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Saúde em Revista 11 O USO DE FITOTERÁPICOS E A SAÚDE BUCAL O Uso de Fitoterápicos e a Saúde Bucal Phytotherapeutic Agent’s use and Oral Health RESUMO O uso de plantas medicinais, passando de geração a geração, che- gou até nossos dias e a adoção de critérios científicos permitiu incorporar à medicina uma forma eficaz de tratamento: a fitoterapia. Ela é muito usada nos cuidados à saúde, porém, no tocante à saúde bucal, ainda é um pouco negligenciada. Nesse sentido, este trabalho buscou investigar o emprego de plantas medicinais pela população, enfatizando aquelas usadas para tratar afecções bucais, além das suas principais indicações e formas de utilização. Assim, constatou-se que 82,5% da população usa plantas medicinais e 49,5% dos entrevistados o fazem para tratar doenças bucais. Em outras pa- lavras, a maioria adota recursos naturais no tratamento dos mais diversos agravos à saúde, sendo que praticamente a metade emprega ervas medici- nais para cuidar de moléstias bucais. As principais indicações foram para o tratamento de inflamações, odontalgias e processos cicatriciais e, quanto às formas de utilização mais comuns dessas plantas, destacaram-se a decocção, a maceração e a infusão. Palavras-chave SAÚDE BUCAL FITOTERAPIA PLANTAS MEDICINAIS. ABSTRACT The use of medicinal plants has been through many generations and has come up to our days as a new form of science: phytotherapy. This new therapy is broadly used in health care, although it is still neglected in oral health. Therefore, this study investigated the use of phytotherapeutic agents, emphasizing those used to treat oral affections, as well as their main indications and form of utilization. Thus, it was observed that 82.5% of the population uses herbal medicines and 49.5% of them have used them to treat oral diseases. Therefore, it is concluded that the majority of the people surveyed utilizes phytomedicines to treat several body health conditions, while half of them uses botanical medicines as oral illness therapeutics. The main indications were in the healing of oral inflammation, toothache and in soft tissue cicatrization; and the most common form of utilization is maceration. Keywords ORAL HEALTH PHYTOTHERAPY MEDICINAL PLANTS. ARTIGO ORIGINAL /ORIGINAL ARTICLE JOSÉ FERREIRA LIMA JÚNIOR* Mestre em Odontologia Preventiva e Social pela UFRN/RN LIZA BARRETO VIEIRA Mestre em Odontologia Preventiva e Social pela UFRN/RN MARIA JALILA VIEIRA DE FIGUEIREDO LEITE Mestre em Odontologia Preventiva e Social pela UFRN/RN KENIO COSTA LIMA Programa de Pós-Graduação - Departamento de Odontologia ( UFRN/ RN) *Correspondências: Rua 21 de Outubro, 566, centro, 63400-000, Cedro/CE jfl[email protected]

Fitoterápicos e a saúde bucal

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JOSÉ FERREIRA LIMA JÚNIOR, ET AL.

Saúde em Revista 11O USO DE FITOTERÁPICOS E A SAÚDE BUCAL

O Uso de Fitoterápicose a Saúde Bucal

Phytotherapeutic Agent’s use and Oral Health

RESUMO O uso de plantas medicinais, passando de geração a geração, che-gou até nossos dias e a adoção de critérios científicos permitiu incorporar àmedicina uma forma eficaz de tratamento: a fitoterapia. Ela é muito usadanos cuidados à saúde, porém, no tocante à saúde bucal, ainda é um pouconegligenciada. Nesse sentido, este trabalho buscou investigar o emprego deplantas medicinais pela população, enfatizando aquelas usadas para tratarafecções bucais, além das suas principais indicações e formas de utilização.Assim, constatou-se que 82,5% da população usa plantas medicinais e49,5% dos entrevistados o fazem para tratar doenças bucais. Em outras pa-lavras, a maioria adota recursos naturais no tratamento dos mais diversosagravos à saúde, sendo que praticamente a metade emprega ervas medici-nais para cuidar de moléstias bucais. As principais indicações foram para otratamento de inflamações, odontalgias e processos cicatriciais e, quanto àsformas de utilização mais comuns dessas plantas, destacaram-se adecocção, a maceração e a infusão.Palavras-chave SAÚDE BUCAL – FITOTERAPIA – PLANTAS MEDICINAIS.

ABSTRACT The use of medicinal plants has been through many generationsand has come up to our days as a new form of science: phytotherapy. Thisnew therapy is broadly used in health care, although it is still neglected inoral health. Therefore, this study investigated the use of phytotherapeuticagents, emphasizing those used to treat oral affections, as well as their mainindications and form of utilization. Thus, it was observed that 82.5% of thepopulation uses herbal medicines and 49.5% of them have used them totreat oral diseases. Therefore, it is concluded that the majority of the peoplesurveyed utilizes phytomedicines to treat several body health conditions,while half of them uses botanical medicines as oral illness therapeutics. Themain indications were in the healing of oral inflammation, toothache and insoft tissue cicatrization; and the most common form of utilization ismaceration.Keywords ORAL HEALTH – PHYTOTHERAPY – MEDICINAL PLANTS.

ARTIGO ORIGINAL /ORIGINAL ARTICLE

JOSÉ FERREIRA LIMA JÚNIOR*Mestre em Odontologia Preventiva e Social pela UFRN/RN

LIZA BARRETO VIEIRAMestre em Odontologia Preventiva e Social pela UFRN/RN

MARIA JALILA VIEIRA DE FIGUEIREDO LEITEMestre em Odontologia Preventiva e Social pela UFRN/RN

KENIO COSTA LIMAPrograma de Pós-Graduação - Departamento de Odontologia (UFRN/RN)

*Correspondências: Rua 21 de Outubro, 566, centro, 63400-000, Cedro/[email protected]

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INTRODUÇÃO

emprego de plantas medicinais, passandode geração a geração (inclusive com o avalde Hipócrates, há mais de 300 a.C., cuja

expressão clássica “a natureza que cura” fez delaseu aliado), chegou até nossos dias na forma deuma nova ciência, a fitoterapia. A importânciafundamental do estudo das plantas que curam é,possivelmente, maior que o próprio conhecimen-to das doenças, considerando que grande partedas substâncias aplicadas no preparo e na elabo-ração dos produtos farmacêuticos é extraída doreino vegetal.1

Desde épocas ancestrais, as plantas sempre esti-veram ligadas ao cotidiano do homem, servindo dealimento e remédio aos seus males. Com o passardo tempo, ao longo das civilizações, o conhecimen-to sobre o uso de plantas medicinais organizou-se,originando a disciplina de farmacognosia, ramo dafarmacologia ensinado nas escolas de farmácia. En-tretanto, com a industrialização no início do séculoXX, surgiram os fármacos sintéticos, que aos pou-cos substituíram as plantas e atualmente dominamo mercado farmacêutico. Hoje em dia, a venda deprodutos ditos “fitoterápicos” no mercado infor-mal representa grande perigo à saúde da popula-ção, pois comercializam-se drogas vegetais semcontrole fitossanitário, de identidade e de pureza.Há necessidade de uma fiscalização maior e melhordesse setor, já que as plantas representam uma al-ternativa economicamente mais viável à populaçãoe por razões de resgate histórico do conhecimento.

No Brasil, apenas em 1995 passou a existirnormatização oficial sobre os medicamentos fito-terápicos.2 No entanto, a Portaria n.º 6 da Secreta-ria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde,de 31/jan./95, foi revogada de acordo com o artigo4.º da Resolução da Diretoria Colegiada n.º 17, de24/fev./00 – Agência Nacional de Vigilância Sa-nitária/Ministério da Saúde. O artigo 1.º da referi-da resolução aprovou o regulamento técnico,visando a normatizar o registro de medicamentosfitoterápicos no Sistema de Vigilância Sanitária.3

Tal regulamento define o fitoterápico comouma substância adjuvante adicionada ao medica-mento com a finalidade de prevenir alterações ecorrigir e/ou melhorar as características organo-lépticas, biofarmacotécnicas e tecnológicas dessemedicamento. Outro conceito seria o de drogavegetal, planta ou suas partes, após os processosde coleta, estabilização e secagem, podendo seríntegra, rasurada, triturada ou pulverizada. Final-

mente, o regulamento técnico designa o medica-mento fitoterápico como um medicamentofarmacêutico obtido por processos tecnologica-mente adequados, empregando exclusivamentematérias-primas vegetais, com finalidade profilá-tica, curativa, paliativa ou de diagnóstico. O fitote-rápico caracteriza-se pelo conhecimento daeficácia e dos riscos de seu uso, assim como pelareprodutibilidade e constância de sua qualidade.Não se considera medicamento fitoterápico aqueleque, na sua composição, inclua substâncias ativasisoladas, de qualquer origem, nem as associaçõesdestas com extratos vegetais.

Nesse sentido, alguns trabalhos na literaturapesquisaram o emprego de tais “fitomedicamen-tos” e a aceitação deles pela população. Amorim4

estudou o uso da fitoterapia popular em 782 famí-lias do município de Campina Grande/PB e consta-tou que 82,9% delas tinham um “especialista” emplantas medicinais e costumavam usar remédiospreparados com plantas. Esse autor verificou quea maioria (87,2%) havia aprendido a usar plantascom a própria família e também que o modo maisfreqüente de preparo dos remédios com elas foi ochá (infuso ou decocto, 63,3%). Quanto às indica-ções, observou que a maioria delas coincidiu comas da literatura científica. Pires et al.,5 com baseem questionário aplicado a 180 mães atendidas noambulatório do Hospital Universitário LauroWanderley da Universidade Federal da Paraíba,observaram que 96,7% das genitoras utilizavamplantas medicinais; 94,7% relataram ter obtido opossível efeito desejado; 50,7% fizeram uso emassociação a outras plantas e/ou medicamentos; e2,9% referiram possíveis efeitos tóxicos.

Além desses, outros trabalhos corroboram asindicações de plantas medicinais para tratamentode afecções bucais. Nesse sentido, Sampaio6 pes-quisou plantas adstringentes brasileiras e relatouque, no Brasil, usava-se uma mistura do suco dotronco da bananeira (Musa sapienten Linn) comágua, obtendo excelente ação em aftas. Tambémpara aftas, indicava-se o decocto da casca do ca-jueiro (Anacardium occidentale Linn). Ele acres-centa ainda que o pó da madeira do pau-brasil(Caesalpinia echinata Lam) era aconselhado parao fortalecimento gengival, assim como as folhasda mangueira (Mangifera indica Linn), no caso deulcerações bucais.

Tomando por base indicações mais genéricas,aventa-se a hipótese de essas preparações agiremsobre a massa de bactérias extremamente organi-

O

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zadas que se aderem seletivamente às superfíciesdos dentes e constituem o biofilme dentário. Esteconsiste em uma complexa massa microbiológica,agente etiológico predominante das principaispatologias orais – a cárie e as doenças periodon-tais, ambas consideradas entre as mais freqüentesinfecções da humanidade.7

Dessa forma, numerosos produtos com ingre-dientes de origem vegetal estão sendo cada vezmais testados por exercer influência inibitória nocrescimento do biofilme dentário na cavidadeoral. Estudos in vitro têm demonstrado que tintu-ras de camomila (Matricaria chamomilla L.) emirra possuem efeito em certos microrganismosformadores do biofilme comparável ao da clore-xidina.7 Ainda em relação à camomila, realizou-se uma análise exploratória sustentada na divisãopor sexo. Essa pesquisa sugeriu que o enxaguató-rio bucal de camomila é mais benéfico para ho-mens, em detrimento de mulheres, na resoluçãoda mucosite oral induzida pelo 5-fluoracil, qui-mioterápico usado no tratamento do câncer. Omesmo estudo não apresenta evidência de que acamomila cause toxicidade alguma.8

Xavier et al.1 citam que os óleos do cajueiro(Anacardium occidentale L.) e do cravo (Eugeniacaryophyllata T.) são indicados para odontalgias,devendo ser aplicados com o auxílio de uma pe-lota de algodão sobre o dente dolorido. Outrosestudos demonstram que a romã (Punica grana-tum Linn) possui atividade antimicrobiana sobreStreptococcus mutans, microrganismo de extre-ma importância no início do processo carioso,além de ser usada contra gengivite e feridas bu-cais por sua ação antisséptica e antiinflamatória.9

O uso de preparações à base de plantas, quan-do feito com critérios, só tem a contribuir para asaúde de quem o pratica. Tais critérios referem-seà identificação do quadro clínico (doença ou sin-toma), à escolha correta da planta a ser emprega-da e à adequada preparação. Nesse sentido,fundamentado pela literatura científica acerca dasindicações dos recursos vegetais para tratamentode patologias bucais, este trabalho objetiva inves-tigar o uso de plantas medicinais pela população,bem como descrever, no universo de pessoas quese utilizam das propriedades terapêuticas do rei-no vegetal, a porcentagem de aplicação dessesprodutos nos cuidados em relação à saúde bucal.Além disso, verificar quais as indicações e formasde utilização de tais plantas.

MATERIAL E MÉTODOS

Este trabalho foi realizado numa cidade do in-terior da Região Nordeste do Brasil, no mês de se-tembro de 2001. Após aprovação pelo Comitê deÉtica em Pesquisa da Universidade Federal do RioGrande do Norte, aplicou-se um questionário aosmoradores de 212 domicílios para coleta de in-formações referentes ao uso de plantas medicinaisno tratamento de alguma doença. Em caso afir-mativo, indagou-se o nome popular da planta, aforma de utilização e as indicações, além de quaisplantas eram empregadas para tratar agravos desaúde bucal. Os questionários foram aplicados aoresponsável pela sua preparação, geralmente oindivíduo de maior idade e do sexo feminino, emdiferentes setores da cidade indicados aleatoria-mente com base no sorteio das unidades amos-trais adotado pelo projeto SB 2000,10 o primeiro atomar como referência uma base domiciliar.

O levantamento em domicílios realizou-se emum município do interior do Ceará, localizado namicrorregião centro-sul do referido Estado. A ci-dade selecionada foi Cedro, a qual conta com24.065 habitantes, 13.506 deles da área urbana e11.677 da zona rural, consoante dados do Insti-tuto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).11

Saliente-se o fato de que a distribuição da popula-ção na sede municipal e nas vilas ou distritos ru-rais é praticamente igual, uma das razões pelasquais tal município foi escolhido. Além dessa, hátambém a questão da distância dos grandes cen-tros urbanos, como Fortaleza, Natal ou Recife,que, por possuir serviços de saúde de referênciaem todos os níveis de atendimento – primário, se-cundário ou terciário –, polarizam todas as suasregiões metropolitanas e adjacências, interferin-do, portanto, na prática cultural e secular do usode plantas medicinais.

Assim, o plano amostral para o levantamentoem domicílios teve como referência a populaçãobrasileira residente na Região Nordeste (primeiraestratificação), no município de Cedro/CE (unida-de amostral primária), em quadras urbanas e/ouvilas rurais (unidade amostral secundária) ondeestão domicílios, sendo estes os vários estágios dodelineamento amostral. Desse modo, para o sor-teio das unidades de amostragem, adotou-se omapa do Projeto de Abastecimento de Água daCompanhia de Água e Esgoto do Estado do Cea-rá (Cagece). Assim, a contagem do número dequadras existentes na sede municipal fez-se de

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acordo com a planta baixa (escala 1:2000) do re-ferido mapa.

O número de quadras pesquisadas foi obtidocontando-se todas aquelas existentes no municí-pio, sendo antes realizado um estudo preliminar,de onde se retirou da contagem as que represen-tavam unidades não habitadas, como terrenosbaldios, fábricas, hotéis, hospitais, escolas e cen-tro comercial. Uma vez excluídas as quadras quenão fizeram parte do estudo, numeraram-se todasas remanescentes que, potencialmente, poderiamcompor a amostra. A partir do número final dequadras, calculou-se o número médio de domicí-lios por quadra.

O numerador da fórmula usada indica, apro-ximadamente, o número de domicílios do muni-cípio, pois admite-se que vivem, em média,quatro pessoas por domicílio. Quando se divide onúmero total de domicílios pelo número de qua-dras, tem-se o número médio de domicílios porquadra. Arredondando-se para cima, por princí-pios estatísticos, obteve-se que o número médiode domicílios por quadra foi 39.

Feito o cálculo anterior, estimaram-se quantasquadras seriam sorteadas, dependendo do númerode domicílios a serem pesquisados. Conforme ametodologia adotada pelo SB 2000,10 o número dedomicílios que devem ser visitados varia de acordocom o porte do município e a macrorregião. Nocaso específico de Cedro/CE, esse valor correspon-deu a 230 domicílios.10 Então, tem-se que:

Cálculo do número de quadras a serem pes-quisadas:X = 230 / 39 � X = 5,89744358 � X = 6.

Dessa forma, o número de quadras que deve-riam ser percorridas era seis. No entanto, em vir-tude do baixo número de domicílios em algumasdelas, foram percorridas sete quadras urbanas enenhum distrito rural, perfazendo um total de212 domicílios visitados.

Após coletadas as informações, elas foram ta-buladas, buscando a relação com a idade pormeio do teste estatístico do Qui-Quadrado paraum nível de confiança de 95%, e analisadas pelosoftware Epi-Info 6.04.12 A partir daí, as plantasmedicinais mais prevalentes referidas para o tra-tamento de doenças bucais foram selecionadas.Realizou-se um trabalho de associação do conhe-cimento cultural da população com a realidadecientífica, no que diz respeito ao princípio ativo,o qual possa vir a ser aplicado para prevenir, tra-tar e curar determinada enfermidade.

RESULTADOS

Foram aplicados 212 questionários: 175 con-firmaram o uso de plantas medicinais para tratardoenças e 37 não. Assim, 82,5% da populaçãoutiliza fitoterápicos, sendo expressivo o alto per-centual da comunidade usuária de plantas medi-cinais. Em relação ao uso de acordo com a faixaetária, não se observaram diferenças estatistica-mente significativas (p = 0,73).

No universo de questionários aplicados, obte-ve-se um número de 829 citações de plantas em-pregadas para tratar algum agravo à saúde,apresentando grande variabilidade no que diz res-peito ao número (89), classificação botânica, par-te da planta utilizada no tratamento, indicação e aforma de uso. Dentre essa gama de 829 citações,selecionaram-se as 10 plantas mais prevalentes noestudo, que representaram 55,9% desse universo(tab. 1).

Tabela 1. Nome popular, valores absolutos e percentuais de cita-ções das plantas mais prevalentes. Cedro/CE, 2001.

Tabela 2. Nome popular, valores absolutos e percentuais decitações das plantas para tratar afecções bucais.Cedro/CE, 2001.

NOME POPULAR CITAÇÕES %

Malva do reino (Malva parviflora) 135 16,3

Hortelã (Mentha spicata) 51 6,2

Malva corama (Malvaviscus arboreus) 49 5,9

Aroeira (Hura crepitans) 41 4,9

Camaru (Amburana cearensis) 38 4,6

Jatobá (Hymenaea stigonocarpa) 36 4,3

Mastruz (Chenopodium ambrosioides) 34 4,1

Eucalipto (Eucalyptus globulus) 29 3,5

Pepaconha (Cephaelis ipecacuanha) 27 3,3

Cidreira (Cymbopogan citratus) 23 2,8

Total 462 55,9

NOME POPULARCITA-ÇÕES

%

Romã (Punica granatum Linn) 94 57,32

Aroeira (Hura crepitans) 22 13,42

Cajueiro (Anacardium occidentale Linn) 20 12,19

Malva do reino (Malva parviflora) 15 9,15

Malva corama (Malvaviscus arboreus) 13 7,92

Total 164 100

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No que diz respeito às principais indicações,as mais freqüentes foram: febres e/ou gripes(55,6%), processos inflamatórios (17,07%),quadros álgicos (10,78%), problemas gastroin-testinais (7,51%) e outros (9,04%).

No que tange à utilização de plantas para otratamento de algum agravo à saúde bucal, apesquisa revelou que, também aqui, o uso deacordo com a faixa etária não diferiu estatistica-mente (p > 0,05). Das plantas empregadas naprevenção, tratamento ou cura das afecções bu-cais citadas pelos respondentes, foram seleciona-dos as mais relevantes no estudo (tab. 2).

As indicações das espécies mais freqüentespara tratamento de afecções bucais encontram-se na tabela 3. Já as principais formas de uso dosfitoterápicos no tratamento de agravos de saúdebucal constam na tabela 4.

DISCUSSÃO

Os resultados demonstram que há um grandeconhecimento popular das plantas medicinais eque, embora seja considerado baixo o grau de

instrução dos entrevistados, as informações relati-vas à indicação e à forma de uso não divergem daliteratura científica. Esse alto percentual de usoobtido na pesquisa é praticamente o mesmo cons-tatado por Amorim,4 que estudou o uso da fitote-rapia popular em 782 famílias do município deCampina Grande/PB e verificou que 82,9% delascostumavam usar plantas medicinais para trataros mais diversos agravos de saúde. Seguindo amesma lógica, Pires et al.,5 com base em questio-nário aplicado a 180 mães atendidas no ambula-tório do referido Hospital Universitário LauroWanderley, observaram que 96,7% utilizavamplantas medicinais, dados estes maiores que osaqui encontrados provavelmente por se tratar deuma amostra de mães à procura de tratamento,uma vez que o estudo se realizou em um hospital.

Cruzando-se a variável uso de fitoterápicoscom a faixa etária, não se observaram diferençasestatísticas (p = 0,73), fato que pode ser atribuí-do à transmissão do conhecimento de pai para fi-lho, o que certamente difunde e homogeniza oconhecimento popular pelas mais variadas faixasetárias da população. Isso também pôde ser fun-

Tabela 3. Números absolutos e percentuais das plantas mais utilizadas para tratar afecções bucais e as respectivas indicações.Cedro/CE, 2001.

Tabela 4. Números absolutos e percentuais das principais formas de utilização das plantas no tratamento de agravos de saúde bucal.Cedro/CE, 2001.

PLANTAS

INDICAÇÕESRomã (Punica

granatum Linn)AROEIRA (Hura

crepitans)

CAJUEIRO (Anacardium

occidentale Linn)

MALVA DO REINO (Malva parviflora)

MALVA CORAMA (Mal-

vaviscus arboreus)

N % N % N % N % N %Cicatrização 2 2,1 3 13,6 3 15 - - - -Odontalgia 8 8,5 4 18,2 4 20 - - 1 7,7Afta 2 2,1 - - 1 5 1 6,7 - -Inflamação 78 83 15 68,2 12 60 14 93,3 12 92,3Erupção dentária 4 4,3 - - - - - - - -

PLANTAS

FORMAS DE UTILIZAÇÃO

ROMÃ (Punica granatum LINN)

AROEIRA (Hura crepi-

tans)

CAJUEIRO (Anacardium

occidentale Linn)

MALVA DO REINO (Malva parvi-

flora)

MALVA CORAMA (Malvaviscus

arboreus)N % N % N % N % N %

Infusão 17 18,1 5 22,7 1 5 3 20 - -Decocção 12 12,8 9 40,9 9 45 4 26,7 6 46,2Lambedor 4 4,3 - - 1 5 4 26,7 2 15,4Mascar a casca 3 3,2 - - - - - - - -Maceração 54 57,4 4 18,2 5 25 3 20 1 7.7Bochecho da decocção - - 4 18,2 1 5 - - 4 30,8Outros 4 4,3 - - 3 15 1 6,7 - -

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damentado por Xavier et al.,1 que afirmaram queo uso de plantas medicinais, passando de geraçãoa geração, chegou até nossos dias na forma deuma nova “ciência”, a fitoterapia.

Em relação ao emprego de plantas medicinaispara tratar agravos de saúde bucal, os dados en-contrados revelaram que 105 pessoas recorriamfreqüentemente a algum tipo de recurso vegetal, oque corresponde a 49,5% dos pesquisados. Dife-rentemente, 107 entrevistados, portanto 50,5%,responderam não fazer uso de ervas medicinais.

Apesar da faixa etária não possuir associaçãodireta com o uso de plantas medicinais por moti-vos já descritos, cabe aqui uma observação im-portante inerente a essa questão da idade: osquestionários com o maior número de respostasforam justamente aqueles cujos entrevistados ti-nham mais idade, o que pode ser explicado pelaexperiência acumulada pela cultura popular du-rante décadas de vida.

Destaca-se, na tabela 1, que a malva do reino(Malva parviflora) (135 citações) e a malva cora-ma (Malvaviscus arboreus) (49 citações) corres-pondem juntas a 22,19% das 829 respostaspositivas à pergunta se o respondente usava plan-tas para tratar doenças. No entanto, questionan-do-se sobre alguma planta para tratamento deafecções bucais, a família das malváceas perde aprimeira colocação para a romã (Punica grana-tum Linn), com um total de 94 citações, ou seja,57,32% do total das cinco plantas mais emprega-das nesse tipo de tratamento. Constata-se daí queas malváceas têm boa aceitação popular para tra-tar problemas de saúde de ordem geral; no entan-to, para agravos de saúde bucal, caem para aquarta colocação, perdendo a liderança para aromã (Punica granatum Linn), muito embora se-jam as únicas referidas para moléstias tanto de or-dem geral como bucal.

Em relação ao termo erupção dentária, regis-trado na tabela 3 como uma indicação, na reali-dade não é que tais plantas sirvam para favorecera erupção dentária. Porém, de acordo com o sa-ber popular, ajudam a diminuir o quadro típicode irritabilidade, febre e diarréia que normalmen-te acompanha tal processo.

Ainda de acordo com a tabela 3, a romã é bas-tante utilizada para tratar processos inflamatóriosna região da orofaringe, sendo essa a sua principalindicação na cultura popular, atingindo 83%. Essainformação pode fundamentar-se na literaturaodontológica, pois Oliveira e Ferraz9 relatam que

a romã (Punica granatum Linn) é empregada nocombate a gengivite e feridas bucais por sua açãoantisséptica e antiinflamatória. Assim, verifica-seque a principal indicação foi para tratar quadrosinflamatórios (tab. 3). Entretanto, é válido ressaltarque, consoante a cultura popular, a romã (Punicagranatum Linn) (83%), a malva do reino (Malvaparviflora) (93,3%) e a malva corama (Malvaviscusarboreus) (92,3%) foram apontadas para cuidar deprocessos inflamatórios da orofaringe, ao passoque o cajueiro (Anacardium occidentale Linn)(60%) e a aroeira (Hura crepitans) (68,2%), para otratamento da inflamação gengival.

Na tabela 4, destaca-se que a principal formade uso da romã (Punica granatum Linn) foi a ma-ceração (57,4%), ao passo que a da aroeira (Huracrepitans), do cajueiro (Anacardium occidentaleLinn) e da malva corama (Malvaviscus arboreus)foi a decocção (40,9%, 45% e 46,2%, respecti-vamente). Já a malva do reino (Malva parviflora)revelou-se o único fitoterápico com uma distri-buição bastante uniforme entre as diversas formasde utilização explicitadas.

Por ser uma nova área do conhecimento, pra-ticamente não se encontraram dados na literaturaespecíficos quanto a indicações e formas de utili-zação dos fitoterápicos bucais. Cabe aqui, então,ressaltar a importância deste trabalho para a saú-de bucal coletiva, visto que, de acordo com Ake-rele,13 cerca de 65%-80% da população mundialresidente em países em desenvolvimento dependeessencialmente de plantas para cuidados pri-mários à saúde.

CONCLUSÃO

Fundamentado na metodologia empregada enos resultados obtidos, conclui-se que:

1. grande parte das pessoas participantes dapesquisa usa plantas medicinais no tratamentodos mais diversos agravos à saúde;

2. metade dos entrevistados utiliza recursosvegetais para cuidar de afecções bucais. Já asindicações mais relevantes das plantas medici-nais para tratar agravos à saúde bucal são: infla-mação, odontalgia e cicatrização;

3. quanto às principais formas de utilização,destacam-se decocção, maceração e infusão, adepender da espécie vegetal empregada.

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Saúde em Revista 17O USO DE FITOTERÁPICOS E A SAÚDE BUCAL

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Submetido: 4/out./2004Aprovado: 19/maio/2005

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