas a quem a carta é endereçada, Paulo m enciona de modo especial os bispos e diáconos. As palavras gregas assim traduzidas MI iam a ser preservadas (em português estas palavras tam bém são ilrtiv ad as do grego). Paulo e seus com panheiros estim ularam as qualida­des de liderança nas igrejas que plantaram . Q uando os crentes com uns, u4 ovelhas do Senhor, eram lentos em reconhecer os irm ãos que dem ons- iMvnm tais qualidades, eram adm oestados a fazê-lo de imediato. Os 111 Irres em potencial poderiam até ser m encionados por nom e (como emI Coríntios 16:15-18).

Page 36: Filipenses - Novo Comentário Biblico

54(Filipenses 1:15-17)

Não havia nenhum a designação oficial para os líderes eclesiásticos nas igrejas paulinas. Em Tessalônica eram designados com o: "os que trabalham entre vós, e os que presidem sobre vós no Senhor, e vos adm oestam " (1 Tessalonicenses 5:12). Talvez os próprios crentes f i l i ­penses é que se referiam a seus líderes na igreja como episkopoi, "os bispos que governam " (o m esm o term o é aplicado aos anciãos da igreja de É feso em A tos 20:28, a fim de expressar a responsabilidade deles como pastores espirituais).

Os diáconos (gr. diakonoi) são aqueles que desem penham qualquer serviço na igreja. Nas cartas pastorais os deveres deles são m ais fo rm a­lizados (cf. 1 T im óteo 3:8-13).

N esta carta aos filipenses é incerta a razão da m enção especial a bispos e diáconos. M uitos estudiosos, de Crisóstom o em diante, têm ensinado que estes oficiais fo ram os responsáveis pelo envio de E pafrodito com um a oferta para Paulo. F. W. B eare acha possível que Paulo desejasse atrair a atenção dos líderes para a obra de Epafrodito . E. B est considera a possibilidade de haver Paulo recebido um a carta form al, assinada pelos "santos em C risto Jesus que estão em Filipos, com os bispos e diáconos," e usou este jo g o de palavras, em sua resposta. E po r isso, de fo rm a proposital e perspicaz, evita atribuir-se qualquer título além do "escravo de Cristo Jesus."

C inqüenta anos mais tarde, quando Policarpo escreve à ig reja filip en ­se, esta ainda é adm inistrada por um a pluralidade de líderes, a quem ele cham a de "anciãos" {To the Philipens 6:1; 11:1).

1:2 I A esta altura do preâm bulo de um a carta grega, o rem etente norm alm ente desejaria "alegria" a seu correspondente; num a carta latina, ele desejaria "perfeita saúde." Paulo herdou o costum e hebraico (e sem ítico, generalizado) de desejar ao destinatário "paz" (Heb. shalôm), mas freqüentem ente ele am plia seus votos para "graça e paz." É possível que se tratasse de um a expressão usual em bênçãos nas sinagogas ou igrejas. N um a obra ju d a ica posterior, apocalíptica, do prim eiro século, um a carta provavelm ente enviada por B aruque às tribos de Israel depor­tadas pelos assírios, apresenta um cabeçalho: "M isericórdia e paz" (2 B aruque 78:2). Paz é a som a total das bênçãos tem porais e espirituais, e a graça é a fon te de onde provêm .

A graça...e paz que Paulo invoca sobre seus destinatários quase sem pre derivam da parte de D eus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.

Page 37: Filipenses - Novo Comentário Biblico

(Filipenses 1:15-17)55

A íntim a associação de Cristo com Deus, em expressões desse tipo, testifica do lugar que Cristo ocupava no pensam ento de Paulo. Sendo aquele que ressurgiu e fo i exaltado, Cristo recebeu de Deus a designação de "Senhor" — o "nom e que é sobre todo o nom e" (Filipenses 2:9) — revestido de hum anidade celestial (1 C oríntios 15:45-49).

D eus e Cristo são um na origem e na concessão da salvação. A boa vontade incondicional em prol dos seres hum anos que fo i m anifestada na obra redentora da cruz é sempre cham ada "graça de D eus" (R om anos 5:15) e de "graça de nosso Senhor Jesus Cristo" (Filipenses 4:23). De m odo sem elhante, o estado de vida a que essa obra redentora conduz os crentes — paz com D eus e paz uns com os outros — é sem pre cham ada "paz de D eus" (Filipenses 4:7) e "paz de Cristo" (Colossenses 3:15).

Notas Adicionais 1.

1:1 / Quanto à circuncisão de Timóteo feita por Paulo, veja-se M. Hengel, Acts and the History ofEarliest Christianity, p. 64.

Quanto à frase servos de Cristo Jesus, consulte-se K. H. Rengstorf, TDNT, vol. 2, pp.261-80, s. v. [doulos, etc. (specially 276, 277). G. Sass,"Zur Bedeu- tung von doulos bei Paulus," ZNWAO (1941), pp.24-32, conclui que para Paulo trata-se de um título honorífico.

Quanto à expressão santos em Cristo Jesus (Filipenses 4:21), consulte-se O. E. Evans, Saints in Christ Jesus: A Study ofthe Christian Life in the New Testament. Veja-se também o capítulo "The Corporate Christ" em C. F. D. Moule, The Origin ofChristology, pp. 47-96.

Nas Epístolas Pastorais os termos episkopos epresbyteros ainda são usados intercambiavelmente, havendo, pelo que se percebe, vários oficiais assim de­signados em determinadas igrejas (cf. 1 Timóteo 3:2; 5:17; Tito 1:5-7); suas qualificações são estabelecidas minuciosamente. A incidência de episkopoi e diakonoi usados em conjunto na literatura cristã, ocorre no Didache 5:1.

Em outras passagens das cartas paulinas, os crentes aqui denominados episkopoi são chamados deproistamenoi, os que "presidem" (Romanos 12:8; cf. 1 Tessalonicenses 5:12) que não constitui, entretanto, termo técnico. Veja J. B. Lightfoot, "The Christian Ministry," em Philippians, pp. 181-269; F. J. A. Hort, The Christian Ecclesia pp. 211-13; E. Best, "Bishops and Deacons: Philippians 1:1" TU 102 = SE 4 (1968), pp. 371-76; B. Holmberg, Paul and Power: The Structure ofAuthority in the Primitive Church as Reflected in the Pauline Epistles, pp. 100, 101,116 e 117.

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2. Ações de Graças Introdutórias (Filipenses 1:3-6)

O preâm bulo das cartas de Paulo freqüentem ente é seguido por um a expressão introdutória de agradecim ento. Gálatas constitui exceção, pois quase não havia m otivos que suscitassem agradecim entos em relação à situação em que se encontravam as igrejas gálatas.

A prioridade que Paulo atribuía à ação de graças, em geral, está explícita em R om anos 1:8: "Prim eiram ente dou graças ao meu Deus, por m eio de Jesus Cristo, no tocante a todos vós." O agradecim ento aqui em F ilipenses refle te "o senso de íntim a com unhão de Paulo com seus am igos filip en ses" ; a expressão dele é "incom um ente fervorosa" (0 'B rie n , p. 19). Como em outras passagens, a ação de graças de Paulo está interligada a um a oração.

1:3 / A form a verbal no indicativo dou graças tam bém é usada no agradecim ento introdutório de R om anos 1:8; 1 Coríntios 1:4; 2 T im óteo 1:3 e Filem om 4. No plural: "graças dam os", em Colossenses 1:3 e 1 Tessalonicenses 1:2. Temos :"sempre devem os, irm ãos, dar graças" em2 Tessalonicenses 1:3. Em 2 Coríntios 1:3, em Efésios 1:3, com o tam bém em 1 Pedro 1:3 encontram os a form a m ais litúrgica "B endito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo." B asta pensar em seus am igos cristãos em Filipos e outras cidades, e Paulo já encontra m otivo para dar graças a Deus.

1:4 O preâm bulo gratulatório de Paulo está repetidam ente ligado à certeza de suas constantes orações pelos am igos a quem escreve (cf. R om anos 1:9; E fésios 1:16; 1 Tessalonicenses 1:2; 2 Tim óteo 1:3; Filem om 4). Têm -se a im pressão de que o apóstolo não conseguia pensar nos am igos sem orar por eles, contudo ele intercedia principalm ente com o indivíduos e tam bém com o igreja, com regularidade e dentro de um program a estabelecido.

Não podem os ter certeza quanto às palavras em todas as m inhas orações, súplicas por todos vós, se elas estão intim am ente ligadas ao período seguinte (como acontece na NIV) ou se com o período p rece­dente: Dou graças ao meu D eus, sendo que neste caso estariam em conexão paralela com todas as vezes que me lem bro de vós.

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(Filipenses 2:17-6a) 99

A repetição de todas, todos, todas as vezes (são da m esm a e única raiz, no grego) é digna de nota, pois trata-se de um a característica do estilo de Paulo, em toda sua correspondência e de m odo especial nesta carta. Há três ocorrências nos versículos 3 e 4, que poderiam ser salien­tadas na seguinte tradução: "Dou graças ao meu D eus todas as vezes que me lem bro de vós, fazendo sem pre, em todas as m inhas orações, súplicas por todos vós com alegria."

A declaração de Paulo de que ele ora por todos eles com alegria introduz um a nota repetitiva nesta carta conform e vem os em: 1:18; 2:2,17, 18, 28, 29; 3:1; 4:1, 4, 10. Em contraste com m uitas outras de suas

igrejas, a igreja filipense dava a Paulo alegria pura quando pensava nela. É evidente que essa igreja não abrigava ensinos subversivos que haviam encontrado guarida noutras igrejas da Galácia, e tam pouco a libertinagem à m argem da ética, que era defendido por alguns m em bros da igreja de Corínto.

1:5 / O que desperta alegria da ação de graças em Paulo, de m odo particular aqui, é a enérgica disposição com que os crentes filipenses haviam cooperado com o apóstolo no evangelho, desde que ele v isitara a cidade pela prim eira vez. Enquanto Paulo estivera ali vários irm ãos "trabalharam com igo no evangelho" (4:3) e, após sua partida, p rossegu i­ram no testem unho ativo. Oravam por ele com regularidade (v. 19); m antinham contato com ele através de m ensageiros com o E pafrodito (2:25-30); enviavam -lhe ofertas, sempre que havia oportunidade — na verdade, um a das razões para o envio dessa carta era agradecer-lhes a ic-messa de um a oferta, pela m ão de Epafrodito ; aqui, Paulo antecipa de modo breve seu agradecim ento m ais elaborado de 4:10-20.

Eles haviam participado com generosidade na arrecadação de fundos para socorro dos fam intos de Jerusalém , cam panha que o apóstolo i> i ganizara em sua m issão evangelística entre os gentios, nos anos finais > Ir seu m inistério na costa do Egeu. Em 2 C oríntios 8:1-5 faz um caloroso rlogio da liberal doação feita pelas igrejas m acedônicas (dentre as quais figura a igreja filipense).

O fato de que a cooperação dessa igreja, no evangelho, havia prosse- Hilido sem interrupção até ag o ra , sugere que nada havia acontecido no •irio da com unidade filipense que causasse preocupação séria a Paulo.

1:6 / A ardente participação deles no m inistério evangélico de Paulo

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54 (Filipenses F. 15-17)

era um sinal seguro da obra da graça, que com eçava a operar em suas v idas quando, de início, creram na m ensagem salvadora. Paulo externa sua convicção de que aquele que em vós com eçou a boa obra a aperfeiçoará (cf. 2:13) até chegar à consum ação, na vinda de Cristo. De m odo sem elhante, em 1 Tessalonicenses 5:24, depois de orar para que seus leitores sejam "conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus C risto", Paulo e seus com panheiros afirm am : "Fiel é o que vos chama, o qual tam bém o fa rá ." A salvação é obra de Deus do princípio ao fim ; portanto, onde ela com eçou, certam ente se com pletará.

O dia de Cristo Jesus, cham ado "o dia de Cristo" no v. 10, e em 2:16, é o dia da v inda de Cristo em glória, que aguardam os (cf. 3:20). A expressão fo i tirada do AT: "dia do Senhor" — o dia em que Iavé, o D eus de Israel, reiv indicaria suajustiça , elim inando toda injustiça, onde quer que fosse encontrada, em prim eiro lugar e principalm ente entre seu povo (cf. Amós 5:18-20). Agora, todavia, por ordenação divina, "Jesus Cristo é Senhor" no sentido m ais augusto dessa palavra (2:11); o dia do Senhor é, portanto, o dia de Cristo Jesus. N um contexto cristão é o dia em que a v ida e obra do povo de Cristo serão avaliadas. "A obra de cada um se m anifestará, porque o dia a dem onstrará" (1 Coríntios 3:13); portanto, o ju lgam ento final deverá esperar o Senhor, "até que venha", e não deve ser antecipado por aqueles cujo conhecim ento dos m otivos e c ircunstân­cias pessoais dos outros é, pelo m enos, im perfeito (1 Coríntios 4:5).

A cim a de tudo, o dia de Cristo Jesus é o dia em que a salvação dos crentes, já principiada, será consum ada. De m aneira sem elhante a seus irm ãos e irm ãs de Tessalônica, os crentes de Filipos haviam aprendido algo: "... e aguardardes dos céus a seu Filho, a quem ele ressuscitou dentre os m ortos" (1 T essalonicenses 1:10), e a regozijar-se na "esperança da salvação", porque haviam sido escolhidos não para receber a retribuição divina, que recairá sobre os iníquos, no final dos tem pos, mas para "alcançar a salvação, por nosso Senhor Jesus Cristo" (1 Tessalonicenses 5:8,9). Portanto, para os crentes esse será um dia de luz e não de escuridão (em contraste com a advertência de A m ós 5:20, de que para alguns esse dia trará "trevas, e não luz").

Notas Adicionais 2

1:3 / Quanto a agradecimentos iniciais nas cartas de Paulo, consultem-se P. Schubert, Form and Function ofthe Pauline Thanksgivingse, P. T. 0 'B rien,

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(Filipenses F. 15-17) 55

Introductory Thanksgivings in the Letters ofPaul. Tais ações de graças têm sido identificadas em cartas escritas em papiro no mesmo período genérico: "Paulo estava, portanto, aderindo ao belo costume secular, quando com tanta freqüência iniciava suas cartas dando graças a Deus" (A. Deissmann, Lightfrom theAncient East, p. 181, no. 5).

O verbo aqui é eucharisteo (como em Romanos 1:8; 1 Coríntios 1:4; Filemom 4); cf. eucharistoumen qm Colossenses 1:3; 1 Tessalonicenses 1:2; eucharistein opheilomen em 2 Tessalonicenses 1:3; charin echo em 2 Timóteo 1:3; eulogetos ho theos em 2 Coríntios 1:3; Efésios 1:3.

As palavras todas as vezes que me lembro de vós (gr. epi pase te mneia hymon) poderiam ser traduzidas assim: "todas as vezes que vós lembrais de mim" (se hymon para genitivo subjetivo, e não objetivo); cf. Moffatt: "por todas as lembranças que fazeis de mim." P. T. 0 'B rien acha que "é melhor entender a frase como referindo-se ao fato dos filipenses se lembrarem de Paulo ao sustentá-lo financeiramente em várias ocasiões, antes" (Introductory Thanksgi­vings, p. 23). Se isto for verdade, Paulo estaria mencionando três razões para dar graças: o fato de eles se lembrarem do apóstolo, a participação contínua deles na obra do evangelho (v. 5), e a confiança de Paulo em que a boa obra será integralmente realizada (v. 6).

Por outro lado, em todas as dem ais passagens em que Paulo usa as palavras "lem brar-se" (mneia), em seus agradecim entos iniciais, é ele quem se lem bra de seus leitores (Rom anos 1:9; E fésios 1:16; 1 T essalo ­nicenses 1:2; 2 Tim óteo 1:3; F ilem om 4). A palavra mneia aparece um a única vez, noutra passagem , nas cartas de Paulo, significando na verdade que seus leitores se lem bram dele; não se trata, todavia, de agradecim ento introdutório (1 Tessalonicenses 3:6).

1:5 / A frase pela vossa cooperação (koinonia é tradução literal. Significa "participação" ativa da parte dos filipenses no ministério evangélico de Paulo, estando, portanto, correta. Entretanto, H. Seesemann, Der B egrijf Koinonia im Neuen Testament, pp. 73s., 79, defende um sentido mais passivo para a partici­pação dos crentes nas bênçãos salvíficas do evangelho: vossa cooperação no evangelho seria, assim, um rodeio de palavras para o significado de "vossa fé."

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3. Interlúdio (Filipenses 1:7-8)

Estas palavras pessoais com que Paulo se dirige aos filipenses de m odo direto afirm am sua profunda afeição por eles, e representam tam bém um a transição entre a ação de graças dos versículos 3-6 e a intercessão dos versículos 9-11.

1:7 / Os filipenses dem ostraram tão grande com unhão com Paulo que se tornou "m uito natural" (M offatt) que o apóstolo sentisse por eles o que sentia. A graça do m inistério apostólico havia sido concedida por Deus a Paulo (cf. Rom anos 1:5), m as ele se regozija quando seus convertidos tornam -se participantes a seu lado. A "cooperação" deles no testem unho do evangelho significava m uito para Paulo, quando o apóstolo estava livre para ir aonde bem entendia; e significava m uito m ais para ele, agora nas m inhas prisões. Não se deve inferir, da tradução da ECA, que as oportunidades de Paulo na defesa e confirm ação do evangelho eram m aiores quando ele estava em liberdade do que agora, em situação restritiva. Paulo havia entendido que os interesses do evan­gelho exigiam que ele estivesse exatam ente onde estava no m om ento: em prisão dom iciliar. Sabia que estava no posto de serviço determ inado por D eus "para defesa do evangelho" (v. 16), e aguardava a rara oportu­nidade de defesa e confirm ação do evangelho diante das altas autori­dades e m agistrados civis, quando seu caso viesse a ju lgam ento , em breve. Enquanto ele estivesse no lugar que D eus lhe determ inara, o m inistério que recebera haveria de prosperar. Esta certeza fo i fortalecida em Paulo pela firm eza com que seus am igos filipenses dem onstraram ser seus cooperadores em sua prisão e em seu contínuo testem unho evangé­lico.

1 :8 / Em m om entos de em oção intensa, Paulo tendia a invocar a Deus como sua testem unha (Deus me é testem unha; cf. Rom anos 1:9; 2 Coríntios 11:11, 31; 1 Tessalonicenses 2:5). Aqui, a em oção é uma profunda afeição. Cham ar a Deus com o testem unha não é indicação de que alguns filipenses precisavam ter bastante certeza da afeição paulina; Paulo nunca se m ostra reticente ao fa lar de seu am or pelos seus conver­tidos (cf. 2 C oríntios 12:15; Gálatas 4:19; 1 Tessalonicenses 2:8). E n tre­

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(Filipenses 2:17-8a)99

tanto, os term os que Paulo usa ao dirigir-se aos filipenses "dem onstram um a profundidade sem precedentes" (0 'B rien , p. 29). Paulo anseia pelos filipenses na terna m isericórdia de Cristo Jesus — eis um amor totalm ente desinteressado. "Não é Paulo, m as Jesus Cristo, quem vive em Paulo, de m odo que não é m ediante o coração de Paulo, m as pelo de Jesus Cristo, que Paulo age" (Bengel, ad loc.).

Fica enfatizada a união da igreja filipense em seu relacionam ento com Paulo; todos cooperavam no m inistério paulino e todos participavam da afeição cordial do apóstolo.

Notas Adicionais 3

1:7 / Porque vos retenho em meu coração (gr. dia to echein me en te kardia hymas poderia ser traduzido igualmente por "vós me tendes em vosso coração" (cf. NEB: "porque vós me retendes em grande afeição"). As duas traduções encaixam-se bem no contexto; é possível que a ordem das palavras favoreça a primeira tradução.

A g raça (gr. charis) concedida a Paulo é m encionada outra vez em1 Coríntios 15:10; Gálatas 2:9; Efésios 3:7, 8, 9 ("esta graça me foi dada a fim de que eu pregasse aos gentios as riquezas insondáveis de Cristo, e tomasse clara a todos a administração deste mistério").

As palavras defesa e conform ação do evangelho (gr. en te apologia kai bebaiosei tou euangeliou) podem ter conotações jurídicas, tendo em vista o esperado comparecimento de Paulo perante os tribunais.

1:8/A frase saudades que tenho de todos vós é tradução do verbo epipotheo, que Paulo usa repetidamente quando sente saudades de seus amigos, a quem quer ver: como em Romanos 1:11, 1 Tessalonicenses 3:6, 2 Timóteo 1:4; o substantivo epipothia é usado de maneira semelhante em Romanos 15:23; cf. Filipenses 2:26 a respeito de Epafrodito ter anseios de rever seus amigos filipenses; 2 Coríntios 5:2 sobre os crentes que "gememos, desejando ser revestidos da nossa habitação, que é do céu". Todavia aqui a palavra é usada sem um infinitivo dependente, referindo-se ao anseio afetuoso de Paulo por seus amigos: conforme ocorre em 2 Coríntios 9:14, a respeito do profundo amor que, assim espera Paulo, a igreja de Jerusalém nutrirá pelos seus convertidos gentí- licos, ao receberem o dom de Deus; também 2 Coríntios 7:7, 11, em que o substantivo epipothesis é utilizado com respeito ao afeto dos crentes coríntios por Paulo). Consultem-se C. Spicq, "Epipothein. Désirer ou chérir?"

RB 64 (1957), pp. 184-95; Notes de Lexicographie Néo-Testamentaire,1 (Fribourg: Editions Universitaires, 1978), pp. 277-79.

Na terna m isericórdia de Cristo Jesus, lit., "nas entranhas de Cristo Jesus". Entranhas (gr. splanchna é termo usado com freqüência significando centro das emoções (como "coração" no v. 7); cf. Filipenses 2:1.

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4. Oração Intercessória (Filipenses 1:9-11)

A ação de graças introdutória, que inclui em si um elem ento de oração, é seguida agora por um a oração intercessória (falando-se de m odo exato, é um a oração com "jeito" de relatório). O assunto abran­gente desta oração é idêntico ao da carta, com o um todo; na oração concentram -se os principais interesses que Paulo explica de fo rm a m ais m inuciosa ao longo da carta.

1:9 / E esta é a m inha oração: que se encaixa com "fazendo... súplicas" no versículo 4 (embora aqui o apóstolo use um a palavra diferente), pode significar "estou orando neste m om ento" (o que sem dúvida era expressão da verdade, em qualquer caso) ou opção m ais provável "eu oro por vós com regularidade, e é por isto que estou orando : que o vo sso am or au m en te m ais e m ais. Para Paulo, "o fru to do Espírito é o amor", acima de tudo, na vida das pessoas de quem o Santo Espírito tom a posse (Gálatas 5:22); "o amor de Deus está derram ado em nossos corações pelo Espírito Santo" (Rom anos 5:5). Se esse amor aum entar entre os filipenses, lhes rem overá as am eaças contra a unidade de coração e propósito, que surgem por ocasião de eventuais choques de personalidade e tem peram ento. Paulo retorna ao assunto em 2:2, onde o apóstolo incita seus leitores: "com pletai o meu gozo... tendo o m esm o amor".

Este am or, assim espera Paulo, se fa rá acom panhar de pleno co n h e­cim ento e tod a percepção. Paulo não estava cego aos perigos das em oções não contro ladas pela razão. Estava reso lv ido , por sua própria conta, a orar e cantar "com o espírito, mas tam bém ... com o en tend i­m ento" (1 Coríntios 14:15); o apóstolo estava preocupado, desejando que ele e seus convertidos pudessem am ar tanto no espírito quanto no entendim ento.

É o amor que proporciona o crescimento do verdadeiro conhecim ento e toda percepção, ou discernimento espiritual. O "conhecimento" divorciado do amor "incha" (provoca orgulho), enquanto "o am oredifica" (1 Coríntios 8:1). Entretanto, se o amor é indispensável, o pleno conhecim ento e toda percepção são necessários. A verdade do evangelho pode ser subvertida, quando a ignorância e ojulgam ento deficiente provêm apoio para o ensino

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(Filipenses 2:17-9 a)

prejudicial contra o qual os filipenses são alertados no capítulo 3.

1:10 / Quando tantas form as competitivas de doutrinas e de m odos de viver se apresentam à escolha dos crentes (como com certeza seria o caso no mundo mediterrâneo oriental, no primeiro século), o pleno conhecim en­to e toda percepção capacitarão os crentes a discernir as coisas excelentes (quanto a esta expressão, cf. Rom anos 2:18). Pode significar "saber o que é bom ou excelente" contrastando com "sutilezas e especulações vazias" (Calvino, ad loc.) ou como sugere a tradução de ECA discernir as coisas excelentes, "as melhores dentre as boas" (Bengel, ad loc.). Ambos os tipos de discriminação são necessários. Esse discernimento advém m ediante experiência amadurecida. Um texto clássico sobre o assunto no NT é H ebreus 5:14, que faz referência às pessoas espiritualm ente am adureci­das que "pela prática, têm as faculdades exercitadas para discernir tantoo bem com o o mal." Sem esta faculdade discrim inatória a pessoa não consegue desenvolver "o senso daquilo que é vital" (M offatt). E o efeito, não de um processo lógico de filosofia m oral, mas de percepção crescente do caráter e da vontade de Deus.

E im portante, diante do dia de Cristo, o dia da avaliação e recom pensa de seu povo (cf. v. 6), que os crentes sejam sinceros e inculpáveis. Os cristãos não poderão ser sinceros e inculpáveis se não viverem aqui e agora vidas sinceras e inculpáveis. Portanto, a escolha das coisas exce­lentes, das m elhores coisas, inclui a escolha im portantíssim a daquilo que é eticam ente o melhor. De m odo sem elhante, a oração de 1 T essaloni­censes 5:23 para que Deus possa guardar seus filhos "plenam ente con­servados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo" exige que o Senhor os "santifique com pletam ente" hoje.

1:11 / O fruto da ju stiça que Paulo deseja ver reproduzido na vida dos filipenses é, essencialm ente, idêntico àquelas graças que, de acordo com Gálatas 5:22, 23, com põem o "fruto (ou 'co lheita ') do Espírito." Tais qualidades são o produto espontâneo da nova vida im plantada dentro dos crentes, vida baseada na "justiça que vem de D eus pela fé" (3:9). É por causa da união dos crentes com Deus, pela fé, que eles m ostrarão o fruto da ju stiça , o qual vem por m eio de Jesus Cristo; este fru to se m anifestou com perfeição em seu próprio caráter e obra. Não existe lugar para autocongratulações, aqui.

E em vidas assim que Deus é glorificado. As palavras para glória e louvor

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54 (Filipenses F. 15-17)

de Deus fazem parte da sentença, mas ao mesmo tempo servem ao propósito de uma doxologia, concluindo o trecho de ações de graças e oração.

Notas Adicionais 4

1:9/ Quanto às orações intercessórias nas cartas de Paulo, veja-se G. P. Wiles,PauVs Intercessory Prayers.

M inha oração: gr. proseuchomai, enquanto no versículo 4 é usado o subs­tantivo cleesis. A palavra proseuchomai (que vem do substantivo proseuche) expressa o sentido mais generalizado de oração; ãeesis (com o verbo deomai) denota o elemento de petição da oração. Veja-se 4:6.

Conhecimento é a tradução do gr. epignosis (cognato de gnosis), usado no NT apenas para conhecimento moral e religioso. A GNB adiciona o adjetivo "verdadeiro" que, provavelmente, tem a intenção de comunicar a força do prefixo epi-; "o cognato epignosis tomou-se um termo técnico para designar o conhecimento decisivo de Deus, que fica implícito na conversão à fé cristã (R. Bultman, TDNTl, p. 707, s.v. ginosko, etc.).

Toda percepção é a tradução do gr. aisthesis ("percepção"), que não se acha em nenhuma outra passagem do NT. Denota aqui percepção moral; cf. aisthe- teria (" órgãos dos sentidos") em Hebreus 5:14, para faculdades morais treinadas "para discernir tanto o bem como o mal."

1:10. Sinceros é a tradução do gr. eilikrines ("não-misturado" e, portanto, puro, sincero), aqui como em 2 Pedro 3:1 no sentido moral (cf. o substantivo eilikrineia em 1 Coríntios 5:8; 2 Coríntios 1:12; 2:17). O adjetivo traduzido por inculpáveis é aproskopos, e pode ter força intransitiva ("que não tropeça") ou transitiva ("que não causa tropeços a outrem"), sendo a referência em ambos os casos de ordem ética. É provável que a força sej a intransitiva, aqui; em 1 Coríntios 10:32 é transitiva (diz a NIV: "não sejais causa de alguém tropeçar"). A outra (e única) ocorrência desse adjetivo no NT está em Atos 24:16, onde se aplica à "consciência sem ofensa" de Paulo.

1 :1 1 / Quanto a fru to ou colheita, usado em sentido ético cf. Provérbios 11:30; Amós 6:12; Efésios 5:9; Hebreus 12:11; Tiago 3:18. Aqui, fru to ou colheita de ju stiça (gr. karpos dikaiosynes poderia bem ser o fruto que consiste em justiça (dikaiosynes sendo tomado como genitivo de definição), porém, é mais do que isso, de acordo com a analogia de expressões similares, e com o próprio pensamento paulino que o entende como o fruto que provém do dom da justiça, ou da justificação que Deus, mediante sua graça, concede aos crentes. Enquanto o adjetivo cheios (gr. pepleromenoi comumente é usado como passi­vo, é muito possível tomá-lo como estando no tempo gerúndio, como na NEB: "Colhendo a safra total dajustiça" (cf. G. B. Caird, ad loc.).

Há uma variante curiosa, no final do versículo 11, onde em vez de para glória e louvor de Deus os manuscritos FG ocidentais (com Ambrosiaster) trazem: "para minha glória e meu louvor." O possessivo deve ser entendido no sentido de 2:16 ("para que no dia de Cristo possa gloriar-me"); ainda assim, está fora

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de lugar, aqui, embora J.-F. Collange (ad loc.) julgue tal idéia "de caráter suficientemente surpreendente para ser original" (ele compara "louvor" num con­texto escatológico semelhante, em 1 Coríntios 4:5).

(Filipenses F. 15-17) 55

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5. Situação Atual de Paulo (Filipenses 1:12-14)

Os crentes de F ilipos estavam profundam ente preocupados com P au­lo. N utriam caloroso afeto por ele; sabiam que estava preso agora, aguardando o ju lgam ento , e que seu caso deveria subir logo perante o suprem o tribunal do império. Como estaria Paulo nesse m om ento? E qual seria a decisão ju d ic ia l, após o ju lgam ento? E além de tudo, de que m aneira essa decisão e os fa tos precedentes contribuíram para m aior avanço do evangelho por todo o m undo rom ano?

Paulo sabe o que há na m ente dos filipenses, e por isso deseja tranqüilizá-los, transm itir-lhes um pouco da confiança que lhe enche o coração enquanto contem pla sua própria situação.

1:12. O fato do apóstolo aos gentios estar em cadeias poderia m uito bem ser considerado um golpe contra o avanço do evangelho que Paulo fora cham ado para pregar. Todavia, não era assim: fosse qual fosse a situação de Paulo, a palavra de Deus não estava presa (cf. 2 Tim óteo 2:9). Na verdade, a presença de Paulo em Rom a como prisioneiro, aguardando ju lgam ento , havia contribuído para m aior avanço do evangelho. Tra- tava-se de um prisioneiro fam oso, um cidadão rom ano que exercia sua prerrogativa, a de ter seu caso exposto perante o im perador; e Paulo fez questão de fazer que todos quantos entrassem em contato com ele ficassem sabendo que sua prisão dom iciliar se devia à pregação do evangelho, e não a alguma atividade política subversiva, nem a conduta criminosa.

1:13 / Toda a guarda pretoriana, diz Paulo, e todos os dem ais dealgum a form a relacionados com o meu caso conhecem as m inhas cadeias, em Cristo. Tem os aqui m ais um exem plo do uso "incorporati- vo" da frase "em Cristo" (veja acim a no versículo 1). Não se trata apenas do fato de Paulo ser um "escravo de Cristo", e por isso estar preso, com o traz a GNB; isso é verdade m as, perante seus olhos, faz parte de sua vida em Cristo, a quem está unido pela fé; é, de m odo especial, parte de seu com partilham ento nos sofrim entos de Cristo (cf. 3:10). É claro que os m em bros da guarda pretoriana e todos os dem ais a quem Paulo se refere não viam as coisas de seu ponto de vista, porém não podiam deixar

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(Filipenses 2:17-25a)99

de entender que Paulo estava na prisão pelo fato de ser um cristão.A guarda pretoriana é, literalm ente, o "praetorium ", isto é, a guarda

pessoal do imperador. A palavra "praetorium " tem vários significados, dependendo do contexto (cf. M arcos 15:16 par. M ateus 27:27 e João 18:28ss., quanto ao pretório em Jerusalém ; Atos 23:35, quanto ao pretó-

rio em Cesaréia); contudo, com o tem os argum entado na introdução, o sentido m ais provável aqui é a guarda pretoriana de Roma. H avendo apelado ao im perador, Paulo se tornara prisioneiro do im perador (embora preferisse ju lgar-se "prisioneiro de Cristo Jesus"), e enquanto esperava ju lgam ento foi-lhe "perm itido m orar à parte, com o soldado que o guardava" (Atos 28:16). Era natural que o soldado (substituído por um com panheiro a cada quatro horas, m ais ou m enos) pertencesse à guarda imperial. Seria de esperar-se, portanto, que as notícias concernentes a esse prisioneiro extraordinário se espalhassem por todo o quartel preto- riano.

A lém dos soldados, havia outras pessoas (todos os dem ais) que estavam interessadas em Paulo — de m odo especial os oficiais encarre­gados de preparar o processo para exposição perante o im perador. Paulo não afirm a haver convertido este ou aquele grupo, m as sente-se anim ado, porque dessa m aneira o evangelho tornou-se m otivo de conversação na capital, no coração do império.

1:14 / Não foi só isso: esses fa tos reanim aram os cristãos rom anos. Quando Paulo chegou a Rom a como prisioneiro, por causa do evangelho, alguns deles talvez houvessem perguntado se haveria segurança para os (|ue professassem a m esm a fé de Paulo. De acordo com Lucas, os líderes (Ia com unidade juda ica em Rom a decidiram que seria m elhor não se lelacionar com Paulo, nem se introm eter em seu caso (Atos 28:21).I n tretan to , quando o evangelho tornou-se assunto de conversa por causa da presença de Paulo na cidade, os crentes aproveitaram a ocasião e com eçaram a dar seu testem unho público com m aior confiança e vigor. Quando Paulo diz que isso é verdade a respeito de m uitos dos irmãos no Senhor, ele não está querendo dizer que um a m inoria recusou-se a .iproveitar a oportunidade para evangelizar; diz ele que tantos crentes evangelizaram , que essa ação caracterizou a igreja de Rom a com o um lodo. Nada poderia dar m aior alegria ao apóstolo.

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136(Filipenses 3 :1 5 -1 2 )

Notas Adicionais 5

1:12 / Quero, irmãos, que saibais é expressão chamada de "fórmula reve- ladora", por J. L. White, The Form andFunction ofthe Body ofthe GreekLetter, pp. 2-5, etc.; traz o autor muitos exemplos do uso dessa fórmula, que marca a transição de um agradecimento preambular para o corpo da carta. Cf. também J. T. Sanders, "The Transition from Opening Epistolary Thanksgiving to Body in Letters of the Pauline Corpus," JBLSl (1962), pp.348-62. É comum Paulo redigir a fórmula de modo negativo: "Não quero, porém, irmãos, que ignoreis" (Romanos 1:13, etc.).

1:14 / A frase no Senhor, que alguns associam a mais confiadam ente, sem tem or (é o caso de J. B. Lightfoot, ad loc.), deve associar-se a irmãos, "irmãos no Senhor", que são os "irmãos cristãos" (cf. C. F. D. Moule, IBNTG, p. 108). Talvez haja alguma nuance de diferença no significado de no Senhor e "em Cristo"; "a pessoa se toma no Senhor quandojá está em Cristo" (M. Bouttier, In Christ, pp. 54-61; cf. C. F. D. Moule, The Origin ofChristology, p. 59: "o que você é, já é 'em Cristo'e o que vai tomar-se é 'no Senhor"').

Falar a palavra de Deus: embora o genitivo "de Deus" esteja ausente de P 46 (a maioria dos testemunhos posteriores), é muito forte a certeza quanto ao sentido.

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6. Várias Razões para o Testemunho do Evangelho (Filipenses 1:15-17)

D ibelius deu o título de "dissertação" (ad loc.) a este parágrafo; Paulo acrescenta ao que já disse, que nem todos os que aproveitaram a oportu ­nidade para testem unhar do evangelho foram m otivados por sentim entos igualm ente dignos. Pelo m enos a oportunidade foi aproveitada e isso é causa de satisfação.

1:15 / Nem todos os crentes rom anos que estavam pregando o evan­gelho tão ativam ente possuíam o m esm o espírito de com unhão com Paulo. As casas-igrejas da cidade representavam um a grande variedade de perspectivas cristãs. H avia tanto cristãosjudeus com o gentios. A lguns deles (em am bos os grupos) nutriam sim patias por Paulo e suas práticas; havia os que partilhavam as m esm as suspeitas de outros adversários judeus, noutras cidades; havia outros de tendência gnóstica que conside­ravam a teologia paulina, o evangelho que ele pregava, como sendo algo curiosamente imaturo no qual faltava luz. E havia outros ainda, sem dúvida, que não tinham certeza quanto a que atitude tom ar em relação a Paulo. Entretanto, parece que aqui o apóstolo tem em mente pessoas que pregam o evangelho genuíno, independentemente da motivação por que pregam.

Por que alguns haveriam de pregar o evangelho de Cristo por inveja e porfía? Talvez sentissem inveja das realizações de Paulo, que levou o evangelho a tantas províncias, em tão curto tem po, e ju lgassem que poderiam ultrapassá-lo agora que o apóstolo estava encarcerado. Talvez se considerassem seguidores de algum outro líder, perante quem (a seus próprios olhos) Paulo era m ero rival; agora que P au lo já não estava livre para m ovim entar-se por onde bem entendesse, o líder deles conseguiria m aior progresso. H averia já um partido pró "C efas" em Rom a, como tinha havido alguns antigam ente em Corínto (1 C oríntios 1:12)?

Todavia, os crentes que pregavam o evangelho de boa m ente, alegra­vam -se ao pensar, enquanto trabalhavam , que partilhavam do m inistério de Paulo; o apóstolo lhes elogiou o m esm o espírito de participação com o qual elogiava tam bém aos crentes filipenses.

1:16 / Paulo am plifica suas referências aos dois tipos de pregadores

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54 (Filipenses F. 15-11)

usando um tipo de quiasmo. Ele critica, prim eiro (no versículo 16), os que pregavam de boa m ente (que foram m encionados por ú ltim o no versículo 15) e, em seguida (no versículo 17), critica os que pregavam por inveja e porfia, (que foram m encionados prim eiro no versículo 15). Os que pregavam de boa m ente foram m otivados por am or a Paulo. Reconheciam que D eus havia enviado o apóstolo a Rom a exatam ente com esse propósito — para defesa do evangelho. Como no versículo 7, provavelm ente ele tem em m ente a oportunidade que em breve se lhe apresentará de defender o evangelho perante o tribunal de César: é por isto, diz ele, que fui colocado aqui em Roma. Se Paulo, a despeito de suas restrições, estava prom ovendo os interesses do evangelho, aqueles c ren­tes de boa m ente não poderiam fazer menos: deviam desem penhar seu papel ao lado do apóstolo.

1:17 / M as, que se dirá daqueles cuja pregação não se originava de m otivos sinceros, m as de um espírito de contenda, não sinceram ente? É evidente que sentiam ciúm es do desem penho e prestígio de Paulo, com o pregador do evangelho. Fosse o que fosse que Paulo fizesse, eles conseguiriam fazer m elhor; estavam dispostos a provar que não ficariam atrás de Paulo em nenhum a realização, em nenhum aspecto. E les ju lg a ­vam (e esperavam ) que as notícias a respeito do que estavam fazendo haveriam de encher Paulo de desgosto e frustração. Já era hum ilhante para Paulo estar privado de sua liberdade: seria m ais hum ilhante ainda o apóstolo ficar sabendo que aquelas pessoas que não lhe queriam bem estavam progredindo na apresentação do evangelho.

Se a lguém julga difícil acreditar que alguns seguidores de Jesus Cristo poderiam de fato encontrar satisfação em esfregar sal nas feridas de Paulo é porque tal pessoa não consegue entender como a personalidade do apóstolo era controvertida até m esm o nos m eios cristãos, e com o era profunda e am arga a oposição atirada por alguns, devido a interpretação dada por Paulo ao evangelho, e em virtude de suas práticas m issionárias.

Porém , se pensaram que Paulo ficaria perturbado, ou ressentido, é que não conheciam este hom em . Se fossem m uito bem sucedidos na propa­gação do evangelho, isso seria o m aior bem aos olhos de Paulo. O m aior interesse de Paulo era que a m ensagem salvadora, "que a palavra do Senhor se propague e seja glorificada" (2 Tessalonicenses 3:1). O após­tolo sabia encarar atitudes inam istosas com indiferença tranqüila: que im portava a inim izade, se Cristo estava sendo pregado?

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(Filipenses F. 15-11) 55

Notas Adicionais 6

1:15 / W. Schmithals nos apresenta o argumento bastante fora do comum de que "as observações nos w. 15-17 só são significativas e pertinentes" se se referirem a grupos de pessoas de Filipos, "porque se se referissem ao local em que Paulo estava encarcerado teriam sido tão enigmáticas para os filipenses como são para nós" (Paul and the Gnostics, p. 75). Paulo aqui está dando informações aos filipenses sobre seus próprios atos, informações que eles não possuíam; e o apóstolo deixa implícito por toda a carta que a igreja filipense, como um todo, apoiava sua obra missionária.

T. W. Manson afirma que a referência aqui se liga ao sectarismo existente na igreja de Corínto; acredita Manson que Paulo havia deixado Corinto há pouco tempo, mas mantinha correspondência com esta igreja (Studies in the Gospels and Epistles, pp. 161s.). T. Hawthom argumentou que a distinção se faz entre os que pregam num espírito de antagonismo apocalíptico contra o estado e aqueles que, em sua pregação, manifestam a mesma atitude de boa mente como é o caso de Paulo em Romanos 13:1-7; aqueles com toda certeza pregam, julgando suscitar aflição às minhas cadeias ("Filipenses 1:12-19 com refe­rência especial aos w . 15, 16 e 17." ExpT62 [1950-51], pp. 316s.).

1 : 1 6 / 0 quiasmo fica anulado na maioria dos manuscritos posteriores que, (acompanhando D1 Psi) invertem a ordem dos w . 16 e 17 (cf. KJV).

1:17 / Não sinceramente (gr. ouch hagnos) é ligado por J.-F. Collange (ad loc.) a julgando (oiomenoi: "o julgamento deles não é puro..., i.é., não está isento de motivos ulteriores." A paráfrase de ouch hagnos é boa, porém iria melhor com anunciam a Cristo (cf. NIV: "aqueles pregam a Cristo... por motivos falsos").

Por contenda, não sinceramente (Gr. ex eritheias, em antítese a ex agapes, por amor, no v. 16). Quanto a eritheia, cf. 2:3. Essa palavra originalmente significava fazer alguma coisa por interesses materiais, ou por salário, e veio a denotar a atitude mercenária; no NT sempre é usada no mau sentido, denotando espírito sectário e a contenda adveniente. R. Jewett liga as pessoas a que Paulo se refere aqui com aquelas descritas em 2:21, como estando interessadas apenas em seus próprios interesses; julga ele que se trata de missionários que manti­nham o "homem divino" (theios aner como um ideal, e achavam que o espetáculo humilhante de Paulo na prisãojogou por terra esse ideal e compro­meteu a missão deles (" Conflicting Movements in the Early Church as Reflected in Philippians," NovT 12 [1970], pp. 362-90).

Julgando suscitar aflição às minhas cadeias. Quanto à suscitar (gr. egei- rein conforme as principais testemunhas alexandrinas e 'ocidentais') a maioria dos manuscritos posteriores com D2 Psi trazem "adicionar" (epipherein; diz a KJV: "supondo que estariam acrescentando aflições às minhas cadeias." ECA 6 preferível.

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/. Vida ou Morte? (Filipenses 1:18-26)

Paulo contem pla a m orte ou a absolvição como decisão final de seu processo pendente, com perfeita equanim idade. Sua preferência pessoal seria partir desta v ida e estar com Cristo, mas ele sabe que é mais im portante, por am or a seus am igos, que seja poupado e perm aneça com eles mais um pouco.

1:18 / A reação de Paulo contra os que lhe suscitavam dificuldades é m uitíssim o diferente do anátem a que ele invocou sobre aqueles ag itado­res, vários anos antes, que haviam invadido as igrejas da G alácia e ensinavam a seus neo-convertidos "outro evangelho", d iferente daquele que haviam ouvido da parte dele m esm o. É verdade que seus inim igos, que lhe desejavam o mal em Rom a, não se introm etiam na esfera m issionária m inisterial, que não lhes dizia respeito, não havendo a m ínim a pista quanto a algum defeito ou elem ento subversivo na pregação deles. Q uaisquer que fossem os m otivos deles — quer as atividades deles (por um lado) fossem um a capa acobertadora de suas am bições, quer fossem um a fo rm a de dim inuir o prestígio de Paulo, ou ainda (por outro lado), fossem o fru to de um desejo puro de divulgar o evangelho da salvação — o fato de prim ordial im portância era que Cristo estava sendo pregado (2 C oríntios 11:4). A inda assim , Paulo tem um a expressão doce: dem onstra m ais da "m ansidão e benignidade de Cristo" do que pudera dem onstrar, quando invocou essas graças ao exortar os m em bros insu­bordinados da igreja coríntia (2 Coríntios 10:1). É possível que seus dois anos de encarceram ento em Cesaréia, seguidos de m ais um cativeiro dom iciliar em Rom a, lhe houvessem ensinado novas lições sobre paciên­cia.

Há, aqui, um a extraordinária sim ilaridade entre a atitude de Paulo e as palavras de Lutero, m encionadas com m uita freqüência, extraídas do prefácio à carta de Tiago, em seu Novo Testam ento em alem ão, em 1522: "A doutrina que não ensina a Cristo não é apostólica, ainda que Pedro ou Paulo a tenham ensinado. E mais, a pregação que ensina a Cristo é apostólica, ainda que Judas, Anás, Pilatos ou H erodes a tenham pregado." O que im porta é o conteúdo da pregação, não a identidade do pregador.

Paulo se regozija, pois, e prossegue regozijando-se, não só pelo fato

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(Filipenses 2:17-28a)99

• I r que Cristo está continuam ente sendo anunciado, mas tam bém por Iodas as circunstâncias e situações.

1:19 / Paulo vê a mão de D eus m anifestando-se em tantas obras, na riituação que ele acaba de descrever, que não resta a m enor dúvida quantoii ser aquele o lugar em que Deus quis que ele estivesse, para o cum pri­mento de sua comissão apostólica. Tendo tal confiança, ele pode aplicar à sua própria situação atual as palavras de Jó 13:16: "também isso será a minha salvação." Quando afirm a que o presente estado de coisas lhe resultará em salvação, Paulo não está pensando principalmente na libertação imediata, no livramento da guarda pretoriana (cf. GNB) mas, (à semelhança de Jó) na sua reivindicação da corte celestial, em sua salvação eterna. Esta lhe é garantida, quer ele receba um veredicto favorável, quer desfavorável, do tribunal de C ésar (cf. a confiança expressa em 2 T im óteo 4:8, segundo a sentença ju d ic ia l do "Senhor, reto Juiz").

T orna-se claro, na verdade, pelas palavras que se seguem , que "o destino últim o [de Paulo] está intim am ente ligado ao seu dilem a atual" (R. W. Funk, em Farm er et al., eds., p .262). E le está certo de que o bem estar espiritual dos filipenses depende de que ele sobreviva em seu corpo m ortal; ele sabe que perm anecerá na terra a fim de prosseguir em sua obra fru tífera . A súplica de seus am igos filipenses contribuirá para isso, jun tam en te com o socorro do Espírito de Jesus Cristo. Esta é, contudo, um a expressão de confiança, não a afirm ação de algo que ele recebeu m ediante revelação, ou outro meio. N a verdade, Paulo não recebeu nenhum a revelação quanto ao resultado desse processo jud icial.

1:20 / A ardente expectativa e esperança de Paulo não gira em torno de sua própria segurança, mas objetiva o progresso do evangelho, a perseverança de seus convertidos e a concretização dos propósitos re- dentivos de Deus. Aqui está um a das duas ocorrências do substantivo (gr. apokaradokia), traduzida com o ardente expectativa; em R om anos 8:19 a tradução é a mesma: toda a "criação aguarda a revelação dos filhos de D eus". N aquele contexto, a expressão está ligada a repetidas m enções sobre a concretização da esperança dos tem pos, "esperança de que tam bém a própria criação será libertada do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de D eus" (R om anos 8:21). A ardente expectativa e esperança de Paulo prendem -se a esta consum ação; na verdade, Paulo sabe que seu m inistério desem penha um papel especial

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no apressam ento do fim . É por isso que ele espera e ora no sentido de em nada ser confundido. A esperança cristã e ficar em confusão são coisas que se excluem m utuam ente (cf. R om anos 5:5). A única coisa que poderia confundir Paulo (deixá-lo envergonhado), seria deixar de receber aprovação de seu Senhor; essa é a razão por que ele m antinha "o dia do Senhor" diante de seus olhos, em tudo quanto planejava e fazia. D eclarar o evangelho é o dever que lhe fora atribuído; Paulo está ansioso por ser fiel à sua vocação e não deseja fazer nada indigno dela, de m odo especial quando com parecer perante César. Não é a hum ilhação pessoal que Paulo tem e; ele já havia suportado m uitas hum ilhações no desem penho da obra de Cristo e estava disposto a suportar m ais ainda. Todavia, ele sabe que não deve em nada ser confundido para que Cristo seja engrandecido no meu corpo, de m odo especial m ediante seu com portam ento e defesa na corte suprema.

O que Paulo precisa é m uita coragem a fim de tornar conhecido (o evangelho) com m uita coragem (como é traduzida a expressão aplicada à m esm a situação em E fésios 6:19, "intrepidez"). Proclam ar o evangelho com coragem é a antítese de ficar confuso perante ele (cf. Rom anos 1:16). A ambição perm anente de Paulo é que em seu corpo — isto é, qualquer coisa que lhe aconteça no plano físico, seja a vida, seja a m orte — que seja promovida a glória de Cristo. Se o avanço da causa de Cristo exige que ele seja sentenciado à m orte e executado, a morte é bem-vinda! Contudo, se esse avanço da causa de Cristo se fará caso Paulo seja libertado, recebendo mais algum tempo de vida mortal, a vida é bem-vinda!

1:21 / Paulo contem pla a m orte e a vida com equanim idade. Na verdade, não tivesse ele outras considerações a fazer, senão suas próprias escolhas pessoais, a expectativa da m orte seria preferível: m orrer nada significaria senão lucro, e viver é Cristo. A tradução de ECA: m orrer é lucro levanta a pergunta: "que lucro?" A resposta seria: "O lucro é Cristo." A existência de Paulo resum ia-se na vida em Cristo, isto é, Cristo vivendo nele (cf. G álatas 2:20); a m orte não conseguiria trazer cessação nem dim inuição dessa existência, m as, ao contrário, a exaltaria m ediante a experiência de estar com Cristo (v. 23), num a com unhão m ais íntim a do que a que m antivera em vida física. Se viver significa Cristo, estar vivo deve ser algo m aravilhoso, m uito alegre; "entretanto, até m esm o para tal vida, precisam ente para um a vida assim , m orrer é lucro" (F. W. Beare, ad loc.). Se a m orte significasse (ainda que tem porariam ente) ter

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m enos de Cristo do que a pessoa tinha na vida física — acim a de tudo, se a m orte significasse (m esm o tem porariam ente) aniquilação — seria absurdo fa lar de m orte com o sendo lucro.

Sem dúvida, Paulo queria dizer que para o crente em Cristo, m orrer representaria lucro, não im portando a form a pela qual a m orte sobrevies­se. Contudo, a m orte que o apóstolo tem em m ente, para si m esm o na atual situação, é a execução em conseqüência de ju lgam ento adverso nos tribunais im periais. Se esse tipo de m orte a serviço de Cristo coroasse um a vida investida no m inistério cristão, haveria de ser lucro não apenas para Paulo, m as para a causa de Cristo no m undo todo.

1:22 / A continuação da vida física significaria fruto para a m inha obra, diz Paulo, um a oportunidade para colher m ais fru tos do trabalho que havia sido interrom pido ao ser preso e encarcerado, com o tam bém do trabalho que estivera executando durante sua prisão. Um a tradução literal de suas palavras seria: "Todavia, se [o resultado final para m im for] que eu viva na carne, este é o fru to de m inha obra," e estas palavras poderiam ser entendidas de várias m aneiras diferentes. Poderiam estar enfatizando o fruto para a m inha obra no fu tu ro (como N IV e ECA parecem indicar) ou o fruto para a m inha obra já efetuada (como NEB entende a expressão, seguindo J. B. L ightfoot: "pois viver eu no corpo significa que poderia colher o fru to de meu trabalho!"). Assim , a m orte prem atura ou a continuação da vida tinham seus atrativos, e se a escolha entre am bas pudesse ser deixada a critério de Paulo, o apóstolo encon­traria dificuldades para tom ar um a decisão. A escolha, todavia, não estava em suas mãos.

1:23 / M as de am bos os lados estou em aperto, afirm a Paulo; um a tradução literal seria: "estou cercado dos dois lados." Se Paulo conside­rasse tão som ente os seus interesses, ser-lhe-ia m uito m elhor partir e estar com Cristo, sendo esse seu desejo.

Em várias de suas cartas, Paulo fala dos crentes que m orreram e que ressurgirão no dia em que Cristo voltar (cf. 3:20, 21). Ele tem m enos coisas a dizer acerca da situação do crente im ediatam ente após a m orte, m as o que ele diz é bastante simples. Pelo que podem os inferir de sua correspondência, Paulo só cuidou desse assunto quando se lhe tornou provável, ao avaliar sua situação, que m orreria antes do advento de Cristo, e que talvez não chegasse a testem unhar a volta do Senhor. Paulo

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no apressam ento do fim . É por isso que ele espera e ora no sentido de em nada ser confundido. A esperança cristã e ficar em confusão são coisas que se excluem m utuam ente (cf. R om anos 5:5). A única coisa que poderia confundir Paulo (deixá-lo envergonhado), seria deixar de receber aprovação de seu Senhor; essa é a razão por que ele m antinha "o dia do Senhor" diante de seus olhos, em tudo quanto planejava e fazia. D eclarar o evangelho é o dever que lhe fora atribuído; Paulo está ansioso por ser fie l à sua vocação e não deseja fazer nada indigno dela, de m odo especial quando com parecer perante César. Não é a hum ilhação pessoal que Paulo tem e; ele já havia suportado m uitas hum ilhações no desem penho da obra de Cristo e estava disposto a suportar m ais ainda. Todavia, ele sabe que não deve em nada ser confundido para que Cristo seja engrandecido no meu corpo, de m odo especial m ediante seu com portam ento e defesa na corte suprema.

O que Paulo precisa é m uita coragem a fim de tornar conhecido (o evangelho) com m uita coragem (como é traduzida a expressão aplicada à m esm a situação em E fésios 6:19, "intrepidez"). Proclam ar o evangelho com coragem é a antítese de ficar confuso perante ele (cf. R om anos 1:16). A ambição perm anente de Paulo é que em seu corpo — isto é, qualquer coisa que lhe aconteça no plano físico, seja a vida, seja a morte — que seja promovida a glória de Cristo. Se o avanço da causa de Cristo exige que ele seja sentenciado à morte e executado, a morte é bem-vinda! Contudo, se esse avanço da causa de Cristo se fará caso Paulo seja libertado, recebendo mais algum tempo de vida mortal, a vida é bem-vinda!

1:21 / Paulo contem pla a m orte e a vida com equanim idade. Na verdade, não tivesse ele outras considerações a fazer, senão suas próprias escolhas pessoais, a expectativa da m orte seria preferível: m orrer nada significaria senão lucro, e viver é Cristo. A tradução de ECA: m orrer é lucro levanta a pergunta: "que lucro?" A resposta seria: "O lucro é Cristo." A existência de Paulo resum ia-se na vida em Cristo, isto é, Cristo vivendo nele (cf. Gálatas 2:20); a m orte não conseguiria trazer cessação nem dim inuição dessa existência, m as, ao contrário, a exaltaria m ediante a experiência de estar com Cristo (v. 23), num a com unhão m ais íntim a do que a que m antivera em vida física. Se viver significa C risto, estar vivo deve ser algo m aravilhoso, m uito alegre; "entretanto, até m esm o para tal vida, precisam ente para um a vida assim, m orrer é lucro" (F. W. Beare, ad loc.). Se a m orte significasse (ainda que tem porariam ente) ter

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m enos de Cristo do que a pessoa tinha na vida física — acima de tudo, se a m orte significasse (m esm o tem porariam ente) aniquilação — seria absurdo fa lar de m orte com o sendo lucro.

Sem dúvida, Paulo queria dizer que para o crente em Cristo, m orrer representaria lucro, não im portando a form a pela qual a m orte sobrevies­se. Contudo, a m orte que o apóstolo tem em m ente, para si m esm o na atual situação, é a execução em conseqüência deju lgam ento adverso nos tribunais im periais. Se esse tipo de m orte a serviço de Cristo coroasse um a vida investida no m inistério cristão, haveria de ser lucro não apenas para Paulo, m as para a causa de Cristo no m undo todo.

1:22 / A continuação da vida física significaria fruto para a m inha obra, diz Paulo, um a oportunidade para colher m ais fru tos do trabalho que havia sido interrom pido ao ser preso e encarcerado, como tam bém do trabalho que estivera executando durante sua prisão. Uma tradução literal de suas palavras seria: "Todavia, se [o resultado final para m im for] que eu viva na carne, este é o fru to de m inha obra," e estas palavras poderiam ser entendidas de várias m aneiras diferentes. Poderiam estar enfatizando o fruto para a m inha obra no fu tu ro (como NIV e ECA parecem indicar) ou o fruto para a m inha obra já efetuada (como NEB entende a expressão, seguindo J. B. Lightfoot: "pois viver eu no corpo significa que poderia colher o fru to de meu trabalho!"). Assim , a m orte prem atura ou a continuação da vida tinham seus atrativos, e se a escolha entre ambas pudesse ser deixada a critério de Paulo, o apóstolo encon­traria d ificuldades para tom ar um a decisão. A escolha, todavia, não estava em suas mãos.

1:23 / M as de am bos os lados estou em aperto, afirm a Paulo; um a tradução literal seria: "estou cercado dos dois lados." Se Paulo conside­rasse tão som ente os seus interesses, ser-lhe-ia m uito m elhor partir e estar com Cristo, sendo esse seu desejo.

Em várias de suas cartas, Paulo fala dos crentes que m orreram e que ressurgirão no dia em que Cristo voltar (cf. 3:20, 21). Ele tem m enos coisas a dizer acerca da situação do crente im ediatam ente após a m orte, m as o que ele diz é bastante simples. Pelo que podem os inferir de sua correspondência, Paulo só cuidou desse assunto quando se lhe tornou provável, ao avaliar sua situação, que m orreria antes do advento de Cristo, e que talvez não chegasse a testem unhar a volta do Senhor. Paulo

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n n (Filipenses F. 18-26)

*(i« •_________ niilht quando o advento aconteceria; no entanto, à m edida• |ii> n Hpi mtolo vai envelhecendo, nota-se nele um a m udança de perspec-11 v i i-iii|uanto nas cartas iniciais Paulo tende a identificar-se com aqueles qur sobreviverão até a vo lta do Senhor, em suas últim as cartas ele tende a identificar-se com os que ressuscitarão dentre os m ortos, naquele dia.

Tal m udança de perspectiva pode ser percebida entre 1 e 2 Coríntios: em 1 Coríntios 15:52 ele diz: "num m om ento, num abrir e fechar de olhos, ao soar a últim a trom beta. Pois a trom beta soará, e os m ortos ressurgirão incorruptíveis, e nós serem os transform ados". M as, em 2 C oríntios 4:14 ele diz: "sabendo que aquele que ressuscitou ao Senhor Jesus, nos ressuscitará tam bém por Jesus, e nos apresentará convosco (os vivos)." E sta m udança de perspectiva pode ser devida à experiência crítica na província da Ásia, que Paulo descreve em 2 Coríntios 1:8-10. N essa época a m orte parecia tão certa que não havia escapatória à vista, mas quando o livram ento se lhe abriu as portas, contrariam ente a todas as expectativas, o apóstolo o saudou com o exem plo do poder de D eus para ressuscitar os mortos.

Tendo esse fa to com o pano de fundo, Paulo declara sua convicção em2 Coríntios 5:1-10: "sabem os que, se a nossa casa terrestre deste taber- náculo se desfizer, tem os da parte de D eus um edifício, um a casa não fe ita por m ãos, eterna, nos céus." D iz mais o apóstolo: "mas tem os confiança, preferindo deixar este corpo e habitar com o Senhor." Paulo não atribui essa confiança a um a revelação especial, com o em 1 T essa­lonicenses 4:15, com respeito à ressurreição, ou em 1 C oríntios 15:51, com relação ao revestim ento de im ortalidade aos crentes que ainda estiverem vivos; no entanto, o apóstolo afirm a sua esperança de modo tão positivo ("sabem os... tem os ...") que não há lugar para quaisquer dúvidas.

E a m esm a esperança que encontra expressão aqui. O crente goza a presença de Cristo nesta v ida e não será privado dela ao térm ino de seus dias, pois Cristo está vivo do outro lado da m orte e porque ele vive, seu povo tam bém vive. " 'M o rre r ' e 'estar com C risto ' são, portanto, quase sinônim os perfeitos. A vida com Cristo após a m orte não constitui problem a para o apóstolo; ela flu i com o um a fonte que parte da vitória obtida na Páscoa" (J.-F. Collange, ad loc.). Não é de adm irar, portanto, que Paulo enfatize (acum ulando com parativos) que é m uito m elhor para ele partir e estar com Cristo.

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(Filipenses F. 18-26) 61

1:24 / E ntretanto , Paulo teria sido o últim o hom em a colocar seus próprios interesses e p referências antes do que seja vantajoso para os outros. E le exorta seus leitores a levar em consideração o bem dos outros em 2:4. Tal adm oestação, contudo, não teria m uito peso, caso eles não soubessem que Paulo era um exem plo pessoal disso. Ele ju lg av a ser m ais necessário para seus convertidos, e entre eles os crentes de F ilipos, que prosseguisse à disposição deles na terra — que ele perm anecesse aqui (perm anecer na carne, gr. eti te sarki.)

1:25 / A idéia de que sua sobrevivência contribuiria para o benefíc io de seus com panheiros cristãos, e sua confiança em que Deus faria qualquer coisa que fosse necessária para o crescim ento deles na graça, com binaram -se de m odo que deram ao apóstolo grande esperança de que na verdade lhe seria concedido mais um período de v ida e atividade apostólica, para que alcançassem p rog resso e gozo na fé. Este sei que ficarei, aqui, com o no versículo 19, é um a expressão de fé (cf. 2 Coríntios 5:1). Esta é a dedução m ais provável do que supor-se que Paulo tenha tido um a revelação divina quanto à questão (E. Lohm eyer) ou houvesse recebido um a pista indicativa de veredicto favorável para o seu caso (W. M ichaelis).

Os cristãos filipenses já exultavam pelo fato de terem um am igo na pessoa de um servo de Cristo do gabarito de Paulo: a libertação do apóstolo, e seu m inistério adicional lhes daria m aior m otivo para júb ilo .

A questão bastante debatida sobre se Paulo fo i libertado ou não deveria, talvez, avaliando-se tudo, ser respondida afirm ativam ente, não tendo, todavia, qualquer apoio na interpretação de Filipenses.

1:26 / Fosse Paulo libertado, tendo a oportunidade de rever os filipen ­ses, haveria m otivo de vos gloriardes... em Cristo Jesus, pela m inha presença de novo convosco. Paulo, que se regozijara quando capaz de vangloriar-se a respeito de seus convertidos (cf. 2:16; 1 Tessalonicenses 2:19; 2 Coríntios 7:4; 9:2, 3), não objetava contra o fato de eles se vangloriarem a respeito dele m esm o (cf. 2 Coríntios 1:14). Esse orgulho não conflitava com a decisão do apóstolo de não se gloriar em nada senão na cruz de Cristo (Gálatas 6:14), visto que todos os relacionam entos com seus convertidos fundam entavam -se no evangelho de Cristo crucificado, e tal vangloria era um genuíno gloriar-se em Cristo Jesus (cf. Filipenses 3:3).

O problem a de relacionar a esperança de Paulo, expressa aqui, de

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62 (.Filipenses 1:18-26)

v isitar seus am igos filipenses mais um a vez, com sua intenção, declarada em R om anos 15:24,29, de esticar sua viagem , indo de R om a à Espanha, já fo i discutido na Introdução.

Notas Adicionais 7

1:8 / Mas que importa? é a tradução da pergunta t i g a r ? ("para quê"), que pode significar "que importa? em qualquer caso, Cristo está sendo pregado," ou "que diremos? só isto: Cristo está sendo pregado."

1:19 / A citação de Jó 13:16 é exata: to u to m o i a p o b e s e ta i e i s s o te r ia n .Pelo socorro do Espirito de Jesus Cristo é literalmente: "o... suprimento

(gr. e p ic h o r e g ia ) do Espírito de Jesus Cristo." ECA presume que "do Espírito" (p n e u m a to s ) é genitivo subjetivo, significando "aquilo que o Espírito de Jesus Cristo supre." Todavia, também poderia ser um genitivo objetivo, sendo o Espírito aquilo que é suprido, como em Gálatas 3:5, "Aquele que vos dá ( e p ic h o r e g o n ) o Espírito." Cf. NEB: "o Espírito de Jesus Cristo me é dado como apoio." Se Paulo, à semelhança de Jó, está aguardando reivindicação da corte celestial, o Espírito "surge aqui no papeljoanino de advogado" (G. B. Caird, ad loc.) Cf. R. W. Funk, "The Apostolic 'Parousia': Form and Significance," em W. R. Farmer, C. F. D. Moule, e R. R. Niebuhr, eds., C h r is t ia n H is to r y a n d I n te r p r e ta t io n , p. 262, n. 1.

1:20 / A muita coragem que Paulo deseja é o gr. p a r r h e s i a "liberdade de expressão oral." W. C. van Unnik ("The Christian's Freedom of Speech in the New Testament," B J R L 44 [1961-62], pp. 475s.) sugere a tradução "com máxima abertura", aqui, "porque não será a coragem do mártir, mas o próprio Cristo que se revelará em toda a plenitude." Fazendo Cristo o-sujeito da oração (Cristo seja engrandecido no meu corpo), Paulo "salienta o que éo poder real da 'liberdade de expressão oral', o fato de que não apenas o evangelho é simplesmente proclamado, mas que o Senhor do evangelho está sendo revelado."

A frase no meu corpo (gr. e n to s o m a t i m o u ) é apropriada, visto que Paulo está pensando na morte ou v ida na esfera física. S o m a , portanto, não significa o 'eu ' integral de Paulo, mas apenas aquela parte dele mais im ediatam ente influenciada pelo resultado do processo, e através do qual ele dá testem unho ao mundo visível ao seu redor" (R. H. Gundry,"SoOTa " in B i b l i c a l T h e o lo g y : W ith E m p h a s is o n P a u l in e A n th r o p o lo g y , p. 37). Cf. 1 Coríntios 6:20, "glorificai, pois, a Deus no vosso corpo"), onde Paulo refu ta a idéia de que as ações corporais são ética e religiosam ente indiferentes.

1:21 / No caminho de Damasco, Deus substituiu a Tora, como centro da vida e pensamento de Paulo, pondo em seu lugar a Cristo; até então ele poderia ter dito: "pois, para mim o viver é a Tora." Agora, o apóstolo está permanente­

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(Filipenses F. 18-26) 63

mente consciente de que sua vida se resume em Cristo, porém usa linguagem semelhante a respeito de seus irmãos na fé: "Cristo, que é a nossa vida" (Colossenses 3:4).

1:22 / Mas, se (gr. e i d e , pode introduzir a prótase de uma sentença condi­cional, como se nota em NIV, RSV e ECA e provavelmente na maioria das versões. Nesse caso, a apódose pode ser "não sei então o que deva escolher" (como também traz a GNB), ou "isto significará labor frutífero para mim" (como traz NIV, acrescentando: "então, que hei de escolher? eu não sei!" como período independente). Por outro lado, e i d e pode ser traduzido não por "mas, se" porém por "e se" (como o faz NEB: "e se minha vida no corpo puder servir a algum propósito bom?"). J. B. Lightfoot (ad loc.) propõe esta última construção porque "parece adequar-se ao contexto bem abrupto, apresentando menos dificuldades do que as traduções aceitas em geral".

Fruto para a minha obra é a tradução do grego k a r p o s e r g o u , "fruto (colheita) do trabalho" (cf. "fruto de justiça" no v. 11). A referência aqui se faz ao resultado (especialmente na vida dos convertidos de Paulo, e de outros crentes, seus companheiros) do ministério que o apóstolo já havia desenvolvido ou iria desenvolver.

Não sei é tradução do gr. o u g n o r iz o . Paulo (e outros escritores do NT), usam este verbo transitivãm ente ("fazer conhecido") e não intran- sitivãm ente ("saber"); é m elhor tom ar a ocorrência aqui como não sendo um a exceção à regra e traduzir, com o a R SV e NEB, "não sei dizer" (no sentido de "não posso tornar conhecido").

1:23 / A única outra passagem em que Paulo usa s y n e c h o ("constranger)", "reter") é 2 Coríntios 5:14, "o amor de Cristo nos constrange ( s y n e c h e i h e m a s ) " (NIV: "O amor de Cristo nos compele").

Tendo desejo: (e p i th y m ia ). J.-F. Collange (ad loc.) argumenta que desde que e p i th y m ia tem sentido pejorativo quase que em todas as passagens paulinas, assim deveria ser traduzido aqui, também, como "desejo egoísta," que Paulo menciona apenas para condená-lo. Entretanto, só o contexto pode determinar se esse desejo (e p i th im ia ) é mau ou bom, sendo muito provável que possamos tê-lo aqui no bom sentido, como em 1 Tessalonicenses 2:17, onde denota o grande anseio de Paulo e seus companheiros de verem os crentes tessalonicenses outra vez.

Partir: gr. a n a ly s a i , pode significar um navio recolhendo a âncora, ou um exército levantando acam pam ento.

Estar com Cristo, imediatamente após morrer, é a implicação de Paulo. Contra este pensamento O. Cullmann nega que o NT apóie a "idéia de que os mortos estejam vivendo antes da época da volta e, assim, gozando já o fruto do cumprimento final das coisas" (T h e E a r l y C h u r c h p. 165). E possível que esses crentes que, quando morreram, estavam com Cristo, ainda estejam esperando a ressurreição, como Paulo enfatiza (cf. 3:21); entretanto, esse autor não faz justiça suficiente a Paulo. O apóstolo encurta o hiato entre a morte e a ressurrei-

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136 (Filipenses 3 :1 5 -1 )

ção em 2 Coríntios 5:1-10. Veja A. Schweitzer, T he M y s t ic i s m o f P a u l th e A p o s t le , pp. 90-100,109-13; L. S. Thomton, C h r is t a n d th e C h u r c h pp. 137-40; F. F. Bruce, P a u l: A p o s t l e o f th e F r e e S p ir i t , pp. 309-13.

O que é muito melhor: É tremenda a diferença entre a atitude de Paulo e a expressão de petulância de Jonas: "melhor me é morrer do que viver" (Jonas 4:3, 8). G. M. Lee ("Filipenses I 22-3," N o v T 12 [1970], p. 361) critica a observação de Libãnio (O ra tio n M . 29) dizendo que, em certos casos de depres­são de espírito "é melhor partir (desta vida) do que viver" (k r e i t to n a p e l th e in e z e r i) , contudo, a não ser pelo comparativo k r e i t to n (cf. a expressão de Paulo p o l l o m a llo n k r e is s o n ) as duas passagens nada têm em comum. J. B. Lightfoot (ad loc.) refere-se à pergunta levantada por Eurípedes, e mencionada com muita freqüência (fragmento 639), t i s o id e n e i to z e n m e n e s t i k a tth a n e in / to k a tth a n e in d e z e n (" Quem sabe se a vida é morte e a morte, vida?") e observa que a " sublime conjectura [do poeta] ... que foi recebida com ridicularização ignóbil pelos poetas cômicos, tomou-se verdade incontestável em Cristo" — entretanto, a conexão, se existente, é fraca.

1:24 / Permanecer na carne: tradução literal de e p im e n e in [ e n j te sa r k i , em que o artigo pode voltar a e n s a r k i no v. 22, "viver na carne". Para Paulo, permanecer ou viver e n te sa rk i, no corpo mortal, é coisa muito diferente de viver k a ta s a r k a , "de acordo com a carne"; ele faz um contraste entre as duas expressões em 2 Coríntios 10:3. Viver ou agir k a ta s a r k a é viver de acordo com os padrões da humanidade não regenerada. J. B. Lightfoot (ad loc.), aceitando a omissão de e n (com Aleph A C, etc.), sugere a tradução "habitar na carne", isto é, "prender-se à presente vida, assumi-la com todas as suas inconveniên­cias." É tradução um tanto torcida.

1:25 / Sei que ficarei, e permanecerei com todos vós: gr. m e n o k a i p a r a m e n o em que m e n o é absoluto , enquanto p a r a m e n o é relativo de todos vós, sendo o dativop a s i n h y m in governado pelo prefixo p a r a .

O vosso progresso e gozo na fé: a frase na fé (gr. genitivo te s p i s t e o s qualifica tanto progresso quanto gozo. Gozo (quer seja o substantivo c h a r a quer sej a o verbo c h a ir e in é tema dominante nesta carta — o gozo dos filipenses (como aqui; cf. 2:28, 29; 3:1; 4:4), o gozo de Paulo (cf. versículos 4, 18; 2:2; 4:1, 10), o gozo deles e de Paulo, juntamente (cf. 2:17, 18).

1:26/... pela minha presença de novo convosco: o substantivop a r o u s i a é usado aqui no sentido não técnico de "visita" (como em 2:12; cf. também1 Coríntios 16:17; 2 Coríntios 7:6, 7; 10:10). Não é usado nesta carta com

referência ao advento de Cristo; de fato, as únicas cartas paulinas em que a palavra é em pregada com referência a Cristo são: 1 Coríntios (15:23),1 Tessalonicenses (2:19; 3:13; 4:15; 5:23) e 2 Tessalonicenses (2:1, 8).

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8. Perseverança no Sofrimento (Filipenses 1:27-30)

O sofrim ento é tido como absolutam ente inevitável, em todo o NT, especialm ente nas cartas de Paulo, como algo que ocorre na existência dos cristãos neste m undo. Não há nada de surpreendente, aqui: Cristo havia sofrido, e seus seguidores — os que estavam "em Cristo" — não deveriam esperar algo diferente. O próprio Paulo em toda sua carreira de apóstolo soube o que significava sofrer por am or de Cristo; e ele preparou seus convertidos para sofrim entos sem elhantes. Na verdade, ele os estim ulou m ediante a convicção de que o sofrim ento por am or de Cristo era prova da genuinidade da fé.

1:27 / Entretanto, o desejo ansioso de Paulo em relação aos filipenses era que eles, bem com o seus dem ais convertidos, se portassem digna­m ente conform e o evangelho de Cristo. D esde que a nova existência deles se baseava no evangelho de Cristo, a conduta deles deveria estar alinhada com a de Cristo (cf. 2:5). Paulo usa um verbo, aqui, que significa estritam ente "viver com o cidadãos", estando relacionado com o que o apóstolo diz m ais tarde acerca da posição dos crentes com o "cidadãos dos céus" (3:20).

U m a vida vivida dignam ente conform e o evangelho de Cristoestaria em perfeita harm onia. Visto que os crentes partilham a vida com um com Cristo, devem m over-se firm es em um m esm o esp írito, com batendo ju n tam en te com o m esm o ânim o. Só assim podem os crentes recom endar o evangelho tanto por palavra como por ação. O testem unho dos filipenses exigia esforço corajoso e unificado; p rec isa­vam lutar lado a lado pela fé do evangelho. H aviam crido no evangelho e, agora, o objetivo de seus testem unhos era levar outros à m esm a fé. D everiam contar com oposição poderosa e incessante, na consecução de seus objetivos, razão por que deles se exigia ação perseverante.

Paulo gostaria m uito de aproveitar um a oportunidade de fazer-lhes um a visita e vê-los em ação — e de participar de tal ação tam bém . Contudo, se essa visita não fosse possível, Paulo ainda assim esperava "ouvir" que os filipenses estavam firm es contra toda oposição, dando um testem unho unificado. Não parece que o apóstolo aguardava execução dentro de algum as semanas: ele estava preparado para a h ipó tese da

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66 (Filipenses 1:27-30)

execução, mas expressava-se como alguém que esperava continuar vivo durante m ais algum tempo.

1:28 / A oposição que precisavam enfren tar provinha com toda p ro ­babilidade de fo ra da com unidade. De fato , alguns eruditos argum entam que Paulo se refere a "adversários que abriram cam inho para dentro da igreja e nela passaram a exercer influência" (M arxsen, Introduction, p. 62). J.-F. C ollange (ad loc.) pensa "m ais precisam ente em pregadores itinerantes judaico -cristãos a quem Paulo se refere com m aior v io lência em 3:2ss." E ntretanto , o contexto (especialm ente os versículos 29 e 30) indicaria que os crentes filipenses estavam enfrentando, agora, oposição que o próprio Paulo enfrentara quando estava entre eles — oposição da parte de seus vizinhos pagãos, tão grande como por parte das autoridades.

A presença da oposição, assegura-lhes Paulo, dem onstra que eles estão no cam inho certo, no testem unho ativo do evangelho. E sinal de salvação para eles, e sinal de perdição para seus adversários: Isso para eles, na verdade, é sinal de destruição, mas para vós de salvação. D eus é o autor do evangelho: os que o defendem podem esperar, portanto, livram ento e v itó ria da parte do Senhor, tão seguram ente com o os que o com batem podem esperar seujulgam ento . O m esm o pensam ento encon­tra expressão bem desenvolvida em 2 Tessalonicenses 1:5-10.

Lutai pelo evangelho sem serdes intimidados pelos adversários, exorta Paulo (usando um verbo que se aplica de modo específico a cavalos assustados); enfrentai-os com persistência, unidos, pois isso para e les , na verdade, é sinal de destruição, sinal de que estão errados e não poderão subsistir contra vós. O próprio Paulo havia sido perseguidor, no passado, e podia lembrar-se da persistência daqueles a quem atacava. Se naquela época aquela persistência lhe parecera mera obstinação, após sua conversão, porém, ele podia olhar para trás e apreciá-la pelo que era na verdade — um a evidência do poder de Cristo capacitando os cristãos a fim de manterem a fé imaculada, e a evidência de que ele próprio estava, a despeito de sua boa consciência, travando um a batalha já perdida contra Deus.

1 :29 / Os filipenses haviam crido em Cristo depois de ouvir a pregação do evangelho, pelo que poderiam m anifestar gratidão a Deus. Estariam eles todavia entendendo que poderiam m anifestar gratidão a Deus tam ­bém pela oportunidade de padecer por Cristo? E stariam eles conside­rando o sofrim ento com o privilégio, um favor especial que deviam

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(Filipenses 1:27-30) 67

agradecer a Deus? Era assim que Paulo v ia seu próprio so frim ento a serviço de Cristo. O Senhor ressurreto havia dito o seguinte, a respeito de Paulo, para A nanias de Dam asco: "Eu lhe m ostrarei o quanto deve padecer pelo meu nom e" (Atos 9:16), e Paulo sofreu o cum prim ento desta predição. Todavia, ele aceitou seus sofrim entos com o participação nos sofrim entos de Cristo (Filipenses 3:10). N a verdade, o desejo de Paulo era que sua participação fosse m aior, a fim de que a de seus irm ãos crentes fosse m enor (2 C oríntios 1:3-7; C olossenses 1:24). Tam pouco fo i Paulo o único, na era apostólica, a receber o privilégio concedido de padecer por ele (Cristo); está registrado que os apóstolos, depois de serem açoitados m ediante sentença do Sinédrio, "retiraram -se... regozijando-se, porque tinham sido ju lgados dignos de padecer afronta pelo nome de Jesus" (Atos 5:41). Se os filipenses pudessem enxergar seus próprios sofrim entos à luz desta realidade, a alegria deles seria bem maior.

1 : 3 0 / 0 encorajam ento que Paulo dava a seus am igos era mais aceitável porque não provinha de alguém destituído de experiência pessoal em sofrer por am or de Cristo. No catálogo de provações apostó­licas que ele delineia em 2 C oríntios 11:23-27, o apóstolo m enciona que três vezes fo i "açoitado com varas" (2 C oríntios 11:25), um a vez em F ilipos (Atos 16:22,23); de que seus am igos filipenses podiam lem brar- se bem . E assim que ele consegue fazê-los apreciar o m esm o com bate que já em mim vistes. A v ida cristã para Paulo era um conflito , um com bate travado contra inim igos espirituais (Efésios 6:12), m ediante assistência divina. E a m esm a palavra que ele u tilizou (gr. agorí) no fim de sua carreira , quando disse que havia com batido "o bom com bate" (2 T im óteo 4:7). Vós vos lem brais, diz Paulo, na verdade, de que eu sofri encarceram ento em vossa própria cidade; agora, sofro prisão nesta cidade; aqui em Rom a, como em Filipos, sou prisioneiro por am or de Cristo. Estou tendo o m esm o com bate que já em mim vistes e agora ouvis que é meu. Ouço agora que vós tam bém lutais da m esm a form a; é o m esm o com bate para vós e para mim. Partilhais m eu m inistério não apenas m ediante vosso testem unho no evangelho, m as tam bém m ediante vossa perseverança na aflição, na causa do evangelho.

Não sabem os qual teria sido a fo rm a exata da perseguição sofrida pelos cristãos filipenses. Paulo não precisava en tra rem m inúcias que os filipenses conheciam m uito bem . O im portante era o espírito com que eles aceitavam a perseguição.

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68 (Filipenses F. 27-30)

Notas Adicionais 8

1:27 / Deveis portar-vos: gr. p o l i t e u e s th e (imperativo), "vivei como cida­dãos", daí (de modo mais genérico) "vivei como membros da comunidade." Tal verbo seria prontamente compreendido pelos residentes de uma colônia romana. Policarpo o usa ao escrever à igreja filipense de seus dias (5:2): "se vivermos como cidadãos [ p o l i t e u s o m e th a ] de maneira digna dele" (K. Lake traduz assim: " se formos cidadãos dignos da comunidade dele"). Ocorre em apenas mais uma passagem no NT — Atos 23:1 (ao relatar ao Sinédrio: "Irmãos, até o dia de hoje tenho andado diante de Deus com toda a boa consciência", Paulo pode talvez estar pensando em sua vida como participante do povo de Israel). Cf. o substantivop o l i t e u m a em Filipenses 3:20, com exposição e nota ad loc. Veja R. R. B rew er," The M e m in g o f p o l i t e u e s th e in Filipenses 1:27," J B L 73 (1954), pp. 76-83.

Dignamente [a«'os] conforme o evangelho de Cristo: quanto ao advérbio a x io s comp o l i t e u e s th a i , cf. Policarpo (T o th e P h il ip p ia n s 5:2) citado na nota anterior. E usado com p e r ip a te in ("rogo-vos que andeis") em Efésios 4:1 ("como é digno da vocação com que fostes chamados"); Colossenses 1:10 ("andar dignamente diante do Senhor"); 1 Tessalonicenses 2:12 ("andásseis de um modo digno de Deus").

Ouça acerca de vós: gr. a k o u o , "ouvir." W. Schmithals (P a u l a n d th e G n o s t ic s , p. 69) tira a inferência disto que Paulo deve ter ouvido que nem tudo estava bem na igreja de Filipos, com respeito à harmonia e comportamento digno, e faz comparação com o "ouço" de 1 Coríntios 11:18 (cf. 1 Coríntios 1:11). Todavia, não há comparação entre a k o u o aqui (presente do subjuntivo

num período de propósito) e a k o u o aqui (presente do indicativo). Paulo havia ouvido recentemente (de Epafrodito) a respeito da igreja filipense; todavia, ele tinha boas razões para esperar que o que ele viesse a ver com seus próprios olhos (se lhes pudesse fazer uma visita) ou ouvir com seus próprios ouvidos (embora de longe) enchê-lo-ia de satisfação.

Em um mesmo espírito: (gr. e n h e n i p n e u m a ti .) Não é admissível que a referência aqui seja ao Espírito de Deus (cf. 1 Coríntios 12:13; Efésios 4:4), em vista da frase paralela com o mesmo ânimo (gr. m ia p s y c h é ) . O verbo estais firmes se repete (no imperativo) em 4:1, e combatendo em 4:3. Paulo gosta de descrever o testemunho evangélico usando termos militares e atléticos.

Pela fé do evangelho: gr. t e p i s t e i to u e u a n g e lio u , que J. B. Lightfoot traduz "em harmonia com a fé do evangelho," tomando o dativo como sendo regido pelo prefixo s y n em sy im th lo u n te s (combatendo) e entendendo pela fé como objeto direto, equivalente a "o ensino do evangelho", mas esta é uma interpre­tação improvável. M. Dibelius toma a sentença como significando "a fé que é o evangelho." Com toda probabilidade, significa que é a resposta de fé ao evangelho (to u e u a n g e lio u seria, então, genitivo objetivo) ou a resposta de fé que o evangelho exorta os ouvintes a dar (to u e u a n g e lio u ) sendo, neste caso,

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(Filipenses 1:27-30) 69

genitivo subjetivo) — não há praticamente nenhuma diferença entre ambas as interpretações.

1:28 / sem serdes intimidados: gr. m e p ty r o m e n o i . O verbo ocorre somente aqui na Bíblia grega. Encontra-se quase sempre na forma passiva e, à parte seu uso para cavalos assustados, significa "deixar-se intimidar."

Isso...é sinal: lit., "o que é prova" (gr. h e tis e s t in . . .e n d e ix is .) Quanto a e n d e ix is cf. Romanos 3:25, 26; 2 Coríntios 8:24; entretanto, o paralelo mais aproximado quanto ao sentido, nesta ocorrência, é e n d e ig m a em 2 Tessaloni­censes 1:5 (em que a referência também é a perseverança do cristão em face da perseguição, como prova do socorro vindouro para este, ejulgamento vindouro para seus perseguidores). Não fica imediatamente claro qual é o antecedente do pronome relativo h e tis (que concorda em gênero e número com e n d e ix is .) ECA considera que os filipenses é que não devem intimidar-se; G. B. Caird (ad loc.) acha que se refere à "unidade inabalável da igreja em face da perseguição". Estas duas sugestões não são mutuamente exclusivas; a recusa corajosa e unificada dos filipenses de não serem intimidados deveria constituir uma mensagem aos adversários.

E isso da parte de Deus: gr. k a i to u to a p o th e o u , "e isso vem de Deus." A que se refere "isso"? À prova ( e n d e ix is ) , assim diz J. B. Lightfoot: "é indicação direta da parte de Deus." Talvez haja razão (como também quanto a G. B. Caird).

1:29 / Pois vos foi concedido: gr. h y m in e c h a r is th e — como ato de graça ( c h a r is ) . Quanto a outro exemplo do verbo c h a r iz e s th a i veja 2:9, quanto a Deus haver concedido a Cristo o nome que é sobre todos os nomes.

Por amor de Cristo: tradução literal de to h y p e r C h r is to u , em que o artigo to antecipa suas duas ocorrências seguintes, antes dos infinitivos p is te u e in , "crer" e p a s c h e in , "sofrer."

1:30/ o mesmo combate, gr. to n a u to n a g o n a . Em 1 Tessalonicenses 2:2 Paulo e seus companheiros falam de sua pregação do evangelho em Tessalônica e n p o l lo a g o n i, "no meio de grande combate." Consultem-se V. C. Pfitzner, P a u l a n d th e A g o n M o tif : T r a d i t io n a l A th le t ic I m a g e r y in th e P a u lin e L ite r a tu r e , N o v T S u p ló ; também E. Güttgemanns, D e r le id e n d e A p o s te i u n d se in H e r r .

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9. Convite para Considerações Mútuas(Filipenses 2:1-5)

A preocupação de Paulo quanto à unidade de espírito e consideração m útua entre os m em bros da igreja filipense não im plica necessariam ente que aqueles crentes estivessem num a atm osfera de dissensão. Dois m em bros são especificados pelos nom es e recebem a exortação de entrarem em acordo, em 4:2, o que poderia sugerir (a m enos que 4:2 pertença a um a carta originalm ente separada) que era caso excepcional de conflito. Não sabem os o que E pafrodito disse a Paulo concernente ao estado da igrej a, m as por essa época o apóstolo havia detetado evidências suficientes de mau relacionam ento e am bição egoística em alguns setores da igreja em Rom a, capazes de induzi-lo a ficar ansioso: que nada disso se m anifestasse na igreja de Filipos.

2:1 / Não se cultiva com facilidade a união de pensam ento quando seres hum anos de culturas e tem peram entos d iferentes partilham de um a m esm a com panhia; entretanto, os recursos que possibilitam tal união estão à disposição das pessoas que têm Cristo, que m antêm com unhão com o Senhor. No am or de Cristo há conforto tão profundo que com pensa os problem as indefectíveis da existência cristã neste mundo. Os crentes obtêm novo ânimo e força do Cristo ressurreto, pois dele participam. Receberam o Espírito de Cristo, que os une num a com unhão de amor; o Senhor habita nos crentes como indivíduos, e como um grupo de discípulos e, através de Cristo, "porque o amor de Deus está derramado em nossos corações" (Romanos 5:5). É o Espírito que lhes mantém a vida em comum, no corpo de Cristo. O efeito desta vida em comum deveria ser corações mais afetuosos e cheios de compaixão, porém, estes afetos e compaixões em primeiro lugar provêm de Cristo. Os crentes experimentaram os entranháveis afetos e compaixões de Cristo, de modo que agora podem demonstrar mais facilmente tais virtudes uns para com os outros.

Todas as condições, em suma, existem dentro da com unidade cristã com o objetivo de alim entar um sentim ento de unidade, um propósito com um , não apenas entre os crentes entre si, mas entre os crentes e Paulo. O apóstolo e os crentes estão interligados na am orosa com unhão do Espírito.

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(Filipenses 2:17-36a)99

2:2 / Já havia evidência suficiente de unidade de propósito e afeto m útuo, na igreja filipense, que causavam alegria em Paulo. E le já disse que suas orações em prol dos cristãos filipenses eram orações alegres (1:4). A gora, diz ele, para que meu cálice transborde dessa alegria: com pletai o m eu gozo. Perm itam -m e ouvir que vós tendes o m esm o m odo de pensar, tendo o m esm o am or, que sois unidos no m esm o ânim o, pensando a m esm a coisa. Paulo exorta, na verdade, para que tenham unanim idade de coração. Não se trata da unanim idade form al que se consegue m anter m ediante o exercício do poder de veto; trata-se daquela unanim idade sincera de propósitos, pela qual ninguém deseja im por um veto sobre as pessoas.

Não é questão de levar todas as pessoas a verem um caso pelo m esm o ângulo, isto é, terem a m esm a opinião sobre um assunto. A vida ficaria insossa e m onótona sem a prática da discussão honesta, em que a variedade de opiniões provê amplo cam po para debates e avaliações amistosos.

2:3 / Contudo, avaliações e debates deixam de ser am istosos quando cada pessoa objetiva superar os com panheiros em pontos, im pingindo seu m odo de pensar. Não deve haver estím ulo ao espírito de "D iótrefes, que gosta de exercer a prim azia" (3 João 9). N ada façais por contenda ou por vangloria, exorta Paulo; esquecei todos os pensam entos de prestígio pessoal. A preocupação com prestígio pessoal e vangloria surgem da raiz pecam inosa do orgulho. O orgulho não deveria ter lugar na vida cristã; o que caracteriza o cristão é a qualidade oposta, a hum ildade. A hum ildade não era um a virtude estim ada de m odo geral, na antigüidade pagã, na qual a palavra grega aqui traduzida por hum il­dade tem o sentido de servilism o. A atitude do AT é diferente: Deus "escarnece dos escarnecedores, mas dá graça aos hum ildes" (Provérbios 3:34, citado em Tiago 4:6; 1 Pedro 5:5). A hum ildade é especialm ente apropriada aos crentes cujo M estre era, não por constrangim ento, mas com toda espontaneidade, "m anso e hum ilde de coração" (M ateus 11:29). Seus prim eiros discípulos acharam a lição sobre hum ildade difícil de ser aprendida: de m odo reiterado, quando eles se punham a discutir quem dentre eles seria o m aior no reino de Deus, Jesus insistia em que entre seus seguidores a verdadeira grandeza consistia em ser o m enor de todos, o servo de todos — "pois, o F ilho do hom em não veio para ser

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92 (Filipenses 2:12-13)

«trrvldo, mas para servir e dar a sua vida em resgate por m uitos" (M arcos 10:45).

Portanto, diz Paulo, cada um considere os outros superiores a simcflmo. R egozijai-vos na honraria prestada a outros, em vez de na que vos é dedicada. A sim plicidade da linguagem de Paulo não deveria cegar-nos quanto à sua dificuldade. A pessoa que realm ente tenta consi­derar os outros m elhores do que a si própria logo descobre que isso não advém com naturalidade. É fácil dem ais incluir exceções perm issíveis à regra de Paulo, se não com respeito a indivíduos, com certeza no que concerne a com unidades. Há a tendência, por exem plo, de considerar nossa denom inação m elhor do que as outras, ao ponto de ju lgarm os que o próprio Deus está m ais agradado com a nossa do que com as dem ais (portanto, com toda certeza, ele se agrada m ais com igo por pertencer a determ inada denom inação, do que se agrada dos dem ais crentes, das outras denom inações). Onde a verdadeira hum ildade reina não se perm i­tem tais exceções. Como o profeta M iquéias viu, séculos antes de Paulo, a hum ildade flo resce m elhor na com unhão com D eus (M iquéias 6:8). Ou, com o diz Jam es M ontgom ery:

O pássaro que alça as asas nos céus,Constrói seu ninho lá em baixo, na terra.

E o que trina m aviosam ente,Canta de noite quando tudo repousa.

Na cotovia e no rouxinol vem os Quanta honra cabe à hum ildade.

O santo que usa a coroa m ais brilhante do céu,Curva-se em hum ilde adoração.

O peso da glória faz que se prostre,Q uanto m ais se prostra m ais sua alma ascende;

O escabelo da hum ildade deve estar Bem perto do trono de Deus.

2:4 / atente... para o que é dos outros, isto é, ter interesse em proteger os interesses alheios faz parte dos alicerces da ética cristã. "Levai as cargas uns dos outros," exorta Paulo em outra carta, "e assim cum prireis a lei de Cristo" (G álatas 6:2) — lei que Cristo não apenas estabeleceu, m as exem plificou em si mesmo. O assunto é explorado m ais am plam ente em Rom anos 15:1-3: "M as, nós que som os fortes, devem os suportar as

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(Filipenses 2:12-13) 93

fraquezas dos fracos, e não agradar a nós m esm os. Portanto, cada um de nós agrade ao seu próxim o no que é bom para edificação. Pois, tam bém Cristo não agradou a si m esm o." O exem plo de Cristo é sem pre o argum ento suprem o de Paulo na exortação ética, principalm ente quando trata do interesse altruísta pelo bem -estar do próxim o. Se o exem plo de Cristo deve ser seguido, é m elhor, então, m anter m aior interesse pelos direitos dos outros e pelos nossos deveres, do que cuidar principalm ente de nossos direitos e dos deveres dos outros. Q uando alguns m em bros da igreja coríntia firm aram o propósito de defender seus interesses pessoais com tanta avidez que recorreram a ju ize s pagãos para receberem indeni­zações da parte de seus irm ãos cristãos, Paulo lhes disse que p referir sofrer in justiças sem ficar preocupado com reparações legais, e sem envolver o nom e de Cristo num litígio público, é trilhar o cam inho do Senhor (1 C oríntios 6:7).

2:5 / Em seguida, Paulo exorta os filipenses a exibirem o m esm o sentim ento que houve em Cristo Jesus. É provável que esta tradução seja exata, m as qualquer tradução destas palavras exige boa m edida de interpretação adequada. Um a tradução um tanto literal da sentença seria: "Pensai nisto entre vós m esm os (Ponde vossa m ente nisto), que... tam ­bém em Cristo Jesus." Na sentença "que... tam bém Cristo Jesus" falta um verbo que precisa ser acrescentado. A lém disso, a frase "em Cristo Jesus" pode assum ir o sentido especial atribuído por Paulo ("em união com Cristo Jesus" ou "com o m em bros de Cristo Jesus"), ou pode ter o sentido genérico, referindo-se a um a característica que se m anifestara na pessoa de Cristo.

A ECA analisa "em Cristo Jesus" desta ú ltim a m aneira; e assim tam bém o faz a versão K JV ("Que este desígnio esteja em vós, com o estava tam bém em Cristo Jesus"). O sentido especial paulino de "em Cristo Jesus" foi p referido pelos tradutores de NEB: "Que vosso p roce­dim ento uns para com os outros derive de vossa vida em Cristo Jesus."

As palavras que se seguem , que celebram o auto-esvaziam ento e auto-hum ilhação de Cristo, ao tornar-se hom em e consentir em suportar a m orte por crucificação, sugere com m uita força que seu exem plo neste sentido deve ser seguido pelos seus discípulos. A vida com unitária dos seguidores de Cristo — "vida em Cristo Jesus" — deveria ser m arcada pelas qualidades que foram vistas na pessoa de Cristo; entretanto, a frase "em Cristo Jesus" neste contexto refere-se ao que foi detectado no

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92(Filipenses 2:12-13)

Senhor, de m odo pessoal, em vez de na vida com unitária dos discípulos (que aqui se exprim e na frase "em vós"). Portanto, o verbo faltante, na tradução de "que... tam bém em Cristo Jesus" é "houve", isto é, que "foi visto."

Notas Adicionais 9

2:1 / As quatro orações deste versículo são condicionais, sendo cada uma delas iniciada com a conjunção ei("sd'); a oração principal de todas as quatro é o período imperativo completai o meu gozo do v. 2.

Portanto, se há algum conforto em Cristo: lit., "se há algum consolo (gr. paraklesis) em Cristo." NIV toma a frase em Cristo em seu sentido incorpora- tivo, a vida comum dos cristãos. A frase cobre os quatro períodos deste versículo. Por estarem em Cristo (unidos a ele) recebem conforto, consolação, comunhão no Espírito e entranháveis afetos e compaixões. A conjunção ei ("se") implica a inexistência de qualquer dúvida quanto à realidade destas bênçãos, quer na mente de Paulo, quer na experiência dos filipenses: poderia ser traduzido assim: "Tão certo quanto..."

J. B. Lightfoot (ad loc.) acha que paraklesis aqui significa "exortação" e paramythion (ECA: consolação), "incentivo." Esta distinção é tênue demais. As duas palavras são quase sinônimas; quando Paulo usa a segunda (ou seu verbo cognato paramytheisthai) ela vem sempre associada com a primeira (ou com seu cognato, o verboparakaleirí), talvez com o objetivo de enfatizar a idéia de conforto. Cf. a associação de ambas em 1 Coríntios 14:3; 1 Tessalonicenses 2 : 11.

Quanto à comunhão no Espírito, a alternativa marginal de GNB é melhor: " O Espírito vos trouxe à comunhão uns com os outros." A comunhão mútua dos discípulos é, na verdade, a decorrência de sua comunhão com Cristo. Todos os crentes em Cristo foram batizados em um Espírito, num corpo (1 Coríntios 12:13). Aquele que os une, portanto, em Cristo, também os une uns aos outros. Cabe-lhes, pois, doravante, mediante o cultivo da paz dentro dessa comunhão, "guardar a unidade do Espírito" (Efésios 4:3). Deus chamou seu povo "para a comunhão de seu Filho Jesus Cristo" (1 Coríntios 1:9), para que participe de sua ressurreição. E o Espírito que nos capacita a reagir positivamente a esse chamado divino e gozar da comunhão; esta pode, portanto, ser chamada de "comunhão do Espírito Santo" (2 Coríntios 13:13) ou nossa participação em comunhão no Espírito.

Alguns entranháveis afetos e compaixões que os crentes têm em Cristo são partilhados mutuamente. J.-F. Collange (ad loc.) acha que estas palavras se referem aos laços de afeto e simpatia que unem Paulo aos filipenses. Paulo estava bem ciente de tais laços, mas sua preocupação na época voltava-se mais para a manutenção da comunhão de amor dentro da igreja filipense. A palavra grega para afetos é splanchna ("entranhas"), traduzida por "tema misericórdia"

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(Filipenses 2:12-13)93

em 1:8. A palavra compaixões é o ik t i r m o i , plural de o ik t ir m o s ("piedade"). Em Romanos 12:1 Paulo apela a seus leitores pela o ik t ir m o i de Deus ("pela com­paixão de Deus"); em 2 Coríntios 1:3, chama ele a Deus de "o Pai das o ik t ir m o i ", o Pai das misericórdias". Os dois substantivos s p la n c h n a e o ik t ir m o s vêm

juntos outra vez em Colossenses 3:12, "revesti-vos de compaixão" (lit., "colo- cai-vos entranhas de compaixão").

2:2 / para que tenhais o mesmo modo de pensar... pensando a mesma coisa: gr. h in a to a u to p h o n e te ,. . . to h e n p h ro n o u n te s , com repetição do verbo

p h r o n e in , verbo bastante freqüente nesta carta, de modo especial (Paulo o usa vinte e três vezes, e só nesta carta ele aparece dez vezes). Significa "pensar" no sentido de ter uma opinião definida, uma atitude deliberada, a pessoa ter fixado a mente numa determinada direção.

2:3 / por humildade: gr. e n ta p e in o p h r o s y n e , ou "espírito mesquinho, de servo." Um bom exemplo do uso desta palavra, vindo do primeiro século, denotando um vício, e não uma virtude, encontramos em Josefo, em W a r 4.494, onde há menção do "espírito mesquinho" ta p e in o p h r o s y n e do Imperador Galba, ao negar aos guardas pretorianos uma dádiva que lhes fora prometida no nome dele.

2:4 / atente cada um ... também para o que é dos outros: E possível que Paulo esteja enfatizando um ponto específico, "exortando seus leitores afixarem os olhos nos pontos positivos, nas qualidades de outros crentes; quando tais virtudes forem reconhecidas, deveriam constituir, então, um incentivo à nossa forma de viver" (R. P. Martin, ad loc.). A preocupação egoística com "nossas próprias coisas" (to h e a u to n ) pode ser a marca da tendência de um "perfeccio­nista. " Se, na verdade, Paulo está estimulando seus companheiros a prestarem atenção nas boas qualidades alheias, isto seria um preparativo bem apropriado para colocar-lhes diante dos olhos o exemplo supremo de Cristo. De modo semelhante Cristo poderia ser colocado diante deles como exemplo de alguém que pôs os interesses alheios antes de seus próprios interesses. No texto grego original não existe um substantivo para completar o sentido de "o que é seu" ta h e a u to n e "o que é dos outros" ta h e te r o n ; daí decorre a tradução de KJV: "suas próprias coisas" e "as coisas dos outros." Que "coisas" Paulo tinha em mente é questão de interpretação. E de relevância para a interpretação o fato de haver algumas evidências (no ocidente) para a omissão de "também" (k a i da segunda parte do versículo (traduzido de modo literal na KJV: "mas cada pessoa também para as coisas dos outros"). Se esse "também" for mantido, o sentido será: "atente cada um tanto para os interesses (pontos positivos) dos outros, quanto para os seus próprios"; se esse "também" for omitido, o sentido seria: "atente cada um para os interesses (pontos positivos) dos outros, e não para seus próprios."

2:5 / De sorte que haja em vós o mesmo sentimento: gr. to u to p h r o n e i te en h ym in , "tende em vós (no meio de vós) esta mentalidade." O problema interpre- tativo neste versículo encontra-se, em parte, na adição de um verbo à oração adj etiva h o C h r is to le s o u e em parte, na compreensão correta da frase e n C h r is to

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136 (Filipenses 3:15-39)

le so u . As duas questões encontram-se relacionadas entre si, pois se adicionar­mos, como J. B. Lightfoot (ad loc.) o verbo e p h r o n e i to "que houve", e n C h r is to le s o u significaria então, naturalmente, "na pessoa de Jesus Cristo"; se, por outro lado, conforme J. Gnilka (ad loc.) sugere, adicionarmosp r e p e i ("é adequado"), e n C h r is to le s o u significaria, então, "em sua vida de comunhão em Cristo Jesus." Esta última alternativa não depende de acrescentarmos p r e p e i à sentença adjetiva (quanto a isto, consulte-se também F. W. Beare, ad loc.); a posição é defendida também por R. P. Martin (C a r m e n C h r is t i , p. 71), para quem o verbo faltante é p h r o n e i te ("vós pensais," "vós tendes este desígnio") e aprova a tradução de K. Grayston (EPC, ad loc.): "Pensai entre vós desta maneira, que é como pensais em Cristo Jesus, i.e., como membros de sua igreja."

E. Kasemann ("A Criticai Analysis ofPhilippians 2:5-11") aceita esta inter­pretação e vai mais longe ainda: entendendo que os vv. 6-11 expressam o drama da salvação, ele toma "em Cristo Jesus" do v. 5 como denotando a nova situação do crente sob o domínio daquele que foi exaltado como Senhor acima de todas as coisas; em outras palavras, o termo denota a abrangência da salvação estabelecida pela vitória de Cristo na cruz, à qual foram trazidos mediante conversão e batismo. Pensar com humildade é a maneira como o crente deve pensar (d e ip h r o n e in ) na esfera da salvação.

C. F. D. Moule, em "Further Reflections on Philippians 2:5-11, em W. W. Gasque e R. P. Martin, eds, ,A p o s t o l i c H is to r y a n d th e G o s p e l , pp. 264-76, apresenta uma defesa persuasiva do ponto de vista de que Paulo está exortando seus leitores a manifestarem o mesmo espírito de autonegação demonstrado por Cristo. Ele sugere uma amplificação de to u to to p h r o n e m a p h r o n e i te e n h y m iti h o k a i e n C h r is to le so u , que traduz "Adotai uns para com os outros, em vossas relações mútuas, a mesma atitude que se encontrou em Cristo Jesus" (p. 265). Isto, mais a exegese dele dos versículos seguintes, se nos apresenta como interpretação aceitável (que concorda, incidentalmente, com a tradução de NIV). Consulte-se, para praticamente o mesmo efeito, E. Larsson, C h r is tu s a is V o r b ild , p. 233.

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10. Hino a Cristo (Filipenses 2:6-11)

Ao m ostrar estes versículos impressos em form a de poesia, N IV reflete0 reconhecim ento am plam ente divulgado de que aqui tem os um hino cristão prim itivo , em louvor a Cristo. À sem elhança de m uitos outros hinos cristãos prim itivos, este aparece em prosa rítm ica, não, porém , em m étrica poética (nem grega, nem sem ítica). Consiste num a declaração da obra salv ífica de Deus, em Cristo, em sua auto-hum ilhação seguida de exaltação. Ele se hum ilhou; ele fo i exaltado por Deus. De acordo com1 Pedro 1:11, o espírito de profecia nos tem pos do AT estava voltado, de m odo especial, para a predição dos "sofrim entos de Cristo e das glórias que haveriam de seguir-se"; este é o tema de dois tópicos que temos agora diante de nós. Quer tenha sido composto pelo próprio Paulo, quer seja composição de outrem, o apóstolo o incorpora em sua atual argumentação, a fim de reforçar seu apelo ao cultivo de um espírito humilde.

2:6 / Se os filipenses são exortados a apresentar o m esm o "sentim ento que houve em Cristo Jesus", de que m aneira Jesus dem onstrou esse sentim ento?

Ele o dem onstrou ao hum ilhar-se e tornar-se hom em , ao hum ilhar-se e assum ir a form a de servo, ao hum ilhar-se e subm eter-se obedien te­m ente à m orte — e m orte por cruz.

Q ue, sendo em form a de Deus: literalm ente, "sendo já em fo rm a de D eu s." A posse da form a im plica em participação na essência. Parece-nos inútil discutir a evidência de que estas palavras presum em a pré-existên- cia de Cristo. N outra passagem em que Paulo aponta para a autonegação de Cristo, com o exem plo diante de seu povo — "... Jesus Cristo, que, sendo rico, por am or de vós se fez pobre, para que por sua pobreza vos tornásseis ricos" (2 C oríntios 8:9) — a pré-existência do Senhor fica presum ida, de m odo sem elhante (embora Paulo, em 2 Coríntios, faça sua própria escolha de palavras, usando, em F ilipenses, um a com posição d isponível, à m ão). N outras passagens pau linas, C risto é apresen tado com o agente na criação: "nele fo ram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra" (C olossenses 1:16, 17; cf. 1 C orín tios 8:6). O utros escrito res do NT concordam com Paulo nesta dec la ração d o u trin á ria (cf. João 1:1-3; H ebreus 1:2; A pocalipse 3:14); tal idéia evidentem ente

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92(Filipenses 2:12-13)

está am arrada à prim itiva identificação cristã de Cristo com a divina sabedoria do AT (cf. Provérbios 3:19; 8:22-31; tam bém , com "palavra", em vez de "sabedoria", Salmo 33:6). Os cristãos do prim eiro século não partilharam este problem a intelectual que perturba a tantos hoje, que consiste em "com binar a pré-existência celestial com a herança genética hum ana" (M ontefiore, Paul the Apostle, p. 106).

Várias traduções estão disponíveis, da declaração seguinte, além da que ECA nos oferece: sendo em form a de D eus, não teve por usurpa- ção ser igual a Deus. D iz a NIV: "ele não considerou que a igualdade com D eus fosse algo a ser arrebatada". A tradução m arginal de GNB: "ele não pensou que à força deveria ten tar permanecer igual a D eus." Todavia, estas traduções não esgotam as possibilidades. "Existindo sob a fo rm a de Deus, com o acontecia, Cristo não considerava essa igualdade com D eus com o um harpagmos" — eis a força literal das palavras. Este substantivo é derivado de um verbo que significa "agarrar subitam ente" ou "apoderar-se". Não existe a questão de Cristo ten tar arrebatar, ou apoderar-se da igualdade com Deus: ele é igual a Deus, porque o fato de ele ser igual a Deus não é usurpação; Cristo é D eus em sua natureza. Tam pouco existe a questão de Cristo ten tar reter essa igualdade pela força. A questão fundam ental é, antes, que Cristo não usou sua igualdade com D eus com o desculpa para auto-afirm ação, ou autoprom oção; ao contrário, ele a usou com o ocasião para renunciar a todas as vantagens ou privilégios que a divindade lhe proporcionava, com o oportunidade para auto-em pobrecim ento e au to-sacrifício sem reservas.

Vários com entaristas têm visto um contraste, aqui, com a h istória de Adão: Cristo gozava de verdadeira igualdade com D eus, m as recusou-se a auferir quaisquer vantagens dessa igualdade, ao tornar-se hom em , enquanto A dão, criado hom em , à im agem de D eus, tentou arrebatar para si um a falsa e ilusória igualdade com Deus. Cristo alcançou senhorio universal m ediante sua renúncia, enquanto Adão perdeu seu senhorio m ediante o roubo do fru to proibido. Todavia, não há certeza se este contraste estava na m ente do autor ou não.

2:7 /m a s a si m esm o se esvaziou — em vez de explorar sua igualdade com Deus, e dela auferir vantagens. A tradução encontrada em ECA é literal. J. B. L ightfoot prefere traduzir esta oração assim: '"e le se despo­jo u a si p róp rio ', não de sua natureza divina, visto que isso seria im possível, mas 'das glórias, das prerrogativas da d iv indade." ' A lição

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(Filipenses 2:12-13) 93

para a ig reja filipense é clara: assim como Cristo deixou de lado seus próprios interesses, por am or às pessoas, o m esm o deveriam fazer os filipenses.

Cristo "esvaziou-se" ou "despojou-se" mais especificam ente, e assu ­m iu a form a de servo (lit., "a form a de escravo"). Isto não significa que ele trocou sua natureza (ou form a) divina pela natureza (ou form a) de um escravo: significa que ele dem onstrou a natureza (ou form a) de Deus na natureza (ou form a) de um escravo. O incidente narrado em João 13:3-5 prove um a excelente ilustração disto: o fato que aconteceu durante a últim a ceia. Jesus tom ou os pés de seus discípulos, lavou-os e enxu- gou-os com a toalha que se havia cingido, e ele o fez plenam ente consciente de sua origem e destino, totalm ente cônscio da autoridade que lhe fo ra conferida pelo Pai. Sua natureza divina fo i dem onstrada, e de m odo m ui digno, naquele ato de serviço humilde.

Fazendo-se sem elhante aos homens: tais palavras seriam mal in ter­pretadas, se tom adas com o sentido de que a hum anidade de Cristo teria sido apenas um a sem elhança de hum anidade, e não hum anidade real. Antes do final do prim eiro século d.C. surgiu dentro da igreja esta doutrina herética — doutrina que veio a ser denom inada docetism o (gr. dokesis, "sem elhança"). Tal doutrina herética enquadrava-se em certas correntes de pensam ento, mas foi rejeitada, com acerto, com o idéia subversiva, destruidora dos alicerces do evangelho. U m escritor do NT, posteriorm ente, adverte seus leitores contra esta fo rm a de ensino falso que nega que "Jesus Cristo veio na carne" e estigm atiza-o com o ensino do anticristo (1 João 4 :2 ,3 ; 2 João 7). Paulo não tinha dúvida de que Jesus era verdadeiram ente hom em , "nascido de m ulher" (G álatas 4:4), e que m orreu de fo rm a terrível, por crucificação.

Fazendo-se provavelm ente significa "nasceu" com o os dem ais ho ­m ens ("nascido de m ulher," para citarm os Gálatas 4:4 outra vez). Q uanto a ele ser sem elhante aos hom ens, um a possibilidade seria que tem os aqui um a alusão àquele que era "um com o o filho do hom em ," na visão de D aniel do dia do ju lgam en to , alguém que recebera de D eus poder e honra tais que "seu dom ínio é um dom ínio eterno, que não passará, e o seu reino o único que não será destruído" (Daniel 7:13, 14). Estas palavras de D aniel podem ter sido consideradas um a antecipação da exaltação de Jesus, que aqui em Filipenses é apresentada com o fato consum ado (vv. 9-11).

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2:8 / E, achado na form a de homem: este período repete com palavras d iferentes o que já foi dito no anterior.

H um ilhou-se: está indicada um a auto-hum ilhação deliberada; pou ­quíssim a diferença existe entre ele se hum ilhou, aqui, e "a si m esm o se esvaziou" no v. 7, a m enos que signifique: ele "a si m esm o se esvaziou" ao tornar-se hom em e, a seguir, como hom em , hum ilhou-se m ais ainda. A vida inteira do Senhor, da m anjedoura ao túm ulo, foi m arcada por genuína hum ildade.

Sendo obediente até á m orte, e m orte de cruz: a N IV infelizm ente dá a m esm a im pressão que várias outras versões poderiam dar, de que foi a m orte que com andou e recebeu a obediência de Cristo. Ele obede­ceu exclusivam ente à vontade de D eus e, ainda quando essa vontade apontava para o sofrim ento e m orte, Cristo a acatou: "Não se faça a m inha vontade mas a tua" (Lucas 22:42) disse ele a seu Pai celestial.

Contudo, fo i pela m aneira com o experim entou a m orte, m orte de cruz, que Cristo atingiu o ponto m ais baixo de sua hum ilhação. As palavras m orte de cruz não foram acrescentadas depois a um a com po- s ição já pronta, a fim de adaptá-la com m aior precisão aos fatos h istó ri­cos. São palavras essenciais ao sentido, e talvez ao ritm o também. O texto todo celebra a hum ilhação de Jesus, hum ilhação coroada pela m orte de cruz. Segundo os padrões do prim eiro século, nenhum a outra experiên­cia poderia ser m ais repugnante e degradante do que essa.

Torna-se m uito difícil para nós, depois de tantos séculos de cristian is­mo, durante os quais a cruz tem sido venerada com o sím bolo sagrado, perceber todo o horror inefável, todo o pavor provocado pela sim ples m enção da cruz, na verdade, pelo m ero pensam ento na cruz. Pela lei judaica , qualquer pessoa que fosse crucificada m orria sob m aldição de D eus (G álatas 3:13, m encionando D euteronôm io 21:23). Na educada sociedade rom ana a palavra "cruz" era obcenidade, term o que não deveria ser m encionado num a conversa. Até m esm o quando um hom em estava sendo sentenciado à m orte por crucificação, havia um a fórm ula arcaica que se usava a fim de evitar-se a simples pronúncia desse palavrão (em latim , c ria ). Esta vil form a de punição foi a que Jesus suportou e, ao suportá-la, transform ou aquele vergonhoso instrum ento de tortura em objeto do m ais orgulhoso gloriar-se, entre seus seguidores. "M as longe esteja de m im gloriar-m e, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo" (Gálatas 6:14) disse Paulo, (colocando em contraste as razões que as

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outras pessoas apresentavam para gloriar-se) — transtornando de m odo irracional todos os valores aceitos na época. Paulo herdara as atitudes juda icas e rom anas com respeito à crucificação.

2:9 / P rossegue o hino, celebrando agora o reverso da hum ilhação de Cristo, a suprem a ilustração de suas próprias palavras: "quem a si m esm o se hum ilhar será exaltado" (M ateus 23:12, etc.). Visto que Cristo desceu às m aiores profundidades, Deus o exaltou soberanam ente.

Os cristãos filipenses confessavam a Jesus com o o Senhor exaltado. Todavia, com o foi que ele atingiu tal exaltação? M ediante o auto-esva- ziam ento, ao entregar tudo quanto possuía. Não fica im plícito que a exaltação final serviu de incentivo para que ele se hum ilhasse, nem que fosse incentivo para os crentes que lhe seguem o exem plo de hum ildade. M as, com o Cristo era aquele a quem confessavam com o Senhor de tudo, seu exem plo lhes seria decisivo.

A redação destes versículos não teve a finalidade prim ordial de prover um a interpretação para determ inada passagem do AT, mas ecoa alguns precedentes do AT. H avia a descrição do desfigurado, m altratado servo do Senhor que, não obstante, "procederá com prudência"; e haveria de ser "engrandecido, e elevado, e m uito sublim e" (Isaías 52:13, 14). E assim foi que Jesus, em bora como hom em caísse em desgraça e descré­dito, finalm ente foi vindicado divinam ente, como homem.

Vários escritores do NT expressam a realidade da reivindicação e exaltação de Jesus dizendo que ele se sentou à destra de D eus (Atos 2:33; H ebreus 1:3, etc.). Paulo conhece esta expressão, m as parece que a usa apenas quando citando um credo doutrinário, com o em R om anos 8:34 e Colossenses 3:1. A expressão deriva de Salmo 110:1, em que o rei Davi recebe convite em oráculo para partilhar o trono de Iavé, sentando-se à sua direita. De acordo com M arcos 14:62 e textos paralelos, Jesus em seu ju lgam ento diante do sumo sacerdote e seus com panheiros disse-lhes que ainda haveriam de ver "o Filho do hom em assentado à direita do Todo- poderoso," assim ocupando, com o se diria, a posição de m aior honra no universo, e sobre o universo.

Ao ressuscitar a Jesus, Deus lhe deu um nom e que é sobre todo o nome. Provavelm ente se trata da designação "Senhor", em seu sentido m ais sublime. No AT grego esta palavra (kyrio s) é usada de m odo especial, além dos usos e significados norm ais, para representar o nome pessoal do Deus de Israel. Este nom e pessoal, em geral representado por

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Iavé, chegou a ser considerado sum am ente sagrado, de m odo que não poderia ser pronunciado em voz alta; por isso, quando as E scrituras eram lidas em público, Iavé era substituído por outra palavra, com m uita freqüência por um a palavra que significa "Senhor". (Em ECA e na m aioria das versões em português, " SENHOR" é grafado com seis letras m aiúsculas, quando se aplica ao inefável nom e de Iavé.) Este é, pois, o nom e que D eus atribuiu a Jesus — raríssim a honra, a m ais rara, à vista de sua própria afirm ação em Isaías 42:8, "Eu sou o Senhor, este é o meu nom e!" (querendo dizer: m eu, e de m ais ninguém ).

Outra perspectiva é que "Jesus" tornou-se o nome que é sobre todo o nom e, com o se o nom e que um a vez foi inscrito num a cruz se transform asse em nom e sublim e, excelso, no céu. M as, o nom e aqui com entado é o que ele recebeu em conseqüência de sua hum ilhação e m orte; o nom e "Jesus" lhe pertenceu desde o nascim ento. Porém , o nom e de Jesus agora tem o valor de "Senhor"; por decreto de Deus, tornou-se "o nom e elevado, acima de tudo / no inferno, na terra e céus" — com estas palavras, Carlos W esley reproduz em ordem contrária a divisão tríp lice do universo, do versículo 10: nos céus, na terra e debaixo da terra.

2:10 / Em Isaías 45:23 o Deus de Israel, que já havia declarado que não partilharia seu nom e nem sua glória com outrem , ju ra solenem ente por sua própria vida, "diante de mim se dobrará todo joe lho , e por mim ju ra rá toda língua." Aqui, em Filipenses, o texto se repete m as, agora para que ao nom e de Jesus se dobre todo joelh o . Há paralelos desta passagem em outras porções do N T : em João 5:22, 23 o Pai faz do Filho ju iz universal "para que todos honrem o Filho, como honram o Pai," e na visão do céu no A pocalipse 5:6-14, os seres celestiais ao redor do trono de D eus prostram -se perante o Cordeiro vitorioso, quando este surge, e entoam o cântico de celebração da dignidade do Cordeiro, que tam bém passa a ser entoado por toda a criação. Pode ser tam bém que, no encontro com a igreja, a prim eira m enção ao nom e de Jesus será fe ita com palavras de hom enagem — jo e lh o s dobrando-se em honra ao Cordeiro, e a confissão de seu senhorio. Assim , a congregação refle tirá na terra a adoração contínua apresentada nos céus. Todavia, fica expressa a confiança em que esta adoração está destinada a espalhar-se ainda m ais — que até m esm o aqueles que na época presente se recusam a reconhe­cer, por ação ou palavra, o senhorio de Cristo, um dia haverão de

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prestar-lhe esse reconhecim ento. Não existe qualquer dúvida no NT entre o senhorio de Cristo, na igreja, e seu senhorio sobre o universo.

Na frase "para que ao nom e de Jesus" (traduzida literalm ente na AS V e outras versões) evidencia-se a força exata da preposição (gr. eri). A doração é oração são apresentadas a Deus, o Pai, no nom e de Jesus (ou m ediante Jesus) porque ele é o cam inho para o Pai, o único "M ediador entre D eus e os hom ens" (1 T im óteo 2:5). M as não é isso que o apóstolo quer dizer aqui. O sentido é transm itido m ais adequadam ente na tradu ­ção: "para que ao nom e de Jesus" (como aparece em ECA, NIV, KJV, RS V, JB, NEB, N A SB) ou "em honra ao nom e de Jesus" (GNB). O poder do nom e de Jesus, diante do qual m oléstias e dem ônios fug iam , durante seu m inistério terreno, aum entou m uito com a exaltação dada por Deus: "A njos e hom ens diante dele sucum bem / D em ônios fogem e som em ." É assim que Carlos W esley identifica (em ordem contrária) os habitantes do "inferno, terra e céus." Não apenas seres hum anos, é o que o texto diz, m as anjos e dem ônios, em alegre espontaneidade ou tem or relutante, reconhecem a soberania do crucificado — nos céus, na terra e debaixo da terra. M as que se entende, precisam ente, por debaixo da terra? Esta frase pode denotar o reino onde "se pensava que os m ortos continuavam a existir" (GNB, nota m arginal); pode significar tam bém a habitação dos m aus espíritos, ou dos anjos desobedientes: "aos anjos que não guarda­ram o seu principado" (posição de autoridade) "ele os tem reservado em prisões eternas, na escuridão, para o ju ízo do grande dia" (Judas 6). Pode ser relevante relem brar como a legião de dem ônios expulsos do jovem gadareno "rogavam -lhe que não os m andasse para o abism o" (Lucas 8:31).

Talvez não seja tão im portante pesquisar com m uita m inúcia se essa referência diz respeito a seres hum anos m ortos, a dem ônios, ou a ambos os grupos. É possível que a linguagem usada tenha a intenção de expressar a universalidade da hom enagem prestada a Jesus. N outra passagem Paulo exprim e a idéia dessa universalidade em term os de céus e terra (sem m encionar debaixo da terra), quando diz (Colossenses 1:16-20) que em Cristo "foram criadas todas as coisas que há nos céus e

na terra, visíveis e invisíveis" (incluindo expressam ente "tronos... dom i­nações... principados... potestades" espirituais) e tam bém que através de Cristo, D eus reconciliou "consigo m esm o todas as coisas, tanto as que estão na terra com o as que estão nos céus" (talvez com a inclusão

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im plícita dos poderes espirituais). Podem os com parar este texto com o Salmo 48, onde a universalidade do louvor a D eus se expressa em minúcias.

Sem som bra de dúvidas é isto que Paulo afirm a: nada existe em toda a criação, agora, que não esteja "sujeito ao poder e soberania de Cristo, nosso R edentor" (é com base nestas palavras que o sim bolism o do globo terrestre dom inado pela cruz é explicado no culto de coroação inglês). Q uanto aos m ortos, o rei Ezequias poderia achar que estariam excluídos do privilégio de louvar a Deus (Isaías 38:18); todavia, a obra de Cristo transform ou tudo isso: nas próprias palavras de Paulo, "Cristo m orreu e tornou a viver, para ser Senhor tanto dos m ortos com o dos vivos" (Rom anos 14:9).

2:11 / Todos quantos se a joelham a fim de honrar o nom e de Jesus confessam assim que Cristo Jesus é o Senhor. Aquele que assum iu "a fo rm a de servo" fo i exaltado por D eus a fim de ser Senhor de todos, de m od • v ue toda língua confesse que Cristo Jesus é o Senhor. A salvação, diz Paulo, é assegurada a todos que o confessarem : "Se com a tua boca confessares a Jesus com o Senhor, e em teu coração creres que D eus o ressuscitou dentre os m ortos, serás salvo" (Rom anos 10:9); "ninguém ", afirm a Paulo noutra passagem , "pode dizer: Jesus é o Se­nhor! senão pelo Espírito Santo" (1 C oríntios 12:3).

"Jesus (Cristo) é o Senhor" é a quintessência do credo cristão, no qual a palavra "Senhor" recebe o m ais augusto sentido. Q uando os cristãos de gerações posteriores se recusaram a dizer "C ésar é o Senhor," recusa­ram -se porque sabiam que tais palavras não constituíam m era cortesia requerida pelo título: era um título que dava o direito a César de receber honras divinas e, neste sentido, não podiam atribuí-las a mais ninguém senão a Jesus. Para eles havia "um só Deus, o Pai... e um só Senhor, Jesus Cristo" (1 C oríntios 8:6). No AT grego, lido pelos cristãos gentios, Iavé era designado por theos ("D eus") ou (na m aior parte das vezes) por kyrios ("Senhor"); reservava-se theos norm alm ente para Deus, o Pai, e kyrios para Jesus.

Q uando se prestam honras assim ao Jesus hum ilhado e exaltado, a glória de D eus Pai não é dim inuída mas aum entada. Q uando o F ilho é honrado, o Pai é glorificado; porque ninguém consegue lançar sobre o Filho m aiores honrarias do que as que o próprio Pai lhe concedeu.

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Notas Adicionais 10

O pioneiro na apresentação da tese de que os w . 6-11 formam uma compo­sição independente, que Paulo incorporou em sua argumentação, foi E. Lohme- yer, na primeira edição de seu comentário sobre Filipenses (KEK, 1928) e em sua monografia K y r i o s J e s u s : E in e U n te r s u c h u n g z u P h i l 2 ,5 - 1 1 . Ojulgam ento predominante quanto à autoria é que esse texto foi composto por outra pessoa, e não por Paulo (veja R. P. Martin, C a r m e n C h r i s t i pp. 42-62). Todavia, a autoria paulina tem sido defendida porM . Dibelius (ad loc.), W. Michaelis (ad loc.), E.F. Scott (ad loc.), L. Cerfaux, "L'hymne au Christ — Serviteur de Dieu (Phil. 2, 6-11; Isa. 52, 13-53, 12)," pp. 425-37; J. M. Fumess, "The Authorship of Philippians ii. 6-11," E x p T I O (1958-59), pp. 240-43. F. W. Beare (adloc.) vê aqui, "não um louvor 'pré-paulino', mas um louvor composto em círculos paulinos, sob influência de Paulo, mas introduzindo certos temas na proclama­ção da vitória de Cristo que são elementos elaborados independentemente de Paulo."

Lohmeyer (K y r i o s J e s u s , p. 9) argumenta que houve um original aramaico desta invocação; quanto às tentativas de retroversões aramaicas veja P. P. Levertoff (reproduzidas em W. K. L. Clarkc. N e w T e s ta m e n tP r o b le m s p. 148); R. P. Martin, C a r m e n C h r is t i pp. 40, 41; P. Grelot, "Deux notes critiques sur Philippiens 2, 6-11," pp. 185, 186. Não há necessidade de defender-se um original aramaico; o texto grego não é tradução. Por outro lado, as retroversões aramaicas exibem, sem torcer o texto, estrutura e ritmo apropriados.

O. Hofius (D e r C h r is tu s h y m n u s P h i l i p p e r 2, 6-11, p. 8) argumenta com bastante persuasão que a composição segue o padrão dos salmos do AT que reiteram os atos salvíficos de Iavé, mediante confissão e agradecimentos.

2:6 / que, sendo em forma de Deus: gr. h o s e n m o r p h e th e o u h y p a r c h o n

("que, sendo já em forma de Deus"). Quanto ao pronome relativo h o s assim usado aqui, para introduzir uma invocação ou confissão cristológica, cf. Colos- senses 1:15, h o s e s t in e ik o n to u th e o u to u a o r a to u ("Ele é a imagem do Deus invisível"); 1 Timóteo 3:16, h o s e p h a n e r o th e e n s a r k i ("aquele que se manifes­tou em carne"). O substantivo m o r p h e "implica não nos acidentes externos mas nos atributos essenciais" (J. B. Lightfoot, ad loc.); possui um conteúdo mais substancial do que h o m o io m a , na última frase do v. 7 ou s c h e m a na primeira frase do v. 8. O verbo h y p a r c h e in "denota 'existência anterior'" (Lightfoot, ad loc.).

Há disputa em tomo do significado de h a r p a g m o s . De acordo com a analogia de formações com -m o s , deveria significar o ato de agarrar ou arrebatar h a r p a -

z e in . Esta é a interpretação da KJV: "não considerou um roubo o ser igual a D eus"— tradução que apoia a versão de Tyndale, de 1526, indo além da Vulgata n o n r a p in a m a r b i t r a tu s e s t. Todavia, há uma tradição forte favorecendo o tratamento de h a r p a g m o s como se fora sinônimo de h a r p a g m a — isto é, (de acordo com a analogia de tais formações em -m a , algo agarrado, ou a ser

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agarrado. Assim é que J. B. Lightfoot oferece a seguinte paráfrase: "Cristo, embora existindo desde antes do universo sob a forma de Deus, não considerou sua igualdade com Deus como se fora um prêmio, um tesouro que deveria ser avidamente agarrado e ostensivamente exibido; ao contrário, Cristo abriu mão das glórias dos céus" — acrescentando: "esta é a interpretação comum, na verdade, a mais universal entre os pais gregos, que teriam a mais viva sensibi­lidade quanto aos circunlóquios da língua" (P h il ip p ia n s . pp. 134,135).

Que o neutro h a r p a g m a poderia ter este sentido é certo: Plutarco (O n A le x a n d e r s F o r tu n e o r V ir tu e 1.8.330d) afirma que Alexandre, o Grande, não tratou de sua conquista da Ásia h o s p e r h a rp a g m a , "como um prêmio" a ser explorado para seu gozo ou vantagem pessoais, mas como um meio de estabe­lecer a civilização universal sob uma lei (cf. A. A. T. Ehrhardt, "Jesus Christ and Alexander the Great," em T he F r a m e w o r k o f th e N e w T e s ta m e n t S to r ie s , pp. 37-43). Todavia, se este fosse o sentido objetivado nesta passagem de Filipenses, poderia ter sido expresso facilmente mediante h a r p a g m a , palavra muitíssimo familiar — que ocorre dezessete vezes na LXX, enquanto h a r p a g - m o s ocorre apenas uma única vez, aqui, na Bíblia grega, e mui raramente na literatura grega.

C. F. D. Moule ("Further Reflexions on Philippians 2:5-11," em W. W. Gasque e R. P. Martin, e d s . ,A p o s to l ic H is to r y a n d th e G o s p e lp . 272), apresenta um poderoso argumento no sentido de manter-se a força ativa própria de h a r p a g m o s - , "O ponto central da passagem é que, ao invés de imaginar que a igualdade com Deus significaria o b te r a lg o , Jesus, ao contrário, — d e u -a — deu-se, até 'esvaziar-se'... ele considerou a igualdade com Deus não como p l e r o s i s mas como k e n o s is , não como h a r p a g m o s mas, como desgaste total — até à morte."

Quanto à opinião de que Paulo objetiva, aqui, um contraste entre Cristo e Adão, consultem-se O. Cullmann, T h e C h r is to lo g y o f th e N e w T e s ta m e n t, pp. 174-81; R. P. Martin, C a r m e n C h r is t i , pp. 161 -64 (Martin faz recuar esta opinião até G. Estius em 1631). D. H. Wallace ("A Note on m o rp h e " ) argumenta contra essa opinião, dizendo que o m o r p h e th e o u do v. 6 (como se toma evidente de m o r p h e d o u lo u do v. 7 é diferente da igualdade com Deus concedida a Adão e Eva em Gênesis 3:5. (O AT grego não usa m o rp h e mas e ik o n ao referir-se à "imagem" de Deus com que Adão foi criado.) Outra opinião sustenta que o contraste objetivado é entre Cristo e Lúcifer, pois este tentou ser "semelhante ao Altíssimo" (Isaías 14:14); à bibliografia referente a esta opinião, indicada em R. P. Martin, C a r m e n C h r is t i , pp. 157-61, acrescente-se E. K. Simpson, W o rd s W o r th in th e G r e e k N e w T e s ta m e n t (Londres: Tyndale Press, 1946), pp. 20-23.

2:7 / mas a si mesmo se esvaziou: gr. h e a u to n e k e n o s e n (tradução literal). O uso do verbo grego aqui atribuiu o nome de k e n o s is a uma teoria cristológica que já foi popular (a teoria "cinótica") que, na verdade, nada tem que ver com o significado da presente passagem. Consulte-se E. R. Fairweather, "The 'Kenotic' Christology," nota anexa a F. W. Beare, P h il ip p ia n s , pp. 159-74.

W. Warren em "On h e a u to n e k e n o s e n ," sugere que estas duas palavras gregas

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poderiam ser equivalentes ao hebraico h e e r a h ... n a fs h o (Isaías 53:12), "ele expôs sua vida" (KJV: "ele derramou sua alma"). Esta sugestão foi elaborada na suposição de que a frase interveniente la m m a w e th ("até à morte") do texto hebraico faz eco no gr. m e c h r i th a n a to u ("tão longe quanto a morte") no v. 8 abaixo, de modo que a si mesmo se esvaziou... até à morte poderia ser considerado praticamente como tradução variante de "derramou sua vida na morte" (Isaías 53:12). Consultem-se H. W. Robinson, "The Cross o fthe Ser- vant" (1926), em T he C r o s s in th e O l d T e s ta m e n t (Londres: SCM Press, 1955), pp. 104,105; C. H. Dodd, A c c o r d in g to th e S c r ip tu r e s , p. 93; J. Jeremias, "Zur Gedankenführung in den paulinischen Briefen," em S tu d ia P a u l in a in h o n o r e m J. d e Z w a a n ed. J. N. Sevenster e W. C. van Unnik, p. 154 com n2 3; A. M. Hunter, P a u l a n d h is P r e d e c e s s o r s , pp. 43,44. Esta suposição contribui para o argumento de que a invocação cristã é uma interpretação do quarto cântico do Servo (Isaías 52:13 — 53:12); permanece esta suposição, talvez atraente, mas destituída de prova.

Tomando a forma de servo: gr. m o r p h e n d o u lo u la b o n , em que la b o n é o particípio aoristo simultâneo ("ele se esvaziou a si mesmo ao tomar..."). Como ocorre no v. 6, m o rp h e significa "não apenas a semelhança externa ... mas os atributos que o caracterizam" (J. B. Lightfoot, ad loc.). C. F. D. Moule salienta a importância da palavra d o u lo s ("escravo") neste contexto: "escravidão, na sociedade da época, singificava o ponto extremo no que concerne à privação de direitos ... Pressionada pela conclusão lógica, a escravidão negaria à pessoa todos os seus direitos — até mesmo o direito à vida, o direito de ser pessoa" ("FurtherReflections," p. 268).

Fazendo-se semelhante aos homens: gr. e n h o m o io m a ti a n th r o p o n g e n o - m e n o s , onde g e n o m e n o s provavelmente significa "nascido" (como em Gálatas 4:4 g e n o m e n o n e k g y n a ik o s "nascido de mulher"); cf. Romanos 1:3, "que nasceu (g e n o m e n o n ) da descendência de Davi"; João 8:58, "antes que Abraão nascesse g e n e s th a i , 'eu sou'"; e quanto ao sentido geral, Sabedoria 7:1-6, onde Salomão insiste em que ele veio ao mundo como qualquer outro ser humano: "quando eu nasci (g e n o m e n o s ,) comecei a respirar o ar comum."

E, achado na forma de homem: gr. s c h e m a ti h e u r e th e is h o s a n th ro p o s , onde s c h e m a , sem sugerir que a humanidade de Cristo era apenas aparente, pode indicar que havia nele mais do que mera humanidade (Cristo continuou a possuir a "natureza de Deus"). Não existe qualquer ênfase na idéia de encontrar-se em h e u r e th e is (particípio passivo aoristo de h e u r isk e in )- , o passivo de h e u r is k e in é usado aqui mais como s e t r o u v e r e m francês (cf. 3:9; Hebreus 11:5). Com h o s a n th r o p o s compare Daniel 7:13 (Theodósio), h o s h y io s a n th r o p o u ("o q u e

p a r e c i a u m s e r h u m a n o " ). L ig h t f o o t ( a d lo c .) c o m p a r a -o c o m T e s ta m e n t o f Z e b u lu n 9:8, "você verá Deus à semelhança do homem" (e n s c h e m a ti a n th r o ­p o u ) — mas isto surge de uma revisão cristã da obra, e poderia depender da redação deste louvor a Cristo.

2:8 / humilhou-se a si mesmo, sendo obediente: gr. e ta p e in o s e n h e a u to n g e n o m e n o s h y p e k o o s , "ele se humilhou ao tomar-se obediente" (como la b o n no

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v. 1, g e n o m e n o s é simultaneamente particípio aoristo). Enquanto W. F. Beare (ad loc.) vê aqui uma provável referência à "submissão ao poder dos Espíritos Elementares" (os s to ic h e ia , inexiste quaisquer paralelos de tal pensamento nos escritos do NT). Cristo penetrou na esfera da vida humana que era dominada por aquelas forças, mas em vez de ele se lhes submeter, elas é que se lhe submeteram (Colossenses 2:15). Se A. J. Bandstra estiver certo em tomar a lei como sendo uma dessas forças (T h e L a w a n d th e E le m e n ts o f th e W o r ld pp. 60ss.), poder-se-ia concluir, então, que Cristo, por ter nascido sob a lei (Gálatas 4:4), de alguma forma se lhe submeteu; mas, em Gálatas 4:3, 9, é o legalismo, e não a lei como revelação da vontade de Deus (à qual [vontade] Cristo prestou obediência com total alegria e liberdade), que se encontra entre s to ic h e ia . Tampouco foi à morte que Cristo prestou obediência (como se poderia deduzir, pela redação de KJV); foi à vontade do Pai que ele prestou obediência até chegar à morte.

A frase até à morte, e morte de cruz constitui o climax da primeira parte do louvor. Não se trata de adendo posterior, que objetivasse cristianizar a composição; ela integra o sentido e ritmicamente forma uma coda para a primeira parte, assim como a frase para glória de Deus Pai forma uma coda para a segunda parte (cf. O. Hofius, D e r C h r is tu sh y m n u s , pp. 3-17).

Morte de cruz, nas palavras de Cícero, "a mais cruel e abominável forma de punição" (V e rrin e O r a tio n s 5.64);" a própria palavra 'cruz', disse ele, "deveria ser estranha não somente ao corpo de um cidadão romano, mas a seus pensamentos, seus olhos, seus ouvidos" (O r a tio n in D e f e n s e oJC. R a b ir iu s , 16). Veja M. Hengel, C ru c ifix io n .

2 : 9 1 Deus o exaltou soberanamente: gr. h o th e o s a u to n h y p e r y p s o s e n , "Deus altamente o exaltou." O verbo simples é usado no começo do quarto cântico de Isaías (Isaías 52:13): "será engrandecido, e elevado" (h y p s o th e s e ta i). Todas as fontes de testemunho do NT concorrem para celebrar a exaltação de Jesus: "É-me dado todo o poder no céu e na terra" (Mateus 28:18); "Jesus, sabendo que o Pai tinha depositado nas suas mãos todas as coisas" (João 13:3); Cristo é retratado como "feito mais sublime do que os céus" (Hebreus 7:26); "havendo-se-lhe sujeitado os anjos, e as autoridades, e as potestades" (1 Pedro 3:22); "Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor" (Apocalipse 5:12).

C. F. D. Moule ("FurtherReflexions," p. 270) propõe o seguinte: "a despeito de todo o peso das opiniões contrárias," entender o nome que é sobre todo o nome como sendo "o nome de 'Jesus', não o título 'Senhor'... Deus, na encarnação, atribuiu a Quem está em igualdade um nome terreal que, em vista de acompanhar o auto-esvaziamento mais parecido com o do próprio Deus, veio a tomar-se, na verdade, o mais exaltado de todos os nomes, porque o trabalho e a auto-entrega são em si mesmos os mais elevados atributos divinos." Veja-se também J. Barr, "The Word Became Flesh: The Incamation in the New Testament," In te r p 10 (1956), pp. 16-23, especialmente p. 22.

2:10 / para que ao nome de Jesus: " quando o nome de Jesus é pronunciado"

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(C. F. D. Moule, I B N T G p . 78; cf. "Further Reflexions," p. 270, onde o autor liga a tradução à identificação de "Jesus" como o nome que é sobre todo o nome).

Nos céus, na terra e debaixo da terra: gr. e p o u r a n io n k a i e p ig e io n k a i k a ta c h th o n io n , três substantivos no genitivo plural, provavelmente para serem entendidos como sendo do gênero masculino (ou neutro), visto que são seres inteligentes que prestam homenagem laudatória e fazem confissão. Todavia, W. Carr (A n g e ls a n d P r in c ip a l i t ie s , pp. 86-89) diz o seguinte: "é razoavelmente certo que os três substantivos sejam do gênero neutro, em vez de masculino," visto que a referência aplica-se "não tanto aos seres que habitam as três regiões, mas à noção abrangente da universalidade do louvor a Deus."

Há uma passagem paralela notável (que na verdade poderia depender desta passagem de Filipenses) em Inácio, T o th e T r a l l ia n s 9:1, onde se afirma, em seqüência de credo, que Jesus Cristo "verdadeiramente foi crucificado, e mor­reu, à vista dos que habitam os céus, a terra e debaixo da terra" (b le p o n to n to n e p o u r a n io n k a i e p ig e io n k a i h y p o c h th o n io n ) . Também aqui os substantivos parecem ser do gênero masculino, visto que as pessoas v ir a m a paixão de Cristo. E possível que Carr tenha razão em pensar que Inácio, ao usar esses três substantivos, referia-se de modo abrangente a "todo o universo habitado"; todavia, esse universo é de seres inteligentes.

F. W. Beare (ad loc.) argumenta que a referência a todos os três substantivos " se faz com certeza a e s p í r i to s — astrais, terrestres e demoníacos." Não há razões plausíveis para limitarmos assim a referência aos seres inteligentes, e mais enfaticamente nenhuma razão para a declaração adicional de que a proclamação do v. 11 não é "uma confissão de fé em Jesus por parte da ig r e ja , mas a aclamação dos espíritos que rodeiam o trono de Cristo." Trata-se de ambas as coisas.

2:11 / Cristo Jesus é o Senhor: gr. k y r io s I e s o u s C h r is to s . Cf. Atos 10:36, "Jesus Cristo (este é o Senhor de todos)."

Para glória de Deus Pai: é a coda para a segunda parte do louvor e também para o louvor todo ("até à morte, e morte de cruz", é a coda da primeira parte). Deus foi glorificado na humilhação de Cristo, tanto quanto é glorificado em sua exaltação.

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11. Exortação à Fidelidade (Filipenses 2:12-13)

Após a invocação a Cristo, Paulo retom a a exortação apostólica, que é reforçada pelo conteúdo daquele louvor.

2 :1 2 / Paulo enfatiza a obediência que caracterizou Cristo. A obed iên­cia dele deve servir de exem plo para seus discípulos. Paulo não tem dúvidas quanto à obediência dos crentes filipenses: nada há neles pare­cido com os coríntios, na situação refletida em 2 Coríntios 10:6, m as os filipenses sem pre dem onstraram obediência, não tanto a Paulo m as ao Senhor de quem ele era apóstolo. Se alguém ju lg a r estranho que se m encione obediência num a carta de um am igo dirigida a am igos am ados (NIV traz "m eus am igos am ados"), é preciso lem brar-se de que Paulo não era apenas o am igo dos filipenses; ele era o apóstolo de Jesus Cristo para eles. N esta carta, Paulo não afirm a sua autoridade apostólica, com o o faz em outras (cf. 1 C oríntios 9:1, 2; 2 Coríntios 3:1-3); a autoridade dele nunca foi desafiada em Filipos. Entretanto, por toda a carta fica evidente a m arca da autoridade apostólica.

O apelo de Paulo aos filipenses é, então, este: de sorte que, meus am ados, assim com o sem pre obedecestes, não só na m inha presença, m as m uito mais agora na m inha ausência, assim tam bém efetuai a vossa salvação com tem or e trem or. A obediência dos filipenses envolvia a tradução dos princípios do evangelho, em que haviam crido, em ação constante. O evangelho lhes trouxera salvação — sua própria salvação, com o Paulo diz com m uita ênfase, porque é dádiva gratuita de D eus para eles. Entretanto, ela precisa ser "efetuada" na vida prática, à vista da aproxim ação do "dia de Cristo," que lhes com pletará a salvação (neste sentido Paulo diz em R om anos 13:11 que a salvação dos crentes "está agora m ais perto de nós do que quando aceitam os a fé .") Neste contexto, Paulo não está exortando cada m em bro da igreja a em penhar-se na obra de sua salvação pessoal; Paulo está pensando na saúde e bem - estar geral da igreja com o um todo. Cada crente, e todos os crentes, num corpo só, precisam prestar atenção a este fato.

A seriedade com que os crentes devem tratar deste assunto fica indicada na frase com tem or e trem or. É evidente que a atitude reco­m endada pelo apóstolo aqui nada tem que ver com o terror servil; o

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apóstolo tranqüiliza os crentes de R om a, dizendo: "não recebestes o espírito de escravidão para outra vez estardes em tem or" (Rom anos 8:15). Trata-se, antes, de um a atitude de reverência e profundo respeito, na presença de D eus, de extrem a sensib ilidade à sua vontade, de consciência de nossa re sp o nsab ilidade à vista de haverm os de p restar contas peran te o tribunal de Cristo. Os crentes devem reconhecer que em sua vida com unitária D eus está presente. Os pagãos que entravam nas reun iões dos crentes im ediatam ente se conscien tizavam disso. "D eus está verdadeiram ente entre vós" (1 C orín tios 14:25). É certo , pois, que os crentes deveriam ter m uito m aior consciência da p resença divina.

2:13 / Estando Paulo vivo e, de m odo especial, quando ele estava em liberdade, podendo visitar os filipenses, seu interesse era a "salvação" deles. Entretanto, nem sem pre Paulo estava por ali, disponível. Isto não significava, porém , que quando o apóstolo estivesse perm anentem ente ausente, os filipenses seriam abandonados a seus próprios recursos. Deus é o que opera em vós, diz Paulo — não em vós apenas individualm ente, m as com o coletividade. Pelo seu Espírito que em vós habita ele opera em vós tanto o querer com o o efetuar — tanto o desejo de efetuar, segundo a sua boa vontade, como tam bém o poder para efetuar. Trata-se de parte do ensino de Paulo a respeito do Espírito Santo, ainda que o E spírito não seja explicitam ente m encionado aqui. Como Paulo enfatiza noutras passagens, o Espírito realiza o que a lei não consegue realizar: a lei podia dizer às pessoas o que deveriam fazer, m as não podia suprir-lhes o poder, nem m esm o a vontade de fazê-lo ; o Espírito supre am bas as coisas (Rom anos 8:3, 4; 2 Coríntios 3:4-6). Q uando o Espírito tom a a iniciativa de partilhar com os crentes o desejo e o poder para realizar a vontade de D eus, esse desejo e poder se lhes torna possessão pessoal, com o dádiva de Deus, e os crentes obedecem à vontade de D eus "de coração" (Efésios 6:6).

Notas Adicionais 11

2:12 O apóstolo, à semelhança do shaliah entre os judeus, era um mensageiro devidamente credenciado; enquanto permanecesse obediente às condições de sua comissão, o apóstolo exercia a autoridade da pessoa que o havia enviado: "o shaliah de um homem é como esse homem em pessoa" (Talmude Babilônico, tractate Berakot34b). Consulte-se C. K. Barrett, " Shaliah and Apostle, " em E.

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92 (Filipenses 2:12-13)

B a m m e l, C . K . B a r r e t t , e W. D . D a v ie s , e d s ., D o n u m G e n ti l ic iu m , pp. 88-102.Na minha presença ... na minha ausência. No texto grego estas frases

vêm ligadas a assim também efetuai, como demonstra o m e negativo, precedente, que é negativo adequado ao imperativo k a te r g a z e s th e , e não ao indicativo h y p e k o u s a te (obedecestes): efetuai não apenas na minha pre­sença (p a ro u s ia , como em 1:26), mas muito mais agora na minha ausência (ia p o u s ia , somente aqui, em todo o NT). A partícula traduzida por "assim como" h o s que precede na minha presença é omitida em B e em outros fragmentos; essa partícula "coloca ênfase no sentimento, ou no motivo do agente" (J. B. Lightfoot, ad loc.) — "como se minha presença vos m otivas­se." F. W. Beare (ad loc.) pensa que, no contexto geral, o contraste entre "presença" e "ausência" significa "durante minha vida" e "depois de minha morte"; tal implicação está embutida nas palavras de Paulo, mas o sentido do texto não precisa restringir-se a isso apenas.

A vossa salvação: gr. te n h e a u to n s o te r ia n ("vossa própria salvação"), estando o pronome reflexivo da terceira pessoa estendido de modo a abranger a segunda pessoa. Quanto ao sentido corporativo de salvação aqui, veja J. H. Michael, "Work outyourown Salvation," E x p o s i to r , série 9, 12 (1924), pp. 439-50.

Com temor e tremor: gr. m e ta p h o b o u k a i tro m o u , parelha favorita do vocabulário de Paulo, segundo parece, referindo-se a diversos tipos de temor. Em 1 Coríntios 2:3 é empregada quanto às dúvidas com que Paulo aproximou-se pela primeira vez de Corinto, tendo sido expulso de uma cidade macedônica após outra; em 2 Coríntios 7:15 é usada com referência ao tremor com que os crentes coríntios saudaram a Tito, o enviado de Paulo, tão logo foram repreen­didos pela severa carta do apóstolo; em Efésios 6:5 é usada quanto ao sentido de reverência e dever a respeito de Cristo, que deveria motivar os escravos cristãos a obedecerem a seus senhores pagãos.

Não há apoio no texto, nem no contexto, para a opinião de W. Schmithals (P a u l a n d th e G n o s tic s , p. 98) que Paulo aqui está advertindo seus leitores contra a falsa segurança daqueles que crêem que já alcançaram a perfeição (veja-se mais na discussão de 3:12-14).

2:13 / que opera em vós: gr. e n e r g e in (duas vezes neste versículo), é um verbo usado com freqüência por Paulo, referindo-se à eficácia do poder de Deus (cf. o substantivo cognato e n e r g e ia , "poder", em 3:21).

querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade: gr. h y p e r te s e u d o k ia s , "para o bom prazer." Não está escrito expressamente "bom prazer" de quem, mas certamente é de Deus (visto que Deus é o sujeito da oração). O substantivo e u d o k ia foi usado em 1:15 para referir-se à "boa mente" ("genuína boa vonta­de") com que algumas pessoas pregam o evangelho em Roma, porém o sentido aqui é um tanto diferente (a despeito dos que acham que h y p e r te s e u d o k ia s s ig - nifica "promover boa vontade"). Cf. Lucas 2:14, em que e n a n th r o p o is e u d o k ia s não significa "entre homens de boa vontade" mas "entre seres humanos que são objetos da boa vontade de Deus" (propósito salvífico; cf. NIV). (Uma frase hebraica semelhante, "filhos de sua/tua boa vontade" (b e n e r e s o n o /r e s o n e k a ,

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(Filipenses 2:12-13) 93

ocorre na literatura Qumran (1QH 4.32, 33; 11.9), referindo-se "mais natural­mente à vontade de Deus em conferir graça àqueles a quem ele escolheu, mais do que o fato de deleitar-se e aprovar a bondade nas vidas dos homens" (E. Vogt, '"Peace among Men of God's Good Pleasure' Lk. 2:14," em The ScrolLs and the New Testament, ed. K. Stendahl, p. 117).

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12. Esperança de Paulo Quanto aos Filipenses(Filipenses 2:14-16)

A obediência filipense, ou resultado do "efetuai a vossa salvação", dependia em grande parte da persistência do am or e da harm onia na com unidade dos crentes. Se o am or e a harm onia se m antivessem , o testem unho dos filipenses perante o am biente pagão seria eficaz. Paulo podia aguardar confian te a época em que ele seria convocado a fim de prestar contas de sua m ordom ia com respeito àquela igreja.

2 : 1 4 / 0 propósito de D eus para seu povo só pode ser cum prido se este v iver em unidade harm oniosa, fazendo todas as coisas sem m urm nra- ções nem contendas. Esta linguagem fo i tom ada de em préstim o das descrições fe itas no AT das gerações de israelitas que atravessaram o deserto, sob a liderança de M oisés, após a libertação do Egito. Eles reclam avam reiteradam ente das privações, dizendo que jam ais deveriam ter deixado o Egito (Núm eros 11:1-6; 14:1-4: 20:2; 21:4, 5). M oisés os descreveu com o "geração perversa e depravada" (D euteronôm io 32:5, m encionado no v. 15 abaixo), "geração perversa, filhos sem lealdade" (D euteronôm io 32:20).

2:15 / Os seguidores de Cristo não deveriam proceder com o aquelas gerações israelitas, no deserto. Escrevendo a seus convertidos coríntios, Paulo precisou adverti-los com seriedade contra a im itação de um exem plo tão desastroso, de m odo que viessem a incorrer no m esm o ju lgam ento : não deveriam m urm urar "como alguns deles m urm uraram , e pereceram pelo anjo destruidor" (1 Coríntios 10:10). Todavia, ainda que um a adm oestação para que se procure um m odo de vida harm onioso, cheio de alegria, nunca é im própria, Paulo sabia que seus am igos f ilip e n ­ses tinham um caráter melhor. Não eles, mas seus v izinhos pagãos é que podem ser descritos com o geração corrom pida e perversa. Os crentes filipenses devem estabelecer um exem plo m elhor perante o m undo que os circunda, m ostrando-se irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis, refletindo o caráter de seu Pai, povo contra cu ja m aneira de v iver ninguém pode apontar um dedo acusador. Era isso que Jesus tinha em m ente para seus discípulos, ao cham á-los de "sal da terra", exortan­

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do-os a que, m ediante generoso altruísm o, se tornassem verdadeiros filhos do Pai celeste — que fossem perfeitos com o D eus é perfeito (M ateus 5:13, 45, 48). Em contraste, as pessoas daquela geração do deserto fo ram repudiadas: "já não são seus filhos" (D euteronôm io 32:5).

Jesus com parou seus seguidores não apenas ao sal mas tam bém à "luz do m undo" (M ateus 5:14-16). Paulo apanha esta figura de linguagem e com ela encoraja os cristãos filipenses: resplandeceis com o astros no m undo. A palavra que o apóstolo usa é "lum inárias" (gr. phosteres)-, é usada na versão grega de G ênesis 1:14-19 quanto ao sol, à lua e às estrelas que o C riador espalhou pela abóbada celeste no quarto dia. Tais lum iná­rias não brilham para si m esm as; brilham a fim de prover luz para o m undo todo. O m esm o deveria ser verdade a respeito do crente: ele vive para os outros. A igreja tem sido cham ada de clube que existe para o benefíc io dos que não são sócios.

No mundo: tradução literal do grego kosmos. Esta palavra fo i usada em João 3:19 e 12:46, onde Jesus fala sobre ter vindo "ao m undo como luz" (cf. tam bém 1:9; 8:12; 9:5).

2 :16 / Paulo muda, agora, deixando a linguagem figurada para usar a literal, e diz que a tarefa deles é reter a palavra da vida. D evem apresentar o evangelho pelo m odo de vida, com o tam bém pelas palavras que pronunciam . N inguém lhes aceitaria a m ensagem com seriedade, se vivessem de form a contraditória à palavra. E ntretanto, se vivessem de tal m odo que seus vizinhos lhes perguntassem o que é que os capacitava a serem irrepreensíveis e sinceros no viver, os crentes filipenses pode­riam então falar-lhes da palavra da vida que lhes havia revolucionado as atitudes e condutas.

A palavra da vida é cham ada assim porque proclam a a verdadeira vida que se encontra em Cristo; ela nos fa la de com o "o ju sto v iverá da fé" (Rom anos 1:17; Gálatas 3:11, citando H ebreus 2:4). O evangelho que os apóstolos foram convocados para pregar com preende "a m ensagem com pleta desta nova v ida" (Atos 5:20) — expressão sinônim a de "a palavra desta salvação" (Atos 13:26). N outra passagem Paulo se refere a essa v ida como "o dom gratuito de D eus" que "é a vida eterna, em Cristo Jesus nosso Senhor" (Rom anos 6:23); "vida eterna" significa a vida na era v indoura (a da ressurreição), recebida e gozada pelos crentes, aqui e agora, m ediante a participação deles na vida ressurreta de Cristo.

Paulo punha ordem em sua vida à luz do d ia de C risto que está

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92 (Filipenses 2:12-13)

próxim o; ele sabia que nesse dia sua obra apostólica seria investigada. Assim disse ele: "A mim pouco se me dá de ser ju lgado por vós, ou por algum tribunal hum ano" visto que, prossegue o apóstolo, "quem m eju lg a é o Senhor" (1 C oríntios 4 :3 ,4 ). Reiteradam ente Paulo deixa bem claro que ele enfrentará o dia de Cristo com m uita confiança, desde que seus convertidos perm aneçam firm es e vivam de m odo que tragam crédito ao evangelho que lhes pregou. Quando ele tiver de encontrar-se face a face com o Senhor, de quem recebeu um m inistério no cam inho de D am asco, sua esperança é que lhe será suficiente apontar para seus convertidos e convidar o Senhor para avaliar a qualidade de sua obra segundo a qualidade da vida daqueles a quem levou a Cristo. E assim é que Paulo e seus com panheiros podem descrever os cristãos da Tessalônica desta m aneira: "qual é a nossa esperança, ou gozo, ou coroa de glória na presença de nosso Senhor Jesus na sua vida? Não sois vós?" (1 T essalo­nicenses 2:19). De m odo sem elhante, Paulo assegura a seus irm ãos filipenses que, se eles m antiverem seu bom testem unho de Cristo, terão retido a palavra da vida, para que no dia de Cristo possa gloriar-m e de não ter corrido nem trabalhado em vão.

A palavra corrido é um exem plo da preferência de Paulo pela lingua­gem de atletism o a fim de descrever seu m inistério. De m odo sem elhante, em Gálatas 2:2, ele declara: "para que de m aneira algum a não corresse, ou não tivesse corrido em vão." (V eja-se tam bém 1 Coríntios 9:24-27.) A palavra para corrido é a m esm a para trabalho árduo, ou esforço extenuante; Paulo a usa outra vez em Gálatas 4 :1 1 a fim de expressar a idéia de trabalhar em vão: "Receio por vós, que de algum m odo eu tenha trabalhado em vão para convosco."

Quanto ao dia de Cristo vejam -se os com entários de 1:6, 10; quanto à associação de orgulho ou gloriar-m e naquele dia, veja-se 1:26 com os com entários.

Notas Adicionais 12

2:14 / W. Schmithals acha que a advertência contra murmurações e conten­das só é inteligível com referência à "dissensão trazida à comunidade pelos falsos mestres" {Paul and the Gnostics, p. 74). Todavia, é fácil pensar numa grande variedade de outras causas que poderiam levar a murmurações, queixu- mes e discussões. Comparem-se também as exortações de 4:1-3, 8-9.

2:15 / Há uma espantosa similaridade entre para que sejais (hina genesthe)... filhos de Deus e as palavras do sermão do monte: "para que sejais (hopos

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g e n e s th e ) filhos do vosso Pai que está nos céus" (Mateus 5:45). A palavra traduzida por irrepreensíveis aqui, em ECA é o gr. a m o rn a , "sem mancha" (cf. Efésios 1:4; 5:27; Colossenses 1:22, etc.), usada na LXX em especial para referir-se aos animais sacrificiais. Veja abaixo.

Uma geração corrompida e perversa: Gr. g e n e a s s k o l ia s k a i d ie s tr a m m e - n es, de Deuteronômio 32:5, que assim descreve a geração do deserto. Os israelitas daquela geração são ainda descritos, no mesmo versículo, como te k n a m o m e ta , "filhos... mancha", ou "filhos manchados"; há um contraste deliberado aqui entre te k n a ... a m o rn a , " filhos n ã o m a n c h a d o s ( in c u lp á v e is ) . " V e ja a c im a .

Entre a qual resplandeceis como astros no mundo: visto que o verbo está na voz mediana, ou passiva, (p h a in e s th e , não na ativap h a in e te , que pode muito bem significar "vós resplandeceis," "vós distribuis a luz," alguns têm argumen­tado (entre eles por exemplo E. Lohmeyer, ad loc.), que o texto significa "vós apareceis como luzeiros no mundo." Contudo, a voz passiva também fica atestada com o sentido de "resplandecer" em associação comp h o s te r e s ("lumi­nárias"); "resplandeceis" é uma tradução apropriada aqui. Em Daniel 12:3 está escrito que, no dia da ressurreição, "os que forem sábios (os quais suportaram o peso da perseguição) resplandecerão como o fulgor do firmamento (LXX:

p h a n o u s in h o s p h o s te r e s to u o u ra n o u , 'resplandecerão como luminárias nos céus'); e os que a muitos ensinam ajustiça refulgirão como as estrelas sempre e eternamente." Todavia, aqueles que, agora, partilham a ressurreição de Cristo antecipmi o ministério do dia da ressurreição e já dão testemunho resplande­cente. É que a designação "filhos da luz" aplicava-se aos seguidores de Cristo cf. Lucas 16:8; João 12:36; Efésios 5:8; 1 Tessalonicenses 5:5.

2:16 / possa gloriar-me: gr. e is k a u c h e m a e m o i, "tenha (motivo) para gloriar-me"; cf. uso similar do substantivo k a u c h e m a em 1:26, to k a u c h e m a h ym o n , "vosso (motivo) para gloriar-vos."

de não ter corrido nem trabalhado em vão: O. Bauemfeind sugere, à luz de Gálatas 2:2, que a expressão "corrido em vão" (e is k e n o n tr e c h e in "era de uso comum para o apóstolo Paulo" (T D N T , v o l. 8, p . 2 3 1 , s. v. "trech o" ). A palavra traduzida por trabalhado (k o p ia n ) é uma das favoritas dele para descrever o trabalho cristão, seu mesmo ou de outrem (cf. Romanos 16:6,12; 1 Coríntios4:12; 15:10; 16:16; Gálatas4:l 1 ;Colossenses 1:29; 1 Tessalonicenses 5:12); a implicação de que o trabalho resulta em cansaço está em João 4:6, em que Jesus ao meio-dia senta-se ao lado do poço de Jacó porque está "cansado" k e k o p ia k o s da viagem.

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13. Libação de Paulo Sobre o Sacrifício dosFilipenses (Filipenses 2:17-18a)

A vida da ig re ja filip en se é v ista com o um a o fe ren d a a D eus: se fa lta algum a co isa para to rnar essa o ferenda pe rfe itam en te aceitável, Paulo está d isposto a dar a p rópria v ida em sacrifíc io com o a coisa fa ltan te — para créd ito dos f ilip en ses , não seu.

2:17 / Paulo retorna á sua atual situação. A guarda um veredicto favorável, da parte do tribunal im perial, mas não pode ter certeza: o caso pode pender para o outro lado, e o apóstolo pode ser sentenciado à morte. Se assim for, a sentença poderia ser m orte por decapitação. Como é que Paulo v ia essa perspectiva?

A vida e o trabalho dos cristãos poderiam ser descritos como um sacrifício. Paulo exorta os crentes rom anos a apresentarem seus "corpos com o sacrifício vivo, santo e agradável a D eus" (Rom anos 12:1). A o fe rta m onetária dos filipenses a Paulo é com parada a "cheiro suave, como sacrifício agradável e aprazível a D eus" (Filipenses 4:18). Então, se a v ida de fé fo r oferecida em sacrifício a D eus, poderia algo ser acrescen­tado a fim de garantir sua aceitação? Q uando se oferecia um sacrifício no tem plo de Jerusalém , com o, por exem plo, um a o ferta queim ada, com a acom panhante oferenda de cereais, podia-se fazer um a oferta de bebida, ou libação, isto é, vinho ou azeite derram ado sobre o sacrifício queim ado, ou ao seu lado. Este derram am ento era feito no fina l do sacrifício , e o com pletava. E, ainda que seja oferecido por libação, diz Paulo, perm i- tam -m e ser derram ado com o oferta de bebida sobre o sacrifício e serviço da vossa fé. Q uando Paulo afirm a: ainda que seja oferecido por libação (gr. ei kai spendomai), ele não está pensando num a libação literal de sangue, com o a que se faz ia em alguns cultos pagãos (cf. Salmos 16:4: "suas libações de sangue"); ele está pensando na entrega fervorosa de sua vida a Deus.

Carlos W esley, em versos m em oráveis, ora para que sua vida venha a ser um sacrifício perpétuo, aceso no "altar indigno de m eu coração", pela cham a do Espírito Santo:

Pronto estou para fazer toda a tua perfeita vontade,Repete m eus atos de fé e de am or

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(Filipenses 2:17-18a) 99

Até que a m orte venha selar tuas m isericórdias sem fim ,E com pletar meu sacrifício.

As figu ras de linguagem de Paulo são sem elhantes, com um a d ife ren ­ça m aterial: a m orte d e le com pletaria o sacrifício d o s f i l i p e n s e s . O

m a r t í r io c o r o a r ia s u a v i d a e s e u a p o s to la d o , m a s P a u lo d e s e ja q u e e s s e

s a c r i f í c io s e j a c o lo c a d o c o m o c r é d i to a o s f i l i p e n s e s e n ã o a s e u p r ó p r io .

S e a s s im f o r , " n a d a h á a q u i p a r a lá g r im a s e s ta p e r s p e c t i v a l e v a o

a p ó s to lo a d iz e r : e u folgo e me regozijo com todos vós, e a m esm a perspectiva deveria levá-los a dizer o mesmo.

2:18 / Paulo havia dito antes que esperava ser libertado e, assim , aum entar-lhes o "progresso e gozo na fé" (1:25). Contudo, os filipenses devem regozijar-se da m esm a form a, se as coisas saírem de m odo diferente. Seja qual fo r o resultado do ju lgam ento , trará honra ao nom e de Cristo (1:20), o que constituiria m otivo para que os filipenses se regozijassem , ainda que tal honra sobreviesse m ediante a m orte de Paulo, e não pe la sua lib e rtação e so b rev iv ên c ia . E p o r isso , d iz P au lo , vós tam b ém regozijai-vos e alegrai-vos com igo.

Notas Adicionais 13

2:17 / Quanto a libações de vinho (NIV: "ofertas de bebidas") para Iavé cf. Oséias 9:4 e especialmente Siraque 50:15, na descrição do ministério do templo de Simão, o sumo-sacerdote (ca. 200 a.C.):

"Não derramarão vinho perante o Senhor, nem as suas ofertas serão para ele suaves. Tais sacrifícios para eles serão como o pão de pranteadores."

Outras referências às libações expressam desaprovação porque estão asso­ciadas ao paganismo (cf. Jeremias 7:18; 2 Reis 16:13). Quanto ao uso de s p e n d o m a i cf. 2 Timóteo 4:6 (provavelmente se trata de um eco desta passa­gem), em que a libação em que Paulo se tomará deixa de ser mera possibilidade para concretizar-se, em breve; também o verbo derivado s p o n d iz o m a i em Inácio, T o th e R o m a n s 2 :2 , em que Inácio roga aos cristãos de Roma que não tentem impedir o martírio dele nessa cidade: "concedei-me nada mais senão ser derramado ( s p o n d is th e n a í) para Deus"; eles seriam comparáveis ao coro do templo, que canta enquanto o sacrifício está sendo oferecido no altar.

A palavra serviço é tradução do gr. le i to u r g ia , c u l to r e l ig io s o (u s a d a o u tr a v e z n o v. 3 0 , a b a ix o ) .

J.-F. Collange (ad loc.) acha que essa referência não é ao martírio de Paulo, mas à sua vida, gasta na obra de Deus; ele compara W. Michaelis (ad loc.); A. M. Denis, "Versé en libation (Phil. 11,17). Versé en son sang?" R S R 45 (1957), pp. 567-70 e "La fonction apostolique et la liturgie nouvelle en esprit," R S P T 42 (1958), pp. 617-50; T. W. Manson, S tu d ie s in th e G o s p e l s a r u i E p is t l e s , pp. 151,152.

Page 100: Filipenses - Novo Comentário Biblico

14. Visita de Timóteo Aguardada(Filipenses 2:19-24)

Em 2:19-30 temos um a seção que tem sido chamada de "parousia apostó­lica" ou "plano de viagem." Paulo anuncia sua intenção de fazer um a visita a seus leitores dentro em breve (v. 24), mas planeja enviar Timóteo antes disso.

2:19 / Espero no Senhor Jesus, em que "no Senhor Jesus" pode ter a m esm a fo rça "incorporativa" de frases sem elhantes com a preposição "em ", noutras passagens de Paulo (cf. 1:14,26). Paulo e T im óteo, com o com panheiros cristãos, partilham a ressurreição de Cristo. Seus planos e esperanças fo rm am -se à luz de sua união com Cristo; quase se poderia d izer que "o Senhor Jesus" constitui a esfera dentro da qual Paulo e seus com panheiros agem e pensam (cf. v. 24, "confio no Senhor").

Paulo espera, então, enviar-lhes T im óteo em breve — não im ediata­m ente, parece, m as quando o provável resultado de seu processo ficasse m ais claro (cf. v. 23). Se é certo que seus am igos filipenses ficariam contentes em receber notícias suas, Paulo estava ansioso por receber notícias deles, e ficaria mais anim ado ao recebê-las. As notícias que Paulo aguardava o deixariam cheio de confiança em que continuavam unidos de coração e de propósito, capazes de repelir as am eaças contra a fé e contra a v ida em Cristo, não im portando quais fossem elas. Em bora o fu tu ro fosse incerto, Paulo esperava não só ser poupado, m as v iver um a v ida suficientem ente longa para que Tim óteo realizasse a v iagem até F ilipos e voltasse até ele com notícias.

Com freqüência T im óteo era enviado por Paulo com o m ensageiro; esta m issão não deve, necessariam ente, ser identificada com aquela m encionada noutra passagem . Ele enviou T im óteo a T essalônica, partin ­do de A tenas (1 Tessalonicenses 3:1-5) e a Corinto, partindo de E feso (1 C oríntios 4:17; 16:10, 11). Esta últim a m issão poderia coincidir com aquela m encionada em Atos 19:22, em que Paulo enviou T im óteo e E rasto à M acedônia, partindo de E feso. Os que afirm am que Filipenses fo i enviada de E feso precisam identificar a presente m issão com a que está m encionada em Atos 19:22; todavia, não há o m enor indício em Atos de que Paulo nessa época estivesse sob custódia, ou aguardando a decisão fina l de um ju lgam ento .

Page 101: Filipenses - Novo Comentário Biblico

É m ais seguro in ferir que T im óteo havia-se unido a Paulo em Rom a, e que ficara disponível outra vez, para ser enviado a um a ou outra cidade, com o m ensageiro do apóstolo.

2:20 / Q uando Paulo diz a respeito de Tim óteo: a ninguém tenho de igual sentim ento, ele usa um a palavra sem elhante àquela usada no v. 2, em que exorta seus leitores a te r "o m esm o ânim o". Aqui está um hom em que tem "o m esm o m odo de pensar" e "o m esm o am or" e pensa "a m esm a coisa" em relação a Paulo. Paulo descobriu que T im óteo é um com pa­nheiro do m esm o tem peram ento e m esm o sentim ento, mas aqui ele está pensando, num aspecto particular, no caráter de T im óteo, que soa com o um eco em seu próprio coração: T im óteo partilha os sentim entos de Paulo: a ninguém tenho de igual sentim ento, que sinceram ente cuide do vosso bem -estar. Paulo os estim ulou a buscar os interesses alheios: "cada qual (atente) tam bém para o (interesse) que é dos outros." Estas palavras serão enfatizadas outra vez pelo exem plo de T im óteo quando de sua visita. E provável que os filipenses m antivessem T im óteo num lugar especial, em seu afeto, visto que esse m oço estivera em Filipos quando o evangelho ali fo i pregado pela prim eira vez, com a im plantação da igreja.

2:21 / Até m esm o entre os crentes com quem Paulo m antinha contato, na época em que escreveu estas linhas, havia m uitos que colocavam seus interesses acim a e antes dos interesses alheios, ou estavam m uito p reo ­cupados, buscando m ais o que é seu, e não o que é de Cristo Jesus. A lguns de fato estavam em Rom a, na época, pregando o evangelho "por am or" (1:16); entretanto, de todos quantos estavam disponíveis perante Paulo, nenhum era tão destituído de egoísm o com o Tim óteo. Para T im óteo, como para Paulo, a causa de Cristo Jesus envolvia o bem -estar de seu povo.

2:22 / M as bem sabeis: T im óteo havia fe ito parte do grupo que chegara de início a F ilipos, com o evangelho. N essa cidade, bem com o em outras, o jo v em dem onstrou seu valor com o auxiliar do apóstolo.

O próprio Paulo tinha razões especiais para apreciar a natureza a ltru ís­ta de Tim óteo. As qualidades que recom endavam T im óteo perante Paulo, com o sendo com panheiro adequado e representante confiável de seu m inistério apostólico, eram qualidades que poderiam m uito bem ter elevado esse jo v em a posições pessoais vantajosas, houvesse ele decidido

(Filipenses 2:17-19a)

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102 (Filipenses 2:19-24)

pô-las no interesse de sua própria carreira. Nós só podem os tentar im aginar quais seriam as am bições que T im óteo poderia te r com eçado a alim entar, em sua própria m ente, quando Paulo o v isitou em seu lar, em L istra, e o persuadiu a tornar-se seu auxiliar e cooperador. U m ou dois anos antes, Paulo ficara desapontado com outro jo v em , João M arcos, de Jerusalém , que se despedira do apóstolo e de Barnabé, no meio de um a viagem m issionária, e voltara para casa (Atos 13:13; 15:38). Tim óteo era, de igual m odo, um jo v em talentoso, mas Paulo discerniu nele a prom essa de estabilidade m aior, e o apóstolo não ficou desapontado. E possível que T im óteo tenha sido cativado em parte pelo m agnetism o do poderoso espírito de am izade de Paulo: ainda assim , o fato de Tim óteo deixar seu lar e abandonar outras perspectivas a fim de partilhar as incertezas e os perigos do m odo de vida de Paulo não fo i um m ero ato insignificante de autonegação. Paulo deu grande valor à devoção de alguém a quem ele descreveu com o "m eu filho am ado e fie l no Senhor" (1 Coríntios 4:17). Todo e qualquer serviço que um filho poderia prestar a seu pai, T im óteo prestou a Paulo; todo o afeto que um pai poderia dedicar a um filho, Paulo dedicou a T im óteo, o jo v em que serv iu com igo no evangelho. "Ele me serve com o se fo ra um escravo," diz Paulo (esta é a tradução literal do grego, aqui) — não um escravo de Paulo, natural­m ente, mas de Cristo (cf. 1:1).

2:23 / Tão logo Paulo fique a par de sua sentença (logo que tenha visto a m inha situação), enviará T im óteo em v isita aos filipenses. O resultado do processo provavelm ente seria conhecido um pouco antes de a sentença ser pronunciada.

2 :24 / Paulo tem bastante confiança quanto ao resultado, pois diz: confio no Senhor. A cha que em breve estará em liberdade, podendo ir visitá-los. A frase no Senhor tem a m esm a força de "no Senhor Jesus", do v. 19. Não tem os m eios de saber se a esperança confian te de Paulo, quanto a rever os filipenses em breve, se realizou ou não.

Notas Adicionais 14

2:19 / As designações "plano de viagem" e " p a r o u s ia apostólica" foram sugeridas para a seção de Filipenses 2:19-30 por R. W. Funk — a primeira em L a tig u a g e , H e r m e n e u t ic a n d W o r d o f G o d , pp. 264-74, e a última em "The Apostolic P a r o u s ia : Form and Significance," em W. R. Farmer, C. F. D. Moule, eR . R. Niebuhr, eds., C h r is t ia n H is to r y a tu i I n te r p r e ta t io n : S tu d ie s P r e s e n te d

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(Filipenses 2:19-24) 103

to J o h n K n o x , pp. 249-68. Nos w . 19-24 aparecem três características da " p a r o u s ia apostólica": (a) envio de um emissário com nome, credenciais e propósitos; (b) benefícios usufruídos por Paulo pelo envio do emissário; (c) anúncio de uma visita pessoal.

Espero no Senhor Jesus (gr. e n k y r io le s o u ) : v e ja - s e a n o ta a d ic io n a l

s o b r e 1 :1 4 .

2:20 / Timóteo é descrito aqui como i s o p s y c h o s "igual na alma" (cf. a exortação no v. 2 aos filipenses, para que sejam s y m p s y c h o i , "juntos na alma"). No Salmo 55 (LXX 54): 13 o "meu igual" e "meu íntimo amigo" corresponde a i s o p s y c h o s , como tradução do hebraico k e e r k i "meu igual" (lit., "de acordo com minha apreciação"). Erasmo parafraseia esta passagem assim: "Eu o enviarei como o meu a l t e r e g o G. B. Caird (ad loc.) afirma que há muito que dizer a respeito de tomar-se i s o p s y c h o s como significando "bem de acordo com vossa (dos filipenses) expectativa."

que sinceramente cuide do vosso bem-estar: sem dúvida esta afirmativa é verdadeira, mas o verbo está no futuro (gr. m e r im n e s e i , "cuidará"), referindo-se à ajuda prática que Timóteo lhes porporcionará quando os visitar. O advérbio sinceramente g n e s i o s nos faz lembrar de como Paulo usa o adjetivo corres­pondente em 1 Timóteo 1:2, onde Timóteo é chamado de "meu verdadeiro filho (g n e s io s , 'nascido de verdade') na fé." "Timóteo é um filho legítimo, o único representante autorizado do apóstolo" (J.-F. Collange, ad loc.)

2:21 / todos buscam o que é seu: (gr. h o i p a u t e s .. . t a h e a u to n z e to u s in ) . Não ficou bem claro a quem se refere esse "todos." Veja-se a opinião de R. Jewett mencionada na nota adicional sobre 1:17. Entretanto, seria necessário uma porção excepcionalmente grande da devoção de Timóteo (tanto a Paulo quanto aos filipenses) se alguém quisesse empreender, por amor a Paulo, uma viagem de quarenta dias a pé, até Filipos, e mais quarenta dias para regressar. Veja-se G. B. Caird (ad loc.).

2:24 / Mas confio no Senhor: gr. p e p o i th a . . . en k y r io . Cf. o particípio perfeitop e p o i t h o s em 1:6,14,25. Quanto a no Senhor cf. 1:14 e a nota adicional sobre esse versículo.

também eu mesmo em breve irei ter convosco: de acordo com G. B. Caird, "ele não teria tido muita confiança em sua libertação, pois do contrário não teria necessidade de enviar Timóteo" (ad loc.). Entretanto, Paulo enviou a Timóteo de Efeso a Corinto, antes de sua própria ida (1 Coríntios 4:17, 19), quando não havia iminência de motivo de força maior que poderia impedi-lo de ir pessoal­mente, na devida ocasião.

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15. Elogio a Epafrodito (Filipenses 2:25-30)

A ntes ainda de T im óteo partir, Paulo tem outro em issário pronto para ir a Filipos. E pafrodito , em issário da igreja filipense em v isita a Paulo, deveria vo ltar im ediatam ente, sem esperar para saber com o seria decid i­do o processo de Paulo.

2:25 / E pafrodito havia vindo de Filipos, a fim de v isitar Paulo, trazendo-lhe um a oferta daquela igreja (cf. 4:18). Q uando Paulo decreve E pafrodito com o seu colega de trabalho e irm ão de armas (cooperador e com panheiro nos com bates), poderá estar indicando que E pafrodito em algum a época anterior havia estado ao seu lado, partilhando seu trabalho apostólico e que, após haver-lhe entregue a oferta da igreja filipense, perm anecera por ali, executando algum trabalho m inisterial. O caráter extenuante da obra evangelística fica evidenciado pelo gosto de Paulo em descrevê-la em term os de atletism o ou m ilitares. E possível m esm o que os crentes filipenses tenham instruído E pafrod ito a perm a­necer ali, após haver entregue a oferta a Paulo, a fim de ajudá-lo naquilo que porventura o apóstolo estivesse necessitando. Esta idéia pode ter surgido por tê-lo Paulo cham ado de vosso enviado ou "m ensageiro" (gr. apostolos). Os "mensageiros apostoloi das ig rejas" gozavam de status especial, como representantes credenciados de suas igrejas, para p ropó­sitos específicos (cf. 2 Coríntios 8:23, "são em baixadores das igrejas"). Talvez E pafrodito não tenha recebido form alm ente esse status da igreja filipense, mas Paulo se refere a ele com o respeito devido a tal rep re­sentante: ele é vosso apostoloi e m eu leitourgos (um m inistro que atende às m inhas necessidades), diz Paulo, escolhendo esta ú ltim a palavra tam bém como denotando pessoa que m erece respeito (refere-se a um a pessoa que presta serviço religioso).

E provável que a igreja filipense tivesse tido a intenção de deixar E pafrodito m ais tem po ao lado de Paulo, para prover às suas necessi­dades, representando a igreja. Paulo deixa bem claro que ele é o respon­sável por enviar E pafrodito de vo lta antes do tem po esperado. Julguei, contudo, necessário m andar-vos E pafrodito, diz o apóstolo, e p rosse­gue, dando as razões disso.

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(Filipenses 2:17-25a)99

2:26 / Pouco depois de sair de F ilipos, E pafrodito caíra doente. A doença dele suscita algum as perguntas, para as quais não podem os dar respostas certas. Teria ele ficado doente a cam inho de ver Paulo, ou após haver chegado ao lugar onde estava o apóstolo? A opinião com um é que ele adoeceu após haver chegado; todavia, é preciso considerar a possib i­lidade — na verdade, a probabilidade — de a doença tê-lo acom etido a cam inho. G. B. Caird, por exem plo, conclui assim: "Ele caiu doente na estrada de F ilipos a Rom a, e sua determ inação era com pletar a v iagem e desincum bir-se da m issão que quase lhe custou a vida" (ad loc.).

Se Paulo estivesse em R om a (como acreditam os), E pafrod ito teria v iajado partindo pelo oeste de F ilipos, percorrendo a v ia Inácia. N algum ponto no trajeto da estrada ele ficou doente, e seus am igos de Filipos ficaram sabendo. N ão sabem os com o foi que souberam . Talvez (e o m áxim o que podem os afirm ar é "talvez") E pafrodito tenha conseguido enviar um a m ensagem aos filipenses, m ediante alguém que v ia jasse na direção oposta, avisando-os de que estava im pedido de prosseguir a v iagem (pelo m enos não o conseguiria dentro de um tem po razoável) e pedindo-lhes que m andassem outra pessoa até onde ele se encontrava, a fim de apanhar a oferta e levá-la a Paulo, em Roma. E natural que a ig reja de Filipos tenha ficado preocupada com E pafrodito , mas tenha tido d ificuldade em encontrar alguém que o substituísse; os crentes só podiam esperar que E pafrodito se restabelecesse a tem po, de m odo que pudesse term inar a viagem .

E pafrodito restabeleceu-se e conseguiu term inar sua v iagem a Rom a; mas sabia que seus irm ãos em Filipos estariam ansiosos a seu respeito. Talvez chegasse a culpar-se por causar-lhes tanta ansiedade. Em bora estivesse m uito angustiado por causa disso, desejava m uito f ic a r com Paulo e prestar-lhe algum serviço, conform e as instruções que recebera. E ntretanto, Paulo sabia que quanto antes E pafrodito voltasse a F ilipos, m elhor seria para ele e para seus irm ãos filipenses, pelo que o m andou de volta, isentando-o perante aquela igreja de toda responsabilidade pelo regresso tão rápido.

2:27 / E certo que Epafrodito esteve doente. N a verdade, esteve tão mal que quase m orreu. Enquanto não recebessem a carta, os filipenses não ficariam sabendo quão grave fo ra a doença do m oço. Não faz ia mal que ficassem sabendo agora, já que era o próprio E pafrodito quem lhes

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106 (Filipenses 2:25-30)

levava a carta; podiam ver por si m esm os que agora ele estava são e salvo.Paulo se sentira consternado, na verdade, pelo fato de E pafrodito ter

corrido risco de m orte, por causa de seu anseio de servi-lo em nom e da igreja de Filipos. Paulo teria tido tristeza sobre tristeza, houvesse o m oço falecido. Seu restabelecim ento foi prova da m isericórdia de Deus para com E pafrodito , mas fo i tam bém prova de m isericórdia divina para com o próprio Paulo, na ótica do apóstolo.

2:28 / Agora que E pafrodito estava restabelecido, de bom grado teria perm anecido em Rom a a fim de atender a Paulo ainda mais. Entretanto, o apóstolo lhe disse: "Não. N ossos am igos lá em Filipos estão ansiosos por causa de você, e ficarão aliviados ao verem com seus próprios olhos que você se recuperou. A lém disso, vou dar-lhe um a carta que você lhes entregará, em que digo como as coisas a meu respeito estão cam inhando e na qual lhes agradeço a oferta da parte deles, de que você foi po rtado r." O próprio Paulo ficaria m uito m ais aliviado ao pensar na alegria m útua que E pafrodito e seus irm ãos filipenses experim entariam quando se vissem unidos outra vez, em segurança. Em últim a análise, foi por causa do am or deles por Paulo que tanto E pafrodito quanto os dem ais crentes de Filipos se sentiam angustiados, ansiosos, e o amor de Paulo por eles fê-lo aliviar essa aflição o quanto antes. Assim , Paulo haveria de sentir m enos tristeza por ter sido a causa involuntária da angústia deles.

2 :2 9 /E n tão , prossegue Paulo, recebei-o no Senhor com todo o gozo.Esta não é a única ocasião em que Paulo solicita boas-vindas para um em issário seu: de m odo sem elhante ele pede aos crentes rom anos que recebam Febe "no Senhor, como convém aos santos" (Rom anos 16:2). Entretanto, não é preciso apresentar E pafrodito aos crentes filipenses. Ele é um deles e, com toda certeza, será recebido com todo o gozo ao voltar — será recebido "no Senhor," como irmão, m em bro da com uni­dade de crentes. A inda que parte de sua m issão por força m aior houvesse ficado por cum prir, assim lhes pede Paulo: "apesar de tudo, recebei-o bem: sou eu quem o m anda de volta para casa."

Pessoas com o E pafrodito são as que são dignas de honra na igreja. Paulo em prega o m esm o tipo de palavreado ao elogiar E stéfanas e sua fam ília , perante os crentes coríntios. Visto que eles se têm "dedicado ao m inistério dos santos," ele suplica à igreja de Corinto: "que tam bém vos sujeiteis a estes, e a todo aquele que auxilia na obra e trabalha"; ao

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(Filipenses 2:25-30) 107

m encionar alguns outros de m esm o caráter, o apóstolo acrescenta: "R e­conhecei aos tais" (1 Coríntios 16:15-18). Os filip e n se s já tinham seus "bispos e diáconos" (1:1); pelo seu trabalho sacrificial, altruísta, E p a fro ­dito se m ostrara m uito bem qualificado para pertencer a esse grupo.

Estas instruções de Paulo estão em perfeita harm onia com os ensinos de Jesus, de acordo com quem as m aiores honrarias, entre seus seguido­res, pertencem aos que prestam os serviços m ais hum ildes (M arcos 10:42-45; Lucas 22:24-27; cf. João 13:13-15).

2 :30 / E pafrod ito (ao lado de outros que se parecem com ele) precisa receber honra, repete Paulo, porque pela obra de Cristo chegou até bem próxim o da m orte, não fazendo caso da vida. O m oço deixou-se gastar no serviço como em issário de seus irm ãos da igreja filipense, ao fazer por eles o que a igreja como um corpo não conseguiria fazer (nem todos poderiam em preender aquela viagem a Rom a, para v isitar Paulo). E pafrodito deixou-se gastar tam bém ao prestar serviço a Paulo, m in is­trando ao apóstolo não apenas por sua própria conta, mas tam bém com o representante da igreja filipense. Tanto Paulo quanto a igreja de Filipos estavam engajados na m esm a obra evangelística (1:5), pelo que, ao servir a Paulo e sua igreja, o m oço servia à causa de Cristo.

N ão foi com prem editação deliberada que Paulo apresentou três exem plos da m esm a atitude de auto-renúncia, "o m esm o sentim ento que houve em Cristo Jesus" (v. 5). Contudo, foi isso m esm o que o apóstolo fez. Sua própria prontidão para sofrer o m artírio, que fosse creditado na conta espiritual de seus irm ãos filipenses, o trabalho altruísta de Tim óteo em favo r de Paulo, m ais seu interesse genuíno pelos dem ais crentes, a devoção de E pafrodito à m issão que lhe fora confiada, com grande risco à saúde e (como deveria ter sido) à própria vida — tudo isso dem onstra o cuidado pelo próxim o, cuidado isento de egoísm o, pregado por Paulo no início deste capítulo, e enfatizado pelo poderoso exem plo do auto-es- vaziam ento do próprio Cristo.

Notas Adicionais 15

2:25 / R. W. Funk ("The Apostolic Parousia : Form and Significance," em Farmer, Moule and Niebuhr, Christian History, p. 250) considera os w . 25-30 como estando ligados à "parousia apostólica" propriamente dita (vv. 19-24), sendo uma passagem secundária porém relacionada. Os elementos que caracte­rizam u m a"parousia apostólica" encontram-se nos w . 25-30, que são: (a) envio

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108 (Filipenses 2:25-30)

de emissário com nome, credenciais e propósitos; (b) anseio do emissário em ver aqueles a quem busca; (c) benefícios resultantes sobre a pessoa procurada, mediante o envio do emissário; (d) benefícios resultantes a Paulo por haver enviado um emissário.

Julguei, contudo, necessário: gr. a n a n k a io n d e h e g e s a m e n , onde h e g e s a - m e n com toda probabilidade deve ser tomado como aoristo epistolar (i. é, a perspectiva de tempo é a de seus leitores, não a do redator). Cf. e p e m p s a (v. 28).

Epafrodito, que significa "amoroso" (derivado de Afrodite), era nome pessoal bastante comum; cf. o patrono de Josefo, Epafrodito, a quem seus últimos trabalhos foram dedicados (A n t. 1.8; V id a 430; A g a in s tA p io n 1.1; 2.1, 296). Epafras de Colossos (Colossenses 1.7; 4:12; Filemom23) tem um nome que é abreviatura de Epafrodito, não havendo, todavia, necessidade de identifi­car a ambos.

Cooperador e companheiro nos combates: gr. s y n e r g o s e s y n s t r a t io t e s , duas palavras compostas preferidas por Paulo, com s y n (cf. 4:3, s y ( n ) z y g o s "colega de jugo"). Paulo também usa s y n e r g o s a respeito de Priscila e Aquila (Romanos 16:3), Urbano (Romanos 16:9), Timóteo (Romanos 16:21; 1 Tessa- lonícenses 3:2), Tito (2 Coríntios 8:23), Filemom (Filemom 1), bem como outras pessoas, de forma mais abrangente (Filipenses 4:3). Quanto ao termo s y n s t r a ­t io te s , Paulo o aplica também a Arquipo, de Colossos (Filemom 2). Noutras passagens o apóstolo se refere ao ministério evangélico em termos de campanha militar (s t r a te ia , como em 2 Coríntios 10:4) e refere-se a si próprio e a seus colaboradores como estando empenhados numa guerra (s t r a t e u e s t h a i ) espiri­tual, como em 1 Coríntios 9:7; 2 Coríntios 10:3).

vosso enviado para prover às minhas necessidades: eis uma tradução feliz do hendíadis "vosso mensageiro (a p o s t o l o s e ministro le i t o u r g o s para minha necessidade." Quanto ao termo um tanto sacro l e i t o u r g o s cf. le i t o u r g ia em 2:17, 30. Em Romanos 15:16 Paulo é o l e i to u r g o s de Cristo Jesus aos gentios desempenhando uma "função sacerdotal" (h ie r o u r g e in ); em Romanos 13:6 até mesmo governadores seculares são "ministros (l e i t o u r g o i ) de Deus."

2:26 / Quanto ao momento em que Epafrodito ficou doente, veja-se W. J. Conybeare e J. S. Howson, T h e L if e a n d E p i s t l e s o f S t . P a u l, p. 722; B. S. Mackay, "Further Thoughts on Philippians," N T S (1960-61), p. 169; C. O. Buchanan, "Epaphroditus' Sickness and the Letterto the Philippians," EQ 36 (1964), pp. 157-66.

angustiado: gr. a d e m o n o n , te r m o e m p r e g a d o a r e s p e i to d e J e s u s n o G e ts ê - m a n i, e m M a r c o s 1 4 : 3 3 p a r . M a t e u s 2 6 : 3 7 (" a n g u s tia r - s e m u i to ”) , r e p r e ­s e n ta n d o a t r i s t e z a q u e s e s e g u e a u m g r a n d e c h o q u e " (H .B . S w e te , T h e G o s p e l A c c o r d in g to S t. M a r k , p. 342).

2:28 / Por isso vo-lo enviei mais depressa: gr. s p o u d a io t e r o s o u n e p e m p s a a u to n , em que e p e m p s a é aoristo epistolar (cf. h e g e s a m e n no v. 25) e s p o u d a io ­te r o s enfatiza a iniciativa de Paulo de enviá-lo de volta.

W. Schmithals sugere que, além de todas as razões plausíveis de Paulo para

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(Filipenses 2:25-30) 109

enviar Epafrodito de volta, o apóstolo talvez desejasse colocar na igreja filipense um homem em quem podia confiar, alguém que providenciaria tudo para que Paulo recebesse relatórios exatos a respeito da situação ali (P a u l a n d th e G n o s t ic s , pp. 70, 71). Esta sugestão liga-se à opinião de Schmithals de que Paulo estava perturbado pelas tendências gnostizantes da igreja filipense.

2:30 / chegou até bem próximo da morte: gr.p a r a b o le u s a m e n o s t e p s y c h e , lit. "tendo jogado sua vida" (esta é a única ocorrência da palavra p a r a b o le u e s - th a i no NT).

pela obra de Cristo: a redação variante "pela obra do S enhor" encontra-se em vários fragm entos textuais, inclusive A leph A P P s i (talvez pela influência de 1 C oríntios 15:58; 16:10). De acordo com J. B. L ightfoo t, "obra" sem genitivo (como em C) é o texto original.

para suprir para com igo o serviço que vós próprios não p o d ie is prestar literalm ente, "a fim de suprir a vossa deficiência para co m ig o " (gr. h in a a n a p le r o s e to h y m o n h y s te r e m a t e s p r o s m e le i to u r g ia s ) . A l e i to u r g ia incluiria a oferta m encionada em 4:10-20, trazida a Paulo p o r E pafrod ito (cf. o verbo l e i to u r g e s a i usado para ofertas m onetárias em R om anos 15:27); mas seu sentido não fica lim itado a este. A li estava um m inistério que a igreja filipense podia prestar, e o fez, mas a m in is tração pessoal que Paulo recebeu de E pafrod ito , em R om a (como le i to u r g o s

dos filipenses às necessidades do apóstolo, v. 15), essa igreja não p o d e ria prestar-lhe, em caráter pessoal, e esse serviço está incluído na le i to u r g ia .

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16. Primeira Conclusão: Chamada ao Regozijo (Filipenses 3:1)

"Com esta com unicação a respeito de E pafrodito , agora, parece que a carta chega ao final" (Ewald, ad loc.). Se assim é, nada m ais restaria senão um a palavra final de despedida. O leitor está preparado, portanto, para a expressão Q uanto ao m ais, irm ãos meus.

3:1 / Q uanto ao m ais, irm ãos meus: a inferência natural desta frase (conclusão tirada pela m aioria dos com entaristas) é que Paulo está prestes a encerrar sua carta. Se esta fo r considerada um a unidade, deve-se presum ir que ocorreu algo que m otivou a advertência do versículo 2 e seguintes.

A exortação regozijai-vos é expressa num a palavra (gr. chairete), que tam bém é um a form a com um de saudação em despedida: "até logo."

A redação aqui, Q uanto ao m ais, irm ãos m eus, regozijai-vos. . . (gr. to loipon, adelphoi mou, chairete . . . ) é m uito sem elhante à de 2 C oríntios 13:11 (gr. loipon, adelphoi, chairete ), onde o sentido certa­m ente é: "finalm ente, irm ãos, até logo." A principal razão para não tom arm os as palavras de F ilipenses 3:1 no m esm o sentido é que há um a sentença adicional: no Senhor (gr. en kyrio ; cf. 4:4). R egozijai-vos no Senhor ecoa com o um a exortação repetida nos Salmos (cf. 32:11; 33:1). O povo de D eus regozija-se nele porque ele é "a m inha alegria e o m eu prazer" (Salm os 43:4); cf. Rom anos 5:11, "tam bém nos gloriam os em D eus." Não é necessário atribuir a no Senhor, aqui, seu sentido incor- porativo.

Surge, agora, a pergunta: quais são as m esm as coisas que Paulo já havia escrito antes, e que ele não se incom oda em escrever outra vez? E sta referência pode ligar-se à exortação para que o povo se regozijasse, em 2:18 (cf. tam bém 1:25; 2:28, 29), m as é d ifícil ver com o um a exortação reiterada para regozijar-se representaria segurança para vós.G. B. Caird explica que a alegria "é segurança contra a atitude utilitária que ju lg a pessoas e coisas só pelo uso que se lhes pode dar" (ad loc.). Por outro lado, F. W. B eare (ad loc.), considerando 3:2-4 com o frag m en ­to de outra carta de Paulo, que fo i editorialm ente interpolado entre 3:1 e 4:2, tom a essa referência com o exortação de Paulo à unidade, o que já

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(Filipenses 3:1) 111

fo i expresso em term os gerais em 2:1-4, estando agora prestes a ser repetido com respeito a duas pessoas cujos nom es são m encionados em 4:2. O utra possibilidade é que a segunda m etade de 3:1 liga-se in tim a­m ente à advertência de 3:2, referindo-se a exortação sem elhante dada em carta anterior, que se perdeu (cf. J. H. M ichael, ad loc.). No todo, a despeito de algum as d ificuldades, parece que é m elhor entender que as m esm as coisas é expressão ligada ao apelo de regozijo em 2:18 e outras passagens.

Notas Adicionais 16

3:1 / Na obra T h e N e w T e s ta m e n t: a n A m e r ic a n T ra n s la tio n , a primeira oração é traduzida assim: "Agora, meus irmãos, até logo, e o Senhor esteja convosco"; cf. E. J. Goodspeed, P r o b le m s o fM ew T e s ta m e n t T ra n s la tio n , pp. 174, 175. "O Senhor esteja convosco" é tradução excessivamente livre de en

k y r io , "no Senhor."Quanto ao significado de quanto ao mais e a importância de as mesmas

coisas, veja-se (além dos comentários e introduções ao NT) W. Schmithals, P a u l a n d th e G n o s t ic s , pp. 71-74; ele trata de 3:2— 4:3 e 4:8, 9 como sendo parte de outra carta de Paulo, e argumenta contra a divisão do v. 1, de modo que relaciona sua segunda oração ao que se segue imediatamente, como também sugerem R. A. Lipsius, F. Haupt e P. Ewald (ad loc.).

e é segurança para vós: é tradução literal (gr. a s p h a le s ) . V. P. Fumish ("The Place and Purpose ofPhilippians iii," N T S 10 (1963-64), pp. 80-88) argumenta que o adjetivo a s p h a le s (não encontrado em nenhum outro texto de Paulo) significa aqui "específico" ou "confiável" (como em Atos 25:26) e (de modo bem convincente) diz que "escrever as mesmas coisas" ( ta a u ta g r a p h e in ) significa "dar as mesmas admoestações por escrito que Timóteo e Epafrodito foram instruídos a dar-lhes oralmente" (e não, como aparece em ECA: escre­ver-vos as mesmas coisas outra vez).

As palavras e m o i m e n o u k o k n e r o n , h y m in d e a s p h a le s ("não aborrecido para mim, e seguro para vós") podem bem formar um trímetro jâmbico (que Paulo menciona, copiando de alguma fonte qualquer), ainda que um purista objetaria contra o corte no penúltimo pé espondaico, por violar "a lei do crítico final."

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17. Advertência Contra os "Maus Obreiros"(Filipenses 3:2-3)

D epois de "quanto ao mais, irm ãos m eus," do v. 1, esta advertência vem com o surpresa, jun tam ente com as exortações dos vv. 18 e 19, fo rm ando parte substancial da carta em sua apresentação atual. É por m eio de contraste com aqueles contra quem Paulo lança tais advertências, que o apóstolo estabelece seus próprios propósitos e m odo de v iver (vv. 7-14).

3 :2 / Então, quem são esses m aus obreiros, os cães contra quem Paulo adverte seus leitores, para que estejam alertas? E certo que se identificam com os que praticam a falsa circuncisão (as três expressões denotam as m esm as pessoas), sendo que estas últim as palavras nos dão a pista para descobri-los. No original há um único substantivo, usado por Paulo num trocadilho depreciativo em torno de "circuncisão" (gr. p e r i to m e ) , t r a d u ­

z i d a e m te x to s a n t ig o s p o r " c o n c isã o " (g r . k a ta to m e ). As vezes Paulo usa a palavra "circuncisão" como substantivo coletivo, com o quando Pedro é cham ado de apóstolo "da circuncisão" com o significado, como N IV a traduz: "para os ju d eu s" (G álatas 2:7-9). A qui, a palavra "conci­são" é usada de m odo sem elhante, para indicar "os que m utilam a carne", ou o "partido da m utilação", com o diríam os.

Para Paulo, circuncisão era um term o sacro, aplicado não apenas no seu sentido literal, mas tam bém para a purificação e dedicação do coração. H á um precedente disto no AT, em D euteronôm io 10:16 ("cir- cuncidai, portanto, o vosso coração") e em Jerem ias 4:4 ("circuncidai- vos para o Senhor, e tirai os prepúcios do vosso coração"), em que a ên fase é co locada na circuncisão do coração, que é o que D eus realm en te deseja. O conteporâneo m ais velho de Paulo, F ilo de A le ­xandria , concorda em que c ircuncisão s ign ifica "a rem oção do p razer e de todas as paixões e a destru ição da glória ím pia ," m as discorda daqueles que acred itam que o rito externo pode ser descon tinuado desde que a lição esp iritual seja p ra ticada (M i g r a t i o n o fA b ra h a m , 9 2 .)

A qui, portan to , Paulo aplica àqueles que insistem no rito ex terno um a paród ia deprecia tiva da palavra sacra — paródia que liga a c ircuncisão literal àqueles cortes que os pagãos p ra ticavam no corpo, e que eram

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(Filipenses 2:17-5 7a)99

proibidos pela lei de Israel (Levíticos 19:28; 21:5; D euteronôm io 14:1; cf. 1 R eis 18:28).

Entretanto, não é aosjudeus em geral que Paulo se refere aqui de fo rm a tão fu lm inante , e tam pouco àquelesjudeus cristãos que teriam con tinua­do a praticar a circuncisão em seus filhos, de acordo com a tradição ancestral. As pessoas contra quem os gentios cristãos deveriam perm a­necer em guarda, e a quem Paulo denuncia noutras passagens, usando o m esm o tipo de palavreado contundente em pregado aqui, são as que visitavam as igrejas gentias e insistiam em que a circuncisão era condição essencial, indispensável para serem justificados perante Deus. Tal insis­tência havia sido concebida como parte da cam panha que visava levar os convertidos gentios de Paulo sob o controle da igreja-m ãe em Jerusalém . E certo que Paulo fazia o m áxim o para enfatizar a independência de seus convertidos: não estavam sob o ju g o de Jerusalém . Todavia, a objeção básica de Paulo era que a insistência na circuncisão destruía o evangelho que proclam ava que a graça de D eus é que ju s tif ic a ju d e u s e gentios, de m odo igual, m ediante a fé em Cristo, sem necessidade algum a da circuncisão nem de qualquer outra exigência legal. Os juda izan tes são, então, os que "m utilam a carne", a falsa circuncisão — ou, "m utilado- res", com o H. W. M ontefiore adequadam ente traduz este termo.

Ao cham á-los de maus obreiros, é possível que Paulo tenha em m ente os que praticam a iniqüidade" (NIV: "todos quantos praticam o m al," "vós todos que praticais o m al") que alguns dos salm istas usaram para descrever seus inim igos (cf. Salmos 5:5; 6:8; etc.); ele se refere à m esm a classe de intrusos de 2 Coríntios 11:13, os "obreiros fraudulen tos". Na m ente do apóstolo, esses hom ens estavam executando a obra do diabo, ao subverter a fé dos crentes gentios. Ao cham á-los de cães, é possível que Paulo lhes estivesse devolvendo um term o in jurioso com o qual aqueles hom ens cham avam os gentios incircuncisos; seria term o bem apropriado, adem ais, se Paulo os estivesse retratando com o peram bulan- do ao redor das igrejas gentias, tentando "abocanhar" prosélitos, ganhar novos adeptos para seu m odo de pensar e de viver.

Não fica im plícito que esses hom ens já haviam -se infiltrado até o âm ago da com unidade cristã filipense. Todavia, com toda a p robab ilida­de tentariam usar a m esm a tática em Filipos que já haviam usado em Corinto (cf. 2 C oríntios 11:4-6 ,12-15 ,20), pelo que os cristãos filipenses são advertidos de antem ão contra os tais.

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132 (Filipenses 3:12-58)

3:3 / Pois a circuncisão som os nós, diz Paulo. (Eis outro exem plo de "circuncisão" como substantivo coletivo). A verdadeira circuncisão, "a circuncisão nâo feita por mâos . . . a circuncisão de Cristo" (Colossenses 2:11), é questão de purificação e consagração interior. Os que podem dizer: a circuncisão som os nós prestam a Deus devoção verdadeira, do coração: nós, que servim os a Deus em Espírito. Este foi o ensino de Jesus à m ulher sam aritana, à beira do poço: "Deus é Espírito, e im porta que os que o adoram , o adorem em espírito e verdade" (Joâo 4:24). Tais pessoas dizem: nós nos gloriam os em Cristo Jesus — mais literalmente: nós "nos vangloriam os em Cristo Jesus"; o Senhor é o objeto da exultaçâo dos crentes (nâo há necessidade de dar à frase "em Cristo Jesus" seu sentido incorporativo.) M uitas vezes Paulo m enciona as palavras de Jerem ias 9:24 : "Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor" (1 Coríntios 1:31; 2 Coríntios 10:17). E possível que o apóstolo esteja aludindo a esse

m esm o texto aqui; para Paulo "o Senhor" é Cristo Jesus.A carne daqui em diante deixa de ser im portante. A circuncisão física

foi substituída pela circuncisão do coração, que se efetua "no espírito, nâo na letra" (Rom anos 2:29). A palavra traduzida por carne (gr. sane) é usada por Paulo não apenas em seu sentido com um mas tam bém para denotar a natureza hum ana nâo-regenerada e, às vezes, para incluir praticam ente tudo (menos Deus), todas as coisas nas quais as pessoas confiam , e por isso erram.

Notas Adicionais 17

3:2 / "Sempre parecerá extraordinário," escreveu H. J. Holtzmann, "que a carta na verdade tenha seu centro bem no ponto onde parece encaminhar-se para o final" (Einleitung in das Neue Testament p. 301). A transição abrupta, passando para uma nota de advertência, tem sido explicada de várias maneiras: por causa de situações que mudaram e que afetaram a atitude de Paulo, enquanto ditava a carta (R. A. Lipsius, ad loc.); por causa de um estímulo atrasado da parte de Timóteo (P. Ewald, ad loc.); ou por causa de um relatório recentíssimo que chegara a Paulo no momento (J. B. Lightfoot, Philippians, p. 69).

Acautelai-vos é a tradução do gr. blepete, que se emprega de modo seme­lhante em várias passagens de advertência, no NT; cf. Marcos 4:24; 8:15; 12:38; 13:5, 9; 1 Coríntios 8:9; Gálatas 5:15; Colossenses 2:8; etc. A palavra pode significar, é claro, apenas "vede", "prestai atenção" (cf. G. D. Kilpatrick, "Blepete Philippians 3:2," em M. Black e G. Fohrer, eds., In Memoriam Paul Kahle pp. 146-48), mas, no presente contexto, há indicação de um sentido mais premente.

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(Filipenses 3:12-14) 133

Câes eram considerados animais imundos (cf. Apocalipse 22:15) porque nâo eram meticulosos quanto às coisas que comiam. J. B. Lightfoot (ad loc.) cita Ciem. Hom. 2.19, onde (com referência a Mateus 15:26), se diz que os gentios sâo chamados de câes porque seus hábitos concernentes a alimentos e conduta sâo muito diferentes dos hábitos israelitas.

A idéia de que a falsa circuncisão se refere ajudeus que nâo receberam a fé cristã (cf. E. Lohmeyer, ad loc.) pode ser excluída, porque Paulo nâo usa linguagem tão carregada de opróbrio ao falar de sua própria gente, seus patrícios naturais; além disso, nâo parece que haveria uma comunidade judaica tão grande em Filipos (vejam-se pp. 4-5). Quanto à opinião de W. Schmithals (Paul and the Gnostics, pp. 65-91) segundo a qual se tratava de gnósticosjudaico-cristâos, he katatome teria sido uma forma muito imprecisa e desorientadora de se designar tais pessoas. Como ocorre com muitas das características das interpre­tações de Schmithals, o gnosticismo precisa passar por Filipenses 3:2 a fim de ser devidamente interpretado.

3:3 / nós, que servimos a Deus em Espírito: gr. hoi pneumati theou latreuontes, para esta redação existe uma variante menos prestigiada: hoi

pneumati theo latreuontes (que assim aparece em KJV: "que adoram a Deus em espírito").

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18. Antigo Código de Valores de Paulo(Filipenses 3:4-6)

Q uando Paulo se gloria de que poderia m ostrar um relatório mais expressivo "na carne", do que a m aioria das pessoas, se atribuísse algum a im portância à carne (que não atribui), ele se refere não apenas às cerim ônias externas m as a um a vasta gam a de heranças, dotações e realizações. C ontem plar tão variado cam po hum anístico noutros tem poso encheria de satisfação, coisa que agora não acontece mais.

3 : 4 / Se um a linhagem e um a educação ortodoxas, seguidas de grandes realizações pessoais na esfera moral e religiosa, assegurassem posição privilegiada na presença de Deus (como se deduz a respeito das pessoas contra quem Paulo direciona suas advertências), Paulo não precisaria tem er concorrência. Há íntima afinidade entre suas palavras aqui e 2 Coríntios 11:21 s s ., onde ("com insensatez falo") relaciona coisas de que poderia gabar-se, se a vangloria fosse apropriada e, a seguir, exclui a idéia de vangloriar-se naquelas coisas, considerando-as loucura total. Isto nos indica que os adversários que ele tem em m ira agora são da m esm a espécie daqueles a quem castiga em 2 Coríntios 11:12-15; seria até fácil crer que esta advertência tenha sido redigida mais ou menos à m esm a época de 2 Coríntios 10-13. Ainda que tais pessoas ainda não se houvessem infiltrado na igreja de Filipos, poderiam muito bem estar tentando. Não é tão certo, como ju lg a W. Schmithals (Paul and the Gnostics), que a linguagem de Paulo reflete alguém tentando minar-lhe a autoridade, aos olhos dos filipenses.

3:5 / Paulo relaciona agora sete itens que, outrora, lhe teriam dado confiança diante de Deus.

C ircuncidado ao oitavo dia, como todo m enino israelita deveria ser, de acordo com os term os da aliança de Deus, celebrada com Abraão (G ênesis 17:12). Paulo era ju d eu de nascim ento, e não prosélito vindo do paganism o, que era circuncidado à época da conversão.

Da linhagem de Israel. H avendo nascido no seio do povo escolhido e adm itido à com unidade da aliança m ediante a circuncisão, Paulo herdou todos os privilégios que pertenciam a essa com unidade — priv i­légios que enum era em Rom anos 9:4, 5.

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Da tribo de Benjam im . É evidente que Paulo atribuía algum a im por­tância ao fato de ser m em bro desta tribo; ele o m enciona tam bém em R om anos 11:1. B enjam im fo i o único filho de Jacó nascido na terra santa (Gênesis 35:16-18). Q uando a m onarquia davídica se rom peu, após a m orte de Salom ão, a tribo de B enjam im , situada na fron te ira norte de Judá, passou a fazer parte do reino do sul. A pós o retorno do exílio babilónico , houve assentam entos em Jerusalém e nos territórios ad jacen ­tes, por m em bros da tribo de B enjam im (N eem ias 11:7-9, 31-36). Foi através de tais ancestrais que a fam ília de Paulo teria traçado sua ascendência. Seus pais ter-lhe-iam dado o nom e de Saulo (cf. A tos 7:58; 13:9; etc.) em hom enagem ao prim eiro rei de Israel, o m ais ilustre

m em bro da tribo de B enjam im , na história hebraica.

H ebreu de hebreus (hebreu, filho de pais hebreus). Isto im plica em algo m ais do que ser "israelita de nascim ento," como em 2 C oríntios 11:22, onde ele afirm a, de seus adversários: "São hebreus? tam bém eu. São israelitas? tam bém eu." "H ebreus" no sentido especial (como p ro ­vavelm ente em A tos 6:1) eram os ju d eu s que norm alm ente fa lavam aram aico entre si, e freqüentavam sinagogas em que se celebrava o culto em hebraico (bem diferentes dos helenistas, que só falavam o grego). De acordo com Lucas, Paulo ouviu a voz celestial na estrada de D am asco falando-lhe em hebraico (Atos 26:14), e o apóstolo pôde dirigir-se a um a m ultidão hostil, num discurso de im proviso, em hebraico (Atos 21:40; 22:2); em am bas as ocasiões, a palavra "hebraico" poderia te r sido usada no sentido de incluir o aram aico. D iferentem ente de m uitos ju d eu s da dispersão, parece-nos que a fam ília de Paulo evitou tanto quanto lhe foi possível a assim ilação da cultura do am biente de Tarso.

Segundo a lei, fariseu. A seita dos fariseus m antinha na consciência a obrigatoriedade de cum prir a lei ju d a ica em suas m inúcias, em bora todos os m em bros da com unidade da aliança tam bém estivessem obri­gados a guardar a lei desse modo. Os fariseus, que aparecem pela prim eira vez na história no segundo século a.C., parecem ter sido os herdeiros espirituais dos hassideus, um grupo piedoso que desem penhou im portante papel na defesa de sua religião ancestral, quando A ntíoco Epifanes (175-164 a.C.) se propôs aboli-la (cf. 1 M acabeus 2:42; 7:14;2 M acabeus 14:6). Em épocas anteriores, esses grupos p iedosos recebe­ram m enção honrosa em M alaquias 3:16-4:3; a devoção deles à lei divina é ilustrada no Salmo 119.

(Filipenses 2:17-6a) 99

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132 (Filipenses 3:12-60)

0 term o fariseu significa "separado"; várias explicações têm sido oferecidas m as, referindo-se às pessoas assim designadas, talvez se enfatizasse a separação que buscavam , fugindo de tudo que pudesse transm itir im pureza ética ou cerim onial. Os fariseus coligiram um corpo de tradições orais cujo objetivo era adaptar os antigos preceitos da lei escrita às situações alteradas dos últim os dias, de m odo que ficassem salvaguardados os princípios, im pedindo-os de se perderem com o obso­letos ou im praticáveis. N isto os fariseus se distinguiam de seus principais rivais, os saduceus, que advogavam tão som ente a autoridade da lei escrita, e que rejeitavam tam bém a crença dos fariseus na ressurreição dos m ortos, e na existência de ordens de anjos e de dem ônios (cf. Atos 23:8). Os fariseus se agrupavam em com unidades locais. Josefo, que afirm a haver orientado sua própria vida segundo os princípios dos fariseus, desde a idade de dezenove anos, calcula que havia cerca de seis m il fariseus em sua época (Ant. ).

O fato de Paulo ser m em bro da seita dos fariseus é atestado por Lucas, que nos relata as palavras do apóstolo: "criado aos pés de Gam aliel (principal líder fariseu de seus dias [cf. A tos 5:34]), instruído conform e a verdade da lei de nossos pais, zeloso de Deus" (Atos 22:3); Paulo dissera a Agripa: "conform e a m ais severa seita da nossa religião, vivi fariseu" (Atos 26:5); afirm ara perante o Sinédrio: "eu sou fariseu , filho de fariseu" (Atos 23:6), dando a entender que não era o prim eiro m em bro da fam ília associado àquela seita, nem que (menos provável) era o prim eiro discípulo de fariseus de sua fam ília.

Segundo o z e lo ...: zelo por D eus era um a tradição cheia de honra em Israel e, nesta época, não se confinava àquele partido de nacionalistas m ilitantes que vieram a ser conhecidos com o zelotes. O precedente de zelo piedoso havia sido lançado por F inéias (Núm eros 25:7-13; Salmos 106:30, 31), E lias (1 Reis 19:10, 14) e M atatias, pai de Judas M acabeu (1 M acabeus 2:24-28). Paulo se autodescreve em G álatas 1:13,14, com o tendo sido "extrem am ente zeloso das tradições de m eus pais," m uito m ais do que seus jo v en s com panheiros contem porâneos, fornecendo suprem a evidência daquela devoção ou zelo com que im piedosam ente ele "perseguia a igreja de Deus, e a assolava." Em 1 C oríntios 15:9 (cf.1 T im óteo 1:13, 14) a perseguição à igreja, vista de um a perspectiva posterior, constituiu o pecado dos pecados, tornando-o indigno da graça que, apesar de tudo, cham ou-o para ser apóstolo; entretanto, quando

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(Filipenses 3:12-14) 133

Saulo estava em penhado ativam ente na obra de perseguir a igreja, ele achava que isso era um serviço m uitíssim o aceitável perante Deus. Quando em R om anos 10:2 ele descreve seus com panheiros israelitas como tendo "zelo de Deus," acrescentando que o zelo é "de D eus, mas não com entendim ento," Paulo está traçando um retrato do hom em que ele m esm o havia sido, esforçando-se m ediante seu zelo perseguidor para firm ar seu próprio m odo de tornar-se ju sto perante Deus.

De fato , segundo a ju stiça que há na lei, irrepreensível. Eis a avaliação cristã que Paulo faz de suas atividades pré-cristãs. E le a faz partindo de um a perspectiva de quase trinta anos de m inistério apostólico. N enhum judeu poderia ter conseguido mais, no que concerne a devoção à sua herança ancestral. Os pais de João Batista são elogiados por serem "am bos ju sto s perante Deus, andando sem repreensão em todos os m andam entos e preceitos do Senhor" (Lucas 1:6). Aí está um grande elogio, na verdade, e Paulo tam bém o m erecera. H ouve época em que receber tal elogio era a m aior am bição de Paulo, m as agora a grande reviravolta nos valores havia alterado tudo.

As realizações de Paulo podem ser com paradas às do hom em rico que assegurou a Jesus que havia guardado todos os m andam entos de Deus desde sua juven tude (M arcos 10:20) ou, m ais im portante ainda, às próprias declarações de Paulo, diante do Sinédrio, de haver m antido boa consciência diante de D eus durante toda a sua vida (Atos 23:1; cf. 24:16). O conform ar-se à justiça exigida pela lei exigia in fin ita diligência, m as (como Paulo com provara) não era coisa im possível. E le atingiu a m eta, só para descobrir que de nada lhe adiantara.

Notas Adicionais 18

3:4 / O pronome que aparece duas vezes: Ainda que eu também poderia confiar na carne. Se algum outro pensa que pode confiar na carne, eu ainda mais é enfático (gr. ego). Cf. a repetição "ainda que", "ainda mais" (gr. kago=kai ego) de 2 Coríntios 11:22. W. Schmithals acha que Paulo está defendendo-se contra agnósticos que o julgam mero homem carnal, a quem falta o espírito cristão, não sendo, portanto, um apóstolo de Cristo, mas, quando muito, um apóstolo de homens (Paul andthe Gnostics, pp. 90,91). Nada existe no texto que dê apoio a tal idéia. Paulo está, isto sim, defendendo-se contra os judaizantes que tentam diminuir-lhe o status, objetivando exaltar a própria autoridade pretensamente superior.

3:5 / da tribo de Benjamim. Eis uma das "coincidências não planejadas" entre Atos e as cartas paulinas; só nestas é que lemos que Paulo pertencia à tribo

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136 (Filipenses 3:15-61)

de Benjamim e só em Atos é que lemos que o nome deste judeu é Saulo. Os primitivos autores cristãos traçaram a conexão entre o zelo perseguidor de Paulo e as palavras acerca de Benjamim, na bênção de Jacó a seus filhos (Gênesis 49:27): "Benjamim é lobo que despedaça; pela manhã devorará a presa, e à tarde repartirá o despojo" (cf. Hipólito, O n th e B le s s in g o fJ a c o b , ad loc.; cf. A N F 5 , p. 168).

Hebreu de hebreus: quanto a hebreus e helenistas, veja-se C. F. D. Moule, "Once More, Who Were the Hellenists?" E x p T IO (1958-59), pp. 100-102; F. F. Bruce, P a u l: A p o s t l e o f th e F r e e S p i r i t pp. 42,43.

Segundo a lei: (lit., "de acordo com a lei", gr. k a ta n o m o r i) . A omissão do artigo definido antes de "lei" ê comum em Paulo; pode refletir a tendência judaica de tratar a palavra hebraica correspondente to r a h quase como um nome próprio, não exigindo, portanto, o artigo, quando se trata da lei de Moisés.

Fariseu: quanto aos fariseus, contulte-se Josefo, W a r 2.162-66; A n t. 18.12- 15. "Fariseu" com toda probabilidade é a tradução do aramaico p e r is h a y y a , e do hebraicop e r u s h im , "separados" (especialmente no sentido moral). Quanto à palavra hebraica, cf. um comentário rabínico posterior, L e v i t ic u s R a b b a , onde a injunção: "Sede santos porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo" (Levítico 19:2) aparece amplificado: "Assim como eu sou santo, vós também deveis ser santos; assim como eu sou separado, vós também deveis ser separados (p e r u s ­h im ). " Os fariseus eram escrupulosos de modo especial na observância às leis judaicas sobre alimentação e as concernentes ao dízimo. Davam o dízimo de ervas do quintal e dizimavam os cereais, o vinho e as azeitonas (cf. Mateus 23:23; Lucas 11:42), e evitavam comer o alimento que ainda estivesse sujeito a ser dizimado, a menos que tivessem certeza de que esse dízimo havia sido pago. Consulte-se W. D. Davies, P a u l a n d R a b b in ic J u d a ism ; E. P. Sanders,P a u l a n d P a le s t in ia n J u d a is m - , eE . Rivkin ,A H id d e n R e v o lu tio n .

3 :6 / Em Gálatas 1:14 Paulo chama a si mesmo de zelote (gr. z e lo te s quanto às tradições ancestrais; em Atos 22:3 ele afirma perante um auditório judaico em Jerusalém que, antes de sua conversão, ele "era zeloso de Deus, como todos vós hoje sois"; em Atos 21:20 os anciãos da igreja de Jerusalém dizem a Paulo que todos os seus membros são zelotes, quanto à lei. Em nenhuma dessas passagens o substantivo é usado no sentido de designar um partido (como, por exemplo, em Lucas 6:15; Atos 1:13, onde a palavra talvez tenha sentido sectário). O partido dos zelotes partilhava os princípios dos fariseus mas insistia na adição de um preceito: seria impermissível que judeus que morassem na terra santa pagassem impostos a um governo pagão (semelhante ao governo romano).

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19. Atual Código de Valores de Paulo(Filipenses 3:7-11)

Paulo considera agora fracasso o que antes considerava grande rea li­zação. O que antes ele considerava sem valor e, na verdade, pernicioso, agora reconhece que é o único valor a ser procurado — o conhecim ento pessoal de Jesus como Senhor, partilhando a experiência de sua m orte e ressurreição.

3:7 / No m ínim o era razoável sentir orgulho, como Paulo chegou a sentir, por causa de sua fo lha de serviços meritórios. Se algum leitor suspeitar de que Paulo ainda sentisse algum orgulho em ser capaz de apresentar um currículo de realizações tão grandes, todas as suas suspei­tas cairiam por terra em função do que Paulo diz a seguir: mas o que para m im era lucro, considerei-o perda por causa de Cristo — isto é, por amor de Cristo, a quem ele desejou receber. Aquelas realizações se transferiram do lado do crédito, no livro da contabilidade, para o lado do débito; não só são vistas com o sem valor, irrelevantes, mas o apóstolo se considera m ais rico estando despojado delas. Talvez a própria lem ­brança de tais realizações pudesse ser danosa, se carregasse consigo a tentação de nelas colocar a confiança, outra vez. Só Cristo deve ser digno da confiança de Paulo, de m odo que por causa de Cristo (por am or a Cristo) todas aquelas coisas em que ele confiava perderam seu valor. Paulo havia aprendido que, apesar de todas as suas realizações, o único m eio pelo qual teria aceitação diante de D eus era o m eio que o apóstolo partilhava com o m ais atrasado pagão convertido: a fé em Cristo. Ele não nega que foi grande privilégio te rn asc id o ju d eu , e ter acesso aos oráculos divinos (Rom anos 3:1, 2); o que ele nega é que a pessoa possa confiar em tal privilégio, como base para a aprovação divina.

3:8 / Na verdade, não apenas a herança e as realizações pessoais de Paulo, m as todas as coisas deste m undo foram reavaliadas em Cristo. Tão grande é a excelência do conhecim ento de Cristo Jesus, meu Senhor, que m ediante com paração, todas estas coisas se tornaram não m eram ente sem valor, mas prejudiciais, com valor negativo. Tudo quanto exista fora de Cristo, e do evangelho que Paulo, sob ordem, deveria

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132 (Filipenses 3:12-62)

pregar por todo o m undo, representa peso m orto, algo a ser considerado com o perda, e se rjo g ad o fora, como se fora refugo ou lixo, dejetos de rua. Q uando o apóstolo iniciou seu trabalho para Cristo, no cam inho de D am asco, isso representou a renúncia de tudo quanto tinha valorizado até aquele m om ento; mas valeu a pena fazer tal renúncia.

O conhecim ento de D eus assum ia im enso valor perante os olhos dos grandes profetas de Israel (cf. Oséias 6:6); para Paulo, o conhecim ento de D eus tinha a suprem a m ediação de Cristo, e tal conhecim ento se tornava im ensam ente enriquecido por essa m ediação. "C onhecim ento" (gr. gnosis) era term o corrente no vocabulário religioso e filo só fico dos dias de Paulo; o "conhecim ento" bastante procurado e apreciado em parte era intelectual e em parte místico. Certas form as de cultivo de "conheci­m ento" dessa época evoluíram num sistem a de pensam ento que aparece, no segundo século, sob a designação genérica de "gnosticism o." A igreja de Corinto procurava esse tipo de "conhecim ento", que não chegou a im pressionar Paulo: 'ÍA ciência (o conhecim ento) incha, m as o am or edifica", diz o apóstolo (1 Coríntios 8:1). U m a com unidade era ajudada a crescer em m aturidade m uito mais m ediante o am or a D eus e o am or fraternal, m útuo, do que pela busca frenética do conhecim ento. O conhe­cim ento de C risto Jesus, meu Senhor é o conhecim ento pessoal: inclui a experiência de ser am ado por Cristo, e de am á-lo, em troca — e em am ar, por am or de Cristo, todos aqueles por quem ele m orreu. N ão se tem certeza se aqui, com o na correspondência aos C oríntios, Paulo está contrastando seu conhecim ento pessoal de Cristo com as fo rm as in fe ­riores de conhecim ento: é certo que o apóstolo está enfatizando que conhecer a Cristo é o único conhecim ento que vale a pena possuir, pois é um conhecim ento tão transcendental em seu valor que com pensa toda e qualquer perda, seja do que for.

C onhecer a Cristo e ganhar a Cristo são duas form as de exprim ir a m esm a am bição. Se Cristo é a Pessoa "em quem estão ocultos todos os tesouros da sabedoria e da ciência" (C olossenses 2:3), conhecê-lo é ter acesso a esses tesouros; todavia, conhecer a Cristo por am or a Cristo é a coisa m ais im portante, para Paulo.

Paulo não chegou a conhecer o Jesus terreno. Se, durante o m inistério de Jesus, Paulo viesse a saber algum a coisa a respeito dos ensinos dele, o apóstolo teria reprovado tudo. Jesus fora preso e executado, e Paulo pensaria nele com repulsa, como alguém sobre quem, em virtude da

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(Filipenses 3:12-14) 133

natureza da m orte que lhe coube, perm anecia a m aldição de Deus: "M aldito todo aquele que fo r pendurado no m adeiro" (G álatas 3:13). Todos quantos proclam avam que tal pessoa era o ungido do Senhor, com o o faziam os discípulos de Jesus, eram blasfem os; o bem -estar de Israel exigia a extinção de tais pessoas. E mais ainda: à parte o ódio de Paulo por tudo quanto Jesus representava, de que m aneira poderia ele u sufru ir um relacionam ento pessoal com alguém que já havia m orrido, a quem jam ais conhecera?

Q uando D eus decidiu, na estrada de D am asco, revelar seu F ilho a Paulo, ao m esm o tem po o Filho de D eus se apresentou a Paulo: "Eu sou Jesus," disse ele. Im ediatam ente Paulo se tornou cativo de Jesus, e seu escravo pelo resto da vida. "Senhor, que farei?" perguntou-lhe Paulo. E sua carreira subseqüente foi de obediência à resposta suscitada por tal pergunta (Atos 22:7-10). N aquele m om ento, Paulo sentiu que era am ado pelo F ilho de D eus que, segundo suas palavras, "me am ou e a si m esm o se entregou por m im " (Gálatas 2:20). Daí em diante, "o prim eiro e grande m andam ento", am ar ao Senhor seu Deus, Paulo o honrou em seu am or a Cristo, a im agem de Deus: "m as, se alguém ama a Deus, esse é conhecido dele" (1 Coríntios 8:3). Estabeleceu-se ali, naquele m om ento, um relacionam ento de conhecim ento e am or m útuos, entre o apóstolo na terra e seu Senhor exaltado nos céus; dali em diante a alegria inextinguí- vel de Paulo seria explorar a to talidade desse relacionam ento. Para o apóstolo a v ida seria, em suma, o próprio Cristo — am ar a Cristo, conhecer a Cristo, ganhar a Cristo. "Cristo é o cam inho, e Cristo a recom pensa."

3:9 / G anhar a Cristo significa ser achado nele, usufru ir fé e união com ele (e, portanto, com todos os seus discípulos); com pare com NEB: "por (causa de) quem sofri... encontrando-m e incorporado nele". Paulo estava intensam ente cônscio de seu relacionam ento íntim o, pessoal, com Cristo, relacionam ento que ele prezava acim a de tudo, e que não era exclusivo: "Eu sabia que Cristo me havia dado novo nascim ento, a fim de que eu me irm anasse com todas as alm as da terra" (John M asefield , "The E verlasting M ercy"). Paulo já estava em Cristo, mas aqui ele fa la a respeito de ser achado nele. O aoristo dos verbos "ganhar" e "ser achado" sugere que o apóstolo está outra vez aguardando o dia de Cristo. Todavia, a am bição de Paulo de ser achado nele naquele grande dia só poderia concretizar-se se o apóstolo contínua e progressivam ente vivesse

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132 (Filipenses 3:12-63)

em união com Cristo, nesta existência mortal. Para atingir isso, Paulo de bom grado jo g a fora todas as coisas, inclusive a ju stiça própria, que vem da lei, outrora tão valorizada.

O hom em que havia conseguido grandes resultados na luta em prol da ju stiça legal, agora jo g a fora essa ju stiça , por haver encontrado outra, de m elhor espécie. O que de bom a ju stiça própria, legal, lhe havia produzido, afinal? Ela não o havia livrado do pecado de perseguir os discípulos de Cristo. Q ualquer pessoa que buscasse a ju stiça legal, sem dúvida poderia reclam á-la com o lhe pertencendo; todavia, seria fatal im aginar que tal ju stiça , que inevitavelm ente é auto-retidão, pudesse afirm ar que D eus lhe pertencesse.

Entretanto, em se tratando da ju stiça de m elhor estirpe — a que vem pela fé em Cristo — não existe a m enor sombra de dúvida quanto a afirm ar a posse de Deus; é o próprio D eus quem nos concede suajustiça. É a ju stiça que vem de Deus pela fé. A fé em Cristo é o m eio pelo qual os pecadores se apropriam dessa ju stiça ; são "justificados pela fé em Cristo, e não pelas obras da lei" (G álatas 2:16). É bom fazer o que a lei exige, mas esse não é o m odo de receber a ju stiça concedida por Deus. O alicerce da ju stiça legal, própria, em que Paulo confiava, entrou em colapso sob seus pés, na estrada de D am asco, quando ele de súbito se viu com o o principal dos pecadores; todavia, naquele m esm o instante ele recebeu pela fé no Filho de D eus o novo e perene alicerce da ju stiça livrem ente concedida pela graça de Deus. Agora, e para sem pre, Paulo sabe que é aceito por Deus, por causa de Cristo.

3:10 / D esejo conhecê-lo: m ais um a vez Paulo declara qual é sua ambição. E le havia vivido com o conhecim ento de Cristo por m uitos anos, m as veio a encontrar em Cristo um a plenitude inexaurível; sem pre havia m ais de Cristo para conhecer. Tal conhecim ento era de tal form a um a questão de união interpessoal, que "conhecer a Cristo" significava experim entar o poder de sua ressurreição. Se o am or de D eus fica dem onstrado de m odo suprem o na m orte de Cristo (Rom anos 5:8), o poder de D eus fica dem onstrado de m odo suprem o na ressurreição de Cristo; e todos quantos estão unidos, pela fé, ao Cristo ressurreto, possuem este poder, pois lhes fo i conferido. "A suprem a grandeza do seu poder para conosco, os que crem os, segundo a operação da força do seu poder, que m anifestou em Cristo, ressuscitando-o dentre os m ortos" (Efésios 1:19,20); é o poder que, dentre outras coisas, capacita o crente

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a desprezar os incentivos, as tentações próprias do pecado, e levar vida de santidade agradável perante Deus.

Se, num certo plano, Paulo partilhou o poder do Cristo ressurreto, noutro plano o apóstolo partilhou seus sofrim entos. Sofrer por Cristo, como Paulo já dissera antes (1:29), é um privilégio; além do m ais, sofrer por Cristo é sofrer com ele. "As aflições de Cristo transbordam para conosco" (2 Coríntios 1:5), diz Paulo num a carta que, talvez m ais do que qualquer outra, revela-nos este aspecto do seu apostolado. Aos olhos de Paulo, os sofrim entos que ele suportou por am or de Cristo, no decurso de seu m inistério apostólico, representavam sua parcela e participação nos sofrim entos de Cristo, de m odo que aceitá-los desta form a só fazia transfigurá-los e glorificá-los. Era tam bém esperança de Paulo que, ao absorver tanto do sofrim ento de Cristo quanto lhe fosse possível, em sua própria pessoa, pudesse "na m inha carne" cum prir "o resto das aflições de Cristo, pelo seu corpo, que é a igreja" (Colossenses 1:24) e deixar m enos aflições a serem cum pridas pelos seus irm ãos crentes. A ssim , ele esperava poder fazer algum a com pensação pessoal pelo zelo com que havia feito o povo de Cristo sofrer, em certa época, tendo assim perse­guido ao próprio Cristo (cf. Atos 9:4, 5). O apóstolo não está revelando espírito de autopiedade ao fa lar assim: para ele era um a honra participar da com unhão dos seus sofrim entos, e assim estreitar ainda m ais os laços que o prendem ao Senhor.

C onform ando-m e com ele (Cristo) na sua m orte era, para Paulo, em parte, auto-identificação com o Cristo crucificado e, em parte, um a questão de experiência diária, um a antecipação da m orte física que, com toda probabilidade, lhe tom aria a form a de m artírio por am or a Cristo (como de fato ocorreu).

No que concerne à auto-identificação com Cristo, a m orte com o Senhor ilustrada no batism o, logo no início da carreira cristã de Paulo (Rom anos 6:2-11), não foi brincadeira tipo "faz-de-conta"; ela exerceu influência decisiva sobre o apóstolo a partir de então: "Estou crucificado com Cristo, e já não vivo, mas Cristo vive em m im " (G álatas 2:19, 20).

No que diz respeito à experiência diária, Paulo podia dizer: "Cada dia morro... por Cristo Jesus nosso Senhor" (1 C oríntios 15:31). Ele podia fa lar a respeito de "o m orrer do Senhor Jesus no nosso corpo, para que a vida de Jesus se m anifeste tam bém em nossos corpos" (2 C oríntios 4:10). Se Paulo tivesse, um dia, de enfren tar o carrasco por causa de Jesus, tal

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132 (Filipenses 3:12-11)

fato coroaria sua sem elhança a Cristo na sua morte. A m orte, de m odo especial a m orte de m ártir, haveria de ser (como o apóstolo disse em 1:21), grande lucro, para alguém cujo v iver era Cristo.

Não havia a m enor dúvida de que existiam crentes nas igrejas gentí- licas (não necessariam ente na de Filipos), que viam aquelas aflições de Paulo, inclusive seu encarceram ento atual, como sinal de que o apóstolo ainda não chegara ao estágio de perfeição espiritual que eles próprios alegavam haver chegado (cf. 1 Coríntios 4:8). Paulo as vê de m odo bem diferente: aquelas tribulações por que passava constituíam as condições indispensáveis de identificação com Cristo na glória: "Com ele padece­m os, para que tam bém com ele sejam os glorificados" (Rom anos 8:17).

3:10,11 / Experim entar aqui o poder da sua ressurreição (de Cristo) não constituía um substituto im ediato da esperança da ressurreição do corpo, com o parecia que alguns convertidos de Paulo pensavam (1 C oríntios 15:22). A ressurreição de Cristo, cujo poder havia sido conce­dido a seu povo na presente vida m ortal, envolvia a expectativa para os que já haviam m orrido, crendo no Senhor, "que aquele que ressuscitou ao Senhor Jesus, nos ressuscitará tam bém por Jesus" (2 C oríntios 4:14). Paulo voltará a este tem a m ais tarde (vv. 20, 21). Aqui ele fala de m odo pessoal: se alguém que enfrentava a m orte todos os dias por causa de Cristo, estava sujeito a encerrar sua vida física com o m ártir, por amor do Senhor, tal pessoa poderia experim entar o poder da sua ressurreição dia a dia, e aguardar com certeza o partilham ento da ressurreição de Cristo, após a morte. A esperança que Paulo deixa im plícita (ver se de algum a m aneira posso chegar) não é esperança incerta, mas certeza bem fundam entada. Se esta linguagem im plicar em incerteza — "se eu puder finalm ente chegar à ressurreição dentre os m ortos" (NEB) — poderá ser incerteza da parte de Paulo quanto crer que, m esm o neste estágio de sua carreira, talvez ele não passe pela m orte, m as esteja vivo quando o Senhor voltar. Todavia, todos os sinais indicavam que o apóstolo deveria sofrer a m orte e, com toda probabilidade, m orte v io len­ta. A certeza dele, entretanto, era que "de fato Cristo ressurgiu dentre os m ortos", e tornou-se "as prim ícias dos que dorm em " (1 Coríntios 15:20). "Sabem os," diz Paulo em 2 Coríntios 5:1, "que, se a nossa casa terrestre deste tabem áculo se desfizer, tem os da parte de Deus um edifício , uma casa não feita por m ãos, eterna, nos céus."

A redação de ECA: para ver se de algum a m aneira posso chegar à

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ressurreição dentre os m ortos, ressalta a clara im plicação do texto paulino: que a ressurreição dos crentes é um a ressurreição que os traz para fora do dom ínio do restante dos mortos.

Notas Adicionais 19

3:7 / considerei-o: gr. h e g e m a i- , a referência não é particular, específica à experiência da conversão do apóstolo, como de fato seria, fosse usado o tempo aoristo h e g e s a m e n . (No v. 8 tenho também por perda é tradução do presente h e g o u m a i.)

A linguagem de Paulo aqui é diferente da adaptação da terminologia de contabilidade, lucros e perdas, que de vez em quando se encontra noutras passagens. Cf. Aristóteles, N ic o m a c h e a n E th ic s 5.4.13, onde se afirma que a justiça é a média entre lucros e perdas (ninguém ganha mais nem menos do que merece); também P ir q e A b o t 2 .1, onde o rabino Judah, o Príncipe (cerca de 200 d.C.) teria afirmado este preceito: "Calcule-se a perda sofrida no cumprimento de um mandamento, descontando-se o galardão auferido nesse ato de obediên­cia, e o lucro obtido na transgressão, descontando-se a perda envolvida nessa desobediência."

3:8 / E, na verdade: gr. a l ia m e n o u n g e k a i ("sim, na verdade"). Gr. a l ia k a i é reforçado pela partícula composta (m en , o u n e g e ) , que enfatiza o sentido progressivo (cf. M. E. Thrall, G r e e k P a r t ic le s in th e N e w T e s ta m e n t, pp. 15,16).

F. W. Beare (ad loc.) apresenta uma discussão interessante sobre conheci­mento de Cristo Jesus, meu Senhor. A linguagem de Paulo aqui não pode ser explicada em termos de seu pano-de-fundo hebraico, nem de sua cultura helenista, quanto a g n o s is : antes, o apóstolo produz "uma fusão nova, criativa, de helenismo com hebraísmo, que redunda em síntese distintivamente c r is tã , muito mais rica do que aqueles elementos culturais isolados, sendo, entretanto, herdeira de ambos." Nesta síntese, é preciso acrescentar, o elemento mais importante é o conhecimento pessoal de Cristo que Paulo já havia obtido; o apóstolo expande seu significado no v. 10. Consultem-se R. Bultmann, T D N T vol. 1, pp. 689-714, s.v. " g in o sk o ," " g n o sis ," e tc .; J. D u p o n t, G n o s is : L a c o n n a is s a n c e r e l ig ie u s e d a n s le s é p i t r e s d e s a in t P a u l- , B. E. Gartner, "The Pauline and Johannine Idea of 'to know God' against the Hellenistic Back- ground," N T S 14 (1967-68), pp. 209-31.

Tenho também por perda todas as coisas: gr. t a p a n t a e z e m io th e n (passi­va), literalmente, "sofri multa de tudo", "fui despojado de tudo que tenho," que pode deixar implícita uma pena pesada, ou que Paulo tenha sido deserdado por causa de sua fidelidade a Cristo; pode implicar também que ele tenha renunciado a tudo, de boa vontade, por amor a Cristo.

3:9 / e seja achado nele: gr. h in a ... h e u re th o . Quanto ao uso da voz passiva de h e u r is k e in como forma suplente do verbo "ser" ou "tomar-se," cf. 2:7. Consulte-se também E. D. Burton, T he E p is t le to th e G a la t ia n s , p. 125 (numa nota sobre Gálatas 2:17). Se perguntassem a Paulo em que época ele esperava

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132 (Filipenses 3:12-65)

ser achado em Cristo, a resposta poderia ser "no dia de Cristo"; mas, ele sabe que só será achado em Cristo naquele dia se viver em Cristo hoje.

A justiça que vem de Deus é "o modo de Deus tomar as pessoas retas diante dele mesmo" (Romanos 3:21) — um relacionamento justo com Deus, recebido por graça divina e não atingido pela lei. Recebemos a justiça que vem pela fé em Cristo: gr. d ia p i s t e o s C h r is to u , que ECA com certeza traduziu bem, ao tratar C h r is to u como genitivo objetivo, embora alguns desejem tratá-lo como genitivo do sujeito, traduzindo-o assim: "mediante a fidelidade de Cristo" (cf. Romanos 3:22, 26; Gálatas 2:16). Veja-se J. A. Ziesler, T he M e a n in g o f R ig h te o u s n e s s in P a u l , F. F. Bruce, T h e E p is t le to th e G a la t ia n s , pp. 138-40 (em nota sobre Gálatas 2:16).

3:10 / Desejo conhecê-lo: gr. to u g n o n a i a u to n , "a fim de conhecê-lo," em que o aoristo do infinitivo segue o precedente dos aoristos k e r d e s o (para que possa ganhar) e h e u re th o ("para que possa ser achado") nos w. 8, 9. Paulo está interessado aqui com o conhecimento de Cristo que se pode experimentar nesta vida (como no v. 8, conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor). É inútil dizer que "Paulo sem dúvida tomou algo emprestado dos gnósticos, ao descrever g n o s is C h r is to u le s o u como sendo marca distintiva do cristão", quando se concorda, de imediato, que o conteúdo dos w . 8-11 "é muito diferente do gnosticismo" desde que "Paulo não está descrevendo experiências individuais, mas o caráter da existência cristã em geral" (R. Bultmann, T D N T , vol. 1, pp. 710,711, s. v. g in o s k o , g n o s is ) . É possível, como diz W. Schmithals, que Paulo aqui "lança o verdadeiro conhecimento de Jesus Cristo, lutando contra 'as oposições da falsamente chamada ciência"' (P a u l a n d th e G n o s tic s" , p. 92), se ficasse claro que Paulo tem em mente os proponentes deste g n o s is rival (consultem-se as notas sobre os w . 18, 19, abaixo).

Quanto ao desejo de Paulo sobre usufruir a comunhão dos seus sofrim entos (de Cristo), consultem-se B. M. Ahem, "TheFellowshipofHis Sufferings(Phil 3:10)," C B Q 22 (1960), pp. 1-32; tambémH. Seesemann, D e r B e g r i f f K O l N O - N 1A im N e u e n T e s ta m e n t.

3:11 / para ver se de alguma maneira: gr. e ip o s , "se talvez," "se de algum modo," introduzindo uma oração de propósito, em que a execução desse propósito de modo algum está no poder da pessoa; cf. Atos 27:12, quanto à esperança do marinheiro de atingir Fênix e ali passar o inverno; Romanos 1:10, quanto à oração de Paulo para que no final lhe seja possível visitar Roma; 11:14, quanto à esperança do apóstolo de promover a salvação de seus compatriotas judeus, levando-os a desejar partilhar as bênçãos do evangelho que os crentes gentios tanto usufruem. Veja-se BDF, 0375.

O substantivo e x a n a s ta s is , "ressurreição," não tem paralelo no NT; a adição do prefixo e x antes da forma regular anastasis (usado, e.g., no v. 10), reforça o sentido da preposição e k m seguinte frase: e k n e k r o n , "fora (tendo saído) dentre os mortos," e enfatiza que o que se tem em mira é a ressurreição do corpo temporal dos justos, no último dia, e não simplesmente uma ressurreição espiritual no presente. A "intenção, sem sombra de erro, é transmitir a realidade

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(Filipenses 3:12-14) 133

da ressurreição dos que morreram fisicamente, mas só faz sentido se se distinguir de outra interpretação" (J. Gnilka, ad loc.) — sendo esta outra, presumivelmen­te, aquela contra a qual Paulo lança uma declaração integral sobre a doutrina da ressurreição, em 1 Coríntios 15. Diga-se, todavia, que esta é uma possibilidade; não existe certeza absoluta.

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20. Ambição de Paulo (Filipenses 3:12-14)

Não im portando o que outros digam sobre si m esm os, Paulo sabe que ainda não atingiu a perfeição. Enquanto existir vida física, há cam po para contínua perfeição. O prêm io só será conferido no final da corrida.

3:12 / Agora, Paulo deixa o ja rgão do contabilista, e atém -se ao do atleta (cf. 2:16). E i-lo que participa de um a corrida; ainda não enverga a fa ixa de cam peão e tam pouco em punhou a taça, mas deve continuar correndo, até que esses prêm ios lhe sejam atribuídos. A lguns de seus convertidos, noutros lugares, im aginavam que já haviam atingido a perfeição e que já haviam adentrado a glória real: Paulo lhes diz com ironia que gostaria que as declarações deles fossem verdadeiras, porque nesse caso ele próprio estaria incluído na perfeição; todavia, ele sabe que ainda está lutando m uito, em meio ao calor e poeira (1 C oríntios 4:8-13). Se porventura alguns de seus am igos filipenses têm a tentação de fazer declarações sem elhantes, prem aturas, quanto às suas realizações esp iri­tuais, o que Paulo tem a dizer agora poderá ser-lhes útil. O apóstolo ilustra a verdadeira natureza da existência cristã na terra fazendo um a referência a si próprio. O sem pre crescente conhecim ento de Paulo a respeito de Cristo, o fato de o apóstolo partilhar, aqui e agora, tanto os sofrim entos quanto o poder da ressurreição de Cristo, tudo isso o leva cada vez mais perto do alvo; entretanto, enquanto ele estiver no corpo, esse alvo perm anecerá à sua fren te, distante. Jam ais, nesta vida, Paulo atingirá a perfeição, no sentido que não lhe será possível afirm ar: não posso obter m aior progresso espiritual, e nada mais existe para ser alm ejado, além do ponto que já atingi. Ao apóstolo resta, ainda, agarrar e cum prir o propósito para o que fui alcançado por Cristo Jesus na estrada de D am asco.

Paulo relem bra sua conversão como sendo um m om ento em que a mão poderosa do Senhor lhe foi colocada sobre o om bro, virando-o totalm ente em seus cam inhos, quando um a voz que não adm itia refu tação lhe falou ao ouvido: "Tu deves seguir-m e." Paulo havia sido convocado para o serviço de Cristo; todavia, jam ais houve um recruta convocado mais ardoroso do que ele. A paixão de sua vida, a partir daquele m om ento, era servir a seu novo Senhor e cum prir o propósito para o qual ele o

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(Filipenses 2:17-66a)99

convocara — alcançar aquilo para o que fui alcançado por Cristo Jesus, com o ele afirm a. Cada fase da v ida subseqüente de Paulo, cada ato seu, todos os elem entos de sua com preensão e pregação do evangelho podem ser relacionados à revelação de Jesus Cristo que lhe fo i concedida naquele lugar, naquele dia.

3:13 / "Não, de modo nenhum , diz Paulo, eu não consigo im aginar que já tenha atingido a perfeição, nem que tenha cum prido o propósito para o qual fu i chamado ao serviço de Cristo; eis porque continuo minha luta." Ele se refere a si mesmo como sendo um atleta num a corrida, que tem um único objetivo em vista: term inar a corrida e ganhar o prêmio. Quem corre num a com petição não fica olhando para trás, por cima do ombro, a fim de calcular que distância já percorreu, nem como vão os concorrentes: quem corre fixa os olhos na meta de chegada. As coisas que para trá s ficam descreve a parte da corridajá feita; todavia, de nada adianta ao participante da corrida sobressair-se à frente dos demais durante nove décimos do caminho, e ser alcançado e vencido na fase final.

Q uando Paulo contem plou tudo quanto havia realizado na obra apos­tólica, isso serviu para reforçar sua resolução de prosseguir, da form a com o havia iniciado. Quando ele registrou o térm ino de seu m inistério "desde Jerusalém e arredores, até o Ilírico," fo i para anunciar seus planos de v ia ja r para a Espanha e repetir no lado oeste do M editerrâneo o program a que havia concluído no lado leste. Enquanto se lhe oferecesse um a oportunidade para "anunciar o evangelho, não onde Cristo já fora nom eado," a tarefa de Paulo perm aneceria incom pleta, por term inar (Rom anos 15:19-24).

3:14 / prossigo para o alvo, diz o apóstolo, usando um substantivo (gr. skopos) não encontrado noutra parte do NT. Há um prêm io a ser concedido, e Paulo quer ganhá-lo. Ele espera ouvir o presidente daqueles jo g o s cham á-lo ao pódio a fim de conferir-lhe a m edalha. Em certas ocasiões especiais, em Rom a, este cham ado poderia provir do próprio im perador; com que orgulho o atleta vencedor atenderia ao cham ado, cam inhando até a tribuna im perial a fim de receber o p rêm io ! Para Paulo, o presidente dos jo g o s não era outro senão Jesus, seu Senhor; o prêm io seria fru to da soberana vocação de D eus em Cristo Jesus, ou, de modo m ais sim ples, "o cham ado para cima, vindo de D eus, em Cristo Jesus" (RSV). U sando linguagem sem elhante, Paulo fala , m ais tarde: "a coroa

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132 (Filipenses 3:12-14)

d a ju s tiça me está guardada, a qual o Senhor, ju s to ju iz , me dará naquele dia" (2 T im óteo 4:8).

A palavra traduzida por prêm io (gr. b r a b e io r í ) é usada em 1 C oríntios 9:24: "os que correm no estádio, todos, na verdade, correm , m as um só leva o prêm io." Todavia, não existe tal exclusivism o acerca deste prêm io; ele será dado, com o diz Paulo, em continuação, acerca da coroa da v itória, em 2 T im óteo 4:8, "não som ente a mim, mas tam bém a todos os que am arem a sua v in d a ." Paulo tenciona ganhar o prêm io; todavia, existe um prêm io para todos que term inarem a corrida; Paulo recom enda seu próprio exem plo a seus leitores (1 Coríntios 9:24), de tal m aneira que tom em a am bição dele para si mesmos.

E que poderá ser esse prêmio senão receber de modo definitivo o Cristo, por am or de quem, como diz Paulo, vale a pena perder tudo o mais?

Notas Adicionais 20

3:12 / Não que já a tenha alcançado (e la b o n ); o verbo é transitivo, mas o objeto direto não vem expresso. Esse objeto direto é a ambição, que Paulo declarou por extenso nos w . 8-11, o ganhar a Cristo final e completo, que não se deve distinguir do prêmio de que ele falará a seguir.

Ou que seja perfeito: "tenha sido aperfeiçãoado" ( te te le io m a i) . E possível que Paulo esteja tomando emprestado algum termo das religiões místicas (cf. 4:12), nas quais a pessoa admitida às mais elevadas esferas era considerada "perfeita"; entretanto, da forma como Paulo usa essa palavra, aqui, não existe qualquer conotação de mistério. Tampouco está ele referindo-se ao seu martírio, que se aproxima, embora Inácio (T o th e E p h e s ia n s 3:1) use um termo sinônimo, enquanto contempla sua provável exposição perante as bestas feras da arena: "Ainda não fui aperfeiçoado a p e r t is m a i em Jesus Cristo," diz ele; mas, confor­ma-se à perspectiva do martírio, seja qual for a forma que vier a tomar, "desde que eu possa ganhar e p i ty c h o a Jesus Cristo (T o t h e R o m a n s 5:3). A perspectiva de Paulo é mais sadia: a perfeição que o apóstolo ainda não atingiu lhe pertencerá quando chegar o momento de "partir e estar com Cristo" (1:23).

Antes de ou que seja perfeito os manuscritos P , com Irineu (tradução latina) e Ambrosiaster, inserem uma sentença: "ou tenha já sido justificado" ( d e d ik a io m a i ) . Teria sido um uso não-paulino do verbo "justificar": Paulo sabia que ele, e todos os crentes em Cristo, já haviam sido "justificados pela fé" (Romanos 5:1, etc; cf. v. 9 acima). Parece-se mais com o uso que Inácio faz desse verbo. Falando das tribulações que sofrerá a caminho de Roma, Inácio declara: "Não sou justificado por estas coisas" (d e d ik a io m a i), implicando que no fim é que serájustificado, quando houver sofrido a morte de mártir (T o th e R o m a n s 5:1).

Mas prossigo: gr. d io k o \ "eupersevero," "eu continuo."

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(Filipenses 3:12-14) 133

Para alcançar aquilo para o que ... gr. e i k a i k a ta la b o , "se na verdade eu puder alcançar aquilo..."; o uso de e i ("se") a fim de introduzir uma oração de propósito é semelhante à do v. 11, "para ver se..."(gr. e i p o s ) . O antecedente de aquilo para o que não vem expresso no original, sendo provavelmente seme­lhante a algo como "propósito", em linha com e p h ’ h o , "com vistas a."

Fui alcançado por Cristo Jesus: gr. k a te le m p h th e n h y p o C h r is to u le s o u , "fui agarrado por Cristo Jesus." O tradutor precisou encontrar um verbo apro­priado a fim de expressar ambos os sentidos de k a ta la m b a n e in (k a ta la b o . . . k a te le m p h th e n ) . Toma-se difícil melhorar a escolha feita por KJV, que traduziu assim: "apreendido por Cristo Jesus". Quanto à importância da experiência de Paulo de ter sido "apreendido por Cristo Jesus", em relação ao seu ministério subseqüente, consultem-se J. Dupont, "The Conversion of Paul, and Its Influen- ce on his Understanding of Salvationby Faith," em W. W. Gasque e R. P. Martin, eds., A p o s t o l i c H i s to r y a n d th e G o s p e l , pp. 176-94; G. Bomkamm, "The Revelation of Christ to Paul on the Damascus Road and Paul's Doctrine of Justification and Reconciliation," em R. Banks, ed., R e c o n c i l ia t io n a n d H o p e , pp. 90-103; S. Kim, T h e O r ig in o f P a u f s G o s p e l .

3:13 / Há um texto variante: "não" (o u ), para não (julgo que o tenha alcançado) [ainda] (o u p o ). Apesar de a idéia contida em "ainda não" contar com aprovação antiga, geral, é mais provável que o texto original tenha sido um "não" simples.

3 :1 4 /0 alvo ou s k o p o s tinha essa designação porque o competidor mantinha os olhos fixos nele (s k o p e in , "olhar"). O "chamado do alto" dirigido ao vencedor vinha, nos jogos gregos, do a g o n o th e te s , e nos jogos pan-helenísticos (como os de Olimpo), do h e l le n o d ik a i .

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21. Maturidade Espiritual (Filipenses 3:15-16)

Paulo sabe que nem todos os seus am igos valorizam as questões do cristianism o com o ele as valoriza. Não im pinge sobre eles seus padrões de valores, mas dá-lhes alguns conselhos úteis.

3:15 / A N IV está certa ao traduzir teleioi ("perfeitos") com o "m adu­ros", nesta passagem . A grande m aioria dos estudiosos crê que a re fe rên ­cia atinge as pessoas que afirm am haver alcançado a perfeição , num sentido que Paulo re jeitou para si m esm o (v. 13). E ntretanto, agora Paulo se inclui entre os que são "perfeitos", da m esm a fo rm a com o em R om a­nos 15:1 ele se inclui entre os "fortes" ("m as nós, que som os fortes"). A repetição de certa palavra ou de seu derivado num sentido diferente, num intervalo curto, constitui fenôm eno literário com um . Não há necessidade de inscrever a palavra, como aparece agora, dentro de aspas, com o se Paulo não lhe estivesse atribuindo seu verdadeiro significado. Pode-se ter certeza de que se algum leitor de Paulo afirm asse ser perfeito , num sentido que não poderia ser real, atingível, senão no dia de Cristo, haveria um a palavra de adm oestação para esse crente: reconhecer que tal p e rfe i­ção é inatingível durante nossa v ida m ortal aqui, é m arca dos crentes "m aduros" — perfeitos.

Que nenhum mortal pense que num segundo Tudo se fez, toda a obra esteja terminada;Embora tu a inicies em tua aurora,Dificilmente a acabarás ao pôr-do-sol.(F. W. H. M yers, "SaintPaul")

De m odo m ais positivo, a am bição centralizada em Cristo, expressa por Paulo, é o que deveria caracterizar todos os crentes "m aduros", isto é, perfeitos. Sem dúvida nenhum a, a am bição de Paulo, a partir do m om ento de sua conversão, fo i servir a Cristo e ser "achado nele"; entretanto, a averiguação m ediante experiência pessoal de tudo quanto estava envolvido na busca desta am bição exigiu-lhe tem po. Então, ha­vendo atingido a m aturidade espiritual, Paulo "deixa de preocupar-se dem ais com fraquezas, fracassos e frustrações," quer tenham aparecido nele m esm o, quer nos outros (M ontefiore, Paul the Apostle, p. 30).

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(Filipenses 2:17-15 a)99

Se alguns dos leitores de Paulo se sentissem obrigados a adm itir que não conseguiam exprim ir suas am bições, ou atitudes, nos term os de Paulo, eles que não se desesperassem , nem se resignassem a trilhar um a existência cristã de segunda categoria. Que o problem a seja entregue a Deus: se pensais de outra m aneira, tam bém D eus vo-lo revelará. Paulo não os repreenderá, nem expressará desapontam ento por terem feito um progresso tão insignificante. Em vez disso, o objetivo de Paulo será encorajá-los.

Se pensais de outra m aneira, tam bém (kai touto) Deus vo-lo reve­lará. Supondo-se que Paulo esteja discutindo com aqueles que a firm a­vam possu ir um a perfeição prem atura, a p a lav ra tam b ém pode significar que, além e acim a das "visões e revelações" que eles se vangloriavam de ter recebido (cf. 2 C oríntios 12:1), havia questões de v ivência cristã que lhes deveriam ter sido reveladas tam bém . De outra form a, o ponto central pode ser que, por haverem aceitado a revelação divina que conduz a um a atitude característica da m aturidade espiritual, eles poderiam confiar em Deus. Aí, o Senhor lhes concederia qualquer revelação espiritual que lhe fosse necessária a f im de rem over-lhes quaisquer inadequações ou incoe­rências no m odo cristão de ver as coisas.

3:16 / andem os segundo o que já alcançam os constitui a linha m estra do viver cristão que Paulo de m odo habitual recom endava a seus conver­tidos — se esse é o princípio, com o ele afirm a noutra passagem , ou "os m eus cam inhos em Cristo, como por toda a parte ensino em cada igreja" (1 C oríntios 4:17) — eles que prossigam , continuando a seguir "os cam inhos" de Paulo, com o regras do v iver cristão, pois o crescim ento espiritual desejado haverá de m anifestar-se. A queles que já cam inham segundo a luz de que dispõem agora, m ais luz se lhes dará.

Não há um a palavra no texto grego, aqui, correspondente a "regra"; as versões que a acrescentam podem ter sido influenciadas (de m odo adequado) pela redação sem elhante de Gálatas 6:16, em que o substan­tivo "regra" (gr. kanorí) aparece: "A todos os que andarem conform e esta regra, paz e m isericórdia."

R espondendo-se à pergunta sobre com o esta referência a "regra" se harm oniza com a recusa de Paulo em atribuir um lugar à lei, na v ida cristã, é preciso que se diga o seguinte: (1) esta "regra" não consiste de regulam entos legais; antes, tem a natureza de linhas gerais ou princípios de orientação, e (2) para contrapor-se à "lei", no sentido jud ic ia l, Paulo

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136 (Filipenses 3:15-16)

opresenta "a lei de Cristo" — isto é, o m odo de vida exem plificado por Cristo, e registrado nos evangelhos para im itação de seus seguidores. A regra im plícita aqui abarca, portanto, os princípios de vida envolvidos na "lei de Cristo", dentre os quais assume papel saliente o levar as cargas uns dos outros (G álatas 6:2). Paulo estim ula os crentes filipenses a prosseguirem na m archa avante, como com unidade coesa, om bro a om bro, de acordo com o ensino que haviam recebido do apóstolo, desde o princípio, quando dele receberam o evangelho.

Notas Adicionais 21

3:15/Perfeitos: gr. te le io i . W. LütgertfD/e V o llk o m m e n e n im P h i l i p p e r b r i e f u n d d ie E n th u s ia s te n in T h e s s a lo n ic h p. 19), W. Schmithals (P a u l a n d th e G n o s tic s , pp. 99-104), e outros, entendem que as pessoas assim designadas são as de tendências gnósticas, semelhantes às que a si mesmas se designavam "pessoas espirituais" (p n e u m a tik o i) em Corinto (cf. 1 Coríntios 2:13, 15; 3:1, etc.). De acordo com esses comentadores, a ostensiva associação de Paulo com tais pessoas na primeira pessoa do plural é, quando muito, c a p ta t io b e n e v o le n - t ia e . Esta constitui uma interpretação torcida das palavras do apóstolo.

Tenhamos este sentimento: gr. to u to p h r o n o m e n , "tenhamos esta mentali­dade." No documento Aleph, L, e em alguns outros manuscritos, o verbo

p h r o n o u m e n , no indicativo, é traduzido assim: "nós temos esta mentalidade" (todavia, esta variante não tem base para consideração séria). A atitude em pauta é explicada por Crisóstomo como prontidão para "esquecer o que ficou para trás"; e acrescenta, fazendo um trocadilho com o sentido duplo de "perfeitos" ( te le io s : "a marca distintiva de quem é perfeito é não considerar-se perfeito" (H o m ilie s o n P h il ip p ia n s , 12).

Se pensais de outra maneira pode significar que as pessoas têm uma atitude errada; o advérbio h e te r o s "parece ter o sentido de 'errado'" (J. B. Lightfoot, ad loc.).

Também Deus vo-Io revelará: gr. a p o k a ly p s e i literalmente. Gr. k a i to u to poderia significar "na verdade, isto," como se o sentido do versículo fosse: " e sta é a revelação de que vocês precisam; não as revelações como são entendidas nas escolas gnósticas" (cf. Schmithals, P a u l a n d th e G n o s t ic s , p. 104).

3:16/ andemos segundo o que: literalmente, "marchemos segundo a mesma (regra que vimos seguindo) até ao ponto que já atingimos" (e is h o e p h th a s a m e r í ) . Com to a u to ("o mesmo"), vários documentos trazem k a n o n i ("regra"), mas o peso de evidências favorece a omissão desta palavra (ainda que esteja presente esse significado implícito). Cf. Gálatas 6:16, "e a todos os que andarem conforme esta regra" (gr. h o s o i to k a n o n i to u to s to ic h e s o u s in ), cuj a influência provavelmente deverá ser vista naquelas autoridades que acrescentam "regra"(k a n o n i) aqui. O verbo s to ic h e in (traduzido por andemos segundo) significa "permanecer na linha" ou "marchar em linha"; a implicação é que não se trata de realização individual, mas algo que movimentaria toda a comunidade, coesa.

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22. Imitação de Paulo (Filipenses 3:17)

Há m uitos m estres itinerantes cujo exem plo seria desastroso seguir. Paulo recom enda seu próprio exem plo e o de outros que, com o ele, seguem o cam inho de Cristo.

3:17 / Se os preceitos de Paulo não são suficientem ente claros, que se siga seu exem plo. "Im itação de Paulo" é tem a notável e freqüen te nas epístolas paulinas. Ele ensinava a seus convertidos m ediante preceitos orais e escritos, sobre como deveriam viver; entretanto, um exem plo vivo poderia ser m ais eficaz do que m uitas palavras. Se desej assem ver a vida cristã em ação, Paulo lhes dirigiria a atenção para sua própria conduta, com o o faz aqui: "unam -se aos que me im itam ."

Um hom em com o Paulo assum ir esta atitude significava que ele precisava ser excepcionalm ente cuidadoso na conduta, de m odo que seu exem plo não fosse um a pedra de tropeço espiritual para os outros, ou até m esm o induzi-los ao pecado, ainda que sem essa intenção. E o apóstolo exortava seus convertidos a serem igualm ente cuidadosos: "Não vos torneis causa de tropeço nem para judeus, nem para gentios, nem para a igreja de Deus. Como tam bém eu em tudo agrado a todos, não buscando o meu próprio proveito, m as o de m uitos, para que assim se possam salvar. Sede m eus im itadores, com o tam bém eu sou de Cristo" (1 C oríntios 10:32-11:1).

Estas últim as palavras são cruciais: não é que Paulo desejasse estabe­lecer sua própria vida com o um padrão ético; ele apresentava a Cristo com o o padrão absoluto, tanto no ensino quanto na ação. Ele próprio só deveria ser im itado desde que e até onde im itasse a Cristo; a im itação de Cristo era um exercício que Paulo praticava todos os dias. Sabia que m uitos de seus convertidos o im itariam , de qualquer m aneira, e sabia tam bém que se seu exem plo os induzisse ao erro, não teria um a resposta satisfatória para isso no dia de Cristo. Daí o cuidado com que ele praticava incessante autodisciplina, de m odo que, "pregando aos outros, eu m esm o não venha de algum a m aneira a ficar reprovado" (1 C oríntios 9:27). V eja-se tam bém 4:9,

Tam pouco recom endava o apóstolo apenas o seu próprio exem plo. Outros havia que seguiam a m esm a trilha de vida e partilhavam as

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142 (Filipenses 3:18-17)

m esm as atitudes e princípios: Tim óteo e Epafrodito foram m encionados em 2:19-30, quanto a isto. Homens e mulheres da qualidade deles também apresentaram exem plos que podiam ser seguidos com confiança.

Notas Adicionais 22

3 :1 7 /observai: gr. skopeite, "olhai," "ficai alertas." Em Romanos 16:17 este verbo é empregado no sentido de "observar e evitar"; aqui, no sentido de "observar e seguir."

Segundo o exemplo que tendes em nós: lit., "como tendes a nós como exemplo." No grego, em nós (hemas) ocupa posição enfática, como última palavra na sentença; provavelmente deixa implícito que os outros proporcionam um exemplo diferente — a saber, aqueles contra quem os w . 18, 19 constituem advertência. Consulte-se W. P. DeBoer, The Imitation ofPaul.

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23. Advertência Contra Inimigos (Filipenses 3:18-19)

Paulo adverte os filipenses contra os indivíduos cujo exem plo é danoso ou inútil m oralm ente.

3:18 / Foi o com portam ento dos indivíduos a que Paulo se refere agora que os tornou inim igos da cruz de Cristo. Os hom ens que tentaram im por a lei juda ica sobre os convertidos gentios de Paulo, nas igrejas gálatas, deixavam im plícito em seus ensinos (de acordo com Paulo), que a m orte de Cristo não tinha significado e era ineficaz (Gálatas 2:21); nesse sentido, poderiam ser cham ados de inim igos da cruz, em bora Paulo nada diga contra seus padrões morais. Os inim igos da cruz aqui denunciados são descritos em term os d iferentes daquelas pessoas contra as quais os filipenses devem resguardar-se, no v. 2, e que não precisam ser iden tifi­cadas com o inim igos da cruz. É inútil insistir nesta conexão, segundo a qual "as entidades não precisam ser m ultiplicadas m ais do que o estrita­m ente necessário" (princípio conhecido como "navalha de O cam "), com o se isto determ inasse a identificação dos dois grupos: a vida real é m ais com plicada do que o argum ento lógico.

Fica evidente, m ediante sua correspondência, que Paulo às vezes era obrigado a travar guerra em pelo m enos duas fren tes — em Corinto, por exem plo, lutou contra os ascetas, de um lado, que gostariam de proibir o casam ento (1 C oríntios 7:1), e contra os libertinos, por outro lado, cujo grito de guerra era: "tudo é perm issível" (1 C oríntios 6:12). De m odo idêntico, a graça de Deus é recebida em vão por aqueles que continuam a viver sob a lei, e por aqueles que pensam que devem perm anecer "no pecado, para que a graça aumente" (Rom anos 6:1). N os vv. 18 e 19 Paulo está preocupado com as pessoas que aderiram a este últim o preceito, tanto no ensino quanto na prática. Cristo suportou a cruz a fim de libertar os crentes dos pecados, e reconciliá-los com D eus (Rom anos 6:7; 2 Corín­tios 5:18-21); os que de m odo deliberado perm anecem no pecado e repudiam a vontade de Deus, renegam tudo quanto a cruz de Cristo representa.

Paulo já havia exortado os crentes filipenses, antes, contra tais pessoas— se m ediante palavra oral ou se por escrito, nós não o sabemos. Se ele agora repete sua advertência, é porque sabe ser ela necessária. A quelas

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132 (Filipenses 3:12-18)

pessoas estavam exercendo má influência em m uitas igrejas e talvez dessem um a chegada até à igreja de Filipos, se já não o haviam feito. Não existe a m ínim a sugestão de que a igreja filipense estivesse inclinada a ouvi-los de bom grado, mas Paulo sabia como eram insidiosos os argum entos que usavam , com o poderia ser prejudicial o exem plo que davam .

3:19 / Falando dessas pessoas, diz Paulo: O seu fim é a perdição; os que lhes seguem o mau exem plo são passíveis de partilhar o mesm o destino.

O seu deus é o v en tre ; com pare Rom anos 16:18, onde os cristãos rom anos são advertidos contra pessoas indesejáveis que "não servem a Cristo nosso Senhor, mas ao seu ventre" ("ventre" é tradução do subs­tantivo grego koilia). N IV traz "estôm ago", talvez m enos adequado que "apetites", de outras versões, que dá idéia de glutonaria como não sendo o único vício das pessoas sobre quem pesa a acusação. De m odo sem e­lhante em 1 C oríntios 6:13, em que Paulo cita o epigram a libertino: "os alim entos são para o estôm ago (koilia) e o estôm ago (koilia ) para os alim entos," o contexto torna claro que a libertinagem é de ordem sexual, e não a isenção de restrições alim entares é que constitui a questão sob discussão. Se o seu deus é o v en tre , isto é, seus "apetites", isto significa que seus "apetites" são o interesse m áxim o dessas pessoas; não o declaram taxativam ente, mas seu m odo de v iver deixa clara a im plicação.

A sua glória é a vergonha (eis um bom exem plo de paradoxo): isto confirm a nosso m odo de in terpretar a oração precedente. Não existe alusão à circuncisão aqui, com o se a vergonha deles denotasse aquela parte do corpo que portava o selo da circuncisão. 1 Coríntios 5:2 traz um exem plo específico da situação que Paulo lam enta, em que um a união sexual ilícita dentro da igreja, que não só quebrava a lei ju d a ica como tam bém chocava o senso pagão daquilo que é apropriado (até m esm o na atm osfera perm issiva de Corinto), era considerada por alguns m em bros da igreja com o um belo exem plo de liberdade cristã. "Não é boa a vossa jac tân c ia ," diz Paulo, nessa situação (1 Coríntios 5:6), porque se o rgu­lhavam de coisas de que deveriam envergonhar-se. Um século e meio depois, H ipólito de Rom a falaria de um grupo cham ado sim ônio que se congratulava por sua própria prom iscuidade porque (assim dizia o grupo) "é isso o que significa o perfeito am or" (Refutation ofHeresies 6.19.5).

Tais pessoas não estavam alertas para o necessidade cristã de exibirem

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(Filipenses 3:12-14) 133

um padrão de com portam ento m ais elevado do que aquele dem onstrado pelos seus vizinhos. C ontentavam -se com o fato de sua m ente estar em coisas terrenas: só pensam nas coisas terrenas. N a verdade, não havia razões para pensar que haviam sido tocados pela graça de D eus, p rocla­m ada no evangelho; suas vidas estavam longe de produzir o fru to do Espírito.

Notas Adicionais 23

3:18 / Antes da expressão inimigos da cruz de Cristo, P 46 insere "cuidado", "vigiai" (gr. b le p e te , tomado de empréstimo do v. 2). Policarpo cita a frase "inimigos da cruz" (T o th e P h i l ip p ia n s , 12:3); anteriormente, na mesma carta, ele declara que "quem não confessa o testemunho da cruz é do diabo" (7:1).

Há disputa em tomo de quem são esses inimigos. W. Schmithals vê neles os mesmos gnósticos judaico-cristãos, quando os discerne em "aquelas pessoas que praticam o mal", do v. 2; à semelhança de seus companheiros de Corínto, "colocaram o 'conhecimento' no lugar da 'loucura da cruz"' ( P a u l a n d th e G n o s t ic s , p. 107). W. Lueken (ad loc.) pensa em cristãos que não conseguem quebrar os laços familiares da velha imoralidade pagã (de modo semelhante E. Haupt [adloc.], eT . Zahn. I n t r o d u c t io n to lh e AT vol. l ,p . 539). E. Lohmeyer(ad loc.) acha que se trata de cristãos apóstatas, ou que caíram em engano; H. Appel, com mais precisão (e correção) identifica-os como sendo crentes que se confessa­vam como tal mas que abusavam da doutrina da graça, transformando-a em libertinagem ( E in le i tu n g in d a s N T , p. 5 7 ).

3:19 / Tais inimigos estão destinados à perdição (gr. a p o le ia ) , palavra usada em 1:28 para designar o destino dos perseguidores da igreja. Cf. a frase participial h o i a p o l ly m e n o i , "os que estão perecendo," usada em 1 Coríntios 1:18; 2 Coríntios 2:15; 4:3 para qualificar os que rejeitam o evangelho. Em 1 Coríntios 1:18 ela aparece num contexto que trata da cruz como esvaziada de seu poder: "para que a cruz de Cristo não se faça vã" (1 Coríntios 1:17).

Um paralelo verbal da oração "o seu deus é o ventre" está em Eurípides, C y c lo p s 334,335, em que Ciclope diz: "Não ofereço sacrifícios a nenhum deus senão a mim mesmo, e a este meu ventre, a maior das divindades" (k a i te m e g is te g a s t r i t e d e d a im o n o n ) . Schmithals acredita que as palavras de Paulo se referem a "uma desconsideração para com as leis concernentes a alimentos" ( P a u l a n d th e G n o s t ic s , p. 109); mas o próprio Paulo nutria essa desconsideração. J.-F. Collange (ad loc.) sugere que essa é a descrição dos adoradores de si próprios, que ficam contemplando seu próprio umbigo (não sendo, porém, um sentido natural para k o i l ia ) .

Em contraste com os que têm uma glória que é a sua própria vergonha, Paulo fala de si mesmo e de seus companheiros como tendo rejeitado "as coisas que por vergonha se ocultam" (2 Coríntios 4:2). (Em Judas 13 os mestres libertinos são comparados a "ondas furiosas do mar, espumando as suas próprias sujida­

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des.") J. A. Bengel (Gnomonad loc.) e alguns autores posteriores entenderam que a referência aqui se faz à circuncisão, como se o gr. aischyne ("vergonha") fosse sinônimo de aidoia-, entretanto, tal sentido dificilmente se atribui a aischyne. As coisas terrenas podem contrastar com "as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado ã destra de Deus," onde os cristãos são admoestados a pôr seus corações (Colossenses 3:1,2). Na verdade, é isto que Paulo vai dizer, a seguir.

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24. Esperança e Cidadania Celestiais(Filipenses 3:20-21)

Os verdadeiros crentes são cidadãos dos céus, onde o Senhor deles está agora. Q uando ele voltar, v indo dos céus, equipará seu povo com corpos sem elhantes ao seu, adequados para a recepção da herança celestial total.

3:20 / Ao dizer que a nossa p á tr ia está nos céus, Paulo u tiliza o substan tivopoliteuma, não encontrado em parte algum a do NT; relacio- na-se com o verbo polieuesthai, que Paulo usou em 1:27 para descrever a "conduta" dos crentes filipenses, dando ênfase especial à responsab i­lidade deles com o membros de um a comunidade. Portanto, aqui, se a p á tr ia deles está nos céus, a conduta deles também deveria ser com patível com essa cidadania.

É possível que haja, aqui, um a alusão à constituição de F ilipos. Visto ser F ilipos um a colônia rom ana, sua politeuma, o registro de seus cidadãos era m antido em Rom a, a cidade-m ãe (gr. metropolis). Sem dúvida algum a apenas um a m inoria dos m em bros da igreja possuía status de cidadania, mas a constituição da cidade seria m uito bem conhecida por todos. A tradução de M offatt: "M as, som os um a colônia dos céus," talvez expresse bem o sentim ento generalizado. A ssim como os cidadãos de um a colônia rom ana deveriam prom over os interesses de sua cidade- mãe, e m anter-lhe a dignidade, os cidadãos dos céus de igual m odo, estando num am biente terreno, deveriam representar os interesses de sua verdadeira pátria celestial, e v iver um a vida digna de sua cidadania. A p á tr ia celestial já lhes pertencia; não precisavam aguardá-la. E ntretanto, com grande anseio esperavam o Salvador, o S en h o r Jesu s C ris to , que dela viria. Esta expectativa constituía elem ento constante na pregação prim itiva apostólica: os convertidos tessalonicenses, por exem plo, fo ram ensinados a aguardar "dos céus a seu Filho, a quem ele ressuscitou dentre os m ortos, a saber, Jesus, que nos livra da ira v indoura" (1 T essalon icen­ses 1:10).

Inferir, daqui, que o apóstolo esperava, ele próprio, estar vivo ainda, a fim de aplaudir a vinda do Salvador, seria torcer dem ais as palavras de Paulo. Em 1:20-24 ele espera a m orte, que sobreviria antes do advento

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de Cristo, e no versículo 11, acim a, ele espera "chegar à ressurreição dentre os m ortos." Portanto, ao dizer agora: de onde esperam os o Salvador, Paulo expressa a atitude dos crentes em geral, sem qualquer referência especial às suas expectativas pessoais.

3:21 / Q uando o Salvador vier, transform ará o nosso corpo dehum ilhação. Em 1 Coríntios 15:42-53 há um a declaração m ais com ple­ta. Q uer os crentes tenham m orrido, quer ainda estejam vivos po r ocasião do segundo advento, deverão passar por um a transform ação, a fim de herdar o reino eterno de Deus. Os mortos receberão um "corpo espiritual" que substituirá o "corpo natural" que se desintegrou; a m ortalidade dos que ainda estiverem vivos será "revestida de im ortalidade." Tanto os m ortos que ressuscitarão quanto os vivos que se transform arão, tendo tido até então "a im agem do [homem] terreno" (o prim eiro Adão, de acordo com a narrativa de Gênesis 2:7), dali em diante assum em a "im agem do [homem] celestial".

Esta últim a declaração é expressa aqui de m odo ligeiram ente d iferen­te, quando Paulo afirm a que Cristo transform ará o nosso corpo de hum ilhação, para ser conform e o seu corpo glorioso (lit., "o seu corpo de glória") — isto é, o corpo glorificado de Cristo, Os corpos que os crentes em Cristo terão na era vindoura serão da m esm a ordem celestial que seu corpo ressurreto. "A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de D eus" (Rom anos 8:19) porque sua revelação com o filhos e filhas de Deus será sua participação na glória, na qual aquele que é o F ilho de Deus por excelência há de revelar-se. "Q uando Cristo, que é a nossa vida, se m anifestar," diz Paulo aos crentes co los­senses, "então tam bém vós vos m anifestareis com ele em glória" (C olos­senses 3:4).

Segundo o seu eficaz p o d e r de sujeitar tam bém a si todas as coisas;é o poder que Cristo partilha com o Pai, que o dem onstrou ao ressuscitar a seu Filho dentre os m ortos (veja-se com entário abaixo, sobre o v. 10, "o poder de sua ressurreição"). E o m esm o poder infinito exercido pelo Filho, em v irtude da autoridade que recebeu para conceder v ida a quem ele cham ar (cf. João 5:21, 25-29). A ressurreição dos crentes, a quem ele concede nova vida, é um a fase do exercício, porparte do Filho, da autoridade que o Pai lhe deu: "Pois convém que ele reine," diz Paulo aos coríntios, "até que haja posto a todos os inimigos debaixo dos seus pés" (1 Coríntios 15:25, ecoando Salmos 8:6; 110:1).

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(Filipenses 3:20-21) 145

Paulo não sabia, nem pretendia saber, quando o segundo advento ocorreria. Já se disse algo acerca de sua própria perspectiva de m udança, no com entário de 1:23. A assim cham ada dem ora da p a r o u s i a não envolveu um a torturante reavaliação dele m esm o e de sua teologia, com o às vezes se tem afirm ado. A certeza do segundo advento provém da fé; a data de ocorrência fica inacessível ao cálculo curioso. Cada geração sucessiva da igreja goza do privilégio de v iver como se fosse a geração que haverá de saudar o retorno de Cristo.

Notas Adicionais 24

3:20/ Quanto à cidadania romana, consulte-se A. N. Sherwin-White, R o m a n S o c ie t y a n d R o m a n L a w in th e N e w T e s ta m e n t p p . 78-80 e T h e R o m a n C i t i z e n s - h ip \ quanto à relevância para Filipenses 3:20, veja-se E. Stauffer, N e w T e s ta ­m e n t T h e o lo g y pp. 296,297. Quanto à metrópolis celestial cf. Gálatas 4:26 ("a Jerusalém que é de cima é livre, a qual é mãe de todos nós"). Quanto a algumas analogias gentílicas, consultem-se Platão, R e p u b l ic 9.592B (sobre o padrão da cidade ideal edificada no céu); e Marco Aurélio, M e d i ta t io n s 3:11 ("querida cidade de Deus").

E. Lohmeyer (ad loc.) chama a atenção para a estrutura rítmica do texto iniciado com as palavras: de onde esperamos o Salvador, como se Paulo estivesse citando um hino cristão, ou uma confissão de fé cristã, sem necessa­riamente concordar com todas as suas minúcias (assim também crêem E. Giittgemanns, D e r le id e n d e A p o s t e i u n d s e in H e r r pp.246, 247; J. Becker, "Erwagungen zu Phil 3, 20-21," T Z 27 (1 9 7 1 ) , p p . 1 6 -2 9 ) . A lé m d o m a is , a

p a l a v r a S a lv a d o r (g r. s o te r ) não aparece noutras passagens paulinas, exceto em Efésios 5:23 e nas cartas pastorais. Contudo, a redação de Filipenses 3:20, 21 (especialmente no que concerne a corpo no v. 21) tem total coerência com o ensino geral de Paulo; veja-se R. H. Gundry, " S o m a " in B i b l i c a l T h e o lo g y , pp. 177-83.

J.-F. Collange (ad loc.), R. P. Martin (ad loc.), e outros apontam para uma série extraordinária de paralelos entre esta passagem e 2:6-11. Dentre estas outras, M. D. Hooker vê 3:20,21 como transportando a linha de pensamento de 2:6-11: em 2:6-8 temos uma descrição de como Cristo se tomou como um de nós; em 2:9-11 temos um relato do que ele é agora, e em 3 :20,21 ficamos sabendo como, mediante o poder que lhe foi concedido, ele nos fará semelhantes a ele mesmo ("Interchange in Clirist." J T S n.s. 22 (1971), pp. 356, 357; e "Philippians 2:6-11," em J e s u s u n d P a u lu s , ed. E. E. Ellis e E. Grasser, p. 155).

Quando Paulo afirma que "a nossa pátria está nos céus," usando o gr. h y p a r c h e i ("já") mas, aponta para o futuro, quando se dará a sua consumação, no advento de Cristo, o apóstolo ilustra o intercâmbio da escatologia ocorrida com a futura, no NT; quanto a esta e a outras características da presente passagem, veja-se A. T. Lincoln, P a r a d i s e N o w a n d N o t Y et, pp. 87-109.

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136 (Filipenses 3:15-21)

3:21 / O ' 'corpo de humilhaçao" (s o m a te s ta p e in o s e o s h e m o n ) é o mesmo "corpo natural" (lit. "da alma"), o u s o m a p s y c h ik o n de 1 Coríntios 15:44, assim chamado porque é herança do primeiro Adão, que se tomou "alma vivente" (p sy c h e z o s a , Gen 2:7, LXX). O "corpo espiritual" ( s o m a p n e u m a t ik o n ) de 1 Coríntios 15:44 tem esse nome porque Cristo, o "último Adão," tomou-se pela ressurreição "um espírito doador de vida" (p n e u m a zo o p o io u n , 1 Coríntios 15:45). Em 1 Coríntios 15:42-50, como na passagem atual, o corpo do crente deverá parecer-se ao corpo ressurreto de Cristo.

Com a expressão para ser conforme o seu corpo glorioso (gr. s y m m o r p h o n , " c o n fo rm á ve l" ) p o d e m o s c o m p a r a r ”c o n fo r m a n d o -m e ( s y m m o r p h iz o m e n o s )

com ele na sua morte," no v. 10, acima. "Se fomos plantados juntamente com ele na semelhança da sua morte, também o seremos na da sua ressurreição" (Romanos 6:5).

Segundo o seu eficaz poder (gr. e n e r g e ia ) de sujeitar também a si todas as coisas — ele cumpre o que se diz a respeito do homem no Salmo 8:6 ("Fazes [Deus] com que ele [o homem] tenha domínio sobre as obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo de seus pés") e do rei Davi no Salmo 110:1 ("Assenta-te à minha mão direita, até que ponha os teus inimigos por estrado dos teus pés"). Veja-se 1 Coríntios 15:24-28; Hebreus 2:5-9.

Quanto à iminência e "demora" do segundo advento, veja-se A. L. Moore, T he P a r o u s ia in th e N e w T e s ta m e n t, pp. 108-74; também S. S. Smalley, "The Delay ofthe Parousia," J B L 83 (1964), pp. 41-54.

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25. Exortação para Permanecer Firme(Filipenses 4:1)

4:1 / M ais um a vez Paulo exprim e sua alegria e orgulho por causa de seus am igos filipenses, encorajando-os de novo a que perm aneçam firm es na vida cristã (cf. 1:27). De m odo m ais particular, no contexto atual, Paulo os estim ula a perseverar, resistindo contra aquelas in flu ên ­cias sobre as quais acabou de adverti-los — influências que poderiam m inar-lhes a estabilidade cristã. Entretanto, a satisfação que Paulo en ­contra entre esses amigos, ao escrever-lhes e ao lem brar-se deles, sugere que tais influências danosas ainda não haviam penetrado naquela igreja, como de fato já havia acontecido em outras igrejas.

Notas Adicionais 25

4:1 / saudosos irmãos: é a tradução do adjetivo verbal epipothetos, "de quem tenho saudades." Esta forma não aparece noutras partes do NT, mas o verbo epipothein é freqüente: ocorre duas vezes nesta carta — em 1:8, onde Paulo fala de "sentir saudades" de todos (veja-se a nota adicional sobre 1:8), e em 2:26, onde ele se refere à ansiedade de Epafrodito em vê-los.

Minha alegria e coroa; cf. 1 Tessalonicenses 2:19, em que Paulo e seus companheiros, de olhos postos no segundo advento de Cristo, chamam os crentes tessalonicenses de "gozo, ou coroa de glória" (NIV: "nosso gozo, ou coroa em que nos gloriamos"). Em ambas as passagens a "coroa" é stephanos, o laurel concedido ao vencedor nosjogos (não diadema, símbolo de soberania).

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26. Novo Apelo em Prol da Unidade(Filipenses 4:2-3)

A dois m em bros da ig reja Paulo roga, m encionando seus nom es, que alcancem unanim idade de espírito, com o irm ãs em Cristo; a um de seus colaboradores Paulo roga que as ajude nesse esforço.

4:2 / E vódia e Síntique evidentem ente eram dois m em bros ativos da ig reja filipense, talvez m em bros fundadores. Considerando o fato de que (numa carta destinada a ser lida na igreja) Paulo roga a cada um a, pelo nom e, que sintam o m esm o no Senhor, podem os deduzir que o desa­cordo entre elas, não im portando sua natureza, representava um a am eaça à unidade da igreja, com o um todo (de m odo especial em vista da preem inência e influência de que gozavam ). Entretanto, desse fato, que apenas duas irm ãs são m encionadas nom inalm ente — pode-se inferir que essa dissensão pessoal seria excepcional naquela com unidade particular.

4:3 / Q uem é colocado em evidência com o leal com panheiro de jugo de Paulo? Era sim plesm ente alguém que não precisava ser identificado: todos, inclusive a pessoa assim qualificada, sabiam de quem se tratava.

A sugestão bastante atraente que apresentam os é que se tratava de Lucas. Se Lucas fo i o autor de Atos, ou pelo m enos da narrativa na prim eira pessoa do plural ("nós"), podem os inferir que ele estava em Filipos durante parte do tem po, ou na m aior parte do tem po, entre a prim eira evangelização do povo e a breve v isita de Paulo à cidade, antes de lançar-se em sua últim a viagem a Jerusalém (cf. A tos 16:17 com 20:5). Portanto, se esta parte da carta coincide com esse período (como as afin idades com 2 Coríntios parecem sugerir), é bem possível que Lucas seja o leal com panheiro de jugo. De outra form a, a identidade desse colaborador torna-se assunto de especulações mais amplas.

O leal com panheiro de jugo é exortado a cooperar no caso de Evódia e Síntique, a fim de que a valiosa contribuição delas à vida e ao testem unho da com unidade não seja prejudicada pela dificuldade em entrarem num acordo. Paulo concede às duas m ulheres um tributo notável, ao afirm ar que essas m ulheres... trabalharam com igo no evangelho. Eis um term o vigoroso, em prestado do atletism o (o m esm o

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136 (Filipenses 3:15-4)

verbo synathlein aparece em 1:27, "com batendo ju n tam en te com o m esm o ânim o pela fé do evangelho"). Isto não indica que as colabora- doras de Paulo do sexo fem inino desem penharam funções de m enor im portância, em com paração com os colaboradores do sexo m asculino.

Paulo se recorda delas, e pensa noutros colaboradores que con tribu í­ram nobrem ente no esforço com um . De Clem ente, m encionado pelo nom e, nada m ais sabem os: visto que seu nom e é latino, é concebível pensar que ele seria cidadão de Filipos. Q uanto a todos os outros cooperadores, Paulo observa que seus nom es estão no livro da vida — a lista oficial dos habitantes do reino celestial. Livro da vida é expressão encontrada no AT para exprim ir as pessoas que sobreviveram a um desastre, passando a gozar um período extra de vida na terra, com o em Isaías 4:3: "todo aquele que estiver inscrito entre os vivos em Jerusalém ." (Cf. tam bém Êxodo 32:32; Salmos 69:28; Ezequiel 13:9). Em D aniel 12:1 e no NT essa figura de linguagem é usada mais para as pessoas que

fo ram adm itidas à vida eterna, cujos "nom es estão escritos no céu" (Lucas 10:20; cf. H ebreus 12:23). A m aldição do Salmo 69:28 ("Sejam riscados do livro da vida, e não sejam inscritos com os ju s to s" ) passa por reversão em A pocalipse 3:5, adm itindo crentes destem idos que ganham vitória espiritual: "De m aneira nenhum a riscarei o seu nom e do livro da v ida." No dia do ju ízo final, em A pocalipse 20:11-15, o "livro da v ida" (cf. A pocalipse 13:8; 17:8) é aberto e "todo aquele que não fo i achado inscrito no livro da vida, foi lançado no lago de fogo."

Entretanto, Paulo pode estar denotando aqui algo m ais do que a posse da vida eterna (que é a herança de todos os crentes); a im plicação pode ser que a obra evangelística realizada pelos seus cooperadores está registrada, ao lado de seus nom es, no livro da vida.

Notas Adicionais 26

4:2 / Diz Paulo: Rogo a Evódia, e rogo a Síntique, que sintam o mesmo;a repetição do verbo rogo a (gr. parakaleo) antes de cada nome, como se ele estivesse se dirigindo pessoalmente, primeiro a uma e em seguida à outra ("Por favor, Evódia; por favor, Síntique..."), é digna de nota.

Que sintam o mesmo: gr. to autophronein, traduzido por "tenhais o mesmo modo de pensar" em 2:2a. Nada existe que sugira um desacordo em tomo de alguma agitação gnóstica, como se as duas mulheres pusessem em perigo a unidade da igreja "ao abrir as portas— talvez como líderes de igrejas domésticas— para os gnósticos" (W. Schmithals, Paul and the Gnostics, pp. 112-14).

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É infrutífero tentar identificar uma delas com a Lídia de Atos 16:14,40, como se Lídia não fosse nome próprio, mas significasse "a mulher lídia" (da região de Lídia, cf. a menção de Tiatira em Atos 16:14).

4:3 / O leal companheiro de jugo foi identificado como sendo Lucas por M. Hájek ("Comments on Philippians 4:3 — who was 'G n e s io s S y z y g o s '? " C o m - m u n io V ia to r u m 1 [1964], p. 261-62) e T. W. Manson. O adjetivo leal (gr. gnesios leva alguns a optar por Timóteo, como por ex. J.-F. Collange e G. Friedrich (cf. o advérbio g n e s i o s em 2:20, com nota adicional ad loc.). E possível que Timóteo houvesse recebido instruções verbais, antes de partir para Filipos; todavia, a inclusão dessas instruções na carta asseguraria que quando a mesma fosse lida em público, na igreja, sua autoridade para tomar providências nesta questão ficaria assegurada. Esta última consideração também se aplicaria a Epafrodito, o leal companheiro na opinião de Marius Victorinus e J. B. Lightfoot. Muitos comentadores julgam que Syzygos é nome próprio, e não o substantivo comum que significa companheiro de jugo: assim opinam K. Barth, P. Benoit, P. Ewald, J. Gnilka, E. Haupt, J. J. Müller, K. Staab. Mas, G. Delling salienta (T D N T voX . 7, pp. 748-50) que não existem provas de Syzygos ser nome próprio; ele próprio prefere achar que se trata de Silas (Silvanus), companheiro de Paulo na evangelização de Filipos.

O fato de a palavra grega s y z y g o s (à semelhança da palavra portuguesa "companheiro, companheira") às vezes tero sentido de "cônjuge", levoualguns a ver esse sentido aqui — como se Paulo tivesse uma esposa residente em Filipos (quem senão Lídia?) e estivesse pedindo a ela que ajudasse a resolver a questão entre Evódia e Síntique. Tal interpretação aparentemente teria sido aprovada por Clemente de Alexandria (Sfrom.3.6.53.1) e defendida por Erasmo; cf. também E. Renan, S t. P a u l, p. 76; S. Baring Gould,/! S tu d y o fS t . P a u l (London: Isbister, 1987), pp. 213-16. Todavia, o adjetivo leal ou "genuíno" (g n e s ie , vocativo) que qualifica s y z y g o s , aqui, certamente é masculino. A idéia pertence à ficção romântica, e não à exegese histórica.

W. Schmithals sugere que o endereçamento (agora perdido) da carta, à qual esta seção pertencia originalmente, teria sido feito a uma pessoa pelo nome (e.g., um líder da comunidade, ou talvez um dos primeiros convertidos dentre os filipenses); esta pessoa seria, então, o leal companheiro (P a u l a n d th e G n o s t ic s , pp. 76,77). E melhor reconhecer que a identidade do leal companheiro era do conhecimento perfeito da igreja filipense, e que nós só podemos fazer conjec­turas, nesse caso.

142 (Filipenses 3:18-76)

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27. Convite Reiterado a Regozijar-se (Filipenses 4:4)

Paulo repete e enfatiza a exortação de 3:1.

4:4 / O advérbio sem pre deixa bem claro que isto não é m era fórm ula de despedida; o verbo regozijai-vos é em pregado em seu sentido total. C om pare-se com 1 T essalonicenses 5:16, "R egozijai-vos sem pre." Aqui, está bem claro que o Senhor deve ser o m otivo dessa alegria.

O utra vez digo: o verbo está no fu turo , sem qualquer am bigüidade (ero). "Eu já disse um a vez," é o que Paulo pretende dizer, "e eu o direi pela segunda vez" (para m aior ênfase).

Notas Adicionais 27

4:4 /E m The N T: An American Translation este versículo é traduzido assim: "Adeus, e que o Senhor esteja para sempre convosco. Digo-o outra vez: Adeus." Cf. a tradução, nesta obra, de 3:1, com E. J. Goodspeed, Problems o fN T Translation, pp. 174, 175.

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28. Estímulo à Fé (Filipenses 4:5-7)

A certeza da presença do Senhor, a confiança em poder aproxim ar-se de D eus m ediante oração e ações de graças e a conseqüente paz no coração se m anifestarão num a atitude de cortesia para com todos.

4:5 / A m oderação inculcada aqui é traço do caráter cristão. Em 2 Coríntios 10:1, Paulo fala de "mansidão" ou "benignidade" de Cristo, m ediante a qual o crente consegue suportar com paciência até m esm o o abuso da parte de outrem (cf. Sabedoria 2:19). M ediante a moderação o crente sabe como parar pela graça, não insistindo em seus direitos. M atthew Arnold traduziu o termo grego por "doce razoabilidade", que se tomou term o de uso comum. Quando Pórcia, de Shakespeare, diz a Shylock, em "M ercador de Veneza" 4:1:

Ainda q u e ju stiça seja o teu pleito, lem bre-se:No curso da ju s tiça ninguém dentre nós D everia ver salvação... falei tudo isto A fim de abrandar a ju s tiça de teu pleito,

ela está-lhe recomendando o cultivo da m oderação, que seria atributo proveniente do próprio Deus.

Os crentes devem m anifestar esta virtude em seu relacionam ento com as dem ais pessoas, e perante o Senhor.

Perto está o Senhor. Pode significar que "a volta do Senhor está próxim a," "o Senhor vai regressar em breve"; é algo que Paulo poderia ter dito (cf. 3:20), no espírito das instruções de Jesus a seus discípulos, que deveriam proceder como servos que aguardam a seu senhor (Lucas 12:42-48). Entretanto, as palavras do apóstolo podem im plicar perto quanto a lugar ou perto no tempo. "Perto está o Senhor" é certeza reiterada perante seu povo no AT (cf. Salmos 34:18; tam bém Salmos 119:151; 145:18). Se o único elem ento em vista fosse o tem po, alguém

poderia ju lgar que essa certeza seria m ais válida para os que estarão vivos um pouco antes da data desconhecida do advento do Senhor, e m enos válida para os que viveram m uito antes; contudo, segundo o sentido provável das palavras de Paulo, aqui, o Senhor está sem pre igualm ente perto de seu povo, sem pre "perto". "Cristo está, portanto, sem pre à nossa

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(Filipenses 2:17-77a)99

porta; tão perto estava há dois mil anos como está agora, e não m ais perto hoje do que ontem , e não m ais perto no advento do que agora" (Newm an, p. 241).

4:6 / Visto que "perto está o Senhor," a exortação a seu povo é: não andeis ansiosos por coisa algum a. Isto se enquadra no ensino do próprio Jesus a seus discípulos: "Não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de com er ou beber; nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de v e s tir ... não andeis ansiosos pelo dia de am anhã, pois o am anhã se preocupará consigo m esm o" (M ateus 6:25-34). A existência cristã num m undo pagão era cheia de incertezas: perseguições de um tipo ou outro sem pre constituía um a possibilidade, e tornar-se m em bro de qual­quer associação patrocinada por divindades pagãs era algo im possível, o que resultava em desvantagem econôm ica. Entretanto, se o Senhor estivesse perto, não havia razão para ansiedade. Jesus havia estim ulado seus discípulos a elim inarem a ansiedade porque o Pai celeste, que alim enta os pássaros e veste a erva do cam po com flores, sabia de suas necessidades e podia m uito bem supri-las (M ateus 6:26-32 par. Lucas 12:24-30). De m odo sem elhante Paulo ensina: mas em tudo, pela oração e pela súplica , com ações de graças, sejam as vossas petições conhecidas diante de Deus. O apóstolo usa três palavras gregas para "oração", aqui. Há pequenas d iferenças de sentido entre essas palavras mas o principal efeito no uso de todas as três é a ênfase na im portância, na vida cristã, da constância na oração de fé, plena de expectativa. À sem elhança de seu M estre, Paulo age com m áxim a certeza de que um elem ento essencial da oração é que se peçam coisas a D eus com o m esm o espírito de confiança que as crianças dem onstram quando pedem coisas a seus pais. Na oração que Jesus ensinou a seus discípulos, para que a usassem ao dirigir-se ao Pai celeste, o Senhor incluiu o pão de cada dia ao lado da vinda do reino à terra.

Acim a de tudo, a lem brança de bênçãos passadas constitui salvaguar­da contra a ansiedade quanto ao futuro: essa m em ória acrescenta con­fiança à oração que roga m ais bênçãos. Eis aqui a im portância das ações de graças na verdadeira oração.

4:7 / Se os filipenses acatassem esse estím ulo, em lugar da ansiedade eles gozariam de paz no coração. Jesus, em João 14:27, concedeu a seus discípulos "a m inha paz," que ele deu não "com o o m undo a dá."

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136 (Filipenses 3:15-7)

Portanto, aqui, a paz que os filhos de D eus recebem é a paz de D eus, que excede todo o entendim ento. Paz que "ultrapassa toda im aginação" (F. W. Beare); vai além de tudo quanto a sabedoria hum ana consegue planejar. E sta paz será "fortaleza", guardará os vossos corações e as vossas m entes, m antendo do lado de fo ra a ansiedade e outros intrusos: guardará os crentes em Cristo Jesus.

A paz de D eus pode significar não apenas a paz que ele m esm o concede (cf. R om anos 5:1) mas a serenidade em que o próprio D eus vive: D eus não está sujeito à ansiedade.

Notas Adicionais 28

4:5 / moderação: gr epieikes, adjetivo neutro; cf. o substantivo abstrato epieikeia, "benignidade," em 2 Coríntios 10:1. Aristóteles descreve epieikeia como aquilo que não apenas é justo porém melhor ainda do que a justiça (Nicomachean Ethics 5.10.6). Há ocasiões em que a insistência estrita na letra da lei (como no caso da libra de carne de Shylock) induz à injustiça; epieikeia- reconhece essas ocasiões e sabe como agir quando elas surgem. "Para o emprego correto dos métodos e dos segredos de Jesus, precisamos da epieikeia, a doce razoabilidade (benignidade) de Jesus" (M. Amold, Literature and Dogma, London: Smith, Elder, 1900, p. 225.) Veja-se também R. Leivestad, "The Meekness and Gentleness of Christ," N TS (1965-66), pp. 156-64.

Perto está o Senhor. (Gr. ho kyrios engys.) O advérbio engys pode significar "perto" quanto a lugar ou quanto a tempo; quem decide o significado normal­mente é o contexto.

4:6/ em tudo, pela oração...: das três palavras utilizadas neste versículo para "oração," a primeira (proseuche) é termo genérico para oração a Deus; a segunda (deesis) enfatiza o elemento de petição, a súplica em oração; e a terceira (aitema) significa aquilo que se está pedindo.

4:7 / guardará (ou "será como fortaleza"), gr. phrouresei. Em Colossenses 3:15 Paulo usa uma figura de linguagem diferente: a paz de Cristo "domine em vossos corações" (gr. brabeuein "seja árbitro", lit.,). NIV traz: "que a paz de Cristo reine em vossos corações."

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29. Segunda Conclusão: Alimento para a Mente(Filipenses 4:8-9)

Os leitores são exortados a que, no pensam ento e tam bém na ação, se concentrem naquelas coisas que são boas em si m esm as e b enéficas a todos.

4 : 8 / Q uanto ao m ais, irmãos: praticam ente a m esm a redação de 3:1.Se "a m ente é colorida segundo a cor dos pensam entos em vigília ,"

aquilo em que a pessoa pensa dá personalidade à vida. É necessária boa alim entação para a saúde física, tanto quanto é necessário que haja bons pensam entos para que haja saúde m ental e espiritual. Paulo faz um a lista de seis desses bons pensam entos e, em seguida, exorta os filipenses: nisso pensai; isto é, "levai estas coisas em consideração" ou "em vossas decisões considerai estas coisas" (F. W. Beare). Colocai as vossas m entes nelas, diz o apóstolo, e tendo fixado nelas o vosso pensam ento, p lanejai e trabalhai de acordo com tudo o que é:

(1) verdadeiro. Poderia tratar-se de advertência contra indulgência m ental em fan tasias ou difam ações infundadas. Todavia, há coisas v e r­dadeiras factualm ente em que não devem os fix ar o pensam ento: tudo o que é verdadeiro possui as qualidades m orais de retidão e confiança, de realidade em contraposição à m era aparência.

(2) honesto. Esta palavra (gr. semnos) é particularm ente com um nas cartas pastorais; esta é a única vez que ocorre no NT, fo ra daqueles três docum entos. A m ente que se concentra em assuntos desonestos corre o perigo de tornar-se desonesta. H onestidade é o contrário da duplicidade de caráter que avilta a m oral, sendo incom patível com a m ente de Cristo.

(3 ) ju sto . (Gr. dikaios.) N ão é necessário e n fa tiz a ra im portância dos pensam entos e planos ju sto s: o próprio Deus é ju s to e am a a ju s tiç a em seu povo (Salm os 11:7). O reverso disso nós o encontram os no hom em iníquo que "m aquina o m al na sua cam a," a fim de executá-lo depois, à luz do dia (Salm os 36:4; cf. A m ós 8:4-6).

(4) puro. Esta palavra (gr. hagnos) tem o sentido genérico de inocên ­cia (como em 2 C oríntios 7:11) ou o sentido especial de castidade (como em 2 C oríntios 11:2). Pureza de pensam ento e de propósito é condição p relim inar indispensável para a pureza na palavra e na ação, em oposição

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160 (Filipenses 4:10-13)

à "prostituição, e toda sorte de im pureza ou cobiça" que nem sequer devem ser m encionadas entre o povo de D eus (Efésios 5:3).

(5) amável. (Gr. prosphiles.) Tudo que é am ável se auto-recom enda pela atração e encanto intrínsecos. São aquelas coisas que proporcionam prazer a todos, não causando dissabor a ninguém , à sem elhança de um a fragrância preciosa.

(6) de boa fam a. (Gr. euphemos.) U m a coisa tem boa fam a neste sentido quando m erece e usufru i "reputação adm irável." A m ente que se fixa nestas coisas, em vez de naquelas que são desonrosas, tem m uitas co isas em com um com o am or, que se a leg ra quando tra z a v e rd ad e às o u tras p e sso a s , e ja m a is nas co isas que lhes trazem d esc réd ito (1 C orín tios 13:6).

H á um a qualidade rítm ica no texto grego do verso 8 (como tam bém na fam iliar tradução KJV: "Todas as coisas que são verdadeiras..."). Isto sugere que Paulo poderia estar citando certas palavras bem conhecidas de adm oestação ética. As virtudes que ele relaciona não são especifica­mente cristãs; todavia, são excelentes e elogiáveis sem pre que encontra­das. Entretanto, num contexto cristão com o este em que se apresentam , tais palavras adquirem nuances distintas, associadas à m ente de Cristo.

Então, estas coisas — em si m esm as revestidas de virtude, plenas de louvor — devem ocupar nosso pensam ento, participar de nossos planos; os resultados serão benéficos para a v ida e para a ação.

4:9 / M ais um a vez a tecla da im itação de Paulo é acionada. M ediante ensino e exem plo Paulo tem dem onstrado a seus convertidos com o viver e com o agir, inculcando neles, assim , a tradição ética derivada dos ensinos e exem plo de Jesus. Se eles puserem em prática estas lições (o que aprendestes, e recebestes, e ouvistes de m im , e em mim vistes, isso fazei) a conduta deles será a exteriorização dos hábitos m entais inculcados no versículo 8.

E o D eus de paz será convosco. Deus é um D eus de paz. Não se trata apenas dele nos conceder paz; a paz pertence ao seu caráter divino. Deus é o "autor da paz e da concórdia": a inim izade e a dissensão provêm de nossa "natureza pecam inosa" (Gálatas 5:19-21). Possuir o próprio Deus da paz é ainda m elhor do que ter apenas a paz de D eus (v. 7). "O Deus de paz" é designação recorrente de Deus no NT — de m odo especial nos fina is das cartas de Paulo (R om anos 15:33; 16:20; 2 C orín tios 13:11;1 T essalonicenses 5:23) e tam bém em H ebreus (13:20).

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(Filipenses 4:8-13) 161

Notas Adicionais 29

4:8 / Quanto ao mais, irmãos (gr. to lo ip o n , a d e lp h o i)- . o pronome posses­sivo "meus" (gr. m ou.) está ausente, estando expresso em 3:1. Quanto à repetição de to lo ip o n , consultem-se pp. 27,29 e 110, acima.

Honesto: gr. s e m n o s , "muito digno." A qualidade de s e m n o te s , de acordo com Aristóteles, é "uma gravidade amena e decente" ( R h e to r ic 2 .1 7 4 ) ; é o m e io t e r m o e n tr e a r e s k e ia , " o b s e q u i o s i d a d e , " "subserviência," e a u th a d e ia , teimosia grosseira ( E u d e m ia n E th ic s , 2.3.4).

De boa fama: J. B. Lightfoot (ad loc.) sugere um sentido ativo para este adjetivo e u p h e m o s - , "falar bem de" em vez de "ter boa reputação." NIV traz "admirável."

Se há alguma virtude: lit., "se há alguma bondade" (gr. a r e te ) , "virtude," "excelência," palavra que Paulo não usaria outra vez, em seus escritos.

Nisso pensai: gr. lo g iz e s th e , "considerai," "levai em consideração."4:9 / recebestes: Gr. p a r e la b e t e . Deveríamos talvez reconhecer aqui o verbo

p a r a la m b a n e in no sentido de "receber por tradição" (sendo o correlativop a r a - d id o n a i , "entregar como tradição"), como em 1 Coríntios 15:1; Gálatas 1:9; Colossenses 2:6; 1 Tessalonicenses 4:1 • Atradição ( p a r a d o s is ) de Cristo no NT possui três componentes principais: (1) um resumo da história do evangelho, quer sob a forma de pregação ( k e r ig m a ) , quer de confissão de fé (h o m o lo g ia );(2) uma narrativa das palavras e obras de Cristo; (3) princípios gerais éticos e comportamentais que possam reger a vida cristã. O que se tem em mira aqui é a terceira destas categorias de tradição. Veja-se R. P. C. Hanson, T r a d it io n in th e E a r l y C h u r c h ; F. F. Bruce, T r a d it io n O l d a n d N e w .

Na apresentação do exemplo de Paulo, aqui, como em 3:17, W. Schmithals faz distinção, discernindo uma nota polêmica, como se Paulo estivesse adver­tindo os filipenses contra o que eles poderiam ter "aprendido, recebido e visto" em contato com terceiros (P a u l a n d th e G n o s t ic s , pp. 112, 113).

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30. Suficiência de Paulo (Filipenses 4:10-13)

Paulo chega agora a um a das principais razões por que está escreven­do. Se esta nota (4:10-20) era parte integrante da carta principal, o apóstolo a reservou para o fim com o objetivo de dar-lhe ênfase — sua expressão de gratidão pela oferta que E pafrodito lhe trouxera da igreja de Filipos.

4 :1 0 /M u ito me regozijo no Senhor, significando "apresentei alegres agradecim entos ao Senhor" (quando recebi vossa oferta). Paulo agradece aos crentes filipenses a oferta que lhe enviaram , m as seu "regozijo" deriva principalm ente da evidência que esse fato representa de os f i l i­penses terem contínuo desejo ardente de cooperar com Paulo no evan­gelho.

A lguns com entadores acham a redação de Paulo aqui bastante estra­nha, em se tratando de um a expressão de gratidão: D ibelius se refere ao "agradecim ento sem graças" de Paulo. Todavia, as palavras dele devem ser lidas à luz do m útuo e profundo afeto existente entre ele e a igreja filipense, e à luz do bem -docum entado hábito financeiro de Paulo.

O advérbio finalm ente pode im plicar, se tom ado só em si m esm o, que os filipenses perm itiram que um longo período de tem po decorresse desde que haviam enviado a últim a oferta a Paulo; todavia, o contexto nos revela que não há base para tal ponderação. É concebível, isto sim, que no endereçam ento, ou cabeçalho da nota que lhe enviaram jun to à dádiva, houvessem escrito algo assim: "Finalm ente tem os a satisfação de enviar-lhe um a oferta, m ais um a vez," e que Paulo, aproveitando a frase , lhes diga: "F inalm ente, com o vocês dizem ..." E ntretanto, o longo intervalo se deve, com toda probabilidade, ao costum e de Paulo no que concerne à aceitação de presentes e ofertas por parte das igrejas. Ele deixa bem claro que, se só agora renovastes o vosso cuidado a m eu favor, isso não se deveu a alguma interrupção no interesse da parte deles, mas antes, ao fato de faltar-lhes oportunidade para m ostrá-lo. E por que não tiveram tal oportunidade? Porque o próprio apóstolo os privara dela.

Na M acedônia — especialm ente em Tessalônica — e tam bém em Corinto, Paulo verificara que se aceitasse ajuda financeira para si m esm o, da parte de seus convertidos, seus adversários deturpariam esta idéia,

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(Filipenses 2:17-80a) 99

com m alícia, dizendo que Paulo queria viver às custas da igreja. (Tais detratores de Tessalônica aparentem ente não faziam parte da igreja; os de Corinto, sim). Daí, talvez, o pedido de Paulo a seus convertidos, para que não lhe enviassem dinheiro para seu uso pessoal. A cim a de tudo, quando o apóstolo com eçou a organizar um fundo de socorro à igreja de Jerusalém , seu grande anseio era que todas as dádivas entregues pelas igrejas fossem canalizadas para tal fundo; ele sabia, no entanto, que ainda assim haveria pessoas que aproveitariam a ocasião com o pretexto para dizerem que o dinheiro arrecadado com o ajuda aos pobres estava sendo desviado para o bolso do próprio Paulo. Sabemos que as igrejas m ace- dônicas haviam feito o m áxim o no partilham ento de seus recursos, a fim de contribuir para aquele fundo de socorro (2 C oríntios 8:1-5).

Todavia, a esta altura o dinheiro dos pobres já havia sido coletado e enviado a Jerusalém . D urante visita a Jerusalém , ao lado de rep re­sentantes das igrejas doadoras, Paulo foi preso. D epois de ter passado dois anos sob custódia, em Cesaréia, passou a m orar num a casa em Rom a, com o prisioneiro dom iciliar. M udara a situação do apóstolo: seus am igos de Filipos entenderam que agora, finalm ente, era oportuno enviar-lhe um a oferta, o que fizeram pela mão de Epafrodito.

4:11 / Paulo dem onstra grande apreciação pelo interesse dos bondosos filipenses, m as assegura-lhes que não estava em necessidade daquele tipo. A redação paulina parece sugerir que havia constrangim ento, por causa do espírito independente e sensível do apóstolo, ao dizer "muito obrigado", agradecendo um a oferta espontânea da parte de am igos tão am orosos e am ados, os irm ãos da igreja em Filipos.

A política financeira de Paulo era não viver às custas de seus conver­tidos. Ele achava que, à sem elhança dos outros apóstolos e líderes cristãos, tinha o direito de receber sustento da parte dos convertidos, m as Paulo decidiu não usufru ir desse direito (1 C oríntios 9:12; 2 Tessaloni­censes 3:9). A bagagem de Paulo era bem leve; suas posses se lim itavam às roupas do corpo e talvez algum as ferram entas de seu ofício , m ais alguns papiros e pergam inhos m encionados em 2 T im óteo 4:13. Sabia com o sobreviver com o m ínim o; na verdade, fo rçara-se a aprender em com o se contentar com pouco. Já aprendi a contentar-m e em toda e qualquer situação, diz Paulo, palavras que John B unyan expandiria no cântico do m enino pastor:

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160 (Filipenses 4:10-13)

Estou contente com o que tenho,Seja pouco ou seja muito,E é alegria o que mais alm ejo, Senhor,Porque ela indica os que salvaste.

N esta peregrinação concede-m e M edida total de alegria:Provação agora, bênção depois,Eis a bem -aventurança das gerações.

"C ontentando-vos com o que tendes" (H ebreus 13:5) — eis, pelo que parece, o preceito geral da igreja prim itiva. Esta atitude opõe-se de fren te à am bição, contra a qual Jesus (cf. Lucas 12:15) e seus discípulos pronunciaram solenes advertências, descrevendo a "pessoa avarenta" como "idolatra" (Efésios 5:5).

A palavra traduzida por contentar-m e (gr. autarkes) era com um no estoicism o denotando o ideal da pessoa totalm ente auto-suficiente. Paulo a em prega a fim de expressar sua independência das circunstâncias externas. Estava sem pre consciente de sua total dependência de Deus. O apóstolo era m ais "suficiente em D eus" que auto-suficiente: "a nossa capacidade vem de D eus" (2 Coríntios 5:5).

4:12 / Paulo acum ulava vasta experiência em passar com m enos do que o suficiente, em algum as ocasiões, e te r mais do que o suficiente, noutras ocasiões. Isso pouca diferença lhe fazia. Já aprendi a conten- tar-m e, diz ele, tom ando em prestado um term o do vocabulário das religiões m ísticas ("Eu me tornei adepto" é com o F. W. B eare o traduz). A prendi tanto a ter fartura, como a ter fom e, tanto a ter abundância, com o a padecer necessidade. Só podem os im aginar o que é que Paulo considerava abundância — tudo que estivesse acim a do m ínim o neces­sário quanto á alim entação e vestuário, sem dúvida algum a. Sendo um hom em educado em am biente elevado, sua conversão significou a entrada num novo m odo de vida. Ser cidadão de Tarso significava ser pessoa de grandes posses materiais. Entretanto, por am or de Cristo, Paulo havia dado "tam bém por perda todas as coisas" (3:8), inclusive (podem os ter certeza) sua herança m aterial; o apóstolo aprendeu, dali em diante, a sobreviver com o que pudesse ganhar m ediante seu ofício de m eio-ex- pediente, de "fazertendas" (cf. 1 Tessalonicenses 2:9; 2 Tessalonicenses 3:8; Atos 18:3; 20:34).

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(Filipenses 4:10-13) 161

4 :1 3 / Paulo não coloca a seu crédito o aprendizado da lição sobre estar sem pre contente; é graças àquele que o capacita que o apóstolo diz: Posso todas as coisas naquele que me fortalece. N a verdade, quando se tornava mais consciente de sua fraqueza pessoal é que ele m ais se certificava do poder de Cristo que nele residia. "Portanto, de boa vontade me gloriarei," diz ele, "nas m inhas fraquezas, para que em m im habite o poder de Cristo. Pelo que sinto p razer nas fraquezas, nas in júrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por am or de Cristo. Pois quando estou fraco, então é que sou forte" (2 Coríntios 12:9, 10).

Notas Adicionais 30

4:10/ M uito me regozijo: o aoristo e c h a r e n ("eu me regozijo") se refere ao momento em que Paulo recebera a oferta, mas a alegria persistia até aquele momento.

Finalmente: gr. e d e p o te . Veja-se J. H. Michael, "The First and Second Epistles to the Philippians," E x p T 34 (1922-23), pp. 106-9, quanto à opinião de que Paulo estaria citando as próprias palavras dos filipenses. Consultem-se também pp. 15-16 acima.

Renovastes o vosso cuidado a meu favor: gr. a n e th a le te to h y p e r e m o u

p h r o n e in , lit., "florecestes outra vez (intransitivo) com respeito ao vosso cuida­do para comigo" ou "fizestes com que vosso cuidado por mim florescesse outra vez" (transitivo). Este é o único exemplo no NT de a n a th a l le in (ou na verdade de th a l le in ou qualquer derivado).

M as vos faltava oportunidade: gr. e k a ir e is th e , imperfeito de a k a ir e is th a i "não ter k a i r o s (oportunidade); esta é a única ocorrência deste raro verbo, na Bíblia em grego.

4:11 / a contentar-m e em toda e qualquer situação: gr. e n h o is e im i a u ta r k e s e in a i . A ênfase estóica sobre a u ta r k e ia , no sentido de auto-suficiência, tem raízes em Sócrates; quando alguém lhe perguntou quem era a pessoa mais rica, Sócrates replicou: "Aquele que está contente com o pouco, visto que a alegria (a u ta r k e ia ) é a riqueza da natureza" (Stobaeus, F lo r i le g iu m 5.43). Quanto à independência natural de espírito e de perspectivas de Paulo, consul- te-se C. H. Dodd, "The Mind of Paul, I" em N e w T e s ta m e n t S tu d ie s , pp. 71-73.

4:12 / Descobriu-se um certo padrão rítmico nos w . 12 e 13, o qual, aqui pelo menos, não é explicado em termos de citação de outra fonte qualquer.

Em todas as m aneiras aprendi: gr. m e m y e m a i, "eu me iniciei em" (da raiz m y, deste verbo m y e in deriva-se m y s te r io n , "mistério").

4:13 / que me fortalece: lit., "que é meu fortalecedor" (gr. e n to e n d y n a m o u n t i

m e ), i. é, Cristo. Com este emprego do particípio presente de e n d y n a m o u n cf. o aoristo participial em 1 Timóteo 1:12, "dou graças àquele que me fortaleceu ( to e n d y n a m o s a n t i m e , 'aquele que me deu poder'), Cristo Jesus nosso Senhor."

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135 (Filipenses 3:15-14)

não apenas porque eles lhe enviaram um a oferta mas tam bém porque esse envio serviu de sinal da graça celestial na vida deles. U sando uma figura de linguagem , seria um depósito que efetuaram no banco celeste, que se m ultiplicaria a ju ro s com postos, para benefício deles m esm os. O objetivo dos filipenses fora que sua generosidade tivesse Paulo como alvo, e isso, de fato, aconteceu; todavia, no âm bito espiritual, o lucro perm anente pertence aos filipenses.

Notas Adicionais 31

4:14/ fizestes bem: gr. k a lo s e p o ie s a te , "vós agistes bem." Cf. Atos 10:33, k a lo s e p o ie s a s p a r a g e n o m e n o s , "bem fizeste em vir" ou "agradeço-te o teres vindo." Assim como no pretérito k a lo s p o ie in transmite a idéia de " agradeço-te," no futuro expressa um pedido: "por favor" (como em 3 João 6, "bem farás, k a lo s p o ie s e i s . "Se os encaminhares em sua jornada por modo digno de Deus, bem farás").

4 : 1 5 / 0 filipenses: o vocativo P h i l ip p e s io i possui uma forma baseada no latim P h il ip p e n s e s , como era bem apropriado a cidadãos de uma colônia romana. Compare esse vocativo com "ó insensatos gálatas," de Gálatas 3:1 e "ó coríntios," de 2 Coríntios 6:11, onde a intenção paulina é demonstrar perplexi­dade e exortação, respectivamente. Aqui em Filipenses, todavia, Paulo deseja exibir gratidão afetuosa.

No princípio do evangelho: M. J. Suggs, "Conceming the Date of Paul's Macedonian Ministry," N o v T A (1960), pp. 60-70, seguindo o sentido literal do grego, estabelece a data da evangelização da Macedônia em inícios dos anos 40. Nesse caso, seria bem no começo do ministério apostólico de Paulo; entretanto, sérios obstáculos impedem que se aceite essa datação.

4 :1 6 /não apenas uma vez, mas duas: gr. k a i h a p a x k a i d is lit., "ambasuma e duas vezes" é uma expressão idiomática que significa "mais de uma vez"; cf. L. Morris, "K ai h a p a x k a i d is" , N o v T ( \ 9 5 6 ) , pp. 203-8. Ela ocorre também em1 Tessalonicenses 2:18. Quanto à opinião de que essa frase não faz referência exclusiva à visita de Paulo a Tessalônica, consulte-se o mesmo artigo de L. Morris (p. 208) e R. P. Martin, ad loc.

4:17/fruto que aumente o vosso crédito: gr. k a r p o s , "fruto", talvez com o sentido de "juros" (se assim for, Paulo prossegue no emprego de jargão conta- bilístico; o particípio acompanhante,p le o n a z o n ta , "multiplicando", em vez de crédito, pode sugerir que se trata dejuros compostos).

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32. Reconhecimento de Dádivas Atuais(Filipenses 4:18-20)

Paulo lhes entrega o recibo da oferta e roga a Deus que os abençoe.

4:18 / Prosseguindo em seu "jargão contabilistico", diz Paulo: mas bastante tenho recebido. Se ele sabe "tanto a ter fartura, com o a ter fom e, tanto a ter abundância, como a padecer necessidade" (v. 12), os filipenses lhe proporcionaram m ais um a vez a oportunidade de ter m ais ainda. D epois que recebi de E pafrodito o que da vossa parte me foi enviado; aqui Paulo sente que está transbordando. Já havia m encionado E pafrodito com m uita apreciação (2:25-30) como sendo (diz o apóstolo) "vosso enviado para prover às m inhas necessidades"; entregar-lhe a oferta dos filipenses foi um a das m aneiras pelas quais E pafrodito o havia ajudado.

A oferta fora bem recebida por Paulo. Entretanto, o apóstolo estava engajado na obra de Deus; portanto, a oferta fora dedicada ao próprio D eus, tanto quanto a Paulo, pois foi pelo m enos tão bem -vinda para Deus com o para Paulo. Agora o apóstolo deixa de lado a linguagem da contabilidade e apela para as expressões do culto. A oferta filipense fora cheiro suave, com o sacrifício agradável e aprazível a Deus. A frase cheiro suave é encontrada repetidam ente no AT, a partir da descrição do sacrifício feito por Noé, de Gênesis 8:21 em diante; é freqüen te de m odo especial nas instruções sobre os sacrifícios levíticos (cf. Êxodo 29:18, etc.) No NT é em pregada de m odo figurado referindo-se ao auto-sacrifício de Cristo (Efésios 5:2), e expressão sem elhante se em pre­ga a respeito da auto-entrega que o povo de D eus faz a seu Senhor (Rom anos 12:1; 2 Coríntios 2:14-16; H ebreus 13:16).

4:19 / Os filipenses podem ter certeza, diz Paulo, que o que apresen­taram a D eus será am plam ente recom pensado pelo Senhor, graças aos ilim itados recursos de sua gloriosa riqueza. O apóstolo nem sequer consegue pensar na riqueza de D eus sem relacioná-las a Cristo Jesus: ele é o M ediador, através de quem todas as bênçãos de D eus passam aos hom ens. Paulo fala de m eu Deus (cf. 1:3), porque havia m uito tem po vinha experim entando o poder divino para suprir todas as suas necessi­

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136 (Filipenses 3:15-18)

dades pessoais, m ediante Cristo. Num a ocasião em que estava dolorosa­m ente cônscio de sua própria incapacidade, recebeu certeza do Senhor ressurreto: "a m inha graça te basta" (2 C oríntios 12:9), e na verdade, é essa a certeza que o apóstolo agora infunde em seus amigos.

4:20 / A expressão de agradecim ento de Paulo conclui, de m odo apropriado , com um a doxologia, a qual tam bém conclui a carta. J. B. L igh tfo o t, com entando a doxologia de G álatas 1:5, salienta que (à sem elhança da doxo log ia sob análise) não contém verbos, a rgu ­m entando que o verbo acrescentável deveria ser o ind icativo presen te "é", e não o im perativo seja. "Trata-se de um a afirm ação, e não de um desejo. Glória é o atributo essencial de Deus." (Ele se refere à doxologia de 1 Pedro 4:11, em que o verbo "pertence" aparece no texto grego, com o aparece o verbo "é" na doxologia que posteriorm ente seria acrescentada à oração dom inical, em M ateus 6:13, ECA.)

Notas Adicionais 32

4:18/ mas bastante tenho recebido: este é o sentido do gr. a p e c h o d e p a n ta (lit., "e tenho tudo"); há muitas evidências de que a p e c h o tinha o emprego contemporâneo com significado de "pago totalmente". De modo semelhante, NIV traduz a p e c h o u s in to n m is th o n a u to n em Mateus 6:2, 5, 16 assim: "já receberam sua recompensa total"; cf. A. Deissmann, B ib le S tu d ie s , p . 2 2 7 : "eles

j á p o d e m a s s in a r o r e c ib o d e s u a r e c o m p e n s a : o direito deles de receber uma recompensa é reconhecido, precisamente como se já houvessem passado o competente recibo."

4:19 / a sua gloriosa riqueza: gr. e n d o x e , "em glória". É provável que a frase não se refira à vida futura; poderia ser traduzida (com palavras amplifi- cantes) "sua abundância gloriosa." F. W. Beare presume tratar-se de expressão adverbial com o verbo "suprir" (ECA: suprirá): "meu Deus suprirá totalmente cada uma de vossas necessidades, de modo glorioso."

Em Cristo Jesus: gr. e n C h r is to le s o u , que J. B. Lightfoot toma como sendo incorporativo: "mediante vossa união com Cristo, vossa incorporação em Je­sus."

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33. Saudações Finais (Filipenses 4:21-22)

A conclusão da carta com toda probabilidade foi redigida pelo próprio Paulo.

Era com um , na antigüidade, a pessoa que enviava um a carta ditá-la, em sua m aior parte e, depois de havê-lo feito , redigir de próprio punho um a ou duas sentenças, as últim as. Não era com um a pessoa im prim ir sua assinatura pessoal, em bora Paulo o faça — talvez por razões especiais— em 1 C oríntios 16:21; Colossenses 4:18; 2 Tessalonicenses 3:17 (veja-se também como o apóstolo "assinou um vale" em Filem om 19a). Era seu autógrafo, não sua assinatura, que constituía sua m arca autenticadora em "todas as m inhas cartas" (2 T essalonicenses 3:17); assim , ele in icia a últim a parte de sua carta aos gálatas com estas palavras: "V ede com que grandes letras vos escrevi de meu próprio punho" (Gálatas 6:11).

4:21 / Paulo saúda a todos os san tos em C ris to Jesu s (quanto à designação, cf. 1:1). Na verdade, em C risto Jesu s se poderia tom ar como "saudações" ("saudai-os em Cristo Jesus" — com o irm ãos e com panhei­ros de Cristo), não fosse a analogia de 1:1, onde "em Cristo Jesus" sem dúvida liga-se a "todos os santos." S audai a todos os san tos, diz Paulo; visto que as saudações são extensivas a todos os crentes de F ilipos, a quem se dirige Paulo com o verbo saudai (im perativo plural)? Talvez aos "presbíteros e diáconos", m encionados de form a especial em 1:1; cabia a eles cuidar que a carta fosse lida, que as saudações fossem transm itidas a toda a igreja.

Não é Paulo apenas quem envia saudações; os irm ãos que estão com igo vos saúdam . Visto que os irm ãos que estão com igo são mencionados em separado, não em conjunto com todos os santos, que também "vos saúdam" (v. 22), provavelmente sejam os cooperadores de Paulo.

4:22 / Dentre os "santos" daquele lugar onde está Paulo, todos os quais vos saú d am , o apóstolo faz m enção especial aos da casa de C ésar. A casa de César incluía não só m em bros da fam ília im perial, no sentido m ais restrito, mas tam bém grande núm ero de escravos e ex-escravos. O funcionalism o público que atendia aos negócios do im pério com punha- se principalm ente de ex-escravos. Esses eram encontrados nos confins

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das províncias, por todo o im pério, mas em lugar nenhum havia um a concentração deles tão fo rte como em R om a — eram em núm ero elevado ao ponto de incluir um a proporção significativa de convertidos à fé cristã.

Se a presente carta fo i enviada d e Rom a, e as saudações em R om anos 16:3-16 foram enviadas p a r a Rom a (três ou quatro anos antes), poder- se-ia perguntar se alguns dos santos da casa de César fo ram incluídos entre os recebedores das saudações da carta anterior. M enciona Paulo dois grupos em particular que poderiam m uito bem ter pertencido ao funcionalism o público na casa de César: "a casa de A ristóbulo" e "a casa de N arciso" (Rom anos 16:10,11). M uitos com entadores b íblicos, a partir de João Calvino, têm pensado que a fam ília de N arciso incluiria os escravos de T ibério Cláudio N arciso, um rico ex-escravo do im perador Tibério, que exercia grande influência sob Cláudio, mas foi executado logo após a ascensão de Nero ao poder, em 54 d.C ., por instigação da mãe de Nero, A gripina. Os bens de N arciso teriam sido confiscados, seus escravos transform ados em propriedade im perial, d istinguindo-se dos dem ais na casa do im perador pela designação N a r c is s ia n i . A posição da fam ília de A ristóbulo presta-se a m aiores especulações. J. B. L ightfoot e outros sugeriram que esse A ristóbulo seria o neto de H erodes, o Grande (tam bém cham ado A ristóbulo), de quem se sabe ter m orado em Rom a com o cidadão com um , e à sem elhança de seu irm ão m ais velho H erodes A gripa I ("rei H erodes" de A tos 12:1"), gozava da am izade de Cláudio. Se, ao m orrer, legou sua propriedade ao im perador (não tem os evidências expressas de que ele assim fez, em bora isso fosse procedim ento com um ), seus escravos teriam sido denom inados A r is to b u l ia n i . H erodião, a quem Paulo m enciona em R om anos 16:11 entre os A r is to b u l ia n i e os N a r c i s ­

s ia n i, poderia ter tido tam bém algum relacionam ento com a fam ília de H erodes. Em época anterior, o próprio H erodes A gripa é descrito por Filo pela m esm a frase que Paulo usa aqui, isto é, com o m em bro da casa de C ésar (F la c c u s , 35).

Notas Adicionais 33

4:21 / Quanto às conclusões das cartas de Paulo, veja-se H. Gamble, T h e T e x tu a l H i s to r y o f th e L e t te r to th e R o m a n s , pp. 56-95, 143, 144, e também quanto às observações sobre Filipenses, pp. 88, 94, 145, 146.

Os irmãos que estão comigo: identificam-se com os companheiros de Paulo, ou cooperadores do apóstolo, por J. B. Lightfoot (ad loc.) e E. E. Ellis, "Paul and his Co-Workers," ATS 17 (1970-71), p. 446.

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(Filipenses 4:21-22) 169

4:22 / casa de César (K a i s a r o s o ik ia é chamada de d o m u s C a e s a r i s por Tácito fH is to r i e s 2.92); uma inscrição de 55 d.C. refere-se a p o p u lu s e t f a m í l i a C a e s a r i s em Quilia, na Península Quersonesa da Trácia. Associações (c o l le g ia de "ex-escravos e escravos de nosso Senhor Augusto" foram mencionadas numa inscrição do segundo século, de Efeso (J. T. Wood, D is c o v e r i e s a t E p h e s u s [Londres: Longmans, 1877], InscriptionsfromTombs, Sarcophagi, etc., NB. 20).

Quanto a algumas possíveis referências em Romanos 16:3-16 a alguns dos "santos da casa de César" consulte-se J. B. Lightfoot, P h i l ip p ia n s , pp. 171-78. Quanto a Narciso, veja-se Tácito, A n n a ls 13.1.4; Dio Cassius, H is to r y 60. 34; também Juvenal, Sáfí'ral4.329 (N a r c i s s ia n i ), são mencionados em C IL 3.3973; 6.15640). Quanto a Aristóbulo, veja-se Josefo, W a r \ .5 5 2 \ 2.221: A n t. 18.133, 135, etc.

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34. Ação de Graças - Bênção (Filipenses 4:23)

Ações de graças sob o feitio de bênção é a característica m ais usual das conclusões das cartas de Paulo. Há variações de texto mas, no sentido, elas dizem o m esm o, de m odo uniform e. Fora dos escritos de Paulo, o NT apresenta bênçãos e graças em H ebreus 13:25 e A pocalipse 22:21; a carta de Clem ente de Rom a tam bém term ina com bênção (1 Clem ente 65.2). Essa form a redacional poderia ter sido im plantada no uso epistolar, proveniente da bênção pronunciada no final do culto cristão.

4:23 / seja com o vosso espírito: aqui vosso espírito é apenas um m eio m ais enfático de dizer-se "convosco" (equivalente a "com vocês"). V eja-se tam bém 2 T im óteo 4:22.

O texto é idêntico ao de F ilem om 25, e sem elhante ao de Gálatas 6:18, em que o adjetivo "nosso" qualifica "Jesus Cristo", havendo um vocati­vo, "irm ãos" e um "Am ém " conclusivo.

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Posfácio

Não é nada fácil para nós, no m undo ocidental de hoje, im aginar o que deveria significar a pessoa pertencer a um a pequena com unidade de "cidadãos do céu" num a das províncias orientais do im pério rom ano, no prim eiro século d.C. Os cristãos gentílicos viam -se transplantados com o m em bros de um a nova sociedade que não desfru tava de estim a nas vizinhanças; chegaram a descobrir que tornar-se m em bros dessa nova com unidade envolvia, em certos aspectos im portantes, rom pim ento com a sociedade à qual originalm ente pertenceram . As m uitas atividades sociais e com erciais relacionadas a este ou aquele culto lhes estavam , doravante, proibidas.

A nova sociedade dos crentes se organizava em dois ou m ais níveis. Num prim eiro estágio, eles se viam como m em bros de um a igreja dom éstica (funcionava num a casa de fam ília), a qual se reunia com regularidade no lar de um de seus m em bros; entretanto, em m uitas cidades havia um núm ero tal de igrejas dom ésticas que v iabilizava sua incorporação num a igreja m aior, a igreja da cidade. A percepção cons­ciente de a pessoa ser m em bro de um a igreja da cidade poderia ser m aior em certas igrejas dom ésticas, do que em outras, assim como a consciência de pertencer a um a com unidade de âm bito m undial seria m ais fo rte em algum as igrejas de cidade, do que em outras.

É provável que em Filipos a consciência de pertencer a um a igreja da cidade fosse m uito forte. Esta sugestão nos advém pelo fato de que essa carta é dirigida "a todos os santos em Cristo Jesus, que estão em Filipos, com os bispos e diáconos" (1:1). Em nenhum a das dem ais cartas paulinas (exceto as pastorais) encontram os referências especiais desse tipo, a um corpo definido de pessoas da igreja, que exercem funções de supervisão e adm inistração. Os crentes coríntios com toda probabilidade teriam ficado im pacientes com tanta autoridade sobre eles; a igreja de R om a, por essa época, talvez estivesse m uito descentralizada, não tendo um colegiado de presbíteros operando por toda a cidade. Pode-se im aginar que o próprio Paulo tenha nom eado os presbíteros de F ilipos, m as a igreja filipense sem dúvida estava bem qualificada para elegê-los por si mesma.

U m a característica da igreja filipense que nos espanta, tanto em Atos

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172 Posfácio

quanto na carta de Paulo, é o papel ativo desem penhado nela pelas m ulheres. Na narrativa de Lucas, Lídia, a vendedora de púrpura de T iatira, e suas com panheiras, com os m em bros de suas fam ílias, tornam - se os m em bros-fundadores da igreja filipense. Na carta, Paulo faz m en­ção especial de Evódia e Síntique, m ulheres, diz ele, que labutaram ao seu lado no m inistério evangélico (4:3); Paulo lhes descreve a atuação em linguagem de atletism o que dá a entender que não desem penharam m ero papel auxiliar. Esse fato não só tem coerência com o que sabem os sobre a independência e iniciativa das m ulheres m acedônicas (veja-se p. 28, e a nota n5 18), com o tam bém se alinha com a afirm ação de Paulo em Gálatas 3:28, de que "não há m acho nem fêm ea, pois todos vós sois um em Cristo Jesus." Esta afirm ação não elim ina as distinções entre os dois sexos, mas destrói qualquer desigualdade entre ambos com respeito a cargos eclesiásticos.

Conhecem os os principais traços que distinguiam um a com unidade judaica , num m eio gentílico, separando-a de seus vizinhos, m as a m aioria dessas características (circuncisão, guarda do sábado, restrições alim en­tícias) não conseguiam prosseguir num a igreja do cam po m issionário de Paulo. Se perguntássem os a Paulo o que é que m arcava qualquer um a de suas igrejas, separando-a de seu am biente, talvez ele respondesse que a cruz de Cristo constituía "uma cerca" entre os crentes e o m undo (pode haver um indício disto em Gálatas 6:14, onde o apóstolo afirm a: "na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o m undo está crucificado para m im , e eu para o m undo"). Todavia, a cruz de Cristo exercia um a influência positiva, em vez de negativa, na vida dos crentes. A sociedade no m eio da qual os crentes filipenses viviam poderia ser descrita com o "corrupta e depravada," mas os crentes foram elogiados por estarem brilhando ali "com o astros no m undo," oferecendo-lhe a "palavra da vida" (2:15, 16).

Cada igreja local pode ser com parada a um ja rd im plantado num deserto; mas o interesse da igreja não é tanto im pedir que o deserto tome conta m ais e m ais do jard im , mas, principalm ente, cuidar que o ja rd im avance e transform e o deserto. Não se deve ed ificarum a m uralha ao redor do jard im ; as fron teiras desse jard im devem ser flexíveis, capazes de expandir-se. M udando-se a figura de linguagem , cada colônia celestial deve expandir-se, estender seus territórios e incorporar cada vez m ais os territórios circunvizinhos. Cada igreja deveria ter espírito m issionário, e

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Posfácio 173

a história da expansão do cristianism o prim itivo dem onstra que m uitas igrejas entenderam e cum priram essa missão. Dentre as que assim procederam , a igreja de F ilipos, à sem elhança de outras igrejas m acedô- n icas, detém um lugar de grande honra.

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Glossário

A N Á T E M A — Como substantivo m asculino: m aldição, opróbrio, excom unhão. Como adjetivo: am aldiçoado, m aldito, excom ungado.

A N T ÍT E S E — Figura de linguagem pela qual se salienta a oposição entre duas palavras ou idéias. E x .: "Era o porvir — em fren te do passado, / A liberdade — em face à escravidão" (Castro Alves).

A O R IS T O — Tem po da conjugação grega que indica haver a ação ocorrido em época passada, sem determ inar, porém , se está inteiram ente realizada no instante em que se fala.

A P Ó D O S E — A segunda parte de um período gram atical, em relação à prim eira, cham ada prótase, de cujo sentido é com plem ento.

C IR C U N L Ó Q U IO — R odeio de palavras, perífrase.C O D A — Seção conclusiva de um a com posição (sonata, sinfonia,

etc.) em que há repetições.C O G N A T O — D iz-se do vocábulo que tem raiz com outro(s). Ex.:

as palavras belo, beleza e em belezar são cognatas.D A T IV O — Caso gram atical das línguas com declinações (como o

grego, o latim , o alem ão), que exprim e a relação do objeto indireto.E Q U A N IM ID A D E — Igualdade de ânimo tanto na desgraça quanto

na prosperidade; m oderação; im parcialidade.E S C A B E L O — B anco pequeno para descanso dos pés.E S C A T O L O G IA — Doutrina sobre a consum ação do tem po e da

história; tratado sobre os fins últim os do homem.E S P O N D A IC O — Adjetivo: que tem espondeus.E S P O N D E U S — D iz-se de um pé de verso, grego ou latino, consti­

tuído por duas sílabas longas.E S T O IC IS M O — D esignação com um às doutrinas dos filósofos

gregos Zenão de Cício e seus seguidores, caracterizadas sobretudo pela consideração do problem a m oral, constituindo a im perturbabilidade o ideal do sábio.

E S T Ó IC O — Partidário do estoicism o; austero, rígido; im passível ante a dor e a adversidade.

E X E G E S E — Com entário ou dissertação para esclarecim ento ou m inuciosa interpretação de um texto ou de uma palavra. [Aplica-se de

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Glossário 175

m odo especial em relação à B íblia, à gram ática e às leis.]G E N IT IV O — Caso de declinação de certas línguas, que representa,

por via de regra, com plem ento possessivo, lim itativo, e algum as vezes circunstancial.

G N O S T IC IS M O — Ecletism o filosófico-relig ioso surgido nos p r i­m eiros séculos da nossa era e d iversificado em num erosas seitas, e que visava a conciliar todas as religiões e a explicar-lhes o sentido mais profundo por meio da gnose (sabedoria). [São dogm as do gnosticism o: a em anação, a queda, a redenção e a m ediação, exercida por inúm eras potências celestes, entre a divindade e os hom ens. R elaciona-se o gnos­ticism o com a cabala, o neoplatonism o e as religiões orientais.]

H E N D IA D IS — Figura de linguagem na qual um a idéia única se expressa m ediante dois term os unidos por um "e". Ex.: com poder e vigor.

IN T E R P O L A Ç Ã O — A lterar, com pletar ou esclarecer (um texto), nele intercalando palavras ou frases que não lhe pertencem .

JA M B IC O — V ariação de iâm bico ou iambo. Na poesia grega e na latina, pé de verso constituído de um a sílaba breve e outra longa.

P A R Á F R A S E — D esenvolvim ento do texto de um livro ou de um docum ento conservando-se as idéias originais; tradução livre ou desen­volvida.

P A R O D IA — Im itação côm ica ou burlesca de um a com posição literária; im itar, remedar.

PE DE V E R SO — Parte em que se divide o verso m etrificado.P R O S E L IT O — Pagão que abraçou o judaísm o .P R Ó T A S E — No antigo teatro grego, a prim eira parte da ação

dram ática, na qual o argum ento é anunciado e se inicia o seu desenvol­vim ento; no sentido gram atical é a prim eira parte de um a sentença.

Q U IA S M O — Figura de linguagem na qual os term os paralelos, em sentenças ou orações adjacentes, são colocados em ordem invertida. Ex.: D eus criou o hom em à sua im agem , à im agem de D eus o criou.

Q U IN T E S S Ê N C IA — V ariação de quinta-essência. O que há de principal, de m elhor ou de m ais puro; o essencial.

S IM O N IA — Venda ilícita de coisas sagradas.T R I M E T R O — Na m étrica greco-rom ana, verso de três pés.

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O Novo Comentário Bíblico Contemporâneo oferece o que há de melhor em erudição contemporânea, num estilo que beneficia tanto aos leitores em geral quanto aos estudiosos que almejam aprofundar-se no conhecimento da Palavra de Deus.

Baseado na ECA, o NCBC apresenta exposições esmeradas de cada seção e capítulo, dando especial destaque esclarecedor aos termos e frases mais importantes, que também aparecem em transliterações do grego. Cada capítulo encerra-se com uma seção de notas, onde o leitor encontra mais alguns comentários textuais e técnicos.

O comentário de Bruce surgiu, de início, na série Good News Commentary; posteriormente sofreu algumas revisões de modo que se adaptasse à NIV. Agora, surge em português, adaptado à ECA.

F. F. Bruce, especialista de prestígio internacional, compartilha, neste comentário da carta de Paulo à amada igreja de Filipos, as riquezas de uma vida toda devotada ao estudo. Sua exposição teológica e prática conduz-nos a uma apreciação maior da importância da sabedoria e confiança de Paulo quanto à auto-suficiência do evangelho, e ajuda-nos a participar da alegria do apóstolo em "conhecer a Cristo".

F. F. Bruce é professor emérito da Universidade de Manchester, e autor bem conhecido de numerosos artigos, livros e comentários bíblicos profundos.

1742-6 ISBN 0-8297-1742-0 Comentário