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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CINCIAS EXATAS E DA TERRA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM
ENSINO DE CINCIAS NATURAIS E MATEMTICA
JOS DIOGO DOS SANTOS NICCIO
FORMAO DOCENTE PARA A INSERO DA
HISTRIA E FILOSOFIA DA CINCIA NO ENSINO:
TEXTOS HISTRICO-PEDAGGICOS EM DISCUSSO
Natal-RN
2015
JOS DIOGO DOS SANTOS NICCIO
FORMAO DOCENTE PARA A INSERO DA
HISTRIA E FILOSOFIA DA CINCIA NO ENSINO:
TEXTOS HISTRICO-PEDAGGICOS EM DISCUSSO
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Ensino de Cincias Naturais e
Matemtica do Centro de Cincias Exatas e da
Terra da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, como requisito parcial para obteno do
ttulo de Mestre em Ensino de Cincias Naturais e
Matemtica.
Orientadora:
Profa. Dra. Juliana M. Hidalgo F. Drummond
Natal-RN
2015
Aprovado em: ___/___/_____
__________________________________________________________
Profa. Dra. Juliana M. Hidalgo F. Drummond Orientadora
Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN
__________________________________________________________
Profa. Dra. Auta Stella de Medeiros Germano Examinadora Interna
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
__________________________________________________________
Prof. Dr. Antonio Augusto Passos Videira Examinador Externo
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ
DEDICATRIAS
Aos meus familiares e amigos, que nos momentos
difceis me deram total apoio para continuar
lutando pelo meu ideal, pelas palavras de conforto
e pelo incentivo de que tanto precisei nas situaes
de dificuldades.
Em especial a meu pai, Jos Pequeno Niccio, que
tanto contribuiu com discusses e compartilhou
minhas dvidas, sempre ajudando nas principais
dificuldades e na construo dos meus
conhecimentos.
A minha me, Dona Angela, que sempre me apoiou
nas dificuldades, entendendo os momentos de
angstia, sempre compreensvel e paciente em toda
jornada de minha vida estudantil. Obrigado por
tudo!
AGRADECIMENTOS
Agradeo, primeiramente, a Deus pela fora que tem me concedido, para continuar
minhas caminhadas em busca dos conhecimentos.
Agradeo minha famlia, minha fonte de inspirao, de onde recebi apoio
incondicional para a concluso dessa jornada. Obrigado por nunca duvidarem do meu
potencial.
Agradeo aos meus amigos, que sempre compartilharam comigo das minhas
felicidades, angstias, derrotas e vitrias. Obrigado pela fora, por fazerem parte da
minha vida e pelos momentos em que precisei desabafar, chorar, sorrir e extravasar ao
lado de vocs.
Agradeo a Jaciara Maria pelos conselhos, carinhos, afetos e amores dedicados a mim.
Obrigado por entender a ausencia em determinados momentos e por estar presente nessa
etapa importantssima da minha vida. Voc tambm faz parte dessa conquista.
Um agradecimento especial a minha orientadora, Profa. Dra. Juliana, que muito tem
contribudo para o desenvolvimento desse trabalho, proporcionando excelente
aprendizagem. Obrigado pela pacincia, dedicao, puxes de orelhas e orientaes
que tanto me ajudaram. Voc, Juliana, to protagonista quanto eu desse trabalho!
A todos os professores vinculados ao PPGECNM, que sempre procuraram dar o melhor
em suas disciplinas, contribuindo para ampliar nosso conhecimento. Obrigado por
fazerem parte da minha vida acadmica.
Agradeo aos colegas do grupo que estuda sobre a histria do vcuo Wesley,
Giovanninni, Arthur, Mykaell e Deyzianne - que nos momentos de discusses
contriburam de modo significativo para o crescimento qualificado desse trabalho.
Obrigado Colegas!
RESUMO
A presente dissertao tem como foco problemas especficos no contexto educacional:
os desafios na construo de narrativas histrico-pedaggicas, bem como a difcil tarefa
de utiliz-las em sala de aula. Nesse contexto, busca-se atuar na formao docente para
a insero didtica da Histria e Filosofia da Cincia (HFC), sendo as narrativas
histrico-pedaggicas elementos para mediao do dilogo com esse pblico especfico.
Essa iniciativa vem ao encontro de uma preocupao recorrente na literatura da rea:
um dos principais desafios relacionados transposio didtica da HFC seria a falta de
preparao do professor. Contedos histricos, filosficos e sobre a Natureza da Cincia
ainda so pouco presentes em salas de aula. A insegurana e o desconhecimento do
assunto pelos professores costumam ser apontados como fatores que contribuem para
essa situao. Torna-se importante, portanto, que docentes (atuantes e em formao)
participem de reflexes sobre a insero da HFC em sala de aula, conheam exemplos
de propostas de cunho histrico-filosficas para a abordagem de contedos de
cincia e sobre a cincia, desenvolvam competncias que lhes permitam adapt-las aos
seus contextos especficos, bem como elaborar suas prprias propostas. Acredita-se que
essas questes sejam significativas para que realizem iniciativas conscientes de insero
da HFC em suas salas de aula. Considera-se que adaptar propostas didticas a contextos
educacionais particulares depende de se compreender de fato o que representam essas
propostas e quo flexveis elas podem ser. A fim de contemplar esses objetivos,
elaborou-se produto educacional que se configura como um material didtico voltado
para a formao docente, o qual foi aplicado em minicurso de extenso na UFRN. O
material discute sobre o papel da HFC no Ensino, a Natureza da Cincia e questes
historiogrficas. Traz uma sequncia de atividades dialgicas sobre aspectos da
transposio didtica da HFC, especialmente significativos no que diz respeito s
narrativas histricas. Utiliza-se como elemento de mediao nas discusses um conjunto
de textos histrico-pedaggicos sobre a Histria do Vcuo e da Presso Atmosfrica.
Abordam-se potencialidades, possibilidades e limitaes desse tipo de material. Para a
realizao do curso tomou-se como referncia consideraes metodolgicas da chamada
pesquisa-ao. Almejaram-se transformaes, modificaes e aes efetivas no prprio
material didtico de formao a partir da vivncia do pesquisador-ministrante em
interaes com os participantes do curso de extenso e das impresses relatadas pelos
participantes. Os desdobramentos nesse sentido foram incorporados ao material
didtico.
Palavras-chave: Histria e Filosofia da Cincia no Ensino; Natureza da Cincia;
Transposio Didtica; Narrativas histrico-pedaggicas; Formao de professores.
ABSTRACT
The present dissertation focuses on specific problems in the educational context:
challenges in the construction of historical narratives for pedagogical use as well as the
difficult task of using them in the classroom. In this context, we seek to work in teacher
training for insertion of History and Philosophy of Science (HPS) in classroom, and
historical narratives become mediation elements to advance the dialogue with this
specific audience. This initiative is in line with a recurring concern: one of the main
challenges related to the didactic transposition of HFC would be the lack of teacher
preparation. Historical contents and Nature of Science are still absent in classrooms.
Insecurity and lack of knowledge by teachers are often mentioned as factors that
contribute to this situation. It is important, therefore, that teachers (active and in
training) take part in discussions concerning the inclusion of HPS in classroom. It is
relevant that they know examples of historic-philosophical didactic proposals to address
science and contents on science, develop skills to adapt them to their specific contexts
and to develop their own proposals. It is believed that these issues are significant to
undertake conscious initiatives to insert HPS in classrooms. It is considered that
adapting educational proposals to particular educational contexts depends on
understanding what these proposals indeed mean and how flexible they can be. In order
to address these objectives, we elaborated an educational product, a didactic material
focused on teacher training, which was used in an extension course at UFRN. The
didactic material discusses the role of HPS in Education, Nature of Science and
historiographical issues. It presents a series of dialogical activities on aspects of didactic
transposition of HPS, especially those regarding historical narratives. A set of historic-
pedagogical texts on the History of Vacuum and Atmospheric Pressure is used as a
mediation element in discussions. We address potential, possibilities and limitations
historical narratives. To carry out the course, it was taken into account methodological
concerns of so-called action research. There have been expected changes, modifications
and effective actions in the own teacher training material in face of the experience of the
researcher-lecturer in interactions with the participants of the course as well as in face of
impressions reported by the participants. Developments in this direction have been
incorporated into the teacher training material.
Keywords: History and Philosophy of Science in Teaching; Nature of Science; didactic
transposition; historical narratives; Teacher Training.
LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 - Aspecto geral de recorte de um dos textos elaborados...................................15
Figura 2 - Aspecto do texto Ideias sobre o vcuo na Idade Mdia Parte 1..............48
Figura 3 - Aspecto do texto O vcuo na Revoluo Cientfica Parte 1....................49
Figura 4 - Aspecto do texto As concepes sobre o vcuo na Antiguidade................51
Figura 5 Aspecto do texto E a Histria da Cincia segue, com rupturas e tambm
continuidades................................................................................................................52
Figura 6 - Sumrio do material didtico de formao docente......................................60
Figura 7- Atividades 1 e 2...............................................................................................61
Figura 8 Atividade 3....................................................................................................62
Figura 9 Atividade 4....................................................................................................65
Figura 10 Atividade 5..................................................................................................66
Figura 11 Atividade 6..................................................................................................68
Figura 12 - Cartaz utilizado na divulgao....................................................................................71
SUMRIO
1. CAPTULO 1: CONSIDERAES INICIAIS......................................................11
1.1. MOTIVAES, QUESTO-FOCO E PRODUTOS EDUCACIONAIS...............11
1.2. PERCURSO METODOLGICO E ESTRUTURA DA DISSERTAO.............20
2. CAPTULO 2: HISTRIA E FILOSOFIA DA CINCIA, NATUREZA DA
CINCIA, TRANSPOSIO DIDTICA................................................................25
2.1. HISTRIA DA CINCIA ... E ENSINO................................................................25
2.2. HFC NO ENSINO: EXAMINANDO O PESO ATUAL DE ALGUNS
ARGUMENTOS.............................................................................................................27
2.3. HFC NO ENSINO: LEGISLAO EDUCACIONAL, LIVROS DIDTICOS E
FORMAO DOCENTE...............................................................................................31
2.4. HFC NO ENSINO E HISTORIOGRAFIA.............................................................36
3. CAPTULO 3: SOBRE OS PRODUTOS EDUCACIONAIS ELABORADOS..40
3.1. SOBRE O PRIMEIRO PRODUTO: OS TEXTOS HISTRICO-
PEDAGGICOS.............................................................................................................40
3.1.1. RECORTES HISTRICOS..................................................................................40
3.1.2. NATUREZA DA CINCIA POR MEIO DOS EPISDIOS HISTRICOS......43
3.1.3. ASPECTOS CENTRAIS DA TRANSPOSIO DIDTICA DA HFC............48
3.1.4. HISTORIOGRAFIA E AS NARRATIVAS HISTRICAS................................53
3.1.5. SIMPLIFICAES E OMISSES......................................................................55
3.2. SOBRE O SEGUNDO PRODUTO: ELEMENTOS PARA A FORMAO
DOCENTE TENDO EM VISTA A INSERO DA HISTRIA E FILOSOFIA DA
CINCIA NO ENSINO MDIO: TEXTOS HISTRICO-PEDAGGICOS COMO
EXEMPLARES.............................................................................................................58
3.2.1. UMA BREVE DESCRIO DO MATERIAL DIDTICO..............................59
3.3. DISCUTINDO AS ATIVIDADES..........................................................................60
3.3.1. ATIVIDADES 1 E 2..............................................................................................61
3.3.2. ATIVIDADE 3......................................................................................................62
3.3.3. APROFUNDAMENTO DA ATIVIDADE 3.......................................................64
3.3.4. ATIVIDADE 4......................................................................................................65
3.3.5. ATIVIDADE 5......................................................................................................65
3.3.6. ATIVIDADE 6......................................................................................................67
4. CAPTULO 4: RELATO FUNDAMENTADO DO CURSO DE EXTENSO..70
4.1. O CURSO DE EXTENSO E A PESQUISA-AO............................................70
4.2. PRIMEIRA PARTE DO CURSO............................................................................73
4.2.1. A ETAPA INTRODUO SOBRE HFC NO ENSINO..................................74
4.2.2 REALIZAO DA ATIVIDADE 1......................................................................75
4.2.3. REALIZAO DA ATIVIDADE 2.....................................................................77
4.2.4. REALIZAO DA ATIVIDADE 3.....................................................................81
4.2.5. COMENTRIOS FINAIS SOBRE A PRIMEIRA FASE DO CURSO..............83
4.3. SEGUNDA PARTE DO CURSO............................................................................84
4.3.1. A ETAPA APROFUNDAMENTO SOBRE NATUREZA DA CINCIA......85
4.3.2. REALIZAO DAS ATIVIDADES 4 E 5..........................................................86
4.3.3. REALIZAO DA ATIVIDADE 6.....................................................................88
4.4. DESDOBRAMENTOS PARA O MATERIAL DIDTICO DE FORMAO E
SUA UTILIZAO NA FORMAO DOCENTE......................................................91
5. CAPTULO 5: CONSIDERAES FINAIS.........................................................94
REFERNCIAS............................................................................................................98
APNDICE I: TEXTOS HISTRICO-PEDAGGICOS SOBRE A HISTRIA
DO VCUO E PRESSO ATMOSFRICA...........................................................104
APNDICE II: MATERIAL DIDTICO - ELEMENTOS PARA A FORMAO
DOCENTE TENDO EM VISTA A INSERO DA HISTRIA E FILOSOFIA
DA CINCIA NO ENSINO MDIO: TEXTOS HISTRICO-PEDAGGICOS
COMO EXEMPLARES..............................................................................................123
APNDICE III: SLIDES UTILIZADOS NA PRIMEIRA PARTE DO CURSO DE
EXTENSO.................................................................................................................191
APNDICE IV: SLIDES UTILIZADOS NA SEGUNDA PARTE DO CURSO DE
EXTENSO.................................................................................................................215
11
CAPTULO 1
Consideraes iniciais
O captulo introdutrio da presente dissertao de Mestrado Profissional em
Ensino de Cincias Naturais e Matemtica se inicia por um registro da minha trajetria
no Programa de Ps-Graduao, bem como pela retomada de aspectos significativos de
breve perodo que o antecedeu.
O referido relato compreende contribuies decorrentes da minha participao
no Curso de Iniciao a Docncia (CID), ocorrido na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, no primeiro semestre de 2013. Engloba tambm a igualmente
significativa docncia assistida em disciplina de Histria e Filosofia da Cincia na
UFRN. A docncia ocorreu de forma obrigatria, no semestre inicial de 2013, e de
forma voluntria, no segundo semestre do mesmo ano. Retrocedo, ainda, aos semestres
que precederam o ingresso na ps-graduao, a fim de tecer comentrios importantes
que permitem compreender o meu interesse pelas narrativas histricas e sua insero no
contexto educacional.
O registro que compe a primeira seo do presente captulo introdutrio tem
como finalidade explicitar as motivaes para a escolha da linha de pesquisa e
questo-foco especfica abordada no Mestrado. Esse registro permite tambm que se
compreenda a trajetria que culminou com a proposta dos dois produtos educacionais
elaborados. Na seo subsequente, encontra-se o percurso metodolgico, o qual cita de
forma breve os referenciais tericos que sero aprofundados no Captulo 2. Delineia-se
na mesma seo a estrutura em forma de captulos que compem a presente dissertao.
1.1 Motivaes, Questo-Foco e Produtos Educacionais
De junho de 2011 a meados de fevereiro de 2012, ainda enquanto aluno da
licenciatura em Fsica fui bolsista do subprojeto Fsica do Programa Institucional de
Bolsa de Iniciao Docncia na UFRN, o qual apoiado pela CAPES (Coordenao
de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior). O PIBID tem como objetivo maior
o incentivo formao de professores para a Educao Bsica e a elevao da qualidade
da escola pblica. Os bolsistas participantes, alunos dos cursos de Licenciatura, so
12
inseridos no cotidiano de escolas da rede pblica. Planejam e participam de experincias
metodolgicas, tecnolgicas e prticas docentes de carter inovador e interdisciplinar,
buscando a superao de problemas identificados no processo de ensino-aprendizagem.
O subprojeto de Fsica do PIBID, ento em vigor na poca em que fui bolsista,
era coordenado pela Professora Dra. Juliana M. Hidalgo F. Drummond, tendo o
Professor Dr. Ciclamio Leite Barreto como colaborador. Eram quinze bolsistas do curso
de licenciatura em Fsica da UFRN atuando em duas escolas pblicas de Natal, sob a
superviso de dois professores dessas escolas.
O subprojeto de Fsica procurava ressaltar as seguintes contribuies quanto
formao docente: valorizao do curso de licenciatura e estmulo ao ser professor;
integrao entre a formao inicial do docente e o seu campo de atuao profissional;
estudo de tendncias e inovaes indicadas para o ensino de fsica, a partir do estudo
aprofundado dessas estratgias de ensino.
Por meio da leitura, apresentao e discusso de artigos, dissertaes, teses e
captulos de livros, os licenciandos bolsistas se aproximavam das discusses
promovidas por pesquisadores em ensino de fsica, oportunidade que dificilmente
teriam durante a sua formao inicial. Os bolsistas, voluntariamente, eram organizados
em grupos (denominados comisses) de acordo com uma linha de trabalho especfica.
Periodicamente, havia um rodzio de bolsistas entre as comisses de forma que todos
pudessem vivenciar as diferentes possibilidades de inovao.
A identificao pessoal com a temtica levou-me Comisso de Histria e
Filosofia da Cincia no Ensino. Tnhamos acesso a materiais especficos, resultantes de
pesquisa relacionadas a essa rea, mas muitas leituras ficavam sem o entendimento
adequado, haja vista a nossa pouca maturidade e aproximao ainda recente em relao
temtica. As dvidas eram solucionadas com interveno da ento coordenadora do
PIBID-Fsica, especialista na rea.
Particularmente, um trabalho realizado na poca teria impacto importante na
minha trajetria subsequente no Mestrado. A coordenadora do subprojeto solicitou que
a Comisso da qual eu fazia parte elaborasse algum material especfico sobre Histria
da Astronomia para interveno no primeiro ano do Ensino Mdio da Escola Estadual
Professor Ulisses de Gis (PUG) da cidade de Natal/RN.
13
O grupo abandonou uma ideia inicial de exclusivamente produzir maquetes para
exposio dos sistemas de mundo geocntrico e heliocntrico. Em conjunto com a
coordenadora, decidiu-se realizar uma interveno que utilizasse textos elaborados
sobre os contedos histricos relacionados ao conceito de gravidade. Visando
elaborao do material didtico, os bolsistas realizaram leituras de trabalhos de enfoque
histrico sobre essa temtica, ampliada tambm para tpicos relacionados, como
sistemas de mundo e gravitao. Foram orientados quanto necessidade de refletir
sobre os objetivos didticos, e, de acordo com esses objetivos, realizar recortes dos
contedos histricos e selecionar discusses sobre a Natureza da Cincia (NdC).
Apesar de todas as orientaes, o grupo no tinha muita clareza quanto
necessidade de refletir sobre os objetivos didticos e no sabia como proceder na
produo do material. Na elaborao dos textos usamos o seguinte critrio: o que for
interessante colocamos nos textos. Ento, tudo que achvamos interessante
transcrevamos para o material. Era um processo quase s cegas, ou seja, no tnhamos
muita noo do que estvamos fazendo, ou melhor, produzindo. Integrantes do grupo
ainda se perguntavam: O que mesmo Natureza da Cincia? Seu entendimento e
insero nos textos pareciam longnquos.
Dvidas surgiam na elaborao do material, gerando discusses rudimentares
sobre o formato e a extenso dos textos. Pareciam longos, mas os contedos histricos
eram interessantes. Ento, talvez fosse melhor aument-los. Ser? Mas quantas aulas
seriam suficientes para aplicarmos esse material? Trs aulas? Quatro aulas? Cinco
aulas?
O resultado no nos agradava, os textos no pareciam atrativos, mas no
sabamos muito bem por qu. Algo estava errado... Mas o que seria?
Enfim, era hora de apresentar o material produzido coordenadora e discutir
sobre o que havia ocorrido, lembrando que a proposta no PIBID era de aprendizado para
os prprios bolsistas em seu trabalho nas comisses.
Discutimos a respeito das dvidas que ocorreram durante o processo de
elaborao dos textos e avaliamos o resultado final. Foi possvel perceber que, sem
definirmos com clareza onde pretendamos chegar, comeamos a encher os textos de
informaes histricas que no formavam um todo coerente. Os contedos pouco se
14
relacionavam uns com os outros. As conexes faltavam. Eram informaes dispersas
sobre Histria da Cincia. Os textos ficaram extensos e complexos. Trechos quase que
literais de trabalhos acadmicos haviam sido transferidos para os textos. A leitura era
difcil. A linguagem no era adequada para o Ensino Mdio. Vises distorcidas sobre a
Natureza da Cincia estavam l, incluindo o tradicional relato indutivista sobre Galileu
e a Torre de Pisa (SILVEIRA, PEDUZZI, 2006).
O fato que a tarefa a que nos propusemos no era nada trivial, como pude
compreender desde o seu incio. Posteriormente, entendi isso de modo mais
aprofundado, com as leituras no mestrado. Vrios trabalhos tm sinalizado que a
insero da histria da cincia em sala de aula no algo simples (PAGLIARINI;
SILVA, 2006; QUINTAL; GUERRA, 2009; PENA; TEIXEIRA, 2013; SASSERON;
BRICCIA; CARVALHO, 2013). Entre os principais desafios relacionados insero
didtica da HFC estariam a dificuldade de elaborao de materiais e a falta de
preparao do professor (FORATO, 2009; HOTTECKE; SILVA, 2010; FORATO;
PIETROCOLA; MARTINS, 2011).
Esses fatores se relacionam s duvidas e aos anseios que surgiram ao longo do
trabalho com narrativas histricas no PIBID. Naquela ocasio, dada necessidade de
reelaborao urgente do material, a coordenadora precisou atuar lado a lado com a
Comisso. O resultado do material refeito me causou espanto porque era possvel
compreender como de fato se materializava aquilo que nos foi solicitado e como era
difcil o processo de elaborao desse tipo de material. Muito pouco do que havia sido
produzido pela Comisso pde ser aproveitado.
Ainda assim, mesmo com textos adequados em relao aos objetivos pretendidos
e contexto educacional (curtos, com linguagem apropriada para o Ensino Mdio)1, a
utilizao do material na escola conveniada ao PIBID no nos deixou satisfeitos. No
estvamos preparados para explorar a potencialidade dos textos. Lemos pargrafo por
pargrafo dos textos e, em seguida, abrimos o dilogo em classe chamando a ateno
1 Os textos elaborados naquela ocasio sofreram diversas modificaes posteriores. Em janeiro de 2013, o
trabalho Uma proposta do PIBID-FSICA da UFRN: abordagem histrico-filosfica para a temtica
gravidade, que traz os textos j com algumas modificaes, foi apresentado no XX Simpsio Nacional
de Ensino de Fsica (FERREIRA et al, 2013). Recentemente, uma verso aprofundada desse trabalho, que
engloba novas modificaes nos textos e reflexes a respeito da elaborao e utilizao de narrativas
histricas em sala de aula, foi publicada no Caderno Brasileiro de Ensino de Fsica sob o ttulo
Narrativas histricas: gravidade, sistemas de mundo e Natureza da Cincia (DRUMMOND et al.,
2015).
15
para algumas curiosidades. No exploramos de forma adequada as questes sobre a
Natureza da Cincia porque ainda no nos sentamos preparados para abordar aquela
temtica. Faltava-nos o reconhecimento das potencialidades das narrativas histricas.
Faltava-nos saber como utilizar os textos de forma consciente e flexvel.
Como sintetiza a literatura com a qual posteriormente tive contato, o material
didtico s pode ser apropriado de forma consciente e flexibilizado pelo professor que
conhecer o seu significado (HOTTECKE; SILVA, 2010). De certa forma, como percebi
depois, ainda no entendamos o que os textos de fato significavam e, portanto, no
podamos explorar esse aspecto importante da transposio didtica: a flexibilizao.
Apesar de naquele momento no compreender de modo aprofundado o processo
de elaborao e utilizao dos textos com contedos histricos, ainda assim, a vivncia
de todo aquele processo no PIBID-Fsica teve impacto positivo em minha formao e
Figura 01 Aspecto geral de recorte de um dos textos elaborados
16
despertou ainda mais o meu interesse pela Histria e Filosofia da Cincia no Ensino. O
engajamento nessa atividade me estimulou a querer aprender mais sobre o assunto.
Conclui a graduao e decidi participar do processo seletivo do Programa de
Ps-Graduao em Ensino de Cincias Naturais e Matemtica (PPGECNM). O projeto
que submeti em cumprimento a um dos requisitos para a seleo tinha como ttulo A
utilizao de textos via Histria e Filosofia da Cincia nas aulas de Fsica do ensino
bsico: fundamental e mdio. Na verdade tratava-se de um pr-projeto. Os objetivos
eram ainda difusos, mal redigidos e refletiam minha aproximao rudimentar em
relao temtica: usar a HFC como agente motivador nas aulas de fsica abordando
os contextos histricos, sociais e culturais dos contedos; abordagem dos pensamentos
dos filsofos da cincia como auxilio para o ensino-aprendizado; abordar tpicos de
natureza da cincia atravs da construo a partir de alguns episdios histricos.
A redao frgil e a conscincia rudimentar do processo de insero didtica da
HFC no escondiam a sinalizao de que minhas intenes tinham estreita relao com
o trabalho desenvolvido no PIBID-FSICA.
Fui aprovado no processo seletivo e passei a ser orientado pela Profa. Juliana,
que havia coordenado minha atuao como bolsista do PIBID. Ingressei no grupo de
discusso sobre Histria do Vcuo, Presso Atmosfrica e Natureza da Cincia, do qual
participam voluntrios e discentes do PPGECNM sob a orientao da professora2. A
temtica histrica especfica foi escolhida devido ao seu relevante potencial didtico
ainda pouco explorado3. O grupo se dedica a estudar episdios histricos tendo em vista
elaborar materiais instrucionais para a abordagem de contedos cientficos e sobre a
natureza do conhecimento cientfico. Propicia cursos de extenso, voltados formao
docente, sobre a temtica HFC no Ensino4.
2 Esse grupo tem como objetivo estudar episdios da Histria do Vcuo tendo em vista elaborar materiais
instrucionais para a abordagem de contedos de cincia e sobre a cincia, bem como propor espaos de
formao docente na forma de cursos de extenso. Dissertaes de mestrado e diversos trabalhos
decorrentes das atividades do grupo de estudo tm sido apresentados em congressos da rea (por
exemplo, OLIVEIRA, 2013; BATISTA, 2014; NICCIO et al., 2015). 3 Os trabalhos produzidos pelo grupo no qual a presente dissertao se insere, na UFRN, somam-se aos
poucos trabalhos brasileiros que utilizam essa temtica histrica para fins didticos esto: COELHO;
NUNES, 1992; PORTELA, 2006; LONGHINI; NARDI, 2009. 4 Dentre os cursos ministrados pelos componentes do grupo entre 2012 e 2015 esto: Ensinando sobre a
Natureza da Cincia: uma abordagem explcita e contextualizada a partir da Histria do Vcuo; Fontes
Primrias da Histria do Vcuo e da Presso Atmosfrica na sala de aula: cartas e jornais histricos em
articulao com livros didticos do Ensino Mdio e Atuando na formao docente: narrativas histricas
17
Foi nas discusses do grupo, e j como aluno do mestrado, que efetivamente
tomei contato de forma consciente com os referenciais relacionados transposio
didtica da Histria da Cincia. Os estudos especficos a respeito so relativamente
recentes (FORATO, 20095; HTTECKE; SILVA, 2010; FORATO; PIETROCOLA;
MARTINS, 2012a e b). Compreendem investigaes tericas e empricas sobre as
transformaes sofridas pelos saberes acadmicos em Histria da Cincia at que esses
cheguem ao ambiente escolar. Desafios e obstculos costumam ser citados por essa
literatura. Selecionar e omitir contedos, pensar em como inseri-los depende de
particularidades da temtica histrica em si, do contexto educacional para o qual se
dirige a proposta didtica e dos seus objetivos especficos. Indica-se, por exemplo, que
elaborar textos didticos de cunho histrico-filosfico para o Ensino Mdio um
desafio qualquer que seja a temtica escolhida (ver FORATO, 2009).
Os referenciais estudados lanaram luz quanto ao sentido das dificuldades
enfrentadas na poca do trabalho do PIBID. Essas dificuldades vinham sendo relatadas
no mbito de pesquisas sobre a insero da HFC no Ensino. Dessa forma, o contato com
as discusses sobre a insero didtica da Histria da Cincia revelou no ser s minha
a percepo de que produzir textos histrico-pedaggicos era uma tarefa difcil,
complexa. Autores vm se preocupando com o assunto e, a partir de reflexes
aprofundadas, se empenham em consideraes sobre como superar obstculos e
desafios naturais desse processo.
Meu olhar consciente a respeito do assunto foi sendo construdo aos poucos. Os
desafios e obstculos na construo de narrativas histrico-pedaggicas, bem como a
difcil tarefa de utiliz-las em sala de aula, foram se identificando como problemas no
contexto educacional j desde o minha insero no PIBID-Fsica e, de forma mais
consistente, desde as leituras e discusses nos primeiros meses no mestrado. Decidir a
respeito dessa questo-foco como temtica para o meu mestrado foi como perceber-se
em um caminho natural construdo em conjunto com a orientadora.
A fim de vivenciar no mestrado, de forma reflexiva, o processo de construo de
narrativas histricas para utilizao no Ensino Mdio, decidimos que um dos produtos
em perspectiva reflexiva. Esses cursos vm sendo ministrados na UFRN, bem como nas duas edies
mais recentes do Simpsio Nacional de Ensino de Fsica (SNEF). 5 Trata-se de uma contribuio relativamente recente e significativa sobre a insero didtica da Histria
da Cincia com base nos referenciais propostos por Yves Chevallard.
18
desenvolvidos seria um conjunto de textos histrico-pedaggicos relacionados
Histria do Vcuo e da Presso Atmosfrica, que abordassem de forma explcita e
contextualizada consideraes sobre a Natureza da Cincia. Justificamos a escolha do
gnero narrativo em funo das potencialidades desse tipo de suporte para a promoo
de discusses sobre NdC. Esse aspecto vem sendo sugerido por trabalhos que analisam
o potencial das narrativas como recurso para o ensino de cincias (RIBEIRO;
MARTINS, 2007) 6.
As reflexes quanto insero didtica da HFC norteariam a elaborao dos
textos: seleo dos episdios histricos especficos e de mensagens sobre a Natureza da
Cincia, consideraes sobre a extenso, linguagem utilizada, etc. Para que os textos
chegassem a uma condio satisfatria diversos aspectos deveriam ser observados, os
questionamentos compartilhados e refletidos com o grupo de estudo.
Ainda no contexto do mestrado, decidiu-se desenvolver um segundo produto, um
material didtico de formao docente, visando contribuir para a insero da HFC no
contexto educacional. A inteno era socializar com professores atuantes e em formao
as discusses sobre a transposio didtica da HFC por meio das narrativas histricas,
trazendo tona suas potencialidades, limitaes e possibilidades de utilizao.
Como aspectos motivacionais para a realizao desse produto, destaco a
docncia assistida nas turmas da disciplina de Histria e Filosofia da Cincia (HFC),
acompanhada pelo Curso de Iniciao Docncia (CID) na UFRN. O CID tem como
objetivo nortear uma atuao tica e consciente do estudante da ps-graduao na
prtica docente, desencadeando uma reflexo crtica acerca da docncia, considerando o
trinmio ensino, pesquisa e extenso.
Essa reflexo permitiu a realizao cuidadosa e consciente do estgio de
docncia assistida na disciplina de HFC. Acompanhei a disciplina em dois semestres,
sendo um estgio obrigatrio e outro voluntrio, a fim de vivenciar discusses de
extrema importncia para o desenvolvimento dos produtos do meu mestrado e observar
um possvel ambiente natural de aplicao dos mesmos na formao de professores.
6 A literatura mais recente sobre currculos vem apontando uma tendncia de se incluir e valorizar o uso
de narrativas como recurso didtico em sala de aula, no apenas nas aulas de lnguas. Essa tendncia
particularmente significativa para as disciplinas cientficas. (RIBEIRO; MARTINS, 2007, p. 294).
19
Adicionalmente aos contedos de Filosofia da Cincia7, a disciplina trata da insero
didtica da HFC, discutindo aspectos tericos e possibilidades para a educao bsica.
A utilizao de narrativas histrico-pedaggicas em sala de aula abordada a partir do
exemplo dos textos sobre sistema de mundo, de cuja elaborao participei no PIBID-
FSICA.
Nesse contexto, pude observar ao longo dos semestres em que acompanhei a
disciplina as dificuldades dos licenciandos, por exemplo, quanto a identificar por si
mesmos e de forma clara os objetivos especficos pretendidos pelos textos, os recortes
histricos realizados e suas relaes com esses objetivos. Notei que somente
conseguiam localizar trechos que traziam discusses sobre a natureza do conhecimento
cientfico com a ajuda do professor da disciplina. Questes relacionadas forma e
estruturao do material passavam despercebidas. Muito embora a disciplina abordasse
previamente obstculos e desafios inerentes transposio didtica da HFC, os
licenciandos tinham dificuldade em compreender aspectos importantes, sem os quais a
utilizao em sala de aula daquele material ficava comprometida. Colocados diante do
desafio de produzir intervenes didticas para o Ensino Mdio que envolvessem a
utilizao dos textos, costumavam encaminhar propostas que descaracterizavam
rupturas na construo do conhecimento e reforavam exclusivamente continuidades.
A vivncia desse cotidiano no ensino superior motivou reflexes em conjunto
com a orientadora acerca da complexidade da temtica da disciplina de HFC, qual se
somavam de modo significativo questes sobre as quais nossa ao era limitada8.
Os referenciais tericos estudados, bem como minha vivncia pessoal na
Iniciao Docncia, sinalizavam lacunas na formao docente para a insero didtica
da HFC e a importncia de lidar com esse obstculo (DUARTE, 2004; GATTI;
NARDI; SILVA, 2004; GOULART, 2005; BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009;
FERREIRA; FERREIRA, 2010; HTTECKE; SILVA, 2010; FORATO;
7 Esse componente curricular especfico procura examinar de forma crtica algumas imagens distorcidas
sobre a Natureza da Cincia, e, em particular, desconstruir vises relacionadas ao empirismo-indutivismo.
Discutem-se, em contraposio, concepes atualmente consideradas mais adequadas sobre a cincia, e
contribuies de filsofos como Karl Popper, Thomas Kuhn, Paul Feyerabend e Imre Lakatos. Para a
licenciatura em Fsica, a disciplina obrigatria. 8 A relevncia da presena constante s discusses contrasta com a realidade de uma disciplina oferecida
nos dois ltimos horrios noturnos, onde cansao e ausncia dos estudantes costumam ser recorrentes,
especialmente s sextas-feiras. Soma-se a esses fatores a dificuldade de acesso ao transporte pblico
quando a aula se estende at o horrio regular.
20
PIETROCOLA; MARTINS, 2012a e b). A necessidade de trabalhar com os futuros
docentes da educao bsica, utilizando material e abordagem adequados visando
formao desses indivduos, foi, portanto, um aspecto motivacional para a deciso de
me enveredar pelo caminho escolhido para o presente mestrado.
Assim, vislumbrou-se de forma coerente a possibilidade de realizar dois
produtos, os quais so apresentados no Captulo 3 da presente dissertao: um conjunto
de textos histrico-pedaggicos voltados para o Ensino Mdio e um material didtico
direcionado a cursos de formao de professores visando tratar da insero didtica da
HFC, tendo como exemplo para discusso os referidos textos histrico-pedaggicos
(Apndices I e II). O material de formao docente foi utilizado em curso de extenso
oferecido na UFRN, sendo esta utilizao discutida no Captulo 4.
1.2 Percurso Metodolgico e Estrutura da Dissertao
A presente trajetria no Mestrado Profissional teve incio com a discusso de
trabalhos acadmicos que possibilitaram certo amadurecimento e clareza quanto
questo-foco, bem como solidificou a inteno quanto aos produtos e seu processo de
elaborao. Destacaremos essas leituras a fim de justificarmos a questo-foco e
explicitarmos sua abordagem, a qual teve como resultado os dois produtos supracitados.
Os referenciais estudados dizem respeito, principalmente, s discusses sobre a
temtica Natureza da Cincia, a insero da Histria e a Filosofia da Cincia no Ensino
e o enfrentamento de obstculos e desafios no contexto da transposio didtica da
HFC. Nesse processo de aprofundamento terico, travou-se contato com argumentos
que justificam as propostas de incluso da HFC no contexto educacional
(ROBILOTTA, 1988; BIZZO, 1992; MATTHEWS, 1995; MCCOMAS; ALMAZROA;
CLOUGH, 1998; GIL-PREZ et al., 2001; PEDUZZI, 2001; DUARTE, 2004; GATTI;
NARDI; SILVA, 2004; GOULART, 2005; MARTINS, 2005; MARTINS, 2006;
LEDERMAN, 2007; MARTINS, 2007; PAGLIARINI, 2007; CLOUGH; OLSON,
2008; BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009; FORATO, 2009; QUINTAL; GUERRA,
2009; FERREIRA; FERREIRA, 2010; FERREIRA; MARTINS, 2010; HOTTECKE;
SILVA, 2010; FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2012b; LEDERMAN, 2012;
PENA; TEIXEIRA, 2013; SASSERON; BRICCIA; CARVALHO, 2013).
21
Foram observadas, nessa etapa, as repercusses desses argumentos nas
recomendaes expressas em documentos oficiais (Lei de Diretrizes e Bases LDB,
Parmetros Curriculares Nacionais PCN e Programa Nacional do Livro Didtico -
PNLD) que regem a educao brasileira. As leituras realizadas sinalizam a
contemplao desse tipo de perspectiva na legislao educacional brasileira, em
expresses tais como a compreenso do significado da cincia pelo educando
(BRASIL, 1999, p. 46) 9.
Procurou-se observar, nessa etapa de fundamentao terica, trabalhos que
preveem a contextualizao de contedos referentes natureza do trabalho cientfico
por meio de episdios histricos. Essas iniciativas nos remeteram linha de pesquisa
Natureza da Cincia, cujo desenvolvimento j vem de longa data, bem como a
discusses aprofundadas sobre a insero dessa temtica no contexto educacional, sendo
apresentado relativo consenso para a promoo de discusses sobre Natureza da Cincia
em sala de aula (MCCOMAS; ALMAZROA; CLOUGH, 1998; HARRES, 1999; GIL
PREZ et al., 2001; LEDERMAN, 2006; CLOUGH; OLSON, 2008; QUINTAL;
GUERRA, 2009; LEDERMAN, 2012; BAGDONAS; SILVA, 2013; SASSERON;
BRICCIA; CARVALHO, 2013; VILAS BOAS et al., 2013).
A convergncia entre os argumentos acadmicos e as recomendaes expressas
na legislao nos levou a imediato questionamento acerca da presena tmida da HFC
no contexto educacional. Nesse sentido, foram observadas produes escritas que tratam
das dificuldades quanto insero da HFC no Ensino.
Um aspecto importante vem sendo a presena rudimentar ou distorcida da HFC
em materiais didticos (PAGLIARINI; SILVA, 2006; BATISTA; MOHR; FERRARI,
2007; HOTTECKE; SILVA, 2010).
[...] uma HC cronolgica apenas de vencedores, e algumas vezes, para que a
sequencia permanea ideal, ocorre a premiao indevida de uma descoberta,
ou seja, o relato histrico to superficial que se acaba citando apenas nomes
de cientistas conhecidos, no nos garantindo a real situao da pesquisa
(BATISTA; MOHR; FERRARI, 2007, p. 3).
9 Faz-se necessria a ressalva de que a temtica NdC dinmica e complexa, no havendo uma viso
universal, nica sobre a NdC. No se recomenda que o ensino inclua de forma fechada e engessada uma
listagem que registre o que ensinar sobre NdC. Isso seria contraditrio postura de criticar uma viso
rgida e dogmtica da cincia (BAGDONAS; SILVA, 2013, p. 216).
22
Outro aspecto de destaque a deficincia na formao dos professores, como a
ausncia de percepo da HFC como estratgia didtica (MARTINS, 2007; OLIVEIRA,
2013). Resultados de pesquisas tm apontado lacunas como a tmida presena da
Histria e Filosofia da Cincia na formao docente e a insegurana por parte dos
professores no que diz respeito a intervenes que envolvam a HFC (DUARTE, 2004;
BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009; FERREIRA; FERREIRA, 2010). Indica-se o
alcance dramtico da lacuna de discusses a respeito da temtica NdC na formao de
professores de Fsica, Qumica e Biologia (MCCOMAS et al., 1998; HARRES, 1999;
LEDERMAN, 2007).
Essas dificuldades parecem estar relacionadas presena restrita da temtica
NdC em sala de aula (MATTHEWS, 1995), bem como extensa lista de vises
deformadas sobre a cincia sustentadas por professores, as quais expressam:
[...] uma imagem ingnua, profundamente afastada do que a construo do
conhecimento cientfico, mas que se foi consolidando at tornar-se um
esteretipo socialmente aceite que, insistimos, a prpria educao cientfica
refora ativa ou passivamente (GIL PREZ et al , 2001, p. 128-129).
A literatura estudada nessa etapa de fundamentao do presente Mestrado
Profissional aponta a necessidade de proporcionar discusses sobre a Natureza da
Cincia na formao dos professores, objetivando a sensibilizao dos mesmos para
essa temtica e sua insero em sala de aula. Aponta, ainda, a insuficincia de que os
professores conheam listagem de aspectos consensuais da NdC (FERREIRA;
MARTINS, 2010). Observam-se recomendaes de que os professores sejam
preparados para abordar esses contedos de forma explicita, contextualizada e reflexiva
por intermdio da Histria da Cincia (LEDERMAN, 1992; MCCOMAS, 2008;
FORATO, 2009). Existe uma defesa massiva no que tange incorporao da HFC na
formao de professores seja ela inicial ou continuada (DUARTE, 2004; GATTI;
NARDI; SILVA, 2004; GOULART, 2005; BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009;
FERREIRA; FERREIRA, 2010).
Notadamente, os referenciais relacionados transposio didtica da Histria da
Cincia foram elementos norteadores para a proposta dos produtos da presente
dissertao (FORATO, 2009; HTTECKE; SILVA, 2010; FORATO; PIETROCOLA;
MARTINS, 2012 a e b). Consideraes sobre a importncia das reflexes acerca dos
23
pressupostos bsicos atuais da historiografia da Histria da Cincia (consideraes
sobre pseudo-histria, histria do tipo whig, quasi-history e anacronismo) foram
significativas tanto para a elaborao dos textos didticos direcionados para o Ensino
Mdio, como tambm para a elaborao do material voltado para formao docente
(VIDEIRA, 2007; FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2011). Esses referenciais
reconhecem, por exemplo, a relevncia de que o professor da educao bsica esteja
preparado para uma leitura mais crtica das verses histricas presentes no ensino de
cincias (FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2011, p. 36).
Decorrida certa estruturao terica bsica, a continuidade das leituras que
aliceram o desenvolvimento da presente dissertao de mestrado profissional se
prolongou durante o prprio processo de elaborao dos produtos educacionais. Com
base nas reflexes a respeito dessa bibliografia, produziu-se o Captulo 2, o qual se
intitula A HFC no Ensino e a Natureza da Cincia.
Ao longo do processo de elaborao dos produtos, foram aprofundadas as
reflexes acerca da insero didtica da Histria da Cincia, sobretudo no que diz
respeito aos obstculos e desafios apontados pelos trabalhos acadmicos. Na elaborao
dos textos histrico-pedaggicos, por exemplo, foram vivenciados de maneira crtica
alguns desses desafios: escolha das mensagens de Natureza da Cincia; seleo dos
aspectos histricos a enfatizar em cada episdio; o nvel de aprofundamento dos
aspectos histricos, linguagem apropriada ao contexto educacional visado, etc. J na
fase de elaborao do material de formao docente foram aprofundadas, luz dos
referenciais tericos, as reflexes despertadas durante o processo de Iniciao
Docncia, o qual havia contemplado o acompanhamento de duas turmas de licenciandos
em Fsica na disciplina de HFC em semestres consecutivos.
O Captulo 3, intitulado Produtos Educacionais, tem como objetivo apresentar
o conjunto de textos histrico-pedaggicos sobre a Histria do Vcuo e o material
didtico Elementos para a formao docente tendo em vista a insero da Histria e
Filosofia da Cincia no Ensino Mdio: textos histrico-pedaggicos como
exemplares. O Captulo destaca o processo de elaborao desses produtos, bem como
explicita a possibilidade de utilizao do material de instrumentalizao (concebido
segundo uma perspectiva no tecnicista, e sim, reflexivo-dialgica) em curso de
formao de professores. Os referidos produtos esto contidos nos Apndices I e II.
24
A finalizao da presente proposta no Mestrado Profissional deu-se com a
realizao de curso para professores em formao, como base no material elaborado. A
aplicao desse produto relatada de forma fundamentada no Captulo 4 da
dissertao, levando em conta consideraes metodolgicas dos referenciais da
chamada pesquisa-ao (THIOLLENT, 2011), como pesquisa social na qual
pesquisador e participantes, de forma coletiva, esto englobados e refletem sobre um
problema de modo cooperativo ou participativo, almejando transformaes,
modificaes, realizaes e aes efetivas. Nesse sentido, a partir da vivncia do
pesquisador-ministrante em interaes com os participantes do curso de extenso na
UFRN e das impresses relatadas pelos prprios participantes, so sugeridas
possibilidades de complementao e mudanas no material didtico de formao, as
quais esto sinalizadas no prprio Apndice II, aps a apresentao do referido material
em sua forma original de aplicao10
. Sugere-se, por exemplo, a possibilidade de
mudana na ordem de realizao das atividades propostas, bem como a disponibilizao
de referncias adicionais para consulta dos professores, os quais eventualmente sentiro
necessidade de encaminh-las aos seus prprios alunos.
O Captulo 5 encerra a presente dissertao ao estabelecer consideraes finais
sobre a questo-foco tratada, os produtos elaborados e a interveno realizada.
10
Elementos oriundos da experincia de aplicao do material de formao no SNEF reforam as
modificaes sugeridas para o prprio material.
25
CAPTULO 2
Histria e Filosofia da Cincia, Natureza da Cincia, Transposio
Didtica
Nesse captulo refletiremos sobre os fundamentos tericos que norteiam a
presente dissertao de mestrado: as discusses sobre a insero da Histria e da
Filosofia da Cincia no Ensino, a temtica Natureza da Cincia, obstculos relacionados
transposio didtica da HFC, incluindo aspectos relacionados formao docente.
2.1 Histria da Cincia ... e Ensino
A Histria da Cincia uma rea de pesquisa consolidada no Brasil e
internacionalmente. Diversas associaes realizam congressos peridicos nos quais os
pesquisadores discutem trabalhos relacionados a essa rea. No exterior, destacamos a
History of Science Society (fundada em 1924, com sede nos Estados Unidos) e a British
Society for the History of Science (fundada em 1947e sediada no Reino Unido). J no
Brasil, podem ser citadas como exemplos a Sociedade Brasileira de Histria da Cincia
(SBHC) e as associaes especficas por rea, como a Sociedade Brasileira de Histria
da Matemtica (SBHMat) e a Associao Brasileira de Filosofia e Histria da Biologia
(ABFHiB). Os trabalhos produzidos por profissionais da rea so publicados em
revistas acadmicas nacionais e internacionais, como a Revista Brasileira de Histria da
Cincia, os Cadernos de Histria e Filosofia da Cincia da UNICAMP e o peridico
ISIS, mantido pela History of Science Society.
Desde o seu surgimento, entre os sculos XVI e XVII, como uma tentativa de
descrever o desenvolvimento da cincia e justificar a chamada Cincia Moderna, a
prpria definio do que seria a Histria da Cincia (HC) sofreu severas transformaes
(ALFONSO-GOLDFARB, 1994). A consolidao como rea de pesquisa ocorreu por
volta da dcada de 1920, quando surgiram seus primeiros profissionais. Escrevia-se a
HC como uma coletnea de feitos de grandes personagens, isto , um conjunto de
biografias de grandes pesquisadores (seres perfeitos e intocveis). Eram relatos
cronologicamente organizados sobre estudos e descobertas marcantes para a
humanidade. Os historiadores procuravam no passado as origens do que ento era aceito
26
como cincia. Buscavam os acertos e desprezavam os erros no processo de
construo cientfica.
Essas concepes historiogrficas foram revistas ao longo de dcadas de
transformaes. Rejeitou-se o anacronismo, isto , o olhar para o passado tendo como
padro o que se aceita como cincia no presente. A HC passou a ter como objeto de
estudo no apenas o que atualmente aceito como cincia, mas sim o que em alguma
poca e de algum modo foi proposto ou aceito como conhecimento (ALFONSO-
GOLDFARB, 1994).
A diferena de natureza entre os saberes dessa Histria da Cincia acadmica e
da Histria da Cincia no Ensino manifesta. Um historiador da cincia produz
trabalhos especficos, aprofundados, detalhados e no necessariamente busca a
aplicabilidade dos mesmos no contexto educacional. O trabalho historiogrfico
produzido por um historiador da cincia diferente de uma narrativa histrica elaborada
para fins educacionais. Porm, isso no implica dizer que a Histria da Cincia no
possa contribuir para o Ensino.
A Histria da Cincia acadmica necessita de uma transposio didtica11
para
que chegue ao contexto educacional, cumprindo as funes que dela se espera. Esse
processo demanda conhecimento aprofundado da prpria Histria da Cincia, bem
como da Didtica da Cincia. pautado, dentre outros fatores, pelo resguardo a uma
interpretao diacrnica da cincia (FORATO, 2009; FORATO; PIETROCOLA;
MARTINS, 2012b).
As sees seguintes do presente captulo tratam dessa possibilidade. Importante
destacar que ao nos referirmos Histria da Cincia, nos remetemos tambm Filosofia
da Cincia, reconhecendo a relao de interdependncia: A Filosofia da Cincia sem
Histria da Cincia vazia; a Histria da Cincia sem Filosofia da Cincia cega
(LAKATOS, 1978, p.21).
11 A transposio didtica trata das transformaes sofridas pelos saberes acadmicos at chegarem aos
contextos educacionais. Para o caso da Histria da Cincia, uma contribuio recente e significativa foi
realizada por Forato (2009), com base nos referenciais propostos por Yves Chevallard (ver
CHEVALLARD, Y. Sobre a teoria da transposio didtica: algumas consideraes introdutrias.
Revista de Educao, Cincias e Matemtica v.3 n.2 mai/ago 2013, p. 1-14. Disponvel em
http://publicacoes.unigranrio.edu.br/index.php/recm/article/viewFile/2338/1111 ).
27
2.2 HFC no Ensino: examinando o peso atual de alguns argumentos
No de hoje que a insero da Histria e da Filosofia da Cincia no Ensino
vem sendo defendida por diversos pesquisadores. Varias razes tm sido apresentadas
para a incluso de contedos histricos e filosficos no contexto educacional: a Histria
e a Filosofia da Cincia podem humanizar a Cincia; a Histria e a Filosofia da
Cincia contribuem para o tratamento interdisciplinar dos contedos; a Histria e a
Filosofia da Cincia tm importncia intrnseca como herana cultural da
humanidade; a Histria e a Filosofia da Cincia auxiliam na compreenso dos
contedos especficos; a Histria e a Filosofia da Cincia auxiliam os professores a
compreenderem as dificuldades de aprendizagem dos estudantes; a Histria e a Filosofia
da Cincia contribuem para a compreenso da natureza do conhecimento cientfico
(ROBILOTTA, 1988; BIZZO, 1992; MATTHEWS, 1995; MCCOMAS; ALMAZROA;
CLOUGH, 1998; GIL-PREZ et al, 2001; PEDUZZI, 2001; DUARTE, 2004; GATTI;
NARDI; SILVA, 2004; GOULART, 2005; MARTINS, 2005; MARTINS, 2006;
LEDERMAN, 2007; MARTINS, 2007; CLOUGH; OLSON, 2008; BRINCKMANN;
DELIZOICOV, 2009; FORATO, 2009; FERREIRA; FERREIRA, 2010; FERREIRA;
MARTINS, 2010; HOTTECKE; SILVA, 2010; FORATO; PIETROCOLA; MARTINS,
2012b; LEDERMAN, 2012).
A presente dissertao de mestrado toma como ponto de partida os argumentos
supracitados, e, em especial o ltimo deles, que diz que respeito chamada Natureza da
Cincia, o qual ser focalizado com mais ateno nas demais sees que compem o
presente captulo. Antes disso, no entanto, julgamos importante citar e comentar
argumentos contrrios utilizao da HFC no Ensino.
Entre os principais argumentos contrrios introduo da HFC no contexto
educacional esto: a Histria possvel em cursos de Cincia a pseudo-histria; a
Histria da Cincia costuma ser fabricada para servir a ideologias cientficas (quasi-
history); a HFC podem desestimular os jovens a seguirem carreiras cientficas; no h
espao nos currculos para a insero da HFC (MATTHEWS, 1995; VANNUCCHI,
1996; MARTINS, 2006; FERREIRA; MARTINS, 2010).
No tocante pseudo-histria, argumenta-se que a HC para o ensino
incompleta, desfigurada, cheia de omisses, tornando-se assim inevitavelmente uma
28
Histria da Cincia de m qualidade no ensino. Se a simplificao inevitvel, melhor
seria no us-la (PEDUZZI, 2001, p. 154). Quanto quasi-history, esse tipo de
contraexemplo da HC comum em cursos e manuais didticos de cincia, os quais
transmitem um encadeamento lgico de como teriam sido descobertos conceitos
cientficos, fornecendo assim uma simples moldura histrica dos acontecimentos.
Apresentam breves notas histricas sobre acontecimentos pontuais e ilustraes de
cientistas acompanhadas de tmidas legendas, grandes invenes e sequencias
cronolgicas de teorias (PEDUZZI, 2001, p. 159; PAGLIARINI; SILVA, 2006;
BATISTA; MOHR; FERRARI, 2007). Essas descries histricas realam o papel de
um nico personagem, o vitorioso, e deixam de lado as ideias que foram abandonadas
por terem sido consideradas erradas (MARTINS, 2005, p. 314). Ou, ainda, reforam
uma viso linear e lgica da cincia apresentando cada descoberta encadeada em outra.
Quanto a esses argumentos importante considerar que, de fato, a histria
levada para o contexto educacional demanda recortes e simplificaes, dentre outras
particularidades (FORATO, 2009). Constitui-se a partir de transformaes na Histria
da Cincia acadmica, que passa pelo processo de transposio didtica. No entanto,
esse processo no pode ser realizado s cegas. Demanda embasamento terico e
metodolgico aprofundado dos campos de estudos da Histria da Cincia e da Didtica
da Cincia. Caso contrrio, corre-se o risco de produzir para fins pedaggicos uma
abordagem seletiva e parcial, resumida a biografias de cientistas (grandes criadores,
descobertas geniais) e histrias engraadas (eureka de Arquimedes e a ma de
Newton), que incorrem em vises deformadas sobre a natureza do conhecimento
cientfico (MARTINS, 1990; GIL PREZ et al, 2001; MARTINS, 2006; PAGLIARINI;
SILVA, 2006; BATISTA; MOHR; FERRARI, 2007). No processo de transposio
didtica da HC a seleo inevitvel, mas pode ser razovel:
[...] uma histria simplificada [faixa etria, situao educacional] que lance uma luz
sobre os contedos discutidos, que no seja uma mera caricatura do processo histrico
(MATTHEWS, 1995, p. 177).
No que tange desmotivao dos jovens para seguirem carreira cientfica ao
entrarem em contato com HFC, pode-se advogar justamente o contrario: uma cincia
29
humanizada, que contempla a desmistificao da ideia de cincia produzida por mentes
geniais, motivaria o jovem a se interessar pela cincia (PEDUZZI, 2001).
Quanto falta de espao nos currculos para a insero da HFC no Ensino, as
consideraes sobre esse argumento para a Educao Bsica e para a Educao
Superior12
diferem entre si (MARTINS, 1990). Em pesquisa emprica realizada com
professores da educao bsica da rede pblica e licenciandos em Fsica, o pouco tempo
disponvel nas aulas para a insero da HFC foi uma dificuldade apontada. Essa
dificuldade, no entanto, pode representar um falso dilema, tendo em vista que os
participantes da pesquisa demonstraram conceber a HC como um contedo adicional a
ser ensinado e no como uma possvel estratgia didtica (MARTINS, 2007).
Em geral, pode-se dizer que os argumentos contrrios incluso da HFC no
Ensino perderam fora nas ltimas dcadas. A polarizao a favor e contra a HFC no
Ensino foi se esvaziando.
Pesquisa realizada por Vilas Boas e outros (2013) aponta ausncia de ateno
recente a argumentos contrrios insero didtica da HFC, o que teria ocorrido
medida que se estabeleceu certo fortalecimento da defesa da temtica Natureza da
Cincia para o contexto educacional. Segundo a referida pesquisa, esse processo teria
ocorrido, sobretudo, aps consideraes influentes do pesquisador Michael Matthews
no incio da dcada de 1990 (MATTHEWS, 1995). Passados quase 20 anos dessa
significativa argumentao, o repertrio formado por diversos autores se consolidou
como uma base slida para quem deseja pesquisar sobre essa temtica, permanecendo
Matthews como um dos autores mais citados (VITAL; GUERRA, 2014).
O termo Natureza da Cincia (NdC) refere-se a o que cincia, como a cincia
funciona, como os cientistas atuam como grupo social, como a sociedade influencia e
reage aos empreendimentos cientficos. A NdC atualmente uma linha de pesquisa
consolidada (MCCOMAS; ALMAZROA; CLOUGH, 1998; HARRES, 1999; GIL
PREZ et al, 2001; LEDERMAN, 2006; PAGLIARINI; SILVA, 2006; CLOUGH;
OLSON, 2008; QUINTAL; GUERRA, 2009; LEDERMAN, 2012; PENA; TEIXEIRA,
2013; SASSERON; BRICCIA; CARVALHO, 2013).
12
No Ensino Superior, alguns cursos, como Fsica, Qumica e Biologia apresentam em sua grade curricular uma disciplina especfica para a HFC, na maioria das vezes desvinculada das demais
disciplinas do currculo.
30
Existe certo consenso no que diz respeito importncia da temtica Natureza da
Cincia para a alfabetizao cientfica, sendo a discusso de episdios histricos em
sala de aula, em diferentes contextos educacionais, intrinsecamente atrelada a iniciativas
nesse sentido. Em relao formao de pesquisadores de reas cientficas, por
exemplo, afirma-se: [...] no mais o caso de saber se deve ou no haver insero de
histria da cincia, mas imperativo que cientistas tenham clareza do significado de sua
atividade (VILAS BOAS et al., 2013, p. 294). No tocante formao de professores de
Fsica, por sua vez, a importncia da temtica vem sendo amplamente citada, o que ser
objeto de reflexo ainda no presente captulo. Em termos gerais, a abordagem desses
elementos permitiria a problematizao de vises ingnuas da cincia e comporia um
dos eixos primordiais para a alfabetizao cientfica: Compreenso da natureza das
cincias e dos fatores ticos e polticos que circundam sua prtica (SASSERON;
BRICCIA; CARVALHO, 2013, p. 268).
Como desdobramentos recentes, vem sendo ressaltado que a temtica Natureza
da Cincia dinmica e complexa, no havendo uma viso nica adequada sobre a
NdC. Adverte-se que seria inadmissvel sustentar que o Ensino inclua de forma
dogmtica uma listagem de aspectos fechados (BAGDONAS; SILVA, 2013, p. 216).
Desse modo, no como receita de bolo ou como protocolo do que ensinar, podem ser
teis para pesquisadores e professores listagens de elementos da NdC cuja importncia
para o contexto educacional desperta relativo consenso. Uma listagem nesse sentido foi
elaborada por McComas (2008, p. 251), em levantamento a partir da literatura da rea:
Observaes so dependentes de pressupostos tericos;
A cincia criativa na elaborao dos seus conceitos;
O conhecimento cientfico tem carter provisrio, isto , o
conhecimento cientfico mutvel;
A cincia uma produo humana, passvel de erros e obstculos, que
so transpostos, como parte do processo;
No h um mtodo cientfico nico pelo qual a cincia produzida;
Leis e teorias se relacionam, impactando uma sobre a outra, mas no
tm o mesmo significado;
31
O conhecimento cientfico se apoia fortemente, mas no inteiramente,
em observaes, evidncias experimentais, argumentos racionais e no
ceticismo;
H influncias histricas, sociais e culturais na prtica cientfica.
Em sala de aula, recomendvel que enunciados sobre a Natureza da Cincia
no sejam simplesmente listados (FERREIRA; MARTINS, 2010). Estudos na rea vm
reiterando a utilizao da HC como uma estratgia efetiva para contextualizao dessas
questes: No Ensino de NdC em qualquer nvel, exemplos da histria da cincia so
teis para gerar discusses sobre NdC e compreender sua natureza contextual
(CLOUGH; OLSON, 2008, p. 144).
Recomenda-se a utilizao de episdios histricos na discusso sobre o
funcionamento da cincia (MCCOMAS, 2008, p. 251), como importante recurso, por
exemplo, para o ensino de aspectos relacionados metodologia cientfica:
[...] O estudo histrico de como um cientista realmente desenvolveu sua
pesquisa ensina mais sobre o real processo cientfico do que qualquer manual
de metodologia cientfica. (MARTINS, 2006, p. XXIII).
Nesse sentido, a Histria da Cincia tem sido apontada como um dos caminhos
possveis para essa contextualizao, consoante o fato de que episdios histricos
subsidiam exemplos de discusses inerentes natureza do trabalho cientfico.
Recomenda-se que esses contedos sejam abordados de forma explicita,
contextualizada e reflexiva por intermdio da Histria da Cincia (LEDERMAN, 1992;
MCCOMAS, 2008; FORATO, 2009).
Como mostra a seo seguinte do presente captulo, essa recomendao
ultrapassou os limites acadmicos e, de fato, ganhou ressonncia na legislao
educacional brasileira. Por isso, vem se ressaltando, dentre outros aspectos, a
necessidade de atuar na sensibilizao e formao docente tendo em vista o contato com
propostas didticas de cunho histrico-filosfico para a abordagem da temtica NdC.
2.3 HFC no Ensino: legislao educacional, livros didticos e formao
docente
32
Ao longo das ltimas dcadas, diversos pases reformularam e incorporaram em
seus currculos de cincias a integrao de contedos relacionados a uma perspectiva
histrico-filosfica. Esse foi o caso do Canad, Estados Unidos, Reino Unido,
Dinamarca, Holanda entre outros (MATTHEWS, 1994; VANNUCCHI, 1996).
No Brasil, essa incorporao transparece em documentos oficiais que regem a
educao (Lei de Diretrizes e Bases LDB (BRASIL, 1999), Parmetros Curriculares
Nacionais PCN (BRASIL, 2002a) e Programa Nacional do Livro Didtico PNLD
(BRASIL, 2015). Esses documentos sinalizam a importncia de ensinar a cincia como
construo humana, fruto de determinada poca e cultura. Refora-se o entendimento de
que o Ensino deve contemplar o equilbrio entre processo e produto, de forma que o
ensinar cincia e o ensinar sobre a cincia no esto dissociados. O artigo 36 da lei
9.394 da LDB ressalta a importncia da compreenso do significado da cincia pelo
educando (BRASIL, 1999, p. 46). Essa recomendao recorrente na legislao
educacional brasileira, a qual enfatiza:
[...] essencial que o conhecimento fsico seja explicitado como um processo
histrico, objeto de contnua transformao e associado s outras formas de
expresso e produo humanas (PCNEM Brasil, 1999, p. 22).
A Fsica percebida enquanto construo histrica, como atividade social
humana, emerge da cultura e leva compreenso de que modelos
explicativos no so nicos nem finais, tendo se sucedido ao longo dos
tempos, [...]. O surgimento de teorias fsicas mantm uma relao complexa
com o contexto social em que ocorreram (PCNEM Brasil, 1999, p. 27).
Compreender as cincias como construes humanas, entendendo como elas
se desenvolvem por acumulao, continuidade ou ruptura de paradigmas,
relacionando o desenvolvimento cientfico com a transformao da sociedade
(DCNEM, 1998, Art. 10/1).
Essa compreenso contemplada em critrio avaliativo dos livros didticos do
Programa Nacional do Livro Didtico (PNLD). Questiona-se se o material didtico:
Contempla a histria da cincia articulada aos assuntos desenvolvidos,
evitando reduzi-la a cronologias, biografias de cientistas ou a descobertas
isoladas (PNLD, 2015, Guia de livros didticos).
33
No entanto, apesar das recomendaes explcitas no PNLD, a insero da HFC
nos livros didticos para a Educao Bsica costuma ser problemtica e no garante a
sua presena adequada em sala de aula (BATISTA; MOHR; FERRARI, 2007; PENA;
TEIXEIRA, 2013). Os livros raramente abordam de forma significativa o
desenvolvimento histrico da cincia e a Natureza da Cincia, apresentando-as de forma
distorcida (HOTTECKE; SILVA, 2010). Na maioria das vezes so apresentados mitos
cientficos (PAGLIARINI; SILVA, 2006). Conforme Martins (2006) sintetiza:
Os livros cientficos didticos enfatizam os resultados aos quais a cincia
chegou as teorias e conceitos que aceitamos, as tcnicas de anlise que
utilizamos mas no costumam apresentar alguns outros aspectos da cincia.
De que modo as teorias e os conceitos se desenvolveram? Como os cientistas
trabalham? Quais as ideias que no aceitamos hoje em dia e que eram aceitas
no passado? Quais as relaes entre cincia, filosofia e religio? Qual a
relao entre o desenvolvimento do pensamento cientfico e outros
desenvolvimentos histricos que ocorreram na mesma poca? ( p. XXII).
O guia do livro didtico do PNLD/2015 Fsica destaca a evoluo na quantidade
de obras que vem sendo aprovadas ao longo dos anos. Aponta um aumento significativo
na aprovao das obras inscritas no PNLEM. Em 2009, o percentual de aprovao era
de apenas 27%, enquanto que atualmente o ndice de aprovao subiu pra 70% das
obras avaliadas. No tocante nossa linha de pesquisa Histria e Filosofia da Cincia
o guia do livro didtico mostra que das 14 obras aprovadas no PNLD/2015, apenas 6
utilizam a Histria da Cincia em suas obras (PNLD, 2015, Guia de livros didticos).
Dificuldades relacionadas aos materiais didticos, com frequncia, so citadas
pela literatura de forma a acompanharem outras barreiras insero da HFC no Ensino:
(1) carncia de um nmero suficiente de professores com a formao
adequada para pesquisar e ensinar deforma correta a histria da cincia; (2) a
falta de material didtico adequado (textos sobre histria da cincia) que
possa ser utilizado no Ensino; e (3) equvocos a respeito da prpria natureza
da histria da cincia e seu uso na educao (MARTINS, 2006, p. XXVII).
Apesar das recomendaes dos pesquisadores e da prpria legislao, em geral,
a presena de contedos relacionados HFC muito fraca se levarmos em conta a
prtica educacional (ZANETIC, 1989; PAGLIARINI, 2007). Boa parte desse contexto
explica-se por lacunas que dificultam a concretizao de iniciativas para a insero da
34
HFC no Ensino. Essas lacunas (como mencionamos no Captulo 1) so caracterizadas
pela a tmida presena da HFC na formao dos professores, a falta de material
adequado, a insegurana por parte dos professores no que diz respeito a intervenes
que envolvam a HFC (DUARTE, 2004; BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009;
FERREIRA; FERREIRA, 2010).
Na Educao Bsica, nos nveis fundamental e mdio, no existe uma disciplina
especfica para a Histria e Filosofia da Cincia. A utilizao da perspectiva histrica e
filosfica ocorre com pouca frequncia, em algumas aulas ou projetos isolados (ver
BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009), quase sempre a cargo de um professor que se
interessa pela abordagem em questo.
Em pesquisas empricas, licenciandos e professores de Fsica de escolas pblicas
relatam que cursos de formao inicial no oferecem subsdios para que se sintam
capazes de planejar e executar aulas incorporando uma perspectiva histrico-filosfica
(DUARTE, 2004; BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009; FERREIRA; FERREIRA,
2010). De certa forma, os participantes dessas pesquisas reconhecem a sua falta de
preparo. Adicionalmente, essas pesquisas identificam aspectos ainda mais dramticos.
Seriam equvocos a respeito da prpria natureza da histria da cincia e seu uso na
educao (MARTINS, 2006, p. xxvii; grifo nosso). Por um lado, pouco compreendem
o que seria Histria da Cincia (FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2012b). Por
outro, entendem a HFC somente como introduo ilustrativa acessria, no essencial
(MARTINS, 2007), por mais que a legislao educacional frise o oposto.
Contrariamente ao panorama atual, a devida preparao de professores para a
insero de contedos histricos e filosficos nas aulas de cincias colaboraria para que
esses profissionais reconhecessem e avaliassem criticamente a Histria da Cincia
presente nos livros didticos (DUARTE, 2004; GATTI; NARDI; SILVA, 2004;
GOULART, 2005; BRINCKMANN; DELIZOICOV, 2009; FERREIRA; FERREIRA,
2010). Aponta-se que
[...] compensar a falta de preparo do professor para lidar com saberes da HFC
na sala de aula inclui prepar-lo para identificar e problematizar
manifestaes anacrnicas. Materiais didticos poderiam incluir orientaes e
advertncias sobre ideias inesperadas e possveis modos para se lidar com
elas (FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2012b, p. 148).
35
A qualificao dos profissionais da educao para uso da HFC no Ensino teria
grande valia para que os mesmos pudessem identificar vises inadequadas da cincia
transmitidas por descries do tipo "quase-history e pseudo-histria (GIL PREZ et
al, 2001). Nesse sentido, um srio entrave a essa perspectiva que parcela significativa
dos professores compartilha justamente de concepes ingnuas de cincia e, por isso,
recebe de forma aquiescente os modelos de "quase-history e pseudo-histria
recorrentes em materiais didticos (PAGLIARINI; SILVA, 2006; BATISTA; MOHR;
FERRARI, 2007; HOTTECKE; SILVA, 2010).
Gil Prez e colaboradores (2001) diagnosticaram sete vises deformadas
sustentadas por professores:
concepes emprico-indutivista e atericas - destacam o papel neutro da
observao e da experimentao, excluindo os pressupostos tericos inerentes ao
processo de construo do conhecimento cientfico;
viso rgida o mtodo cientfico o caminho nico para construo do
conhecimento cientfico;
viso aproblemtica e ahistrica os conhecimentos so dissociados de
problemas, no so respostas historicamente construdas por seres humanos a
partir de perguntas;
viso exclusivamente analtica destaca a necessria diviso dos contedos,
intencionalmente para simplificar esses contedos;
viso acumulativa de crescimento linear o desenvolvimento cientfico
aparece como consequncia de um crescimento linear, sendo uma viso
simplista de como o conhecimento cientfico foi construdo;
viso individualista e elitista o conhecimento cientfico aparece como obra de
gnios isolados, ignorando-se o carter cooperativista da produo do
conhecimento cientfico
viso socialmente neutra no leva em considerao a complexa relao entre
a cincia e a sociedade tornando os cientistas acima do bem e do mal.
Em conjunto, essas vises formam um esquema conceitual relativamente
integrado: o conhecimento cientfico acumular-se-ia por meio de descobertas
individuais, realizadas sem dificuldade por cientistas geniais, agindo de modo neutro e
imparcial. Esse tipo de concepo exerce impacto no contexto educacional, podendo
36
influenciar a viso dos alunos, ainda que o professor no tenha a inteno de tratar sobre
NdC em suas aulas: a postura terica do professor sobre a natureza da cincia (sua
prpria epistemologia) pode ser transmitida de forma explcita ou implcita
(MATTHEWS, 1995, p. 187).
No caso de discusses deliberadas e efetivas sobre a temtica NdC, por mais
significativa que seja a argumentao acadmica e ainda que tal perspectiva seja
abraada pela legislao, sua presena ainda tmida em salas de aula. Acredita-se que
a ausncia desses contedos remeta ao desconhecimento da temtica pelos professores
ou, ainda, falta de preparo dos mesmos, que se sentem inseguros para abord-la em
suas aulas (MATTHEWS, 1995; MCCOMAS et al., 1998; HARRES, 1999;
LEDERMAN, 2007). Portanto, necessrio proporcionar, na formao dos professores,
espaos de discusso sobre a NdC e suas possibilidades de incluso no contexto
educacional por meio da HFC.
A seo seguinte do presente captulo discorre sobre pressupostos bsicos da
historiografia da cincia, os quais se relacionam a barreiras HFC no Ensino que
tangenciam lacunas na formao docente, especialmente no que diz respeito a
equvocos a respeito da prpria natureza da Histria da Cincia (MARTINS, 2006, p.
xxvii). Esses pressupostos foram levados em conta na elaborao das narrativas
histricas sobre o vcuo e presso atmosfrica, um dos produtos educacionais do
presente mestrado. Tais aspectos foram enfatizados tambm no material didtico
direcionado para professores do Ensino Mdio, visando colaborar para a formao dos
mesmos, portanto, na perspectiva de atuar em lacunas identificadas pela literatura.
2.4 HFC no Ensino e Historiografia
Segundo estudo recente, do tipo estado da arte, as narrativas histricas tm sido
um dos suportes mais recorrentes nas propostas de insero da HFC no contexto
educacional (TEIXEIRA; GRECA; FREIRE JR, 2012). As potencialidades das
narrativas para o Ensino de Cincias e, em particular, no que tange promoo de
discusses sobre Natureza da Cincia vm sendo destacadas pela literatura (RIBEIRO;
MARTINS, 2007). Pode-se aproximar o aluno da cultura cientfica, descrevendo e
situando social, poltica e historicamente, os processos de produo do conhecimento
cientfico.
37
Justifica-se, portanto, a iniciativa, levada a cabo no presente mestrado, de
elaborar narrativas histricas, isto , textos histrico-pedaggicos, potencialmente
destinados insero da temtica NdC no Ensino Mdio. Particularmente, buscou-se
retomar episdios relacionados Histria do Vcuo e da Presso Atmosfrica tendo em
vista o seu rico potencial histrico, ainda pouco explorado no contexto educacional.
Por outro lado, na presente proposta, tais narrativas no so efetivamente
aplicadas na Educao Bsica, mas sim so tomadas para discusso especfica em
formao docente. Configuram-se, fundamentalmente, como elementos para mediao
das discusses. Props-se material didtico voltado para a formao de professores a
respeito da transposio didtica envolvida na elaborao das narrativas, o qual
remete a questes relacionadas ao uso das mesmas em salas de aula.
Para a fundamentao terica foram primordiais consideraes acerca da
importncia de reflexes sobre a historiografia da Histria da Cincia para a insero da
HFC no Ensino. Aponta-se que o processo de elaborao de materiais e propostas
didticas deve envolver uma profunda reflexo tendo em vista a construo de uma
HFC que no seja do tipo pseudo-histria, Whig ou anacrnica e que, ao mesmo tempo,
seja apropriada ao contexto educacional (VIDEIRA, 2007; FORATO, 2009; FORATO;
PIETROCOLA; MARTINS, 2012b).
Particularmente, norteou o processo de elaborao das narrativas certas
concepes expressas na literatura:
A elaborao de narrativas histricas e os aspectos epistemolgicos que elas
transmitem podem ser avaliados e orientados pela historiografia atual da
Histria da Cincia (FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2012b, p. 126).
Uma narrativa histrica ser melhor, quanto mais consciente for o seu autor
dos pressupostos historiogrficos empregados para elabor-la (VIDEIRA,
2007, p. 123).
Igualmente, a escolha dos elementos destacados na proposta voltada para a
formao docente levou em conta indicaes de que as normativas atuais da
historiografia seriam ponto crucial para a HFC no Ensino e, portanto, para a prpria
preparao dos professores. Parte-se do princpio de que professores cientes dessas
normativas observariam de forma mais consciente, por exemplo, a HFC presente em
38
materiais didticos e poderiam perceber a intercorrncia de eventuais elementos do tipo
pseudo-histria, histria Whig13
, quasi-history e anacronismos:
[...] defende-se que conhecer alguns pressupostos bsicos da historiografia
pode auxiliar nos usos da HFC no Ensino de cincia, contribuindo para uma
leitura mais crtica das verses histricas presentes no Ensino de cincias.
(FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2011, p. 36).
A perspectiva que aponta os pressupostos bsicos da historiografia da cincia
como saber importante para a formao docente justifica-se pela necessidade de evitar a
propagao no contexto educacional das vises ingnuas de cincia s quais as
distores histricas se articulam:
Essas crticas s distores da histria presentes na educao cientfica devem-
se menos a um preciosismo histrico em si, e voltam-se muito mais
preocupao sobre a viso de cincia que tais verses fomentam em
professores e estudantes (FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2011, p. 36).
Nesse sentido, as narrativas foram elaboradas tendo em vista pressupostos
historiogrficos atuais e o material de formao docente busca primordialmente lanar
luz sobre o referido processo de elaborao, ressaltando a importncia desses elementos
para uma contextualizao no distorcida da natureza do trabalho cientfico.
A transposio para o contexto educacional da Histria da Cincia acadmica,
especializada, implica lidar com aspectos importantes. Certas questes so significativas
no processo de elaborao de propostas didticas que objetivam tratar sobre a Natureza
da Cincia de modo contextualizado, por meio de episdios da Histria da Cincia.
Refletir sobre como inserir determinados contedos histricos no contexto educacional
dependeria inclusive de particularidades inerentes prpria temtica histrica
focalizada (FORATO, 2009; HTTECKE; SILVA, 2010; FORATO; PIETROCOLA;
MARTINS, 2012b).
Nessas circunstncias, as escolhas das mensagens sobre a Natureza da Cincia,
da temtica histrica e dos aspectos histricos a enfatizar em cada episdio se
entrelaam. Deve ser levado em conta o nvel de aprofundamento dos aspectos
13
O termo Whig foi inspirado na pratica de um partido poltico na Gr-Bretanha, que moldava a histria
com a finalidade de substanciar o prprio poder. Esse termo na histria da Cincia designa um tipo de
anacronismo que glorifica a genialidade de alguns personagens, batizando-os de pais de inventos e
campos de estudos (FORATO, 2009, p. 20).
39
histricos. Acrescenta-se, ainda, a ateno quanto existncia de contedos histricos
que no so de fcil compreenso. Esses aspectos dependem dos contextos particulares
para os quais se dirigem as propostas didticas e dos seus objetivos. fundamental
formular atividades adequadas sob o ponto de vista pedaggico e epistemolgico.
No contexto da presente dissertao, as reflexes recentes da literatura
relacionada transposio dos contedos histricos para o contexto educacional foram
observadas na elaborao de textos histrico-pedaggicos, isto , narrativas sobre a
temtica vcuo e presso atmosfrica, as quais so apresentadas no Captulo 3. No
referido captulo, discutem-se aspectos dessa transposio tendo em vista os objetivos
dessa proposta especfica. Apresentam-se consideraes sobre obstculos e desafios
particularmente enfrentados na elaborao desse material didtico, como a extenso e
profundidade dos textos, a quantidade de informaes contempladas e a formulao
discursiva. Procura-se chamar a ateno para as potencialidades, bem como para as
limitaes do material elaborado, pontos que remetem explicitamente a reflexes
relacionadas utilizao em sala de aula.
O mesmo Captulo apresenta material educacional voltado para a
instrumentao dos professores. Este material, concebido segundo uma perspectiva no
tecnicista, e sim, reflexivo-dialgica, visa discusso de aspectos relacionados a esse
tipo de suporte, isto , narrativas para a insero da HFC na Educao Bsica.
Considera-se que a viabilidade da insero das narrativas em sala de aula se relaciona
sua flexibilidade (HTTECKE; SILVA, 2010), sendo essa uma caracterstica que
precisa ser bem como compreendida e explorada pelo professor a fim de adaptar
propostas ao seu prprio contexto.
Os professores precisam se sentir beneficiados com os novos materiais, [...],
os materiais devem ser elaborados de modo flexvel de forma a permitir que
os professores os adaptem s suas condies atuais e locais (HTTECKE;
SILVA, 2010, p. 17).
A elaborao do segundo produto educacional apresentado no Captulo 3 leva
em conta, portanto, a necessidade de atentar para a falta de pr-requisitos e preparao
do professor para a utilizao desse tipo de material (FORATO; PIETROCOLA;
MARTINS, 2012b, p. 131).
40
CAPTULO 3
Sobre os Produtos Educacionais elaborados
No mbito do processo desenvolvido na presente dissertao, buscou-se
explorar o rico potencial didtico ainda significativamente inclume da temtica
Histria do Vcuo e da Presso Atmosfrica. Foram desenvolvidas narrativas histricas
(APNDICE I) que podem ser utilizadas por professores do Ensino Bsico para a
insero da Histria e Filosofia da Cincia em salas de aula de Fsica. Esse primeiro
produto no foi efetivamente aplicado no contexto da Educao Bsica. A inteno ao
elabor-los foi que constitussem pea importante como elemento de mediao em
discusses direcionadas formao docente. Assim, motivou a elaborao desse
primeiro produto educacional, a necessidade de constituir um elemento especfico que
servisse a tal funo.
Desenvolveu-se, ainda, como segundo produto educacional (APNDICE II)
um material voltado para a instrumentao de professores (em perspectiva no
tecnicista, e sim dialgica), o qua