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III Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo arquitetura, cidade e projeto: uma construção coletiva São Paulo, 2014 1 EIXO TEMÁTICO: ( ) Ambiente e Sustentabilidade (X) Crítica, Documentação e Reflexão ( ) Espaço Público e Cidadania ( ) Habitação e Direito à Cidade ( ) Infraestrutura e Mobilidade ( ) Novos processos e novas tecnologias ( ) Patrimônio, Cultura e Identidade Fortaleza e Maceió – aspectos da dispersão urbana no litoral do Nordeste do Brasil Fortaleza e Maceió – aspects of urban dispersion in the Northeast Brazil Coastline Fortaleza y Maceió – aspectos de la dispersión urbana en la costa del Nordeste de Brasil DIÓGENES, Beatriz Helena Nogueira (1); MONTEIRO, Márcia Rocha (2) (1) Professora Doutora, Universidade Federal do Ceará, UFC Departamento de Arquitetura e Urbanismo – Fortaleza, CE, Brasil, e-mail: [email protected] (2) Professora Doutora, Universidade Federal de Alagoas, UFAL – PPG, Maceió, AL, Brasil; e-mail: [email protected]

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arquitetura, cidade e projeto: uma construção coletiva

São Paulo, 2014

1

EIXO TEMÁTICO: ( ) Ambiente e Sustentabilidade (X) Crítica, Documentação e Reflexão ( ) Espaço Público e Cidadania ( ) Habitação e Direito à Cidade ( ) Infraestrutura e Mobilidade ( ) Novos processos e novas tecnologias ( ) Patrimônio, Cultura e Identidade

Fortaleza e Maceió – aspectos da dispersão urbana no litoral do Nordeste do Brasil

Fortaleza e Maceió – aspects of urban dispersion in the Northeast Brazil Coastline

Fortaleza y Maceió – aspectos de la dispersión urbana en la costa del Nordeste de Brasil

DIÓGENES, Beatriz Helena Nogueira (1);

MONTEIRO, Márcia Rocha (2)

(1) Professora Doutora, Universidade Federal do Ceará, UFC Departamento de Arquitetura e Urbanismo – Fortaleza, CE, Brasil, e-mail: [email protected]

(2) Professora Doutora, Universidade Federal de Alagoas, UFAL – PPG, Maceió, AL, Brasil; e-mail: [email protected]

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Fortaleza e Maceió – aspectos da dispersão urbana no litoral do Nordeste do Brasil

Fortaleza e Maceió – aspects of urban dispersion in the Northeast Brazil coastline

Fortaleza y Maceió – aspectos de la dispersión urbana en la costa del Nordeste de Brasil

RESUMO As regiões metropolitanas de Fortaleza e Maceió dos estados do Ceará e Alagoas, têm experimentado nas últimas décadas, processos urbanos novos, em conformidade com fenômenos recentes de urbanização, ocorridos em outras aglomerações urbanas do Brasil e do mundo. A expansão urbana verificada nos dois casos obedece a uma tendência geral, ao apresentar morfologias espaciais ligadas aos processos de urbanização contemporânea, que resultam no fenômeno da dispersão urbana, cuja configuração difere do modelo verificado até o final da década de 1970, apresentando novos padrões de uso e ocupação territorial e intensa transformação no tecido urbano. No âmbito dessa expansão urbana e metropolitana, destacam-se grandes empreendimentos relacionados à atividade turística, voltados para as classes de média e alta renda e característicos de um novo modo de vida da população. Esses empreendimentos, viabilizados com o apoio do Estado, de um modo geral, contribuem para a formação de núcleos dispersos ao longo do litoral, ensejando mudanças significativas na região. O objetivo do artigo é abordar o fenômeno da dispersão urbana a partir do diálogo entre as experiências ocorridas nas regiões metropolitanas de Fortaleza e Maceió, relacionadas às atividades turísticas. PALAVRAS-CHAVE: Fortaleza, Maceió, Região Metropolitana, atividade turística, dispersão urbana

ABSTRACT The metropolitan areas of Fortaleza and Maceio, located in the states of Ceara and Alagoas, by the atlantic coast of Brazil, have experienced new urban changes in the last decades. Changes that are similar to other urbanization processes that have ocurred in Brazil and in the world. The urban expansion verified in the these two cases follows a general trend, presenting spacial morphologies that are connected to urbanization processes triggered by global dynamics, which results into an urban dispersion phenomenon. These new type of urban configuration differ from the models identified by the end of the 70’s decade because they present new patterns in the occupance and use of the territory, besides intense configuration in the urban fabric of the region. Within this metropolitan and urban expansion, large touristic enterprises take the space, becoming a clear characteristic of middles and upper-class population new life-style. These new touristic facilitie, contribute with the formation of dispersed centers along the coastline, bringing significant changes to the region. This paper main objective is to discuss the urban dispersion phenomenon by connecting dialogues of different experiences in the metropolitan regions of Fortaleza and Maceio, related to their touristic activities.

KEY-WORDS: Fortaleza, Maceió, metropolitan area, touristic facilities, urban dispersion

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RESUMEN:

Las regiones metropolitanas de Fortaleza y Maceió de los estados de Ceará y Alagoas, han experimentado en las últimas décadas, procesos urbanos nuevos, conforme a fenómenos recientes de urbanización en otras agolmeraciones urbanas de Brasil y del mundo. La expresión urbana verificada en ambos casos obedece a una tendencia general, al presentar morfologías espaciales ligadas a los procesos de urbanización contemporánea, que resultan en el fenómeno de la dispersión urbana, cuya configuración difiere del modelo verificado hasta el final de la década de 1970, presentando nuevos patrones de uso y ocupación territorial e intensa transformación en el tejido urbano. En el ámbito de esa expansión urbana y metropolitana, destacan grandes emprendimientos privados relacionados a la actividad turística, orientados a las clases media y alta, y característicos de un nuevo modo de vida de la población. Estos emprendimientos, viabilizados con el apoyo del Estado, contribuyen para la formación de núcleos dispersos a lo largo de la costa, proporcionando cambios importantes en la región. El objetivo del artículo es abordar el fenómeno de la dispersión urbana a partir del diálogo entre las experiencias ocurridas en las regiones de Fortaleza y Maceió, relacionadas a las actividades turísticas.

PALABRAS-CLAVE: Fortaleza, Maceió, Región Metropolitana, actividad turística, dispersión urbana

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1. INTRODUÇÃO

Desde as últimas décadas do século XX, os principais centros urbanos assistem a uma expansão metropolitana intensa que promove mudanças significativas em curto intervalo de tempo. São mudanças de caráter social (econômico, político e cultural), advindas da globalização, das transformações do sistema produtivo, do desenvolvimento das atividades terciárias e da infraestrutura de transporte e comunicações, as quais incidem, com maior ou menor intensidade, sobre o espaço urbano.

As cidades perderam algumas das características principais que lhes foram atribuídas historicamente. Os aglomerados compactos e densos, fisicamente limitados e distintos dos territórios envolventes, são agora formações socioterritoriais complexas, de limites imprecisos e com tendências de crescimento cada vez mais disperso. Novas dinâmicas urbanas foram observadas de maneira diversa nos diferentes países, e, como resultado das mudanças ocorridas, as metrópoles incorporaram atributos urbanos novos, em determinados casos, até inéditos. Surgiram outras realidades urbanas, que emergiram no contexto da globalização e da sociedade da informação.

De fato, a expansão da metrópole aumentou a complexidade dos espaços, fragmentando a centralidade e estimulando um modelo de urbanização mais disperso, decorrente também da segregação espacial e do aumento da mobilidade. O processo de urbanização contemporâneo caracteriza-se, pois, principalmente, pela dificuldade de mensurar e controlar a forma, os limites e o crescimento, uma vez que se estrutura de modo diferente do modelo dito tradicional. A cidade, antes compacta, ganha novas configurações.

O fenômeno foi também observado no Brasil, em maior ou menor escala, em diferentes áreas urbanas e metropolitanas. As regiões metropolitanas de Fortaleza (RMF)1 e de Maceió (RMM)2, respectivamente com 3.610.379 e 1.156.278 habitantes3 – objeto deste estudo - conheceram, nas últimas décadas, um processo intenso de urbanização, com evidente rebatimento no tecido urbano, cujas formas diferenciadas, pedem melhor investigação, considerando as suas especificidades.

As duas regiões, localizadas na costa atlântica, contam com atrativos paisagísticos, históricos e culturais, que propiciaram o incremento da atividade turística, intensificado pelas políticas nacionais de incentivo ao turismo como forma de desenvolvimento socioeconômico do país. Apresentam morfologias semelhantes a urbanização desencadeada por dinâmicas globais, que resultam no fenômeno da dispersão urbana4, cuja configuração difere do modelo verificado

1 A Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) foi criada em 1973 com cinco municípios: Fortaleza, Caucaia,

Maranguape, Pacatuba e Aquiraz. Atualmente possui 15, que foram incorporados progressivamente: Maracanaú (1983), Eusébio (1987), Itaitinga e Guaiuba (1992), Chorozinho, Pacajus, Horizonte e São Gonçalo do Amarante (1999) e Pindoretama e Cascavel (2009). 2 A Região Metropolitana de Maceió (RMM) foi criada vinte e cinco anos depois, em 1998, com 10 municípios:

Maceió, Rio Largo, Marechal Deodoro, Pilar, São Miguel dos Campos, Barra de São Miguel, Barra de Santo Antônio, Messias, Satuba, Coqueiro Seco, Santa Luzia do Norte e Paripueira. Em 2006, foi incorporado o município de São Miguel dos Campos. 3 Conforme o Censo do IBGE 2010.

4 De acordo com REIS(2006), a dispersão urbana pode ser caracterizada pelo esgarçamento crescente do tecido dos

principais centros urbanos; pela formação de constelações ou nebulosas de núcleos urbanos e bairros, com

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até o final dos anos 1970, apresentando novos padrões de uso e ocupação territorial e intensa transformação no tecido urbano, áreas em descontinuidade com a conurbação principal, extensos espaços livres, e baixas densidades e que se apoiam nos diversos sistemas de estrutura viária REIS (2006).

O objetivo do artigo é estabelecer um diálogo sobre o fenômeno da dispersão urbana a partir de exemplos que ocorrem nas regiões metropolitanas de Fortaleza e Maceió, relacionados às transformações urbanas decorrentes da atividade turística, buscando aspectos comuns e especificidades em ambos processos, além de ensejar reflexões sobre práticas urbanas.

2. TRANSFORMAÇÕES URBANAS RECENTES NAS ÁREAS METROPOLITANAS DE

FORTALEZA E MACEIÓ

Desde os anos 1980, o crescimento das áreas metropolitanas, de modo geral, foi bastante acelerado, sobretudo nas metrópoles latino-americanas, como consequência do fenômeno da globalização e reestruturação produtiva, o que provocou “uma forte reestruturação na morfologia das urbes modernas.” (DE MATTOS, 1999). No Brasil, o processo se iniciou nos principais centros urbanos, mais intensamente no Sudeste, onde havia maior concentração de investimentos e habitantes, estendendo-se posteriormente às demais regiões do país. Diversas dinâmicas verificam-se atualmente nessas metrópoles, expressando espacialidades novas e configurações urbanas inéditas, cada uma com níveis de complexidade variados.

A seguir, serão enfocadas as formas de crescimento urbano recente nas duas metrópoles - Fortaleza e Maceió - com o intuito de investigar seus modos particulares de expansão urbana.

2.1. A DINÂMICA URBANA RECENTE DA METRÓPOLE CEARENSE

Durante as últimas décadas, a área metropolitana de Fortaleza tem experimentado transformações significativas em sua configuração socioespacial. O crescimento recente aponta o surgimento de novas espacialidades e formas urbanas; deixou de ser uma mancha contínua, contida nos limites político-administrativos do Município, com zonas bem definidas, conformando uma aglomeração que extrapola esses limites, com tecido urbano bem mais complexo e descontínuo, que se estende além da cidade consolidada.

Até o final da década 1970, o crescimento da metrópole cearense ocorria de maneira homogênea, conforme o modelo centro–periferia, fenômeno comum a Maceió e outras metrópoles brasileiras, ou seja, com uma concentração crescente de população, atividades econômicas e investimentos públicos nas áreas centrais e mais valorizadas, e, na periferia, o espaço era marcado pela precariedade ambiental e social, onde se localizava parte significativa da população de mais baixa renda. A metropolização de Fortaleza, no primeiro momento, ocorreu em conformidade com esse padrão, associada à localização de indústrias nessa periferia e à construção de conjuntos habitacionais e habitações populares em suas vizinhanças.

diferentes dimensões; pelas mudanças nos transportes diários intrametropolitanos de passageiros; e pela difusão ampla de modos metropolitanos de vida e de consumo.

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De 1974, quando foi criada a Região Metropolitana de Fortaleza, para 2010, a população aumentou de 1.036.779 para 3.610.379 habitantes, concentrando, respectivamente, 23% e 42% da população do Estado, o que representa acréscimo expressivo (Figura 1).

Figura 1: Região Metropolitana de Fortaleza

Fonte: Diógenes, 2012

A Metrópole atual apresenta mudanças visíveis, expressas em suas paisagens, evidentes em suas reconfigurações espaciais, novas morfologias, usos e funções. Surgem periferias urbanas distintas daquelas que se formaram até os anos 1970. (Figura 2).

Figura 2: Dinâmicas urbanas recentes RMF

Fonte: Diógenes, 2012

Verifica-se um processo de realocação da população, de diferentes faixas de renda, que passam a ocupar áreas periféricas de baixa densidade ou áreas antes direcionadas para

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atividades agrícolas. Fortaleza cresce sob o influxo de outras dinâmicas e de outras formas de produção do espaço, transformando significativamente a conformação dos espaços urbano e metropolitano, resultado, em grande parte, das mudanças produtivas, tecnológicas e sociais, verificadas desde então.

Tal como outras metrópoles, passa também por uma adaptação aos novos tempos, perceptível em vários aspectos, como: a descaracterização do centro tradicional e a constituição de novas áreas de centralidade, ensejando uma policentralidade; o surgimento de novos padrões espaciais para diversas atividades produtivas; a formação de espaços fragmentados e desarticulados; a adoção de novos modos de vida pela população, com a assimilação de novos hábitos metropolitanos; a segregação socioespacial proveniente da forma diferenciada de uso e apropriação dos espaços públicos e privados; as mudanças no mercado imobiliário e os reflexos no espaço urbano; a manifestação espacial da atividade turística e as consequências físicas, traduzidas por núcleos dispersos ao longo do litoral, aonde se instalam equipamentos de lazer e turismo de grande porte, muitas vezes em áreas de reservas ambientais.

Afora isso, a metrópole cearense apresenta peculiaridades, como a implantação do Porto do Pecém, inaugurado no ano de 2001, que tem estimulado a urbanização no lado oeste; a criação de um corredor industrial na BR 116, com indústrias instaladas ao longo da rodovia; a construção recente do Centro de Eventos, o surgimento de novas áreas de centralidades e o aparecimento progressivo de condomínios residenciais horizontais, sobretudo desde a década de 2000, que configuram uma nova tipologia, gerando espaços mais fragmentados.

É evidente também o crescimento acelerado do setor sudeste, de ocupação mais recente, que tem como principal vetor de expansão a Av. Washington Soares/rodovia CE 040 e abrange uma diversidade de processos sociais, urbanísticos e ambientais. É aí onde se verificam novos tipos de produção de centralidades e a presença de núcleos dispersos e descontínuos, formados por condomínios horizontais fechados e equipamentos turísticos, ao longo do litoral (Figura 3).

Figura 3: Setor Sudeste RMF

Fonte: Diógenes, 2012

Este setor, no âmbito da Metrópole, é o mais representativo das novas formas de urbanização, indicando rupturas com o modelo tradicional de assentamento urbano. É também nessa região

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onde se manifesta uma tendência de crescimento mais diferenciado, sobretudo pelo dinamismo apresentado desde as três últimas décadas e também por ser aquele que apresenta padrões de crescimento mais complexos. O desenvolvimento dessa área está ligado, sobretudo, a mudanças nos padrões de habitação e aos equipamentos turísticos localizados no litoral leste, evidenciando novas formas de tecido urbano, com tendências à dispersão, e diferentes dos assentamentos tradicionais verificados até o início da década de 1980.

O setor sudeste é a área situada junto aos eixos formados pelas avenidas Washington Soares/CE 040 e Maestro Lisboa/CE 0255, que se dirigem rumo aos municípios do litoral leste do Estado. A expansão urbana se verifica basicamente em torno dessas duas importantes rodovias. Ambas funcionam como ligação entre os bairros residenciais da classe média alta na capital e as áreas recém-ocupadas pelos condomínios fechados no Eusébio e pela atividade turística no litoral de Aquiraz.

É nessa área onde ocorrem as mudanças mais significativas, além de ser aquela que apresenta dinâmicas diferenciadas de uso e ocupação do solo, entre as quais, aquelas relacionadas com a atividade turística, que serão particularmente enfocadas, por manifestarem configurações associadas aos processos de dispersão urbana, e por permitirem uma comparação com experiências similares na metrópole alagoana.

2.2. A METRÓPOLE ALAGOANA E AS TRANSFORMAÇÕES RECENTES

O desenvolvimento de Maceió até os anos 1970, como em outras cidades, foi circunstanciado pela condição de centro administrativo, financeiro e cultural do estado, concentrando renda, comércio, serviços e investimentos públicos, em detrimento das demais regiões. A partir dessa década, o município consolidou-se também como centro de turismo e negócios; posteriormente a região metropolitana, ao integrar o circuito nacional e internacional do turismo, assumiu-o como parte de sua economia, abrindo espaço a distintos empreendimentos, inicialmente à rede hoteleira e loteamentos em áreas litorâneas (Figura 4).

Figura 4. Expansão e Dispersão Urbana no Município de Maceió 1960-2000

Fonte: Prefeitura do Município de Maceió-AL, 2008

5 A Av. Maestro Lisboa e sua continuação, a CE 025, dão acesso às praias situadas no Município de Aquiraz, onde se

concentram equipamentos ligados à atividade turística e de veraneio.

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Processo semelhante ao crescimento recente da Região Metropolitana de Fortaleza (1973) foi observado nos municípios que integram a Região Metropolitana de Maceió (1998) (Figura 5), nas últimas décadas, que também passa por transformações socioespaciais, apresentando novas configurações urbanas e inúmeros aglomerados, constituindo um conjunto de malhas urbanas descontínuas, com novos padrões espaciais para diversas atividades e novas áreas de centralidade.

Figura 5 Região Metropolitana de Maceió.

Fonte: Monteiro, 2012

Nos anos 1980, os investimentos imobiliários e turísticos geraram outras dinâmicas de ocupação do solo em Maceió, requalificando e valorizando áreas contínuas ao núcleo urbano e no âmbito regional. As mudanças se implementaram com novos usos em diversos setores, destacando-se loteamentos fechados, conjuntos habitacionais e estabelecimentos comerciais de grande porte, que contribuíram para consolidar áreas existentes e expandir a malha urbana na parte alta da cidade. Surgiram novos eixos de comércio e serviços, deslocados para outros bairros, e houve ampliação da rede hoteleira com empreendimentos de lazer e turismo além de outros com finalidade de segunda residência, formando novos aglomerados em áreas de coqueirais e sítios do litoral, dispersos ao longo da rodovia AL 101.

Nos anos 1990, acentuou-se a verticalização com adensamento da população na orla e multiplicaram-se os loteamentos na faixa litorânea da RMM, sem uma urbanização mais ordenada, situação intensificada nos anos 2000. Nesse período, as políticas nacionais de incentivo ao turismo, assim como ocorreu no Ceará, impulsionaram os investimentos com os programas regionais de desenvolvimento do turismo (Prodetur), destinados à requalificação de centros históricos, orlas e infraestruturas viária, portuária, aeroportuária, bem como a promoção de outros equipamentos, até ações para capacitação profissional e geração de empregos.

Nos anos 2000, o país cresceu, atraiu capital estrangeiro e tornou-se um grande canteiro de obras em várias regiões, como observado em Fortaleza e Maceió, ressaltando na segunda, a

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duplicação da rodovia estadual AL 101-Sul e a abertura de novas vias na capital e litoral norte. Essas obras foram fundamentais para a mobilidade urbana e regional e induziram a ocupação de áreas adjacentes, valorizando propriedades e atraindo investidores imobiliários e do setor hoteleiro. Com a internacionalização dos investimentos, multiplicaram-se os empreendimentos no litoral, principalmente de condomínios residenciais para estrangeiros, complexos turísticos com centros de convenções e clubes de lazer privados, abrangendo quase sempre grandes áreas de preservação ambiental, em praias mais distantes.

O litoral sul de Maceió, em evidência há mais tempo, teve maior valorização imobiliária e grande número de empreendimentos. Nessa parte, foram lançados, na segunda metade da década, os primeiros condomínios residenciais de turismo e lazer de alto padrão, um próximo ao mangue em Marechal Deodoro e outro no planalto da Barra de São Miguel.

O litoral norte da RMM atualmente é o vetor de maior crescimento imobiliário, a partir da Av. Comendador Gustavo Paiva, um corredor de comércio e serviços diversificados, onde se instalaram supermercados, centros de compras, concessionárias de automóveis, faculdades, templo religioso e dois shoppings centers. Nessa faixa, estão previstos empreendimentos nas proximidades e ao longo da AL 101-Norte, que será duplicada, e melhorias no sistema viário para favorecer a mobilidade urbana. As recentes mudanças destacam-se, como no setor sudeste de Fortaleza, pelas novas dinâmicas de uso e ocupação do solo, configurações espaciais análogas à dispersão urbana e relação com as atividades turísticas. Na parte alta da encosta, evidencia-se a ocupação com loteamentos e condomínios residenciais fechados, de alto padrão em grandes glebas com áreas verdes e infraestrutura de lazer e esporte, havendo empreendimentos com centro comercial e empresarial externos, outros com lotes a partir de 1200m², reserva de mata atlântica e integrando complexos hoteleiros, situado na planície (Figuras 6 e 7).

Figura 6: Condomínio Residencial Atlantis em Garça Torta, RMM

Fonte: Exicon, 2009.

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Figura 7: Resort Pratagy e Loteamento Residencial Aldeia do Mar, Ipioca, RMM

Fonte: Acervo Leopoldino, 2013

Outra tipologia que se destaca nesse processo de dispersão são, os espigões (Figuras 8 e 9), que começam a ser construídos na estreita planície, à beira mar, ao longo da AL 101-Norte, com até 20 pavimentos, aprovados após mudanças ocorridas na legislação urbana em 2007, que aboliram algumas restrições.

Figuras 8 e 9: Residencial Paradise. Garça Torta, RMM

Fontes: Cerutti, 2012 e Acervo Leopoldino, 2013

Essas torres, os condomínios com reservas de mata atlântica e outros empreendimentos suscitaram conflitos de interesses, relacionados às áreas de marinha, acesso à praia, proteção da Costa Atlântica, envolvendo o Ministério Público, órgãos e o poder público que, segundo KRELL (2008), favorece o setor imobiliário e não possibilita proteção eficiente do patrimônio ambiental e do litoral como pressupõe o programa nacional no âmbito da legislação brasileira.

Os empreendimentos geraram novas dinâmicas e configurações espaciais nos bairros adjacentes de Mangabeiras e Cruz das Almas e ao longo da rodovia onde se verifica a

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multiplicação de investimentos imobiliários residenciais, turísticos e de serviços, acelerando a ocupação e formando núcleos dispersos e descontínuos e com um padrão diferenciado em relação ao modelo tradicional centro-periferia.

3. A DISPERSÃO URBANA NO LITORAL DAS DUAS METRÓPOLES

O fenômeno da dispersão urbana pode ser constatado nas duas metrópoles, ocorrendo, sobretudo, na faixa litorânea, associado às intervenções relacionadas à atividade turística, tendo como principais atrativos para os investimentos imobiliários o meio ambiente, pela natureza e ecossistema exuberantes, a diversidade cultural e a cordialidade da população. A paisagem, nas duas metrópoles é marcada por rico patrimônio natural, com o mar, os coqueirais, rios, vegetação de mangue, mas apresentam particularidades como dunas em Fortaleza e lagoas em Maceió, que agregam significativo valor ao local.

O fenômeno da dispersão urbana, comum no litoral brasileiro, promove um processo de ocupação e urbanização descontínua, principalmente aquela relacionada com o turismo e o lazer, atraindo investimentos, serviços e infraestrutura, assim como oportunidades de empregos. Essas áreas, anteriormente com baixas densidades demográfica, passam a ter um fluxo de população flutuante de turistas em determinados períodos do ano.

A paisagem é alterada pela instalação de novos conjuntos urbanísticos seja na produção de condomínios, parques temáticos ou resorts. Os grandes investimentos impactam significativamente no meio ambiente, durante as obras, com desmatamentos, aterramentos de mangues, grandes movimentos de terra, desvios de cursos de águas, etc. E, por serem direcionados a um segmento de maior poder aquisitivo, têm também implicações sociais, sobretudo no que se à própria capacidade do Estado de provimento de serviços e infraestrutura urbana.

Na reestruturação dos espaços metropolitanos cearense e alagoano, particularmente no litoral, a espacialização das atividades turísticas representa fator relevante, que merece ser avaliado com atenção. A urbanização aí verificada, associada ao turismo, é configurada com a instalação de hotéis, pousadas e restaurantes, e também ao chamado veraneio marítimo6, com a construção de segundas residências e de condomínios residenciais, resultado da expansão imobiliária. Essas dinâmicas provocam mudanças relevantes na ocupação do espaço litorâneo, ensejando um tipo de urbanização diferenciado.

A atividade turística é o principal vetor da organização espacial da zona litorânea dos dois estados. A exuberância da paisagem natural, a diversidade de praias e a grande extensão de áreas desocupadas constituem forte potencial para o desenvolvimento do segmento turístico denominado "sol e praia", de grande demanda, como, aliás, ocorre na maioria das praias do Nordeste, inseridas no contexto contemporâneo da produção e consumo capitalistas.

A prática de veraneio no litoral do setor sudeste de a expansão metropolitana cearense e do litoral norte de Maceió, ambos vetores de expansão das respectivas metrópoles, iniciou-se ainda na década de 1970 nas antigas vilas de pescadores e primeiras localidades que receberam veranistas. Estes agentes inseriram novas formas de uso no espaço, mediante a

6 O fenômeno do veraneio marítimo, associado à construção de segundas residências, está ligado a uma prática de

ócio, lazer e descanso, e é voltado preferencialmente para os residentes da Capital, e não para os turistas.

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construção de segundas residências, atraindo, de certo modo, a ação do Poder Público, no que se refere à oferta de infraestrutura urbana.

Na década de 1980, a ocupação e os usos no litoral de ambas as regiões modificaram-se e tornaram-se ainda mais complexos, quando a procura por espaços de veraneio se intensificou, atingindo outras praias. Na década seguinte, e no contexto da progressiva valorização litorânea, a reestruturação das orlas marítimas nas capitais se fortaleceu com a intensificação de outro fenômeno, o turismo, espacializado na orla como resultado das políticas públicas estaduais e ações da iniciativa privada.

Como consequência do processo de expansão urbana de Fortaleza e Maceió e valorização do litoral, operado pela prática do veraneio marítimo, no início da década de 1980 foram criados loteamentos como Porto das Dunas7, Ceará, e na Barra de São Miguel, Alagoas, que resultaram em novas morfologias socioespaciais nas respectivas regiões. Para facilitar os acessos, foram construídas pontes sobre o rio Pacoti (na rodovia CE 025), ligando Fortaleza ao Porto das Dunas e sobre a Lagoa Mundaú (AL 101-Sul), ligando Maceió ao litoral sul através de Marechal Deodoro. As duas áreas se urbanizaram e toda a extensão das orlas, antes despovoadas, passaram a ser ocupadas progressivamente. Os loteamentos transformaram-se em área de perfil turístico-residencial.

Outros empreendimentos turísticos contribuíram para o desenvolvimento das respectivas regiões. Em Alagoas, assistiu-se ao surgimento de vários resorts e no Ceará, em 1985, foi inaugurado o Beach Park, um complexo de turismo e lazer que começou com um restaurante sofisticado, à beira mar, incorporando em 1989 um parque aquático, considerado o maior da América Latina. O parque foi posteriormente ampliado e transformou-se no Complexo Beach Park8, que abrange, além do parque aquático e barracas de praia, resort de luxo, restaurantes, lojas e condomínios de lazer, constituindo a grande “âncora” do Porto das Dunas e principal produto turístico do Estado.

A urbanização verificada na Praia do Porto das Dunas e os empreendimentos de alto padrão do litoral norte da RMM apresentam-se de forma bastante distinta da que ocorre nas demais localidades do litoral de ambas as metrópoles. O tipo de ocupação possui peculiaridades que resultaram na produção de um espaço diferenciado, pelo padrão e o nível dos imóveis - resorts, condomínios de luxo e grandes mansões – e pelo caráter de luxo. Em sua maioria, as construções se destinam a um tipo de lazer sofisticado, próprio de uma população de elevado poder aquisitivo e de turistas estrangeiros.

Nesse sentido, a atividade turística desenvolvida nos dois casos se insere nas proposições de Mullins (1991) acerca da “urbanização turística”, quando ressalta que os centros turísticos constituem atualmente uma nova e extraordinária expressão da urbanização, ao se transformarem em locais construídos unicamente para o consumo.

No que se refere aos resorts, sua implantação demanda extensas áreas para abranger um programa diversificado de lazer, diretamente relacionado com localizações privilegiadas, como a proximidade do mar, lagoas e rios. Embora instalados distantes de áreas urbanizadas, requerem acessibilidade fácil e excelente infraestrutura de apoio, uma vez que o próprio resort

7 O loteamento Porto das Dunas foi concebido originalmente para atender às exigências de lazer, férias e finais de

semana dos fortalezenses. 8 O Complexo Beach Park ocupa uma área de aproximadamente 183.000 m², por onde circulam todo ano cerca de

800 mil pessoas, conforme informações contidas no site.

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já é um destino em si. São vários instalados no Porto das Dunas, muitos ainda em construção e alguns no litoral de Maceió. Situam-se todos junto à orla, ocupando considerável parte das faixas de praia.

Quanto aos condomínios de lazer, surgidos recentemente9 e mais comuns no litoral cearense, vieram substituir os antigos loteamentos de residências de férias e fim de semana, comercializados nos anos 1970. São empreendimentos com características diferenciadas, compostos de unidades residenciais de alto padrão, relacionados com veraneio marítimo. Os usuários em geral são habitantes da Capital, de nível de renda elevada, ou investidores estrangeiros, que adquirem um imóvel próprio para passar temporadas, alugando-o durante o resto do ano. (Figuras 10 e 11).

Figuras 10 e 11: Loteamento Porto das Dunas e Condomínio Acqua Ville – Porto das Dunas/RMF

Fontes: http://www.skyscrapercity.com/ e Diógenes, 2012

Trata-se de tipologia nova, das residências secundárias, traduzida em condomínios de apartamentos (de três ou quatro pavimentos), organizados em torno de grandes áreas de lazer e com fácil acesso à orla. Esses conjuntos conformam uma espacialização diferenciada, alterando substancialmente a paisagem litorânea. No caso alagoano, começa a aparecer uma nova configuração formada pela sequência torres de apartamentos em terrenos estreitos na planície, contrapondo-se aos condomínios horizontais no alto da encosta.

Assim como os resorts, os condomínios trazem consigo a noção de confinamento espacial, com seus muros, cercas elétricas e acesso restrito, constituindo verdadeiros “enclaves” urbanos, reforçando os padrões de segregação socioespacial. Esses empreendimentos introduzem, em seus projetos, inovações urbanas que se concentram, sobretudo, nos aspectos relacionados com segurança, privacidade e exclusividade, bastante explorados pelo mercado imobiliário. Nas duas últimas décadas, portanto, os condomínios e equipamentos turísticos proliferaram na orla, alterando significativamente a feição das praias, que perdem as características originais de antigas vilas de pescadores, transformadas, que foram, em localidades urbanas, valorizadas pelo capital.

A região do Porto das Dunas conhece valorização cada vez maior no mercado imobiliário e é considerada o principal polo de lazer e turismo do Estado, depois de Fortaleza. A proximidade da capital, a facilidade de acesso e a instalação progressiva de moradias e equipamentos de turismo e lazer promoveram a urbanização crescente dessa área, contribuindo para o

9 A maioria dos condomínios de lazer foi construída nos últimos sete anos, a partir de 2007.

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acelerado (e particular) processo de metropolização verificado no espaço litorâneo. Quanto ao litoral norte de Maceió, intensifica-se a ocupação e urbanização, com investimentos voltados para o turismo e para a habitação da população de maior poder aquisitivo e estrangeiros, o que provoca uma valorização crescente dos imóveis.

Apesar de receberem maior aporte de recursos dos estados, as intervenções nos municípios de Fortaleza e Maceió e nas respectivas regiões metropolitanas, ao longo dos anos, sempre privilegiaram determinados segmentos sociais, setores de atividades e áreas, o que contribui para a segregação socioespacial e a precariedade ambiental e social, ainda hoje característica desse modelo de desenvolvimento.

Os impactos ambientais no litoral são muitos e inevitáveis, com a ocupação em larga escala, aterro de mangues e restingas, destruição e/ou ocupação de dunas, aberturas de vias à beira mar, estruturas que avançam no mar, produzindo lixo, esgoto e ruídos, desorganizando o ecossistema e descaracterizando a paisagem natural. Tudo isso resulta da falta de articulação entre as políticas de desenvolvimento e os programas e projetos postos em prática.

O processo de urbanização da orla marítima de ambas as metrópoles, portanto, seja no caso de ocupação de grandes áreas, como em Fortaleza, ou de verticalização, como ocorre em Maceió, tem gerado preocupações e suscitado atenção especial no que se refere à apropriação dos espaços públicos, à preservação da paisagem natural, à mobilidade, ao suprimento básico de infraestrutura e serviços e à sustentabilidade.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Alguns aspectos podem ser destacados ao se analisarem as manifestações espaciais da atividade turística nas regiões metropolitanas de Fortaleza e de Maceió.

A espacialização das atividades turísticas no território faz parte, pois, da compreensão do processo de reestruturação dos espaços metropolitanos de Fortaleza e Maceió, os quais estão diretamente associados a ações do setor imobiliário. As intervenções nos sistemas viários, assim como a implantação de grandes equipamentos, passam a determinar progressiva apropriação de áreas com maior valor paisagístico, cujos estudos geralmente priorizam interesses privados de acessos e valorização da propriedade sem uma avaliação mais ampliada dos impactos socioeconômicos e ambientais.

Pelo que foi demonstrado, percebe-se que a expansão urbana verificada nessas áreas de ambas as metrópoles acontece preferencialmente em decorrência dos fluxos turísticos e imobiliários, produzindo espacialidades diferenciadas, contrariando assim o padrão centro-periferia. A apropriação, produção e uso desses espaços são voltados, sobretudo, para as práticas de consumo do lazer e do turismo, direcionados para os turistas e para uma população de maior nível de renda.

Entre os impactos do turismo na faixa litorânea, destacam-se o crescimento da área urbanizada, com ocupação rarefeita, a baixa densidade demográfica e ausência de núcleos urbanos importantes; o surgimento de novas tipologias (condomínios de lazer, resorts integrados, etc.); a implantação de uma infraestrutura viária de acesso aos núcleos turísticos, sobretudo o eixo paralelo à orla e a privatização da faixa de praia. Verifica-se ainda um espraiamento estritamente linear da mancha urbana, entre a via de acesso e a praia, que se

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estende de forma dispersa ao longo da orla, ocupando os vazios litorâneos, resultando em novas configurações territoriais.

É interessante observar a forma de ocupação diferenciada nas áreas citadas. Embora seja comum a construção de resorts nas duas metrópoles, em Fortaleza não há espigões na orla, como no litoral de Maceió, à exceção de pequeno trecho da av. Beira Mar da capital. Predominam, no trecho estudado, os condomínios horizontais de lazer e veraneio, junto à praia.

Outro fato que distingue os dois processos é a intensidade e diversidade de ocupação do litoral por equipamentos turísticos. Em Fortaleza, os primeiros empreendimentos sugiram no final de 1980, multiplicando-se posteriormente, nos anos 1990 e 2000; em Maceió, foi mais modesto em quantidade, porte e diversidade, apesar da significativa ampliação da rede hoteleira urbana nas décadas seguintes. O litoral norte de Maceió encontra-se ainda no início desse processo peculiar de ocupação por grandes empreendimentos de alto padrão, como os complexos de múltiplos usos para moradia, negócios e lazer à beira mar, os condomínios horizontais no alto das encostas e os espigões na orla. Muitos suscitam conflitos, relacionados a questões ambientais, apropriação de áreas de marinha, disputa de acesso à praia ou dificuldades de proteção da Costa Atlântica, como os casos dos espigões na orla e os condomínios que abrangem glebas e reservas de mata atlântica.

Ressalta-se, na urbanização da faixa litorânea de ambas as metrópoles, forte articulação entre o turismo e o mercado imobiliário, associados aos investimentos estrangeiros e à ação do setor público. No que se refere aos investimentos surgidos nessa área, os capitais imobiliário e turístico são responsáveis pela transformação do espaço litorâneo, que elegem como local preferencial do lazer de luxo das classes mais abastadas de Fortaleza e Maceió e de empreendedores brasileiros e turistas internacionais.

Esse fato confirma o processo acelerado da urbanização nessas regiões. As inúmeras placas de oferta de imóveis transformaram a praia numa “vitrine” de vendas. As campanhas publicitárias apelam para o caráter de “paraíso privado”, próprio dos empreendimentos cada vez mais fechados e exclusivos. Há muitos edifícios em construção ou produtos imobiliários aprovados e em fase de aprovação, conferindo ao local, em muitas áreas, aparência de canteiro de obras. Ressalte-se que o processo é mais acentuado em Fortaleza, cujo volume de empreendimentos é maior, mais antigo e está mais consolidado.

Esses empreendimentos de grande porte modificam a lógica de valorização da terra e a configuração espacial da orla, resultando na alteração do espaço junto às zonas de praia e contribuindo para expandir a urbanização na faixa litorânea. A atividade turística e imobiliária aí desenvolvida, ao gerar novos usos e formas de ocupação, é responsável pelo surgimento de novas espacialidades e novos fluxos metropolitanos.

Em suma, a ocupação das faixas litorâneas leste da RMF e norte da RMM obedecem às tendências da urbanização contemporânea, produzindo formas de tecido urbano diferenciadas e inovadoras (REIS, 2006). Efetivados de acordo com suas conveniências, os grandes equipamentos de lazer e turismo, bem como os parques temáticos no caso de Fortaleza e condomínios fechados e resorts em ambas as metrópoles ocupam o espaço de maneira descontínua, evidenciando o fenômeno da dispersão urbana, de que também resultam processos de fragmentação e segregação socioespacial.

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