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FNX XX

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FNX - no. xx - ano xiv

uma publicacao da Academia de Letras

da Faculdade de Direito de Sao Paulo

editor: guilherme guidi

projeto grafico e diagramacao: felipe sentelhas

imagem da capa: sven geier

tiragem: -------------

Academia de Letras

fundada em 1932

Faculdade de Direito de Sao Paulo

Largo Sao Francisco, n." 95, terreo

Centro, Sao Paulo - SP - Brasil

CEP 01005-010

(11)3111-4108

www.usp.br/fdlal

http://fnxxx.wordpress.com

[email protected]

veriio de 2008

impresso n o B ra sil

prin ted in Brazil

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Sumario

[email protected] 15

[email protected] 18

[email protected] 20

[email protected] 28

[email protected] 29

[email protected] 32

[email protected] 35

[email protected] 38

gabriel.dkJ@gmail. com 40

[email protected] 43

[email protected] 45

[email protected] 46

[email protected] 48

[email protected] 52

[email protected] 55

[email protected] 60

[email protected] 62

[email protected] 63

[email protected] 66

Jegianesella@gmail. com 69

[email protected] 71

[email protected] 73

[email protected] 77

[email protected] 79

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fnx printscreen 81apendice 89

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"Se os poetas se calassem subitamente

e so ficasse no ar 0ruido dos motores,

porque ate 0vento se calava no fundo dos vales,

penso que ate as guerras se iam extinguindo,

sem derrota e sem vitoria,

com a mansidao das coisas estereis."

Agustina Bessa-Luis

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Arquivo Academia de Letras

(Emblema encontrado em Revista Arcadia de 1947,

por ]oao Gabriel A. Ferreira e reproduzido em

nanquim por Ingrid S. Pino)

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PREFAcIO

Chegamos finalmente a nossa vigesima

edicao como urn adolescente desajeitado recem-

chegado a suposta maturidade. Fomos inocentes,

depois apaixonadamente romanticos, e por fim nos

rendemos a realidade. Experimentamos 0 silencio, 0

estardalhaco, mas a ausencia nunca foi urna opcao.

A FNX deste ano nao e urn produto egoista de

uns poucos escritores, nao e urn livrinho em que

depositamos nossas amarguras, nao e 0 resultado da

prepotencia ou arrogancia de alguns loucos, mas urn

recomeco, urn motivo de orgulho pessoal.

Podem dizer que nao fazemos literatura,

podem dizer que nem sequer sabemos escrever, mas a

importancia dos gestos nao esta em sua beleza, mas

nos seus resultados. Quando nao mais nos alterarmos

diante de urn poema, quando nao mais ficarmos

tocados por urn quadro, a arte estara morta. Por outro

lado se todo 0 trabalho que foi empregado nesta

publicacao render ao menos urn comentario, nosso

objetivo tera sido atingido. Se forem muitos

comentarios, bern, quem diria ...

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Fica aqui a mensagem para os idealistas deplantae. 0 mundo e urn lugar bastante triste, mas

enquanto houver vontade, enquanto houver

humanidade, 0 Belo e 0 Horrendo continuarao

compartilhando seu espaco nas mentes dos poetas.

Que estes jamais se calem!

Guilherme Guidi

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Maria Isabela Meloncini

Quarta cotidiana

ou "And now, for something completely different'?

Quarta. Por deus, quem comemora 0

aniversario na quarta-feira? Nao numa cidade grande,

onde todos trabalham e estao presos no transite e nas

suas correntes de deveres diaries.

Minha mae se aproveitou da situacao

marcando a janta logo hoje. Aposentada, cantarola ao

ritmo da colher de pau. Panelas ao fogo as quatro da

tarde... Ah! Ser aposentada tern suas vantagens, 6 se

tern!

Ela sorri para mim e seu pe-de-galinha epressionado. Sim, prefiro estar aqui devido a folga no

trabalho. Tambem tern desvantagens em ser

aposentada: e necessario ser velha, na maioria dos

casos.

Meu irmao telefona avisando que a Jane vai

se atrasar, mas que vira, Minha mae, muito fina: "Ah,

va a merda. E hoje que faco 70, e e hoje que farei areuniao, Vern quem quer. Quem nao quiser, que nao

venha.". Ela diz isso como se "merda" conotasse

sinceridade. Mas ela sabe, eu sei que sabe, que familia

tambem cria deveres, e que, por mais que todos

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tenham compromissos, agradar a mae ou a sogra

tambem e um compromisso. So mais outro grilhaocotidiano ...

"Ele disse que a Jane vem ...", ela comenta,

apes desligar, como quem nao quer nada. "Toma,

experimenta". Eu pergunto 0 que e. Sei que ela nao

vai dizer. Ela nunca fala sobre sua comida ate que esta

tenha passado pela lingua de todos os presentes. Era

um creme bege; provei.

ALHO. Mae, pate de alho e voce me da uma

colher de sopa inteira para comer, e puro? Quero ver

esse gosto horrivel sair da minha garganta.

Ela me sorri da sua maneira irresistivel: urn

sorriso carregado de sabedoria, com uma pitada de

ingenuidade ... ou talvez a ingenua seja eu: se trata de

descaso.

Toda vez que ela sorri para mim, minha

mente e tomada pela ideia de que, se ela nao se

importa, por que eu deveria? Por isso que comeco a

pensar que faz sentido os vampiros serem repelidos

por alho. Afinal, sao criaturas que vivem para

delicados prazeres, so. Alias, nao vivem, existem ...

Quem vive e essa vitiva aqui na minha frente,

que cozinha tendo como base urna receita que nao

segue. Vida: algo totalmente diferente.

1frase tirada de Monty Phyton Flying Circus.

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Maria Isabel a M eloncin i

108.0 botas-de-cemiterio

joao botas-de-cemiterio e 0meu marido. Eu 0

amo tanto. Amo a maneira como suas sobrancelhas se

ajuntam quando ele esta perplexo, ou como suas maos

fortes seguram a pa, fazendo seus biceps saltarem.

Sinto carinho por ele quando se lava, esfregando

desajeitadamente suas pemas sujas de terra, quase nao

cabendo no nosso box. Amo tambem quando corre

olhando para baixo, voltando para casa para assistir a

partida de futebol. Admiro-o pela sua forca de vontade

de sair da cama que eu esquento para ir trabalhar logo

pela matina.

Mas, nessa hora, a verdade e que sinto urn

alivio. E verdade que eu 0 amo, mas quando ele chega

perto, eu sinto cheiro de morto. Depois passa, mas ai,

quando eu 0 abraco, imagino se ele antes nao agarrou

urn defunto para colocar no caixao, E pior: quando

transamos, eu imagino se ele nao se sente atraido

pelas mulheres mortas que acaba vendo peladas.

Sera que ele nao as imagina?

Acho que ele me ama, sim. Nao tern mais

ninguem alem de mim. Mas as vezes penso que ele me

quer como as defuntas: quieta e subordinada.

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Muito prazer

Sinto cheiro na agua, inodora.

Quando abriram a caixa de Pandora

Fui la ver 0que havia.

Coleciono uma raquitica pletora

De poesia.

Nao sou como os acrobatas que

Inventaram as "rubras cascatas",

Mas 0palhaco polido,

o bem-sucedido fracasso.

Tudo na minha vida leva a crer

Quao foi sensato nao nascer!

Quando me desdiz, por urn triz,

Minha boca lesa e tesa,

Recordo tropical a certeza de

Urn inverno estival.

E em vinte e seis de dezembro

J a me lembro de esperar pelo Natal.

Sinto-me bern quando penso no alem,

Sinto-me bern, alem,

Sou 0que sinto.

18 FNX

Leandro Tripodi

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Nao como mariscos nem figos

mas gosto de umbigos e riscos.

Talvez va encontrar no teatro

Minh'alma de atro corisco.

Sou isso. Sei que porventura

minha agrura seja dura,

Sei que sou uma sinfonia

de arrelia e sem partitura.

E talvez por suas rimas irritantes

Acho que ja escrevi este poema antes.

Muito prazer!

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Andre E. Martins Pinto

o menino (pelo menos aparentava ser um ...)

estava a espreita, tinha cara de ensandecido, em redor

dos olhos era fundo, negro, uma fisionomia de pouco

sono, ou de muita loucura... E por quem esperava?

Olhava, olhava e se mantinha a postos, faca na mao,

nao gostava muito daquela cidade, definitivamente

nao gostava. E que cidade? Sorria contorcendo urn

pouco 0 labio e a parte esquerda da face, puxava a

boca como se de raiva padecesse, e realmente sua

mente era um furor s6, urn 6dio que transbordava

tudo, mas a tocaia era bem feita, ninguem 0 via,

apesar de cidade grande parecer que estamos cercados

por tudo e todos, inclusive n6s mesmos nos vigiamos,

perdendo por vezes 0 senso da direcao ... Os concretos

que crescem e brotam do chao para 0 infinito do ar

tambem escondiam, acalmavam, esperavam 0 dia de

sua queda, porem enquanto nao chegava, mantinham

o menino sob seus cuidados, para algum fim

desconhecido.

Os carros zuniam ferozmente, era avenida de

fluxo rapido, e do lado do menino se encontravam 0

comercio, as grandes calcadas, e no meio da avenida

20 FNX

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"ilhas" para os pedestres poderem caminhar ate 0

semaforo fechar, e assim completarem a travessia ...Um predio imenso se avolumava sobre 0 garoto, que

olhava de soslaio para uma das "ilhas", em especial

uma em que se via uma freira. Ele comecou a tremer,

estava euf6rico, algo ia acontecer, ninguem notava,

mas iria, e s6 esperava... 0 semaforo fechou, a freira

estava postada em baixo do luminoso de pedestre,

mirava 0 predio em sua frente, 0 menino entrou em

disparada com a faca escondida, quando a freira

percebeu e viu que era contra si que ele corria furioso,

ja era tarde, pois foi perfurada em diversos pontos do

corpo, caiu estatica, nao disse palavra. Todos se

quedaram paralisados, e mais paralisado ficou 0

menino, que certamente todos presumiam iria fugir,

mas nao, ali parou ao lado do corpo e esperou. Um

outro rapaz quando viu a cena, correu para a freira ja

desfalecida, e se entrou em comocao, ficou atonito, e

passou a fixar os olhos do menino, que ali estava

inerte, nao exprimia qualquer sentimento aparente. 0

corpo da freira era jovem, belo, rosto pequeno mas

mui gracioso, cabelos louros e bem claros, olhos

estanques olhando para 0 vazio, castanhos e sem

expressao., 0 homem que chorava perto dela, agora

gritava:

- POR QuE? POR QuE?

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Era preciso adiantar ... respondeu

calmamente 0menino

- 0 que? - olhando perplexo para 0jovem que

ali falava

- "0 que?" 0que?

- 0 que voce disse?

- Que era preciso adiantar ...

- Mas que hist6ria e essa? - disse percebendo

que 0 menino era 0 assassino, ao ver a faca

ensangiientada em sua mao

- E verdade, eu s6 apressei as coisas, entende?

- Voce nao fala com 0minimo de razao, 0 que

fez com ela?

- Ora, a cidade ja nao precisa de freiras, somos

todos modemos 0 suficiente para nao mais precisar de

deus, deuses, oracoes.. Se ela realmente acreditava

nessas tolices foi ate born, adiantei 0 "ceu" para ela...

- Voce e demente ou coisa do genera! Matou

uma inocente!

- Como inocente, olha a prova do crime, a

raupa dela! Acredita em tolices, tern de morrer, eu

mesmo faco isso para pravar que nenhum castigo me

vira, pois nada dessas loucuras existem, deus, alem-

mundo, entao preciso experimentar de tudo urn pouco,

aproveitar sabe para eliminar os tolos da face da

Terra ...

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- Voce e insano, completamente insano! Sabe

quem era, por ...

- Nao sei, - disse furioso e interrompendo -

s6 que nem e preciso, basta se notar como e urna

mente pequena, como e baixa, nao serve para nada it

sociedade, e ainda consome recursos, e urn empecilho,

a hurnanidade deveria me agradecer ... Nao e it toa que

existem guerras para dizimar populacoes consideradas

perdularias, doencas nao erradicadas dos pobres ...

Tudo serve ao controle demografico, sem falar em

alcool, cigarros ... Eu s6 estou ajudando mais urn

pouco, urn empurraozinho nao faz mal nenhurn ...

- Quem e voce por acaso, como pode julgar do

alto de sua petulancia quem merece ou nao viver?

- Claro que posso, os govemantes podem, por

que nao eu? Nao seja tao tragicomico ... E como dizem

"ha males que vern para bern"! Que diferenca ela faz

sem vida ou com vida?

- A mesma que voce, se eu retirar a sua agora?

- Voce nao teria coragem... Logo se ve pela

sua posicao, suas falas, nao faz 0 tipo de arrancar

vidas a esmo ... Nem mesmo por vinganca, e urn sujeito

que acredita em justica divina, ou dos homens, pouco

importa, mas acredita na minha punicao ...

- Claro que acredito, quantos anos voce tern?

- Nao sei, nunca me perguntaram isso! Voce

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foi 0primeiro, a unica coisa que ouvi ate hoje foi "tern

dinheiro?", "trouxe 0 dinheiro?", "e 0meu dinheiro?",

que questao agora voce me traz! Nossa, preciso pensar,

"quantos anos ", enfim, sabe-se hi! Pouco me importa

a minha idade .

- Importa sim, afinal, se for menor ira escapar

ainda, e pela fisionomia parece jovem ...

- Muito obrigado - disse com certa ironia

- Nao seja sarcastico, voce ira pagar, de urna

forma ou de outra .

- Veremos .

- Mas sinceramente, nao sei por que fez isso,

voce nem sabe quem ela e! Ela era ateia se nao sabe,

moca fantastica, veja que bela rosto, uma pessoa

imensa! Agora esses olhos vazios, essa falta de

expressao, so urna vontade de ser reconhecida ...

- Espere urn pouco, voce disse ateia?

- Exatamente seu louco!

- Algo esta indo errado! - nao acreditava, seus

olhos nao se agiientavam agora nas orbitas, estava

fremente, a faca caiu no chao, ele corria impaciente,

desesperado, de urn lado a outro da "ilha", os carros

passavam vagarosamente para ver 0 alvoroco que se

formava naquele pequeno local - Matei urna alma

sublime! Como? Oh, como me enganei? Ateia? - se

indagou em voz alta, com 0 assentimento de cabeca

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tristonho do homem ao lado.

- Voceeextremamente louco, pois mesmo que

fosse crente, religiosa, ou s6 diletante, 0 que isso

legitima?

- Nao, voce nao entende, eu fiz uma coisa

muito errada, MUITO ERRADA! - gritava agora como

se perdido aquela calma inicial par completo.

- Fez mesmo, e ainda bern que assurniu ...

- Mas como eu errei? DIGA-ME, como errei?

Nao e freira afinal?- Tambem nao ... - disse 0 homem com certo

sadismo, urn olhar clnematograflco de sadismo, com

urn quase fechamento dos olhos e vidrados no atual

horror que perpassava 0menino.

- Ora, e como ela sai vestida de freira?

Atestado de morte, ela queria morrer! Gente maluca,

ela se descuidou tambem ... A culpa nao e s6 minha!- E somente sua! Ela e artista de teatro, ia

naquele predio logo ali - disse apontando urn predio

ao lado do que 0 menino fizera tocaia, urn desses

centros culturais que a cidade possuia - representar

urna freira de convento, a peca era justamente sobre a

hipocrisia que e algumas imposicoes da igreja e suas

sandices ...

- Atriz? Mas nao e possivel...- Como nao? - disse com mais regozijo na

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mente em ver a perplexidade atual, ao ver uma euforia

com desconsolo completo quando 0 menino leu na

placa do predio menor "Teatro Pedro Barros de

Alcantara".

- Eu... eu... isso ... nao, possivel, nao, nao e! -

disse em completo desatino, se via sua cabeca tremer

para os lados, como se algum tique tivesse. E comecou

a pensar: "Como? Oh, bela ela, eu podia amar! Amar

podia eu! Ela e extremamente amavel, parece mais

pura que as demais, mente rara! Ateiai! Bela?! E

sonho, como matei? Podia ter sido 0 amor de minha

vida, ateia, admiradora das artes, como pude? Nao

havera semelhante no mundo, matei a peca mais rara

da Terra, DA TERRA! Bela, bela, adoravel., talvez

fosse uma grande artista do absurdo, que conhecia as

grandes mentes, uma pessoa infinita... Oh, 0 absurdo

sou eu!", Em urn rompante olhou a faca ainda

vermelha no chao, a pegou rapidamente e lancou com

veemencia no proprio pescoco, e ainda com poucas

forcas sobre 0proprio peito ... Logo caiu esvaindo-se ao

lado da atriz, e justamente quando 0 menino caiu, 0

homem viu do chao onde ainda estava e sobre a

cabeca da multidao do outro lado da avenida uma

inscricao "Convento Nacional das Carmelitas", um

predio largo de extensao, branco, em estilo rebuscado.

Levantou enxugando as lagrimas que derramara, deu

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urn leve risinho de escarnio, chegou a ouvir as sirenes

de policia ou ambulancia, nao sabia, mas logo tratou

de atravessar 0 sinal que acabara de se fechar para os

automoveis, deu uns trotes mais acelerados, pois nao

queria perder a peca que em breves instantes

comecaria no Pedro Barros ...

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Guilherme Missali

Alienaciio pela tele-tela do Direito

Tio Kelsen esta para NHF,

Assim como George Orwell esta para BB (1984).

Ou seja,

Todos somos observados onipresentemente

Pelo olho supra-sumo racional360°,

Causando a paran6ia mistificadora abstrata,

Que vigia, pressiona, cerceia enos indaga:

Dormir?

Pobres mortais sem escnipulos ...

Que se escondem nas profundezas das pr6prias

entranhas,

Corroidas pelos vermes de minha constancial

Controle remoto que nao funciona,

Terremoto que nos aprisiona.

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Andre Marcon

Desbravador

Cabelos entre dedos,

Dedos entre pemas.

Tateando pedras no escuro,

As maos se queimam, vacilam, recuam,

Ao tocar a brasa viva

Que faz dos lencois urn firmamento.

Na cegueira da noite,

Leio em braile a poesia

De tua pele arrepiada.

Invado teus poemas mais intimos

E os guardo na ponta da lingua.

Nao preciso de olhos pra te sentir bern perto;

o bafo quente contra 0meu rostoTraz sussurros atrevidos,

Muito mais sordidos

Que a tempestade do deserto;

E muito mais meigos

Que a brisa timida da manha,

o vapor da tua voz nao sacia minha sede.

Eu, que me satisfazia ao navegar segura

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Perdido nas vagas de seus cabelos,

Abandono 0navio e mergulho de cabeca

No maremoto de teu corpo revolto.

Eu quero os beijos da sereia!

A areia nos olhos, 0 sal na garganta.

S6 aprende a navegar

Quem desafia 0mar em furia,

Eu quero e me afogar em tua saliva!

o sabor de oceano na boca do naufragoE 0 teu suor, que embriaga e reconforta.

B6ia 0corpo do nadador da madrugada

Quando 0beijo na testa diz que ja e dia.

Ela senta na praia e espera

A mare

Perseguir os passos na areia.

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Vou partir

Se puder

E perder

Opudor

Sem pedir

Seu perdao.

Pra dar pe,

Pra ser deus.

Pra ser po,

Da Vida

numero xx - ana x

Andre Marcon

3 1

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Guilherme Valente

[Sem titulo 31

Ela jogava distraidamente cartas sobre a mesa

como se fossem homens. As cartas eram tao vivas.

Olhava pela a janela a chuva cair metodicamente, mas

nao pensava. Pitou 0 proprio reflexo no vidro: era tao

bonita. Nao tinha os olhos azuis, nem cabelo loiro,

tampouco era gostosa, mas ainda assim - e talvez por

isso - cativava os homens. Nao, nao tinha 0 ego tao

agudo quanto voce pensa, apenas escondia suas

fraquezas, pois nao era burra. E ninguem sabia das

indecis6es que the presenteava a noite, a nao ser 0 ex-

namorado idiota.

Olhou pela janela, 0 ceu era tao escuro. Onde

estariam as pessoas? Que diferenca fazia, as pessoas

davam-lhe tedio, Ravia tanta gente, tantas amigas,

tantos homens. Melhor assim, pois nao lhes tinha

paciencia aquela noite. Nao queria sair. Queria ficar

ali, dedilhando as unhas vermelhas contra 0 tampo de

vidro da mesa. Estava sozinha, e quem disse que nao

fazia frio? Era tao estranho! 0 telefone nao tocava,

estaria faltando luz? Nao, Entao por que nao ligava a

TV ou 0 computador? Nao queria. Preferia tamborilar

os dedos estupidamente e talvez pensasse no passado.

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Por que as pessoas incomodavam-na ultimamente?

Tinha amigas tao bonitas, mas nao dependia delas. 0

ex-namorado diria que nao, mas ele era um babaca, e

ela tivera outros mais bonitos e mais inteligentes

depois dele. Ainda assim, por que chovia la fora, e a

cidade parecia tao escura?

Precisava emagrecer! Nao como suas amigas

idiotas, nao emagrecia para 0 mundo, mas para si

mesma. Nao havia nada melhor que ser ela mesma.

Sabia impressionar as pessoas e pouco se fodia para

elas. Se nao gostassem da sua risada, problema! Ela

era ela, e mais ninguem seria. Queria que 0 ex-

namorado idiota se fodesse, mas sabia que seria

melhor se ele a fodesse. Que noite chata!

Seria ele gay? Por que the dera urn pe na bunda? Por

que justa ele?! Que moral tinha, afinal? Ele, que era

ninguem, senao urn idiota feio? Tao comum, porra!

Que diabos de noite chuvosa!

Nao, nao faria trocadilhos, estava entediada

demais. A chuva cessara, e ela nem ouviu, nao queria

ouvir. Por que nao saira? Nao sabia. Por que se

sentava sozinha? Por que nao fora curtir a noite, se a

noite eram os segundos que restavam a sua vida? Ossegundos eram como a agua da chuva que escorria la

fora. Fugazes? Nao, idiotas! As unhas vermelhas

sentiam tedio. 0 relogio da cozinha trabalhava

numero xx - ana x 33

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eternamente.

Nao era de chorar: borrava a maquiagem. Era

de sorrir e nao estupidamente. Tinha 0 riso bonito e

fino. Era fina como, enfim, nao sabia como. Mas sentia

tanto tedio, sem saber por que optara pelo tedio. 0

pior e que a escolha fora sua e agora pagava por isso.

Nem as cartas mais a divertiam. Talvez devesse

dormir, mas era cedo. Era cedo demais, e ainda havia

tanto pela frente. Valeria a pena viver 0 que a

esperava? Que pergunta idiota, e claro que sim! Nao,

nao pense que era suicida, longe disso, nao seria tao

burra. Mas, as vezes, 0 ar dava-lhe canseira. Queria, as

vezes, que as unhas cravassem-se na carne

involuntariamente. Sentiriam pena dela, salvariam-

na? Ou acordaria? Era-lhe estranha na mente a

imagem das unhas voltando-se contra seu proprio

corpo. Provocar-lhe-iam risada, nao fosse 0 tedio,

Detestava 0 tedio!

Suspirou.

Teria uma noite longa pela frente.

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Gustavo B . Goncalves

Esses meninos que agora correm

conhecem as pedras da cidade.

Conhecem a temperatura das grades,

a textura do cimento, das calcadas,

Reconhecem 0 rugido do metro,

o som de scarpins surdos,

dos Nike-shox mudos.

Esses meninos que agora dormem

sonham com os contornos das pessoas

de cegas faces distantes,

condicionadas frias e peliculo-escurecidas.

--- E os meninos acordam! ---

Sao exigentes ...tem sono leve.

Nao gostam do barulho dos carros a meia noite,

nem do inverno elegante que lhes gela as solas.

omeninos correm,os meninos dormem,

os meninos correm.

J a nao brincam: fogem do frio.

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Batem pemas, batem pes, batem carteiras.

Aquecem suas maos em bolsos alheios - e correm!

Brincam de pegar com criancas de uniforme.

Sirenes, alarmes: (!) policia-e-ladrao (!)

BANG-BANG e Pula-Carnicall!

Deixa a carnica pra tras que mais urn menino correu,

brincou, cansou, caiu, dormiu!

Esse os carras nao acordam mais ...

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Gustavo B . Goncalves

Carta it cacula

Acorda, menina ...

e acende as luzes da casa inteira.

Foge das cenas do escuro,

do tetrico pichado no teto,

de rostos talhados nas paredes.

Abre os olhos e deixe estar, deixe entrar a luz.

E nas palpebras que estao coladas

as memorias escondidas no armario,

Liga a TV, esquenta urn cafe e espera.

Noite de guerra e melhor it flor da pele.

A turbulencia e melhor ao som de bossa,

porque no silencio, minha menina,

os ecos sao ens u r dec e d 0 res.

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logo sujo

Bons tempos, aqueles de outrora

Que os mocos davam-se as guerras

As mocas a devocaoAgora 0 amor marca os leitos

Depois, os pares se trocam

Se trocam tambem os casais

De tudo, 0que permanece

S6 nao se trocam lencois.

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Luiz Gonzaga

Otelo Leitiio

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Luiz Gonzaga

Pilheria (ou: urn arnor a pilha)

Sou viajado

E amante sem par

A minha amada se foi

Vitimada pela overdose

Nao por drogas banais, pensariam

Mas acometida em frente,

verso e prosa

Por infindaveis orgasmos reais

o que me seria urn trofeuE fonte de muita tristeza

Por nao ter sido eu

A dar-lhe a Ultima, adeus.

Quando voltei de viagem

Achei-a desnuda e deitada

Ao vibrador aferrada

Morta e feliz: acoitada.

Sua vida, seu prazer

Urn enredo em friccao,O'Cornor

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Gabriel M. Soares

Paulista

Ele veio andando pela avenida, todo chique e

elegante, jeitoso, mesmo, mas dava para perceber que

estava completamente embriagado. So que nao era por

causa da bebida, nao, porque ele estava tomando uma

limonada e eu posso jurar por Deus que nao tinha

uma gota de alcool la, porque, Jesus, eu saberia. Mas

do jeito que ele olhava para tudo, e veio e se sentou

no chao ao meu lado - e eu nao you mentir, nao:

estou ja e bem velha e acabada enos meus trapos e

ele, naquelas roupas finas, sentando do meu lado! -,

era claro que ele estava bebado.

Primeiro, ele ficou quieto, mas eu percebia

que ele me olhava de canto de olho. A gente, mulher,

percebe, sabe? Ele olhava, assim, mas disfarcava, E eu

ja estava me incomodando, porque quem ele pensava

que era para sentar ali, no meu canto e ficar, so, sem

fazer nada, me olhando de canto de olho?

Mas ai pas sou 0 negao, e ele costumava

esmolar por aqueles cantos, tambem, porque eu ja

tinha visto ele por ali varias vezes. Passou e olhou pro

patrao do meu lado e pediu qualquer coisa, mas 0

patrao nao deu nada, so levantou a mao assim, como

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por instinto. Depois, quando 0 negao ja tinha ido

embora, ele murmurou algo como puto miseravel, sujode merda e no comeco eu me confundi, porque pensei

que ele estava falando do negao,

Mas ai, meio que pra compensar, mas tambem

um pouco para provar que eu tava errada, ele virou

pra mim e estava rindo assim, bem esquisito. Ai ele

apontou para os predios e falou nossa nossa nossa, e

nao parecia que era ele, 0 patrao fino de roupa chique

que tava falando. Porque eu esperaria que ele falasse

assim:

-Nossa, nossa, nossa!

...mas ele falou nossa nossa nossa, mesmo. Ai

ele estava falando comigo, entao eu fiquei olhando

enquanto ele apontava para os predios e falava voce

ta na maior avenida da maior cidade do maior pais da

America Latina, cada predio desses e urna peca de urn

motor de urn carro que e um continente, e aqui estao

os teatros e cinemas e cada banca dessas que tem mais

livros bons do que muita biblioteca, e falou mais urn

monte de coisa sobre poesia e sobre a vida noturna, ou

seja la 0que for.

E como ele falava sem parar, eu ficava

olhando assim, e rindo porque no fundo ele tava

falando muita coisa boa, mas nao boa pra mim. Bom

mesmo foi que ele levantou e me deu cinco reais e ate

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agora eu nao entendi nada do que aconteceu, mas

guardei0

dinheiro bern, no bolso, enquanto ele saiaandando, rindo e ainda mais bebado ,

FNX

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Seus olhos inquietos,

fugidios,

distantes.

Urn trace triste,

urn ponto perturb ado

urn espaco vazio.

Seus labios, cigarros

Barbara Fre ita s

Encontro

Meus olhos parados,

prospectivos,

fixos.

Urn trace preocupado,

urn risco decepcionado,

Olheiras profundas.

Meus labios secos de palavras

A respiracao inerte

As rnadrugadas literarias

solitarias

As noites rnal-donnidas,

vazias

A boernia

As noites em claro

o sofrirnento pela alheia 0 sofrirnento pelo presente

A descrenca na rnelhora A esperanca do futuro

Conselhos

Discordias

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Disfarce

Surpreso

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Simpatia

Nao se confessam

Apressa

Seus olhos Meus

Meus labios Seus

Sua felicidade Minha

Amor.

FNX

Transparencia

Atitude

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Victor Alexandre G. Falavinha

Soneto

A minha propria cova eu proprio cavo,

Serei 0construtor do meu jazigo,

Pelo menos terei aqui comigo

o louco amor de quem eu sou escravo.

Encararei 0mar furioso e bravo,

Pois este e 0meu destino, e eu 0 sigo,Que parar de te amar eu nao consigo,

Seria aferroar-me novos cravos.

A impiedade do Amor jamais me ofende;

Traz consigo tambem prazer supremo,

Que em meu peito uma chama ardente acende.

Concedeu-me 0destino esta ventura,

Fruir de urn sentimento tao extremo,

Nao tenho salvacao nem tenho cura.

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Anna Clara de Vitto

Relicario

A quem possa interessar, perdi-me.

Algo ha que me redime?

Se morto corpo tornei-me, tosco,

Em que 0Nada seu rosto imprime.

Resta-me a crassa carcaca

Desejosa de um engodo

Com ares de coisa sagrada

Que me substitua todo segredo.

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Anna Clara de Vitto

Sinfonia em Hiato

Suspenso 0 som,

mas nao 0 sentimento:

o extase em silencio,

em toda a exuberancia,

indefinidamente.

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Cam ila T . Barbosa

~enrnno-dos-ounos

A s seis horas Bruno estava ao pe do Terraco

Italia trajando, como mandava 0 convite, seu terno sport

fino e se sentindo urn pouco miseravel , Enquanto 0

elevador subia rapidamente, ele ficou feliz que seus

ouvidos estivessem se tampando para que ele nao tivesse

que ouvir toda aquela ladainha dos outros membros do

partido, que se curnprimentavam medindo forcas com

apertos de mao.

Quando chegou la em cima, foi escoltado ate 0

salao em que se encontravam seus supostos aliados. No

entanto, evitou qualquer tipo de contato com os outros,

pegou alguma bebida e passeou pelo salao, empunhando-

a em sua frente; e foi para fora, admirar a paisagem

urbana.

Por mais que ja morasse no interior ha anos,

sabia que era ali que pertencia. Aquela cidade estavam

ligadas as suas lembrancas mais dolorosas, mas sao os

sofrimentos que moldam 0 homem - Sao Paulo estava

moldando aquele jovem. Mas por alguns momentos ele

acreditou que era capaz de se sobrepor ao superego,

inverteu os papeis e se viu domando a cidade do alto.

Porem 0 vento mudou e fez virar 0 rosto do rapaz, de

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forma que ele deixasse os devaneios que despontavam na

zona norte e apontasse os olhos para linhas curvas, e

pensamentos sinuosos surgiram em sua cabeca,

Por alguma razao, ele desceu de volta os

quarenta e dois andares e desbaratou pelas ruas em

direcao ao predio que tanto 0 perturbava. Entrou pelo

portae mais movimentado e se juntou a multidao que

ainda levava sua vida rotineira por ali. Bruno sempre

fora capaz de passar despercebido e sabia que poucos 0

reconheceriam, se ele assim desejasse.

Serpenteou sem rumo pelos corredores de lojas sem nem

notar 0 odor forte dos restaurantes, sua mente rodava

tentando entender 0 que 0 levara ate ali, sem conseguir

alcancar 0 impeto de seus passos.

Aos poucos se afastou do centro daquela mini-

cidade e, quando deu por si, notou que se encontrava no

que ele imaginava ser uma das areas mais abandonadas

do predio. Sentiu alivio por deixar para tras 0barulho das

pessoas e a penumbra lugubre 0acalmou.

o corredor parecia estar imundo, com paredes

emboloradas e papeis espalhados pelo chao. Urn

sorrisinho de lado apareceu nos labios de Bruno quando

ele olhou para seus pes e viu que pisava em um panfleto

com seu rosto irritantemente alegre e os mimeros 1475.

Sua maior surpresa, porem, foi levantar os olhos e

continuar venda os mesmos algarismos.

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Nao podia acreditar que de todas as 1160 portas do

predio, parara justamente na frente daquela.A razao pela qual aquele era seu mimero se

tomara uma tradieao de familia. Quando seu pai saiu de

casa nos tempos de faculdade, foi morar naquela mesma

quitinete no Copan. Sempre contava aos fllhos hist6rias

daquela epoca e com saudades dizia que 0 mimero do

apartamento era seu numero de sorte. Bruno 0 tomou

emprestado para sua candidatura e, ate agora, ele tinha

surtido efeito.

Enquanto pensava no pai, sem perceber, seu

punho se levantou e bateu na porta. Mal urn rosto

apareceu ele se sentiu constrangido e quis se justificar:

"Me perdoe ...eu nao queria incomodar. Meu pai morou ai

e eu queria ..."O velhinho sorriu, compreendeu e

convidou 0 moco a entrar. "Eu nao tenho nada que

mereca ser roubado." Ele respondeu ao ponto de

interrogacao que se formou no rosto do outro. "A lem do

mais, se voce resolver me matar, vai demorar mais do

que minha doenca , Mas voce me parece bern apessoado,

venha."

Bruno nem precisou perguntar mais detalhes

sobre a doenca, ao olhar com atencao reconheceu seus

traces, os mesmos que desfiguram as feicoes de seu pai

ha meses naquele hospital. Mesmo com todo 0 aroma de

eter ele nao tinha uma aparencia melhor do que a do

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homem fragil a sua frente, que nao devia ter como

comprar sequer urn analgesico.

o senhor tentou puxar conversa, perguntou

como 0 visitante tinha se tornado politico. Bruno contou

que fora convidado pelo prefeito a se candidatar e que ele

vira ai urna oportunidade de aproximar 0 pais (ou ate 0

mundo) de seu tao aspirado Eldorado. "Mas ninguem

achava que eu tinha jeito para a coisa. Meu pai brincou,

querendo saber como eu faria comicios se, desde 0

colegio, eu tinha dificuldade de me fazer ouvir na

chamada." Urn sorriso nostalgico se formou.

Mais urna vez ele sentiu falta do pai. Sentiu-se

confortavel naquele lugar, com aquele desconhecido.

Fechou os olhos e pensou em outros olhos, simetricos aos

seus, tambem fechados para urn teto estranho. Como ele

queria poder olhar novamente dentro dos olhos do pai e

ver la os seus proprios, tao iguais.

Ficou semi-adormecido por urn longo tempo. Ao

abrir os olhos, seu telefone tocou. "0 papai acordou!" Seu

irmao estava euf6rico do outro lado da linha. Bruno

tambem estava feliz, mas a lembranca de seu anfitriao

cutucou-lhe a mente. Seu pai estava salvo. Mas aquele

velhinho simpatico morreria sem...Bruno pousou os olhos

nele e percebeu que suas reflexoes nao adiantavam mais.

Ele ja estava morto.

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Guilherrne B. C. Guidi

Ressentimento

"Caropai,

como voce esta? Esta sendo bern tratado? Fico

pensando se as enfenneiras conseguem te dar toda a

atencao necessaria, Voce vern sentindo muita dor? As

vezes me vern a mente a imagem de urna sala branca e

fico imaginando voce, com seus remedies e suas sondas e

medicos. Todos igualmente assepticos, quase mortos de

tao estaticos, Mas diga-me, como vai voce?

Eu seria falso demais se dissesse que nao sei.

Fiquei sabendo, depois daquele dia em que

encontrei mamae na rodoviaria, de partida para 0

interior, com os olhos vennelhos de choro, urn olho roxo

de fiiria (nao dela) e a cara lavada em pranto. E quanto

tempo faz? Quatro, cinco anos? J a perdi a conta, acho que

na verdade nunca prestei atencao nisso, tentei nao dar

importancia ao tempo que se passava para que, quem

sabe, ele passasse mais rapido, e mal percebi que aquela

foto que foi comigo nao me deixava mais furioso. De

qualquer modo, contaram-me 0que aconteceu, nao fiquei

chocado, nao fiquei triste, nem feliz. Senti-me humilhado,

como se a vida viesse zombar da minha revolta. Nao, as

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marcas ainda doem, nao so na alma. Agora vern dizer-me

que se andar outra vez nada da vidapodera

fazer, a naoser envelhecer triste em sua cama rna. E querem minha

compaixao? Que deus foi esse que ensinou ao homem a

compaixao pelo estuprador de sua mulher, pelo assassino

de seus irmaos, pelo ladrao da sua casa? Se soubesse mais

cedo, talvez tivesse the proposto urna festa de despedida,

urn jantar em sua homenagem. "Ao homem do ano, ao

pai do ano, ao marido do ano!" Tanta incoerencia nesse

mundo.

Sabe bem que minha preocupacao nunca foi

ofender-lhe pai, so quero que possa manter essas

recordacoes tao agradaveis que voce tem, esconde-las

como se fossem segredos, guarda-las, como roupas

usadas, em urn a rma rio , Enterra -la s como se fossem urn

corpo em decomposicao: nunca.

Queria agradecer pela infancia marcada (nao ,

aqui nao falta nenhurn complemento como " pelos

acampamentos no quintal" ou "...pelas noites em que,

quando 0 sono nao vinha, voce vinha contar-me urna

historia H ) ; agradecer pelas noites passadas trancado no

armario do meu quarto, pelas grandes emocoes causadas

pela grande bebecao, pelos afagos carinhosos de seus

tapas e murros. Mas tinha razao quanto a urna coisa:

cresci para ser ninguem, urn ninguem para alguem que

nem sabe mais distinguir 0proprio filho de urn cao , Voce

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nao se esquecera do rosto do seu filho, se em vida nao 0

conhecia, como poderia esquece-lo em morte? Da Ultima

vez que vi voce, pai: roncava alto na poltrona. Sente

falta? Mais urna fraqueza sua. So me resta agradecer pela

otima vida que voce reservou para seus mhos

Sei que nao saira novamente andando desse

hospital, entao nao ha necessidade de pedir que nao me

visite. Peco the apenas que nao seja tao covarde no

momento de enfrentar aquilo que nos impos ha tantos

anos atras, Se tiver que morrer, morra. Se tiver que ficar

calado, fique. Mas se urn dia morrer nessa maldita

cadeira de hospital, nao se surpreenda por ter por

companhia somente as sombras do fim da tarde, longas,

frias, solitarias,

D o seu filho ."

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Mariana S. Carrara

Estrela

As duas maquinas de costura nurn tatata

dessincronizado, dois trens de carga a irritar os ouvidos

o dia todo. A moca da maquina da esquerda para a

costura e tenta sintonizar 0 radio de pilha, Vai comecar,

tenta avisar segurando entre os labios dois alflnetes de

cabeca azul. 0 homem do radio comeca urna historia de

terror, deve ser de terror porque a rmisica de fundo

lembra urn castelo escuro com sombras suspeitas atras

das portas.

Margarida entre as duas maquinas tenta encolher a

barriga, Ai, Janaina, assim voce me espeta!, segura-se

nos cabelos duros da moca que the prende alfinetes na

cintura do vestido, Se apertar mais fica feio, Margarida.

Pode apertar, aperta bem que esse pano fica urna beleza.

o homem do radio vai dizer 0 que esta se movendo

embaixo da cama mas a maquina de costura recomeca,

urn trem barulhento atropelando a historia, estilhacos

nos trilhos, 0 que foi que ele disse? Mas essa coisa nao

para urn segundo, nao se pode ouvir 0radio?

Uma mulher aparece com duas sacolas, Queria que

fizessem as barras. Mas so pra semana que vem, pode

ser? Partiu sem responder, as sacolas abertas no chao,

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uma calca de listas laranjas se insinuando serpente pelo

tapete, E gente sem educacao, Anda, Janaina, you

atrasar, nao posso atrasar por nada! Mas que raio de

show e esse, Margarida? Mais urn alfinete enrugando a

cintura que ela afina em lufadas de ar, a cara ficando

roxa, Aperta logo, anda! fui chamada, ja disse, vao me

pagar fortunas, a fama finalmente, mulherada, eu disse

que 0dia chegaria.

Uma senhora gorducha de chinelos se ap6ia no

corrimao comendo uma mexerica, 0 cheiro citrico

atraindo os olhares, Dona Janete, da urn gominho pra

mim? Dona Janete morde urn gomo e puxa dos dentes

para dar s6 a metade que Margarida engole com as

sementes, Cuidado nao manchar 0 vestido, menina! 0

homem do radio grita apavorado, fala de morcegos, Nao

da pra desligar a costura s6 urn pouquitinho? Janaina

tenta tirar 0 vestido de Margarida sem the arrancar os

alfinetes, a moca nua escondendo os seios com uma

mao e com a outra ajeitando a calcinha amarela que lhe

penetrava as dobras, as meias grossas brancas

acinzentando no chao sujo, Agora nao vai parar nada

que vai arrumar 0meu vestido, atrasadissima!

Dona Janete the enfia outro meio gomo na boca, Mas

atrasada pra que, mocinha? Ja expliquei, urn show

todinho meu, canto e dance, uma hora e meia, ouviram?

Uma hora e meia sem parar! Vao filmar e tudo, Seu

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Roberto disse que vao gravar CD, da pra pregar mais

firme esse botao de cima? Dona Janete senta na escada

e abana 0 entrepemas com a saia florida, Mas entao isso

e coisa seria, e coisa de famoso? Famosissimo! voces que

nao me dao bola, fica essa barulheira da maquina mas

hoje sou a estrela da noite, YOU brilhar sozinha, YOU ser

mais urn planeta no sistema solar, baby. E planeta agora

brilha, Margarida?

Margarida examina as unhas com urn esmalte perolado

e depois examina os seios no espelho do canto, Voce

acha que cresceram muito? Demais, e quero ver essa

barriga apertada no vestido! Ah Janaina, nem se nota,

vai? Dona Janete levanta com dificuldade e estala as

chinelas na direcao da menina pelada, acaricia-lhe 0

ventre com a mao gelada de mexerica, Isso aqui tem 0

que, quatro meses? Nem quatro, nao, senhora, menos

ate. E 0 nome, ja escolheu? Violeta, vai chamar violeta.

Ai, mais que coisa mais cheia de flor que vai ser essa

sua casa. E olhe que minha mae chama Rosa. E seu pai,

Seu Miosotis? As meninas da frente dao risada mas as

de tras ficam olhando serias, talvez porque nao

conhecam miosotis, ou porque 0 barulho da maquina e

os morcegos macabros do radio nao lhes permitem

participar das conversas, ou talvez porque Miosotis 0

nome do proprio pai,

Se for menino, Margarida, como e que vai fazer?

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Jacinto, jacinto e urna flor bonita, azulada. Nao gosto de

azul. Ah Margarida, azul e quase violeta! Janaina

tennina a cintura do vestido e lambe a ponta do dedo

pra tirar da barra urna manchinha branca, vamos ver se

vai fechar, com essa barriguinha! Ja tenho ate urn

bercinho roxo pra Violeta, sabia? 0Miguel que arranjou

la na marcenaria, disse que ficou a tarde inteira

pintando, fez urnas florinhas pequenas no cantinho,

precisa de ver que graca que ficou. E 0 Miguel sabe

desse show? Nao so sabe como vern me buscar aqui pra

gente ir direto, disse que nao me quer mais em pe

dentro de onibus sacolejando a menina na barriga, diz

que essas coisas deixam 0 nene meio biruta. Pois olha

so, eu que nao reclamava de urn cuidado desses! Abaixa

urn pouco radio, Luciana, nao se escuta a conversa! Mas

sabia que ele nao queria que eu fosse? imagina so, nao

perco urna chance dessas por nada no mundo, meu

nome e minha foto no cartaz, voces nao viram nos

postes? Eu bern que vi urn ali perto da padaria, mas

pensei que fosse alguem parecido! Euzinha. essa

ninguem me tira.

Janaina sobe 0 ziper do vestido aos trancos e depois

sorri por cima do ombro de Margarida, mirando-lhe os

olhos enormes no espelho, Voce esta a coisa mais linda

que eu ja vi. Margarida se olha ajeitando devagar 0

cabelo, urn sorriso estatico, Fiquei bonitona mesmo ...

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Pecha os olhos nurna tontura que disfarca apoiando no

pau de urna vassoura, janaina lhe segura0

braco japrincipiando urn escandalo mas Margarida lhe sussurra,

os olhos molhados de urn suor frio que lhe escorria da

testa: quieta, pelo amor de deus.

Janaina olha para tras e ve as mocas com suas

maquinas, radios e mexericas, urna delas lixa as unhas e

discorda indignada do que diz 0 horoscope do jomal.

Sobe a mao por dentro do vestido de Margarida e urn

choro instantaneo lhe escorre pesado dos olhinhos

amarelos de tabaco e fome, Muito sangue, Margarida, a

Violeta indo embora! Margarida se apoia na parede do

canto e pede de novo silencio, os olhos dilatados

ficando mais gigantes de panico, E 0Miguel buzinando,

voce nao diga nada. Voce vai sangrar a noite inteira!

Aperta a propria barriga escondendo a colica nurn

sorriso doido. Enxuga 0 sangue nurn retalho caido no

chao e sai tonteando nurn rebolado exagerado, as

meninas em coro: Tchau, Margarida! muito sucesso pra

voce! Ainda acena de volta, 0 sorriso imovel, No final

do olhar se demora em janaina, urn brilho antigo se

apagando nos olhos. Urn brilho de estrela.

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Humberto Allito

Meus pares. de sapatos.

Ja eaminhei madrugadas inteiras em busca de

algum lugar que fizesse sentido para acaImar a minha

insonia, Sentar num balcao de bar, padaria, anexos e pedir

qualquer coisa pra enrolar 0 tempo. Deixar a noite seguir

seu rumo. Ate ouvir 0 galo cantar. E se nao ouvir galo

algum, que sejam as buzinas dos carros ou as badaladas do

sino daquela igreja da Se, Caso nao ouca mais nada, e sinal

que perdeu os sentidos. Voltar perambulando pelos

calcadoes, feito zumbi ou coisa parecida Desviando dos

pombos, das pessoas dormindo pelas calcadas , dos gatos

revirando latoes e sacos de lixo. A cantilena dos

vendedores eomeca ta o cedo que e impossivel acreditar no

horario que devem acordar. Os primeiros cheiros de cafes

das padarias. E daquelas carnes sendo assadas pra virar

sanduiches de dois reais. Barulho de portas de latao

subindo. E 0 comercio abrindo os olhos pra ver 0 dia que

acorda. Se pela madrugada existe comercio, com certeza,

nao e 0mesmo tipo de service que vemos durante 0dia 0

ziguezague dos pedestres, aflitos, com hom marcada,

cartao de ponto, mochilas, querem chegar ao trabalho.

Caminhando. Vou canrinhando. Os pes ja nao aguentam 0

calor do sol e das meias quentes. Antes fosse noite, tudo

6 0 FNX

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frio, corpo quase congelando. Os olhos secos,

esbugalhados, a boca seca, 0 nariz igual urn deserto de

areia, a pele igual talco em porcelana. No caminho de casa

e sempre a mesma coisa. Parece todo mundo igual. Gente

familia. 0 porteiro na sua casinha, folheando as iiltimas

manchetes, ele distrai antes de entrega-las pros inquilinos

do condominio. 0 faxineiro lavando os calcadoes e

aguando plantas. Os moradores saindo em busca de suas

rotinas diarias, Entro sem falar com ninguem. So dou

bomdia quando e preciso. Vou caminhando ate os

elevadores de madeira Cheiram a mofo e pinho. Igual

caixas de figo em conserva. Sao decorados com alguns

rabiscos pomograflcos que algum qualquer fez.

Aperto logo 0 7°. andar. Pra chegar mais rapido.

Vou logo abrindo a porta, entrando naquele apartamento

que desconheco ser meu. Nunca tranco a porta Ela sempre

fica apenas encostada. Fechada Porem, sem estar trancada.

Quase nunca percebo estas coisas. Creio que a insonia me

deixou com problemas demais pra resolver pelas

madrugadas. E trancar uma porta e 0menor deles. 0 mais

insignificante. Agora, olho pra parede e vejo em urn canto

estes pares de terns brancos. Estao na fila para serem

lavados. Um dia Quem sabe. Lavarei todos que estejam

nos cantos. Sujos. Pisados. Lava-los tambem e urn dos

problemas de menor significancia, As madrugadas ainda

sao meu maior problema!

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Geison Lucio dos Santos

o rato. a repercussao. a pericia. 0protocolo

Ao meio-dia,

em plena via,

Augusto seguia

em

DESABAL~A

SANGRIA

Funcionario publico quaisquer

encontrado morto em esquina quaisquer.

Corpo sera velado em cemiterio quaisquer.

o morto partiu sem deixar filhos, sonhos, saudades;

apenas minutos de silencio.

RELATORIO NUMERO DEZENOVE MIL

OITOCENTOS E NOVENTA E QUATRO,

TRA<;O lOTA, DA SUB-SE<;Ao QUINTA

DO INSTITUTO MEDICO LEGAL.

CAUSA MORTIS: PUNHALADAS DIARrAS

Nos, da Robusta Reparticao, lastimamos,

e desejamos it vuiva, Sra. Esperanca,

melhores elias.

62 FNX

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Julia G. Cardoso

[Sem Titulo]

U. dentro era ja urn escuro assim que em nada

pareciam ser duas horas de uma tarde de verao; urn

escuro tal que seus verdes olhos aflitos quase nao

viam os porta-retratos quebrados-jogados ao chao e 0

abajur estracalhado no canto do comodo. Ignoravam

tambem 0 resto do cenario, as cortinas rasgadas e a

carta - lida e relida e chorada tantas vezes que suas

palavras tinham se tornado grandes manchas: no

papel, no passado, manchas - e eram tantas ...

(0 sol la fora e a nevoa tao espessa que agora

cobria seus pensamentos ...)

E esses olhos, grandes e inconstantes, ha pouco

chorosos por sobre a carta, piscavam

desesperadamente (desesperadamente) a encarar a

parede de rachaduras - urn monte delas.

Vinte e urn anos de vida era tudo que tinha a

menina dos olhos de vidro. Vinte e urn anos de vida,

urn pincel e algumas telas mal-cuidadas.

Nao leria a carta, se pudesse voltar arras:

acenderia urn cigarro e deixaria 0 papel queimar

todinho, ate 0 Ultimo pedaco - adorava 0 cheiro de

papel queimado.

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Mas se alegrara com a correspondencia e, tao

logo pudera, lera cada palavra com atencao, para logo

passar ao desespero e entao a furia, Por isso os porta-

retratos ao chao e as cortinas rasgadas.

(Deixa-la assim!)

Deixa-la, embora ele soubesse que, na sua ausencia,

ela nunca mais pintaria quadros coloridos como

costurnavam ser os seus. Recobriria suas telas com

tinta preta e com tinta branca e com nenhuma outra.

Quadros acinzentados, como 0 vulto que passaria a

atormentar sua memoria, vulto de um olhar tao negro

- nao castanho, mas negro - que ela ate duvidava ...

Ah, e a insensatez de quando confessara que

gostava dele ha muito tempo e que ia gostar pra

sempre! Nao que seus esnipidos olhos verdes nao

fizessem a confissao por ela a cada instante em que

fitavam os dele. Talvez se fossem mais escuros

pudessem esconder mais. Malditos olhos, sempre eles,

a denuncia-la por ai.

(Agora tudo acabado ...)

Entao restou a ela 0 conforto de um banho

quente as luzes apagadas - no claro eram claros

tambem os atos, os gestos, e era clara a nudez do

corpo ... 0 escuro, por outro lado, era um abraco, era a

seguranca de urn veludo the envolvendo.

E ela entregou as magoas ao escaldo daquele

6 4 FNX

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banho, ao calor da agua nela sempre tao fria; sempre,

mas nao nesse momenta final: era um momentaquente, urn tanto assim de quente que ela mal podia

suportar. Entao desligou 0 chuveiro e viu 0 banheiro

girar em tomo dela, os azulejos de tantas mil flores

azuis se tomando grandes borroes corridos e

escarrados a sua volta. Deitou no chao - ela ja nao

sentia qualquer dor - e olhou para cima, bern la pra

cima, procurando por Deus, mas tudo que viu foi urn

teto mal pintado; estava sozinha.

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Nathalie F rago so

Penso em ti.

Amedronto-me: se penso, te crio.

Amedronto-me: se crio, posso ja nao conhecer.

Entristeco,

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Na thalie F ragoso

Silenciaram urn silencio nunca havido.

Soaram, s6 pelo som:

-Coisa qualquer.

-Coisa qualquer, em resposta.

Fingiram dormir, ate que dormiram.

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Nathalie F rago so

Era 0caminho de chao de areia de branca cor

Era 0vento que era todo em teu cabelo

Era 0florido das paredes que tomava-te a saia e

coloria-te os olhos

E era eu

E era tu, que eras sonho.

Fez-se urn mundo, que nao ia alem de teu urnbigo,

menina.

Fiz de ti 0mundo.

Desfez-se 0homem.

Desfez-se,

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Fernanda G. Bertolaccini

Conto em dois tempos

Costumava andar por ai com seu walkman

ouvindo repetidamente a unica faixa gravada na fita,

Era a rmisica que gostaria de escutar no momento de

sua morte. Isso dava a ele uma sensacao de

intensidade teatral da vida, uma importancia de

camera lenta.

Mas ele nunca era atropelado. Nunca 0

assaltaram, nunca viu ou participou de uma briga de

bar. Ele nao ia a bares. Tambem nao morava no Rio

pra morrer de bala perdida. E a rmisica acabava por

saturar-lhe os miolos; por fim escolhia outra. Queria

que sua vida tivesse trilha sonora.

J a havia escolhido 0 tema de seu casamento,

do momento de perseguicao ao seu assaltante, de lavar

a louca, de ser promovido no trabalho, de conquistar

aquela gostosa na pista.

Claro que nunca pensou escreve-los em lugar

nenhum. Alguem poderia ler e isso estragaria 0

impacto do momento.

Ele nunca se casou. Nao chegou a ser promovido

porque nao se motivava no emprego. E quando saia,

era timido, desajeitado e nao sabia dancar. De vez em

numero xx - ana x 6 9

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quando tocava aquela melodia, e entao sentia urn frio

na barriga e olhava pra ela. E se contentava com isso.

Tambem nao lavava a louca, Tinha uma

empregada, cujo nome achava complicado e chato de

lembrar. Chamava-a por Maria.

Ate que um dia aconteceu, depois de uma

noite mal dormida a base de muito Tylenol.Conseguiu distinguir mais ou menos as

palavras dos medicos quando disseram para sua mae -

que nao via ha anos - 0 que tinha acontecido. Uma

veia no cerebro, urn problema. Olhou para ela e nada

disse; sua boca nao se movia. Violinos chorosos nao

ecoaram pelas paredes brancas.

Entrou na sala com cheiro de iodo, dormiu,

acordou sem falar, sem ver, sem se mover, sem

sensibilidade na maior parte do corpo. Mas ainda

ouvia. Ouviu sua familia e poucos amigos a sua volta

sussurrarem e chorarem um pouco, e isso passou a ser

seu desejo sonoro para 0momenta final.

Mas as visitas foram rareando. De vez em

quando percebia 0 saltinho das enfermeiras.

Quando acabou nao tinha ninguem lao Nada

ressoou. Nada caiu e se quebrou. Nenhum passaro

gralhou ou bateu as asas. Anjos nao vieram com seu

coral. E nao conseguiu lembrar seus acordes.

Morreu ao som de urn si metalico,

70 FNX

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Laura S. Cortes

Semi generico de feminilidade

"Sou,

vespertina estrela que nao fui,

futuro que nao saberei.

Saia rendada

em voltas,

salta alto,

sandalias vermelhas,

ombros cansados,

juventude queimada.

Olho

espelho,

nao penso:

sinto!,

bolhas nos pes

- e preciso

descanso!

E preciso

paciencia

tecnologia de ponta

para aprisionar

os espasmos da

saia rodada rendada,

numero xx - ana x 71

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das sandalias vermelhas amarguradas.

E preciso

brinquedo,

mais que unhas

eumpridas

cintiladas.

Antes fosse apenas

preciso

brilho de estrelas

afiadas,

mas falha a memoriatempo em que com

tao muito

o poueo de alma

se aealmava.

Ser estrela -

poder ser nada

sentindo-se

tudo:

o grande absurdo

que se ve em barra

de saia

a tragedia

da renda esgarcada."

72 FNX

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Rafael P rin ce

Vermelho

o dia todo, ninguem usava as escadas mortas

da reparticao, guardadas por pesadas portas corta-

fogo. A preguica preferia a longa fila dos elevadores

que nunca chegavam - e que, quando vinham, eram

os quatro de uma vez so. A paciencia nao se importava

com 0 sorriso plastico das ascensoristas nem com suas

cordialidades de automate.

Nem preguica nem paciencia eram virtudes,

eram so maneiras de passar 0 tempo. 0 expediente era

o intervalo entre cama, cafe, onibus lotado da manha e

onibus lotado da tarde, jantar, cama. A semana eram

cinco quadradinhos brancos na folhinha de calendario,

separando dois quadrados coloridos de mais outros

dois.

Ninguem usava as escadas mortas da

reparticao, ate que tocava 0 sino esquizofrenico da

catedral, que ninguem ouvia. Ao primeiro passo se

somava 0 segundo, 0 terceiro e todos, descendo no

trote apressado dos que fogem. Podia-se jurar que era

incendio, mas eram so seis horas. Os homens tern

medo das seis horas - antigamente, rezavam pelos

mortos, faziam sacrificios de virgens ao deus sol que

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morria. Hoje, celebram 0 jubileu com alforrias

cotidianas.A rua, a liberdade, merda - esta chovendo. De

fato chovia, e 0 crepiisculo refletia, hl no alto dos

edificios, um arco-iris que ninguem viu. Vendedores

ambulantes surgem de todos os bueiros, com suas

sombrinhas descartaveis. Sao cinco reais, mas s6

quatro quarteiroes, Segue em frente, os pes molhados,

melados, 0 salto da sandalia desbravando pequenos

oceanos. 0 espirito de deus pairava, pisoteado, sobre

as aguas, Em frente, sempre em frente.

Ate chegar a intransponivel esquina, rio de

carros furiosos. A primeira pedestre chegou 0

segundo, 0 terceiro e todos. Todos silenciosamente

inquietos. Os carros deslizavam sobre as aguas, 0

primeiro, de vidros negros, passou sem que vissem 0

motorista, que respirava pela decima vez 0 cigarro

destilado pelo ar condicionado. Tivesse vidros

transhicidos, nao 0 veriam de qualquer forma. 0

segundo foi um onfbus, lotado. Merda.

A sandalia de salta batia no mesmo tempo do

sapato ao lado. E os olhos, sem querer, se cruzaram.

Sem dizer nada, avancaram, Um passo, sob a luz

vermelha. E logo se juntaram os segundos, os terceiros

e todos. Buzinas, buzinas, merda. Mas ninguem ouvia.

7 4 FNX

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Vivisseccoes

a girafa de Lamarck:

este impulso timido

este estado tragico

- estiipidos, banais -

de esperanca estanque

despertar distante

ou palido demais

o gato de Schrodinger:

urn instante tatico

urn momenta m6rbido

tremulos mortais

- mudos diletantes -

o sono dos amantes

ser e nao ser mais

o cao de Pavlov:

tu na multidao

- paro, preso, subito -

sei que nao estas

conto ate vinte

o sorriso contente

logo se desfaz.

numero xx - ana x

Rafael P rin ce

75

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a tartaruga de Zenao.por que ser tao rapido?

pra que tanta 16gica?

tantos manuais

ilusoes da mente

- urn fato evidente -

nunca chegaras

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uma casa grande

natais

almocos de domingo

e outras cenas de margarina

nojardim

o cachorro de praxe

pela sala

duas criancas que correm

derrubando

os enfeites velhos de madeira

e tirando os tapetes do lugar

uma casa grande

que se desfaz

com as primeiras luzes.

ela se levanta sob 0peso

das escolhas

que a levaram aquela outra casa,

tao pequena,

tao vazia,

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Julia Lima

77

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sem 0 cachorro de praxe

e as criancas correndo

pensa que nao e sua culpaque, alguns anos antes,

sem saber, ao virar it esquerda

virava mesmo as costas

it casa grande.

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Mauricio Schuartz

Lavando a Roupa Suja

Nao clav a mais. 26 e l i a s de v iagem e eu driblei a maquina de

lav ar com todas as argumentacoes furadas possiveis.

C am iseta s eram varias, S e r a que vo ce pode colocar s O isso a i

pra mim na sua maquina? N ao clav a mais. Era muita ca ra -de-

pau e mau-cheiro . 0 desodorante nao aguentava, 0 perfume

erapouco.

A verdade e que voce nao saiu mesmo cla casa da mamae ate

fazer s ua prim eira la va gem de roupa Quase uma terapia Urn

jogo em do is tempo s com direito a es tra tegia , aquecimento ,

adv ersa rio e go ls (pro e con tra ).

o pre-jogo e complicado . A rruma r 0 t roco pra co locar o s 6

shekels na maquina, Arrumar Sabao em p o , Amaciante afinal

como bo rn begginer eu nunca comprei isso . Separar t o d a s as

roupas pro grande evento . N ao , eu nao separei brancas e

co lo ridas . T irar a cam iseta que vo ce esta usando, a:final, da pra

aguentar s O de mo letom e a camiseta ja v ia jo u demais.

A g ora eomeca 0aquecim ento . ]o ga tudo na maqu ina de lavar.

A bre a gavetinha da maquina, coloca c a d a co isa no seu

dev ido lugar, percebe que tem mais amaciante que dev eria

Isso deve ser bom, afinal vo ce nao deve se impo rta r da sua

ro upa ficar mais mac ia do que deveria POe as moedinhas .

Buraco errado, esse era cla secado ra PO e as moedinhas no

numero xx - ana x 79

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lugar certo . Esco lhe a tempera tura adequada pra mistura

insanda de co res na maquina,

Primeiro tempo . 0 jo go eomeco u aperta Start. Esqueci de

co lo car a to a lha na maquina, 1xO pra maquina, 37 minuto s de

maquina rodando. E n a n e co mo se v oce pudesse v olta r depois

de 37 m inuto s . Sao 37 m inuto s de tensao, Voce assiste a

rotacao da maqu ina como se pudesse interferir no processo.

Nao pode. Ela n a n abre pra vo ce. Faz o s mov imento s mais

lo ueo s, Para . liga, enxagua, desenxagua E ainda te fala

qua nto s m inuto s fa ltam, s O pra te deixar nervoso . Isso sim que

e tensao, 00 minuto s. T erm ino u 0 primeiro tempo . A bro a

maquina V erifico em que deu m inha mistura de co res . N ada

lxl e eu co ntinuo no jo go .

I nterv a lo , p a ss a todas as ro upas da lavadora para a s eca do ra .

M a is 6 s hek els . E sco lh er deno vo a tempera tura 0 segundo

tempo e mais lo ngo . Devem ser aqueles aerescimos, 45

m inuto s . E 0 medo de a secado ra queimar a sua ro upa

C o ntinuo a ss is tindo . N a tensao,

A bro a secado ra e nenhuma roupa queimada , s O 0 chao

alagado, co ntra tempo s do terreno . 2xl pra mim, Hora de tirar

as ro upas da secado ra . A prim eira camiseta e traicoeira e

esco nde uma meia que cai direto no chao a la ga do . E ela es ta va

ta o quentinha 2x2. Vai direto pro v ara l. Roupa po r ro upa elas

v a n sendo tiradas da secado ra . Em oeao de v er e la s sequinhas e

cheirosas. Fui eu que : f i z !

Como diria 0 Parreira, "0 empate e urn bom res ulta do !"

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FNX Prin tSc reen

Pais urn ana coma esse merece ...

algumas piadas (de mau gosto).

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Chico Xavier

Desvio de lixas de unha paralisa reforma

Abriu-se sindicancia para apurar 0 furto de tres caixas

de lixas de unha. Esta vil subtracao do patrimonio

material da Academia de Letras requer mobilizacao de

toda a comunidade franciscana.

As lixas eram parte crucial no projeto de reforma e

pintura das paredes da sala Pablo Neruda, sede dos

espiritos literato-boemios da Faculdade de Direito do

Largo de Sao Francisco.

Devido aos ataques ao repasse que nossa entidade

recebe (quase) todo mes e a possivel reducao brutal

dessa verba, a contumaz Academia de Letraz

humildemente aceita patrocinio para a compra de

novas lixas, para continuacao d'A Reforma.

82 FNX

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O lavo B ilac de Carvalho

Geraciio de 68 agradece a seus cole gas do CCC

CENA 68 PARQUE DO IBIRAPUERA - EXT./DIA

Edgar anda na trilha. Edgar e ex-membro do

Comando de Caca aos Comunistas. Edgar encontra

Pedro na beira do lago. Pedro e ex-militanteantiditadura militar.

EDGAR

Pedrinho?

PEDRO

Saudoso colega da turma de 69!Ha quanta tempo?! 0

que tern feito?

EDGAR

Politica. E 0amigo?

PEDRO

Empresario,

EDGAR

Maravilha! Nobre colega, aceite minhas desculpas por

ter te denunciado ao DOL

numero xx - ana x 83

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PEDROQue isso? J a faz muito tempo.

EDGAR

E por ter te dado urn tiro.

PEDRO

Ah! Coisas da juventude.

EDGAR

E born saber que voce entende. E 0companheiro, 0

que tern feito?

PEDRO

Companheiro e a mae (EM OFF).

FADEOUT

84 FNX

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John Bolton

Conselho de Seguranca do XI: Reuniao emergencial

sobre a redivisao de Horas.

Com 0 caos instalado em suas proprias instalacoes, a

Diretoria do DJ convocou urna reuniao emergencial do

Conselho de Seguranca das Arcadas, improvisando urn

brainstorm (em portuges, toro de papite) com os

delegados das diversas entidades:

- A PITA (Fiel Torcida das Arcadas) disse "Aqui tem

urn banda de loco! Loco por ti DJ!";

- A BAISF agradeceu, mas disse que so se manifestaria

ao final, na qualidade de Diretoria do DJ;

- 0 C.A. e opositores se desculparam muito pelo

aciimulo de seus casos, elogiaram a iniciativa,

consideraram a hipotese de Assembleia Geral, e

apresentaram, em powerpoint, urn plano convincente

de redivisoes das horas do imovel, integrado a urn

Fundo de Horas;

- A Casa do Estudante gostou da ideia, desde que a

proposta seja global, para que todos passero urn tempo

em sua sede com a Guerda;

- A Atletica diz que para resolver a questao, seriam

necessaries mais homens e mais recursos;

numero xx - ana x 85

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- 0 SAJU defendeu que se chegasse a urn consenso,

mas ressaltou a importancia do direito de discordar;

- 0 PET estava muito ocupado discutindo a relacao:

- 0 Dandara nao quis opinar, mas reservou 0 seu

direito de expressao - e achou ridicula a atitude do

PET;

- RD e CS (Clube disdimulacoes) discutiram a posicao

da administracao sobre 0 assunto, os recur$o$

disponiveis, mas estavam sugerindo enterrar 0

professor sob uma pilha de de papeis quando

desfaleceram ante urn telegrama de Ydewcuzuquy:

- Sanfran Jr. e NEI tiveram ideias brilhantes: Sanfran

Jr. disse que resolveria tudo com urn computador, e 0

NEI garantiu que eles podiam confiar na liberacao de

verbas da USP;

- 0 Teatro, vulgo Liga de Penal, estava no

atendimento distraindo 0 professor com truques de

yoga, ganhando tempo enquanto todos decidiam 0 que

fazer;

- A A.L. entrava e saia da sala ensandecida,

vasculhando tudo, porque, aparentemente, perdera os

autos de tal acao de despejo;

- A Diretoria do DJ (BAISF) decidiu entao que os

problemas de arrogancia do MP se devem ao fato de

tantos de nos sermos franciscanos;

- 0 Waldir chegou pra informar que a galera do porao

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nao viria, alem de nos apressar para nao perdermos as

reavais e a formatura;

- 0 ]Ee finalmente informou que, para agilizar a vida

do homem, deveriamos encaminha-Io a Defensoria

Publica (Av. Liberdade, n.32), lembrando que nao 0

poderiamos atender antes que ele comprovasse renda

de ate tres salaries minimos e, ai sim, ser

reencaminhado para nos mesmos.

A sessao foi adiada por 7 votos a 1.

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Tio Toth

Passo a passo: Como retirar um livro das

bibliotecas departamentais.

Primeiro, inscreva-se na FUVEST 2009 (manuais avenda nas agencies do Banespa e inscricoes ate 14/09).

Escolha 0 curso de menor relacao candidato-vaga

(Gerontologia, Ciencias da Natureza, Geologia do Solo

Lunar ou outro dos cursos altemativos da USP LOST).

Uma vez aprovado, matricule-se (nao tema, a

jurisprudencia do Egregio Tribunal, no julgamento do

Agravo de Instrumento no Agravo Regimental nos

Embargos de Declaracao do Despacho Denegatorio de

Recurso Especial n" 424242-42: "e licito ao requerente

cursar dois cursos - sic - superiores em universidade

publica, aprovado em ambos os concursos").

Matriculado, faca carteirinha na biblioteca de sua

nova unidade da USP. Assim, voce tera 0 direito de

solicitar, por meio do Emprestimo Entre Bibliotecas,

livros das Bibliotecas Departamentais da Faculdade de

Direito, imprestaveis aos seus proprios alunos.

88 FNX

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Apendice

Colaboraram com essa edicao, em ordem de chegada:

mimeloncinuipgmail.com

Maria Isabela Meloncini nasceu ha 17 anos em

Sorocaba, interior de Sao Paulo. Escreve desde os 11 e

faz parte da geracao que aprendeu a ler com Harry

Potter. Participou do Fanfiction, forum online de

escritores, onde aperfeicoou sua escrita e encontrou

pessoas talentosas dispostas a dividir conhecimento.

Encontrou afmidade tambem com os integrantes da

Academia de Letraz da Universidade de Sao Paulo,

onde curs a direito. Atualmente, publica

ocasionalmente seu blog

(http://nononovelo.blogspot.com/). Pretende publicar

urn livro, mas s6 depois de fazer urn curso de

fotografia para ilustra-Io

[email protected]

Leandro Tripodi esta ate hoje tentando terminar urna

faculdade, por isso foi parar na SanFrancisco. Ele

decidiu desenvolver seus talentos artisticos, porque se

dependesse da beleza... Ele mora em Perdizes e tern

urna irma que e pucana. Vive entre a bossa nova e 0

rock'n roll. Escreve muito mal e e aprendiz de poeta,

numero xx - ana x 89

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contista, dramaturgo e outras coisas. Seu projeto mais

relevante no momenta e ter sossego pra viver urn

pouco.

[email protected]

Andre Esteves Martins Pinto. Urn nome. Adjetivos

inexistem, s6 0 que resta e estupida essencia, como se

pudesse se enxugar urna carne de todo seu sangue, de

toda sua singela constituicao, 0 que restaria? Suas

fibras? 0 que resta de urn nome? Suas reminiscencias

de ser chamado diariamente por urn punhado de letras

que nunca escolheu? Diria que a vida nao me foi

escolhida, mas imposta, e como tudo que e imposto

tern urn que de acerbo, de amargo... Claro, nao seria

tao tolo a dizer que agora sou livre, longe disso, digo

que estou cercado pelos nexos (malditos sejam!)

causais, e eles coordenam esse emaranhado que acaba

formando uma unidade sem maiores pretensoes a que

chamam popularmente por vida.

[email protected] / [email protected]

Guilherme Missali e urn jovem estudante de Direito,

nascido no interior de Sao Paulo (Ribeirao Preto).

Filho unico, divide com seus dois cachorros a atencao

de seus pais. Sua caracteristica mais marcante e nao

aparentar a idade que tern. Logo, e freqiientemente

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confundido com um garoto de 15 anos entre os alunos

incredulos das Arcadas. Porem, nao se abala com isso,

pelo contrario, acaba por fazer chistes desse fato

inusitado. Dono de um humor espontaneo e

irreverente, Missali gosta de passar seu tempo a toaem frente ao computador, atualizando seu blog,

conversando com seus colegas, lendo artigos, ouvindo

miisicas e assistindo videos. Recentemente, adquiriu 0

habito viciante de fotografar paisagens urbanas e vive

a procura de novas aventuras e desafios. Num futuro

proximo, pretende iniciar a famigerada vida de

estagiario,

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Andre Marcon. Andre despreza os aculturados, os

pseudo-intelectuais, os otimistas e os pessimistas.

Despreza os criticos; despreza os colegas e professores

da Faculdade de Direito da USP, onde finge estudar; e

por fim despreza a si mesmo, ja que tem aversao e esse

povo que se acha grande coisa. Desistiu de ser poeta

quando 0 pai the disse que isso era coisa de viado;

desde entao pas sou a escrever uns versos aqui e acola,

pois dizem que a pouca vergonha so nao e imoral no

carnaval.

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guiga. [email protected]

Guilherme Valente nasceu em Salvador eestranhamente e preguicoso. Mudou-se para Sao Pauloaos 17 anos, para cursar Sao Francisco, num acesso de

insanidade temporaria, Fora isso e urn cara bonito,

inteligente, divertido, modesto e - atencao, garotas -

solteiro.

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Gustavo B. Goncalves. 0 cara que nao sabe 0 que eSinopse.

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Roy Babbosa e calouro da turma de 1828. Ainda tern

uma DP em Romano, mas nesse ano ele acha que da,

Os poetas, eu nao sei se sao pseudonimos dele ou

alunos das Arcadas, como ele diz. Tudo 0 que eu faco

e psicografar 0que ele me conta. Digitalmente, claro.Luiz Gonzaga Arcadas,

XI de setembro, CLXXXI

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Gabriel M. Soares. Tendo agora 21 anos, nasci e

continuei.

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Barbara Rodrigues de Freitas, 22 anos. Peixes.

Goiana, goianiense. Sotaque de novela: goiano-

mineiro-carioca-paulista. Seqiielada de pai e mae.

Baixinha. Ruiva, por enquanto. Impulsiva. Vohivel, 0

que influencia em humores e comportamentos.

Raciocinio logico inexistente. Ingenue. Escritora de

textos que, inexoravelmente, soam adolescentes.

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Victor Alexandre G. Falavinha. Estou no 20.

semestre, na sala 13, tenho dezoito anos feitos ha

poucos dias, curitibano que fala leite quente com toda

a propriedade, e, como todos nos, urn apaixonado pelo

Direito.

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Anna Clara de Vitto, franciscana, terceiranista: a

genius enough to be a fool, a fool to gamble

everything and never know the rules (magnetic fields).

Confesso que a vida nao basta, portanto, escrevo. Tal

como queria Fernando Pessoa.

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Camila Taela Barbosa

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Guilherme B. C. Guidi. Vivo, entre brisas e suspiros,

sera que vivo de fato ou sera que apenas flutuo?

Minha historia se fez, ponto. 0 pouco que permanece

guardo para meus netos. Excentrico, impulsivo,

rancoroso, perfeccionista. Hal Palavrasl Feitas para

mim?

(http://vozesdeurnamenteperturbada.blogspot.com)

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Mariana Carrara. Vinte e urn anos formando palavras

na sopa de letrinhas e cutucando 0 amigo pra ver se

ele I e - da mamae eu ja desisti. Alergica a poeira capa-

dura do mundo juridico e atualmente devorada pelos

famintos codicilos no Pronto Socorro de Familia da

defensoria de Santo Amaro. Quer casar com seis

amigos(as) e alugar urn apartamento enorme com

quatro cachorros e dez criancas.

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Humberto Alitto tern 35 anos, formado em Ciencia da

Computacao e Pos-Graduado em Marketing pela

ESPM. lniciou mestrado em Critica Literaria e

Semiotica da Comunicacao pela PUC/Sao Paulo, 2005.

Realizou oficinas de literatura com Marcelino Freire e

Sese SP (varies). Possue cursos de formacao de teatro.

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Atuou como ator no curta-metragem "0 Abismo", ano

2006, com direcao de Daniela Castilho. Atualmente,

realiza oficina de prosa e contos na Casa Mario De

Andrade. Escreve regularmente no blog

http://apodiforme.blogspot.com/ .

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Geison Lucio dos Santos

Meu nome e Geison, amante da rmisica, em especial 0

rock n'roll, amante do cinema, em especial 0 italiano,

amante da literatura, em especial os contos, amante do

futebol, es especial 0 do Palmeiras, amante das

mulheres, em especial todas quanto possivel.

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Julia Goncalves Cardoso, 18-quase 19 anos. Alguem

com essa mania, mania boba, mania de um-quase-

nada, mania de se inventar de novo, de tempos em

tempos, essa eterna novata e seus pulos nos abismos ...

e quanto a sua estrada de tijolos amarelos ...? Ah!

Inscreveu seu nome como aluna das Arcadas e isso lhe

basta.

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Nathalie Fragoso, alagoana que veio nadando da

Praia do Frances ate a Avenida Paulista e parou. Parou

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porque os peixes daqui a intrigaram. Comecou a

escrever poeminhas e dos poeminhas livros quando

crianca e ousava da-les de presente. Aos pais,

importante salientar. Continua escrevendo em horas

vagas ou vagando horas cheias para isso.

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Fernanda Gianesella Bertolaccini e aluna do 5° ano

da Faculdade de Direito, e corajosamente contribuiu

pela primeira vez com a PNX. Antes tarde do que

nunca.

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Laura S. Cortes

[email protected]

Rafael Prince

[email protected]

Julia Lima

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Mauricio Schuartz

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