Filosofia - Iniciação ao Estudo do Pensamento Clássico

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  • FILOSOFIA iniciao ao estudo

    do pensamento clssico

  • Reitora Ndina Aparecida Moreno

    Vice-Reitora Berenice Quinzani Jordo

    Conselho Consultivo

    Arlei de Espndola UEL/PR (Presidente)Leoni Maria Padilha Henning UEL/PRAntonio Sidekum UNOESC/SCLuiz Gilberto Kronbauer UFSM/RSManoel Dionzio Neto UFCG/PBTarclio Ciotta UNIOESTE/PR

  • Arlei de Espndola Claudia da Silva Kryszczun

    Helder Linhares TeixeiraSilvana Alves Barroso

    (Organizadores)

    FILOSOFIA iniciao ao estudo

    do pensamento clssico

    Londrina2011

  • Editoraao ElEtrnicaMaria de Lourdes Monteiro

    capaMarcos da Mata

    rEvisoVernica Merlin Viana Rosa

    F488 Filosofia : iniciao ao estudo do pensamento clssico / Arlei de Espndola (org)...[et al.]. - Londrina : UEL, 2011. 290 p.

    Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7846-119-5

    1. Filosofia Histria. 2. Filosofia Estudo e ensino. 3. Filosofia Ensino mdio. 4. Filosofia Ensino superior. 5. Teoria do conhecimento. 6. Filosofia. I. Espndola, Arlei de.

    CDU 1(091)

  • Ao Francisco Prado Rosain memoriam

  • sUMrio

    Prefcio ......................................................................................

    Introduo .................................................................................

    ANTIGUIDADE

    A crtica de Aristteles a Plato na sua teoria do conhecimento. ............................................................................Alessandro Rodrigues dos Santos Consideraes sobre o conceito de causa e substncia em Aristteles .................................................................................Carlos Eduardo Teixeira

    MEDIEVO

    A estrutura do agir tico no pensamento de Santo Toms de Aquino ....................................................................................Paulo Roberto da Rocha Santo Agostinho: do maniquesmo ao livre arbtrio ...........Igor Diniz Pereira

    MODERNIDADE

    O ceticismo em montaigne ........................................................Francisco Prado RosaHobbes e a liberdade civil........................................................Jasiel Silva Nascimento Hume e sua investigao sobre os princpios das regras morais. .........................................................................................Guilherme Jacobino da SilvaBelo e sublime em edmund burke .............................................Thais Cristine Nascimento de AlmeidaEducao moral em Kant .........................................................Carlos Augusto Pires Schroeder

    9

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  • CONTEMPORANEIDADE

    Nietzsche: ressentimento e moral do Senhor e do escravo Cassiano Clemente Russo do AmaralTrabalho e estranhamento em Marx ......................................Andr Luiz Silva Ferreira Habermas: direito e democracia .............................................Fernanda Martins de Oliveira a definio de homem em ernst cassirer: homem, um animal simblico ....................................................................................Caroline Santos Umezu Michel Foucault e a verdade produzida pela histria ........Rodrigo Lima de Oliveira O cinema pensado por meio do movimento em Giles Deleuze .......................................................................................Adriano Borges Anomalia, Crise e revoluo cientfica em Thomas Kuhn ...Caio Cesar Malassise Luiz

    Sobre os autores. .............................................................

    181

    193

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  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 9

    prEFcio

    O presente livro est composto por uma srie de temas filosficos tratados a partir de autores clssicos, que, do ponto de vista da Histria da Filosofia, estende-se desde a Filosofia Antiga at a Filosofia Contempornea. Contudo, este no um trabalho de Histria da Filosofia, apesar de seus temas e seus contedos estarem distribudos e abarcarem o percurso do pensamento filosfico ocidental em sua extenso. Tambm no um livro temtico, voltado para um determinado contedo, tratado, por exemplo, pelas disciplinas clssicas nos cursos de Graduao em Filosofia, como a Ontologia, a Metafsica, a Teoria do Conhecimento, a Filosofia Poltica, a Esttica, a tica, entre outras. Estas disciplinas pretendem dar uma viso panormica do seu objeto especfico, apresentando-o e analisando-o, discutindo, com isso, as diversas perspectivas tericas por meio das quais o tema foi abordado ao longo da Histria da Filosofia. Certamente, esta no uma obra voltada para o interesse dos iniciados nos estudos filosficos e que pretendem se aprofundar no assunto, discutindo diferentes interpretaes, comparando-as entre si, para contrap-las e, ao mesmo tempo, cotej-la com o texto original na tentativa de lanar novas perspectivas interpretativas a respeito do texto original.

    At aqui nos limitamos a dizer ou delimitar negativamente o campo e o teor do presente trabalho. O objetivo desta incurso para demarcar, positivamente, por contraposio, os objetivos que deram origem a esta coletnea e a que pblico dirigida.

    Do ponto de sua origem, o texto o resultado da aplicao de um plano de trabalho do projeto PIBID, financiado com recursos do governo federal. O projeto foi implementado a partir do curso de Graduao em Filosofia da Universidade Estadual de Londrina (UEL), em parceria com duas escolas da Rede Pblica de Ensino, envolvendo professores e alunos das duas esferas de ensino. Do ponto de vista filosfico e acadmico, ele uma amostra do esforo

  • 10 FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

    na tentativa de aproximar e integrar ensino, pesquisa e extenso. O escrito, em certa medida, contempla os trs momentos no processo formativo dos acadmicos, e os estimula a pesquisarem e aprofundarem os contedos na medida em que fazem o contato com as diferentes realidades do processo de ensino e aprendizagem, que lhe lanam sempre novos desafios, os quais ultrapassam os limites corriqueiros da sala aula aulas, provas e trabalhos. Esta experincia exercita o pensamento crtico por parte do acadmico, porque o obriga a sair de si mesmo, na medida em que ele precisa comunicar a outros o que ele compreendeu e interpretou daquele texto filosfico, pondo, assim, prova o grau de domnio que ele alcanou no uso daqueles conceitos. O ato de dizer, porm, por escrito, ou seja, de materializar num texto, o processo dessa aprendizagem, exige um grau de clareza e de reflexo ainda mais apurados. Por isso que a ideia de concluir o projeto com a edio de um texto que envolve professores do ensino superior e do ensino mdio, bem como alunos de ambas as esferas, mostra no s o esforo de produzir um trabalho coletivo, mas indica o grau de entendimento que se tem da indissociabilidade no processo de formao acadmica, entre a esfera do ensino, da pesquisa e da extenso.

    O texto que ora vem a pblico o resultado material da reflexo filosfica conjunta realizada entre o pblico e os profissionais do ensino superior e do ensino mdio, da inter-relao de acadmicos do Curso de Graduao em Filosofia com os alunos do Ensino Mdio, experincia esta que, certamente, contribuiu no processo de formao acadmica e, ao mesmo tempo, viabilizou uma maior integrao entre os dois nveis de ensino.

    A ideia de materializar esta experincia filosfica, na forma de texto, tem a inteno de poder contribuir, ainda que de forma parcial, com o ensino da Filosofia no Ensino Mdio. A variedade de autores e dos temas, aqui tratados, e a forma como so apresentados, possibilita o uso do presente livro como um novo recurso didtico. O livro, porm, no deve ser interpretado como um manual de ensino da Filosofia, nem mesmo como uma histria

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 11

    da Filosofia, porque esta no sua finalidade. Sua contribuio reside no fato de apresentar diversos autores distribudos ao longo da histria da Filosofia, os quais so abordados, a partir de um tema especfico, tendo como ponto de partida um comentrio, seguido de textos do prprio Filsofo, e de uma srie de questes que tenta problematizar o texto e que podem servir de guia para a sua compreenso e interpretao. A presente obra destina-se aos principiantes do estudo da filosofia e aos professores que trabalham com o ensino da Filosofia no Ensino Mdio, podendo servir-se desta como um novo recurso didtico complementar. Acreditamos ser um texto que estimula o interesse pela Filosofia, dada a diversidade de autores (filsofos), dos temas e dos problemas filosficos a abordados, oferecendo vrias portas de entrada ao estudo da Filosofia a partir do interesse de cada um.

    Do ponto de vista terico, o livro aborda temas e problemas relacionados s diferentes reas da filosofia, tais como a Metafisica, a tica, a Teoria do Conhecimento, a Filosofia Poltica, a Filosofia do Direito, a Filosofia da Cincia, entre outras. As reflexes aqui desenvolvidas so acompanhadas de extratos de textos do prprio filsofo, o que fornece indicaes teis e podem servir de estmulo ao leitor, despertando-lhe a curiosidade a respeito de determinado tema. As sugestes de leituras e referncias bibliogrficas que aparecem ao final de cada texto so um instrumento til para aqueles que desejam iniciar uma pesquisa mais abrangente e aprofundada sobre o pensamento dos determinados filsofos.

    Enfim, as ideias filosficas aqui postas em evidncia, mediante diferentes textos e de seus respectivos autores, so a demonstrao de que possvel aprender filosofia fazendo filosofia. Neste sentido, os textos clssicos se constituem matria-prima indispensvel, a partir da qual aprendemos a disciplina e o rigor do ato de pensar, porm, no como um mero exerccio do raciocnio lgico indiferente ao mundo, mas, ao contrrio, fazendo do pensamento crtico a luz que suprime a indiferena e as trevas da ignorncia. Se assim for, a filosofia continuar tendo sentido, no s para os

  • 12 FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

    que se dedicam pesquisa, mas para todos aqueles que querem exercitar a autonomia do pensamento.

    Prof. Dr. Tarclio Ciotta

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 13

    introdUo

    A universidade precisa ter como meta maior o estabelecimento

    do trinmio pesquisa-ensino-extenso para justificar, frente

    sociedade, a razo de sua existncia. Entretanto, essa conexo, em

    nosso meio social, nem sempre alcanada e termina colocando-

    se como um ideal a ser atingido, no bastando que muitos

    profissionais que a atuam, focalizando, sobretudo, o campo da

    pesquisa, compreendam o alto valor de consumar-se essa realidade

    almejada.

    Essa desconecxo referida, que gera um grave abismo,

    constituindo precisamente dois mundos distintos, traz a existncia,

    de um lado, da universidade, do mundo acadmico, e dos tericos

    que o edificam; de outro lado, aparece a prpria sociedade, a

    realidade concreta da escola, o corpo de profissionais do ensino

    que o compem, juntamente com os problemas inerentes a esse

    universo, que ultrapassam o mbito do que ns podemos imaginar.

    A chegada do PIBID Programa Institucional de Bolsa de

    Iniciao Docncia projeto criado pelo governo federal, no

    governo Lula, e dirigido tcnica e financeiramente pelas CAPES

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal do Ensino Superior

    representa a oportunidade de comearmos a contornar o referido

    problema.

    Cientes quanto ao valor, importncia e utilidade deste

    referido programa, aproveitamos o espao e a possibilidade

    concedida, por meio do edital publicado em 2009, extensivo, pela

    primeira vez na histria, s universidades estaduais brasileiras,

    para integrarmo-nos a ele por meio de um subprojeto, inserindo a

    filosofia neste quadro.

  • 14 FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

    Como parte do PIBID/UEL, devidamente aprovado pela

    CAPES, o subprojeto da rea de filosofia integra o rol das seis

    licenciaturas que estabelecem o plano maior de trabalho da

    universidade nesta edio inaugural e pioneira, contando com uma

    concepo e uma estrutura prpria. Coordenado pelo Prof. Dr.

    Arlei de Espndola, sua mecnica de trabalho, que est implcita

    no presente livro, contempla as esferas tericas e prticas dando a

    mesma ateno para esses dois mbitos distintos, mesmo agora que

    j nos encaminhamos para o estgio de fechamento das atividades.

    Para a etapa terica, reunimo-nos na UEL, no CLCH, todas

    as quartas-feiras desde maro de 2010, contando com a presena de

    todo o grupo de trabalho. Esse tem, alm do referido coordenador

    geral do subprojeto, 14 estagirios e mais 2 professores/

    supervisores. O grupo de estagirios se divide em duas equipes de

    7 quando parte para a esfera do ensino, estritamente, no interior

    das escolas. O grupo do Colgio de Aplicao recebe a superviso

    da Prof Claudia da Silva Kryszczun e o grupo do Colgio Vicente

    Rijo foi supervisionado, em 2010, pela Prof Silvana Alves Barroso

    e agora, em 2011, conduzido pelo Prof. Helder Linhares Teixeira.

    Dinamizando a atividade no meio acadmico, cada estagirio/

    bolsista conta com um plano individual de estudos que se associa

    a um filsofo especfico da tradio. Seguindo um cronograma

    preestabelecido, os 14 estagirios possuem o compromisso de

    divulgar os resultados preliminares de suas pesquisas, valendo-se

    de um espao em cada um dos encontros das quartas-feiras.

    Dos encontros na universidade, apoiados nos estudos

    e reflexes individuais que cada um dos bolsistas desenvolve,

    florescem os subsdios para as aulas semanais que so ministradas

    no contraturno nas escolas; saem os contedos para os textos das

    comunicaes que devem apresentar em congressos; acumulam-se

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 15

    os materiais com vistas produo do trabalho de concluso de

    curso; resultam os contedos que terminam de se converterem no

    presente livro.

    Muitos so os ganhos dessa experincia para todos que

    terminam se relacionando com o presente subprojeto do PIBID/

    UEL. A comunidade escolar dos 2 colgios envolvidos, que

    desempenham o papel de maior campo de trabalho que temos,

    dele extraem uma fonte de estmulo para se envolver com o estudo

    da filosofia. Muitos jovens estudantes que no sabiam o que era

    filosofia descobrem que esta disciplina est muito prxima de ns.

    Os professores/supervisores, afastados da pesquisa por fora da

    contingncia de terem uma carga de trabalho grande, com muitas

    aulas para ministrarem em sua rotina profissional, encontram a

    uma bela oportunidade para se atualizarem e se capacitarem.

    Os benefcios dos alunos/bolsistas so muitos: eles exercitam-

    se na prtica da pesquisa e da docncia j na prpria universidade,

    sofisticando seu processo de formao; seguem trabalhando

    no campo terico e prtico quando escrevem seus textos para

    apresentarem nos congressos. Cada um deles, alis, proferiu duas

    comunicaes em eventos cientficos durante o ano de 2010,

    devendo repetir este feito nos meses finais de 2011, participando

    de mais uma atividade acadmica. Todos participaram: 1)

    VII SEPECH Seminrio de Pesquisa em Cincias Humanas,

    promovido pelo CLCH/UEL, entre 10 e 13 de agosto de 2010;

    2) II Encontro de Egressos e Estudantes de Filosofia da UEL,

    ocorrido tambm na UEL entre os dias 01 e 04 de setembro de

    2010. Grande parte dos estagirios no havia tido, at o presente,

    um trabalho aprovado para um congresso e escrito um texto para

    proferir como uma comunicao.

  • 16 FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

    Os estagirios, contribuindo diretamente na destituio do

    abismo entre a universidade e a educao bsica, obtiveram proveito

    estando em permanente contato com as escolas que compem

    nosso campo mais prtico de trabalho, devendo manter esse ritmo

    at o perodo de fechamento do projeto. A eles ministraram aulas

    de modo constante, acompanhados pelos professores/supervisores,

    aos estudantes do ensino mdio, cumprindo o propsito de se

    exercitarem na docncia. Aqui, como nos momentos anteriores,

    tiveram de bolar recursos didticos e metodolgicos, alm de

    escreverem seus textos, para cumprirem com suas tarefas. Isso que

    se passou regularmente no primeiro ano do projeto continuar

    sendo feito neste momento em que visamos dar o arremate final e

    concluir o trabalho, executando a segunda parte da atividade.

    Tudo isso que precede est sendo consolidado com a escrita

    deste livro a ser amplamente difundido na rede pblica de ensino,

    intitulado Filosofia: iniciao ao estudo do pensamento clssico,

    que representa a documentao de todo esse nosso esforo

    coletivo. O material recebeu o auxlio, em sua composio, do

    mundo da experincia; ele no foi construdo por especialistas que

    desconhecem o endereo da escola e os problemas concretos, em

    partes, enfrentados na rea de filosofia. Sua organizao no est

    reduzida ao empenho isolado e solitrio do coordenador geral do

    subprojeto. Essa envolve os professores/supervisores que conhecem

    bem a realidade escolar, pois fazem parte do quadro de docentes

    em plena atividade na educao bsica. E os textos, abrigando

    toda a histria da filosofia, marcados por seu carter didtico,

    trazendo extratos das obras clssicas, aps os artigos, juntamente

    com um rol de questes e, depois, uma listagem de livros para

    o aprofundamento dos estudos, beneficia-se, por sua vez, dos

    subsdios trazidos pelas reflexes dos estudantes/estagirios.

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 17

    A presente produo, introdutria reconhecidamente aos

    estudos filosficos, vem registrar o que desenvolvemos de forma

    mais palpvel no PIBID/UEL, verso 2010/2011, coordenado,

    no seu mbito geral, pelo Prof. Dr. Srgio de Mello Arruda do

    Departamento de Fsica da UEL. Ele representa, considerando

    o subprojeto da rea de filosofia, nossa experincia singular e

    bastante profcua, concessora de forte estmulo para seguirmos

    trabalhando.

    Podemos garantir que o dilogo permanente estabelecido

    entre todos ns, num trnsito do campo terico ao campo prtico

    e vice-versa, serviu-nos para mostrar o quanto a filosofia, apesar

    de exigir um esforo solitrio nos comeos, clama sempre pelo

    debate. E foi da que surgiram todas essas propostas de leitura,

    verificadas por meio de cada um dos textos que aparecem nas

    pginas seguintes, voltadas ao anseio de tocarem de alguma

    maneira aos alunos do ensino mdio.

    Aqui, o leitor atento e o estudante, em fase inicial de

    formao, tero acesso a estudos que vale repetir cobrem todos

    os perodos da histria da filosofia, sendo seguido de: extratos de

    textos, questes para reflexo, e sugestes de leituras. Oriundo

    dos projetos dos alunos/estagirios, o livro apresenta uma nfase

    que recai, entretanto, sobre alguns problemas que se difundem no

    interior da filosofia moderna e contempornea, pois os planos de

    pesquisa, em sua maior parte, estavam conectados a essa esfera.

    Guardamos a expectativa de que os estudantes do ensino

    mdio, juntamente com a comunidade escolar desse plano do

    ensino, possam encontrar no livro que se conduz agora ao

    pblico uma fonte de estmulo para se aproximarem da filosofia, e

    apreendam subsdios suficientes para lhes impulsionarem em suas

    reflexes pessoais.

  • 18 FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

    Alm de reconhecermos o apoio da Universidade Estadual

    de Londrina e da CAPES para a realizao do trabalho e para o

    estabelecimento da publicao deste volume, fica aqui expresso

    nossos agradecimentos especiais Cristina Duarte Ruiz, Assessora

    da Pr-Reitoria de Planejamento de Nossa Universidade, e

    Lourdes Maria Monteiro, da parte de editorao e diagramao.

    Ambas se caracterizam por manterem grande entrega ao trabalho

    e serem bastante prestativas sempre que so acionadas.

    Os Organizadores

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 21

    a crtica dE aristtElEs a plato na sUa tEoria do conHEciMEnto

    Alessandro Rodrigues dos Santos

    i- coMEntrio

    1 as BasEs da tEoria do conHEciMEnto EM plato

    A questo da teoria do conhecimento em Plato tem

    suas bases na imortalidade da alma, que fundamenta outras

    caractersticas importantes. Por meio dela Plato apresenta o

    conhecimento como recordao, ou anamnese, pois a alma teria

    tido um contato anterior com as ideias. A questo da forma com

    a qual o homem tem acesso ao mundo inteligvel que far Plato

    dar origem teoria do conhecimento: a anamnese. O que o

    conhecimento e o processo pelo qual ele acontece, qual a distino

    entre conhecimento sensvel e conhecimento inteligvel so os

    desdobramentos dessa teoria.

    para dar resposta aos ersticos que Plato, contra a aporia

    gerada por estes ltimos, constri seu caminho inteiramente novo

    at ento, para aquisio do conhecimento. Segundo o historiador

    Giovanni Reale (2002), os ersticos aparecem no Menon e, segundo

    seu princpio, no se pode aprender nem o que se sabe, nem o que

    no se sabe, visto que ningum procura saber o que se sabe e nem

    pode procurar saber se no sabe o que procurar. O que os ersticos

    tentaram foi bloquear a questo de forma capciosa, afirmando que

    a pesquisa e o conhecimento so impossveis.

  • 22 FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

    E de que modo procurars, Scrates, aquilo que no sabes absolutamente o que ? Pois procurars propondo-te que tipo de coisa, entre as coisas que no conheces? Ou, ainda que, no melhor dos casos, a encontres, como sabers que isso aquilo que no conhecias? (PLATO, 2001, p. 49).

    Plato apresenta nestes termos o mito da anamnese, ou

    seja, ao recordar o que antes j tomara contato, seja no hades

    ou neste mundo, a alma configura-se imortal, tendo j nascido

    outas vezes. Por isso, ao confrontar-se com algo, ela se lembra e

    consequentemente ocorre o mesmo com as demais informaes

    das quais j tivera contato.

    Como Plato equipara a reminiscncia ao ato de pesquisar,

    infere ento o adjetivo de preguiosos aos sofistas, por estes

    terem se afastado desta investigao. O conceito de anamnese

    est diretamente vinculado condio de unicidade da natureza

    humana com o mundo e com a alma. Isto porque esta igualdade

    permite que tendo uma vez recordado um fato, o homem possa

    naturalmente recordar de tudo o que viu por si mesmo, seja

    neste mundo ou no hades. Segundo Nicola Abbagnano, Plato

    exemplifica sua doutrina da anamnese com o mito do escravo que

    aprende recordando o Teorema de Pitgoras, sendo habilmente

    interrogado por Scrates.

    Sendo ento a alma imortal e tendo nascido muitas vezes, e tendo visto tanto as coisas aqui quanto as no Hades, enfim todas as coisas, no h o que no tenha aprendido; de modo que no nada de admirar, tanto com respeito virtude quanto ao demais, ser possvel a ela rememorar aquelas coisas justamente que j antes conhecia. Pois, sendo a natureza toda congnere e tendo a alma aprendido todas as coisas, nada impede que, tendo rememorado uma s coisa fato esse precisamente que os

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 23

    homens chamam aprendizado-, essa pessoa descubra todas as outras coisas, se for corajosa e no se cansar de procurar. Pois, pelo visto, o procurar e o aprender so, no seu total, uma rememorao. No preciso ento convencer-se daquele argumento erstico; pois ele nos tornaria preguiosos, e aos homens indolentes que ele agradvel de ouvir, ao passo que este faz-nos diligentes e inquisidores Confiando nesse como sendo o verdadeiro, estou disposto a procurar contigo o que a virtude (PLATO, 2001, p. 53).

    Uma vez provada a verdade que j estava presente na alma do

    escravo, Plato tambm conclui que esta ltima eterna. Alm da

    influncia rfico-pitagrica, os estudiosos tambm apontam que,

    no caso da gnese da anamnese platnica, a maiutica socrtica teve

    igual importncia, pois para que o processo maiutico ocorresse e

    a verdade surgisse da alma, esta (a verdade) j deveria subsistir no

    interior da alma. Assim, a doutrina da anamnese apresenta no s

    a metempsicose rfico-pitagrica, mas tambm a justificao e a

    comprovao da possibilidade da maiutica socrtica.

    no Fedon tambm que Plato apresenta uma comprovao

    da doutrina da anamnese referindo-se aos conhecimentos

    matemticos. Aqui o filsofo argumenta que, por meio dos

    sentidos, possvel identificar a existncia de coisas iguais e de

    outras anlogas, na realidade sensvel, porm, jamais encontramos

    correspondncia com tais dados, pois no existe coisa sensvel

    perfeitamente quadrada ou circular. Da concluir que h um desnvel

    entre os dados da realidade sensvel e as noes e conhecimentos

    que possumos.

    Tendo feito tal anlise, no difcil concluir que se os dados

    advindos da experincia sensvel so imperfeitos, as noes que

    de algum modo se possui esto presentes no interior do prprio

    homem, que as encontra e as descobre. Por meio da matemtica

  • 24 FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

    esta questo fica clara, visto que tais noes so conhecimentos

    perfeitos e esto neste caso em posse de nossa alma. Tais raciocnios

    so aplicados por Plato tambm s questes estticas e ticas de

    bom, belo, justo, santo etc.

    Estes problemas na prpria teoria e a necessidade de

    respostas levaram Plato a trabalhar em vista de solucion-los, o

    que gerou a teoria das ideias, contudo, no no Fdon que esta

    teoria encontrara uma explanao detalhada. De qualquer forma

    a teoria das ideias est no centro das teorias platnicas. possvel,

    no entanto, apontar mesmo no Fdon algumas caractersticas desse

    pensamento: as ideias so os objetos especficos do conhecimento

    racional; as ideias so critrios ou princpios de juzo acerca das

    coisas naturais; as ideias so causas das coisas naturais.

    Assim, depois de haver tomado como base, em cada caso, a idia, que , a meu juzo, a mais slida, tudo aquilo que lhe seja consoante, eu o considero como sendo verdadeiro, quer se trate de uma causa ou de outra qualquer coisa, e aquilo que no lhe consoante, eu o rejeito como erro (PLATO, 2001, p. 140).

    As ideias so critrios para avaliar as coisas sensveis; o

    caso do princpio de igualdade: duas coisas so ou no idnticas

    e para afirm-lo possvel utilizar-se deste princpio. Da mesma

    forma, para julgar outras coisas como belo, justo, bom ou santo,

    o critrio fornecido pela ideia correspondente. As ideias so, no

    Fdon, critrios de avaliao e valores. Segundo Plato, as ideias

    esto na base das coisas naturais, ou seja, so causa de tais coisas.

    Neste caso ele sofre influncia de Anaxgoras, no sentido de que

    Plato encara as ideias como causas da natureza sensveis como

    consequncia desta teoria de Anaxgoras que diz: o intelecto

    causa e agente ordenador.

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 25

    2 a postUra dE plato EM rElao aos Escritos

    A proposta desta pesquisa encontrar os caminhos

    de interpretao da obra de Plato no que tange teoria do

    conhecimento proposta por ele. Nesta linha de pensamento,

    interessante que observemos o que ele mesmo aponta como

    meios para isto na carta VII e no Fedro, o que se denomina

    autotestemunhos.

    Sobre essas coisas (i.: as maiores) no existe um texto por mim escrito nem existir jamais. De nenhuma maneira o conhecimento dessas coisas comunicvel como os outros conhecimentos, mas, depois de muitas discusses sobre elas e depois de uma comunidade de vida, subitamente, como luz que se acende de uma fasca, ele nasce na alma e alimenta-se de si mesmo. [...] no h perigo de que algum esquea essas coisas, uma vez que tenham sido bem impressas na alma, pois que se reduzem a proposies extremamente breves (PLATO apud REALE, 1997. p. XI).

    Plato orientava observar os escritos como referncias

    queles que j sabiam o que antes ele havia dito no Fedro. Sua

    inteno no era seno a de indicar tal leitura, de qualquer que

    fosse a abordagem dos textos escritos, aos membros da Academia,

    uma vez que para ele tais indivduos deveriam compreender em

    sua alma o contedo abordado, no havendo necessidade

    de registr-lo. Ou mesmo, se registrados, de interpret-los, mas

    somente de relembrar o que anteriormente j se havia discutido

    ou apreendido. Tambm na carta VII, Plato aponta para uma

    insuficincia de contedo da verdade em qualquer escrito e para

    uma observao mais apurada da oralidade em detrimento dos

    escritos. Isto para dizer que os primeiros escritos no so

  • 26 FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

    contedos para serem materializados pela letra e que aquele que o

    pretende o faz por m inteno.

    As doutrinas no escritas de Plato foram registradas por

    alguns discpulos, como Herclides, Estieu, dentre outros. Tais

    doutrinas foram designadas pelos estudiosos de esotrico. Isto

    para distanciar do Plato exotrico. O termo exotrico tem

    o objetivo de alcanar aqueles que se encontram fora da escola,

    e esotrico dentro dela. Ao que parece no era incomum que

    filsofos tivessem o hbito de manter duas doutrinas como no

    exemplo de Plato: esotrica e exotrica. Aristteles tambm

    possua sua Doutrina das Formas, que era destinada aos seus

    discpulos mais prximos; e assim capazes de compreender seu

    pensamento.

    no exerccio de anlise da teoria de Anaxgoras, contudo,

    que Plato encontra uma possibilidade de avano mesmo que ainda

    com mtodos naturalistas, mas que permitiu a ele postular sua

    segunda navegao. Anaxgoras afirmara que a inteligncia a

    causa de tudo, porm no conseguiu fundamentar esta proposta por

    ainda utilizar o mtodo naturalista. O que ocorre com Anaxgoras

    que ele mostra a necessidade de uma inteligncia ordenadora

    para os fenmenos fsicos, porm isto no explica a causa

    verdadeira, ou seja, o Bem. A proposta platnica de soluo

    para esta questo dos fsicos a mudana do mtodo, mudana

    que ele chamar de segunda navegao, como metfora que ele

    apresentar no Fedon 99b-d.

    No Fedro, Plato afirma no serem suficientes para a

    compreenso de um filsofo apenas seus escritos, visto que eles

    (os escritos) no contemplam as coisas de maior valor que so

    justamente as que o tornam um homem filsofo.

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 27

    Ao analisar o Fedro 274a possvel admitir a inteno

    platnica em termos de demonstrar como um texto deve ser

    apresentado para ser bom, a saber: deve ser no mximo grau

    possvel, verdadeiro e persuasivo ao mesmo tempo. Exatamente por

    isto que Plato mostra que a comunicao oral estruturalmente

    superior escrita.

    Scrates utiliza-se da teoria do mito de Tamos e Theuth para

    argumentar que a escrita somente d a iluso do aprendizado, de

    modo que quem se entregar a uma cincia transmitida, em forma

    escrita, mostrar ser muito ingnuo: porque considera que os

    discursos escritos so algo mais do que um apelo mnemnico para

    quem possui de antemo tal conhecimento, concernente queles

    argumentos sobre que versam os escritos mesmos (PLATO apud

    TABATTONI, 2003, p. 166).

    Na carta VII, ao escrever aos familiares e amigos de Dion,

    Plato tem a preocupao de indicar que seus comentrios e

    anlises no escritas tinham tanto quanto ou at mais valor do

    que as escritas. No me opus a explicar-lhe tudo: nem ele o havia

    me pedido; ele se dava ares, de fato, de conhecer bem muitas e

    fundamentais doutrinas e de possu-las o suficiente, baseado no

    que ouvira dizer (PLATO apud TABATTONI, 2003, p. 165).

    O que nos interessa neste caso o fato de que Plato aponta

    para uma sabedoria que lhe interessa onde nem todos tm acesso.

    No existe um escrito meu a respeito disso e nunca existir. No , de fato, de modo nenhum exprimvel como os outros conhecimentos, mas somente aps longa freqentao e convivncia com a coisa mesma, inesperadamente, como a luz que subitamente se acende por uma centelha de fogo, ele nasce na alma e depois se nutre de si mesmo (PLATO apud TABATTONI, 2003, p. 165).

  • 28 FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

    Nas palavras de Franco Tabbattoni voc pode ter os gravetos

    no bolso e isso no significa que possui o fogo (TABATTONI,

    2003, p. 165).

    De fato, o que deve ser compreendido que Plato no nega

    seus escritos, contudo, demonstra nas cartas que tais escritos no

    possuem o conhecimento verdadeiro, pois quem teve contato com

    o conhecimento no precisa dos escritos para compreender em que

    o conhecimento consiste.

    O prprio Aristteles, discpulo de Plato, aponta para estes

    ensinamentos feitos por meio da oralidade e que so chamados

    doutrinas no escritas. Se Plato recusou consignar por escrito

    tais doutrinas, por outro lado no o fez em termos de torn-las

    pblicas aos seus seguidores em um ciclo de lies orais que gerou

    discusses e incompreenses importantes para sua anlise. A

    postura de Plato, em relao a tornar pblica de forma escrita tais

    doutrinas, configura-se como sendo no impossvel, mas apenas

    intil, uma vez que aqueles que poderiam tomar contato com

    ela no as compreenderiam; da somente permanecer na oralidade,

    direcionadas aos seus discpulos na Academia.

    3 aristtElEs E sUa crtica a plato

    A postura de Aristteles em relao ao mestre no de

    completo afastamento, mas partindo de suas aporias, ou seja, de

    construes duvidosas da teoria do mestre. No entanto, Aristteles

    ao iniciar suas reflexes tem ainda grande influncia do mestre.

    Aristteles era discpulo de Plato e mesmo em seus primeiros

    escritos no abandona as doutrinas do mestre, somente aps um

    longo tempo de estadia na Academia platnica que ele comea

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 29

    a formular suas prprias teorias e resgatar, em face s teorias de

    Plato, o lugar da sensibilidade e dos fsicos na filosofia para ento

    assumir uma postura crtica.

    Mais especificamente, a crtica de Aristteles a Plato tem

    como objeto as ideias transcendentes para se chegar a uma posio

    metafsica centrada no interesse pelas formas e s intelquias

    imanentes. Isto para direcionar seu interesse nas cincias empricas,

    sua verificao e classificao.

    De fato, o contrrio que se d, pois se assim fosse no seria consentneo com a razo. Da matria, com efeito, (os nmeros) fazem sair uma multiplicidade de coisas, ao passo que a idia s gera uma vez. Assim, de uma s matria, s se aparelha uma mesa; mas quem aplica uma idia, se bem que esta uma, produz vrias (mesas). O mesmo sucede com o macho em relao fmea: esta fecundada por uma nica cpula, mas isto imitao daqueles princpios. Tal , pois, a concluso de Plato sobre as questes que indagamos. evidente, pelo que precede, que ele somente se serviu de duas causas: da do que e da que segundo a matria, sendo as idias a causa do que para os sensveis, e o uno para as idias (ARISTOTELES, 1973, p. 224).

    Estes esclarecimentos, contudo, no so suficientes uma

    vez que, na obra aristotlica, a expresso do momento platnico

    no se apresenta somente nas obras exotricas; elas tomaram

    sua forma e publicao quando Aristteles ainda estava na

    Academia, como tambm nas obras esotricas, posteriores ao

    perodo transcorrido em Assos. Isto quer dizer que Aristteles

    continuou a construir e reconstruir seu pensamento a partir de

    reflexes feitas anteriormente, porm ele sentiu a necessidade

    de acrescentar outros pensamentos. Segue-se, portanto, uma

    ausncia de homogeneidade pela distncia dos escritos no que

    tange ao tempo (momento histrico) em que foram escritos e at

  • 30 FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

    a prpria inspirao teortica chegando mesmo a contradies

    internas.

    A leitura de Aristteles das teorias do platonismo passa por

    sua viso incisiva no que tange forma que estes ltimos consideram

    as espcies como substncias separadas, reais, independentemente

    dos seres individuais de que so forma ou substncia. Em Aristteles

    a substancialidade da espcie a mesma do indivduo. No caso de

    Plato, as espcies tm uma realidade em si que no se dissolve nos

    indivduos existentes, da a separao. Na anlise de Aristteles,

    as espcies devem ser comum a muitos, portanto universais, e

    como a substncia individual, no podem ser substncias (reais).

    Vivente e homem, por exemplo, seriam mltiplas substncias e isso

    configuraria impossibilidade para o estagirita.

    Grande parte dos historiadores da filosofia iniciou sua

    exposio sobre Aristteles pela crtica dele teoria das ideias,

    postura que pode acarretar alguns erros, pois no somente

    teoria das ideias que Aristteles dirige suas crticas, mas s duas

    etapas da segunda navegao.

    Em relao ao ataque que Aristteles dirige realidade das

    ideias de Plato, o que Aristteles prope na Metafsica abrange

    quatro pontos: as ideias devem existir em maior nmero do que

    os prprios objetos sensveis, por conta de dever existir no s a

    ideia de cada substncia, mas tambm a de todos os seus modos

    e caracteres que podem ser concentrados em seus conceitos.

    Neste caso, deve-se explicar no s as primeiras, mas tambm

    as ltimas, o que se resolveria se fossem vinculadas somente na

    realidade sensvel. A realidade das ideias platnicas condicionaria

    a necessidade de admitir tambm outras tantas, como as ideias

    de negao ou as de coisas transitrias, pois delas tambm temos

    conceitos. Isto fica claro conforme uma ideia de homem e uma

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 31

    ideia de homem individual requerer um terceiro; e uma ideia de

    homem individual e outro homem individual, outro conceito, assim

    sucessivamente. A inutilidade da existncia das ideias das quais as

    coisas participam significa que, com as ideias, no se quer dizer o

    que quer que haja, pois elas no so princpios de ao que possam

    determinar a natureza das coisas. Por ltimo, a substncia no pode

    existir separadamente daquilo que substncia. A afirmao do

    Fdon de que as idias so causas das coisas segundo Aristteles

    incompreensvel, pois ainda que supondo a existncia de ideias,

    delas no derivariam as coisas se no interviesse para cri-las um

    princpio ativo (ABBAGNANO, 1985, p. 214).

    Estes argumentos so simplesmente indicativos e no

    configuram a separao entre os dois filsofos, tendo em vista

    que esto fundados na separao total entre o mundo sensvel e

    inteligvel, coisa que no est na raiz do pensamento platnico, pois

    para Plato a ideia uma referncia para o homem de perfeio e

    exemplo do que de fato deve ser e no o que todas as coisas so

    efetivamente. O que para Aristteles configura contradio com

    o conceito de individualidade, por conta de existir uma validade

    intrnseca no ser como tal e no apenas um valor.

    Segundo David Ross a aquisio do conhecimento, em

    toda sua extenso e com todas as suas implicaes, sobretudo

    o conhecimento que merece em maior grau a designao de

    sabedoria, que motiva toda a Metafsica de Aristteles, uma vez

    que para Aristteles o desejo de conhecer inerente ao homem.

    Este conhecimento tambm se configura em certos graus de

    forma evolutiva: o primeiro leva em conta a sua aproximao aos

    sentidos; o segundo, como estgio intermedirio, est vinculado ao

    uso da memria; diferenciando-os dos outros animais considerados

    inferiores; o terceiro grau somente pode ser atingindo pelo

  • 32 FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

    homem e est vinculado experincia e ao de aglutinao ou

    coalescncia de vrias recordaes da mesma espcie de objetos;

    num estgio superior temos a arte, e esta ltima configura-se no

    conhecimento das regras prticas, repousando sobre princpios

    gerais. Acima de todos estes est a cincia, considerada o puro

    conhecimento das causas. O que diferencia a cincia da arte no

    seno o fato de ela no estar sujeita a qualquer fim ulterior, mas

    antes procurar o conhecimento pelo conhecimento, o que o torna

    o produto mais elevado da civilizao.

    A divergncia entre Plato e Aristteles versa sobre a doutrina

    das formas uma vez que o objeto do saber no aristotelismo

    totalmente outro, com o universo fsico e o cu tendo ocupado

    o lugar deixado vago pelas ideias em que at ento se acreditava.

    No se pode, todavia, menosprezar o interesse de Plato pela

    matemtica, pois ocupa lugar privilegiado na educao dos

    soldados e sua funo a de elevar a parte mais nobre da alma

    contemplao do mais excelente dos seres. Somente a homens

    nela versados pode revelar-se a faculdade da dialtica. Para

    Plato, s a dialtica realmente cincia, porque s ela capaz

    de ir ao princpio. O que vemos em Aristteles no seno uma

    revalorizao radical do conhecimento matemtico.

    ii- EXtratos

    As filosofias de que acabamos de falar sucedeu a doutrina de Plato, a maior parte das vezes conforme com elas, mas tambm com elementos prprios alheios filosofia dos itlicos. Tendo-se familiarizado, desde a sua juventude, com Crtilo e com as opinies de Herclito, segundo as quais todos os sensveis esto em perptuo fluir, e no pode deles haver cincia, tambm mais tarde no

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 33

    deixou de pensar assim. Por outro lado, havendo Scrates tratado as coisas morais, e de nenhum modo do conjunto da natureza, nelas procurando o universal e, pela primeira vez, aplicando o pensamento s definies. Plato, na esteira de Scrates, foi tambm levado a supor que (o universal) existisse noutras realidades e no nalguns sensveis. No seria, pois, possvel, julgava, uma definio comum de algum dos sensveis, que sempre mudam. A tais realidades deu ento o nome de idias, existindo os sensveis fora delas, e todos denominados segundo elas. , com efeito, por participao que existe a pluralidade dos sinnimos, em relao as idias. Quanto a esta participao, no mudou seno o nome: os pitagricos, com efeito, dizem que os seres existem imitao dos nmeros, Plato, por participao mudando o nome; mas, o que esta participao ou imitao das idias afinal ser? esqueceram todos de o dizer. Demais, alm dos sensveis e das idias diz que existem, entre aqueles e estas, entidades matemticas intermdias, as quais diferem dos sensveis por serem eternas e imveis, e das idias por serem mltiplas e semelhantes, enquanto cada idia , por si, singular. Sendo as idias as causas dos outros seres, julgou por isso os seus elementos fossem os elementos de todos os seres; e, como matria, so princpios o grande e o pequeno, como forma o uno; visto ser a partir deles, e pela sua participao no uno, que as idias so nmeros. Ora, que o uno seja substncia, e no outra coisa, da qual se diz que uma. Plato afirma-o, de acordo com os pitagricos e, do mesmo modo, que os nmeros sejam as causas da substncia dos outros seres. Mas admitir, em lugar do infinito concebido como uno, uma dada, e constituir o infinito com o grande e o pequeno, eis uma concepo que lhe prpria como ainda pr os nmeros fora dos sensveis: (os pitagricos) pelo contrrio, pretendem que os nmeros so as prprias coisas, se bem que no ponham, entre estas, as entidades matemticas. Se Plato separou assim o uno e os nmeros do mundo sensvel, contrariamente aos pitagricos, e introduziu as idias, foi por considerao das noes lgicas (os seus predecessores nada sabiam de dialtica); por outro lado, se ele fez da dada uma segunda natureza, porque os nmeros, a exceo dos mpares,

  • 34 FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

    dela facilmente derivam, como de uma matria plstica. De fato, o contrrio que se d, pois se assim fosse no seria consentneo com a razo. Da matria, com efeito, (os nmeros) fazem sair uma multiplicidade de coisas, ao passo que a ideia s gera uma vez. Assim, de uma s matria, s se aparelha uma mesa; mas quem aplica uma idia, se bem que esta uma, produz vrias (mesas). O mesmo sucede com o macho em relao fmea: esta fecundada por uma nica cpula, mas isto imitao daqueles princpios. Tal , pois, a concluso de Plato sobre as questes que indagamos. evidente, pelo que precede, que ele somente se serviu de duas causas: da do que e da que segundo a matria, sendo as idias a causa do que para os sensveis, e o uno para as idias. E qual a matria subjacente, segundo a qual as idias so predicadas nos sensveis e o uno nas idias? a dada, o grande e o pequeno. Demais, ele ps num destes dois elementos a causa do bem e no outro, a do mal, o que, como dissemos, j havia sido objeto de discusso de alguns dos filsofos anteriores, como Empdocles e Anaxgoras (ARISTOTELES, 1973, p. 224).Sendo ento a alma imortal e tendo nascido muitas vezes, e tendo visto tanto as coisas aqui quanto as no Hades, enfim todas as coisas, no h o que no tenha aprendido; de modo que no nada de admirar, tanto com respeito virtude quanto ao demais, ser possvel a ela rememorar aquelas coisas justamente que j antes conhecia. Pois, sendo a natureza toda congnere e tendo a alma aprendido todas as coisas, nada impede que, tendo rememorado uma s coisa fato esse precisamente que os homens chamam aprendizado-, essa pessoa descubra todas as outras coisas, se for corajosa e no se cansar de procurar. Pois, pelo visto, o procurar e o aprender so, no seu total, uma rememorao. No preciso ento convencer-se daquele argumento erstico; pois ele nos tornaria preguiosos, e aos homens indolentes que ele agradvel de ouvir, ao passo que este faz-nos diligentes e inquisidores. Confiando nesse como sendo o verdadeiro, estou disposto a procurar contigo o que a virtude (PLATO, 1970, p. 53).

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 35

    Mas tambm estamos de acordo sobre o seguinte: uma tal reflexo, e a possibilidade mesma de faz-la, provem unicamente do ato de ver, de tocar, ou de qualquer outra sensao; pois o mesmo podemos dizer a respeito de todas.- De fato, o mesmo, Scrates, pelo menos em relao ao fim visado pelo argumento.- Como quer que seja, seguramente so as nossas sensaes que devem dar-nos tanto o pensamento de que todas as coisas iguais aspiram realidade prpria do igual, como o de que elas so deficientes relativamente a este. Que dizer, seno isto?- Isso mesmo!- Assim, pois, antes de comear a ver, a ouvir, a sentir de qualquer modo que seja, preciso que tenhamos adquirido o conhecimento do igual em si, para que nos seja possvel comparar com essa realidade as coisas iguais que as sensaes nos mostram, percebendo que h em todas elas o desejo de serem tal qual essa realidade, e que no entanto lhes so inferiores (PLATO, 1970, p. 105).Creio que tu crs que cada forma uma pelo seguinte: quando algumas coisas, mltiplas, te parecem ser grandes, talvez te parea a ti que as olhas todas; donde acreditas o grande ser um.Dizes a verdade, disse ele.Mas...e quanto ao grande mesmo e as outras coisas grandes? Se olhares da mesma maneira, com a alma para todos esses, no aparecer, de novo, um grande, um, em virtude do qual necessrio todas aquelas coisas aparecem como grandes?Parece que sim.Logo, uma outra forma da grandeza aparecera, surgindo ao lado da grandeza mesma e das coisas que desta participam. E, sobre todas essas, de novo uma outra, de modo a, em virtude dela, todas essas parecerem grandes. E no mais ser uma cada uma das tuas formas, mas ilimitadas em quantidade (PLATO, 1961. p. 37).Sobre essas coisas (i.: as maiores) no existe um texto por mim escrito nem existir jamais. De nenhuma maneira o conhecimento dessas coisas comunicvel como os outros conhecimentos, mas,

  • 36 FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

    depois de muitas discusses sobre elas e depois de uma comunidade de vida, subitamente, como luz que se acende de uma fasca, ele nasce na alma e alimenta-se de si mesmo.[...] no h perigo de que algum esquea essas coisas, uma vez que tenham sido bem impressas na alma, pois que se reduzem a proposies extremamente breves (REALE, 1997, p. XI).Terminada a leitura, Scrates pediu-lhe que lesse novamente a primeira hiptese do primeiro argumento e, tendo sido lida, disse:- O que afirmas tu a, Zeno? Que, se os entes so mltiplos, ento tem de ser semelhantes e dissemelhantes, o que impossvel? Porque as coisas dissemelhantes no podem ser semelhantes, nem as semelhantes dissemelhantes? isso que queres dizer?- isso disse Zeno.- Ento, se impossvel que as coisas dissemelhantes sejam semelhantes, e que as coisas semelhantes sejam dissemelhantes, impossvel que haja muitas coisas; pois, se houvesse muitas coisas, encontrar-se-iam numa situao impossvel. Ser isso que pretendem os teus argumentos, no mais do que sustentar energicamente, contra todas as afirmaes, que no h muitas coisas? E supe que cada um dos teus argumentos uma prova disso, tal como pensas que todos os argumentos que escreveste fornecem outras tantas provas de que no h muitas coisas? isso que dizes ou fui eu que no percebi bem? (127d-130a) (REALE, 1997, p. 33).

    III- QuESTES pARA REFLExO

    1) Qual a definio de teoria do conhecimento defendida por

    Plato? Cite suas principais caractersticas.

    2) Qual a posio defendida por Plato em relao s doutrinas

    escritas e s doutrinas no escritas?

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 37

    3) Em que consiste a crtica de Aristteles a teoria do conhecimento

    de Plato e qual a sua postura?

    4) Qual a diferena entre sensvel e inteligvel para Plato e como

    apresentada por ele cada uma delas?

    5) Qual a diferena entre sensvel e inteligvel para Aristoteles e

    como ele apresenta cada uma delas?

    iv- sUGEstEs dE lEitUra

    ABBAGNANO Nicola. Historia da Filosofia. Traduo de Antonio Borges Coelho, Franco de Sousa e Manuel Patrcio. v. 1. 3. ed., Lisboa: Editorial Presena, 1985.

    ARISTOTELES. Metafsica. Livro 1, capitulo IX. Traduo Eudoro de Souza. 1.ed., So Paulo: Abril Cultural, 1973. (Coleo

    Os Pensadores).

    MORAIS, NETO, Joaquim Jos de. Aristteles. Londrina: Editora UEL, 1999.

    PLATAO . Dilogos. Traduo de Maria Lacerda de Moura, 8.ed., So Paulo: Bliblioteca Clssica, 1961.

    ______. Dilogos, Fdon, Sofista, Poltico. Trad. de Jorge Paleikat, Joo Cruz Costa e Albert Rivaud. Rio de Janeiro: Edies de Ouro, 1970.

    ______ . Dilogos. Trad de Marcio Pugliesi e Edson Bini. So Paulo: Hemus, 1981.

    ______ . Menon. texto estabelecido e anotado por John Burnet; traduo de Maura Iglesias. Rio de Janeiro: Edies Loyola, 2001.

    ______ . Parmnides. Texto estabelecido e anotado por John Burnet; traduo de Maura Iglesias. Rio de Janeiro: Edies Loyola, 2003.

  • 38 FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

    ______ . Dilogos I: Teeteto (ou do conhecimento), Sofista (ou do ser), Protgoras (ou sofistas). Traduo, textos complementares e notas Edson Bini, Bauru, SP: EDIPRO, 2007.

    REALE, Giovanni . Para uma nova interpretao de Plato. 2 ed. So Paulo: Edies Loyola, 1997.

    ______ . Histria da filosofia. So Paulo: Paulus, 1990, 3v.

    ______. Metafsica. So Paulo: Edies Loyola, 2002, 3v.

    ROSS, David. Aristteles. Traduo de Luiz Felipe Bragana S.S. Teixeira. Lisboa: Publicaes Dom Quixote, 1987.

    TABATTONI, Franco. Oralidade e escrita em Plato. Traduo de Roberto Bolzani Filho, Fernando Eduardo de Barros Rey Punte, So Paulo / Ilhus: Editus, 2003.

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 39

    considEraEs soBrE o concEito dE caUsa E sUBstncia EM aristtElEs

    Carlos Eduardo Teixeira

    i- coMEntrio

    Aristteles comea a sua obra Metafsica, chamando a ateno

    para o teor natural do saber: todo ser humano naturalmente

    deseja o conhecimento (ARISTTELES, 2006, p. 980a 22). Na

    sequncia, querendo demonstrar que todos os homens entendem

    por sapincia (ou sabedoria) a forma mais elevada de saber e que

    esta o conhecimento das causas e dos princpios, Aristteles

    traa uma rpida descrio das vrias formas de conhecimento,

    indica como se desenvolve uma das outras e mostra que todos,

    concordemente, consideram como sapincia s a arte e a cincia. A

    experincia, assim como a sensao, refere-se sempre ao particular,

    e a arte e a cincia, atributos especificamente humanos, referem-se

    ao universal, ao porqu e causa das coisas. Do ponto de vista

    da utilidade prtica, a experincia pode ter mais sucesso do que

    a cincia, mas do ponto de vista do saber, ela muito inferior: a

    experincia, assim como a sensao, limita-se aos dados de fato,

    enquanto que a arte e a cincia alcanam o conhecimento do

    porqu e da causa dos fatos. Enfim, o sbio considerado assim,

    enquanto e na medida em que se eleva a um saber que est acima

    das necessidades prticas - e s o conhecimento puro das causas

    assim. Conclui-se, portanto, que a sapincia, ou sabedoria,

    conhecimento de certas causas e de certos princpios, sendo esta

    uma das definies que o prprio Aristteles apresenta da metafsica

  • 40 FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

    Assim, fica claro que a sabedoria (metafsica) conhecimento de

    certos princpios e causas (ARISTTELES, 2006, p. 982a 1). Na

    sequncia, de acordo o livro II da Metafsica, o trabalho gira em

    torno de apresentar os argumentos que mostram a necessidade do

    teor finito das causas (com o nmero de quatro) e para concluir se

    v importante uma abordagem da teoria da substncia (usiologia),

    pelo fato de ser a substncia, como primeira categoria, o ser

    fundamental, existente por si, segundo a qual buscamos as causas

    e princpios.

    1 os qUatro sEntidos dE caUsa

    Estabelecido que a sapincia, ou sabedoria, conhecimento

    das causas e princpios, Aristteles quer agora investigar esse

    conceito de causa, e precisar quais so as causas envolvidas na

    constituio de toda a realidade sensvel. Nesse intuito, o filsofo

    percebe que h no termo causa uma variedade de sentidos e procede

    a uma determinao destes, indicando que causa se entende

    de quatro maneiras diferentes, e que todos esses significados

    cooperam entre si para o advento de todos os entes que tm ser, ou

    seja, que passam a existir concretamente numa dimenso esttica

    e dinmica. Os quatros sentidos que se entende causa so esses:

    causa formal (o que ) essncia do ente;causa material (do que feito); causa motora ou causa eficiente (causa do movimento);causa final (para o que feito) fim do movimento.

    Duas destas causas, se olharmos bem, so fceis de discernir:

    a causa material e a causa eficiente. A causa material aquela de

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 41

    que feita uma coisa, a causa eficiente aquela com que feita

    uma coisa. Os exemplos que ocorrem imediatamente mente so

    sempre exemplos tomados das oficinas dos artfices: o barro e o

    mrmore so a matria da esttua, so aquilo de que feita a

    esttua, so a causa material da esttua. Os palitos, os dedos do

    escultor, os movimentos que o escultor imprime ao barro, os golpes

    que d com o cinzel e o martelo sobre o mrmore so a causa

    eficiente, aquilo com que, o instrumento com que feita a coisa.

    Mas no to fcil de discernir as outras duas causas: a

    formal e a final. O prprio Aristteles, s vezes, no as discerne

    muito bem. A causa final, dir-se-, bem claro: o propsito que

    o artfice tem. Mas o propsito que o artfice tem qual ? Se o

    propsito que o artfice tem criar um objeto, o qual, por sua

    vez, sirva para algo, qual o seu propsito? A criao do objeto

    ou aquilo para qual o objeto serve? Se for este ltimo, poderemos

    recolocar a pergunta e dizer: aquilo para o que o objeto serve ,

    por sua vez, o ltimo fim que teve o artfice? Ou no ser um meio

    para outro fim ulterior? E teremos aqui uma progresso infinita.

    Mas podemos deter-nos e dizer: o propsito do artfice a criao

    do objeto. Assim acontece, por exemplo, nas obras de arte, que

    no tem outra finalidade, seno a de ser o que so. E ento nesse

    caso, a causa final se confundiria com a causa formal. Por que: o

    que causa formal? a ideia da coisa, a ideia da essncia da coisa,

    a ideia daquilo que a coisa daquilo que antes que a coisa seja j

    est na mente do artfice, e o artfice, antes que a matria receba

    essa essncia e se torne substncia concreta individual, tem a

    essncia previamente pensada. Neste caso, a causa final coincidiria

    com a causa formal. Cabe aqui salientarmos outras caractersticas

    da causa final que foram descritas por Santo Toms de Aquino

    em seu comentrio Metafsica de Aristteles, na qual explica:

  • 42 FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

    A) a causa final trmino do movimento, e por isso se ope ao

    princpio do movimento; B) a primeira na inteno e a ltima na

    realizao, por essa razo tida causa da coisa; C) apetecvel por

    si, esta a razo pela qual dita bem. Podemos observar tambm

    que numa dimenso esttica da realidade a causa formal e material

    suficiente para explic-la, porm, numa dimenso dinmica,

    levando em considerao a gerao, a corrupo, o movimento, o

    devir, so necessrias as outras duas causas, eficiente e final.

    Aristteles j estudou essas causas na fsica, todavia, ele

    pretende aqui no livro primeiro da Metafsica, a partir do captulo

    3, por meio de uma metodologia muito usada por ele em todas

    as suas obras, que a doxologia (considerar as opinies dos

    especialistas da sua poca e da poca passada), retomar a questo

    em outras bases, para determinar que as causas so justamente

    estas, e no outras:

    Isto foi por ns investigado suficientemente em nossa obra sobre a natureza, entretanto, recorramos evidncia daqueles que antes de ns empreenderam a investigao da realidade e filosofaram acerca da verdade, pois claramente eles tambm reconhecem certos princpios e causas, de modo que representar alguma ajuda para a nossa presente investigao estudarmos seus ensinamentos, na medida em que ou descobriremos algum outro tipo de causa, ou ficaremos mais convictos quanto aos que acabamos de descrever (ARISTTELES, 2006, p.983b 1).

    Essa determinao, como j foi dito acima, desenvolve-se com base no exame crtico das doutrinas dos predecessores. Aqueles, diz Aristteles, tratavam de certas causas e certos princpios, que, em ltima anlise, no so mais do que as quatro causas acima descritas, embora captadas e expressas de maneira mais ou menos obscuras e inadequadas. Os antigos pensadores centravam a ateno principalmente sobre a causa material

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 43

    (por isso serem chamados de naturalistas) e no chegaram a um consenso quanto ao nmero dessas causas. Tales de Mileto afirma como princpio a gua. Segundo Aristteles presumvel que Tales chegou a essa hiptese a partir da observao de que o nutriente de tudo mido, e de que o prprio calor gerado da umidade e sua existncia depende dela, e tambm do fato de as sementes de tudo apresentarem uma natureza mida e a gua seria o princpio da natureza de coisas midas. Anaxmenes tambm da escola de Mitelo e Digenes de Apolnia afirmaram que o ar anterior gua, e , de todos os corpos simples, o mais primordial. Hipaso de Metaponto e Herclito de feso afirmam isso em relao ao fogo, Empdocles inclui a terra entre os elementos j mencionados, e afirma os quatro elementos (gua, ar, fogo e terra). Todavia, com base nos dados investigados por esses filsofos, conclumos que estes s se deram conta dos princpios de ordem material, insuficiente para explicar a realidade na sua dimenso dinmica, levando em considerao o devir das coisas.

    Segundo Aristteles, se realmente correto que toda a gerao e destruio procedem de um elemento, ou mesmo de mais de um, assim como os filsofos pr-socrticos afirmavam, por que sucede assim e qual a sua causa? E conclui: no certamente o prprio substrato que produz sua prpria mudana:

    Quero dizer, por exemplo, que nem a madeira nem o bronze so responsveis pela transformao de si mesmo: a madeira no fabrica um leito, nem o bronze uma esttua, mas alguma coisa mais, que a causa da transformao. Ora, investigar isso significa investigar o outro tipo de causa: o princpio do movimento (causa eficiente), como deveramos dizer (ARISTTELES, 2006, p.984a 20).

    Ao investigar os pr-socrticos, como j foi mencionado,

    nessa perspectiva de verificar se foi mencionada alguma outra

  • 44 FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

    causa alm daquelas que Aristteles identificou na fsica (material,

    formal, eficiente, final), o filsofo conclui que no foram

    identificadas outras causas para alm dessas quatros, e que, de

    maneira obscura e incerta, foram trabalhadas pelos pr-socrticos:

    Fizemos apenas um conciso e breve exame dos filsofos que expressaram opinies acerca das causas e da realidade e de suas doutrinas. Todavia, ficamos sabendo o suficiente sobre eles, ou seja, que nem um dos que discorrem sobre princpio ou causa mencionou qualquer outro tipo alm dos que distinguimos no tratado sobre a natureza (ARISTTELES, 2006, p.988a 20).

    Conclui-se que o termo causa tem uma amplitude semntica

    mais vasta do que aquela identificada pelos pr-socrticos. Para

    esses causa abrangia apenas o significado de causa material,

    apenas a origem material dos entes. Na medida em que para se

    conhecer totalmente um determinado ente, precisamos invocar,

    alm do que ele feito, causa material, tambm quem o fez, causa

    eficiente, e em funo do que foi feito, causa final, e de que foi

    feito, que a causa formal, percebemos que o termo causa se

    amplia em sua carga semntica, obtendo assim uma totalidade de

    quatro significados. De uma maneira ou de outra, um separado

    do outro, de forma intuitiva e no sistemtica, os quatros sentidos

    do termo causa foram investigados pelos filsofos predecessores,

    sendo Aristteles o primeiro filsofo a identificar essa amplitude

    semntica do conceito de causa e sistematiz-la.

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 45

    2 o tEor Finito das caUsas

    Aps identificar que conhecer a verdade equivale conhecer

    as causas, e que se entende causa de quatro maneiras diferentes

    (formal, material, eficiente e final), Aristteles pretende agora,

    de acordo com livro II e captulo dois da Metafsica, demonstrar

    alguns argumentos que implicam o teor finito dessas causas.

    Segundo o filsofo, de acordo com os argumentos que

    apresentarei logo mais:

    1) As causas no constituem uma srie infinita no mbito das

    espcies individuais de causas, ou seja, a finitude pertencente a

    todos os quatro sentidos de causa.

    2) E tambm no constituem uma srie infinita de espcie, ou seja,

    existem apenas quatro espcie de causas. Ademais, evidente que

    h algum primeiro princpio e que as causas das coisas no so

    nem uma seqncia infinita, nem infinitamente mltiplas quanto

    ao tipo [...] (ARISTTELES, 2006, p. 994a 1).

    Segundo o filsofo um regresso ao infinito no possvel no

    mbito de nenhuma espcie de causas: nem na material, nem na

    motora, nem na formal, nem na final. Os motivos pelos quais no

    possvel dar-se uma srie infinita de causas so os seguintes:

    a) Em todas as sries de causas, os termos que esto entre

    o primeiro e ltimo so termos intermedirios, e cada um desses

    causa dos sucessivos, mas , por sua vez, causado, de modo que

    deve, necessariamente, haver uma causa primeira. Numa suposta

    srie infinita de causas, o ltimo termo o presente, todos os outros

    termos (por mais numerosos que sejam) so do tipo intermedirios.

    Portanto, nessa situao faltaria um termo primeiro, e faltando este

    no haveria absolutamente uma causa e, portanto, nem mesmo

    uma srie de causas.

  • 46 FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

    b) Um processo ao infinito no mbito da causa final

    absurdo, porque, se todo fim existisse em funo de um fim ulterior,

    no existiria nenhum fim, j que o fim aquilo que no em vista

    de outro, portanto que termo ltimo.

    aqueles que insistem na introduo da infinitude deixam de compreender que esto aniquilando a natureza do bem (ainda que ningum tentaria fazer qualquer coisa se no fosse provvel que viesse a atingir algum limite), nem haveria qualquer inteligncia no mundo, porque o indivduo inteligente age sempre visando alguma coisa, o que constitui um limite, porque o fim um limite (ARISTTELES, 2006, p. 994b 14)

    c) Tampouco no mbito da causa formal possvel uma

    srie infinita de definies, que remetem uma a outra, porque isso

    destruiria a prpria possibilidade de pensar e de conhecer. Para

    Aristteles, tanto o saber cientfico como o conhecimento em geral

    implicam que se alcance algo primeiro e determinado.

    No que se refere aos tipos de causas, Aristteles chama a

    ateno para o absurdo que resultaria se as considerassem infinitas

    da seguinte forma: pressupor que o nmero dos tipos de causas

    fosse infinito, resultaria na impossibilidade de obter conhecimento;

    ademais, se o nmero dos tipos de causas fosse infinito, continuaria sendo impossvel obter conhecimento, uma vez que somente quando ficamos familiarizados com as causas, que supomos conhecer uma coisa, e no seria possvel, num tempo finito, examinar completamente o que infinito por adio (ARISTTELES, 2006, p. 994b 30).

    Assim sendo, segundo Aristteles, a sabedoria, ou seja, o

    conhecimento metafsico, o conhecimento de causas e princpios,

    sbio aquele que conhece as causas do fato e no apenas o fato,

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 47

    e que h quatro significados para o termo causa, que cooperam

    entre si para o advento e conhecimento de qualquer ente real

    possuidor de substncia sensvel, a causa material, formal, eficiente

    e final, sendo que essas causas, necessariamente, so finitas quanto

    s espcies individuais e aos tipos.

    3 a sUBstncia coMo sEr FUndaMEntal: sEGUndo a qUal BUscaMos as caUsas E princpios

    At o presente momento chegamos ao entendimento, a partir

    da definio de metafsica, do prprio Aristteles, como cincia

    das causas e princpios, de que na estrutura da realizao, ou seja,

    para o vir-a-ser de qualquer ente (constitudo de matria sensvel)

    necessrio a cooperao de quatro causas que interagem entre

    si. E para o conhecimento desse mesmo ente necessrio que se

    conhea todas essas causas. E que o nmero destas tem que ser

    necessariamente finitas, por motivos anteriormente explicitados.

    No poderia terminar este texto sem fazer meno teoria da

    substncia (ousiologia) de Aristteles. A metafsica de Aristteles

    tem que necessariamente fazer meno substncia, e todos os

    outros conceitos esto numa relao meio que de dependncia da

    substncia pelos motivos que apresentarei a partir de agora.

    Aristteles definiu a metafsica como cincia das causas e

    princpios e tambm cincia do ser enquanto ser, e todas essas

    definies fazem uma referncia direta substncia. De que

    maneira isso ocorre? De acordo com o filsofo, o ser possui quatro

    significados, melhor dizendo, quatro grupos de significados: a) o

    ser como verdadeiro (ser mental); b) o ser como acidente (casual,

    fortuito); c) o ser como ato e potncia; d) e o ser segundo as

    diferentes figuras das categorias:

  • 48 FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

    Mas o termo simples (no qualificado) ser empregado em

    vrios sentidos, entre os quais vimos que um era acidental, e um

    outro verdadeiro (no ser sendo empregado como falso), e alm

    desses h tambm as figuras de predicao, isto , as categorias, por

    exemplo o que, ou seja, a substncia, a qualidade, a quantidade, o

    lugar, o tempo, e outros significados similares, e alm de todos esses

    o que em potncia ou em ato (ARISTTELES, 2006, 1026a 33).

    O que nos interessa no momento o ser segundo as categorias.

    De acordo com o significado do ser segundo as diversas figuras

    das categorias, existem oito categorias que exprimem diferentes

    sentidos do ser. So elas: substncia ou essncia (homem); qualidade

    (branco); quantidade (dois metros); relao (maior); ao ou agir

    (fazer aquilo); paixo ou padecer (sofrer alguma coisa); onde ou

    lugar (cidade); quando ou tempo (ontem). O ser que expresso

    em cada figura de categoria constitui um significado diverso

    do significado de cada uma das outras. Consequentemente, a

    expresso o ser segundo as figuras das categorias designa tantos

    significados diferente de ser, quantas so as categorias. O que nos

    interessa destacar aqui que h uma prioridade da categoria da

    substncia em relao s outras, a substncia aqui entendida como

    substrato, ou como sujeito. de ser vista como o sujeito primeiro do

    qual dependem todos os demais, sujeito primeiro que autnomo

    e independente, ao mesmo tempo em que princpio e substrato

    para a sustentao daquilo que dele se predica, a substncia tem

    mais ser, ou seja, o ser das outras categorias depende diretamente

    do ser da substncia, s posso falar da qualidade, quantidade e das

    outras categorias se existir anteriormente o ser substancial do qual

    so as qualidades, e as outras predicaes.

    Na predicao: Scrates branco a qualidade branca um

    atributo que se fala de uma substncia. Percebe-se que as outras

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 49

    categorias no tm existncia independente, e, nesse sentido,

    podemos concluir a superioridade ontolgica da substncia; dessa

    forma que uma investigao metafsica implica necessariamente

    uma investigao acerca da substncia (ousia).

    A partir da importncia que a temtica da substncia possui

    na metafsica aristotlica, convm fazer algumas consideraes

    sobre esse conceito: o que seja a substncia? Seria a forma? A

    matria ou o snolo (composto de matria e forma)?

    Sobre esse conceito, para uma determinao mais precisa,

    Aristteles estabelece alguns parmetros, que permitem distinguir

    o que substncia do que no . Por conseguinte, o filsofo elabora

    as caractersticas definidoras da substncia, embora de maneira

    pouco ordenada, as destaca em nmero de cinco:

    1) aquilo que no inere a outro, e, portanto, no se predica

    de outro, mas substrato de inerncia e predicao de outros

    modos de ser;

    2) aquilo que capaz de subsistir separadamente do resto,

    de modo autnomo, em si e por si;

    3) algo determinado, portanto, no pode ser substncia um

    atributo universal ou um ente de razo;

    4) algo que possui uma intrnseca unidade, no pode ser

    substncia um agregado de partes, uma multiplicidade no

    organizada de maneira unitria;

    5) e por ltimo, caracterstica da substncia o ato e

    a atualidade, s ser substncia o que ato ou implica

    essencialmente ato, e no o que mera potencialidade.

    a partir destes parmetros que Aristteles pretende

    identificar o que seja a substncia, ou melhor dizendo, aquilo que

  • 50 FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

    pode ser maximamente chamado de substncia. O que nos convm

    fazer confrontarmos os trs candidatos a ttulos de substncia

    por excelncia, (a matria, a forma, e o sinolo) com as cinco notas

    definidoras da substncia identificadas acima.

    Comeamos com a matria. Esta possui apenas uma das

    caractersticas indicadas, a matria no inere a outro, e, portanto,

    no se predica de outro, mas substrato de inerncia e predicao

    de outros modos de ser. Em certo sentido, a prpria forma

    inerente a ela, porm, no atende ao critrio das outras quatro

    caractersticas, no pode subsistir por si separada da forma, no

    algo determinado (pois a determinao deriva da forma). No

    ato, mas potncia e potencialidade, pois a matria est como que

    a espera da forma que a atualiza, portanto, apenas num sentido

    muito fraco a matria substncia.

    Na anlise da forma, Aristteles chega concluso de que

    esta sim, como tambm o snolo (composto de matria e forma),

    possui todas as exigncias requeridas para ser a substncia em

    sentido prprio. Vejamos: a forma no deve sua existncia, ou

    melhor, seu ser a outro. Possui existncia separada, pode-se separar

    da matria em trs sentidos diferentes: 1) pelo pensamento; 2) a

    forma condio da matria, e como tal possui mais ser, de modo

    que tem mais autonomia do que a matria; 3) existem substncias

    que se esgotam inteiramente na forma e no possuem qualquer

    matria. Nesses casos, a forma em sentido absoluto, separado.

    A forma algo determinado, e determinante tambm. a forma

    que faz tal ente ser o que ele , e no outro; uma unidade, e

    d unidade a matria que informa, e por ltimo a forma ato,

    princpio que atualiza a matria.

    Ao que se refere ao snolo (composto de matria e forma),

    podemos dizer que por fora da sua constituio, que ele tambm

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 51

    possui, assim como a forma, todas as caractersticas que se busca

    em algo para ser chamado, por excelncia, substncia. Agora s

    nos resta investigar se entre a forma e o snolo h diferena de grau

    de substancialidade, quem substncia em sentido mais forte?

    Em diversas passagens, Aristteles usa os dois termos para

    indicar a substncia, em algumas ele parece considerar o snolo e

    o indivduo concreto como substncia no mais alto grau, noutras,

    ao invs, ele parece considerar a forma. Como podemos entender

    que no h uma contradio nisso? Com efeito, dependendo do

    ponto de vista no qual nos situemos, devemos necessariamente

    responder de um ou de outro modo, do ponto de vista emprico,

    e da constatao. claro que o snolo ou o indivduo parece ser a

    substncia por excelncia, porm, do ponto de vista ontolgico e

    metafsico, j que a forma princpio, causa e razo de ser, quer

    dizer, fundamento; e, relativamente a ela, o snolo principiado,

    causado e fundado. Pois bem, fica evidente que, deste segundo

    ponto de vista, no o snolo, mas a forma substncia, no mais

    alto grau, justamente enquanto fundamento, causa e princpio.

    Percebe-se que no so noes que se contradizem, podendo ser

    consideradas como duas faces de uma mesma moeda.

    Como j foi dito, uma investigao acerca da causa do

    ente requer necessariamente, e no em segundo plano, profundas

    meditaes acerca da substncia (usiologia). Percebe-se que

    todas as definies de metafsica do prprio Aristteles levam

    substncia, e, nesse sentido, investigar as causas e princpios

    primeiros e supremos investigar as causas da substncia, o que

    seria investigar o ser enquanto ser, seno investigar a substncia,

    o ser por excelncia, segundo o qual os outros modos de ser

    dependem.

  • 52 FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

    ii- EXtratos

    Todos os seres humanos naturalmente desejam o conhecimento. Isso indicado pelo apreo que experimentamos pelos sentidos, pois independentemente do uso destes, ns os estimamos por si mesmos, e mais do que todos os outros, o sentido da viso. No somente objetivando a ao, mas mesmo quando no se visa nenhuma ao, preferimos a viso no geral a todos os demais sentidos, isto porque, de todos os sentidos, a viso o que melhor contribui para o nosso conhecimento das coisas e o que revela uma multiplicidade de distines (ARISTTELES, 2006, p. 980a 22).A razo da presente discusso deve-se ao fato de supor-se geralmente que aquilo que chamado de sabedoria diz respeito s causas primeiras e aos princpios, de maneira que, conforme j foi indicado, julga-se o homem da experincia mais sbio do que os meros detentores de qualquer faculdade sensorial, o artista mais do que o homem da experincia, o mestre mais do que o arteso, e as cincias especulativas mais ligadas ao saber do que as produtivas. Assim, fica claro que a sabedoria conhecimento de certos princpios e causas (ARISTTELES, 2006, p. 981b 26)Que no se trata de uma cincia produtiva fica claro com base no exame dos primeiros filsofos. por fora de seu maravilhamento que os seres humanos comeam agora a filosofar e, originalmente, comearam a filosofar, maravilhando-se primeiramente ante perplexidades bvias e, em seguida, por um progresso gradual, levantando questes tambm acerca das grandes matrias, por exemplo, a respeito das mutaes da lua e do sol, a respeito dos astros e a respeito da origem do universo. Ora, aquele que se maravilha e est perplexo sente que ignorante (de modo que, num certo sentido, o amante dos mitos so compostos de maravilhas); portanto, se foi para escapar ignorncia que se estudou filosofia, evidente que se buscou a cincia por amor ao conhecimento, e no visando qualquer utilidade prtica (ARISTTELES, 2006, 982b 11)

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 53

    Esta claro que precisamos obter conhecimento das causas primeiras porque quando pensamos compreender sua causa primeira que reivindicamos conhecer cada coisa particular. Ora h quatro tipos reconhecidos de causa. Destes, afirmamos que um deles a essncia ou natureza essencial da coisa (uma vez que o porqu de uma coisa , em ltima instncia, reduzvel sua frmula, e o porqu em ltima instncia uma causa e princpio); um outro a matria ou substrato; o terceiro [tipo de causa] o princpio do movimento, o quarto causa que se ope a isso, nomeadamente a finalidade ou bem (ARISTTELES, 2006, p. 983a 23)A maioria dos primeiros filsofos concebeu apenas princpios materiais para todas as coisas. Aquilo de que todas as coisas consistem, de que procedem primordialmente e para o que, por ocasio de sua destruio, so dissolvidas em ltima estncia (ARISTTELES, 2006, 983b 7)Ademais, evidente que h algum primeiro princpio e que as causas no so nem uma seqncia infinita, nem infinitamente mltiplas quanto ao tipo, pois a gerao material de uma coisa a partir de outra no pode prosseguir numa progresso infinita (por exemplo, a carne a partir da terra, a terra do ar, o ar do fogo e assim por diante, indefinidamente, sem uma interrupo); nem pode a origem do movimento (por exemplo, o homem ser movido pelo ar, o ar pelo sol, o sol pela discrdia, numa srie ilimitada). Da mesma maneira, no pode a causa final ser ad infinitum, o caminhar tendo como fim a sade, a sade a felicidade e a felicidade alguma coisa mais uma coisa sempre sendo por uma outra. E ocorre precisamente o mesmo com a causa formal (ARISTTELES, 2006, p.994a 1).O termo ser utilizado em vrios sentidos, mas com referncia a uma idia central e uma caracterstica definida, e no meramente como um epteto ordinrio. Assim, como o termo saudvel relaciona-se sempre como sade (no sentido de a preservar, ou no de a produzir, ou naquele de ser um sintoma dela, ou naquele de ser receptivo a ela ) e como mdico relaciona-se com a arte da medicina (no sentido de a possuir, ou naquele de estar naturalmente

  • 54 FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

    adaptado a ela, ou naquele de que uma funo da medicina)- e descobriremos outros termos empregados de maneira semelhante a esses- do mesmo modo ser usado em diversos sentidos, mas sempre com referncia a um nico princpio. Com efeito, diz-se de algumas coisas que so porque so substncias, outras porque so modificaes da substncia; outras porque constituem um processo para a substncia, ou destruies, ou privaes, ou qualidades da substncia, ou porque so produtivas ou geradoras da substncia ou de termos relativos substncia, ou ainda negaes de alguns desses termos ou da substncia (assim, chegamos a dizer at que no-ser no-ser). Desta maneira, tal como h um cincia de todas as coisas saudveis, o mesmo aplica-se verdadeiramente a tudo o mais, pois no somente no caso de termos que expressam uma noo comum que a investigao diz respeito a uma cincia, como tambm no caso de termos que se relacionam a uma caracterstica particular, posto que estes ltimos tambm, num certo sentido, expressam uma noo comum. Fica claro, portanto, que a investigao das coisas que so, enquanto so, tambm diz respeito a uma cincia. Ora, em todos os casos o conhecimento sobretudo tange quilo que primrio, isto , aquilo de que todas as outras coisas dependem e do que extraem seus nomes. Se, ento, a substncia essa coisa primria, das substncias que o filsofo deve apreender os primeiros princpios e causas (ARISTTELES, 2006, p.1003a 33). A palavra ser apresenta vrios sentidos que foram por ns classificados em nossa exposio dos diversos sentidos em que os termos so empregados. Primeiramente denota o o que de uma coisa, isto , a individualidade; e em seguida a qualidade, ou a quantidade ou qualquer outra das demais categorias. Ora, de todos esses sentidos contemplados por ser, o primordial claramente o o que, o qual denota a substncia; com efeito, quando descrevemos a qualidade de uma coisa particular, dizemos que boa ou m, e no de trs cbitos ou um homem; mas quando descrevemos o que ela , no dizemos que branca ou quente ou de trs cbitos, mas que um homem ou um deus; e diz-se que todas as demais coisas so

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 55

    porque so quantidades ou qualidades, ou paixes, ou qualquer outra categoria do ser no primeiro sentido [isto , do o que , da substncia] (ARISTTELES, 2006, p. 1028a 10).Conseqentemente, poderamos levantar a questo de se caminhar, estar saudvel e sentar significam em cada caso alguma coisa que , ou no; analogamente, no que respeita a quaisquer outros termos desse tipo, pois nenhum deles, por natureza, possui uma existncia independente ou pode ser dissociado de sua substncia pelo contrrio, se alguma coisa, aquilo que caminha, est sentado ou est saudvel. Ora, o que torna essas coisas mais verdadeiramente existente haver algo definido subjacente a elas, isto , a substncia ou o individual, o que j est implcito numa predicao desse tipo, uma vez que independentemente dela, no podemos falar do bom ou do sentar. Fica claro, portanto, que em funo da substncia que cada uma dessas categorias existe. Por conseguinte, a substncia necessariamente aquilo que primariamente, no num sentido qualificado, mas simples e absolutamente (ARISTTELES, 2006, p. 1028a 20).A palavra substncia empregada, se no em mais do que isso, ao menos em quatro casos principais, pois se julga que tanto a essncia, quanto o universal e o gnero so substncia do particular, e em quarto lugar o substrato. O substrato aquilo do que as demais coisas so predicadas, ao passo que ele mesmo no predicado de qualquer coisa mais. Da devemos comear por determinar sua natureza, pois considera-se que o substrato primrio de uma coisa , no sentido mais verdadeiro, a sua substncia.Ora, num certo sentido entendemos que a matria a natureza do substrato, ao passo que num outro entendemos que a forma, enquanto num terceiro, a combinao de ambas. Por matria quero dizer, por exemplo, o bronze; por forma, o delineamento em que o bronze configurado, e por combinao de ambas entendo a coisa concreta, isto , a esttua. Assim, se a forma anterior matria e mais verdadeiramente mais existente, por fora do mesmo argumento ela tambm ser anterior combinao (ARISTTELES, 2006, p. 1028b 34)

  • 56 FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico

    Uma vez que distinguimos no incio o nmero de casos nos quais definida a substncia e visto que um desses julga-se ser a essncia, necessrio que a investiguemos. Comecemos por tecer abstratamente alguns comentrios sobre a essncia. A essncia de cada coisa aquilo que se diz em virtude de si mesma. Com efeito, ser tu no ser instrudo, pois no s instrudo em funo de ti prprio. Tua essncia , portanto, aquilo que se diz que s em virtude de ti prprio. Mas nem sequer tudo isso a essncia, pois esta no o que se diz ser em funo de si no sentido em que se diz que a brancura pertence a uma superfcie, porque ser uma superfcie no ser branca. Tampouco a essncia a combinao de ambas, ou seja, ser uma superfcie branca. Por qu? Porque a prpria palavra repetida. Conseqentemente a frmula da essncia de cada coisa aquilo que define a palavra mas no a contm. Assim, se ser uma superfcie branca o mesmo que ser uma superfcie lisa, branca e lisa so uma e a mesma coisa (ARISTTELES, 2006, p. 1029b 14).

    iii- qUEstEs para rEFlEXo

    1) De acordo com o texto, e o pensamento de Aristteles, quando

    se pode dizer que uma pessoa realmente conhece?

    2) Quais so as causas envolvidas na constituio do toda da

    realidade sensvel?

    3) Por que na metafsica aristotlica a substncia tem prioridade

    em relao s outras categorias?

    4) Como podemos entender a substncia como forma?

    5) Como podemos entender a substncia como snolo (composto

    de matria e forma)?

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 57

    iv- sUGEstEs dE lEitUra

    ARISTOTELES. Metafsica. So Paulo: Edipro, 2006.

    BITTAR, Eduardo C. B. Curso de filosofia aristotlica: leitura e

    interpretao do pensamento aristotlico. Barueri, SP: Ed. Manole,

    2003.

    CASSIN, Barbara. Aristteles e o lgos. So Paulo: Loyola, 1999.

    ENRICO, Berti. As razes de Aristteles. So Paulo: Loyola, 1998

    MORAES NETO, Joaquim Jos de. Aristteles. Londrina: Editora

    da UEL, 1999.

    PEREIRA, Otaviano. Aristteles: o equilbrio do ser. So Paulo:

    Editora FTD, 1991.

    REALE, Giovanni. Historia da filosofia antiga. So Paulo: Loyola,

    1994.

    ______. Aristteles metafsica. So Paulo: Loyola, 2001.

    ROSS, David. Aristteles. Lisboa: Dom Quixote, 1987.

    STRATHERN, Paul. Aristteles em 90 minutos. Rio de Janeiro:

    Jorge Zahar, 1997.

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 59

  • FILOSOFIA: iniciao ao estudo do pensamento clssico 61

    a EstrUtUra do aGir tico no pEnsaMEnto dE

    santo toMs dE aqUino

    Paulo Roberto da Rocha

    i- coMEntrio

    1 introdUo

    O incio da idade mdia foi marcado por um intenso

    estudo da tica aristotlica, o que exerceu grande influncia no

    conceito eticoteolgico, principalmente a partir do sculo XIII,

    onde, portanto, a tica comeou a tomar duas direes bem

    distintas: uma teolgica, dando prioridade aos problemas de

    compatibilizao da tica aristotlica com a tradio tica crist

    procedente de Santo Agostinho, e uma filosfica, que tentava

    recuperar a tradio ari