Filosofia e História da Cultura 02

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    FILOSOFIAE

    HISTRIA DA CULTURA

    IL

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    IL

    COLEO DOS GRANDES TEMAS SOCIAIS

    Fazem parle desta coleo as seguintes obras de Mrio Ferreirados Santos:

    1) Tratado de Economia I vol.2) Tratado de Economia. II vol.3) Filosofia e Histria da Cultura I vol.4) Filosofia e Histria da Cultura II vol.5) Filosofia e Hist ri a da Cult ura m vol.6) Anlise de Temas Sociais I vcl.7) Anlise de Temas Sociais II vol.8) Anlise de Tema s Sociais m vol.9) O Problema Social

    MRIO FERREIRA DOS SANTOS

    F I L O S O F I A.E

    HISTORIA DA CULTURA

    II VOLUME mumwimmatm.* M f . ' TO *. DA BOCHAKTf

    ?c*o a c f m..DATA,2,*LG'SXi .Y UAI ,4UU- J

    | . t RtfiirsTP.d DATA OE R.

    I 3 4-? \^.o7.J?nmO.ASSIF. ......

    jL*.

    Loc.ioes.

    REG. BIB

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    mumak - n

    LIVRARIA E EDITORA LOGOS LTDA.Rua 15 de Novembro, 137 8. andar Telefone: 35-6080

    SAO PAULO BRASIL.

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    1.* edio Maro de 1962

    ADVERTNCIA AO LEITOR

    Sem dvida, para a Filosofia, o vocabulrio demxima importncia e, sobretudo, o elemento etimolgico da composio dos termos . Como, na ortogr afiaatual, so dispensadas certas consoantes (mudas, entretanto, na linguagem de hoje), ns as conservamosapenas quando contribuem para apontar timos quefacilitem a melhor compreenso da formao histrica do termo empregado, e apenas quando julgamosconveniente chamar a ateno do leitor para eles.Fazemos esta observao somente para evitar a estranheza que possa causar a conservao de tal grafia.

    . MRIO FERREIRA DOS SANTOS

    TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

    Enciclopdia de Cincias Filosficas e Sociais

    de Mrio Ferreira dos Santos

    VOLUMES PUBLICADOS:

    1) Filosofia e Cosmoviso2) Lgica e Dialctica3) Psicologia4) Teoria do Conhecimento5) Ontologia e Cosmologia6) Tratado de Simblica

    7) Filosofia da Crise (Temtica)8) O Homem pera nte o Infinito (Teologia)9) Noologia Geral

    10) Filosofia Concreta I vol.11) Filosofia Concreta II vol.32) Filosofia Concreta IH vol.13) Filosofia Concreta dos Valores14) Sociologia Fundamental e tica Fundamental15) Pit gor as e o Tema do Nmero (Temtica)16.t Arist tel es e as. Muta es (Temtica,)17) O Um e o Mltiplo em Plato (Temtica )18) Mtodos Lgicos e Dialcticos I vol.19) Mtodos Lgicos e Dialcticos II vol.20) Mtodos Lgicos e Dialcticos Hl vol.

    21) Filosofias da Afirmao e da Negao (Temtica Dialctica)22) Tratado de Economia I vol.23) Filosofia e Histria da Cultura I vol.24) Filosofia e Histria da Cultura II vol.25) Filosofia e Histria da Cultura III vol.26) Anlise de Temas Sociais I vol.27) Anlise de Temas Sociais II vol.28) Anlise de Temas Sociais Hl vol.29) O Problema Social

    NO PR EL O:30) Tratado de Esquematologia31) As Trs Crticas de Kant32) Problemtica da Filosofia Concreta

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    A SAIR:

    33) Temtica e Problemtica da Cosmologia Especulativa34) Teoria Geral das Tenses I vol.35) Teoria Geral das Tenses II vol.36) Temtica e Problemtica da Criteriologia37) Dicionrio de Filosofia e Cincias Cultur ais I vol.38) Dicionrio de Filosofia e Cincias Culturais II vol.39) Dicionrio de Filosofia e Cincias Culturais Hl vol.40) Dicionrio de Filosofia e Cincias Culturais IV vol.41) Dicionrio de Filosofia e Cincias Culturais V vol.

    Os volumes subsequentes sero oportunamente anunciados.

    OUTRAS OBRAS DO MESMO AUTOR:

    O Hom em que Foi um Camp o de Bat alha Pr log o de Vontade de Potncia, de Nietzsche, ed. Globo Esgotada

    Curso de Oratr ia e Retri ca 8 ed. O Hom em que Nasceu Ps tumo (Te mas nie tzsche ano s) Ass im Fa la va Za ra tu st ra Tex to de Niet zsch e, com ana lis e

    simblica 3 ed. Tcn ica do Discur so Moderno 4* ed. Se a esfin ge fa la ss e. .. Com o pseu dn imo de Dan And ersen

    Esgo ta da

    Rea lidade do Home m Com o pseu dnimo de Dan And erse n Es go ta da Anlise Dia lc tic a do Marx ismo Esgo ta da Curso de In te gr a o Pessoal (Estu dos caracte rol gi cos )

    3 ed. P r ti cas de Ora tria 2 ed. Ass im Deus falo u aos Home ns 2 ed. Vida no Arg ume nto A Cas a das Pa re de s Geladas Escu tai em Silncio A Ver dad e e o Smbolo A Ar te e a Vida A Lu ta dos Con tr rio s 2' ed. Ce rta s Sub til ezas Human as 2 ed. Con vite Es tt ica Con vite Psicologi a Pr t ic a Con vite Filo sofia

    A PUBLICAR: Hegel e a Dia lct ica Dic ion rio de Smbolos e Sinais Dis cursos e Conf ernc ias Ob ras Com ple tas de Plat o comen tad as 12 vol s. Ob ras Com pleta s de Ari st teles com ent ada s 10 vol s.

    TRADUES: Vonta de de Potncia , de Nie tzsche Alm do Bem e do Mal, de Nie tzsche Auror a, de Nie tzsche Dir io Int imo , de Amiel Sa uda o ao Mundo , de Wa lt Wh itma n

    N D I C E

    A Doutrin a de Toynbee 13

    Do Declnio das Civilizaes 27

    Da Desag rega o das Civilizaes 37

    O Ciclo das For mas Viciosas 41

    As Fases Crticas na Histri a 57

    Da Autorida de Social 71

    For mas Genricas 85As For mas de Domnio 89

    Os Parti dos 105

    O Fimdamen to Religioso dos Ciclos Cultur ais Superiores 113

    Os Sacerdotes (Teocrticos) 119

    O Carismatismo na Sociedade Huma na 123

    A Cidade, Bero da Jemo craci a 131

    A Sociedade Fech ada e a Sociedade Abe rta 137

    Crtica do Historicismo 143

    O Homem e a Utop ia 167

    O Fact or Psicolgico 177Os Facto res Universais e os Parti cular es 183

    O Mito da Idade de Ouro e o Paras o Terre stre 187

    As Teorias Sobre o Estad o de Natu reza 195

    As Utopias na Idade Mdia e na Renascena 201

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    troduco catica de uma idade herica brb ara . Dessestrs factores, o segundo o mais importante e o terceiro omenos significativo.

    Examinando as invases de brbaros no imprio romano, no atribui Toynbee tanta importncia s mesmas na

    formao da nova civilizao, por ser insignificante e negativa a sua contribuio, j que Vndalos e Ostrogodos foram aniquilados nos contra-ataques do Imprio Romano.Os Visigodos receberam o primeiro choque dos francos eo ti ro de misericrdia dos rabes, etc. E escreve: "Naverdade, os Brbaros no so de modo algum os geradoresdo nosso ser espiritual. Eles fizeram senti r sua passagem,intervindo na agonia da sociedade helnica; contudo, no

    podem eles mesmos se prevalecerem de ter dado o golpemortal . Quando eles ent rar am em cena, a sociedade helnica morria das feridas que ela havia infligido a si mesma,sculos antes, no perodo das perturbaes . Eles foramapenas simples abutres, que caram sobre a carcassa, ver

    mes de um cadver. Sua idade herica o eplogo da Histria helnica; de modo algum, porm, o preldio da nossa"(op. cit. pg. 22).

    Fazendo, assim, um estudo comparado das civilizaes,perf ilha le as seguintes, que revelam a presena dos trsfactores:

    A sociedade crist ortodoxa, a sociedade iraniana e rabe e a sociedade sria, a sociedade pr-indiana, a sociedade

    pr-chi?iesa, a sociedade minica, a sociedade sumrio,, associedades hititas e babilnias, a sociedade egpcia, as sociedades andinas, do Iucat, mexicana e maia.

    Sobre todas elas, teremos oportunidade de examinar pontos de magna importncia, proporo que se tornam elesexigentes como matria de estudo.

    Depois de mostrar a improcedncia da concepo dominante no ocidente da unidade da civilizao, com a sua primeira classificao em Idade Antiga, Idade Mdia, IdadeModerna e Idade Contempornea, examina a possibilidadede se estabelecerem comparaes entre as civilizaes.

    Surge logo um prob lema: a gnese da civilizao. Eaqui, ao perpassarmos pelas pginas de Toynbee e pela suacrtica ao pensamento de Spengler, e tambm o reexame da

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    obra do prprio Spenglw d e t a n t o g g t a n t o g v i g i o n r iromnticos do pensamer^ a r r a s t a d o s c o m o f l h a g g c a g a 0sabor de todos os vent. i n t e l e c t u a i g e n t i m o g b e m c l a r a .mente o que vaie c> P ^ a m e n t o me ridiano, o pensamento domeio-dia de luzes por t ^ ^ ^ ^ ^ m b T u d oisso nos faz confessar c . ^ g e m u i t a g y z e g n g

    desanimo, que nos seg^ , , imoossvel fazer aue oshomens se entendam erv 5 ! impossvel lazer que osTI sectores como este, o da Historia,

    tZ^^Z^tT^'comofogos d^ a r t l f T quee deixam, depois, apen^ a s t r e v a ? ' . m a s * u e n a o a s destroem,idade das trevas cerc> ,a memoria do * ^ & & ^guem demasiadamente > d o t u d o ' talvez muitos nos jul-dade que domina at h >esunosos por afirmarmos a debilita debilidade no coK^f 8 . deQ

    c e * a genialidade. Mas es-vencvel. E por i s s ^ s t l t u t l v a ' n a 0 e essencial, nao e m-venc-la e super-la. J * ! " 5 a ousamos, porque podemos

    A -v, J % * 0 0 ,Nietzsche, que era um romntico, eera dominado tantas v - , , , , . . ', , ,> ^ e zes pelo mpeto das inspiraes a

    ponto de sacri ficar o v . * ,,.r , . , \ .,,da helP7a esttica nref^ l g o r f l l o s o f l c o da frase pelo brilhoda beleza e*stetica, P ^ r i n d o u m paradoxo cheio de belezaa uma apreoacao justo i l i b r a 5 a > t a m b m ge g e n t i a c o.moun a^ecadent, um niK... /* ,

    ^O,T ,,-r^ vr.o l l l s t a , mas que aguardava uma auro-ra, aguardava um nov ^ ^ } T b ^acusava. E se caia ve*. . , , ... ,, ,. - , .

    J r i d i a n a , de iluminao por todos os

    lados, de mente firme * d g ^ ^Z r t r : : Z L t ^ > ^mano,Psem d e W s e embriagarNo sector ant rop Ql e s o b r e t u d o n o s e r e f e r e

    a Historia, domina m i ^ ft i x - o e a d n d a N averdade, a maioria do^ e g t u d i o g o g d e s e j a m m a i s j us tificaras sua^ tomadas de po^} & g do a l c a v e r d a .de. A observao dos ^ c J g ^ ^ ^ ^ la g in_tenes que dominam \ o g *T a m b m 0 h l u .gar onde se tenna rea^ d( ) ^ ^ f a l g i f i c a coes como nesse. preciso navegar corv u m c u i d a d o e x t r e m Q n e g g e m a r d eescolhos e recifesQA m p r e n o s espera a ameaa de umnaufrgio. E Jamais ^ ^ g g e

    vd e f o r m o u

    tanto como ai. Nunca.h o u y e t a n t o g t r a b a l h o g a p c r i f o s co_

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    mo os que se defrontara m no campo da Histria . Nunca sefalsificou tanto. muito difcil conseguir que a mente preconcebida examine com cuidado e segurana uma heterogeneidade de factos, que, tomados em seus aspectos parciais,so capazes de justificar inmeras doutrinas variadas e heterogneas, oferecendo a cada uma um pouco de positividade,a suficiente, porm, para embriagar os seus criadores, que

    j se julgam, definit ivamente , senhores da verdade histr ica.Portanto, tudo quanto se faa aqui, para ter valor, misterque obedea regra fundamental da "Filosofia Conc reta ":que seja suficientemente demonstrado, de modo rigoroso edefinitivo, que no permita nenhuma possibilidade de dvida.

    Toynbee, partindo da classificao dos etnlogos modernos, que dividem a raa branca em trs: a nrdica, a alpinae a mediterrnea, mostra as civilizaes que partem de cada uma. Os nrdicos contriburam par a quatro, e talvezcinco civilizaes: a pr-hindu, a helnica, a ocidental, acrist ortodoxa russa e talvez a hitita. Os alpinos contri

    buram pa ra sete ou talvez nov e: a sumria, a hiti ta, a helnica, a ocidental, como tambm para a crist ortodoxa,com seu ramo russo, e iraniano, e talvez a egpcia e a mi-nica. Os medit errneos contriburam em dez: a egpcia,a sumria, a minica, a sria, a helnica, a ocidental, o cor

    po principal da cri st ortodoxa, a iraniana , a rabe e ababilnica.

    Outra diviso da raa humana a morena, que compreende os drvidas , o povo da nd ia, os malaios da Indonsia, e que contribuiu para a formao de duas civilizaes:a pr-hindu e a hindu. A raa amarela contribuiu para t r s:a pr-chinesa e as duas civilizaes do Extremo Oriente; a

    saber, o corpo princ ipal da China e o ramo japons . A raa chamada "vermelha" (que negada por muitos etnlogos) cont ribuiu par a a formao das civilizaes pr-co-lombianas. S a raa negra no realizou nenhuma civilizao.

    A extrema valorizao que modernamente se tem feitodo factor racial tem sido exagerada, sem que se negue a

    posi tividade que cabe raa. Devido s exploraes polticas, como aconteceu com o nazismo, o estudo das raas ficou tremendamente obstaculizado, pois muitos etnlogos temiam contribuir para a formao de preconceitos que pro-

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    vocavam calamitosas consequncias. Desde a antiguid adee compreendeu que h influncias do ambiente geogrficosobre as populaes. J dizia Hip crate s: "As regieshabitadas podem ser classificadas em tipos diversos: tiposdas montanhas cobertas de florestas e bem regadas; tipodie solo pobre e seco; tipo de plancies pantanosas, tipo

    de te rra s de vales bem marcados e bem irrigado s. Os habitan tes das regies montanhosas de alt itude elevada, rochosas e suficientemente alimentadas por cursos de guaviva, em que a margem das variaes climticas, das estaes, ampla, tero corpos solidamente construdos, temperamento corajoso e duro. Os habitantes das depressesmal-ss, cobertas de pntanos, expostos o mais das vezesaos ventos quentes do que aos frios, que bebem gua detestvel, em vez de serem bem formados e esguios, so, aocontrrio, espessos, muito carnudos, de tez escura, dotadosmenos de fleuma que de blis. A coragem e a dureza nosero inatas neles, mas sero capazes de desenvolv-las graas s instituies . Na maioria desses casos, nota-se que

    c corpo humano e o carcter variam segundo a natureza dopa s " ("Tratado dos Ares, dos Lugares e das guas", deHipcrates, cit. por Toynbee).

    Ora, seria uma viso abstractista querer explicar aHistria apenas pela raa. Pode-se dizer que um postulado da filosofia concreta no sector da Histria o seguinte: tudo quanto acontece producto da cooperao dos seus

    factores intrnsecos e extrnsecos.

    Toda maneira parcial de ver os factos, considerando-oss penas por um ou outro factor, uma viso abstracti sta eparfcial. fcil compreender-se a posio concreta quedefendemos. Ante um facto qualquer, ns o intumos pelos sentidos . Essa intuio sensvel tambm a tm os animais. Contudo, o que caracteriza a intuio humana a

    possibilidade da imediata captao de uma ou mais causasda coisa intuda. Saber algo de alguma coisa saber algode suas causas ; ou seja, do que a ps em causa. Sabemoso que uma cadeira, no apenas porque ela intuda pelossentidos, mas porque tem uma funo, deu-se-lhe um tender para alguma coisa, foi feita com uma intencionalidade,o esta a finalidade da cadeira, o para que ela foi feita(para s ervir de assento a um ser huma no). proporoque conhecemos as causas de uma coisa, as prximas e as

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    remotas, aumenta o nosso saber. Cincia , em suma, o conhecimento sistematizado das causas das coisas, e segundoa hierarquia das causas prximas e remotas, invadimos ossectores hierrquicos do conhecimento.

    Conhecer uma causa conhecer o de que a coisa penderealmente. Ora, as causas histricas so as de que o factohistrico depende realmente para ser. Considera r que apenas um factor explique tudo, pode-se atr ibu ir preguiamental, no, porm, cincia. Por sua vez tambm o factor que marca a direco do acontecimento pode variar, edepender de uma conjuno, que favorecer a direcotomada . O que se observa no exame da Histria, que realizam os modernos historiadores, que alguns preocupam--se apenas com os factores tcnicos, outros com os ecolgicos, outros com os geogrficos, ou com os econmicos, oucom os ticos-religiosos, ou com os polticos, ou com os psicolgicos, etc. um trabalho proveitoso , desde que consideremos a positividade salientada, mas sobremaneiraabstractista e falho, quando, ao actualizarem extremadamente a positividade que lhes interessa, virtualizam e desvalorizam as outras positividades, que tambm exercem um

    papel important e na gnese dos acontecimentos histricos.

    Se a raa no pode por si s explicar os factos histricos, nem a formao das culturas, tambm no o podeo meio geogrfico, porque no se repetem, segundo as semelhanas do meio, a semelhana das civilizaes. Tomados em si mesmos, nem o meio nem a raa nos fornecem ofactor nico dos factos histricos, embora sejam factores

    positivos e cooperantes dos mesmos.

    Ao examinar tais pontos, Toynbee cria sua teoria do"desafio-resposta". Desafiado pelo ambiente geogrficoou pelo ambiente histrico, um povo responde aceitando esse desafio, vencendo os obstculos, procurando dirimi-los,ou submete-se s contingncias sem capacidade de luta, vencido, quando outro povo, nas mesmas circunstncias, procede de modo diverso. Assim o dessecamento da Afrsia foium desafio, e a gnese dessas civilizaes afrsicas foramas respost as. A luta contra o deserto, no Egito e na Su-mria; a civilizao chinesa, como uma resposta ao desafioda natureza fsica; as civilizaes pr-colombianas, que seformaram da resposta ao desafio dos Andes e dos planal-

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    tos andinos; a civilizao minica e os gregos, aceitando odesafio do mar; a hitita, o desafio do planalto da Anatlia.

    Mas, como explicar que aos mesmos desafios os povos respondam diferentemente, se no forem consideradostambm os caracteres temperamentais, raciais e caractero-logicos, em suma? Mas Toynbee estabelece uma regr a:

    proporo que maior a dificuldade, mais poderoso se tor na o estimulante.

    As grandes realizaes humanas provieram das grandes dificuldades, e as mais altas civilizaes foram realizadas onde havia que vencer maior nmero de dificuldadese as mais poderosas. Examinando, primeiramente, o desafio do meio, apresenta, no exame dos factos histricos, a

    presena da geografia como um factor de mxima importncia para a compreenso dos grandes acontecimentos relativos s tenses culturais.

    Na verdade, todas as explicaes, que no consideramo acto humano em todos os elementos que o constituem, comos factores positivos e opositivos que o viciam, afastam-se darealidade da Histria, nem podem compreender a razo da

    predominncia de um factor sobre outros, como o veremos.

    Contudo, no podemos chegar exposio da nossaconcepo concreta sem mostrar, primeiramente, as outras,c apresentar os erros que elas cometem, os defeitos que asviciam, e a incapacidade que revelam para explicar a realidade histrica. *

    Contudo, Toynbee afirma, depois do exame realizadona Histria, que a relao "desafio-resposta" apresenta caractersticas vrias:

    a) que a todo desafio corresponde uma resposta;

    b) que a resposta proporcionada ao desafio;

    c) que essa proporo , contudo, vari a dent ro de extremos, e oferece um optimwm de difcil preciso, mas admissvel, em face da heterogeneidade dos factos.

    Neste caso, h exemplos de que o desafio frgil recebe uma respos ta frg il, que a resposta aumenta em intensidade na proporo do grau elevado do desafio, e h casos em que o desafio extremado e a resposta uma fuga

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    ao mesmo, ou uma resposta que no vence a oposio, naqual se d uma soluo que no resolve o malefcio que odesafio oferece.

    O desenvolvimento da Nova-Inglaterra, na Amrica doNor te, se deu numa zona rida, em que os imigrantes ingleses haviam sido desafiados pelas condies ambientais.Rene Toynbee uma sequncia de factos, que vm em auxlio de sua tese de que "quanto maior o desafio, mais poderoso o seu est mulo". Contudo, haver excepes?Roma, desafiada por seus adversrios, tornou-se, com suasrespostas, cada vez mais poderosa; Cartago, vencida na

    primei ra guerra pnica, ergueu-se ainda mais forte; a Alemanha, ocupada aps a guerra de 1914-18, reagiu violentamente, e ameaou obter a vitria sobre os seus adversrios; a invaso dos persas, na Grcia, levou-a ao sculo dePricles; tudo isso verdadeiro, sem dvida.

    Contudo, o habitante primitivo das florestas do norteda Europa no pde venc-las e dirigiu-se para o rtico,

    onde construiu a vida esquim; os celtas desafiados pereceram nas migraes desgastantes; os habitantes do Maineamericano no se ergueram como os dos outros Estados; onordestino brasileiro cedeu ao impacto da seca, apesar daheroicidade imensa da sua luta; e muitos outros exemplosmostram que o desafio foi extremo e a resposta no o superou. So exemplos que nos mostram que h um optimum, um

    ponto mdio, que, excedido, o resultado se inv erte.

    Acumula Toynbee uma sequncia de exemplos, mas todos comprovam o qu? Comprovam, afinal, a validez datese por ns exposta. No se pode excluir da Histria o

    papel que representa o acto humano com todos os seus ele

    mentos estruct urais. As reaces, ou respostas, so proporcionadas s condies do sujeito da Histria, que o homem. E o homem deve ser considerado pentadialctica-mente, como unidade, como totalidade, como srie, comosistema, e como universo. O homem, como indivduo, pe rtence a uma totalidade, famlia, esta a um grupo social,srie, e assim sucessivamente, segundo as constelaes sociais, at alcanarmos a universalidade de seu povo, ou nao ou mesmo raa, segundo os casos. H uma srie decaracteres temperamentais e caracterolgicos, bem como a

    presena de esquematismos de carcter intelectual, queactuam de modo a preparar cooperaes de factores, que

    FILOS OFIA E HISTORIA DA CULTURA 21

    nos permitem considerar de um ngulo mais seguro as diversas respostas. A variabilidade das respostas tem suaexplicao na heterogeneidade dos factores e das combinaes, segundo os graus de intensidade e extensidade. Ooptimum sempre relativo est ruct ura dinmica que seforma, porque preciso consider-la tambm em funo dotempo, da Histria, da Tcnica, do Conhecimento, da Cincia, etc.

    Esses factos, que so analisados cuidadosamente porToynbee, incluem-se nas possibilidades humanas decorrentes do dinamismo das estructuras que concretamente consideram a presena da cooperao de tantos factores, que

    permitem compreender os resu ltados.Sobre este, trataremos na parte final desta obra, na

    parte concreta, onde coordenaremos as diversas conquistasobtidas, e daremos uma viso geral da aplicabilidade doestudo em face da Histria e da possibilidade, no s dainterpretao dos factos, mas, tambm, de poder desvi-losa favor dos interesses humanos.

    Quanto s civilizaes que se imobilizaram, e no tiveram o surto que outras ofereceram na Histria, como aconteceu com as civilizaes polinsias, esquims, de povos nmades, os osmanlis, os esparciatas, trata-se de sociedadesque, na verdade, no possuam uma cosmoviso prpria,nem tampouco, consequentemente, uma religio, no sentidoque tomamos o tjrmo e o definimos em nossos trabalhos,o que par a a nossa concepo concreta est perfe itamenteclaro, e situa-se dentro da nossa maneira de visualizar aHistria.

    Dedicando-se ao estudo das civilizaes, que realizaramum verdadeiro crescimento, a doutrina de Toynbee, em linhas gerais, a seguinte:

    "A observao nos levou a verificar que o aguilhoatinge seu maximum de efeito estimulan te quando encontra o justo ponto entre o excesso e a carncia de severidade. Notamos, com efeito, que sua deficincia pode ani quilar toda reaco e sua intensidade excessiva quebraro mpeto das energ ias. Que decorre do desafio ao qual se

    pode enfre ntar? primei ra vis ta o melhor reactivo possvel, e nos exemplos concretos dos polinsios, dos esquims,dos nmades, dos Osmanlis e dos esparciatas, vimos que taia

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    situaes so susceptveis de provocar grandes esforos.Vimos, tambm..., que esses grandes esforos atraem aosque os realizam uma sanco nefasta sob forma de paradaem seu desenvolvimento. Eis por que, ao aprofun dar-se aquesto, podemos sustentar que a reaco mais forte imediata no o testemunho ltimo que revela a qualidadeptima do desafio. Devemos tomar em considerao umconjunto mais vasto, aquele que abarca o futu ro. O desafiorealmente optimum o que no somente estimula o adversrio a ponto de impeli-lo a uma nica reaco vitoriosa,mas o prepara a receber o impulso, que o far progredirde um primeiro resultado obtido a uma nova luta, da soluo de um problema a uma confrontao com um out r o . . . " (op. cit., pg. 211). Vemos, aqui, como Toynbeeconcebe o crescimento da civilizao. So os factores predisponentes actuais, que operando sobre a emergncia dacivilizao levam-na a respostas necessariamente proporcionadas , segundo a lei universal da inte ractuao. As actuaes predisponenciais, que esto dentro do limite marcado

    pelo optimum, de que j falamos, so as que permi tem asreaces mais salutares e as mais enrgicas. caracter stica de toda vida a excitabilidade, presente em todas as formas perfectivas biolgicas, como o na Psicologia, na Sociologia, et c" . le exemplifica deste modo : "A desagregao da sociedade minica deixara um resduo social: mi-nicos errant es, aqueus e drios. Os sedimentos de umavelha civilizao seriam cobertos pelas contribuies depositadas por uma nova vaga de Brba ros? As poucas regies de terras baixas da paisagem aqueana seriam dominadas pela selvageria das ter ras altas que as cercavam?Os pacficos cultivadores das plancies cairiam ao sabor dos

    pas tores e gue rre iro s descidos das mon tan has? O primei ro desafio foi enfrentado vitoriosamente. Esta va escritoque a Hlade seria um mundo de cidades e no de vilas, um

    pa s agrcola e no de pas tagens , de ordem e no de desordem. Contudo, o prpr io sucesso da reaco a esse primeiro desafio ps as populaes vitoriosas em presena de umasegunda prova. Pois a vi tria que se seguiu pacficacontinu idade da agri cult ura nos vales, provocou o cresci mento da populao, movimento que no se deteve nemquando esta atingiu a densidade mxima, alm da qual seusrecursos no eram mais suficientes. Assim, o prpr io sucesso da resposta ao primeiro desafio exps a sociedade, no

    FILOS OFIA E HISTORIA DA CULTURA 23

    incio de sua vida, a uma segunda prova. Ela reagiu aodesafio maltusiano com to bom xito como ao do caos.Essa reaco, em face da superpopulao, manifestou-se

    por uma srie de ensaios. Aplcou-se, ento, o mais fcile o mais lgico, at que levou ao recuo. Recorreu-se entoa um expediente mais complicado e menos ntido. O pri

    meiro mtodo consistiu em empregar tcnicas e instituiescriadas pelos habitantes dos vales da Hlade, proporoque impunham sua dominao sobre seus vizinhos das terras altas com o intuito de conquistar para o helenismo novos domnios alm dos mares. Graas a um instrumentomilitar: as falanges de hoplitas, e a um instrumento poltico: a cidade-Estado, uma multido de pioneiros helnicosestabeleceu uma Magna Graecia na ponta da pennsula itlica custa dos brbaros italiotas, um novo Peloponeso naSiclia, custa dos brbaros Sculos, uma nova Pentpolena Cirenaica custa dos brbaros da Lbia, e uma Calcdiana costa setentrional egia custa dos brbaros da Trcia.Ima vez ainda, o prprio sucesso dessa resposta provocou

    um novo desafio. O que esses colonos haviam empreendido era em si mesmo um desafio feito aos outros povos medite rrneos. Essas comunidades no helnicas detiveram aexpanso da Hlade, em parte resistindo sua agressocom armas e uma arte tctica que lhes era emprestada,e em parte pela coordenao de suas foras a um ponto de

    perfeio ta l que os helenos jamais teriam sido capazes dealcanar. assim que a expanso helnica, comeada noVIII sculo antes de Cristo, se deteve no curso do VI sculo.PJssa sociedade encontrava-se sempre em face do problemade sua superpopulao" (op. cit., pgs. 212 e 213).

    Prosseguindo no estudo do crescimento das civilizaes,

    observa que o momento de expanso de um povo concomitante com o seu declnio, bem como coincidem com perturbaes ou com o Estado Unive rsal. "As pocas de perturbao engendram o militarismo, que uma perversodo esprito humano dirigido para a destruio. O militarista, que obtm o maior xito, , em regra geral, o fundador de um Esta do Universal . A expanso geogrfica umsubproducto desse militarismo, que aparece rio momento em(|ue homens de valor, todo-poderosos, se desinteressam pelaslutas intestinas para combater as sociedades vizinhas" (op.cit., pg. 214). Contudo, o mili taris mo tem sido maiscausa da destruio das civilizaes que do seu desenvolvi-

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    mento, forando povos a lutas destruc tivas . A presso, queexerciam os povos vizinhos sobre a Grcia, levou-a, apesarde sofrer a derrota ante os persas, a reerguer-se mais vivaainda e preparar o advento de Alexandre, que foi uma res

    posta ao desafio que lhe lanavam os inimigos. So, contudo, tais perodos concomitantes com a desagregao, pois

    o helenismo, no tempo de Alexandre, j estava em decadncia. O resultado final daquela campanha, foi a queda acentuada da Grcia. Toynbee examina outros exemplos nacult ura minica, na China, como foi o perodo dos "esta dos combatentes" e muitos outros que comprovam a sua tesede que "os perodos de expanso geogrfica e de desagregao social so contemporneos."

    Alguns problemas novos surgem aos seus olhos. Haver uma correlao evidente entre o progresso da tcnicae o progresso social? Os arquelogos modernos ad mitemessa correlao. A tcnica aponta o progresso da civilizao. Contudo, uma dvida o assa lta, apesar de ser uma

    tese comumente aceita. E sua suspeita se justi fica, porque h casos em que civilizaes estacionrias conhecem umdesenvolvimento tcnico mais elevado, sem, contudo, sair doestg io em que se encont ram. Nas civilizaes imobilizadas, como a dos polinsios, nota-se um amplo desenvolvimento tcnico da arte de marear; nos esquims, na arte de

    pescar ; nos esparciatas, na ar te de gu er rear ; nos Osmanlis,gran des educadores de homens. Na Amrica, as cultura sde Iucat e do Mxico atingiram um grau tcnico superior dos Maias, contudo no alcanaram o grau de requinte que esta alcanou. H casos em que a sociedade permanece estacionria, enquanto a tcnica progride, e outrosem que a tcnica permanece estacionria e a sociedade que

    pro gride.

    Conclui, pois, que a tcnica no nos d, portanto, umcritrio do crescimento da civilizao, como tambm no nosd a expanso geogrfica. Contudo, ela "nos revela um

    princpio que comanda o progres so tcnico, e que pode serdesignado como uma lei de simplificao progressiva" (op.cit, pg. 222).

    Se o desenvolvimento da tcnica no nos explica o movimento de crescimento das civilizaes, permite-nos, contudo, compreender a simplificao observada na tcnica,

    FILO SOFI A E HISTORIA DA CULTURA 25.

    que, para Toynbee, revela uma "lei de simplificao progress iva" . Assim, da volumosa mquina a vapor para omotor a exploso, h uma simplificao tcnica, sob certoaspecto, pelo menos qualitativo, bem como um progresso,como tambm o h da telegraf ia com fio teleg rafia semfio. A prpri a lngua tende a essa simplificao, como ve

    mos nas lnguas modernas do Ocidente, com o abandono dasflexes, simplificao das formas, etc. Tem sido o desenvolvimento tcnico um meio de enfrentar e vencer as dificuldades por que passa uma civilizao. Assim o sistemafeudal europeu salvou a Inglaterra da invaso dos Vikings,,etc.

    Toynbee analisa por alto a concepo de Spengler paradesprez-la por ser uma concepo organicista , quando asociedade humana no propriamente um organismo vivo,mas uma totalidade apenas, formada de elementos de vria s esferas , que no so apenasmente biolgicas. Semdvida que a concepo meramente biolgica da sociedade,

    ou como se costuma chamar de orgnica, merece repulsapor inv lida. Mas atr ibu ir- se a Spengler uma concepoorganicista outrance tambm no procede, porque no aconcebeu apenas assim, embora tenha salientado a profunda analogia com a biologia, no, porm, a identidade, comovimos ao examinar o pensamento daquele famoso histori-cista alemo.

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    mji

    DO DECLNIO DAS CIVILIZAES

    Reconhece Toynbee que no encontrou um critrio seguro para explicar o crescimento das civilizaes, pelo menos um crit rio satis fatr io. Contudo, julga haver encontrado mais facilmente o que se refere ao declnio das mesmas.

    Examinando as vinte e seis civilizaes que le considera, h entre elas trs imobilizadas, dezesseis j mortas,e sete ainda restan tes , que so : a sociedade ocidental, acristandade ortodoxa do Oriente Prximo (incluindo aRssia), a sociedade islmica, a hindu, a sociedade do Extremo Oriente, incluindo a China e o Jap o. As trs imo

    bilizadas, ainda exis tentes, so as sociedades polinsias, osEsquims e os Nmades. As polinsias e as nmades entraram em sua agonia e entre as oito restantes, sete estosob a ameaa de aniquilamento ou de assimilao pela oitava, a civilizao ocidental. A esquim estabilizou-se eminfncia, e s a ocidental no revela, para le, sinais dedeclnio e de desagregao.

    Mas, qual o sinal da desagregao? dado precisamente pela unificao poltica forada sob a forma de umEstado Universal, a exemplo do que foi o Imprio Romano.Todas essas civilizaes j passaram por seu Estado Universal, e nenhuma delas, com excepo da nossa, pode conter as tentativas de intruso por parte de elementos estranhos a ela. A introduo do Estado Universal no marcao fecho de uma civilizao, mas o princpio do declnio, se-guindo-se o "interregno" de que j falamos e a "poca das

    per turbaes".

    "Ns vimos que, na Histria escreve Toynbee dequalquer sociedade, quando uma minoria criadora degeneraim minoria dominante, e tenta manter-se pelo constrangimento, cessou de merecer a posio. Essa mudana de

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    carcter no elemento, que dirige, provoca, de outro lado, asecesso de um proletariado, que no admira nem imitamais seus amos e revolta-se ento contra a servido. Vimos, tambm, como esse prole tariad o, quando se afirma,dividesse em duas partes distintas desde o incio: o proletariado interior, prostrado e recalcitrante; o proletariado

    exterior, fora das fronteiras, que resiste violentamente atoda incorporao. Segundo este exposto, o declnio dascivilizaes pode, pois, relac ionas se a trs categorias. Malogro do poder criador da minoria. Retirada correspondente do mimetismo da part e da maioria. Perda consecutiva de unidade na sociedade considerada como um todo" (op.cit., pg. 273).

    Par a muitos pensadores , o declnio das civilizaes inevitvel , bem como o seu aniquilamento final. Senti am--no muitos pensadores gregos ao anun ciar o fim do helenismo e muitos pensadores cristos tambm afirmavam ainevitabilidade daquele fim e o surgimento da nova era, a

    crist, na qual se estabeleceria a justia e a paz reinariaentre os homens de boa vontade.

    So Cipriano afirmava que o mundo envelhecia, poruma condenao de Deus, e que tudo estava fadado a morrer. Modernamente, tamm, surgem ideias semelhantes , e

    Nietzsche, no sculo passado, exclamava que era uma imbecilidade julgar-se como possvel uma human idade indefinidamente jovem, e muito menos ainda que as civilizaes noconhecessem o trmino de seu destino. Vimos, ao examinaro pensamento de Spengler, que a teoria da decadncia busca, como fundamento, no propriamente uma determinao,mas um destino, e que se verifica ao termo das actualizaes das possibilidades que ela conta e dispe. No pensamento moderno, contudo, no se religa a decadncia da scivilizaes a uma decadncia do mundo. As a firmat ivasde Spengler so recusadas por Toynbee, pois julga no teraquele apresentado provas suficientes em favor de suasideias, por le consideradas "dogmticas".

    Salienta, e aqui est uma das hipteses oferecidas historiologia, que no interregno que se situa entre a dissoluo final de uma sociedade decadente e a apario de umasociedade nova, que quela est ligada, tal se d frequentemente quando se verifica a Volkwwiderung de populaes

    provindas de beros diversos, que realizam uma infuso de

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    sangue novo, cujo sangue provm de uma raa primitiva.Essa doutrina no a aceita Toynbee. uma explicao racial, que afirma sobrevir a decadncia pelo debilitamentodo sangue, e s a infuso do sangue novo poderia explicaro novo surto da civilizao, como se deu no ocidente pelainvaso dos Godos e dos Lombardos no sangue romano vi

    ciado e anmico.Toynbee segue outros roteiros, que passamos a exami

    nar.

    No uma perda da tcnica que leva a decadncia social, mas sim a desagregao da sociedade para a qual atcnica fora criadora de tantas coisas, assim como o abandono das vias romanas derve-se desagregao da sociedaderomana, do mesmo modo que a desagregao da sociedademesopotmica se deve ao abandono do sistema de irrigao,que fizera, durante quatro mil anos o bem das populaesdo Euf rates e do Tigre . Aps a gue rra do Peloponeso, foi

    to intenso o despovoamento da Grcia pela restrico natalidade e pelo uso do aborto, que as regies que anteseram o celeiro daqueles povos tornaram-se infestadas demosquitos. No era a falta de tcnica, mas um conjuntode circunstnc ias que levaram aqueles povos runa. Assim, em nossa poca, no o desconhecimento do contra

    ponto, nem das regras do ri tmo que leva a msica modernaa abandonar as tradies musicais, nem tampouco o desconhecimento da tcfica musical, mas sim uma mudana degosto, que leva a abandonar deliberadamente um estilo que

    perde seu prest gio . Insp iraes vindas da frica, em aliana "sacrlega" com estilos europeus, vo influir em nossas

    art es plsticas e em nossa msica. No h decadncia tcnica, mas sim uma decadncia espiritual . "Ao repudiarnossa tradio e, por isso, ao reduzir nossas faculdades aum estado de inanio e de esterilidade, no qual elas seapossam da arte primitiva e extica doDahomey e do Benin,como de um man do deserto, confessamos, perante todosos homens, que tramos o nosso patrimnio espiritual.Nosso abandono de uma tcnica art s tica tradicional manifestamente a consequncia de uma espcie de declnio es

    piri tual de nossa civilizao e a causa no pode, com tod aevidncia, ser imputada a um fenmeno que nada mais que um dos seus resultados" (op. cit. pg. 287).

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    E finalmente conclui: "O abandono de um estilo tradicional na ar te o ndice que a civilizao, que dele setorna culpada, desde muito j decadente, entra em desagregao. Do mesmo modo, a renncia a uma tcnica estabelecida a consequncia do declnio, e no sua causa " (ibi dem, pg. 288).

    Na His tr ia das sociedades hindu, babilnica e andina ,manifestou-se o mesmo processo de absoro, como se deunos russos e nos japoneses, ao atingirem essas sociedadesdecadentes os seus Estados Unive rsais. Essas sociedadesagonizantes sofreram uma conquista militar. Na Histriahindu, a conquista britnica foi precedida pela invasoturco-muulmana, que se inicia na era do Gro-Mongol sinvases de 1191-1204. Igua lmente se deu com a sociedade

    babilnica, que foi absorvida pela sr ia depois da conquistade seu Estado Universal, o imprio de Nabucodonosor porCiro da Prs ia. Sem dvida, o imprio andino foi destr udo pelos conquistadores espanhis. Sem estes, o imprioinca ter ia durado alguns sculos mais. Contudo, a civilizao andina j vinha em decadncia, e a ascenso dos incas, um sculo antes, era j sinal da decadncia instaladanaquela civilizao. Toynbee escreve: "A civilizao mexicana desmoronou-se numa poca anterior aos conquistadores, quando o imprio asteca, embora j mani festamentedestinado a tornar-se o Estado Universal, no havia aindacompletado suas conquistas militares. Podemos estabelecera diferena, dizendo que a sociedade andina foi conquistada na poca de seus Antoninos, e a sociedade mexicanana de seus Cipies. Mas "a poca dos Cipies" uma fasede tempo de perturbaes e, portanto, por definio, a consequncia de um desmoronamento anterior" (ibidem, pg.299) . Nestas palavras, Toynbee bem spengleriano, e

    busca as analogias e correspondncias, que Spengler tantogostava de fazer.

    Sobre os fundamentos reais das doutrinas de Toynbee,logo que tenhamos feito a anlise geral de sua obra, trataremos de examinar.

    Graas ao ataque dos Persas, a Grcia deu ao mundosuas maiores obras; graas ao ataque dos magiares, nosculo IX, o ocidente conquistou essa forma de g overn are essa cincia que o orgulha; graas aco dos espanhis,na Inglaterra e na Holanda, sobreveio o surto desses pases

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    desafiados, e muitos outros so salientados por le na justificao de suas teses. A expulso dos Hiksos corresponde dos Mongis na China, pelos Ming.

    Tambm no se julgue, quando Toynbee fala em declnio, queira le indicar a desagregao total, mas o perodoem que cessa o crescimento e comea a manifestar-se a pre

    ponderncia das disposies prvias cor ruptiv as, segundo anossa maneira de conceber a Histria . Um perodo de declnio pode ser pontilhado ainda de grandes realizaes,como o foi de Scrates, Plato e Aristteles, na Grcia.

    Preocupado em descobrir quais as causas que se podemestabelecer da decadncia, entre muitas possveis, Toynbeeestabelece uma, que fundamental: a nossa natural perfdia. Essa causa emergente vem da prp ria natureza humana, vem do corao humano, "porque do corao humano que vm os maus pensamentos", dizia Cristo e soeles "que imundam o homem". Como se processa essaaco corruptiva passa a preocup-lo, j que o progressohumano obra de algumas personalidades selectas e de minorias criadoras. Esta s, quando conseguem despertar n asvastas massas humanas a faculdade primitiva e universaldo mimetismo, conseguem lev-las a algo mais elevado. Docontrrio, por si ss, no alcanariam esses estgios superiores, nem sair iam da estagnao que lhes prpria. Oque mister impedir que a minoria criadora seja vtimade seu prprio hipnotismo, pois, ento, a docilidade da massa ser adquirida a custa de uma perda de iniciativa, comoacontece nas civilizaes imobilizadas e nos perodos estag-nantes da Histria das outras civilizaes. Quando os chefes cessam de dirigir, deter o poder torna-se um abuso. Amassa se amotina e os chefes tentam estabelecer a ordem

    por meio da coaco. Essa desagregao da sociedade ma-nifesta-se na ciso do proletariado e na degenerao dosdirigentes, que se torna m numa minoria dominante. Essaciso entre dirigentes e dirigidos revela uma falta de harmonia entre as partes; ou seja, perturba-se o funcionamento da total idade qual esto as par tes subordinadas, cujanormal dada pela total idade no mais obedecida. Essafalta de harmonia revela-se pela perda da auto-determina-o, que um critrio da decadncia, pois a marcha paraa auto-determinao, que implica a harmonia das partes notodo, realmente o critrio do crescimento.

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    Chegado aqui, resta ento estudar como se processaessa perda da auto-determinao, para que se possa estabelecer como se precipita a desagregao, a decadncia.

    Parti ndo da parbola de Cristo, que diz: "Ningumpe um pedao de pano novo numa velha roupa, porque lelevar alguma coisa do vestido e o rasgo se tornar pior.

    No se pe vinho em velhos odres, do contr rio os odres serompem, e o vinho se derrama e perdidos sero os odres.Mas pe-se vinho novo em odres novos e ambos se conservam", le conclui que a fonte da dissonncia entre as instituies, que compem a sociedade, nasce da introduco denovas foras sociais, como aptides, sentimentos, ideias,

    pa ra as quais o sistema vigente no estava prepar ado a susten tar . Essa justaposio de elementos novos na velha sociedade tem um papel degenerativo. Esse papel cabe srevolues, pois estas tm sempre uma relao com algumacontecimento j sobrevindo, e sua exploso no se d porsi mesma se no fr provocada pelo jogo anterior de forasexterna s. Assim, a Revoluo Francesa de 1789 teve suainspirao na Revoluo americana, na luta pela independncia, glorificada em Frana por tantos escritores e polticos.

    O carcter violento das revolues proporcionado resistncia oferecida pelas velhas instituies, pela sua tenacidade.

    Contudo, h muitos outros factores que penetram ainda na sociedade para actuarem como corruptivos e destruc-tivos. Um deles a democratizao da cultura . Est asempre se tem feito custa da prpri a cultura. proporo que se difunde o conhecimento, pelo modo que se temfeito, este decai em rigor e em profundidade. Jamais oconhecimento dado a todos atinge os graus quando ministrado a uma minoria, que o considera como um galardo.O nmero das mediocridades pseudamente cultas aumentade tal modo que favorece a ecloso de uma sub-l iteratura ,

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    ,H4 MRI O FERREI RA DOS SANTOS

    todo, porque no tm uma viso do todo, mas apenas dapa rte. A banausiu to ridicularizada pelos gregos dominaa nossa sociedade, e impede que uma viso geral mais profunda das coisas possa orien tar os homens. Todos esseselementos, como muito bem o salientava Toynbee, tm um

    papel desagregador e favorecem a corrupo. Bas ta que

    olhemos em nossos dias o espetculo doloroso da literaturamundial, onde verdadeiras mediocridades so endeusadascomo arautos da verdadeira arte, e chegamos a um sculoem que o nmero de grandes e reais valores cada vezmais diminuto, enquanto reprteres da literatura e falsosartistas foram violentamente os meios de propaganda, como intuito de obterem o cartazismo de vedettes, no trepidando, para tal conseguir, aos mais vergonhosos expedientes publicitrios e demaggicos. Felizmente, h sinais deque um pblico mais culto desperta, e exige obras melhores.Essa ciso, que se observa na poca moderna, de mximaimportncia e sobre ela desejamos oportunamente nos demorar, embora em todas as pocas tenha havido sempre

    duas literaturas: a dos sub-literatos palavrosos, demaggicos, do lixo do esprito, em busca de uma desenfreada propag and a e de um renome a todo custo , e a li te rat ura sr ia,profunda , devotada ao exame e especulao dos temasmais nobres, que s apaixonam as mentes mais elevadas.A primeira a literatura de um romancista ou um poetaqualquer, de renome, e a outra a de um Plato, de um Aristteles, de um Cervantes, embora tenha este vivido os doisextremos em sua obra, pois a sua popularidade se deve maisao que nela h de inferior, e do que nela h de superior.

    Volvendo a Toynbee, vimos que le estabeleceu doisaspectos da queda da auto-determinao, que foram: a me

    canizao do mimet ismo; ou seja, a no correspondnciapor pa rt e dos dir igidos em relao aos dir igentes, e em segundo lugar, a irreductibilidade das instituies; ou seja,a impossibilidade destas suportarem formas supervenientesno contidas em suas virtualidades.

    Salienta ainda Toynbee um exemplo de decadnciaquando se instaura uma idolatria a uma instituio efmera, como a dos atenienses ao papel de educadora do mundo,que atriburam sua cidade; a dos cristos, no sonho deum novo imprio romano, o sonho da cosmpolis de Alexandre.

    FILOS OFIA E HISTORIA DA CULTURA 35

    Outro aspecto o apego a uma tcnica efmera, comoo a simbolizada pelo duelo de David e Golias, em que este,convicto da sua tcnica, desprezou totalmente as possibilidades de seu contendor, e, p ara le, avanou sem receio,como a Frana na guerra de 1939, confiando na impenetrabilidade de sua famosa Linha Maginot, como os mame

    lucos do Egito, ante a nova tcnica de Napoleo, os velhosexrcitos ante a falange macednica, e a falange cedendos legies, as velhas formaes militares ante as armas defogo, a vitria do exrcito francs sobre as formaes prus-sianas de Frederico o Grande e, finalmente, o desenvolvimento tcnico do exrcito alemo em face das velhas tcnicas dos franceses em 70, e superando-as.

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    DA DESAGREGAO DAS CIVILIZAES

    Escreve Toynbee: " . . . ns j descobrimos, que a causaltima e a razo fundamental dos declnios, que precedemas desagregaes so essas exploses de lutas intestinas, quecomprometem a faculdade de auto-determinao das sociedades. Os cismas sociais, que revelam essa discrdia, rom

    pem simultaneamente a sociedade der ruda sobre dois planos. Exis tem cismas verti cais entre sociedades cindidasgeograficamente, e cismas horizontais em que as classes,que hab itam o mesmo territ rio, opem-se uma ou tra "(ibidem, pg. 402).

    Entre as primeiras, temos as guerras entre os estados,que os levam ao suicdio; quanto s segundas, estas aparecem

    j quando a sociedade declina e inicia seu derruimento edesagregao. Estas ltimas no surgem nas fases decrescimento. Em nossa civilizao ocidental, encontramo--nos em face desse ltimo tipo de ciso.

    , #

    "Ao terminar nossa anlise, descobrimos que a mutao qualitativa, que acarreta a desagregao, traz um carct er oposto ao que produz o crescimento. Vimos que nodecurso do desenvolvimento, as diversas civilizaes, que se

    elevam, diferenciam-se cada vez mais umas das outras.Vamos agora descobrir que, ao contrrio, o efeito qualitativo da desagregao leva estandardizao" (ibidem, pg.404).

    A tendncia marcante e quase dominante, que leva aum sector do conhecimento ou da arte, um dos sinais dessa fase. Toda vez que se escolhe apenas um sector, o esgotamento aproxima-se velozmente, como se verifica naescolha de um valor arts tico , dos muitos que constituemuma obra de art e. Assim, a extrema valorizao do volume na pintura leva ao excesso de abstraccionismo e o esgo-

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    tamento precoce das possibilidades de criao. Poderamosmultiplicar os exemplos, mas so desnecessrios ao leitor inteligente, que hoje tem ante os olhos inmeros exemplos.

    O socialismo autoritrio de Karl Marx um exemplodesse cisma social desagregador pela exaltao da luta de

    classes, portanto da ciso social."Este cisma... nasceu de dois movimentos negativos,

    insp irado s cada um por uma m paixo. De incio, a minoria dominante experimenta manter, pela fora, a posioprivilegiada, que ela cessou de merecer. O pro letariadoresponde ento injustia pelo ressentimento; ao medo,

    pelo dio; violncia pela violncia. Contudo, o movimento completo alcana a criaes positivas: o Estado Universal, a Igreja Universal, as hordas brbaras" (ibidem, pg.407). Contudo, no se evita que uma nova minoria se jadominante e tda-poderosa, e de um poder muito superior anterior, por colocar toda a mquina do poder s suas

    ordens.O que caracteriza o proletariado interno no propriamente a sua existncia, mas a sua conscincia de classe, oressent imento de senti r-se deserdado da situao. E esse

    pro let ariado que , poster iormente, excitado pelas mais sinistras figuras de cesariocratas, trnsfugas de seus estamentos sociais, como um Sertrio, um Sexto Pompeu, umMrio e um Catilina, entre os romanos, e outros que a histria nos conta em nossos dias, que auxiliaro a destruiode uma civilizao. Contudo, se no se d a vit ria dese

    jada, abrem as portas a um novo sur to cultural, porque,rompendo, corrompendo e desagregando totalmente o que

    perdu rav a do passado, dispem os elementos materiais efundamentais para uma nova informao, para um novo ciclo cultural, que se abre, tambm, com uma nova f robustae com seus mrtires e seus propagandistas fervorosos.

    Antes de terminar nosso apanhado geral, no qual compendiamos as principais concepes de Toynbee, desejamosatentar um pouco para a especializao, que , na verdade,um dos movimentos mais sinistros de ciso da alma, parausarmos uma expresso daquele autor.

    A valorizao do especialismo surge da conscincia,que se toma em primeiro lugar, do acervo imenso de conhecimentos particulares e da impossibilidade que limita nossa

    FILOS OFIA E HISTORIA DA CULTURA 39

    vida e nosso conhecimento em poder acompanhar tudo quanto descoberto, achado, conquistado. Ento, surge aosolhos de muitos que prefervel conhecer-se bem algumacoisa em particular do que mediocremente muitas em geral.O universalismo do conhecimento combatido em favor doespecialismo, e o especialista comea a surgir aos olhos dosmenos percatados como representante de um nvel maisalto de cultura. Contudo, na verdade, no foram as mentesda banausia que criaram algo de novo e de grande para ahumanidade, mas precisamente aqueles que invadem vriossectores do conhecimento. Por isso no de admira r quea Humanidade deva mais aos autodidatas o seu progressointelectual que aos prisioneiros de uma escolaridade particular ista. Ademais, os poderosos sabem que o meio melhorde dominar dividindo. E como desejam dominar uma totalidade, como poderiam dividi-la em par tes ? O processo simples: dividam-se os homens pelo conhecimento, de modoque nada em comum mais haja entre um mdico e um engenheiro, que no podem mais manter entre si uma conversao sobre temas superiores, porque esto ambos distantesum do outro, e separados por um abismo de ignorncia, poiso mdico orgulha-se de ser analfabeto na engenharia e oengenheiro exibe o galardo da sua ignorncia total da medicina. Desse modo, esta ro separados pelo espri to. Mas

    podero est ar unidos pelo poder coactivo do Es tad o ou dopart ido ao qual servem como "soldados fiis" ou "correl igion rios". Desse modo, os poderosos, dividindo, melhorpodem governar. Eles sabem disso e toda orientao doEstado todo-poderoso sempre consistiu, na histria da humanidade, em desenvolver, sob o pretexto da diviso dotrabalho e da vantagem que h no conhecimento do particular, o aumento crescente da especializao, de modo queos homens se separem, unidos apenas pelo poder estatal,que os uniformiza como servidores apenas.

    Este um dos dolorosos aspectos que vivemos em nossapoca, sobre o qual ainda nos demoraremos a estudar.

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    O CICLO DAS FORMAS VICIOSAS

    Em "Filosofia da Crise", escrevemos estas pginas,,que ora reproduzimos, porque nos servem de ponto de partida para o estudo da matria que objecto deste livro.

    "H um ponto de mxima importncia para a boa compreenso da nossa teoria da crise , no que se refere ao homem e aos campos onde le actua e sofre determinaes.Esse ponto , sem dvida, o da abstraco.

    O verbo abstrahere, em latim significa trazer (de tra-here e de, abs) separar, portanto. E nesse sentido etimolgico que a palavra foi sempre considerada em sua amplitude acepcional.

    Mas, na Filosofia, o termo restringiu-se mais ao sentido de uma separao mental, isto , uma separao realizada pela mente, e no numa separao fsica, como a dasfolhas destacadas de um caderno. Por isso, se consideramcomo exemplos mai elementares e mais fceis para entender o que abstraco, as figuras geomtricas, por exem

    plo, destacadas, pela mente, dos objectos nos quais elasexistem.

    Na abstraco, d-se, por tan to, a presena de tr s termos: o agente que procede a abstraco, o acto abstractivo*e o objecto sobre o qual o mesmo se realiza. O resultado,dessa operao o seu contedo. comum, na Filosofia,empregarem-se termos como: aco abstractora, abstractor,abstrado, no sentido, tan to do contedo, como do que foi

    passvel da aco abs tra cto ra.

    No sentido filosfico do termo, ao realizarmos umaabstraco, esta se d na mente humana, porque o objecto,como tal, nada sofre, permanecendo o que . H, assim,na abstraco, uma actividade metafsica quando considera-

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    da em relao ao objecto, pois fisicamente no h nenhumaseparao, mas apenas a que realiza, por imagens ou ideias,a mente humana, uma actividade que trajisfsca. E semessa actividade no poderia o ser humano ter sobrevivido,

    pois a abstraco lhe necessria, pa ra que possa dar ordem ao mundo, que lhe surge caticamente. Dessa actividade lhe surgiram os conceitos, a s categor ias, e todas asformas noticas, que permitem ao homem ter uma visoordenada do mundo.

    A abstraco no algo contra a vida, como o afirmamcertos autores. A prpria vida j realiza uma aco abstractora, num sentido, naturalmente biolgico, porque, noviver, h tambm um seleccionar, um escolher, um preferire um preterir, um separar o que convm vida de o que noconvm. E nessa actividade abst ractora biolgica, h evidentemente crise. Se pres tarmos ateno ao mundo fsico--qumico, as afinidades qumicas, que se revelam nas combinaes, mostram-nos que h uma aco abs tractora fsico-

    -qumica.Mas todas essas aces se distinguem da psquica, pois,

    enquanto naquelas h separaes de ordem fsica, nesta asseparaes se do apenas no plano notico, no plano do espr ito , e o que separado o apenas atravs de esquemasabstracto-noticos, sem que se dem separaes de ordemfsica.

    , portanto, apenas no sentido psquico, que a abstraco tomada pela Filosofia. D-se a abstraco nesse plano, quando separado de um todo, pela aco da nossa mente, algo incapaz de existncia independente do mesmo, como, por exemplo, a cr de um objecto. Es ta separao sed fora da ordem ntica do objecto, e dela que poder surgir o conceito.

    Segundo temos exposto sempre em nossas obras, verificamos que num acto intuitivo sensvel, isto , na captaode um facto do mundo exterior, a nossa sensibilidade, cap-ta-o apenas proporcionadamente aos esquemas sensveis acomodados, e o contedo da imagem , por sua vez, proporcionado a tais esquemas, ou, em outras palavras, a assimilao, que se processa, proporcionada aos esquemas acomodados.

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    Estas so as duas fases da adaptao da sensibilidade.A imagem, consequentemente, uma imago, isto , uma apreenso do objecto pela correspondncia dos esquemas acomodados, que antecedem assimilao. A imagem, que temos do mundo objectivo, sendo adequada aos esquemas, no uma reproduo completa do objecto do mundo exterior.

    Embora o capte como um todo (e essa captao no falsa,se considerada na sua especificidade, como nos pode demonstrar a gnosiologia), ela, porm, no reproduz totalmente(totaliter), como dizem os escolsticos, o que o objecto ,mas somente o que dele corresponde aos nossos esquemas. Aimago , pois, intencional; tem um contedo psquico, que dado pelos esquemas acomodados e pela assimilao correspondente, e ela corresponde ao que no objecto in totum,

    por semelhana, e no o que o objecto tot almente, isto ,por identidade.

    Na imago, h uma identificao entre o intencional e ofundamental do objecto, mas em termos, pois uma iden

    tificao apenas parcial da apreenso psquica do objectocomo um todo, e no uma apreenso do objecto totalmentecomo .

    Este facto leva facilmente compreenso de que, naapreenso sensvel, j se d uma abstraco mental, pois aimago uma intimizao do objecto, segundo a acomodao dos esquemas. E no sendo a reproduco do objetototaliter, ela menos que le, se parti rmos do ngulo do ob

    jecto, mas diferente, se part irmos do ngulo do sujei to cog-noscente, que no apreende tudo, mas apenas o que lhe

    proporcional .

    Sobre esta maneira de conceber a abstraco, palmilhamos um terreno onde surgiram muitas controvrsias naFilosofia. Onde, porm, todos os filsofos, com pequenasvariaes, esto de acordo, que a nossa mente possui a ca

    pacidade de real iza r abst races, operao que lhe prpria.

    Para a filosofia escolstica, fundada no pensamentoaristotlico e platnico, essa operao abstractora de nossoesprito no elimina propriamente o real, mas se mantmsempre prxima dele, pois capta, pela separao do individual, o geral e o essencial, que constituem, tambm, a realidade das coisas.

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    Desta maneira, a potncia abstractiva do ser humano uma fora criadora, que faz surgir o real, do sensvel, ointelectual em sentido restricto, a forma, a essncia dascoisas, que, na intu io sensvel, apresentada confusamente. Essa aco, realizada pelo intelecto agente, isto , pelointelecto em acto, o que caracteriza a racionalidade, pois

    esta a faculdade do ser inteligente para captar, no que dado confusamente, a ratio, a razo das coisas.

    A abstraco era classificada em abstraco total eabstraco formal. Na primeira se separa o geral do particular, como, por exemplo, a figura geomtrica de um determinad o corpo. A primei ra chamada abstraco total,

    porcjue o seu resultado sempre um todo; e a segunda, formal, porque capta uma forma.

    A abstraco revela graus: o primeiro grau aqueleem que se consideram os objectos abstrados da matria,quando se abstraem as particularidades, contingentes e estrit ament e individuais. Esta a abstraco realizada pelaFsica; a abstraco de segundo grau realiza-se sobre a primeira, e capta a quantidade, o nmero, as figuras, e o ob

    jecto da matemtica. Finalmente, h uma abstraco deterceiro grau, que aquela que concebe as leis, os seres que

    podem existi r independentemente da matria, as formas como causa, efeito, o nmero transcendental, Deus, os espritos puros.

    Esta para a filosofia clssica, a abstraco prpriada Metafsica. Pa ra dar um exemplo dos tr s planos daabstraco, dos tr s graus da abstraco (e aqui queremosreferir-nos apenas intelectual), poderamos faz-lo da seguinte mane ira : num determina lo corpo fsico, se considerandos as suas particularidades, o que lhe prprio, separadamente, ou seja, o seu volume, a sua massa, et c, estamosna abstraco da Fsica; se dessas particularidades, considerarmos as suas generalidades, como seja nmero, figura,etc, estamos no campo da matemtica, e quando consideramos as leis e as formas puras, categorias, etc, desconcrecio-nados na matria, realizamos a abstraco metafsica.

    Deve-se, no entanto, considerar tambm como abstraco de certo modo metafsica as de grau inferior, pois emtodas elas h um separar transfsico.

    FILOSOF IA E HISTORIA DA CULTURA 45

    Um estudo filosfico da abstraco, no qual se tentassejustif ic- la, leva ria a pen etrar em amplos ter renos, que jinvadem o sector, no s da Filosofia geral, como, especialmente, de disciplinas como a Gnosiologia, a Psicologia e asmetafsicas regionais.

    Para o desenvolvimento da nossa tese, o que nos interessa estabelecer que o abstrado, pela nossa mente, d-se,ou no, no conjunto da realidade.

    Admitem muitos filsofos que a nossa mente capazde abstrair universalidades, que no so reais, mas meramente conceptuais, isto , que no encontram um fundamento nas coisas, mas apenas so criaes do nosso esprito(entes ficcionais). Outros, porm, afirmam que todas asabstraces que a nossa mente capaz de fazer, desde quesejam rigorosamente construdas, segundo os princpios daLgica, correspondem a uma realidade, quer fsica, quer metafsica. O ser humano se diferencia dos animai s por possuir a racionalidade, isto , a capacidade de construir esque

    mas generalizadores, com os quais le d uma ordem lgica(de logos, razo) ou seja, uma ordem das razes que correspondem ao nexo das coisas, com a qual le "organi za" o cosmos, que aos nossos sentidos surge caticamente, eivado deheterogeneidades.

    Sendo generalizadora a actividade abstractiva do homem, tem ela que considerar, primordialmente, o que homogneo, separandoo que heterogneo; assim, no conceito,consideram-se apenas as notas imprescindveis que se repetem nos indivduos, isto , que os indivduos tm em comum.Tor essa razo, muitas vezes, surgem, na Filosofia, aquelesque combatem a actividade operativa racional por conside-

    rarem-na excessivamente abstractora, por desprezar ela asheterogeneidades e no apresentar uma correspondncia realidade, que heterognea.

    A longa polmica travada entre racionalistas, que atribuem a prioridade, no conhecimento, razo, e tambm aela o critrio de conhecer, e os irracionais de toda espcie,que lhe negam tais valores, j esgotou todos os argumentosque poderiam ser esgrimidos en tre as duas faces. Est asduas posies so posies de crise, porque uma actualiza,na razo, apenas os aspectos positivos, enquanto a outra,apenas os negativos.

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    Por isso, intercalando-se entre ambas, surgem outrasposies, como a de Aris tteles e a dos escolsticos, que reconhecem o grande papel que tem a razo humana, comotambm as suas deficincias.

    Para o desenvolvimento da nossa tese, o que precisoconsiderar o seguinte:

    1. Toda actividade notica do homem abstracto-ra, em graus maiores ou menores, isto , escalares portanto,e realizam uma crise.

    2. As abstraces, realizadas pelo esprito humano,quando correspondem realidade, no a apanham totalmente, mas apenas como um todo (totum et non totaliter) o quetambm revela crise.

    Estabelecidos estes dois pontos, podemos agora estudar,no conjunto do real, onde esto os fundamentos da abstraco notica. Nesse conjunto da realidade, tudo quanto serefere actividade abstractora do esprito se d concrecionado. A separao realizada meramente mental, pois arealidade forma um todo concreto.

    O agravamento da crise, e nesse caso seria uma dicrise,est no facto de o esprito humano considerar o que le abstraiu, e que separou, portanto, mentalmente, como se estivesse realmente (aqui real-fisicamente) separado no mundoreal. Quando o homem, ao realizar a abstraco, para an alisar os seus contedos: se esquece de devolv-los realidade, ou obstina-se em no faz-lo, agrava le a crise, de talmodo, que as consequncias se tornam perigosas para o pr

    pri o homem. Ess a lt ima posio uma posio viciosa,porque se a fas ta do verdadei ro caminho, e a ela chamamos de

    abstractista, e, nesse conceito, pomos sempre um contedonegativo.

    A histria humana est cheia de exemplos de atitudesabstractistas, as quais geram as posies absolutistas, tam

    bm viciosas, que trouxeram e trazem consigo um corolriode consequncias das mais perniciosas para o ser humano.

    Passamos agora, antes de prosseguir nesta anlise, adar exemplos de tomadas de posio abstractistas, cujasconsequncias foram desastrosas para a humanidade emgeral.

    FILOSO FIA E HISTORIA DA CULTURA 4 7

    Se tomarmos, como objecto de nossas pesquisas, o serhumano, podemos consider-lo segundo os factores que odeterminam na sua estructura ntica, e segundo a sua circunstncia ambiental, sob os ngulos da emergncia e da

    predisponncia.

    So factores de emergncia os princpios intrnsecos do buscam-se conservar os mtodos oumeios adquiridos >

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    Ora, o conservadorismo , inegavelmente, uma caracterstica das formas primrias de cultura, sobretudo entre os

    povos pr-alfabetizados. Mas o conservadorismo, aqui,apresenta caracteres especiais, e que no so propriamenteutpicos. No est a sociedade vivendo j virtualmente asdisposies prvias que criam a corrupo de uma formaou de uma ordem?

    Nessas sociedades, buscam-se conservar os mtodos oumeios adquiridos, que possam trazer os maiores benefcios colectividade. No h um conservadorismo outrance,mas apenas o desejo de conservar as formas e os mtodosque deram os melhores resultados, e que se revelam maiscongruentes com o bem estar social.

    As utopias involucionrias, e as evolucionrias ou progressistas apresentam tambm caracteres diferenciais im

    portantes, pois as primeiras pretendem retornar a estgiosanteriores, e retomar a tcnica e o modo de vida j ultra

    passados, em face da inconvenincia das novas experinciasjulgad as incongruentes e pern iciosas . Surgem essas uto

    pias quando pretendemos voltar aos hbi tos e s tcnicasanteriores, por serem julgados melhores que os novos.

    As utopias evolucionrias e progressistas so as maisbem fundadas, pois baseiam-se em uma real idade do homem,que a sua capacidade progressiva. Apres entam essasutopias muitas varincias e o carcter utpico deve ser considerado quase sempre em sentido positivo, embora anteseus adversrios, como os conservadores (que querem estacionar o desenvolvimento tcnico), ou os revolucionrios,que desejam apressar os factos, sejam acusados de utopis-tas em sentido pejorativo.

    No Renascimento, e sobretudo na Idade Mdia, comoj verificamos, as utopias em sua maioria no eram propri ame nte revolucionr ias, e consideravam-se perfeitamente cris ts. Era m, sim, a aplicao real e positiva do Cristianismo defraudado por cristos, que no haviam realizadoa palavra evangelizadora, nem a forma fraternal de vidasocial que-ris to pregara. Por outro lado, propunham normas de organizao social, poltica e administ rati va, queeram involucionrias em muitos aspectos, pois era desejadoum retorno a experincias anteriores, que j haviam com

    provado a sua validez e eficincia para a ordem social. No

    se deve dar ao termo involuciorio nenhum contedo pejor ativo, porque o fundamento de t das as utopias involucionrias baseiam-se em que h formas de vida social, queso mais adequadas e congruentes com a natureza humana,e que no devem ser abandonadas sob pena de trazerem,no benefcios, mas pre juzos pa ra os homens. Assim,ouando Plato, em seus livros " A Repblica" e no "DasLeis", fundamenta a base poltico-administrativa da sociedade na inteligncia, na prudl^ia, n o saber, refere-se lea uma experincia que fundamental da vida humana, maspassvel de progresso .

    Ora, evidente que os r^ais aptos devem diri gir osmisteres nos quais so mais experimentados . Nenhuma ordem social pode ser perfeita ou alcanar um grau maior de

    perfe io se no obedecer essa lei (e neste caso um verdadeiro "logos platnico"), que a inteligncia humana captouda prpri a experincia. Porta nt o> devem dirigir a sociedade os mais aptos em suas fuPes. A democracia grega ,

    pela eleio directa , no as segu fav a essa escolha, pois a demagogia tem recursos suficientes para evitar que os mais

    capazes sejam escolhidos, sendC justamente os menos competentes os que mais des per ta i a confiana das massas.Consequentemente, Plato no era um crente na democracia, e nela via defeitos que pretendia evitar com a sua "Re

    pblica".Sem nos prolongarmos no exame da obra platnica, se

    no no grau em que interessa fundamentao de nossa tese,temos em sua obra Um ntido #xemplo da utopia involucio-nria, porque ante a topia gfega de ento, naquela lutasem quartel entre aristocratas e democratas, era absolutamente impossvel que a frmula platnica fosse aceita, porque as paixes incendidas evitariam qualquer exame maiscuidadoso do tema. E o mesrPo se d em nossa poca.

    Todo o progresso humano devido inteligncia. Mas estatem servido mais aos interessei de grupos que aos interesses gerais. O ideal de uma sociedade em que a inteligncia,liberta dos interesses de grupou se tornasse a directora dosdestinos sociais, visando ao be*m comum, embora seja inegavelmente uma frmula que supera as actuais, e que melhor corresponderia aos interesses humanos, contudoutpica.

    Realmente, enquanto a inteligncia, e queremos aquinos referir a tda gama do saber humano, representada por

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    seus mais elevados sp i s no fr utilizada sabiamente

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    e guer reira A diviso do trabalho correspondia s neces

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    seus mais elevados specimens, no fr utilizada sabiamentepa ra o bem comum, inevi tvel , que a improvizao, a incompetncia, a auto-suficincia e a debilidade mental dominem os destinos dos povos. Mas, por out ro lado, no corresponde realidade dos factores reais a implantao deuma forma social dessa espcie, e eis por que muitas ideologias modernas, que advogam uma ordem nova, fundada nainteligncia, posta a servio do bem colectivo, utpica.Mas nem por isso invlida, porque o carcter utpico noinvalida uma atit ude ideolgica, quanto acepo dessetermo, muitas so as suppositiones (sentido) que podem ter .Contudo, a acepo pejorativa no implica invalidez, e seria um sofisma mesquinho dizer-se que tal forma social,

    por no corresponder s condies tpicas da actualidade, utpica, e por ser utpica absurda. Se h utopias absurdas, a absurdidade no da essncia da utopia, como j vimos. O que da essncia da utopia a sua no presenae perdurabilidade actual adequada realidade vigente, semque por isso se lhe negue a possibilidade de um dia alcanaro pleno exerccio de sua existncia, como muito bem o disse

    Lamartine em sua famosa frase.A conservao de uma topia inadequada e incongruente

    com a realidade, que seja realizada pela coao, como se vem certos regimens totalitrios, vigente no seu plenoexerccio. O utpico est na iluso de poder conservar indefinidamente o que no corresponde topicidade das condies histrico-sociais. J aqui o conceito de utopia tomauma acepo diferente, e no se refere ordem social, massim ao seu valor real.

    Se voltarmos tese platnica, verificamos que as notcias sobre os ndios brasileiros revelavam uma ordem social que em muito correspondia ao ideal platnico. Os prudentes (e voltamos aqui ao sentido clssico e genuinamentevlido do termo na Filosofia, que se refere virtude cardialda prudncia, a virtude fundamental, adquirvel, um h

    bito por tan to, que consis te na aptido de escolher os melhores meios para alcanar os fins desejados, ou a capacidadede encontrar o caminho do conhecimento final, de modo maisadequado) os prud entes , repetimos, era m os escolhidos.Uma tribo indgena, em estado bem primitivo como se encontra muitas em grande nmero, espalhadas pelo interior doBrasil, organizava e organiza-se como entidade productora

    e guer reira. A diviso do trabalho correspondia s necessidades econmicas, mas adequadas s condies ecolgicas. Os mais prudent es dirigi am, como ainda hoje, em cada sector: guerra, caa e pesca, orientao do trabalho, cerimnias religiosas, funo judicativa, etc, e esta escolha erafeita sempre obediente a um nico critrio: aquele que demonstrasse maior capacidade.

    Ora, no era isso que se via na civilizao europeia.No era m os mais aptos nem os mais competentes que dir igiam os cargos mais importantes. Homens medocres, garantidos por direitos hereditrios, ocupavam cargos em quese exigiam uma grand e prudnci a. As utopias renascentis tas caracterizam-se tambm pelo sentido platnico: a exigncia do mais apto para um cargo social, importante, oque hodiernamente surge na expresso yankee "the rightman in the right place", o capaz no lugar em que necessria maior capacidade. Ora, o que se via, era quase sempreos menos aptos ocuparem os mais importantes cargos. Todas essas utopias pugnavam em propor a soluo platnica,a qual, por sua vez, no o producto de uma elocubrao

    humana, mas uma lio da experincia primitiva dos povos,vivida na "idade de ouro", que no se repetia na realidadehistrico-social da Europa medieval nem renascentista, masque os ndios primitivos da Amrica viviam em sua plenitud e! Com isto evidenciado, no se podia dizer que fosseimpossvel (o utpico no sentido da realidade no exi stente impossvel de existir), mas do que tinha topicidade intrnseca, tinha a aptido" tpica, pois se era possvel de ser vivida por seres humanos aos quais no havia chegado oevangelho cristo, muito mais o seria por cristos.

    Temos, aqui, de modo evidente, mais um factor de contribuio para o fortalecimento das convices utpicas e

    ideolgicas, que se deve ao conhecimento da existncia dospovos amerndios, sobretudo dos ndios da Amrica do Sul.

    Em favor da nossa tese da emergncia do anseio utpico,que se sedimenta na "criao do mito da idade de ouro", queem sua essncia universal, mas que singularmente diferente pelos aspectos accidentais, que so devidos aos factores predisponentes, extrnsecos essncia, mas aderidos existncia da utopia, desejamos rapidamente passar pelas

    principais manifestaes dessa utopia, atrav s dos diversos ciclos culturais.

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    C li t St it d B B

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    Confcio era um conservador involucionista no sentido

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    Como o salienta Stevenson, citado por Barnes e Bec-ker em sua "Histria do Pensamento Social"- I, pg. 9, muito antes que os homens se dedicassem especulao filosfica dos temas sociais, trs perguntas exigiam-lhes umarespos ta: "Que uma vida social boa? Por que boaessa vida? Como se pode proteg-la ou consegui-la?"

    As respostas a tais perguntas terminaram por estruc-turar-se nas diversas doutrinas sociais (ideologias), e nasutopias que sempre animaram os desejos humanos.

    Por ser inteligente, o homem elabora sempre um pensamento social. E nas formas primitivas de sociedade, seeste no aparece com os caracteres das estructuras ideolgicas dos povos civilizados, contm, contudo, todos os subsdios necessrios para uma verdadeira cosmoviso, para umaviso geral do estado scio-poltico. Encontramos nos mitos dos povos amerndios esse pensamento atravs de umaforma folclrica. Quase sempre o mito da gnese da triboencerra todas as normas fundamentais da ordem social vigente, e a sua justificao feita de modo mtico e mstico,profundamente afectivo. S num estgio de maior desenvolvimento do homem que tais mitos so intelectualizadosatravs das ideologias.

    Se examinamos os povos chineses, at onde vai o nossoconhecimento, surge-nos como um povo de agricultores, tendo, portanto, como forma social mais fundamental a aldeia,lugar sagrado comunal (chen). Todo o culto chins, historicamente mais primitivo para ns, liga-se aos ritos ctni-cos. Possuindo as estaes nitidamente distintas, a primavera passou para esse povo a merecer as cerimnias maisexpressivas e toda a simblica est sempre ligada s coisasterrestres, como vemos at na simblica do yvti, princpiofeminino, que analogicamente corresponde potncia aristotlica, e o yang, princpio masculino que tambm analogicamente corresponde ao acto de Arist teles. da concrdia entre yin e yang, que surge h'u, a "harmonia dosopostos", o que benfico ao homem. Ao tr ansformar-sea China, no milnio que antecede a era crist, num pas feudal e de um feudalismo hereditrio, propagou-se a doutrinada "grande felicidade", da "idade de ouro chinesa", daquele perodo em que o pas era regido por "homens superiores","sbios" (ts).

    Confcio era um conservador involucionista no sentidoplatnico, pois pregava, para a garantia da "gran de felicidade" a conservao dos velhos costumes, numa poca emque as inovaes ameaavam subverter a velha ordem.Fundando-se na famlia, na piedade filial (o que umanorma prpria de povos agricultores), opunha-se, assim, aoinfluxo que os remanescentes de tila, os hiun-hu, descendentes dos hunos (essencialmente cavaleiros) exerciam so

    bre a ordem social chinesa, que era fundamentalmenteagrria.

    como oposio a essa influncia que se pode compreender o anarquismo mstico de Lau-Tseu, contemporneo deConfcio (Kong-fu-ts) "o velho sbio". Viveu na mesma poca de Confcio, pois foram contemporneos, e assistiu aos grandes movimentos revolucionrios sociais que conseguiram destruir a ordem vigente feudal na China. Lutava contra as guerras fratricidas e pregava uma vida sim

    ples, primitiv a pa ra o povo, a nica capaz de assegurar permanentemente o bem que o homem desejava obter em suaexistncia.

    No s nos discpulos laostas , como nos confucionistas,em Mo Ts, em Meng Ts (Mencius), h sempre a aceitao de que a natureza humana revela uma bondade inata e,portanto, capaz de viver as formas mais simples e maisperfeitas , na proporo em que fuja ao artificialismo dacivilizao, como se v sobretudo no laosmo.

    Com Hsun-Ts h uma reviravolta no pensamento. Anatu reza dto homem inat amente m. O rousseaunismodos primeiros agora substitudo pelo hobbinismo dos segundos. Mas, no entan to, no h dvida que foi sempreviva entre os chineses o "mito da idade de ouro", "a era da

    grande felicidade".No difcil, embora no muito evidente, devido influncia brahmnica, encontrar na ndia o "mito da idadede ouro", pois no Mahabharata h, tambm a indicao deuma idade em que os homens agiam "com rectido (dhar-ma) e com o sentido da justia inatos" (canto LIX, 14),mas caram no pecado: "En to a loucura ou a estupidez seapoderou de suas mentes. Eclipsada deste modo sua inteligncia, perdeu-se o sentido da just ia. Depois a ambioe a tentao os subjugou. Surgiu, assim, o desejo de pos-

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    suir coisas no possudas at ento E foi isto que os le

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    suir coisas no possudas at ento. E foi isto que os levou a ser dominados por uma paixo, sob a qual comearama ignorar a distino entre o que se deve fazer e o que nose deve fazer. Como consequncia, apareceram a licenasexual, a libertinagem no falar e no comer, e a indiferenamoral. Quando se produziu essa revoluo ent re os homens,Brahma desapareceu e com le a lei".

    * * *

    Nos povos onde no encontramos o "mito da idade decuro", encontramos o do "paraso perdido", o qual podeser tomado simbolicamente como indicando uma idade emque o homem, simbolizado pelo primeiro casal, conhecia umavida natural e espontaneamente perfeita, sem os rigores deout ras normas que no aquelas indicadas pela natureza,

    pois so eternas e perfeitas, enquanto as indicadas pelos homens esto sujeitas ao erro judicativo e podem no se adequar perfeitamente ao bem do prprio homem.

    o que notamos na mitologia de todos os povos.

    AS TEORI AS SOBRE O ESTADO DE NATUREZA

    Atravs dos tempos, sobretudo na antiguidade grega ena cultura ocidental, a questo sobre o estado do homem antes do perodo civilizado foi sempre um dos temas mais de

    batidos, no s na Filosofia como na Teologia, na tica, eem todas as disciplinas que a esta esto subordinadas, comoo Direito, a Histria, a Sociologia, etc.

    Restava aos homens desse perodo apenas a busca especulativa, pois o continente europeu e o que j era conhecido na sia revelavam homens num estgio de civilizao

    possuidores de uma esca laridade complexa, mas j fora doprimit ivismo. Depois das especulaes real izadas pelos jnicos, vamos encontrar entre os romanos estudos acurados,que realizaram homens da estirpe de Strabo, Csar e Tcito, que continuavam os estudos que, entre os gregos, Herdoto havia desenvolvido com tanta acuidade.

    Foram feitos vrios esforos durante este perodo para estudar os povos que cercavam a civilizao criada peloImprio romano, e que apresentavam ainda graus bem acentuados de primitivismo.

    Mas s depois da descoberta dos povos amerndios, apso perodo das grandes descobertas realizadas pelos portu

    gueses e espanhis, seguido pelas dos franceses e italianos,que um conhecimento mais exacto sobre tais povos e sobreas novas possibilidades tornaram estes estudos mais seguros e trouxeram um maior contingente de auxlio s ideiasat ento expostas. As discusses permaneciam, ent retanto, no terr eno dogmtico e no polmico. Os relatos quese faziam dos primi tivos americanos ofereciam fundamentos para justificar esta ou aquela posio.

    Os factos vinham trazer novos subsdios para os estudos antropolgicos e tambm a convico de que houve uma

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    passagem evolutiva de um estgio pa ra outro, o que punhaem xeque muitos dos dogmas at ento aceitos.

    No podemos deixar de seguir o roteiro de Arthur O.Lovejoy, exposto em seu livro "Documentary Antiquities",sobretudo no primeiro volume "Primitivism and RelatedIdeas in Antiquity" (London, et. Johns Hopkins, 1935), naqual examina as principais concepes antigas sobre o primitivismo humano. Em prime ira lugar, distingue le o

    primit ivismo cronolgico do primitivismo cultural. Essa diviso facilita, por sua vez, a compreenso de duas posiesantropolgicas. Dos que aceitam um primi tivismo cronolgico, afirmam uns que teria o homem, nos perodos recuados, conhecido maior soma de bem estar do que ao atingir, depois, as formas mais complexas da vida social e tcnica. Pa ra outros , o cont rrio . Neste perodo, os homens revelam "o descontentamento do civilizado contra acivilizao ou contra alguns de seus aspectos mais conspcuos e caracters ticos ". Consequentemente, desejvel umavida mais simples do que a complexidade do estgio civilizado, da todas as doutrinas de um retorno da natureza fun-darem-se nessa afirmativa.

    Por essa concepo, os primitivos levam uma vida maisfeliz, mais tranquila, mais virtuosa, e por isso mesmo maisdesejvel que a dos civilizados por ns conhecidos.

    Os primeiros relatos sobre os indgenas americanos e,sobretudo, brasileiros, mostravam que a maioria era hospitaleira, vivia uma vida social tranquila, apresentando umaordem tico-social perfeita.

    Para essa concepo, o ter o homem alcanado um nvel civilizado mais elevado, mais uma decadncia do homem do que propriamente um progresso e, antropolgica-mente, o homem moderno um decadente, como o vemosexpresso na concepo de Dacqu, que chega a dar essa decadncia a toda animalidade, pensamento que encontramosesparso, por sua vez, na obra de Nietzsche, de Scheler e deinmeros outros pensadores alemes, os quais podemos englobar como defensores de uma doutrina decadentista sobreo homem, doutrina terrvjel, que tem encottrado muiltosadeptos.

    Da quanto posio do primitivismo cultural, que emmuitos aspectos se identifica ao primitivismo cronolgico,

    Lovejoy distinguiu duas manei ras de consider-lo. H umprimitivismo duro, penoso (hard). O primeiro o primitivismo arcaico, cuja influncia encontramo-lo no s na literatura dos sculos XVI e XVII, bem como em certas prticas sociais que revivem at os nossos dias.

    O civilizadoprimitiviza-se, vive formas primitivas, sem,

    contudo, perder a completa esquemtica j adqui rida. Eessas prticas surgem da aceitao de que j houve esseperodo arcaico, idlico, que poderia ainda reviv-lo. Nesse perodo, a vida selvagem liberta de coaces, assim como de penosos trabalhos. Os factos conhecidos sobre certos povos litorneos do Brasil, e, posteriormente, da Ocea-nia, traziam valiosos fundamentos para essa posio, quegestou tantas utopias.

    Para a outra posio do primitivismo cultural (du ro), avida primitiva pobre de bem-estar e cheia de penosos trabalhos e de privaes imensas.

    No h, contudo, na exposio das ideias dos antroplogos, atravs dos tempos, uma acepo segura sobre ostermos "natureza" e "natura l" . Lovejoy chegou a com

    pendia r cerca de sessenta e seis sentidos diferentes dadosa tais termos, o que torna impossvel aproveitar as duascontribuies analticas para a nossa exposio.

    Considerando o que h de positivo em suas contribuies,podemos reproduz ir sete significados dist intos, que so demagna importncia para nossas anlises posteriores.

    1) O Estado temporal de natureza. A situao original primitiva das coisas e dos homens.

    2) O estado tecnolgico de natureza. Um estado emque o homem est livre da "arte", no qual so apenas conhecidas as artes prticas, mais simples e rudimentares.

    3) O estado econmico de natureza. A sociedadehumana sem propriedade privada, quer dizer, o comunismoeconmico.

    4) O estado mar ita l de natureza. Comunidade demulheres e filhos.

    5) O estado diettico de natureza. Vegetari anismo,estado em que o homem vivia em paz com os animais.

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    6) 0 estado jurdico de natureza. Caracterizadopela ausncia de toda espcie de governo, salvoo"natural ' >c da famlia, e o do cl, ou seja a anarquia em seusentidosociolgico e no vulgar.

    7) O estado tico de natureza. Controle dosimpul

    sos humanos "sem esforo moral deliberado e consciente,sem a coaco de normas nem o sentimemto dopecado."

    V-se perfeitamente que tais estados podem coexistir.Nota-se,porexemplo, que, nas utopias antigas, oestado primitivo tecnolgico e o econmico so predominantes e caracterizariam a vida primitiva.

    Observa-se, ademais, que nas ideologias socialistas haum desejo de revolucionar a ordem social vigente, mas coma aplicao desses estados naturais, contudo realizveissemnecessidade de retornos ao primitivismo tecnolgico. Po-der-se-ia, sem grande dificuldade, aproveitando a lio deLovejoy, analisar as diversas utopias segundo essa classificao. Tais doutrinas no desejam um retorno ao primitivismo, um simples retorno,mas sim o abandono de certos

    preconceitos sociais civilizados, que permitissem ao homemtecnizado de nossa poca viver sob a heterogeneidade dasconquistas doprogresso, um estgio que, em muitos aspectos, repetiria o primitivo.

    Quase todas as utopias do Renascimento e muitas dosltimos sculos caracterizam-se pela aceitao de que hauma flagrante simplicidade na soluo dos problemas humanos, pois um certo retorno ao primitivismo garantiriamaior soma de bemestar e