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PESQUISA FAPESP MAIO DE 2016 MAIO DE 2016 WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR n.243 EXEMPLAR DE ASSINANTE VENDA PROIBIDA n. 243 FOSFOETANOLAMINA “Pílula do câncer” aprovada sem aval científico pelo governo federal agora será testada oficialmente em pacientes Infecções por fungos matam mais que malária e tuberculose No STF, regras e práticas internas podem prejudicar a qualidade dos debates Divulgação da ciência ganha expressão no YouTube Bioinseticida para agricultura usa vermes e bactérias como matéria-prima Empresas de cosméticos desenvolvem com o IPT plataforma de nanotecnologia Pesquisadores discutem o início de uma nova época geológica, o Antropoceno

Fosfoetanolamina

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Pesquisa FAPESP - Ed. 243

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maio de 2016 www.revistapesquisa.fapesp.br

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n.243

FOSFOETANOLAMINA

“Pílula do câncer” aprovada sem aval científico pelo governo

federal agora será testada oficialmente em pacientes

infecções por fungos matam mais que malária e tuberculose No STF, regras e práticas internas podem prejudicar a qualidade dos debates divulgação da ciência ganha expressão no YouTube

Bioinseticida para agricultura usa vermes e bactérias como matéria-prima empresas de cosméticos desenvolvem com o iPT plataforma de nanotecnologia

Pesquisadores discutem o início de uma nova época geológica, o antropoceno

Page 2: Fosfoetanolamina

ARTE E FEMINISMO ÀS PRÓPRIAS CUSTAS

DJAIMILIA PEREIRA DE ALMEIDA,

REVELAÇÃO DA LITERATURA

LUSO-ANGOLANA

LIVROS

PERCEPÇÕES DO FEMININO

E AÇÕES FEMINISTAS

DOSSIÊ

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DOSSIÊ

PSICANÁLISE

400 ANOS DA MORTE DE SHAKESPEARE

E CERVANTES

FAMÍLIAS HOMOAFETIVASA DIVERSIDADE QUE NÃO

CABE NO ESTATUTO

ESPECIAL

LITERATURA

SOCIEDADE

COMBATENTESCURDAS

O FEMINISMO LIBERTÁRIO DAS

“ A SUBSTÂNCIA DO CORPO É O GOZO”

WWW.REVISTACULT.COM.BR1 1 3 3 8 5 3 3 8 5

INDEPENDENTE, LINDA E INTELIGENTE

Page 3: Fosfoetanolamina

PESQUISA FAPESP 243 | 3

Criaturas da selvaNuma expedição em 2009 à Floresta Nacional de Pau-Rosa, no

Amazonas, o biólogo Pedro Peloso e colegas encontraram pererecas

cantando às margens do rio Paraconi. Tinham cerca de 2 centímetros

de comprimento e eram uma espécie desconhecida, agora batizada como

Dendropsophus mapinguari (South American Journal of Herpetology, abril).

O nome homenageia a criatura mitológica peluda de um olho só que

habita o imaginário amazônico. O anfíbio amarelo tem manchas ou listras

marrom-avermelhadas. As duas formas parecem existir em proporções

equivalentes, mas pouco se sabe de sua ecologia. “Na Amazônia, é raro

termos os recursos para voltar a uma localidade”, conta o pesquisador.

FotolAb

Imagem enviada por Pedro Peloso, pesquisador de pós-doutorado do Museu Paraense Emílio Goeldi

Se você tiver uma imagem relacionada à sua pesquisa, envie para [email protected], com resolução de 300 dpi (15 cm de largura) ou com no mínimo 5 MB. Seu trabalho poderá ser selecionado pela revista.

Page 4: Fosfoetanolamina

CAPA16 Testes clínicos em seres humanos devem atestar se a fosfoetanolamina pode ser útil no tratamento de algum tipo de câncer

ENTREVISTA24 Guido Carlos LeviInfectologista diz que a recusa à vacinação se tornou fenômeno das classes mais altas e intelectualizadas no Brasil

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

30 Unesp 40 anosCentro internacional criado no IFT impulsiona pesquisa e promove cursos e eventos sobre física teórica

34 DifusãoCanais de vídeo ganham destaque na divulgação de ciência feita na internet

38 EntrevistaMark Walport, conselheiro-chefe do governo britânico, diz que seu trabalho é traduzir o conhecimento científico para quem toma decisões

CIÊNCIA

42 MedicinaFungos causam infecções resistentes a medicamentos e matam mais que malária e tuberculose no mundo

maio 243

5256

56

70 Pesquisa empresarial3M investe em pesquisa e desenvolvimento e cria métrica própria para impulsionar a inovação

74 MedicamentosPesquisadores desenvolvem moléculas capazes de gerar fármacos mais eficientes e combinam drogas já testadas para combater a doença de Chagas e a leishmaniose

77 Vacina contra esquistossomose desenvolvida pela Fiocruz estápronta para a fase 2 de testes clínicos

78 Controle de pragasVermes e bactérias atuando juntos são matérias-primas de bioinseticida para uso comercial na lavoura

HUMANIDADES

80 JustiçaRegras e práticas internas podem prejudicar qualidade e quantidade de debates dos ministros do STF

84 EducaçãoCongregações católicas europeias supriram demanda por escolas no Brasil entre o fim do século XIX e a segunda metade do XX

88 AntropologiaProjeto analisa o uso de fotos e filmes como estratégia ou resultado de pesquisa

SEçÕES3 Fotolab5 Cartas6 On-line7 Carta do editor8 Dados e projetos9 Boas práticas10 Estratégias12 Tecnociência90 Arte92 Memória94 Resenhas97 Carreiras99 Classificados

46 NeurociênciaExercício físico durante a gestação e a infância tem efeitos duradouros no desempenho intelectual

50 VirologiaNo Ceará, pesquisadores identificam o vírus zika em macacos habituados à presença humana

52 GeologiaMaterial plástico acumulado no fundo dos oceanos pode definir um novo período na história da Terra, o Antropoceno

56 MeteorologiaLago de Maracaibo, na Venezuela, apresenta a concentração mais elevada de raios do mundo

58 EcologiaSeis meses depois do vazamento da lama com rejeitos de mineração, rio Doce continua sem vida e medidas de restauração permanecem indefinidas

62 PaleontologiaRegistro fóssil inédito revela um caminho inesperado da evolução do músculo cardíaco

TECNOLOGIA

66 NanotecnologiaBoticário, Natura, Theraskin e Yamá se unem com o IPT e desenvolvem nanocápsulas para uso em cosméticos

foTo DA CAPA léO RAMOs

Page 5: Fosfoetanolamina

PESQUISA FAPESP 243 | 5

o Protocolo Agroambiental estava em vigência. Os agravos à saúde afetaram diretamente a população de menores de 5 anos, conforme as conclusões de minha pesquisa. Paulo Eduardo Alves Camargo-Cruz

Sorocaba, SP

MaternidadeQue horror as crianças vivendo no am-biente de presídio (“A maternidade na prisão”, edição 241). Deveriam haver medicamentos disponíveis para a mulher não engravidar no período em que esti-ver presa. Deve-se buscar medidas que não venham a prejudicar mães e filhos.

Irani Almeida

ColaboraçãoJá estamos na era em que a distância não deveria ser limitante. Este ainda é um dos aspectos a amadurecer na pes-quisa brasileira (“A importância de estar presente”, edição 241).

Emerson Carraro

CorreçõesNa reportagem “Laboratório paulista” (edição 242) foi inadvertidamente omi-tida a criação da Faculdade de Medicina de Sorocaba, fundada em 1950, nome original da atual Faculdade de Ciên-cias Médicas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (FCMS-PUC).

Na nota “Apoio privado à ciência”, publi-cada na seção Estratégias (edição 242), os R$ 20 milhões mencionados corres-pondem ao orçamento anual do Insti-tuto XY, e não à doação total feita por João e Branca Moreira Salles, como foi publicado.

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail [email protected] ou para a rua Joaquim Antunes, 727, 10º andar – CEP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.

CArtAS [email protected]

Eunice DurhamA entrevista com Eunice Durham (edição 242) é rica em vários aspectos. Em tem-pos de conflitos quanto aos refugiados na Europa, é importante sua rememorização do estudo da imigração italiana no Bra-sil, revivendo a saga de muitas famílias brasileiras, como a minha. Também é um alento a discussão sobre a burocratização da função do professor. Por fim, ainda há vozes que discutem este nosso modelo de universidade, que não tem considerado a evolução dos últimos anos, com a im-plantação de sistemas federais mistos, técnicos e tecnológicos, por exemplo.Adilson roberto Gonçalves

Campinas, SP

Parabéns pela entrevista com Eunice Durham. Para nós, jovens docentes, é sempre muito rico compreender a traje-tória de professores que nos representam com excelência em órgãos da área de ensino e pesquisa.Grace Gomes

São Carlos, SP

Instituto XYExtraordinária iniciativa de apoio à ciên-cia exemplarmente posta em prática por João e Branca Moreira Salles (“Apoio privado à ciência”, edição 242). Merece todo apoio da comunidade acadêmica brasileira. Eis um exemplo a ser seguido.Antonio Dimas

Instituto de Estudos Brasileiros/USP

Cana-de-açúcarSobre a reportagem “As boas novas da cana-de-açúcar” (edição 239), tenho a dizer que minha dissertação de mes-trado, defendida em dezembro de 2014 na Faculdade de Saúde Pública da Uni-versidade de São Paulo, indica que nas regiões agrícolas mais recentes no cul-tivo de cana (no caso do estudo, a re-gião de Presidente Prudente, no oeste paulista) houve um aumento expressivo na extensão e no volume dessa cultura coletada com o método de queimada, entre 2008 e 2011, no período em que

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Page 6: Fosfoetanolamina

6 | maio DE 2016

xUm grupo internacional de pesquisadores, incluindo um brasileiro da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), analisou em detalhes os efeitos do LSD no cérebro humano por meio de diferentes técnicas de neuroimagem. Em estudo publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), voluntários relataram alucinações visuais e estados de consciência alterados pelo LSD. Os pesquisadores associaram essas alucinações a alterações no córtex visual, incluindo o aumento do fluxo sanguíneo e a conectividade expandida com outras regiões do cérebro. Também associaram a diminuição dos índices de conectividade entre os neurônios de duas regiões – os córtices para-hipocampal e retrosplenial – a alterações nos estados de consciência, expressas como uma sensação de “desintegração de si mesmo”. Os achados podem ampliar as perspectivas de estudos envolvendo o uso de LSD no tratamento de distúrbios psiquiátricos. bit.ly/1NH6UpP

x Paulo Artaxo Neto, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), foi o vencedor da edição 2016 do prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia, uma das principais honrarias no campo da ciência e da tecnologia do país. Concedido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em parceria com a Fundação Conrado Wessel (FCW) e a Marinha do Brasil, o prêmio foi destinado neste ano à área de Ciências Exatas, da Terra e Engenharias. bit.ly/1SzPzzl

Exclusivo no site

Professor Walter Colli expõe o trabalho da rede de pesquisa sobre o vírus zika em São Paulo

Rádio

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No site de Pesquisa FAPeSP estão disponíveis todos os textos da revista em português, inglês e espanhol, além de conteúdo exclusivo

ciência

Impactos visíveis no mar

966 curtidas

32 comentários

927 compartilhamentos

Confira os detalhes do navio Prof. Besnard e da homenagem feita pelos pesquisadores em sua despedida nas fotos de Eduardo Cesar

Galeria de imagens

yOUTUBE.COM/USER/PESqUISAFAPESPVídeo do mês

Registros cinematográficos remotos servem de matéria-prima para filmes experimentais

Assista ao vídeo:

Page 7: Fosfoetanolamina

PESQUISA FAPESP 243 | 7

José GoldemberGPresidente

eduardo moacyr KrieGervice-Presidente

ConSElho SUPErIor

carmino antonio de souza, eduardo moacyr KrieGer, fernando ferreira costa, João fernando Gomes de oliveira, João Grandino rodas, José GoldemberG, maria José soares mendes Giannini, marilza vieira cunha rudGe, José de souza martins, Pedro luiz barreiros Passos, Pedro WonGtschoWsKi, suely vilela samPaio

ConSElho TéCnICo-AdmInISTrATIvo

José arana vareladiretor-Presidente

carlos henrique de brito cruzdiretor científico

Joaquim J. de camarGo enGlerdiretor AdministrAtivo

ConSElho EdITorIAlcarlos henrique de brito cruz (Presidente), caio túlio costa, eugênio bucci, fernando reinach, José eduardo Krieger, luiz davidovich, marcelo Knobel, maria hermínia tavares de almeida, marisa lajolo, maurício tuffani, mônica teixeira

ComITê CIEnTíFIColuiz henrique lopes dos santos (Presidente), anamaria aranha camargo, ana maria fonseca almeida, carlos eduardo negrão, fabio Kon, francisco antônio bezerra coutinho, Joaquim J. de camargo engler, José arana varela, José Goldemberg, José roberto de frança arruda, José roberto Postali Parra, lucio angnes, marie-anne van sluys, mário José abdalla saad, Paula montero, roberto marcondes cesar Júnior, sérgio robles reis queiroz, Wagner caradori do amaral, Walter colli

CoordEnAdor CIEnTíFIColuiz henrique lopes dos santos

dIrETorA dE rEdAção alexandra ozorio de almeida

EdITor-ChEFE neldson marcolin

EdITorES fabrício marques (Política), márcio ferrari (Humanidades), marcos de oliveira (Tecnologia), ricardo zorzetto (Ciência); carlos fioravanti e marcos Pivetta (Editores espe ciais); bruno de Pierro (Editor-assistente)

rEvISão margô negro

ArTE mayumi okuyama (Editora), ana Paula campos (Editora de infografia), alvaro felippe Jr., Júlia cherem rodrigues e maria cecilia felli (Assistentes)

FoTógrAFoS eduardo cesar, léo ramos

mídIAS ElETrônICAS fabrício marques (Coordenador) InTErnET Pesquisa FAPESP onlinemaria Guimarães (Editora)rodrigo de oliveira andrade (Repórter) renata oliveira do Prado (Mídias sociais)

rádIo Pesquisa Brasilbiancamaria binazzi (Produtora)

ColAborAdorES andré Julião, daniel bueno, christina queiroz, evanildo da silveira, everton lopes, fábio otubo, Guilherme Grandi, igor zolnerkevic, Jayne oliveira, lauro lisboa Garcia, mauricio Puls, negreiros, nelson Provazi, nina ranieri, Paulo artaxo, Pedro franz, valter rodrigues, veridiana scarpelli, yuri vasconcelos

é ProIbIdA A rEProdUção ToTAl oU PArCIAl dE TExToS E FoToS SEm PrévIA AUTorIzAção

PArA FAlAr Com A rEdAção (11) [email protected]

PArA AnUnCIAr midia office - Júlio césar ferreira (11) 99222-4497 [email protected] Classificados: (11) 3087-4212 [email protected]

PArA ASSInAr (11) 3087-4237 [email protected]

TIrAgEm 34.500 exemplaresImPrESSão Plural indústria GráficadISTrIbUIção dinaP

gESTão AdmInISTrATIvA instituto uniemP

PESQUISA FAPESP rua Joaquim antunes, no 727, 10o andar, ceP 05415-012, Pinheiros, são Paulo-sP

FAPESP rua Pio Xi, no 1.500, ceP 05468-901, alto da lapa, são Paulo-sP

secretaria de desenvolvimento econômico,

ciência e tecnoloGia govErno do ESTAdo dE São PAUlo

issn 1519-8774

fundação de amParo à Pesquisa do estado de são Paulo

CArTA do EdITor

A pós uma longa série de equívocos, as cápsulas de fosfoetanolamina usadas informalmente por pes-

soas com câncer finalmente ganharão o status de droga testada cientificamente em seres humanos. Ainda neste semestre devem começar os testes clínicos com pacientes nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará e só depois de con-cluída essa etapa os médicos poderão afirmar se de fato a substância é eficaz contra tumores. Sem esse trabalho con-trolado, demorado e caro, fica-se ao sa-bor de relatos meramente subjetivos, baseados em impressões pessoais, sem informações claras a respeito da eficácia real da droga.

A história da fosfoetanolamina é in-comum pela atenção que conseguiu da classe política, instada por um público que vê no composto uma possibilidade de cura para o câncer. Esse público foi alimentado por relatos positivos de pa-cientes e médicos que fizeram uso do medicamento fabricado de modo arte-sanal em um laboratório do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), no campus de São Carlos.

A mobilização de doentes e familia-res levou a substância a ser aprovada rapidamente por todas as instâncias do Congresso Nacional e liberada para uso pela Presidência da República mesmo com opiniões contrárias de associações científicas e médicas. O problema é que foi pulada exatamente a etapa em que o medicamento seria testado para se co-nhecer o efeito no organismo humano. Ou seja, se a droga é passível de causar algum tipo de problema ainda não regis-trado, se é inócua, ou se traz benefícios para doentes com câncer.

A reportagem de capa desta edição (página 16) revê a acidentada trajetória da fosfoetanolamina. Agora, o primeiro protocolo científico será financiado pelo governo paulista. Iniciativas semelhan-tes ocorrerão em Fortaleza e no Rio. Até

o momento, todo o conhecimento sobre os possíveis efeitos terapêuticos do me-dicamento está baseado no que foi ob-servado in vitro, em células de animais ou humanas cultivadas em laboratório, e in vivo, em modelos animais, geralmente camundongos. Ainda é muito pouco pa-ra saber se serve também para pessoas.

* * *Outras doenças graves preocupam es-

pecialistas da área da saúde. Entre as mais recentes estão aquelas provocadas por fungos, que nos últimos anos pas-saram a causar infecções cada vez mais resistentes. Estimativas oficiais indicam que morrem 1,5 milhão de pessoas no mundo anualmente infectadas por fun-gos, mais do que o total de óbitos decor-rentes da malária e da tuberculose. No Brasil, 4 milhões devem ter infecções fúngicas a cada ano. Uma das razões para isso é a redução das defesas naturais de pacientes, em decorrência de doenças ou medicamentos. Pesquisadores brasileiros de universidades e estados diferentes, em consonância com colegas britâni-cos, trabalham para definir as melhores formas de diagnóstico e tratamento de pneumonias agudas e crônicas de origem fúngica (página 42).

* * *Fora da área da saúde, há outras re-

portagens interessantes no amplo cardá-pio de Pesquisa FAPESP. Destaco duas delas, bem distintas entre si. A primeira fala de uma nova tecnologia para o con-trole biológico de pragas (página 78) já pronta para uso comercial. Trata-se de um bioinseticida feito a partir de nema-toides (vermes do solo) que combatem insetos de lavouras. Outro estudo indica que as normas e práticas internas podem prejudicar a qualidade e a quantidade dos debates dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), protagonista fre-quente do cenário nacional atual.

de volta ao método científico

neldson marcolin | EdITor-ChEFE

Page 8: Fosfoetanolamina

8 | maio DE 2016

DaDos E projEtos

temáticosestudo da contribuição do processo inflamatório na discinesia induzida por L-Dopa na doença de ParkinsonPesquisadora responsável: Elaine Aparecida del Bel Belluz Guimarãesinstituição: Forp/USPProcesso: 2014/25029-4Vigência: 01/04/2016 a 31/03/2020

consumo de alimentos ultraprocessados, perfil nutricional da dieta e obesidade em sete paísesPesquisador responsável: Carlos Augusto Monteiroinstituição: FSP/USPProcesso: 2015/14900-9Vigência: 01/04/2016 a 31/03/2021

Anticorpos monoclonais recombinantes para uso terapêuticoPesquisadora responsável: Ana Maria Moroinstituição: Instituto Butantan/SSSPProcesso: 2015/15611-0Vigência: 01/04/2016 a 31/03/2021

Novas estratégias para o controle das periodontitesPesquisador responsável: Marcia Pinto Alves Mayerinstituição: ICB/USPProcesso: 2015/18273-9Vigência: 01/04/2016 a 31/03/2021

sinalização celular em Trypanosoma durante a interação do parasita com o hospedeiroPesquisador responsável: Sergio Schenkmaninstituição: EPM/UnifespProcesso: 2015/22031-0Vigência: 01/04/2016 a 31/03/2020

Resilience and vulnerability at the urban nexus of food, water, energy and the environment (Resnexus). (FAPesP-esRc-NWo)Pesquisador responsável: Leandro Luiz Giattiinstituição: FSP/USPProcesso: 2015/50132-6Vigência: 01/03/2016 a 28/02/2019

Produção de oligossacarídeos a partir de resíduos do processamento de alimentos (FAPesP-Denmark)Pesquisador responsável: Jonas Contieroinstituição: IB-Rio Claro/UnespProcesso: 2015/50276-8Vigência: 01/04/2016 a 31/03/2018

cobra: nova plataforma de descoberta de compostos para identificação rápida e de baixo custo de bioativo com efeitos benéficos originários de plantas brasileiras (FAPesP-Denmark)Pesquisadora responsável: Glaucia Maria Pastoreinstituição: FEA/UnicampProcesso: 2015/50333-1Vigência: 01/04/2016 a 31/03/2020

temáticos e jPs ReceNtesProjetos contratados em março e abril de 2016

Vulnerabilidade de populações sob cenários externos (FAPesP/Belmont-mountains)Pesquisador responsável: Paulo Eduardo de Oliveirainstituição: IGc/USP Processo: 2015/50683-2Vigência: 01/03/2016 a 28/02/2019

joVeNs PesquisADoRes influência da composição do efluente secundário na desinfecção por processos oxidativos avançadosPesquisador responsável: Renato Falcão Dantasinstituição: Faculdade de Tecnologia/UnicampProcesso: 2014/17774-1Vigência: 01/04/2016 a 31/03/2020

imunometabolismo em macrófagos e em linfócitos t nas doenças inflamatórias e metabólicasPesquisador responsável: Pedro Manoel Mendes de Moraes Vieirainstituição: IB/UnicampProcesso: 2015/15626-8Vigência: 01/04/2016 a 31/03/2020

Análise longitudinal multimodal de imagens por tensor de difusão do encéfalo de pacientes com lesão axonial difusa traumática moderada a severaPesquisadora responsável: Celi Santos Andradeinstituição: Instituto de Radiologia do HC-SP/SSSPProcesso: 2015/18136-1Vigência: 01/04/2016 a 31/03/2019

comparando taxas evolutivas entre cantos e chamados nos olhos-de-fogo sul-americanos (Aves: Pyriglena): um teste de hipóteses em uma perspectiva filogenéticaPesquisador responsável: Marcos Maldonado Coelhoinstituição: ICAQF/UnifespProcesso: 2015/18287-0Vigência: 01/04/2016 a 31/03/2019

Desenvolvimento de novo candidato a fármaco para o tratamento do carcinoma de pulmão de células não pequenas: cHY-1, inibidor de autofagia e protótipo de nova classe de inibidores da enzima ctP: fosfoetanolamina citidililtransferasePesquisador responsável: Adilson Kleber Ferreirainstituição: ICB/USPProcesso: 2015/18528-7Vigência: 01/04/2016 a 31/03/2019

o mct1 como alvo terapêutico e mediador de resposta no tratamento de melanomasPesquisadora responsável: Celine Marques Pinheiroinstituição: Hospital do Câncer – Barretos/FPProcesso: 2015/25351-6Vigência: 01/05/2016 a 30/04/2020

educação superior completaPorcentagem de grupos etários de 25-34 anos e 55-64 anos em 2014

(ou ano mais recente) com curso superior concluído – países escolhidos

(1) África do Sul: ano de referência 2012. (2) Indonésia: ano de referência 2011.(3) Brasil, Chile, França, Coreia do Sul, Federação Russa: ano de referência 2013.(4) China: ano de referência 2010.Obs.: Países ordenados pela proporção da população de 25-34 anos com educação superior completa.Fonte: Education at a Glance 2015, Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Paris – www.oecd.org/education/education-at-a-glance-19991487.htm

n  Proporção da população de 25-34 anos com educação completa n  Proporção da população de 55-64 anos com educação completa

África do Sul (1)

Indonésia (2)

Brasil (3)

China (4)

Itália

México

Turquia

Chile (3)

Colômbia

Alemanha

República Tcheca

Portugal

Hungria

Média países OCDE

Espanha

Polônia

França (3)

Holanda

Estados Unidos

Suécia

Suíça

Israel

Austrália

Noruega

Reino Unido

Irlanda

Canadá

Federação Russa (3)

Coreia do Sul

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70%

57

104

1511

184

2412

2513

2510

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3113

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1768

Page 9: Fosfoetanolamina

PESQUISA FAPESP 243 | 9

Quando o plágio não aparenta má-fé

Cardápio variado de fraudes

Boas práticas

Uma consulta feita recentemente ao Committee on Publication Ethics (Cope), fórum de editores de revistas científicas sobre ética na pesquisa, evidenciou os desafios de fazer uma avaliação justa em casos suspeitos de plágio. O editor de um periódico científico, cujas identidade e origem não foram reveladas, informou ao Cope que começou a utilizar softwares para detecção de plágio e registrou uma alta incidência de pequenos trechos ou sequências de frases copiados de outros artigos. O problema atinge entre 30% e 50% dos manuscritos submetidos e, em alguns papers, chega a comprometer a originalidade de até um terço do texto.

Embora pareça assustador, segundo o editor não parece haver má-fé dos autores, uma vez que as sentenças copiadas são curtas e vêm de mais de 60 fontes diferentes – em um dos casos, chegou a mais de 120. “É como se a cópia de um trecho contendo o que se acredita ser uma expressão elegante pudesse compensar a falta de competência linguística do pesquisador”, escreveu o editor, referindo-se a uma grande quantidade de autores que não tem o inglês como língua nativa. “De todo modo, não é satisfatório que um texto contenha um terço de suas passagens inspiradas em outras fontes. Não é o que se possa considerar uma boa prática de escrita científica.”

O Cope respondeu à consulta recomendando uma análise caso a caso, levando em conta as características do texto reciclado. Uma duplicação na seção de resultados é mais grave do que na introdução ou nos métodos. Frases copiadas num artigo de revisão, composto por avaliações críticas da literatura existente,

comprometem mais a sua originalidade do que sentenças duplicadas num paper tradicional, que traz resultados inéditos. Segundo o fórum, o editor deve pedir explicações ao autor caso falte atribuição de autoria em muitos trechos do artigo e tomar atitudes mais drásticas se as ideias defendidas pelo autor pertencerem a outras pessoas.

“O editor deve seguir checando todos os manuscritos usando softwares antiplágio e rejeitar os artigos com sobreposição de textos moderada ou grande”, sugere o Cope. A instituição a que o autor pertence deve ser alertada se houver, de fato, uma suspeita de má conduta ou se o editor colher evidências de que o pesquisador trabalha num ambiente que não valoriza as boas práticas científicas.

A revista científica Applied Catalysis B: Environmental anunciou a retratação de três artigos assinados pelo químico português Rodrigo Lopes, que foi estagiário de pós-doutorado do Centro de Investigação em Engenharia dos Processos Químicos e dos Produtos da Floresta da Universidade de Coimbra entre 2010 e 2013. Em dois dos artigos, Lopes é acusado de ter inventado nomes de coautores, supostamente vinculados ao California Institute of Technology (Caltech), cuja existência, contudo, não foi confirmada pela instituição norte-americana. Já o terceiro artigo foi cancelado por falsificação de resultados: o paper contém dados que não poderiam ter sido produzidos por Lopes, por falta de um equipamento necessário para obtê-los no laboratório em que ele atuava.

O periódico não foi o primeiro a ter problemas com o químico. Ele teve dois artigos retratados no Chemical Engineering Journal, um na Chemical Engineering Science e um na Industrial & Engineering Chemistry Research, por fabricação de dados, autoria atribuída a um pesquisador que não participou do estudo e plágio de figuras. Segundo Rosa Quinta-Ferreira, professora da Universidade de Coimbra com quem Lopes trabalhou, foi aberta uma investigação interna para avaliar a conduta do pesquisador. O caso foi também encaminhado para o Ministério Público para investigação de crimes. O site Retraction Watch tentou contato com Lopes por meio de seu e-mail pessoal, mas a conta havia sido desativada.

“Caso os autores sejam jovens pesquisadores, o editor deve pedir a eles para reescrever as passagens copiadas e submeter de novo o artigo”, recomenda o Cope. 

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10 | maio DE 2016

A Universidade Stanford, nos Estados Unidos, criou um centro cartográfico que oferece ao público uma das maiores coleções privadas de mapas do mundo – são mais de 150 mil itens, entre mapas, atlas, globos terrestres e outros objetos. O acervo foi doado por David Rumsey, 71 anos, empresário do ramo da incorporação de imóveis de São Francisco, cujo nome batiza o centro. A coleção mostra a evolução da cartografia entre o século XVIII, quando as representações da superfície em geral se limitavam a descrever o ambiente físico, e o XIX, época em que passaram

Stanford oferece coleção de mapas

a trazer outras informações, da prevalência de doenças num determinado território a dados recolhidos em censos demográficos, como as características étnicas, religiosas ou educacionais da população. Os mapas já são bastante conhecidos. Desde os anos 1990, Rumsey se dedica a digitalizar a coleção e boa parte dela pode ser consultada on-line no endereço davidrumsey.com. “Não sou um colecionador possessivo. Fico animado em adquirir itens que outras pessoas possam usar ou que gerem um aprendizado”, disse o empresário à revista National Geographic.

David Rumsey e um de

seus mapas num monitor

gigante

O diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, foi nomeado para o conselho de governança da Universidade das Nações Unidas (UNU), organização sediada no Japão que promove estudos colaborativos e ensino de pós-graduação e reúne 11 institutos de pesquisa e diversos programas. Os nomes de Brito Cruz e de outros 11 novos conselheiros foram anunciados pelo secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, e pela diretora- -geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Irina Bokova. No rol dos nomeados, também estão o vice-reitor da Universidade de Gana, Ernest Aryeetey; o diretor do Instituto de Ciência e Paz da Universidade de Hiroshima, Tsuneo Nishida; o diretor do Instituto Chinês de Políticas para Ciência e Tecnologia, Lan Xue; e o diretor executivo da Iniciativa de Reforma Árabe, Bassma Kodmani, entre outros. Segundo a ONU, as principais funções do conselho da UNU são formular princípios e políticas da universidade, governar suas operações e avaliar e aprovar o orçamento bianual e o programa de trabalho da instituição.

Nas instalações construídas para o centro na divisão de bibliotecas de Stanford, em Palo Alto, Califórnia, qualquer usuário com interesse acadêmico pode solicitar um mapa em papel e usar uma variedade de monitores, incluindo uma tela de 3,6 metros de largura por 2 metros de altura sensível ao toque, para explorar os detalhes da imagem, além de compará-la com outros mapas ou imagens de satélite. Também estão disponíveis no centro outras duas coleções de Stanford, que reúnem mapas da Califórnia e da África, além de mais de 10 mil itens adquiridos de antiquários.

UNU tem novo conselho

Brito Cruz: no conselho de governança da Universidade das Nações Unidas

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Estratégias

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Proteção a patentes flexível

A GlaxoSmithKline (GSK), multinacional farmacêutica com sede no Reino Unido, anunciou que vai flexibilizar sua estratégia para a proteção de patentes de seus medicamentos. A ideia é abrir mão das patentes em cerca de 50 países muito pobres, como Afeganistão e Zâmbia, permitindo que sejam fabricados livremente por empresas locais. Já em outras 35 nações em desenvolvimento, a intenção é manter a proteção à propriedade intelectual, mas facilitar acordos de licenciamento que garantam a comercialização dos remédios por preços baixos. A mudança não vale para países desenvolvidos, nem para os emergentes que estão entre as 20 maiores economias do planeta, como China, Índia e Brasil. A iniciativa deve ter um impacto pequeno nos resultados da empresa, que tem vendas limitadas em países pobres, e marca a iniciativa mais recente de indústrias farmacêuticas para

enfrentar as críticas de que cobram muito caro por produtos vendidos em países pobres – outras companhias, como a merck KGaA e a Roche, adotaram políticas semelhantes. Andrew witty, executivo-chefe da GSK, disse à revista Nature que também considera submeter pedidos de patentes de futuras drogas contra o câncer a uma iniciativa das Nações Unidas, a medicine Patent Pool, que negocia contratos de licenciamento em larga escala com fabricantes de genéricos para disseminar a produção de remédios em mais de uma centena de países.

Distribuição de remédios para prevenir doenças parasitárias em Gana

O Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP) tem uma nova direção. O médico patologista Paulo Saldiva, professor da Faculdade de medicina da USP, foi designado diretor do instituto, e o engenheiro Guilherme Ary Plonski, professor da

A missão cumprida do nanossatélite

O nanossatélite brasileiro Serpens en-cerrou sua missão no espaço de acordo com o que estava previsto e se desinte-grou na atmosfera no dia 27 de março, depois de permanecer em órbita por seis meses. Desenvolvido pela Agência Es-pacial Brasileira (AEB) em parceria com professores e estudantes de universida-des e institutos de pesquisa federais, o artefato deu mais de 3 mil voltas ao redor da Terra, coletando e transmitindo

dados ambientais. O satélite, que media 10 x 10 x 30 centímetros, custou R$ 800 mil e é o primeiro de uma família vincu-lada ao projeto Sistema Espacial para Realização de Pesquisas e Experimentos com Nanossatélites (cuja sigla também é Serpens), financiado pela AEB (ver Pesquisa FAPESP nº 219). Segundo a professora Chantal Cappelletti, coorde-nadora do projeto pela Universidade de Brasília (UnB), o desenvolvimento do

aparelho teve grande utilidade pedagó-gica. “A prática de construir um nanos-satélite é uma experiência que amplia o conhecimento dos estudantes”, disse ela, segundo o site da AEB. Além dos alunos da UnB, estudantes das universidades federais do ABC, de Santa Catarina e de Minas Gerais, e do Instituto Federal Flu-minense (IFF) ajudaram a desenvolver o satélite, levado até a Estação Espacial Internacional em agosto.

Representação do satélite

Serpens: seis meses em órbita

IEA tem novos diretores

Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, vice-diretor. Entre as medidas que eles planejam adotar nos próximos quatro anos, destacam-se a criação de uma Escola Avançada de Formação de Lideranças, que atenda interessados em questões relacionadas a políticas públicas; a promoção de estudos sobre urbanidade e qualidade de vida; e o aumento da articulação da USP com o poder legislativo. Criado em 1986 como um fórum interdisciplinar, o IEA reúne pesquisadores de várias áreas e busca estimular discussões que, entre outros objetivos, ajudem a formular políticas públicas.

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12 | maio DE 2016

As nanopartículas levavam em seu interior um composto para destruir as células cancerosas. “Os tumores têm uma excelente recepção para o folato”, diz Cardoso. As nanopartículas eram preenchidas com curcumina, uma substância extraída do açafrão-da-índia (Curcuma longa) que tem sido objeto de estudos como agente anticancerígeno (ver Pesquisa FAPESPnº 168). No experimento, que contou com a participação de pesquisadores dos laboratórios nacionais de Biociências (LNBio) e de Nanotecnologia (LNNano) e financiamento da FAPESP, as células tumorais foram destruídas e as sadias, pouco afetadas (Langmuir, 5 de abril).

Algumas espécies de formiga contribuem para a nutrição das plantas que as abrigam. É assim com a bromélia Quesnelia arvensis, de folhas verdes com bordas serrilhadas e flores púrpuras, comum na Mata Atlântica do Sudeste. Por meio de seus excrementos e de restos de alimentos, as formigas Odontomachus hastatus, que fazem seus ninhos em meio às raízes dessa bromélia, e as Gnamptogenys moelleri, que se abrigam em suas folhas, fornecem para a planta boa parte do nitrogênio de que necessita para produzir proteínas e crescer, constataram pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em um experimento em laboratório, a bióloga Ana Zangirolame Gonçalves quantificou a colaboração que três espécies de formiga dão para a dieta da bromélia. Ela simulou no interior de uma estufa as condições de temperatura, umidade e solo em que a Quesnelia é encontrada nas restingas da Ilha do Cardoso, no litoral sul de São Paulo. Em seguida, colocou exemplares da bromélia para conviver por dois meses com colônias de três espécies de formigas – Odontomachus hastatus, Gnamptogenys moelleri e Camponotus crassus. As duas primeiras são predadoras e em

As formigas e as bromélias

geral consomem pequenos invertebrados. Nos testes, elas foram alimentadas com larvas de besouro tratadas com ração rica em nitrogênio 15, variedade mais pesada e rara desse elemento químico. As formigas Camponotus crassus consomem néctar e líquidos adocicados excretados por insetos que se alimentam de seiva. Com 1,3 centímetro (cm) de comprimento, a espécie Odontomachus hastatus foi a que mais forneceu nitrogênio para a bromélia: em média, 19% do nitrogênio total consumido pela planta. Bem menores, com apenas 0,5 cm, as Gnamptogenys moelleri e as Camponotus crassus contribuíram, respectivamente, com 16% e 11% (PLoS One, 22 de março). “Os resultados reforçam a ideia de que as formigas podem redistribuir nutrientes entre diferentes áreas da floresta”, escrevem os pesquisadores. “Esse papel”, afirma Ana, “é ainda mais importante em ambientes pobres em nutrientes”.

Formiga Odontomachus hastatus transporta presa para o ninho: seus dejetos nutrem a bromélia Quesnelia arvensis, comum na Ilha do Cardoso

TEcnociência

Somente células doentes

Transportar um composto antitumoral por meio da corrente sanguínea e fazê-lo atingir apenas as células doentes, sem prejuízo às sadias, é uma estratégia em estudo em muitos laboratórios do mundo. No Brasil, um experimento realizado sob a coordenação de Mateus Borba Cardoso, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), utilizou folato, um tipo de vitamina B, para envolver nanopartículas de sílica e aumentar a capacidade de interagirem com as células tumorais.

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Representação gráfica das nanopartículas interagindo com uma célula tumoral

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Segue a busca por genes que ajudem a aumentar o teor de açúcares da cana-de-açúcar. A ideia é incrementar a produtividade de bioetanol. Um grupo liderado pela bioquímica Glaucia Souza, da Universidade de São Paulo (USP), comparou redes de expressão gênica na variedade comercial e em três ancestrais da cana (Plant Molecular Biology, maio). O estudo identificou padrões de atividade dos genes que podem estar relacionados a uma maior biomassa e à construção da parede celular. A regulação das funções do material genético também pode estar associada, de acordo com os resultados, à forma como o DNA é empacotado no núcleo celular. “Nossas descobertas abrem caminho para a identificação de vias bioquímicas importantes que podem auxiliar na produção de variedades ou plantas transgênicas úteis para a fabricação de bioetanole de novos materiais para biorrefinarias”, explica Glaucia.

Uma nave rumo a Alfa Centauri

Uma nave pesando apenas alguns gramas deverá ser impulsionada por feixes de laser até Alfa Centauri, um grupo de estrelas a cerca de 4,3 anos-luz de distância da Terra, caso seja concluído um projeto ousado: o Breakthrough Starshot, que tem à frente o físico inglês Stephen Hawkings e os empresários Yuri Milner, russo, e Mark Zuckerberg, norte- -americano, criador do Facebook. Se a ideia de acelerar a pequena nave até que alcance uma velocidade equivalente a 20% da velocidade da luz der certo, a viagem deve durar 20 anos. Tanto a propulsão como a

comunicação com a Terra serão feitas por meio do laser. Dezenas de pesquisadores participam do projeto, cujo custo inicial é estimado em US$ 100 milhões. A maioria dos integrantes são físicos de várias universidades e empresas de tecnologia dos Estados Unidos, da Europa e do Japão.

No anúncio do projeto, em abril, seus criadores disseram que a pesquisa e a engenharia necessárias para concretizar o plano serão desenvolvidas por meio de colaborações globais e com um sistema de dados abertos e transparentes. A lista de desafios tecnológicos a serem vencidos está no site bit.ly/1rkTYfy.

As redes da cana

Para acompanhar reações químicas

Uma equipe do Centro Alemão de Pes-quisa do Câncer (DKFZ) desenvolveu uma estratégia que permite acompanhar a evolução de certas reações químicas – e quantificar seu resultado – em tecidos de organismos relativamente grandes. Por ora, essa estratégia experimental foi usada em camundongos, animais--modelo para o estudo de problemas de saúde humanos. Antes só era possível acompanhar o desenrolar dessas reações químicas em organismos translúcidos, com poucas camadas de tecidos, como embriões de peixes ou moscas-da-fruta. O grupo do DKFZ, do qual participa a brasileira Letícia Roma, criou roedores geneticamente alterados para produzir uma proteína fosforescente sensível aos níveis de água oxigenada (H2O2). Essas moléculas são geradas por uma organe-la celular – a mitocôndria – durante a conversão de nutrientes em energia. Em pequenas quantidades, essa molécula

funciona como um comunicador interno; em níveis elevados, provoca danos na célula e até sua morte – suspeita-se que a sua produção excessiva esteja por trás do envelhecimento dos organismos e do desenvolvimento de doenças degenera-tivas. Usando a estratégia, que inclui a criopreservação do tecido e um banho químico, os pesquisadores mediram a produção de H2O2 durante o desenvol-vimento de um tumor e uma reação in-flamatória (Science Signaling, 15 de mar-ço). Segundo Letícia, o grupo espera usar a técnica para ver se alterações na pro-dução de H2O2 estão ligadas ao diabetes.

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Um mapa de reações químicas: pontos amarelos e vermelhos (destaque) indicam tecidos de embrião de camundongo com maior produção de H2O2

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14 | maio DE 2016

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Como dormir bem fora de casa

Acordar cansado é uma reclamação comum de quem dorme fora de casa, efeito que costuma ser mais intenso na primeira noite. Agora se sabe por quê: nessas condições, um dos hemisférios do cérebro permanece alerta, em vez de relaxar, segundo estudo da Universidade Brown, Estados Unidos (Current Biology, 21 de abril). Para entender o chamado efeito da primeira noite, os pesquisadores usaram técnicas de neuroimagem e polissonografia para examinar a atividade cerebral de 35 pessoas que dormiram no laboratório por algumas noites. As imagens revelaram que, na primeira noite, os dois hemisférios cerebrais mostraram padrões

de atividade distintos. Um alcançou estágios de sono menos profundos do que o outro. O hemisfério mais acordado reagia mais prontamente a sons externos. O grau de assimetria foi relacionado à dificuldade de dormir profundamente na primeira noite. Nas noites seguintes não houve assimetria. O padrão inicial, que permite ficar alerta em um ambiente desconhecido, representa uma versão moderada do que se observa em mamíferos marinhos e algumas aves: eles desligam um dos hemisférios enquanto dormem. Para reduzir o efeito da primeira noite, os pesquisadores sugerem que se tente criar um ambiente similar àquele em que se dorme em casa.

Placa fotográfica de 1917 com as

linhas espectrais da estrela de van Maanen (acima),

e anotações do astrônomo

que a observouUm sistema planetário de 1917

Uma placa fotográfica de vidro de 1917 guarda o primeiro registro de que se tem notícia por ora de um sistema planetário distante do Sol. O material ficou guardado por quase um século entre as 250 mil placas do acervo dos Observatórios Carnegie, nos Estados Unidos, e foi reanalisado agora pelo astrônomo Jay Farihi, da University College London. Farihi preparava um trabalho de revisão sobre a evolução de discos formados por detritos planetários ao redor de anãs brancas, estrelas em estágio final de vida. Esses discos, segundo o astrônomo, são uma evidência de que essas estrelas já foram orbitadas por planetas. Farihi pediu à direção dos

os derivados nocivos da sucralose

Não convém adoçar o cafezinho recém--coado ou a massa do bolo que vai ao forno com sucralose, o edulcorante arti-ficial mais usado no mundo. Pesquisado-res da Universidade Estadual de Campi-nas (Unicamp) verificaram que, a partir de 98º Celsius, as moléculas do adoçan-te começam a sofrer uma transformação química e passam a gerar compostos

potencialmente tóxicos e capazes de se acumular no organismo (Scientific Re­ports, 15 de abril). Na Unicamp, o farma-cêutico Rodrigo Catharino e seus cola-boradores Diogo de Oliveira e Maico de Menezes aqueceram amostras de sucra-lose em banho-maria enquanto usavam equipamentos para medir os compostos que surgiam. Largamente usada pelas

pessoas e pelas indústrias alimentícia e de medicamentos, a sucralose tem uma estrutura química semelhante à da sa-carose, o açúcar comum. Ambas as mo-léculas são formadas por carbono, hi-drogênio e oxigênio. A sucralose tem ainda três átomos de cloro, que lhe dão maior poder adoçante e facilitam a mo-dificação de sua estrutura.

Sucralose: aquecida a mais de 98ºC gera compostos potencialmente tóxicos

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Observatórios Carnegie que localizasse a placa fotográfica de uma estrela descoberta em 1917 pelo astrônomo holandês Adriaan van Maanen. A placa apresenta dois traços escuros espessos, acompanhados de um terceiro, tênue. O traço mais fino é a linha espectral da luz emitida pela estrela e contém pistas de sua composição química e da dos objetos que passam à sua frente. Segundo Farihi, a linha indica a presença de elementos químicos pesados, como cálcio, magnésio e ferro, que, nos últimos anos, foram associados à existência de um sistema planetário com vastos anéis de detritos rochosos (New Astronomy Reviews, abril).

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Jogadores de videogame com pouca ou nenhuma formação científica estão ajudando os pesquisadores a encontrar soluções mais eficientes para um problema da computação quântica: realizar operações no menor tempo possível sem comprometer a precisão do resultado. O grupo do físico Jacob Sherson, da Universidade Aarhus, na Dinamarca, obteve soluções eficientes ao transformar operações de computação quântica em um jogo de computador: o BringWaterHome, disponível no ambiente virtual Quantum Moves. No jogo, o desafio é mover um átomo através de uma barreira do modo mais rápido e eficiente possível, sem alterar sua energia inicial. O átomo é representado por um líquido que precisa ser transportado sem transbordar. As propriedades do líquido imitam a capacidade dos átomos de se comportarem como ondas e a de, ocasionalmente, atravessarem barreiras intransponíveis no mundo macroscópico. Os resultados de 12 mil partidas jogadas por 300 voluntários estão em um artigo recente (Nature, 14 de abril). A maioria das soluções era mais eficiente do que as obtidas apenas por cálculos de computador – duas delas eram mais rápidas do que qualquer solução já obtida. O jogo está disponível em bit.ly/21xYIe3.

Um jogo quântico

Para cada espécie de ser vivo conhecida no planeta, há 100 mil por serem identificadas, de acordo com a projeção de um grupo da Universidade de Indiana, Estados Unidos. Segundo esse trabalho, a Terra deve abrigar 1 trilhão de espécies de microrganismos, das quais 99,999% permanecem desconhecidas.

O levantamento se baseou em informações de bancos de dados governamentais e acadêmicos sobre 5,6 milhões de microrganismos, plantas e animais de 35 localidades em terra firme e nos oceanos. A estimativa do número total de espécies resultou da aplicação de modelos ecológicos sobre como

A desconhecida biodiversidade da Terra

a biodiversidade se relaciona com a abundância dos seres vivos (PNAS, 2 de maio). De acordo com o trabalho, financiado pelo programa Dimensões da Biodiversidade da National Science Foundation (NSF) dos Estados Unidos, as bactérias são os microrganismos mais abundantes e capazes de viver em ambientes extremos. O solo se mostrou o ambiente mais favorável ao desenvolvimento de seres vivos (1 grama de terra pode conter mais de 1 bilhão de organismos). Identificar a diversidade microbiana, porém, continua sendo um desafio. De todas as espécies de microrganismos catalogadas, apenas cerca de 10 mil crescem em laboratório e o genoma de menos de 100 mil já foi sequenciado.

Grande Fonte Prismática, no

Parque Nacional de Yellowstone: águas ricas em

microrganismos ainda não

identificados

BringWaterHome: o desafio é transportar um átomo (líquido rosa) sem alterar sua energia

Page 16: Fosfoetanolamina

16 | maio DE 2016

A prova final da

fosfoetanolamina

cApA

Pílula da discórdia: governo federal aprovou a fosfoetanolamina antes de o composto ter sido testado de forma adequada

Page 17: Fosfoetanolamina

Testes clínicos em seres humanos devem

atestar se o composto pode ser útil no

tratamento de algum tipo de câncer

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Marcos pivetta

Nas próximas semanas os supostos efeitos bené-ficos da fosfoetanolamina sintética, que vem sendo usada há mais de duas décadas sem aval científico como uma tentativa de tratar o cân-cer, começam a ser definitivamente postos à prova em dois estudos clínicos independentes.

Produzido desde a década de 1990 de forma artesanal por Gilberto Chierice, professor titular (hoje aposentado) do Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (IQSC-USP), o polêmico composto será, pela primeira vez, testado de forma controlada, de acordo com os protoco-los de pesquisa, em seres humanos nos estados de São Paulo, Ceará e Rio de Janeiro. Sua eventual ação sobre diferentes formas de tumores será acompanhada em detalhes por meses, talvez anos se os resultados forem promissores, por médicos e pesquisadores envolvidos nos experimentos. “Ao final dos testes, deveremos sair do campo subjetivo, em que algumas pessoas relatam melhora com o emprego da fosfoetanolamina, e ter informações objetivas sobre se o composto é benéfico ou não para algum tipo de câncer”, afirma Roger Chammas, professor de oncologia básica da Faculdade de Medicina da USP (FM-USP) e coordenador do Centro de Investigação Translacional em Oncologia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp).

O primeiro estudo deverá ser o do Icesp. A candidata a droga anticâncer será ministrada, durante dois meses, a um grupo de 10 pacientes com a doença para confirmar sua apa-rente não toxicidade. “Precisamos validar esse ponto antes de prosseguir com os trabalhos”, diz Paulo Hoff, diretor-geral do Icesp e coordenador do estudo. Se não houver problemas de segurança, as pílulas de fosfoetanolamina passarão a ser dadas a um conjunto de 210 pacientes, divididos em grupos de 21 doentes, que têm os 10 tipos mais comuns de câncer: cabeça e pescoço, mama, próstata, colo do útero, cólon e re-to, estômago, fígado, pulmão, pâncreas e melanoma. Caso o composto apresente algum benefício, o experimento poderá ser expandido e incluir até mil pacientes e se prolongar por dois anos.

O protocolo científico desse estudo, financiado ao custo de R$ 2 milhões pelo governo paulista, já foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Na-cional de Saúde (Conep-CNS) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão federal que regula o re-gistro de medicamentos e alimentos. A fosfoetanolamina a ser empregada no estudo foi sintetizada pela empresa PDT Pharma, de Cravinhos, no interior paulista, e está sendo en-capsulada pela Fundação para o Remédio Popular (Furp), la-boratório farmacêutico oficial do estado de São Paulo. “Assim

pEsQuisA fApEsp 243 | 17

Page 18: Fosfoetanolamina

Como uma droga chega ao mercadoantes de ser liberada para uso em seres humanos, uma molécula candidata a ser reconhecida como medicamento precisa ser testada e aprovada em diferentes fases de pesquisa pré-clínica e clínica. Todo o processo raramente demora menos de uma década

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fAsE pré-clíNicA

o composto é testado em

células de animais e/ou

humanas cultivadas em

laboratório (in vitro) e também

em animais (in vivo),

geralmente em camundongos,

para averiguar sua possível

atividade terapêutica e

toxicidade. cerca de 90% das

moléculas pesquisadas não

passam desta etapa

que recebermos as cápsulas, podemos começar o estudo”, diz Hoff. Seis meses depois de iniciados os testes, será possível ter uma ideia preliminar se o composto apresenta benefícios para algum tipo de tumor, segundo o diretor-geral do Icesp.

A segunda iniciativa envolve o Núcleo de Pes-quisa e Desenvolvimento de Medicamentos da Universidade Federal do Ceará (NPDM-UFC) e o Instituto Nacional de Câncer (Inca), do Rio de Janeiro. Em agosto, o NPDM pretende ini-ciar a chamada fase 1 da pesquisa clínica (testes em seres humanos) com a fosfoetanolamina, na qual quatro diferentes dosagens do composto serão dadas por via oral a um grupo de 60 a 120 voluntários sadios, sem câncer, para checar a sua toxicidade. “Até essa data, devemos ter em mãos todos os relatórios dos estudos pré-clínicos de nosso grupo de trabalho e obtido as autorizações necessárias para iniciar os testes”, diz o médico Manoel Odorico de Moraes, professor da UFC e coordenador do núcleo.

Se aprovado nesse ensaio inicial, o composto avança para os estudos clínicos de fase 2 no Inca. Nessa etapa, ele será testado em até 200 pacientes, divididos em quatro grupos de 50 pessoas, cada um com um tipo de câncer que não responde bem

18 | maio DE 2016

a situação da fosfoetanolamina

ao tratamento-padrão: melanoma, colo do úte-ro, adenocarcinoma de pulmão sem mutação no gene EGFR e de mama triplo negativo (sem três tipos de biomarcadores). “Primeiro vamos testar a fosfoetanolamina em um grupo de 20 pacientes com cada tipo de tumor”, afirma a médica Marisa Maria Dreyer Breitenbach, coordenadora de pes-quisa do Inca. Se os resultados forem positivos em pelo menos 10% dos pacientes, o composto será dado ao restante dos doentes do grupo. Por fim, caso continue apresentando ação promissora em uma parcela significativa dos pacientes, a molé-cula poderá vir a ser testada em uma população maior com câncer. “Temos de fazer todos os tes-tes. Não dá para simplesmente extrapolar para os seres humanos os resultados positivos obtidos em estudos feitos em animais ou em células cul-tivadas em laboratório”, diz Marisa. Os testes no NPDM-UFC e no Inca fazem parte do conjunto de estudos pré-clínicos e clínicos que estão sen-do conduzidos por um grupo de trabalho criado em outubro do ano passado pelos ministérios da Saúde e da Ciência, Tecnologia e Inovação para es-tudar a fosfoetanolamina. Até R$ 10 milhões estão previstos para serem alocados para as iniciativas do grupo de trabalho, que podem se estender por

os estudos até agora publicados pelo grupo

do professor chierice sobre a

fosfoetanolamina se enquadram nesta fase.

contudo, nos trabalhos com animais, os

pesquisadores administraram o composto

por via endovenosa ou intraperitonial, e não

de forma oral, como ocorreu com os

pacientes que receberam as pílulas

Page 19: Fosfoetanolamina

três anos. Essa verba, no entanto, não deve ser su-ficiente para cobrir todas as despesas se a fosfoe-tanolamina chegar aos estágios finais dos testes.

Segundo Chierice, que se aposentou da USP em dezembro de 2013, a fosfoetanolamina produzida em seu laboratório teria sido testada em pacientes com câncer na segunda metade dos anos 1990 no Hospital Amaral Carvalho, de Jaú (SP), com o qual seu grupo celebrou um convênio de pesquisa. Por meio de sua assessoria de imprensa, o hospital, no entanto, nega que tenha administrado o composto em seres humanos naquela época.

Definida pela fórmula química C2H8NO4P, a molécula da fosfoetanolamina é produzida natu-ralmente nos mamíferos, inclusive no homem. É fabricada no retículo endoplasmático, nas células eucariontes, que contêm um núcleo e organelas protegidas por membranas. Está presente em todos os tecidos e órgãos e no leite materno. O composto é definido com um precursor da fos-fatidilcolina e fosfatidiletanolamina, moléculas envolvidas na síntese de fosfolipídeos, uma classe de gorduras que são o principal constituinte das membranas celulares. A ligação da fosfoetanola-mina com o câncer remonta a 1936, quando foi isolada pela primeira vez de tumores bovinos.

fAsE 3

a candidata a droga participa de um

grande estudo, às vezes conduzido em

mais de um país ou centro de pesquisa,

com pelo menos 800 pacientes, de

diferentes etnias, idade e perfil médico.

avaliam-se os riscos e benefícios a curto

e longo prazo do composto e sua

vantagem terapêutica em relação aos

fármacos existentes no mercado.

a dose e a via de administração são

determinadas, além de contraindicações

e efeitos colaterais. uma vez aprovada

nesta etapa crucial, a droga é

liberada para venda

fAsE 1

começam os testes com seres humanos.

entre 20 e 100 voluntários saudáveis

recebem a molécula a fim de determinar

o grau de toxicidade do composto.

em estudos com doenças graves, como o

câncer, a toxicidade geralmente é avaliada

em um pequeno grupo de pacientes.

no brasil, desde 1996, todos os projetos

precisam ser aprovados pela conep e, a

partir de 1999, também pela anvisa.

os estudos visam encontrar a maior dose

tolerável, a menor dose efetiva, a relação

dose/efeito terapêutico, a duração do

efeito e efeitos colaterais. outro objetivo é

entender a farmacocinética do composto:

como ele é administrado, absorvido,

transformado, depositado e eliminado

do organismo

fAsE 2

é uma espécie de estudo terapêutico-

-piloto, que envolve entre 100 e 200

pacientes com a doença-alvo do

composto. mais testes de segurança

são feitos e a ação da molécula sobre

a doença-alvo começa a ser

determinada em mais detalhes

fAsE 4

são estudos feitos depois que uma

droga começa a ser vendida. seu intuito

é ver se não aparecem novos efeitos

adversos e se o fármaco produz os

efeitos terapêuticos esperados, além de

levantar informações para o marketing

do produto e sobre novas formas de

administração do remédio

pEsQuisA fApEsp 243 | 19

os primeiros

testes clínicos com

a fosfoetanola-

mina a serem

feitos no icesp e

na ufc/inca

se encaixam

nesta fase

a lei federal nº 13.269,

sancionada em

14 de abril pela

Presidência sem veto,

autoriza a produção,

importação, prescrição,

posse ou uso da

fosfoetanolamina antes

de o composto

ter sido avaliado em

estudos clínicos

das fases 1, 2 e 3 e

de ter obtido o

registro da anvisa

Page 20: Fosfoetanolamina

20 | maio DE 2016

Células se dividindo: velocidade do processo aumenta o risco de câncer

Posteriormente, foi sintetizada em laboratório e hoje é vendida como ingrediente químico e aparece na fórmula de alguns suplementos de cálcio comercializados no exterior.

lANcEs hEtErodoxos Os testes em pacientes seriam uma etapa natural da pesquisa clínica se a fosfoetanolamina tivesse percorrido a trajetória legal clássica prevista no processo de registro de um novo remédio jun-to às autoridades sanitárias. Mas sua história é peculiar, com lances heterodoxos, e o compos-to se encontra em uma situação juridicamente inusitada desde 14 de abril. Nessa data, uma lei federal, encaminhada pelo Senado e sancionada sem nenhum veto pela Presidência da Repúbli-ca, autorizou seu uso por pacientes com câncer amparados por um laudo médico com o diag-nóstico da doença. A medida, de apelo popular, foi to mada a despeito de não ter sido publicado um único trabalho científico sobre a segurança e os alegados efeitos positivos da fosfoetanola-mina em seres humanos, passando por cima das prerrogativas da Anvisa, órgão encarregado de regular o setor de medicamentos. A lei não es-pecifica onde será fabricada a fosfoetanolamina. A PDT Pharma está responsável por fornecer as pílulas apenas para os testes no Icesp. A USP

fechou no fim de março o antigo laboratório de Chierice no IQSC e o Supremo Tribunal Federal (STF) lhe concedeu, no início de abril, o direito de não mais fornecer o composto a doentes as-sim que o estoque das pílulas acabasse. A Anvi-sa, as sociedades médicas, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e outras entidades científicas posicionaram-se contra a lei. Afinal, a fosfoe-tanolamina não é registrada como remédio em nenhum lugar do mundo.

Moléculas candidatas a serem reconhecidas como medicamento precisam passar pela pes-quisa pré-clínica antes de serem testadas em pessoas sadias ou pacientes. Nessa etapa, a to-xicidade e os possíveis efeitos terapêuticos do composto são observados in vitro, em células de animais ou humanas cultivadas em laborató-rio, e in vivo, em modelos animais, geralmente camundongos, com uma versão da doença hu-mana a que o pretenso fármaco se destina. Sem apresentar resultados satisfatórios, cerca de 90% das moléculas pesquisadas não passam dessa fa-se. As que se mostram seguras e com potencial de combater alguma patologia podem se tornar alvo de estudos clínicos, ou seja, serem testadas em seres humanos. “Muitos compostos que exi-bem bons resultados em experimentos in vitro não apresentam o mesmo efeito em testes com

Page 21: Fosfoetanolamina

pessoas”, afirma Marisa, do Inca. Se realmente se mostrar eficiente para tratar uma patologia, com mais benefícios do que malefícios, o aspirante ao status legal de fármaco é aprovado e registrado pela Anvisa como um remédio para um deter-minado problema de saúde. Todo esse processo dificilmente demora menos de 10 anos, pois é preciso ter certeza de que o medicamento produz o efeito desejado sem ser tóxico (ver infográfico nas páginas 18 e 19).

Há cerca de uma dezena de estudos publicados em revis-tas internacionais sobre o em-prego da fosfoetanolamina so-mente em linhagens de células de animais e humanas cultiva-das em laboratório (in vitro) e também trabalhos em modelos animais com câncer (in vivo). Em linhas gerais, esses traba-lhos sugerem que a fosfoeta-nolamina não é tóxica a células sadias, sem câncer, e pode ter ação contra alguns tipos de tu-mores: melanoma, mama, leu-cemia, fígado, pulmão, rim, ós-seo e glioblastoma (cérebro). Durvanei Augusto Maria, do Laboratório de Bioquímica e Biofísica do Instituto Butan-tan, é o autor da maioria desses trabalhos, em parceria com o próprio Chierice e seus colegas.

Nos últimos 10 anos, Durvanei Maria tem se dedicado de forma sistemática a estudar a fos-foetanolamina em experimentos pré-clínicos. “Trabalho com a fosfoetanolamina pura, crista-lizada, que é solúvel em água e me foi fornecida pelo professor Chierice”, conta o pesquisador, que atualmente orienta dois mestrandos e um doutorando, com bolsa da FAPESP, para estudar o composto. “Eu a administro nos animais por via endovenosa ou intraperitoneal, não por via oral, como ocorre nos pacientes que tomam a pílula.” Esse detalhe é crucial. As taxas de disseminação, absorção, deposição e eliminação de uma droga podem variar muito em função da maneira co-mo ela é ingerida. Entre os estudos recentes de Durvanei Maria com a fosfoetanolamina desta-cam-se um artigo no British Journal of Cancer, em novembro de 2013, e outro que saiu em 18 de abril de 2016 na versão eletrônica do Internatio-nal Journal of Nanomedicine.

Segundo o pesquisador do Butantan, o suposto mecanismo de ação da fosfoetanolamina contra o câncer é diferente da forma como atuam os quimioterápicos e a radioterapia. “Acreditamos que ela promove a analgesia e altera a composição de lipídeos [gorduras] em torno das células com câncer”, diz Durvanei Maria. Assim, o composto

modificaria o funcionamento das mitocôndrias e estimularia a apoptose (morte programada) das células com câncer e preservaria as sadias. De acordo com Chierice, a fosfoetanolamina atua como uma espécie de marcador das células com câncer, que trabalham de forma anaeróbica, sem oxigênio, enquanto as sadias requerem oxigênio para se manter. Assim – sempre segundo o quí-mico de São Carlos –, o composto ajudaria o sis-

tema imunológico do paciente a combater a doença. “Os médi-cos falam que há cerca de 150 tipos de câncer, mas só existem esses dois tipos de células, as anaeróbicas e aeróbicas”, afir-ma Chierice.

Para Roger Chammas, o hi-potético mecanismo de ação da fosfoetanolamina proposto por Chierice e seu grupo é interes-sante e plausível, mas precisa ser demonstrado por mais estu-dos e denota desconhecimento da complexidade dos sistemas biológicos. “Eles acreditam que o composto seria modificado pelo organismo e geraria fosfo-lipídeos que então produziriam efeitos contra os tumores”, diz Chammas. “Essa hipótese não

foi testada. Precisamos de mais estudos.”

o coNtEúdo dAs cápsulAsComo etapa inicial de suas atividades, o grupo de trabalho criado pelos ministérios da Saúde e da Ciência, Tecnologia e Inovação analisou o conteúdo das cápsulas produzidas em São Carlos, sintetizou a fosfoetanolamina de acordo com o método de Chierice e fez alguns estudos pré-clí-nicos. Com exceção da constatada ausência de to-xicidade e da não promoção de mutações no DNA, a fosfoetanolamina não apresentou resultados animadores para seus defensores. O grupo de Luiz Carlos Dias, coordenador do Laboratório de Química Orgânica Sintética da Universidade Estadual de Campinas (LQOS-Unicamp), anali-sou o peso e o conteúdo de 16 pílulas. Nenhuma delas tinha o peso alegado, de 500 miligramas (mg) – variou de 233 mg a 368 mg. “O processo de fabricação das pílulas não tinha nenhum con-trole, é amador”, afirma o farmacêutico Eliezer J. Barreiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador do Instituto Na-cional de Ciência e Tecnologia de Fármacos e Medicamentos (INCT-Inofar), que assinou o re-latório sobre as cápsulas do composto com Dias.

Dentro das pílulas havia, em média, 32,2% de fosfoetanolamina e mais quatro componen-tes: 34,9% de fosfatos de cálcio, magnésio, ferro,

composto será testado em pacientes com 10 diferentes tipos de tumor no instituto do câncer do Estado de sp

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manganês, alumínio, zinco e bário; 3,6% de pi-rofosfatos de cálcio, magnésio, ferro, manganês, alumínio, zinco e bário; 18,2% de monoetanola-mina protonada; e 3,9% de fosfobisetanolamina. “Esperávamos um composto só e encontramos cinco”, diz Dias. Ainda como parte dos estudos pré-clínicos feitos pelo grupo de trabalho, o Cen-tro de Inovação de Ensaios Pré-Clínicos (CIEnP), instituto privado sem fins lucrativos localizado em Florianópolis, constatou que a monoetano-lamina, e não a fosfoetanolamina, apresentou atividade tóxica in vitro contra células tumorais de pele e do pâncreas. Mas a monoetanolamina se mostrou útil contra células de câncer apenas em uma concentração elevada, cerca de 3 mil vezes maior do que a usada em quimioterápicos. “A fosfoetanolamina pura é inativa”, afirma João Batista Calixto, professor titu-lar aposentado de Farmacolo-gia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coor-denador do CIEnP. No Ceará, o núcleo coordenado por Ma-noel Odorico de Moraes, da UFC, também não registrou toxicidade da fosfoetanola-mina contra cinco diferentes linhagens de células humanas e de camundongos cultivadas in vitro, três com tumores e duas sem câncer.

Chierice e Durvanei Maria contestam a maioria dos resul-tados pré-clínicos apresenta-dos pelo grupo de trabalho montado pelo governo fede-ral. “Nunca disse que as pílulas tinham só fosfoetanolamina”, diz Chierice. “O composto é ácido e precisa ser neutralizado com bases para ser dado às pessoas.” Embora admita que o peso das cápsulas produzidas em seu antigo labora-tório em São Carlos poderia apresentar alguma variação, ele estranhou a presença de bário nos testes feitos pela Unicamp. “Eles não devem ter feito os testes com a fosfoetanolamina das cáp-sulas. Devem ter sintetizado o composto por um método diferente do meu”, diz Chierice. Dias rei-tera que os testes foram feitos com o conteúdo das cápsulas fabricadas em São Carlos. Durvanei Maria também argumenta que os estudos feitos pelo grupo de trabalho usaram concentrações muito baixas da fosfoetanolamina. Por isso não deram resultados semelhantes às suas pesquisas feitas no Butantan.

Especialista na síntese de polímeros derivados da mamona que podem ser usados em aplicações médicas (ver Pesquisa FAPESP nº 91), Chierice nunca havia trabalhado com a fosfoetanolamina

até o fim dos anos 1980. Nessa época, durante um experimento com um eletrodo seletivo para cálcio, deparou-se com o composto. Consultou a literatura científica e sua primeira impressão foi de que a fosfoetanolamina podia ser cancerí-gena. Em seguida, passou a pensar exatamente o contrário. “Achei que o organismo produzia a fostoetanolamina para se defender do tumor”, conta Chierice. Durante meses, tentou produ-zir em seu laboratório o composto. Obteve su-cesso em sintetizar a fosfoetanolamina ao com-binar duas substâncias, a monoamina e o ácido fosfórico, por meio de um método cuja patente pediria em 2008. Era uma forma barata e com alto rendimento de fabricação do composto, de acordo com Chierice.

coNVêNio coM hospitAlEm 1995, o químico de São Car-los fechou um convênio com o Hospital Amaral Carvalho pa-ra testar, durante cinco anos, três iniciativas de seu labora-tório: próteses de mamona, um bactericida/fungicida, também extraído dessa planta, e a fos-foetanolamina em pacientes com câncer. Teria sido mais ou menos nessa época que o composto começou a chegar às mãos dos pacientes com câncer. “Inicialmente, forneci a fosfoe-tanolamina para o hospital fa-zer os testes”, afirma Chierice, que tem uma cópia do convê-nio. “Tudo foi aprovado pela comissão de ética do hospital e pelo Ministério da Saúde. A

A fosfo- etanolamina não parece ser tóxica, mas seus alegados efeitos nunca foram comprovados em pacientes

o químico gilberto chierice: pílulas eram fabricadas em seu antigo laboratório na usP de são carlos

1

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pEsQuisA fApEsp 243 | 23

Projetos1. avaliação dos efeitos antitumorais da formulação lipossomal dodac/fosfoetanolamina sintética em modelo de hepatocarcinoma (nº 2015/02950-1); modalidade bolsas no brasil – doutorado direto; Pesquisador responsável durvanei augusto maria (instituto butantan); Beneficiário arthur cassio de lima luna; investimento r$ 93.974,40.2. avaliação dos efeitos antiproliferativos e de apoptose da formulação lipossomal dodac associados à fosfoetanolamina sintética em células de carcinoma espinocelular de cavidade oral (nº 2015/00547-5); modalidade bolsas no brasil – mestrado; Pesquisador responsável durvanei augusto maria (instituto butantan); Beneficiário larissa Kim higashi de carvalho; investimento r$ 49.143,90.3. avaliação antitumoral da formulação lipossomal dodac com o composto fosfoetanolamina sintética em células tumorais de mama humana (nº 2014/02344-1); modalidade bolsas no brasil – mes-trado; Pesquisador responsável durvanei augusto maria (instituto butantan); Beneficiário manuela garcia laveli da silva; investimento r$ 47.624,90.

artigos científicosluna, a. c. l. et al. Potential antitumor activity of novel dodac/Pho-s liposomes. international Jornal of Nanomedicine. 18 abr. 2016.ferreira, a. K. et al. synthetic phosphoethanolamine has in vitro and in vivo anti-leukemia effects. British Journal of cancer. v. 109. n. 11, p. 2819-28. 2013.

Anvisa ainda não existia.” Com o tempo, segundo o químico, os médicos do hospital teriam visto que os resultados dos testes eram bons e passa-do a pedir para os próprios doentes retirarem as cápsulas do composto no laboratório de Chierice na USP. Se foram realmente feitos, os testes em pacientes no Amaral Carvalho nunca tiveram seus resultados divulgados e o hospital hoje nega ter dado a fosfoetanolamina aos doentes.

Com o fim do convênio entre o grupo de Chieri-ce e o hospital no ano 2000, doentes da região de São Carlos e de outras partes do estado e do país começaram a se dirigir ao laboratório do IQSC em busca das pílulas da USP que, segundo rela-tos de pacientes que teriam usado o composto, seriam capazes de curar o câncer. Chierice não se negava a ajudar os doentes e seu laboratório virou alvo de uma romaria silenciosa de pacientes e familiares, por vezes desesperados. O quími-co calcula ter fabricado por ano cerca de 40 mil cápsulas, suficientes para atender a demanda de aproximadamente 800 pessoas. “Nunca fiz na-da escondido. Todos sabiam da fosfoetanolami-na. Muitos colegas da USP pegaram as pílulas”, afirma o químico.

A situação se manteve longe dos olhos do gran-de público durante anos. Em dezembro de 2013, Chierice fez 70 anos e se aposentou compulso-riamente da universidade. Em junho de 2014, uma portaria do IQSC reforçou a proibição fe-deral a respeito da produção e distribuição, por pesquisadores da universidade, de substâncias não aprovadas como medicamento pela Anvisa e Ministério da Saúde. O ato administrativo não mencionava a fosfoetanolamina, mas esse era seu alvo. “Enquanto fui professor da USP, nin-guém teve coragem de proibir a produção”, afirma Chierice. No início deste ano, a USP denunciou o

químico por curandeirismo e crime contra a saúde pública.

Pacientes que estavam receben-do a fosfoetanolamina de modo in-formal (e irregular diante da le-gislação da Anvisa) conseguiram liminares na Justiça e obtiveram o direito legal de continuar a ganhar da USP as pílulas do composto. A USP argumentou que não era la-boratório farmacêutico e que não havia pesquisas que autorizassem seu uso em seres humanos. No final do ano passado, as discussões che-garam à Câmara dos Deputados e ao Senado, onde Chierice e outros pesquisadores de seu grupo foram defender o uso do composto.

Os ensaios clínicos que em bre-ve começarão no país não devem pôr fim à polêmica. Chierice não

os reconhece totalmente e não dá sinais de que pretende mudar seu ponto de vista. “Estou fa-zendo testes no exterior com a fosfoetanolamina para confrontar com os resultados obtidos aqui”, afirma ele, sem nomear os laboratórios. “Tenho certeza de que descobri a cura do câncer.” Frases nesse tom criam expectativas que a maioria dos pesquisadores julga irreais. Os oncologistas não acreditam que exista uma única droga capaz de combater todos os cerca de 200 tipos de tumores. “Não desenhamos nossos testes com a esperança de que a fosfoetanolamina possa ser milagrosa, o que não seria justo com o composto”, diz Paulo Hoff, do Icesp. “Vamos analisar seus eventuais efeitos, de forma independente, em cada um dos 10 grupos de pacientes com tumores distintos.” n

Procura pela fosfoetanolamina em em frente ao iQsc: Justiça chegou a obrigar a usP a entregar o composto a alguns pacientes, mas hoje a distribuição das pílulas está proibida

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PESQUISA FAPESP 243 | 25

EntrEvIStA

aos 74 anos de idade, o infectologista paulista Guido Carlos Levi dedica parte do seu tempo a esclarecer dúvidas de pessoas que ainda desconfiam dos be-nefícios das vacinas. Na semana em que recebeu a

reportagem em seu consultório na capital paulista, teve de convencer a duras penas uma mulher de 85 anos, que jamais havia sido vacinada, a se imunizar contra a gripe a fim de evitar o vírus H1N1. Ela estava acompanhada do marido, que recorreu ao médico na esperança de que ela mudasse de ideia. Referindo-se a vacinas como um “veneno sujo”, a mulher finalmente capitulou ante as explicações de Levi. “Contei a ela que, graças às vacinas, foi possível erradicar doenças como a varíola, que matou milhões de pessoas na Europa e nas Américas”, diz. A rejeição às vacinas é tema do livro Recusa de vacinas – Causas e consequências, publicado por Levi em 2013. Historicamente associada a populações pouco esclarecidas, a resistência mudou de perfil e hoje se tornou um fenômeno das classes sociais mais altas, segundo o médico. “Trata-se da população que tem mais acesso a tratamentos alternativos, como a homeopatia ou a medicina antroposófica, que muitas vezes não recomendam a vacinação.”

Doutor em Medicina pela Universidade Estadual de Campi-nas (Unicamp), onde lecionou na Faculdade de Ciências Mé-

Guido Carlos Levi

IdAdE 74 anos

ESPEcIAlIdAdE Infectologia

FormAção Graduação na Faculdade de Medicina de Sorocaba (PUC) e doutorado em Medicina na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

ProdUção cIEntíFIcA Autor de mais de 100 artigos científicos; escreveu ou organizou cerca de 40 livros

reação inesperadaInfectologista diz que a recusa à vacinação se tornou

fenômeno das classes mais altas e intelectualizadas no Brasil

Bruno de Pierro | rEtrAto Léo ramos

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dicas, Levi é membro do comitê técnico do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde, estabelecido em 1973. “O programa é referência interna-cional. A cobertura vacinal no Brasil é, em média, superior a 95%, com doses disponibilizadas gratuitamente em mais de 35 mil postos da rede pública”, conta. Na gestão pública, dirigiu o Instituto de Infectologia Emílio Ribas entre 1995 e 2001. É diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações e um dos fundadores da Cedipi, em São Paulo, uma clínica particular estabelecida em 1972 que ofe-rece vacinas, algumas das quais ainda não disponíveis na rede pública, como a de herpes-zóster. Na entrevista a se-guir, Levi fala do problema da recusa às vacinas na população e de pesquisas em torno de novas imunizações.

Como surgiu seu interesse por vacinas?Fiz residência no Hospital do Servidor Público do Es-tado de São Paulo na década de 1960 e lá participei de uma iniciativa a convite do pro-fessor Vicente Amato Neto. Tratava-se de um trabalho voluntário em comunidades carentes na serra do Mar, que não tinham acesso a sanea-mento básico. Eram milha-res de pessoas com doenças que podiam ser tratadas com medicamentos simples para combater parasitas. Outras moléstias podiam ser evita-das por meio da vacinação. Montamos clínicas ambulan-tes e uma das ações era vacinar princi-palmente as crianças. O índice de inter-nação daquelas pessoas diminuiu cerca de 90%. Nossa equipe cresceu e passa-mos a atender outros locais da periferia de São Paulo. Essa experiência também resultou na publicação de artigos cien-tíficos nas áreas de parasitologia, imu-nização e saúde pública. O senhor é autor de um livro sobre a re-cusa de vacinas. Qual o tamanho desse problema?Com a internet, circulam muitos dados imprecisos, que confundem a população. No caso das vacinas, é comum ver in-formações equivocadas sobre seus efei-tos colaterais que influenciam a decisão

das pessoas de se imunizarem ou não. Um exemplo: a vacina contra o vírus in-fluenza A [H1N1], de origem suína, não contém mercúrio, como dizem por aí. O mercúrio é usado como conservante em quantidades microscópicas apenas nas vacinas que são disponibilizadas em fras-cos de 10 doses. Em vacinas individuais, como a da H1N1, não há. E mesmo em relação àquelas que levam mercúrio há estudos que mostram que a quantidade presente em algumas vacinas não é tó-xica. Ainda assim há gente afirmando que a vacina da gripe faz mal porque contém mercúrio.

Além da falta de informação, há tam-bém casos de má-fé, não?Sim. Um dos casos mais emblemáticos é

o de Andrew Wakefield, um ex-pesqui-sador britânico que, em 1998, publicou um artigo na revista The Lancet esta-belecendo uma suposta relação entre a vacina tríplice viral e o autismo em 12 crianças. De acordo com Wakefield, isso ocorreria por má absorção de vitaminas essenciais e outros nutrientes, facilitan-do, porém, a absorção de proteínas que poderiam causar encefalopatia, levan-do ao aparecimento de autismo. O estu-do recebeu críticas e, como os autores eram prestigiados em suas áreas e houve ampla repercussão, várias investigações foram feitas para verificar a veracidade dessas conclusões. Pesquisas realizadas em vários locais, como Estados Unidos e Ásia, não encontraram relação entre a

vacina e o autismo. Descobriu-se então que Wakefield havia recebido pagamen-tos de um escritório de advogados que tinha interesse em processar laboratórios e médicos. Em 2010, a The Lancet can-celou o artigo, considerado fraudulento. Wakefield passou por um julgamento no Reino Unido e, em 2014, teve o registro profissional cassado.

A resistência às vacinas é atribuída a um perfil específico na população?A resistência é curiosa. Observa-se que, atualmente, se trata de um fenômeno das classes mais altas e intelectualiza-das. Há um estudo feito por um grupo da Universidade de São Paulo que reforça essa tese. Em épocas mais recentes, os movimentos antivacinacionistas perde-

ram muito da base religiosa que tinham no passado. As classes mais altas têm mais acesso a tratamentos alterna-tivos e às medicinas homeo-pática e antroposófica, que muitas vezes não recomen-dam a vacinação. Entre os homeopatas há uma divisão entre os favoráveis e os con-trários às vacinas. Nenhum autor clássico da homeopatia se contrapôs à vacinação. O próprio Samuel Hahnemann, pai da homeopatia, era um entusiasta da vacina contra a varíola. Mesmo assim há muitos homeopatas que não recomendam. Já na medicina antroposófica, uma doutrina filosófica e mística fundada pelo austríaco Rudolf Steiner

no início do século XX, existe um posi-cionamento desfavorável à vacinação, ainda que não encontremos literatura nem favorável nem contrária às imu-nizações. Há também uma comunida-de chamada Christian Science, fundada nos Estados Unidos, da qual surgiu um caso de sarampo em 1994 que provocou uma epidemia nos estados de Missouri e Illinois. Essa comunidade proíbe o uso não só de vacina, mas de qualquer tipo de medicamento com o argumento de que “ninguém pode ir contra a vontade de Deus”.

São grupos pequenos. São influentes?São minorias, de fato. O problema é que, quando uma pessoa toma uma vacina,

Há, na internet, informações equivocadas sobre os efeitos colaterais das vacinas

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não está protegendo apenas a si mes-ma, mas também sua comunidade. Se um grupo, por menor que seja, deixa de ser vacinado, há chances de desen-cadear um surto, afetando pessoas que ainda não foram vacinadas. Em 2011, por exemplo, houve um surto de sarampo em São Paulo, originado em uma escola de linha antroposófica no bairro do Butantã, onde muitas crianças não haviam sido vacinadas por opção dos pais. Segundo essa linha de pensamento, acredita-se que basta uma alimentação saudável para manter a saúde das crianças.

Há quem afirme que o excesso de va-cinas poderia sobrecarregar o sistema imunológico. Há evidências disso?

Existem as controvérsias científicas, mas é preciso deixar claro que muitas vezes não há ciência por trás de vários argu-mentos. Por exemplo, o médico Robert Sears, autor do best-seller The vaccine book: Making the right decision for your child, de 2007, sugere que, nos atuais es-quemas vacinais, ocorre sobrecarga imu-nológica com a administração combina-da ou simultânea de vacinas. Isso ainda seria agravado por excesso de alumínio, albumina purificada de sangue humano e timerosal, uma substância usada co-mo conservante de medicamentos. Se-ars propõe um esquema alternativo, em que as vacinas seriam aplicadas em um tempo mais espaçado e separadamente. Mas, se você analisa em profundidade o livro de Sears, não consegue achar pes-quisa dando lastro a essas conclusões. Não há nada. Por exemplo, ao afirmar que a tríplice viral contém albumina pu-rificada derivada de sangue humano ele revela desconhecer que esse produto é obtido por cultura de tecidos, e não de-rivado de sangue. Há argumentos que não resistem a uma análise baseada em evidências científicas.

A alegada sobrecarga imunológica, en-tão, não existe?A sobrecarga nunca foi comprovada. Se eu aplicar, hipoteticamente, 10 mil vaci-nas simultaneamente em uma criança, ela tem capacidade de responder a todas, sem ter sobrecarga. O argumento da so-brecarga diz o seguinte: ao ser vacinado

muitas vezes, o organismo sobrecarre-garia todo o seu sistema imunológico para responder às vacinas, não conse-guindo dar respostas a outras ameaças. Esse conceito pressuporia que seres hu-manos, particularmente os de mais baixa idade, seriam incapazes de responder eficazmente e com segurança ao gran-de número de antígenos vacinais admi-nistrados. Mas veja: a criança, quando nasce, tem em poucas horas o intestino inteiramente povoado por bactérias. A quantidade de antígenos que ela tem é milhares de vezes maior do que os an-tígenos que vêm por meio da vacinação. Se a sobrecarga imunológica existisse, as crianças morreriam nos primeiros dias de vida, porque a própria colonização de bactérias no pós-parto seria suficiente para matar o bebê.

No passado, o que levava as pessoas a rejeitarem vacinas? Em 1904 tivemos a Revolta da Vacina, no Rio de Janeiro, marcada por conflitos e protestos populares. A principal causa foi a campanha de vacinação compulsó-ria contra a varíola, realizada pelo gover-no brasileiro e coordenada pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz. A maioria da população era pobre e não tinha infor-mações sobre como funcionam as vaci-nas. Portanto, a revolta não era contra a vacina em si, mas contra a imposição da vacinação. No final do século XIX, a Inglaterra decidiu abolir a obrigatorie-dade das vacinas. Em vez do número de Fo

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Em 1957, Levi (ao centro, de preto)

era o goleiro do time de futebol no Colégio

Dante Alighieri, em São Paulo.

Em 1961, na Faculdade de Medicina de

Sorocaba (abaixo)

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28 | maio DE 2016

pessoas vacinadas cair, observou-se o contrário: as pessoas aceitaram vacinar--se voluntariamente.

Obrigar a vacinar ainda é um problema?A vacinação compulsória é uma ques-tão ética, moral e cultural. Nos Estados Unidos, 48 estados permitiam que se recusasse a vacinação dos filhos se fosse apresentado um argumento religioso ou filosófico, por exemplo, ou restrições mé-dicas. As duas exceções eram os estados de West Virginia e Mississipi, onde a va-cinação é compulsória. Lá, é necessário comprovar a vacinação das crianças para poder entrar na escola. Recentemente a Califórnia também passou a exigir a va-cinação básica para matrícula escolar. A Austrália há três anos adotou outra es-tratégia, ao perceber que os índices de vacinação na população estavam caindo para níveis perigosos. A solução foi ofe-recer recompensas financeiras para os pais que vacinassem os filhos.

O Brasil optou por recomendar e ofe-recer vacinas em vez de estabelecer obrigatoriedade. Está correto na sua opinião?No Brasil, fizemos uma discussão sobre isso no Ministério da Saúde. Minha opi-nião é de que, num país como o nosso, recusar a matrícula de uma criança na escola porque ela não está com as vaci-

nas em dia é algo muito ruim. O acesso à educação aqui é lamentável e não há por que torná-lo mais difícil. Na Austrália, antes de adotarem o modelo de recom-pensa, permitiam que uma criança não vacinada frequentasse a escola. Mas, se tivesse algum surto de uma doença, essa criança poderia ser afastada das aulas, independentemente de isso durar um mês ou um ano. Aqui ainda temos muito trabalho a ser feito usando informação. Podemos solicitar, por exemplo, que os pais façam inscrição da criança na escola e apresentem a carteirinha de vacinação. Se a carteirinha não estiver em dia, os pais são chamados e se explica a eles a importância da vacinação, indicando os postos de saúde no bairro onde possam vacinar os filhos gratuitamente. Nes-se caso, a escola não iria simplesmente recusar a matrícula do aluno, mas sim informar os pais e indicar minimamente como eles poderiam proceder. Se fizer-mos isso, poderemos melhorar os índices de vacinação no Brasil. Eles são bons, e podem melhorar.

Há ressalvas com embasamento cien-tífico às vacinas? Existem alguns fenômenos históricos de falhas na produção de vacinas, hoje em dia bem raros. Por exemplo, no início da década de 1960, foi distribuído um lote contaminado da vacina Sabin. Ho-

je em dia há uma série de etapas, como a verificação de impurezas e os testes em humanos em diversas fases. É difí-cil, portanto, ter efeitos colaterais não previstos ou verificados durante os tes-tes. As etapas de produção de uma va-cina são semelhantes às de um medica-mento e pode levar mais de 10 anos até que um imunizante chegue ao mercado. Já os efeitos colaterais das vacinas não são muito expressivos. Pode haver, even-tualmente, por exemplo, uma convulsão febril em crianças, mas não é comum. Outro exemplo: quando se toma a va-cina pneumocócica pela primeira vez, começa-se a formar anticorpos. Quan-do se toma a segunda dose, caso a pes-soa tenha muito anticorpo, pode haver uma reação local na pele e ficar dolori-do por uns três dias. O problema é que muitas pessoas tomam a vacina e não são informadas sobre esse efeito colate-ral. Assustadas com a reação, vão a um pronto-socorro e, no atendimento, aca-bam sendo tratadas como se estivessem com alguma infecção.

Qual sua avaliação sobre as pesquisas com vacinas contra a dengue?Em breve deverá estar nas clínicas de todo o país uma vacina desenvolvida pela empresa Sanofi Pasteur. Mas é uma vacina de eficácia não muito elevada, de mais ou menos 60% de proteção. Os

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Guido Levi com o então governador Mário Covas na reinauguração da unidade de terapia intensiva do Instituto Emílio ribas, em 2000

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estudos mostram que essa vacina tem uma eficácia maior nas populações que já tiveram dengue. São três doses com seis meses de intervalo entre uma do-se e outra. Se você tem um surto, num determinado lugar, será difícil bloqueá--lo com uma vacina dessas. O Programa Nacional de Imunizações na atualidade não pensa em adquirir essa vacina. O fato é que existem outras vacinas con-tra a dengue sendo pesquisadas, que parecem ter eficácia maior. O Instituto Butantan desenvolveu uma delas em conjunto com os Institutos Nacionais de Saúde, maior agência financiadora de pesquisa médica dos Estados Uni-dos, que está na fase 3 de testes clínicos [a FAPESP, em parceria com o CNPq e o Ministério da Saúde, financiou o de-senvolvimento inicial dessa vacina entre 2008 e 2011 no âmbito do Programa Pes-quisa em Parceria para Ino-vação Tecnológica, Pite]. O Centro de Processamento de Vacinas, o Bio-Manguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz [Fiocruz], no Rio de Janei-ro, também está processan-do uma vacina que promete ser eficiente para combater a dengue. Nos próximos anos, teremos boas vacinas contra a doença.

A indústria farmacêutica não se sente atraída pela produção de vacinas. O que fazer para garantir o desen-volvimento e a fabricação de imunizantes?Antigamente, um país rico podia de-monstrar pouco interesse em produzir um medicamento ou uma vacina para determinada doença típica de países em desenvolvimento, por exemplo. Mas ago-ra o mundo está globalizado. As pessoas circulam mais e isso facilita a dissemina-ção de vírus. A dengue não está mais res-trita a países do hemisfério Sul, existem alguns casos nos Estados Unidos, assim como há registros de malária e ebola na Europa. Todos os países precisam estar preparados. Por isso, nos últimos anos, assistimos a um aumento das parcerias entre empresas, instituições de pesquisa e organizações não governamentais co-mo forma de acelerar o desenvolvimento de vacinas e medicamentos. Mas ainda

é preciso mais incentivos para esse tipo de colaboração.

Como avalia a produção de vacinas no Brasil?Temos a produção de vacina para a febre amarela, pela Fiocruz, e a da gripe, pelo Instituto Butantan, ainda que parte dela seja feita pelo laboratório Sanofi Pasteur. Mas, no geral, a produção ainda está en-gatinhando. Não somos autossuficientes. Uma coisa inteligente que se está fazendo são as parcerias que envolvem transferên-cia de tecnologia. Uma instituição brasi-leira compra, por exemplo, vacina pneu-mocócica de um laboratório internacio-nal, com a condição de que o laboratório transfira a tecnologia. Assim, daqui a cinco anos, o Brasil poderá produzir a vacina.

A vacina contra o vírus HPV pode aju-dar a combater alguns tipos de cânce-res. A relação entre vírus e câncer está sendo mais aceita? A hipótese viral foi suficientemente im-portante para o governo federal ter in-cluído no calendário nacional a vacina contra o HPV, que é muito cara. O HPV está relacionado a casos de câncer de faringe, laringe, reto, pênis, ânus e colo do útero. Eu acho que essa perspectiva, que relaciona o câncer a causas virais, deveria ser mais levada a sério. Pode-mos dizer que a vacina de HPV é, indi-retamente, contra o câncer. Há pessoas que dizem que faltam provas de que essa vacina combate o câncer. Mas, claro, há várias etapas entre a infecção pelo vírus

e o desenvolvimento de um câncer. A ideia é que a vacina evite o avanço dessas etapas intermediárias. Daqui a 20 anos, por exemplo, saberemos com certeza se a vacina ajudou a evitar casos de câncer.

Para evitar o contágio e reinfecções pelo HPV, estão sendo vacinadas meninas a partir dos 9 anos de idade. Para o con-trole ser mais eficiente, não deveriam ser levados em consideração também os meninos? Essa diferenciação é por razões econô-micas. O Brasil fez um esforço enorme para promover a vacina. A primeira eta-pa da vacinação teve 100% do grupo--alvo atendido. O foco nas meninas é porque o câncer do colo do útero é o mais grave. Em países onde o dinhei-

ro não é problema, os dois sexos são vacinados, como ocorre hoje na Austrália. Eu mesmo vacinei minhas ne-tas e meus netos; não estou preocupado com estatísticas, que mostram que o câncer do colo do útero é mais inci-dente do que o de laringe. E daí? Deve-se combater todos os tipos de câncer.

Se o país conta com uma re-de pública de distribuição de vacinas, qual é o sentido de manter clínicas particula-res, como a Cedipi?A clínica tem vacinas que ainda não estão disponíveis no sistema público. Nós ad-quirimos a vacina tríplice vi-ral muito antes de ser incor-

porada pela rede pública. Conseguimos antecipar algumas vacinas negociando diretamente com os laboratórios. Por exemplo, a rede privada tem vacina con-tra a meningite B, que não existe na rede pública, assim como temos a destinada à prevenção do herpes-zóster, que tam-bém não foi, ainda, incorporada pelo SUS [Sistema Único de Saúde]. Além disso, embora a Cedipi não realize pes-quisa, muitos de nossos profissionais têm atuação em instituições de pesquisa e de órgãos como a Secretaria Estadual de Saúde e o Ministério da Saúde. Não é porque somos uma clínica particular que deixamos de lutar para que mais vacinas sejam incorporadas pela rede pública. Pelo contrário. n

muitas vezes não há base científica por trás dos argumentos contrários às vacinas

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Centro internacional criado em

instituto da Unesp impulsiona

pesquisa e promove cursos e eventos

sobre física teórica

Alguns dos workshops agendados tratarão de assuntos como modelagem matemática de sistemas urbanos, física matemática e empreen-dedorismo. Tais atividades são promovidas pelo Centro Internacional de Física Teórica/Institu-to Sul-americano para Pesquisa Fundamental (ICTP/SAIFR, na sigla em inglês), uma iniciativa lançada em 2010 pelo Centro Internacional de Física Teórica Abdus Salam (ICTP), em Tries-te, na Itália, pela Unesp e pela FAPESP. “Nossa programação é definida por um comitê científi-co composto por pesquisadores de alto nível do Brasil e do exterior que se reúnem todo mês de fevereiro”, diz o físico norte-americano natura-lizado brasileiro Nathan Berkovits, professor do IFT da Unesp e diretor do ICTP/SAIFR.

Trata-se do primeiro centro a repetir em um outro país a experiência do ICTP de Trieste, cria-do na década de 1960 pelo físico paquistanês e vencedor do Nobel de Física de 1979 Abdus Sa-lam (1926-1996) para produzir ciência de classe mundial e treinar pesquisadores de países em

O auditório do Instituto de Física Teó-rica (IFT) da Universidade Esta-dual Paulista (Unesp) tornou-se, nos últimos quatro anos, um espa-ço para discussões vigorosas sobre

temas avançados da física. Vinte e cinco eventos estão programados para acontecer ali ao longo de 2016, entre cursos, seminários e workshops. Só nas próximas semanas, duas escolas interna-cionais terão a participação de pesquisadores de países como Estados Unidos, Índia, Itália, Repú-blica Checa, Suécia, França e Argentina, que irão treinar mais de uma centena de estudantes de mestrado e doutorado do Brasil e do exterior. A primeira escola, entre 23 e 31 de maio, abordará a Teoria das Cordas, modelo que concebe as inte-rações atômicas por meio de entidades hipotéti-cas, as cordas, que dariam origem a partículas. A segunda, de 27 de junho a 9 de julho, terá como mote a matéria escura, substância ainda desco-nhecida e invisível que compõe ao menos 23% do Universo e parece não absorver nem emitir luz.

Fabrício Marques

De Trieste para São Paulo

POlíTica c&T InstItUIção y

Esta é a terceira reportagem de uma série sobre os 40 anos da Universidade Estadual Paulista, a Unesp

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desenvolvimento. Além de organizar eventos que atraem palestrantes e estudantes do país e do continente, o centro paulista busca fazer pesquisa em física teórica na fronteira do conhecimento. Para tanto, está reforçando os quadros do IFT, composto por 18 professores, com uma dezena de estagiários de pós-doutorado, na maioria estran-geiros, além de pesquisadores visitantes. Cinco pesquisadores estrangeiros foram recrutados num regime diferente do habitual nas universidades brasileiras. A seleção é feita por um comitê inter-nacional, que avalia candidatos de várias partes do mundo analisando seus currículos e fazendo entrevistas. Os escolhidos são admitidos por um período experimental, em geral de dois anos. Se a experiência for bem-sucedida, abre-se concur-so para docente na área daquele pesquisador – e ele, se quiser, pode disputá-lo.

O colombiano Eduardo Pontón, 45 anos, foi o primeiro a cumprir esse caminho e se tornar professor do IFT e pesquisador permanente do ICTP/SAIFR. Doutor em Física pela Universidade FO

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de Maryland e professor entre 2004 e 2012 da Universidade Colúmbia, Estados Unidos, Pontón é especialista em física de partículas, sobretudo naquela associada à operação do Grande Colisor de Hádrons (LHC). Há outros quatro pesquisa-dores trabalhando no ICTP paulista, ainda em regime temporário. Um deles é o italiano Fabio Iocco, 36 anos, especialista em física de astro-partículas, que nos últimos anos produziu con-tribuições no estudo da matéria escura. Atual-mente, Iocco é beneficiário do programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes, da FA-PESP, e de uma doação que a Fundação Simons, de Nova York, fez ao centro. Selecionado por um comitê composto por cientistas vinculados a instituições dos Estados Unidos e da Alemanha, como a Universidade de Princeton e o Instituto Max Planck de Astrofísica, Iocco chegou a São Paulo em 2014 e vem se dedicando a atividades variadas. No ano passado, foi o primeiro autor de um artigo, publicado na Nature Physics, que demonstrou a existência da chamada matéria

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escura entre o Sol e o centro da Via Láctea. Ioc-co e colaboradores constataram, com precisão inédita, que a velocidade real da rotação de es-trelas em torno do centro da galáxia é maior do que a velocidade que seria esperada, levando--se em conta a força de gravidade exercida pela massa visível de estrelas. A diferença é atribuída à presença da matéria escura.

i occo também organiza eventos e orienta es-tudantes. Atualmente, está envolvido na pre-paração da Escola Internacional sobre Ma-

téria Escura, que deve reunir até 100 alunos no IFT em junho. “Trata-se de um curso com uma preocupação didática de apresentar os tópicos mais avançados sobre o tema para estudantes de mestrado e doutorado. Com a variedade de background dos estudantes que vêm de toda a América do Sul, é fundamental selecionar profes-sores que, além de conhecerem profundamente o assunto, saibam traduzir o conhecimento para esses alunos, conservando o nível de excelência que o ICTP-SAIFR quer gerar”, diz.

Assim como Iocco, o uruguaio Rafael Porto, 38 anos, assumiu uma posição temporária no ICTP em 2014, vindo da Universidade de Princeton, com financiamento da FAPESP e da Fundação Simons. A aquisição mais recente é o português Pedro Vieira, professor visitante do Perimeter Institute, do Canadá, que ganhou em 2015 a Me-dalha de Gribov, atribuída pela Sociedade Euro-peia de Física, por sua pesquisa em física teórica. Completa o quadro o italiano Riccardo Sturani, beneficiário do programa Jovens Pesquisadores da FAPESP desde 2013, que deve deixar o IFT no segundo semestre para trabalhar no Instituto Internacional de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ver Pesquisa FAPESP nº 242). Sturani é vinculado ao Observatório Inter-ferométrico de Ondas Gravitacionais (Ligo), nos Estados Unidos, que registrou de forma pioneira a passagem de ondas gravitacionais pela Terra (ver Pesquisa FAPESP nº 241).

O programa de mestrado e doutorado do IFT--Unesp alcançou a nota máxima (7) nas duas úl-timas avaliações da Coordenação de Aperfeiçoa-mento de Pessoal de Nível Superior (Capes) – a nota anterior na avaliação era 6. Atribui-se esse desempenho ao crescimento da articulação com universidades de outros países. A pós-graduação do IFT, criada na década de 1970, formou cerca de 300 mestres e 200 doutores e, atualmente, tem 60 alunos. “Já tivemos 28 professores, contingente suficiente para garantir a diversidade em áreas de pesquisa na nossa pós-graduação, mas mui-tos se aposentaram e ainda não houve reposição. Hoje somos apenas 18”, diz Rogério Rosenfeld, professor e atual diretor do IFT. O instituto não oferece cursos de graduação.

É certo que os jovens pesquisadores estão se-meando novas linhas de pesquisa em consonân-cia com o que é feito nos melhores institutos do exterior, o que confirma a forte e tradicional articulação internacional do IFT. O instituto foi criado em 1951 por um grupo liderado pelo enge-nheiro civil José Hugo Leal Ferreira com o apoio de militares como o general Henrique Teixeira Lott, que seria candidato a presidente da Repú-blica em 1960. “O país vivia o pós-guerra e havia um grande interesse na pesquisa em física, talvez pelos motivos errados”, diz Rosenfeld, referindo--se ao apelo da pesquisa nuclear. “Várias insti-tuições ligadas à pesquisa foram criadas também nessa época, como o CNPq, a Capes e o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, o CBPF”, afirma. O alto custo de criar uma instituição de pesquisa em física experimental levou o grupo a propor um centro voltado à física teórica.

O modelo adotado foi o do Instituto de Física Max Planck, de Göttingen, Alemanha, na época dirigido por Werner Heisenberg, Prêmio Nobel de Física de 1932, que foi um dos fundadores da teoria quântica e um dos responsáveis pelo pro-grama nuclear da Alemanha nazista durante a Segunda Guerra. “José Hugo Leal Ferreira che-gou a convidar Heisenberg para ser seu diretor”, lembra o físico Pedro Carlos de Oliveira, que em 2001 defendeu uma tese de doutorado na Uni-versidade de São Paulo (USP) sobre a história do IFT. Depois de meses de tratativas, Heisenberg recusou o convite e sugeriu os nomes dos físicos Carl Friedrich von Weizsäcker, Wilhelm Macke

antiga sede do Instituto de Física teórica, na rua Pamplona, em são Paulo: pesquisa, formação de recursos humanos e colaborações internacionais

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e Reinhard Oehme, que vieram para o Brasil. Weizsäcker foi o primeiro diretor do instituto.

No final dos anos 1950, o instituto inaugurou sua fase japonesa. Em 1958, vieram para São Pau-lo Mituo Taketani, da Universidade de Rikkyo, e Yasuhisa Katayama, da Universidade de Tóquio. Esta colaboração possibilitou trabalhos como o modelo de partículas conhecido como Mode-lo São Paulo. Em 1962, Paulo Leal Ferreira, um dos filhos do fundador José Hugo, foi nomeado diretor científico – o primeiro brasileiro a assu-mir o cargo. Dedicado à pesquisa e à formação de pesquisadores, o IFT consolidou ao longo do tempo parcerias com universidades de países co-mo Dinamarca, Chile, Argentina, Itália, França, Estados Unidos, Espanha e Inglaterra.

Nos anos 1980, sofreu uma severa crise financeira, quando a Financiadora

de Estudos e Projetos (Finep), do governo federal, reduziu re-passes e determinou que seus recursos não poderiam ser usa-dos para pagar salários. A so-lução aventada para o impasse seria a vinculação do instituto a uma universidade. Houve con-versas com a USP e a Univer-sidade Estadual de Campinas (Unicamp), mas elas evoluíram com a Unesp, que tinha pouca tradição em física – a produção científica do IFT era maior e tinha mais impacto do que a de todos os departamentos de física das unidades da Unesp.

Paulatinamente, o IFT integrou-se à estrutura da Unesp. “Somos uma unidade complementar, ligada à reitoria, que sempre nos apoia bastante”, diz Rosenfeld. Um pesquisador do IFT engajado num front mais experimental do que teórico, o físico Sérgio Novaes liderou a criação do Núcleo de Computação Científica da universidade, que hoje fornece processamento de dados para mais de 300 pesquisadores da Unesp. “Esse trabalho é um resultado indireto de nossa participação no LHC”, diz Novaes, que coordena o braço paulista de uma rede internacional de computadores que filtram e organizam os resultados das colisões atô-micas geradas em aceleradores de partículas. Por meio do projeto temático Centro de Pesquisa e Análise de São Paulo (Sprace, na sigla em inglês), físicos brasileiros participam desde 2003 da análi-se das propriedades de milhões de partículas que nascem ou morrem ao se chocarem em altíssima velocidade no acelerador Tevatron, do Fermilab, nos Estados Unidos, desativado em 2011, e nos túneis do LHC, na fronteira franco-suíça.

Novaes ingressou na Unesp no final da década de 1970 e se dedicou a campos da física teórica até o ano 2000, quando optou por uma área experi-mental. Sua participação no LHC – ele passa duas temporadas por ano na França – transformou-o em um dos pesquisadores mais produtivos da Unesp. Novaes aparece em terceiro lugar numa lista, produzida pelo ranking Webometrics, dos 100 pesquisadores brasileiros mais citados se-gundo o Google Scholar Citations (GSC). Seus artigos já obtiveram 47,5 mil citações. “Para tocar um experimento desse porte é preciso uma massa crítica considerável, com a participação conjunta de um grande número de pesquisadores. Mas a produção é sazonal. Enquanto o equipamento era construído, não publicamos por um longo tempo.

Quando surgiram os dados, a produção cresceu”, diz.

O IFT funcionou até 2009 num antigo casarão na rua Pamplona, na capital paulis-ta, que ainda pertence à funda-ção que mantinha o instituto. Um dos marcos da integração com a Unesp foi a transferência de sua sede para um campus construído pela universidade em frente à estação de ônibus e trem da Barra Funda, em São Paulo, que comporta também o Instituto de Artes e a Agência Unesp de Inovação. Em mar-ço passado, os vizinhos IFT e Instituto de Artes promoveram seu primeiro evento conjunto. Batizado de Encontro de Uni-versos, teve palestras de físicos

e artistas plásticos sobre temas como “Einstein e Picasso – Espaço, tempo e beleza” e “Bóson de Higgs na perspectiva do artista”. n

a transferência da sede do iFT para o campus na Barra Funda, em 2009, foi um marco de sua integração à Unesp

Projetos1. ICtP – Instituto sul-americano para Pesquisa Fundamental: Um centro regional para física teórica (nº 2011/11973-4); Modalidade Projeto temático; Pesquisador responsável nathan Jacob Berkovits (IFt-Unesp); Investimento r$ 4.293.588,79.2. Centro de Pesquisa e análise de são Paulo (nº 2013/01907-0); Modalidade Projeto temático; Pesquisador responsável sérgio Ferraz novaes (IFt-Unesp); Investimento r$ 4.645.660,87 (para todo o período do projeto).3. abordagem de teoria de campos efetiva em cosmologia (nº 2014/25212-3); Modalidade Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes; Pesquisador responsável rafael alejandro Porto Pereira (IFt-Unesp); Investimento r$ 192.939,21 (para todo o período do projeto).4. matéria escura na Via láctea: Uma era de precisão (nº 2014/22985-1); Modalidade Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes; Pesquisador responsável Fabio Iocco (IFt--Unesp); Investimento r$ 183.616,51 (para todo o período do projeto).5. Pesquisa em ondas gravitacionais (nº 2013/04538-5); Moda-lidade Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes; Pesquisador responsável riccardo sturani (IFt-Unesp); Investimento r$ 256.541,00.

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Canais de vídeo ganham

destaque na divulgação de

pesquisas feita na internet

Difusão y

Bruno de Pierro

Na ciêNcia

Com a Teoria da Relatividade Restrita, Albert Einstein demonstrou em 1905 que a energia de um objeto varia em função de sua massa e velocidade. Cento e onze anos depois, a mes-ma teoria serviu para colocar ponto final nu-

ma controvérsia que inspira fãs de quadrinhos (HQs) há décadas: qual super-herói tem o soco mais forte? Em um dos primeiros vídeos publicados pelo canal Nerdologia, no YouTube, o biólogo Atila Iamarino sugere que é o Flash, e não o Hulk ou o Super-Homem. Em tom bem-humorado, citando HQs e fórmulas da física, Iamarino explica que, ao atingir velocidade próxima à da luz, Flash seria capaz de dar um soco com impacto equivalente à explosão de 4 milhões de bombas de fusão nuclear, liberando energia suficiente para atear fogo em toda a atmosfera terrestre. O vídeo “viralizou”, isto é, propagou-se rapidamente na internet e teve mais de 1 milhão de visualizações.

“Conseguimos atingir um público amplo, não necessa-riamente interessado por ciência”, diz Iamarino, que aca-ba de encerrar um estágio de pós-doutorado no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e planeja dedicar-se à divulgação científica. “Isso foi possível porque os conceitos científicos podem dialogar com um público cujos interesses são outros, co-mo histórias em quadrinhos, cinema e games”, completa.

Nos últimos anos, canais de vídeo no YouTube (tam-bém chamados de vlogs) que abordam ciência e tecnolo-gia ganharam expressão na divulgação científica feita na internet. Em países como os Estados Unidos, jovens que

Youtubers

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tivar o surgimento de outros novos”, ex-plica o biólogo Rafael Bento Soares, um dos idealizadores do SvBr.

A iniciativa, diz Bento, também pro-cura garantir um selo de qualidade aos vlogs. “Com um selo do ScienceVlogs, o usuário saberá que o conteúdo tem las-tro da ciência e boa procedência”, diz o biólogo, que em janeiro fundou com co-legas a NuminaLabs, empresa de gestão de conteúdo científico. Um dos objetivos da companhia é gerenciar os canais de vídeo de ciência e promover parcerias entre eles e instituições de pesquisa. Se-gundo ele, muitas dessas instituições têm interesse em elaborar projetos de divulgação científica, mas não sabem como. “Os youtubers têm experiência e poderiam atuar como prestadores de serviço, produzindo vídeos.”

REFERÊNCIAEm poucos meses, o SvBr recebeu quase 35 mil inscrições no YouTube e tornou--se porta de entrada para canais ainda pouco conhecidos do público. É o caso do iBioMovies, vlog de biologia criado em 2012 pelo professor de ensino médio Vinícius Camargo Penteado, também idealizador da plataforma. “No início o canal tinha 700 visualizações, sendo que 200 eram da minha mãe”, brinca. “Em 2014, a equipe que produzia os vídeos comigo desistiu temporariamente do projeto, que permaneceu no limbo.” Após vincular seu canal ao portal do SvBr, no entanto, Penteado observou um salto no número de visualizações. Há um mês, ele

anunciou que voltaria a produzir para o canal. “Estou animado, ainda que seja difícil fazer tudo sozinho”, diz.

Um dos primeiros canais brasileiros a levar ciência ao YouTube foi o Manual do Mundo, criado em 2008 pelo jorna-lista Iberê Thenório e sua mulher, a te-rapeuta ocupacional Mariana Fulfaro. Nos vídeos, o casal aborda o conteúdo científico, mas de maneira pouco explíci-ta, diluindo-o em experiências, receitas, pegadinhas, mágicas e outras atividades. O objetivo, segundo eles, é ajudar a esti-mular o interesse do público pela ciência, mas sem falar exclusivamente de ciência. O canal tem mais de 5,6 milhões de ins-critos, o que fez de Thenório e Mariana celebridades da internet, hoje convida-dos para participar de programas de TV.

Diferentemente do Manual do Mundo, que conta com uma equipe e patrocina-dores, o trabalho solitário, com poucos recursos, é a realidade da maioria dos youtubers. Aluna de mestrado em ciên-cia da computação da Universidade Fe-deral de Minas Gerais (UFMG), Camila Laranjeira, de 23 anos, passa boa parte de seu tempo livre escrevendo roteiros, editando ou gravando vídeos para seu canal, o Peixe Babel, dedicado à robótica. “Faço tudo sozinha, no meu quarto”, diz Camila, que começou o canal ainda na graduação. “Percebi que muitos amigos e parentes não compreendiam conceitos básicos de tecnologia. O canal nasceu da minha vontade de explicar.”

Os assuntos abordados nos vídeos, pu-blicados semanalmente, são escolhidos

agora são conhecidos como youtubers produzem vídeos de ciência curtos, de mais ou menos 5 minutos, muitas vezes com poucos recursos disponíveis, e que chegam a ter, em alguns casos, mais de 200 milhões de visualizações. O fenôme-no é caracterizado pelo engajamento de um público jovem, incluindo crianças e adolescentes.

Os donos dos canais de vídeo são, na maioria, pesquisadores em início de car-reira ou estudantes de graduação e pós--graduação. “Os vlogs estão conseguindo conquistar uma audiência mais diver-sificada, ao contrário dos blogs cientí-ficos, que são mais restritos ao públi-co interessado por ciência”, diz Rafael Evangelista, pesquisador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campi-nas (Labjor-Unicamp). De acordo com ele, isso acontece porque os canais de vídeo tratam de ciência utilizando uma linguagem informal, próxima à do en-tretenimento, fazendo referências ao universo da cultura pop, representado, por exemplo, pelas séries de TV.

Em março, youtubers brasileiros lan-çaram uma iniciativa para fortalecer esse modelo no país. Trata-se do Science-Vlogs Brasil (SvBr), uma rede on-line formada por 21 canais de vídeos de ciên-cia. A ideia foi colocada em prática após um encontro realizado no início do ano em Campinas. “Percebemos a impor-tância de nos unirmos em torno de um objetivo comum: tornar os canais mais conhecidos do grande público e incen-Fo

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a partir de sugestões de amigos. Camila conta que boa parte de seu público é for-mada por alunos de graduação, crianças e adolescentes. Um de seus primeiros vídeos a ter repercussão chama-se O Ho-mem de Ferro da vida real, uma referên-cia ao herói da editora Marvel Comics. “O vídeo não é sobre o Homem de Ferro em si, mas sim sobre um exoesqueleto desenvolvido nos Estados Unidos, que será utilizado por soldados em combate. Se eu tivesse usado o termo ‘exoesque-leto’ no título, certamente espantaria muita gente, por ser um jargão técnico”, diz Camila.

Apesar do caráter inovador dos you-tubers, com suas referências à cultura pop e o desapego a formalismos, Rafael Evangelista, do Labjor-Unicamp, ob-serva que muitos dos canais de ciência ainda estão presos a um modelo que predominou por quase duas décadas e que, de certa forma, ainda motiva várias ações de divulgação científica. Trata-se do chamado modelo do déficit, segun-do o qual a população tem uma carên-cia de conhecimento que só pode ser preenchida por meio da educação do público pelos cientistas. Nesse mode-lo, explica Evangelista, o público pode ocupar uma posição passiva, a de mero receptor do conhecimento, enquanto os cientistas aparecem em condição de superioridade. “Há o risco de criar uma comunicação de mão única e de cima para baixo, como se a falta de conheci-mento da população fosse resultado de

falhas cognitivas. A realidade, porém, é mais complexa, e vários fatores sociais e políticos contribuem para dificultar o acesso do público à ciência”, diz Evan-gelista. Dono do canal Papo de Biólogo, Vinícius de Paula Ferreira, de 23 anos, procura evitar que o conteúdo seja pas-sado dessa maneira em seus vídeos. “Não posso aparecer como se fosse o dono da verdade. Meu trabalho é mostrar como a ciência pode ser interessante”, diz Fer-reira, que conta ter aprendido isso após trabalhar como monitor no Catavento Cultural, espaço para difusão da ciência e do conhecimento mantido pelo gover-no do estado de São Paulo no centro da capital paulista. “Depois de me formar em biologia, decidi trabalhar com divul-gação científica”, afirma. Após receber elogios do público por seu desempenho na educação ambiental, resolveu criar, há 10 meses, um canal no YouTube no qual pudesse falar de animais exóticos.

“No início, os vídeos do Papo de Bió-logo eram feitos no meu quarto, usan-do a câmera do celular”, conta Ferreira,

“Youtubers têm experiência e podem produzir vídeos para instituições de pesquisa”, diz o biólogo Rafael Bento

que eventualmente pegava sua mãe de surpresa ao aparecer em casa com uma cobra ou um escorpião. Com o sucesso dos vídeos, ele fechou uma parceria com a produtora de um amigo, passando a produzir vídeos mais elaborados e ao ar livre. Nos últimos meses, ele também recebeu convites para participar de pro-gramas de TV e dar palestras, o que lhe dá algum retorno financeiro. “Os vídeos ainda não são rentáveis”, diz Ferreira. Ele explica que, por enquanto, são poucos os youtubers de ciência que ganham algum dinheiro com seus canais, por meio de doações, patrocínio ou pelo próprio You-Tube, que divide parte da receita gerada com publicidade entre os produtores de conteúdo. A cada mil visualizações, a plataforma paga uma quantia que os-cila de US$ 0,60 a US$ 5, dependendo da quantidade de anúncios veiculados. Há canais de entretenimento, de games e de moda que publicam vídeos todos os dias e conseguem alta rentabilidade. Um exemplo: um dos vídeos do gamer Pedro Rezende, 18 anos, cujo canal no YouTu-be dá dicas do jogo Minecraft, chegou a render R$ 12,3 mil, depois de ter 560 mil visualizações.

CANAIS Do EXtERIoREnquanto no Brasil a maioria das expe-riências começa a tomar forma, países como os Estados Unidos reúnem exem-plos que se tornaram modelos para quem quer divulgar ciência no YouTube. Lá, um único canal de ciência pode chegar a registrar mais de 270 milhões de visua-lizações, como é o caso do Veritasium, criado em 2011 pelo físico Derek Muller. Considerado uma das principais referên-cias em divulgação científica da atualida-de, o canal tem recursos e publica vídeos

a voz por trás do canal Nerdologia, atila iamarino produz os vídeos em sua casa

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PESQUISA FAPESP 243 z 37

com produção profissional, que em nada se parecem com videoaulas monótonas. Por exemplo, para falar sobre como um acidente nuclear pode ser devastador, Muller viajou até Chernobyl, na Ucrâ-nia, e filmou ruínas de casas, hospitais e escolas atingidos pelo acidente em 1986.

Em outro canal de destaque, o Smar-terEveryDay, o engenheiro norte-ame-ricano Destin Sandlin filmou sua intera-ção com cangurus para mostrar como as fêmeas abrigam e amamentam os filho-tes numa bolsa de pele. Com mais de 3 milhões de visualizações, o vídeo rende boas risadas. Já outra referência, o Mi-nute Physics, criado por Henry Reich, utiliza animações simples para explicar conceitos complicados da física. O canal tem mais de 3 milhões de inscritos e seus vídeos já foram exibidos em programas da televisão norte-americana.

Em um estudo publicado em 2013 na revista PNAS, Dominique Brossard, pes-quisadora do Departamento de Ciên-cias da Comunicação da Universidade de Wisconsin, Estados Unidos, afirma que o público leigo utiliza cada vez mais a internet para buscar informações que não podem ser encontradas em sites de notícia tradicionais. “Os próprios cien-tistas já estão confiando mais nas mí-dias sociais para se comunicarem com o grande público”, escreve Dominique. “Jovens pesquisadores estão criando ca-nais de comunicação direta com o públi-co não especializado, sem a necessidade

de intermediários, como sites de notícia ou jornais.” Esse fenômeno vem sendo observado há alguns anos em meios de comunicação on-line, como blogs e redes sociais (Facebook e Twitter, por exem-plo), em que os textos são divulgados de modo quase instantâneo, escritos tan-to por jornalistas quanto por cientistas.

O YouTube também abriga iniciati-vas de divulgação científica criadas por veículos de comunicação e instituições, que recorrem à internet como forma de atingir um público mais amplo. Pesqui-sa FAPESP mantém um canal de vídeos

no YouTube desde 2011. Todos os meses são publicados de um a dois vídeos de temas científicos relacionados às repor-tagens da revista. O canal tem quase 9 mil inscritos e mais de 1 milhão de visua-lizações. O SP Pesquisa, série de progra-mas de conteúdo científico exibida pela TV Cultura em parceria com a FAPESP, também está no YouTube, no canal da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp).

FIM DoS BLoGS?Uma discussão atual é se os blogs estão perdendo relevância para os canais do YouTube. “Por muito tempo, o blog foi a única forma de produção individual na internet. Com o avanço do YouTube e de outras mídias sociais, o blog perdeu a exclusividade. Posso recomendar arti-gos ou comentar um assunto de maneira muito mais rápida no Facebook ou no Instagram, por exemplo, ou gravando um vídeo curto no Snapchat”, avalia Atila Iamarino, que ainda mantém um blog na internet, o Rainha Vermelha. Segundo ele, os blogs continuam sendo necessá-rios quando se quer dar explicações mais longas e detalhadas. O formato também possibilita que o texto seja localizado mais facilmente do que no Facebook, ele explica.

Rafael Bento Soares, que também coordena a rede de blogs científicos ScienceBlogs Brasil, diz que a perda de popularidade dos blogs é uma realidade. “O ScienceBlogs tem 48 blogs, dos quais menos da metade está ativa. Alguns blo-gueiros estão migrando para o YouTube. E vários youtubers nunca tiveram antes um blog”, afirma. Rafael Evangelista, da Unicamp, acredita que esse novo mode-lo de divulgação é importante, pois en-gaja as pessoas que querem saber mais sobre ciência. No entanto, deve ser en-carado como um modelo parcial. “Uma reportagem, por exemplo, pode conse-guir apresentar outros lados, outras vi-sões envolvidas na complexidade de um assunto, enquanto um canal de ciência muitas vezes apresenta o ponto de vista apenas do pesquisador que fala na frente da câmera. Nos vídeos, muitas vezes não fica claro o que é informação e o que é opinião”, diz Evangelista. n

“Às vezes não fica claro o que é informação e o que é opinião nos vídeos”, pondera Rafael Evangelista, do Labjor-Unicamp

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vinícios ferreira, do papo de Biólogo: bichos exóticos na palma da mão para chamar a atenção do público

> para visitar os canais de vídeos citados na

reportagem acesse bit.ly/YoutubersCiência

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38 z maio DE 2016

Conselheiro-chefe do governo britânico diz

que seu trabalho é traduzir o conhecimento

científico para quem toma decisões

o governo do Reino Unido tornou-se um dos primeiros no mundo a criar, há meio século, o cargo de conse-lheiro-chefe para assun-

tos científicos, cuja função principal é apontar soluções baseadas na ciência para enfrentar desafios da administra-ção pública. O posto é ocupado hoje pelo imunologista Mark Walport, ex-dire-tor do Wellcome Trust, fundação que financia a pesquisa biomédica. Desde 2013, Walport assessora o premiê David Cameron em assuntos variados, como mudanças climáticas, envelhecimento populacional, biotecnologia e energia. Em 2014, após estatísticas mostrarem que o número de animais utilizados em testes pré-clínicos havia aumentado no Reino Unido, o governo anunciou medi-

EntrEvista MARK WALPORT y

Uma ponte entre a pesquisa e a política

das para reduzir ou substituir seu uso. Walport atuou como ponte entre o go-verno e a comunidade científica. Reco-nheceu a necessidade de mudanças, mas salientou que a abolição de animais em experimentos ainda é inviável.

Um diferencial do modelo britânico de aconselhamento científico é que o governo conta com cientistas-chefes em todos os departamentos e ministérios. Foi formada uma rede de conselheiros, comandada por Walport, que organiza reuniões semanais com o objetivo de dis-cutir prioridades em cada área. O modelo serviu de inspiração para o governo de São Paulo anunciar a criação do cargo de cientista-chefe em cada secretaria estadual, em setembro de 2015. A inicia-tiva, cuja ideia partiu da FAPESP, deve começar a ser implementada em breve.

Bruno de Pierro

Ex-diretor do Wellcome Trust, o imunologista Mark Walport é responsável por assessorar o premiê britânico David Cameron em assuntos científicos desde 2013

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PEsQUisa FaPEsP 243 z 39

Em abril, quando visitou o Brasil, Wal-port participou de um evento que mar-cou a renovação de um acordo de coo-peração entre a FAPESP e os Conselhos de Pesquisa do Reino Unido (RCUK, na sigla em inglês), mantido desde 2009. Entre os 164 acordos e convênios inter-nacionais de cooperação atualmente em vigor na FAPESP, 30 são com instituições britânicas, entre agências de fomento, empresas, universidades e instituições de ensino e pesquisa. Em entrevista à Pesquisa FAPESP, Walport falou sobre as parcerias com a ciência brasileira e tratou dos desafios enfrentados por um conselheiro científico.

O governo do estado de São Paulo vai criar o cargo de cientista-chefe em se-cretarias estaduais. O que é fundamen-tal para colocar em prática o modelo de aconselhamento científico?Posso descrever o caso do Reino Uni-do, onde o posto de cientista-chefe está muito bem estabelecido. Vivemos em uma sociedade em que o desenvolvi-mento tecnológico avança rapidamente. Há a emergência de novos desafios para a ciência, a exemplo de doenças infec-ciosas como a causada pelo vírus zika. Há também os desafios de mais longo prazo, como as mudanças climáticas, a sustentabilidade, a necessidade de redu-

zir a demanda por energia. Todas essas questões são enfrentadas por autorida-des e tomadores de decisão que, para elaborarem as melhores políticas, neces-sitam de evidências científicas. Por isso, o conselheiro científico precisa entender que a função dele é dar conselhos, não elaborar políticas, cuja responsabilidade é dos políticos eleitos pela população. Também é importante reconhecer que o trabalho de um conselheiro científico não implica saber tudo. O conselheiro precisa saber agir como um elo entre o mundo das ciências e o mundo da políti-ca. Meu trabalho consiste em identificar o que a ciência tem de melhor a oferecer Lé

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40 z maio DE 2016

É preciso aprender com a história. se quisermos entender a transmissão de uma doença, é preciso olhar para os costumes dos povos

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para orientar o governo em qualquer área. Às vezes, as informações de que preciso para fazer isso estão nas uni-versidades, outras vezes na indústria. Em seguida eu traduzo as informações de forma clara para que os gestores e os políticos possam compreender.

Qual é sua rotina de trabalho e quais dificuldades costuma enfrentar?Não há dificuldades propriamente di-tas, mas sim desafios, que são enormes e diversos. Para enfrentá-los, temos um cientista-chefe em cada departamento do governo, abrangendo diferentes áreas. Temos pessoas da área médica, como é o meu caso, físicos nucleares como Robin Grimes, conselheiro-chefe do Ministé-rio das Relações Exteriores, e também engenheiros no departamento que trata de mudanças climáticas. Nosso trabalho diário consiste em identificar questões importantes para o governo e, então, encontrar a melhor resposta científica.

O governo brasileiro aprovou uma lei que autoriza o uso de uma substância, a fosfoetanolamina sintética, em tra-tamentos contra o câncer, embora ela ainda não tenha sido submetida a testes clínicos e seja vista com reservas pela comunidade científica. Como o gover-no deveria ter agido, na sua opinião?  Não cabe a mim dizer o que o governo brasileiro deveria ter feito. Mas o ponto geral é que o gestor e o político enfren-tam assuntos como esse da fosfoetanola-mina por meio de três lentes diferentes. A primeira é a das evidências, ou seja, o que se sabe sobre determinado assunto.

A segunda é: “Se eu tomar essa decisão, ela será implementada?”. Uma política, por melhor que seja, só funciona se eu conseguir entregá-la à sociedade. A ter-ceira lente é a dos valores políticos, alguns deles antigos e arraigados, que as pessoas têm. O trabalho do político e da autori-dade consiste em integrar tudo isso. A ciência é uma parte no processo de deci-são, mas não é a única. [Mais informações sobre a fosfoetalonamina na página 16.]

O que fazer quando a visão da sociedade diverge da visão científica?As evidências científicas são muito im-portantes. Por exemplo, o meu predeces-sor, John Beddington, precisou sugerir medidas quando um vulcão na Islândia entrou em erupção alguns anos atrás, afe-tando o espaço aéreo do Reino Unido. Era seguro autorizar voos naquela situação? Um político que ignorasse os conselhos científicos nesse caso teria que ser muito corajoso. Mas, em determinadas circuns-tâncias, os valores pessoais ou defasados da sociedade se sobrepõem à ciência.

Como dar um conselho quando os cientis-tas têm opiniões diversas sobre o assunto? Existem muitas situações em que o co-nhecimento científico é incompleto. Um bom exemplo é o vírus zika: nem os po-líticos nem os cientistas têm respostas suficientes para oferecer soluções ime-diatas. Por isso, é importante ter um bom

sistema de saúde pública, capaz de atender aos casos e provi-denciar o tratamento possível no momento. Outra situação é quando o conjunto de conhe-cimentos disponíveis é imenso. Nesse caso, o que importa é a síntese das evidências, porque

nem todos os trabalhos científicos vão dizer a mesma coisa. Um bom exemplo de síntese são os relatórios do Painel In-tergovernamental de Mudanças Climá-ticas (IPCC), nos quais são apresentadas evidências das mudanças climáticas de maneira rigorosa. Sempre há cientistas isolados ou pequenos grupos que podem ter opiniões contrárias. Mas, no final das contas, a ciência avança por meio das evi-dências e dos consensos. Meu trabalho é ir atrás dessas sínteses de evidências.

A FAPESP é parceira de várias institui-ções de pesquisa do Reino Unido. Como o governo britânico vê essa parceria?

Em visita à Harborne Academy, no Reino Unido, em 2014, Walport falou sobre ciência a estudantes

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A FAPESP é uma boa parceira. Vim ao Brasil, entre outras razões, por causa do Fundo Newton. Por meio desse fun-do o governo britânico mantém parce-rias com 15 países, incluindo o Brasil. O Reino Unido está comprometido com investimentos de quase £ 10 milhões por ano [correspondentes a quase R$ 51,4 milhões], em projetos com a FAPESP e outras fundações de apoio à pesquisa no Brasil. Outra instituição com a qual mantemos parcerias de longa data é a Embrapa. Também estamos firmando acordos para a pesquisa de doen ças in-fecciosas, como leishmaniose e mal de Chagas. Os acordos incluem bolsas e oportunidades de intercâmbio. Tam-bém o Conselho Britânico trabalha com parceiros internacionais para estabe-lecer colaborações entre cientistas do Reino Unido e de outros países. Visitei a Fundação Amazonas Sustentável, na Amazônia, e celebramos projetos com as comunidades locais, em busca de mo-delos econômicos sustentáveis.

Uma de suas primeiras preocupações quando se tornou cientista-chefe do governo britânico foi em relação ao pro-blema do envelhecimento populacional. Como o Reino Unido tem lidado com esse desafio?Eu não caracterizaria o envelhecimento populacional como um problema. Pelo contrário, é um dos sucessos da huma-nidade. Estamos vivendo muito mais.

Há maior qualidade de vida, as pessoas estão tra-balhando por mais tempo e não querem chegar ao final da vida enfrentando longas batalhas contra doenças. Cientis-tas e governos precisam pensar em que condições as pessoas envelhecerão, em como as cidades irão se transformar nas próximas décadas. Como vamos preparar as pessoas para uma vida mais longa? O envelhecimento é um fenômeno global e traz desafios no campo da saúde, por exemplo, no aumento das doenças co-ronarianas e do diabetes.

O senhor já disse que a solução de pro-blemas como os surtos de Ebola depen-de também do trabalho de pesquisa-dores das ciências humanas. Por quê? Acredito que é preciso aprender com a história. Se quisermos entender a trans-missão de uma doença, é preciso olhar para os fatos históricos e para os costu-mes dos povos. É preciso compreender o contexto social em torno de uma doença.

O senhor ainda tem tempo para fazer pesquisa?Eu aprendo a usar a ciência a cada ins-tante do dia. Claro, tive que interromper meu trabalho de pesquisa desde que en-trei no Wellcome Trust, em 2003, e isso continuou quando assumi a função de cientista-chefe. É um cargo que me deixa extremamente ocupado o tempo todo. O

privilégio é que aprendo muito, porque estou sem-pre fazendo perguntas a cientistas, consultando instituições de pesquisa,

empresas e governo. Eu me esforço bas-tante em comunicar o conteúdo científico para leigos, como é o caso dos políticos, de forma a garantir, na medida do pos-sível, que os benefícios da ciência sejam aproveitados na administração pública.

O senhor também acompanha as discus-sões em torno da ética na ciência e de co-mo evitar casos de má conduta científica?Sim, estamos envolvidos nessa área há algum tempo. O desafio é estabelecer valores muito claros entre cientistas. Em última instância, a ciência se auto-corrige e os erros são descobertos. No Reino Unido, há acordos entre as agên-cias de apoio, as academias nacionais e instituições de pesquisa para o estabe-lecimento de um conjunto de diretrizes que buscam diminuir os episódios de má conduta científica. Esse é um problema que deve ser tratado onde se faz pesqui-sa, ou seja, nos laboratórios. Portanto, as instituições de pesquisa precisam ter valores éticos fortes em relação ao com-portamento que se espera do pesquisa-dor. Mas a verdade é que os cientistas são seres humanos e, infelizmente, al-guns são fracos e cometem deslizes de-liberadamente. Nem todos os cientistas são bons cientistas. nFo

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Walport baseia-se no iPCC para dar conselhos ao governo britânico em relação às mudanças climáticas

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Candida sp. em placa de Petri: causadora de infecções em quase 3 milhões de pessoas por ano no Brasil

ciência MEDICINA y

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O ataque silenciOsO

TExTo carlos Fioravanti FoTos Léo Ramos

É uma jaula de bichos perigosos. Em cai-xas metálicas dentro de um freezer a 80º Celsius negativos em um dos la-boratórios da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o infectologista Ar-

naldo Colombo mantém uma coleção com cerca de 4 mil amostras de leveduras e mil de fungos filamentosos colhidos de pacientes tratados em hospitais de todo o país. Os fungos eram consi-derados inofensivos até alguns anos atrás, mas – como resultado da redução das defesas naturais das pessoas, causada por doenças ou medicamen-tos – aos poucos se tornaram agressivos e estão se espalhando em silêncio e causando infecções graves, resistentes a antifúngicos, e fatais.

Quase 4 milhões de pessoas no Brasil devem ter infecções fúngicas a cada ano, de acordo com um levantamento realizado por Juliana Giaco-mazzi, da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Desse total, 2,8 milhões são infecções causadas por Candida e 1 milhão por Aspergillus, que avançam principalmente em pessoas com defesas orgânicas enfraquecidas em razão do uso de medicamentos contra rejeição de órgãos transplantados, câncer ou Aids, do uso intensivo de antibióticos ou de procedimentos invasivos como sondas e catéteres em unidades de terapia intensiva (UTI).

No mundo, o número de casos registrados de meningite causadas por Cryptococcus neoformans e C. gattii passou de poucas centenas na década de 1950 para o atual 1 milhão por ano, principal-mente em pessoas com HIV/Aids. Estima-se que todos os fungos patológicos provoquem 11,5 mi-

lhões de infecções graves e micoses superficiais recorrentes, com 1,5 milhão de mortes por ano, mais que o total de óbitos decorrentes da malária e da tuberculose.

“Sabe o que aconteceu neste caso?”, pergun-tou Colombo ao mostrar uma placa em que vá-rios fármacos foram aplicados sobre amostras de uma variedade de um fungo recém-chegado ao seu laboratório para identificação e análise. “Nenhum fármaco funcionou e o paciente mor-reu em decorrência da infecção.” Várias espécies de fungos estão se mostrando resistentes aos poucos medicamentos usados para combatê-los. Em 2013 a equipe da Unifesp indicou a Candida glabrata como uma das mais preocupantes en-tre os casos de infecções hospitalares, por ter se mostrado resistente a quase todos os antifúngi-cos, começando pelo fluconazol, o mais usado, ocasionando uma taxa de mortalidade próxima a 50% em pessoas internadas em UTI. Duas espé-cies de fungos, Aspergillus fumigatus e Fusarium solani, foram isoladas em 36 das 164 amostras de água usada em uma unidade oncológica pediá-trica de um hospital da cidade de São Paulo, in-dicando que o próprio sistema de abastecimento poderia ser uma fonte de contaminação, já que os propágulos – ou esporos, estruturas reprodutivas semelhantes a sementes – dos fungos poderiam ser transmitidos durante o uso das torneiras ou do chuveiro.

Estima-se que uma pessoa comum respire de 200 a 2 mil esporos por dia. Eles não estão apenas dispersos no ar, mas também dentro do corpo hu-mano. “Temos milhões de colônias de Candida al-

dos fungosEspécies de Candida e Aspergillus causam infecções resistentes a

medicamentos e matam mais que malária e tuberculose

pESQUiSa FapESp 243 z 43

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44 | maio DE 2016

bicans na boca, no intestino e na pele, que só crescem e causam problemas quando as defesas estão debilitadas”, disse o in-fectologista Márcio Nucci, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele participou de um estudo que avaliou a ocorrência de infecções abdominais provocadas prin-cipalmente por C. albicans e C. glabra-ta em 481 pacientes internados em 13 hospitais da Itália, Espanha, Grécia e do Brasil, de 2011 a 2013. A maioria (85%) dos pacientes apresentou candidíase. A mortalidade foi de 60% e poderia ser explicada, segundo Nucci, porque infec-ções desse tipo normalmente acometem pessoas com doenças graves em estado terminal e em razão do diagnóstico tar-dio da origem da infecção, que resulta no atraso do início do tratamento adequado.

Infecções fúngicas são facilmente con-fundidas com as de origem bacteriana em pessoas que tiveram tuberculose. “Não se dá muita atenção para a possibilidade de diagnóstico de aspergilose crônica pul-monar, que aparece em 10% a 15% dos pacientes que apresentam sequelas da tuberculose, com cavidades no pulmão ou dilatação dos brônquios, e em geral são tratados novamente com antibió-ticos”, disse Colombo. Em seguida ele mostrou uma radiografia de um homem de 51 anos que perdeu peso, teve tosse crônica e febre durante meses e recebeu o tratamento contra tuberculose até saber que na verdade tinha uma pneumonia crônica associada ao fungo Histoplasma capsulatum, causa frequente de pneumo-nias de tratamento difícil. Outra espé-

EM ALERTAMedidas simples podem ajudar profissionais da saúde a identificar e evitar infecções causadas por fungos

✚ Lavar as mãos com mais

frequência, antes e depois do

contato com pacientes,

em especial os expostos a

procedimentos médicos invasivos,

para evitar a transmissão

de fungos que se alojam na pele

como Candida parapsilosis.

✚ Reforçar os cuidados com o

manuseio de cateteres e outros

dispositivos invasivos usados

principalmente em UTI.

✚ Investigar a possibilidade de

origem fúngica das pneumonias de

pacientes com defesas reduzidas,

submetidos a transplantes de

órgãos ou com leucemias.

✚ Incluir testes para diagnóstico

de infecções por fungos na

avaliação de pneumonias crônicas.

✚ suspeitar que infecções

resistentes a antibióticos em

pacientes de UTI ou com leucemias

por mais de sete dias possam

ser causadas por fungos

e merecem diagnóstico

e tratamento específicos.

✚ Familiarizar-se com as diretrizes

de sociedades médicas para

tratamentos de infecções fúngicas

(há documentos brasileiros sobre

infecções por Candida sp.,

Paracoccidioides sp. e Cryptococcus

sp.) e fortalecer o treinamento

prático das equipes de saúde

para promover o diagnóstico

precoce e o tratamento adequado

desses problemas.

✚ Notificar as autoridades da saúde,

como os centros de vigilância

epidemiológica, em caso de surtos

de infecções causadas por fungos.

cie, Paracoccidioides brasiliensis, causa pneumonia mesmo em pessoas com as defesas em ordem, que moram em áreas onde essa micose é comum.

p ara complicar, o mesmo fungo pode causar doenças diferentes, depen-dendo da capacidade de defesa do

organismo em que se aloja. Aspergillus provoca dois tipos de pneumonia: a agu-da e a crônica. Já se tem como certo que não são mais tão raras quanto há algumas décadas – a forma aguda, estima-se, deve se manifestar em até 12% das pessoas com leucemia mieloide aguda, de acordo com um levantamento realizado em oito hos-pitais públicos do país. Atualmente, um banco de dados internacional de acesso público, o International Society for Hu-man and Animal Mycology (Isham, its.mycologylab.org), reúne 3.200 sequên-cias de trechos de DNA, que permitiram a identificação molecular de 524 espécies causadoras de doenças em seres huma-nos, entre as mais de 500 mil descritas.

As análises genéticas indicaram que, às vezes, as amostras do que se acredita-va ser uma única espécie podem incluir espécies distintas, com diferentes níveis de resistência a medicamentos. É o caso de Candida parapsilosis, reclassificada em três espécies: C. parapsilosis senso stricto, C. orthopsilosis e C. metapsilosis. As três espécies podem ser encontradas nas mãos das equipes de atendimento médico em hospitais, resultando em in-fecções associadas à manipulação de ca-teteres e outros dispositivos de uso co-mum em unidades de terapia intensiva.

Fonte: LABoRATóRIos DE MICoLogIA MéDICA DA UNIFEsP E DA UFRJ

Aspergillus niger: em laboratório para identificação genética e testes de susceptibilidade a fármacos

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pESQUiSa FapESp 243 | 45

dos biofilmes de Cryptococcus são mais virulentos e resistentes a drogas que as formas isoladas, como já havia sido visto em outros gêneros como Paracoccidioides brasiliensis e Histoplasma capsulatum. A formação de biofilmes poderia explicar a dificuldade em eliminar a onicomico-se – ou micose de unha, provocada por Candida e Cryptococcus –, verificada pela equipe de Araraquara, e a resistência de Trichosporon a dois medicamentos bas-tante usados contra infecções superfi-ciais ou internas, o triazole e a anfoteri-cina B, observada pelo grupo da Unifesp.

Em políticas públicas para se dimen-sionar e deter as infecções fúngicas os avanços não são tão consisten-

tes quanto em pesquisa básica, observa Maria José. “Em consequência, podemos ter sérios problemas, relacionados ao au-mento das doenças causadas por fungos”, diz ela. “Cresceu a população de risco – principalmente os imunodeprimidos –, e o uso de procedimentos médicos inva-sivos – como sondas e cateteres –, que podem facilitar a transmissão de fungos, mas não aumentou a capacidade de res-posta do sistema de saúde, que deveria estar atento e articulado para bloquear esse fenômeno”, reforça Colombo. Co-mo exemplo, ele lembra que não há um sistema de diagnóstico específico para pneumonias fúngicas pós-tuberculose, algo relativamente fácil de fazer.

pESQUiSa FapESp 243 z45

ProjetoAspergilose pulmonar e correlação entre as formas clíni-cas e a expressão diferencial de atributos de virulência em Aspergillus fumigatus (no 2014/50294-3); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Ar-naldo L. Colombo (Unifesp); Investimento R$ 42.905,00.

Artigos científicosBENADUCCI, T. et al. Virulence of Cryptococcus sp biofilms in vitro and in vivo using Galleria mellonella as an alterna-tive model. Frontiers in Microbiology. v. 7, p. 290. 2016.CoLoMBo, A. L. et al. Candida glabrata: An emerging pathogen in Brazilian tertiary care hospitals. Medical Mycology. v. 51, n. 1, p. 38-44. 2013.gIACoMAZZI, J. et al. The burden of serious human fungal infections in Brazil. Mycoses. v. 59, n. 3, p. 145-50. 2016.

Preocupados com a situação, os pes-quisadores oferecem recomendações para outros profissionais da área (ver quadro ao lado) e procuram agir em con-junto de modo a disseminar informa-ções sobre esses problemas de saúde. A Unifesp está trabalhando com uma equipe da Universidade de Manches-ter, Inglaterra, e com centros médicos dos estados de São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro e Espírito Santo para definir o alcance na população e as melhores formas de diagnóstico e de tratamento das pneumonias agudas e crônicas de origem fúngica. Outra iniciativa foi a instalação, em 2015, da unidade brasi-leira do Global Action Fund for Fungal Infections (Gaffi, gaffi.org), para atuali-zação contínua de profissionais da saú-de responsáveis pela identificação ou tratamento dessas doenças. n

Não é simples descobrir como os fun-gos adquirem a capacidade de causar infecções – a chamada virulência – e resistência a medicamentos. Em seu laboratório na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, Gustavo Goldman, biólogo de formação, verificou que Aspergillus fumigatus pode prolife-rar nos pulmões por meio de estratégias distintas, por causa da capacidade de escapar das defesas do organismo e dos principais antifúngicos, os azoles. Se-gundo ele, uma hipótese para explicar a resistência aos azoles é o uso de fun-gicidas para eliminar espécies danosas à agricultura em áreas próximas à cidade, que favoreceu a seleção e a dissemina-ção de variedades nocivas às pessoas. “Fungos são organismos essencialmente oportunistas”, diz ele. “Variedades im-portantes para a reciclagem de carbono na natureza podem causar doenças se encontrarem hospedeiros debilitados. Além disso, têm muita plasticidade ge-notípica e grande poder de adaptação a diferentes ambientes.”

Unidos, os fungos conseguem ser mais resistentes e virulentos, diz Ma-ria José Giannini, professora de mico-logia da Faculdade de Ciências Farma-cêuticas da Universidade Estadual Pau-lista (Unesp) de Araraquara. Com sua equipe, ela verificou in vitro e in vivo que os aglomerados de fungos chama-

Micoteca: fungos coletados de pessoas tratadas em hospitais, imersos em óleo mineral

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46 z maio DE 2016

pelo cérebropelo cérebro

Movimento Movimento

Exercício físico durante a gestação e a infância tem

efeitos duradouros no desempenho intelectual

NEurociêNcia y

Movimento

Se você quer aumentar as chances de seus filhos terem um bom desempenho intelec-tual e profissional, a pior coisa que pode fazer é substituir radicalmente exercício

físico por tempo de estudo na cadeira. Mais do que isso, o ideal é a mãe ter suado a camisa des-de a gestação, de acordo com o neurocientista Sérgio Gomes da Silva, pesquisador do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, em São Paulo.

Gomes da Silva usa ratos como modelo de pes-quisa para entender os efeitos da atividade física no desenvolvimento do cérebro. Nos resultados mais recentes, publicados em janeiro na revista PLoS One, ele e colaboradores mostram que filho-tes de roedoras que se exercitaram numa esteira durante a gestação têm o hipocampo turbinado. Neles, essa região do cérebro especialmente en-volvida com funções ligadas a memória, apren-dizado e emoções apresenta mais células e mais fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), uma proteína que regula processos de prolifera-ção, desenvolvimento e diferenciação das células cerebrais. Longe de ser apenas detectada nas mi-núcias celulares, essa diferença se revela também no comportamento, como em testes que avaliam

Maria Guimarães

a velocidade com que o animal aprende a reco-nhecer um território experimental. Numa arena em que o ratinho precisava memorizar pontos de referência, os filhotes das mães de academia aprendiam mais rapidamente. “Os índices de inteligência são melhores”, conta o pesquisador.

Em trabalhos anteriores feitos em colaboração com Ricardo Mario Arida, da Universidade Fede-ral de São Paulo (Unifesp), em cujo laboratório Gomes da Silva fez doutorado e pós-doutorado, ele já tinha mostrado que o exercício físico na adolescência deixava os ratos mais espertos. Em testes de memória espacial feitos em pequenas piscinas nas quais os animais aprendem a en-contrar uma plataforma submersa onde pos-sam se apoiar, os roedores que tinham seguido um programa de exercícios se saíam melhor, de acordo com artigo publicado em 2012 na revista Hippocampus. O responsável aí também parece ser o BDNF, que aparece em maior quantidade e supostamente contribui para a formação de fibras nas células do hipocampo que melhoram o de-sempenho dessa região do cérebro. Além disso, de acordo com o pesquisador, esses animais também têm mais interneurônios, células que permitem cancelar informações irrelevantes no ambiente

pelo cérebro

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O exercício físico ajuda a formar um cérebro mais plástico e robusto, em animais e seres humanos

O neurocientista também encontrou sinais de benefícios duradouros da ati-vidade física na infância em testes de epilepsia induzida. Em artigo publicado em 2011 na revista International Jour-nal of Developmental Neuroscience, ele mostrou que um grupo de 14 ratos que seguiu um programa de exercícios na esteira durante a infância e adolescên-cia teve convulsões muito mais leves ao receber injeções de uma substância in-dutora, em relação aos 14 companheiros que levaram uma vida mais preguiçosa. O achado se encaixa na hipótese da reserva neural, que postula que o maior núme-ro de células resultante da formação do cérebro nessas condições enriquecidas gera estruturas mais complexas e versá-teis. Se uma parte dos neurônios falha, há outros que podem assumir as funções e corrigir o erro.

DO rAtO AO hOMEMA grande conquista desse trabalho veio em 2013. Naquele ano, Gomes da Silva viu seu artigo mencionado num estu-do sueco liderado por Jenny Nyberg, da Universidade de Gotemburgo, mostran-do que o exercício físico na adolescência resulta numa proteção contra epilepsia pelo resto da vida. Nesse caso, se tratava de uma grande população de seres hu-manos. “Meu estudo com 28 ratos en-controu eco em um grupo de mais de 1 milhão de pessoas”, diz. O grupo sueco tirou proveito de dados de alistamento militar entre 1968 e 2015 e avaliou as fi-chas médicas dessa população – no caso dos mais velhos, foi um acompanhamen-to de até 40 anos. Os resultados mostra-ram que um mau condicionamento físico aos 18 anos estava relacionado com um risco maior de epilepsia na idade adul-ta, e também que a boa forma tem um efeito protetor duradouro contra morte prematura, doenças cardiovasculares, depressão e diabetes.

Para Jenny, esses resultados – e outros – são um indício convincente de que o exercício físico ajuda a formar um cé-rebro mais plástico e robusto, tanto em animais como em seres humanos. Para ela, a complementaridade entre estudos com pessoas e cobaias tem se mostrado produtiva. “Os mecanismos e proces-sos fisiológicos são muito mais difíceis de estudar em seres humanos”, conta. “Nos animais podemos olhar o cérebro e ver o que de fato acontece e ter uma

e concentrar-se em alguma tarefa. Nu-ma analogia com uma situação humana, trata-se da capacidade de estudar sem prestar atenção na televisão ligada ou na pressão da cadeira nas costas.

O mais importante é que esse efei-to se mantém na idade adulta, no caso dos ratos. “Quando alguém para de fazer exercício físico, logo perde massa mus-cular”, compara Gomes da Silva. “Mos-tramos que com o cérebro é diferente: se ele foi formado de maneira enriquecida, as alterações no desenvolvimento cau-sadas durante a infância se mantêm pela vida toda.” Faz sentido, porque o cére-bro não nasce pronto. No caso humano o órgão, que tem um peso por volta de 300 gramas ao nascimento, só chega a seu tamanho final de 1,5 quilograma no final da adolescência.

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Projetos1. Exercício físico e desenvolvimento cerebral pré-natal: um estudo em filhotes de ratas submetidas ao exercício físico durante a gestação (nº 2010/11353-3); Modalidade Bolsa no País – regular – Pós-doutorado; Pesquisador res-ponsável ricardo Mario arida (EPM-unifesp); Beneficiário sérgio gomes da silva; Investimento r$ 226.782,32.2. Estudo da plasticidade cerebral induzida pelo exercício físico (nº 2009/06953-4); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável ricardo Mario arida (EPM--unifesp); Investimento r$ 324.748,94.

artigos científicosgoMEs Da siLVa, s. et al. Maternal exercise during preg-nancy increases BDNF levels and cell numbers in the hippocampal formation but not in the cerebral cortex of adult rat offspring. ploS One. v. 11, n. 1. 15 jan. 2016.goMEs Da siLVa, s. et al. Early exercise promotes positive hippocampal plasticity and improves spatial memory in the adult life of rats. hippocampus. v. 22, n. 2, p. 347-58. fev. 2012.goMEs Da siLVa, s. et al. Early physical exercise and seizure susceptibility later in life. International Journal of Devel-opmental Neuroscience. v. 29, n. 8, p. 861-65. dez. 2011.NYBErg, J. et al. cardiovascular fitness and later risk of epilepsy – a swedish population-based cohort study. Neurology. v. 81, n. 12, p. 1051-7. 17 set. 2013.DoMiNguEs, M. r. et al. Physical activity during preg-nancy and offspring neurodevelopment and iQ in the first 4 years of life. ploS One. v. 9, n. 10. 28 out. 2014.EsTEBaN-corNEJo, i. et al. Maternal physical activity be-fore and during the prenatal period and the offspring’s aca-demic performance in youth. the Journal of Maternal-Fetal & Neonatal Medicine. v. 29, n. 9, p. 1414-20. mai. 2016.

compreensão do porquê de a atividade física ser positiva para a saúde do cére-bro.” Seu grupo também detectou uma correlação entre um mau desempenho físico e cognitivo aos 18 anos e a ocor-rência de demência precoce, conforme mostra artigo publicado em 2014 na re-vista Brain.

No Brasil, indícios da semelhança en-tre os resultados com roedores e o que acontece com pessoas vêm do trabalho do educador físico Marlos Domingues, da Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Ele tirou proveito de estudos de acompanhamento de longo prazo feitos nessa cidade gaúcha para avaliar os efeitos da atividade física du-rante a gestação no desenvolvimento neurológico dos fetos.

Em um acompanhamento feito com quase 4 mil bebês nascidos em 2004, o grupo mostrou um melhor desempe-nho de filhos de mães ativas em testes cognitivos ao longo do primeiro ano de vida, uma diferença observada sobretu-do nos meninos. Nos anos seguintes, o efeito gradualmente se perdeu, de acordo com artigo publicado em 2014 na PLoS One. “A partir dessa idade, outros fato-res ambientais começam a influenciar”, explica Domingues. Nos seres humanos, uma imensa gama de fatores ambientais pode afetar o desenvolvimento cognitivo, como interações sociais e o acesso à lei-tura. Por isso, o pesquisador defende que a escolaridade da mãe influencia o QI dos filhos, além de ser associada à prá-tica esportiva, em sua experiência. Essa dificuldade de destrinchar os fatores em humanos evidencia a importância dos estudos com roedores. “Nos ratos não há diferença de escolaridade”, brinca.

O pesquisador gaúcho não descarta, porém, efeitos no longo prazo. “Daqui

a 30 anos pode haver uma diferença”, especula, em consonância com o que Gomes da Silva tem observado nos ra-tos adultos. Embora os pesquisadores de Pelotas monitorem a população do município gaúcho desde os anos 1980, só em 2004 eles questionaram as mães sobre a prática de atividade física duran-te a gravidez. Mesmo assim foi uma ava-liação bastante superficial, baseada em questionário respondido depois que já tinham dado à luz. “Em 2015 coletamos uma informação mais qualificada, com medições em acelerômetros durante a gestação”, conta. Só daqui a alguns anos será possível saber se dessa maneira se detectará um sinal mais forte dos bene-fícios dessa prática de exercícios.

DIStINçãO DE GêNErOA diferença entre meninos e meninas su-gerida pelo estudo de Pelotas também foi detectada no estudo liderado por Irene Esteban-Cornejo, da Universidade de Madri, na Espanha, que analisou quase 2 mil crianças entre 6 e 18 anos de idade. Os resultados, publicados este ano na revista The Journal of Maternal-Fetal & Neonatal Medicine, mostram que mães fisicamente ativas têm filhos que se saem melhor na escola de acordo com vários índices de desempenho, inclusive em linguagem e matemática – mesmo que as próprias crianças não sigam o padrão de ativida-de das mães. O efeito se mostrou melhor se o exercício é uma prática anterior à gravidez e se mantém ao longo dela: não basta correr para a academia quando o teste dá positivo. Nas meninas, o mesmo efeito não parece acontecer. Ainda não se sabe exatamente a razão, mas a explica-ção mais aceita parece ser que elas já têm o cérebro naturalmente mais turbinado em termos de células e conexões, e por

isso os benefícios ambientais encontram pouco espaço para contribuir.

Sérgio Gomes da Silva alerta para a importância do conhecimento que se desenha a partir desses estudos no sen-tido de orientar as práticas escolares. “Por lei, as escolas brasileiras precisam oferecer atividade física duas horas por semana”, diz, “mas a Organização Mun-dial da Saúde recomenda uma hora todos os dias para adolescentes, que pode ser dividida em duas sessões”. É provável que o equilíbrio entre exercício e leitura precise ser revisto pelas escolas e famí-lias, se o objetivo é o bom aprendizado e o sucesso profissional futuro. n

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no giro dentado, uma parte do

hipocampo ligada a certas

memórias, como na exploração de

ambientes

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No Ceará, pesquisadores identificam o vírus em

animais habituados à presença humana

Em cinco municípios do Ceará, al guns distantes entre si quase 300 quilômetros, há macacos infectados com o vírus zika. Pes-

quisadores paulistas e cearenses iden-tificaram o vírus em amostras de soro, mucosa oral e saliva de quatro saguis e três macacos-prego habituados ao con-vívio com seres humanos, encontrados nas áreas urbana e rural de Fortaleza, Li-moeiro do Norte, Quixeré, São Benedito e Guaraciaba do Norte.

Os sete animais infectados representam 29% dos 24 macacos cujo material bioló-gico foi analisado pelos pesquisadores nos últimos meses – cerca de outras 30 amos-tras devem ser testadas nas próximas se-manas. “Esta é a primeira vez que o vírus zika é encontrado em primatas do Novo Mundo”, afirma a bióloga Silvana Favo-retto, pesquisadora do Instituto Pasteur de São Paulo e do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP). Silvana e outros seis pesqui-sadores de São Paulo que integram a Rede Zika, consórcio de laboratórios paulistas que investigam o vírus, descreveram o achado em um breve artigo depositado em 20 de abril no repositório bioRxiv.

O zika foi isolado pela primeira vez em 1947, a partir do sangue de um macaco

VIROLOGIA y

Macacos com zika

rhesus (Macaca mulatta) monitorado em uma floresta de Uganda para acom-panhar a circulação do vírus da febre amarela. O macaco rhesus integra um grupo de primatas chamados catarri-nos, que têm as narinas bem próximas e voltadas para baixo, o mesmo ao qual pertencem os chimpanzés, gorilas e tam-bém os seres humanos.

Agora o vírus foi encontrado no Ceará em saguis-de-tufo-branco (Callithrix jacchus) e macacos-prego (Sapajus libidi-nosus), macacos classificados como pla-tirrinos, primatas com narinas voltadas para os lados. Estima-se que platirrinos e catarrinos tenham compartilhado um ancestral comum entre 37 milhões e 34 milhões de anos atrás. Depois disso cada grupo evoluiu separadamente.

A identificação do zika em primatas das Américas preocupa por uma questão de saúde pública. É que existe um risco de esses animais se tornarem o que os pesquisadores chamam de reservatório silvestre do vírus. Uma vez infectados, eles poderiam manter o vírus em cir-culação na natureza e, de tempos em tempos, voltar a disseminá-los entre os seres humanos – algo semelhante ao que acontece com a febre amarela em algu-mas regiões do Brasil.

Ricardo Zorzetto

Por ora, no entanto, isso é apenas uma suposição. Os animais do Ceará identi-ficados com o vírus viviam próximos aos seres humanos. Segundo Silvana, no Nordeste é comum ver saguis visi-tando os quintais das casas. Também é frequente as pessoas terem saguis e macacos-prego como animais de estima-ção. “Esses animais são dóceis quando bebês e se tornam mais arredios e, às vezes, agressivos depois que crescem”, ela conta. Por causa dessa proximidade, a pesquisadora suspeita que os macacos tenham sido infectados por mosquitos que picaram pessoas com zika.

“Essa também é minha aposta princi-pal no momento”, diz o primatólogo Júlio César Bicca-Marques, professor da Ponti-fícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). “Se o vírus for encon-trado posteriormente em animais silves-tres sem contato com o homem, minha interpretação poderá mudar”, consen-te o pesquisador gaúcho que anos atrás acompanhou um surto de febre amarela silvestre que atingiu os bugios do sul do país. Na época, segundo Bicca-Marques, as pessoas imaginavam que os macacos estavam disseminando a doença e passa-ram a persegui-los. Bicca-Marques e Sil-vana temem que agora se inicie o mesmo

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tipo de perseguição com os saguis e os macacos-prego. “Nossos resultados mos-tram que lugar de animal silvestre não é preso no quintal, mas solto na natureza, onde os ciclos das infecções acontecem sem prejuízo para as pessoas”, diz Silvana.

CURIoSIdAdE E SoRtEOs dois pesquisadores reconhecem que, por ora, quase nada se sabe sobre a ação do vírus zika em primatas não humanos – em especial os do Novo Mundo. “Não sabemos, por exemplo, se adoecem, se os filhotes podem nascer com microcefalia nem quanto tempo o vírus permanece no organismo deles”, conta Silvana. Ela e a veterinária Danielle Araujo, também do Pasteur e do ICB-USP, encontraram concentrações baixas de zika nos saguis e macacos-prego infectados.

A identificação do vírus nesses ani-mais ocorreu por uma combinação de curiosidade e sorte. No ICB-USP, Silvana coordena o Núcleo de Pesquisa em Raiva e há quase duas décadas estuda a doença no Ceará em parceria com a secretaria estadual da Saúde de lá. Causada por um vírus altamente letal para os seres

humanos, a raiva tem um ciclo silvestre nesse estado do Nordeste em que um dos reservatórios, identificado tempos atrás por Silvana, é o sagui-de-tufo-branco.

No início deste ano, ao analisar a dis-tribuição dos casos de zika e microcefalia no Ceará, a bióloga verificou que alguns deles coincidiam com as áreas de coleta de amostras do material biológico dos macacos e decidiu testá-las para a pre-sença do zika. “Encontramos amostras positivas para zika em animais que viviam no litoral, em área de caatinga e na região serrana, onde a vegetação é mais densa”, diz a pesquisadora. “Isso mostra que a presença do vírus é disseminada por lá.”

Depois de detectar o zika em algumas amostras, o material genético do vírus foi isolado e sequenciado no Laborató-rio de Virologia Clínica e Molecular da USP e analisado pelos virologistas Paolo Zanotto e Edison Durigon. O resultado confirmou que o zika encontrado nos animais é o mesmo que infecta os seres humanos no país e pode levar ao nasci-mento de bebês com problemas neuroló-gicos e o cérebro anormalmente peque-no – do final de 2015 a 23 de abril deste

ano, o Ministério da Saúde identificou 1.198 casos de microcefalia, com o zika detectado em 194 deles.

Silvana planeja fazer novas expedições ao Ceará em breve e retornar às cidades em que os animais com zika foram iden-tificados para tentar recapturá-los (eles foram marcados com chips). Se os ma-cacos continuarem a apresentar cópias do vírus no organismo, será um sinal de que podem funcionar como reservató-rio. “Caso isso se verifique, o zika terá mesmo vindo para ficar, uma vez que não se consegue erradicar doenças que têm reservatório silvestre”, diz Silvana. “Quando muito”, completa, “pode-se controlá-las”. n

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projetoRaiva em silvestres terrestres da região Nordeste do brasil: epidemiologia molecular e detecção da resposta imune (nº 2014/16333-1); Modalidade Auxílio à pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável silvana Regina Fa-voretto (Instituto pasteur); Investimento R$ 296.307,41.

Artigo científicoFAVORettO, s. et al. First detection of Zika virus in neotropical primates in brazil: a possible new reservoir. bioRxiv. 20 abr. 2016.

Vítimas da proximidade: macacos-prego que conviviam com seres humanos foram identificados com o vírus zika

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52 z maio DE 2016

Material plástico acumulado no fundo dos oceanos pode

definir um novo período na história da Terra, o Antropoceno

No final de abril, um grupo in-ternacional formado por geólo-gos, arqueólogos, geoquímicos, oceanógrafos e paleontólogos

participou de um encontro em Oslo, na Noruega. O objetivo inicial da reunião, que fez sentar à mesma mesa pesquisa-dores de áreas tão distintas, era conso-lidar uma proposta a ser apresentada

GEOLOGIA y

A erA humAnA

em agosto na África do Sul para marcar o início do processo de reconhecimen-to oficial de que a Terra vive uma nova época geológica: o Antropoceno, a era dos seres humanos.

Após dois dias de discussão, porém, o grupo decidiu adiar para 2018 a proposta de formalização do Antropoceno. Até lá, devem ser reunidas mais evidências de que as transformações ambientais provo-cadas pela ação humana são tão intensas que já produziram marcas indeléveis no

Igor Zolnerkevic registro geológico do planeta. “Queremos apresentar uma proposta suficientemen-te robusta para que a comunidade cien-tífica internacional não tenha dúvidas sobre a formalização do Antropoceno”, conta a oceanógrafa Juliana Ivar do Sul, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), no Rio Grande do Sul, que participou do encontro.

Segundo o grupo que esteve na Noruega, dos anos 1950 para cá, as atividades huma-nas teriam causado alterações nos proces-

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sos geológicos da Terra – modificando o ritmo de desgaste de rochas e acúmulo de sedimentos desde a superfície dos conti-nentes até o fundo dos oceanos – muito mais intensas do que as que ocorrem na-turalmente. Uma característica marcante desse novo estágio na história da Terra se-ria a presença cada vez mais abundante de um sedimento artificial, formado por lama e areia misturadas com grãos de materiais sintéticos, em especial o plástico, vindos do lixo produzido pelo ser humano.

“Propor uma nova época geológica é algo muito complexo”, afirma Juliana. “Precisamos das mais diversas evidên-cias científicas e o efeito do plástico nos processos geológicos é só uma delas”, conta a pesquisadora. Especialista na investigação dos efeitos da poluição dos oceanos pelo plástico, Juliana integra o Grupo de Trabalho do Antropoceno, coordenado pelo paleontólogo Jan Za-lasiewicz, da Universidade de Leicester, no Reino Unido, e pelo geólogo Colin

Waters, do Serviço Geológico Britânico. O grupo foi criado em 2009 pela União Internacional de Ciências Geológicas (Iugs, na sigla em inglês), que define a tabela cronoestratigráfica internacional.

Essa tabela organiza as camadas de rochas que formam os continentes e o fundo dos oceanos seguindo a ordem cronológica em que elas surgiram – as camadas mais antigas aparecem na parte inferior da tabela. As convenções defini-das nessa tabela permitem aos geólogos comparar sedimentos e rochas de locais diferentes e determinar suas idades re-lativas quando não há datação direta, re-constituindo, assim, a história da Terra.

De acordo com a tabela, a época atual é o Holoceno, que começou há 11.700 anos. O início do Holoceno foi definido oficialmente apenas em 2008, quando um grupo de trabalho revisou as evi-dências científicas de que as camadas de rocha, sedimento e gelo com cerca de 11.700 anos de idade apresentavam marcas deixadas pelas mudanças climá-ticas que ocorreram no fim da última era glacial do planeta.

A ideia de que o Holoceno teria che-gado ao fim com mudanças ambientais provocadas pela civilização moderna, dando início ao Antropoceno, tornou--se conhecida no início da década pas-sada por meio de artigos e conferências do holandês Paul Crutzen, ganhador do Prêmio Nobel de Química de 1995 por seus trabalhos sobre a formação do bu-raco na camada de ozônio da atmosfe-ra. As ideias de Crutzen inspiraram Za-lasiewicz a propor à Iugs um grupo de trabalho para debater o assunto e tentar definir o início do Antropoceno e as suas características.

Embora as conclusões do grupo só devam ser sumarizadas e apresentadas em 2018, as principais evidências levan-tadas por ele vêm sendo divulgadas e discutidas há algum tempo. O trabalho mais recente a defender o Antropoceno é um artigo de revisão escrito por Waters, Zalasiewicz e mais 22 colaboradores e publicado em janeiro na Science. No pa-per, os pesquisadores defendem que as atividades humanas já mudaram o pla-neta a ponto de produzirem em todo o globo sedimentos e gelo com caracte-rísticas distintas daqueles formados no restante do Holoceno.

Segundo essa revisão, as camadas de gelo e sedimento depositadas recente-G

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Produtos plásticos em lixão: fonte de material sintético

que integra sedimentos

depositados nas praias e nos oceanos

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para críticos do Antropoceno, a oficialização dessa possível nova época geológica teria razão mais política do que científica

mente contêm fragmentos de materiais artificiais produzidos em abundância nos últimos 50 anos: concreto, alumínio puro e plástico, além de traços de pesticidas e outros compostos químicos sintéticos. Mesmo em lugares remotos do planeta, como a Groenlândia, os sedimentos acu-mulados de 1950 para cá apresentam con-centrações de carbono, resultado da quei-ma de combustíveis fósseis, e de fósforo e nitrogênio, usados como fertilizantes na agricultura, muito mais elevadas do que nos últimos 11.700 anos.

Waters, Zalasiewicz e seus colegas estimam ainda que o impacto das ativi-dades humanas atuais pode permanecer registrado por dezenas de milhões de anos. A mineração, as mudanças no clima global e o aumento na taxa de extinção de espécies de plantas e animais também devem deixar suas marcas nas rochas. “O artigo causou muita polêmica”, lembra Juliana. “Muitos pesquisadores discor-dam de que o Holoceno tenha chegado ao fim e essa discussão ainda deve durar alguns anos.”

Entre os críticos da proposta está o geólogo Stanley Finney, da Universidade do Estado da Califórnia em Long Beach, Estados Unidos. Ele é diretor do conse-lho executivo da Iugs que define a tabela cronoestratigráfica e, ao lado de Lucy

mais de 1 milímetro (mm) de espessura. Eles dizem ainda que a maioria das evi-dências apresentadas pelos defensores do Antropoceno se baseia em previsões sobre o potencial registro em rochas de um futuro remoto. A inclusão do Antro-poceno na tabela cronoestratigráfica te-ria uma razão mais política (denunciar o impacto ambiental da humanidade) do que científica.

“Para se definir uma nova época é ne-cessário que o material depositado tenha expressão na coluna de sedimento em muitos lugares do planeta e em ambien-tes diversos”, explica o geólogo Michel Mahiques, professor do Instituto Ocea-nográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP). “Não sabemos até que ponto o Antropoceno atende à Iugs nesse pres-suposto, uma vez que a época já pode ter expressão em alguns ambientes, como as regiões costeiras, e quase nenhuma expressão em outros, como o fundo das bacias oceânicas.”

Juliana lembra que não há consenso nem entre os que apoiam a oficialização do Antropoceno. O grupo de Zalasie-wicz, por exemplo, defende um dia para o início dessa nova época: 16 de julho de 1945, o dia em que foi detonada a pri-meira bomba atômica, em Alamogor-do, no estado norte-americano do Novo México. A data marca o início de uma contaminação da atmosfera por isóto-pos radioativos liberados em testes de armas termonucleares que já teriam tido tempo para se incorporar ao gelo e ao sedimento de toda a superfície do pla-neta, deixando um sinal claro para os geólogos do futuro. Outros pesquisado-res sugerem, porém, datas mais remotas, como o início da Revolução Industrial, em torno de 1800, para englobar todas as transformações que a humanidade já provocou no ambiente terrestre.

MIcropláStIcoS Ao MArZalasiewicz e Waters convidaram Julia-na para participar do Grupo de Trabalho do Antropoceno depois de lerem uma revisão que ela e a oceanógrafa Mônica Costa, da Universidade Federal de Per-nambuco, publicaram em 2014 na Envi-ronmental Pollution sobre o acúmulo de microplásticos nos oceanos. Microplás-ticos são fragmentos com menos de 5 mm, em geral invisíveis a olho nu quando flutuam nos oceanos ou estão mistura-dos na lama ou na areia. “Eles queriam

UM PLANETA DE PLÁSTICOCrescimento da produção mundial de materiais plásticos nas últimas décadas, em milhões de toneladas (Mt) por ano

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Acúmulo em hábitats naturais

Legislação

Edwards, do United States Geological Survey, discordou da ideia de criação do Antropoceno em um artigo de opinião publicado na edição de março/abril do boletim GSA Today, da Associação Geo-lógica Americana. No texto, Finney e Lucy afirmam que muitas das camadas depositadas nos últimos 70 anos nas por-ções mais profundas do oceano não têm

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Artigos científicosZALASIEWICZ, J. et al. The geological cycle of plastics and their use as a stratigraphic indicator of the Anthropocene. Anthropocene. 18 jan. 2016.TURRA, A. et al. Three-dimensional distribution of plastic pellets in sandy beaches: Shifting paradigms. Scientific reports. 27 mar. 2014.IVAR DO SUL, J. A. e COSTA, M. f. The present and future of microplastic pollution in the marine environment. Environmental pollution. fev. 2014.

2

saber se poderiam usar os microplásti-cos como um marcador geológico para o Antropoceno”, conta a pesquisadora, que já coletou o material na superfície do mar em torno de todas as grandes ilhas oceânicas brasileiras, como Fernando de Noronha e Trindade. Com mais 16 membros do grupo, ela realizou um tra-balho de revisão publicado em janeiro na Anthropocene resumindo tudo o que se sabe sobre o caminho que os plásticos percorrem pelo planeta. No artigo, os pesquisadores enfatizam que esse tipo de material tem um elevado potencial de ser preservado nos sedimentos marinhos.

A origem dos microplásticos encontra-dos no mar é variada. Os chamados pel-lets, esferas do tamanho de uma lentilha, são usados como matéria-prima para fa-bricar objetos plásticos maiores. Outros resultam da degradação no ambiente de peças maiores. Os microplásticos mais abundantes, porém, são as fibras com 2 a 3 mm de comprimento por 0,1 mm de espessura que compõem o filtro dos cigarros ou se destacam de tecidos sin-téticos durante a lavagem. De 1950 para cá, a produção mundial de plástico pas-sou de 2 milhões de toneladas para 300 milhões de toneladas por ano. Estima-se que o total de plástico já produzido (algo da ordem de 5 bilhões de toneladas) seja suficiente para embrulhar o planeta em filme plástico algumas vezes.

Descartados em lixões, os materiais plásticos chegam aos oceanos e às re-

giões costeiras. Um estudo coordenado pelo biólogo Alexander Turra, do IO--USP, indicou anos atrás que há 10 vezes mais partículas de microplástico enter-radas na areia de uma praia do que na sua superfície. “Antes de nosso estudo, as pessoas subestimavam a quantidade de plástico na areia”, diz Turra. Como a tendência do plástico é boiar, os pes-quisadores supunham que os microplás-ticos permanecessem sempre sobre a areia. Turra e seus colegas, porém, os encontraram enterrados a até 2 metros de profundidade em quatro praias do li-toral paulista (ver Pesquisa FAPESP nº 219). Desde então a equipe confirmou o fenômeno em mais 13 praias. Pela dis-tribuição das partículas, Turra suspeita que os microplásticos sejam enterrados pela força de ocasionais tempestades marítimas. Outra parte do plástico pro-duzido e descartado está flutuando nos oceanos. E há, ainda, outro destino: o fundo do mar.

FóSSEIS pláStIcoSEmbora flutuem no início, os pedaços de plástico (grandes ou pequenos) que permanecem por muito tempo na água salgada acabam colonizados por micror-ganismos e afundam. Também podem ser engolidos por organismos maiores, de microscópicos zooplânctons a peixes, e submergir com suas fezes ou carcaças. Expedições já encontraram plásticos em diferentes profundidades no relevo

submarino. Robôs já fotografaram garra-fas, sacolas e redes de pesca em cânions submarinos ao redor da Europa e, em 2015, pesquisadores encontraram mi-croplásticos a mais de 5 quilômetros de profundidade sobre o sedimento da fossa de Karil-Kamchatka, no oceano Pacífico. Testemunhos de sedimentos marinhos indicam que há fibras plásticas por todo o assoalho oceânico.

Zalasiewicz é especialista em micro-fósseis de 500 milhões de anos de idade, entre eles, os graptólitos, cuja estrutura era composta de moléculas orgânicas com estrutura semelhante à dos plásti-cos. Se esses microrganismos deixaram registros fossilizados, Zalasiewicz sus-peita que o plástico depositado no fundo do mar, especialmente aquele presente no sedimento de cânions submarinos próxi-mos às bordas das plataformas continen-tais, também tem grande chance de ser preservado por milhares de anos e, quem sabe, um dia intrigar futuros paleontólo-gos que encontrarem garrafas PET, CDs e bitucas de cigarro fossilizados. n

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Amostra de plastiglomerado: rocha formada por sedimentos de origem mineral e material plástico, encontrada na praia de Kamilo, no havaí

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56 z maio DE 2016

Lago de Maracaibo, na Venezuela,

apresenta a concentração

mais elevada de descargas elétricas

atmosféricas do mundo

Em algum lugar do mundo está caindo um raio neste momento. Na Terra, ocorrem 44 descargas elétricas atmosféricas a cada se-

gundo (quase 4 milhões por dia). Esti-ma-se que só 20% delas atinjam o solo e que o restante ocorra no interior das nuvens. O lugar do planeta onde há mais raios é o lago de Maracaibo, no oeste da Venezuela, o maior da América do Sul. As nuvens que se formam sobre os 13 mil quilômetros quadrados (km2) de sua superfície – o maior eixo tem 160 quilô-metros – geram cerca de 8 mil raios por dia, segundo um levantamento publicado em fevereiro deste ano, que identificou os 500 pontos do planeta com maior nú-mero de descargas elétricas atmosféricas.

Ali, a frequência desses eventos lumi-nosos é tão grande que o escritor espa-nhol Lope de Vega já fazia referência ao lago e a seus numerosos raios no poema épico La dragontea, de 1598. Os raios, segundo a obra, teriam impedido uma invasão britânica à cidade de Maracaibo, nas proximidades do lago. Há ainda re-latos de que, no passado, o lago servia de farol para os navegadores do Caribe, por causa dos clarões no céu durante a noite.

METEOROLOGIA y

a capital Dos raios

O principal motivo para a grande fre-quência do fenômeno no local é a cha-mada convergência de brisa noturna, ex-plica a meteorologista Rachel Albrecht, professora do Departamento de Ciên-cias Atmosféricas do Instituto de As-tronomia, Geofísica e Ciências Atmos-féricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP). Ela é a primeira autora do ranking mundial de descargas elétri-cas atmosféricas, elaborado em parceria com pesquisadores dos Estados Unidos e aceito para publicação no Bulletin of the American Meteorological Society. A tal convergência é fenômeno decorrente da combinação ambiental: a existência de um grande lago tropical envolto por um relevo bastante acidentado.

Durante o dia, o continente aquece muito mais rápido que a água do lago. A diferença de temperatura faz o vento soprar do lago para o continente, em di-reção às montanhas que formam a baía de Maracaibo. Já à noite, o sentido da brisa se inverte. As montanhas e o con-tinente se resfriam antes do lago, cujas águas quentes fornecem umidade para a atmosfera. À medida que sobe, o vapor condensa e forma nuvens de tempestade

Everton Lopes

A cada 10 segundos cai um raio no lago de Maracaibo, na Venezuela

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pESQUISA FApESp 243 z 57

profundas, com cristais de gelo e grani-zo, que, ao colidirem entre si milhões e milhões de vezes no interior das nu-vens, provocam transferência de cargas elétricas. Como consequência, o campo elétrico aumenta e se formam os raios. “Os raios caem com mais frequência por volta das 3 horas da manhã, no horário local”, conta Rachel. Segundo a meteo-rologista, a maioria das regiões conti-nentais apresenta o máximo de raios à tarde, principalmente durante as cha-madas tempestades de verão.

rAIoS pELo mUndoO estudo que definiu o lago de Mara-caibo como líder mundial de descargas elétricas na atmosfera – nessa região ocorre, a cada ano, uma média de 232 raios por km² – usou dados coletados de 1998 a 2013 pelo satélite Tropical Rainfall Measuring Mission, da Nasa, a agência espacial norte-americana. Lo-calizado a 405 quilômetros da superfí-cie da Terra, o satélite tem sensores que captam pulsos ópticos que resultam da interação dos raios com os gases das nu-vens. É importante ressaltar que esses sensores registram tanto as descargas

elétricas que ocorrem no interior das nuvens como as que atingem o solo. O estudo atual usou uma resolução cinco vezes maior que a dos anteriores, per-mitindo detectar descargas que ocorrem em áreas da superfície do globo que cor-respondem a 0,1 grau – próximo à linha do equador, essa medida equivale a um quadrado cujos lados medem cerca de 10 quilômetros.

Embora o ponto do planeta com maior densidade de raios (número de eventos por km2 por ano) esteja na América do Sul, a região com o maior número de lo-cais com muito raios é a África. Dos 500 locais analisados, mais da metade (283) está no continente africano, a maioria entre o centro e o oeste da África. Na Ásia, há 87 pontos com alta incidência de raios; na América do Sul são 67 e na América do Norte, 53. A Oceania é o con-tinente com menos pontos, apenas 10.

Na África, a região com maior densi-dade de raios (205 por km2 por ano) é a República Democrática do Congo. O país tem 2,3 milhões de km² e em seus céus se formam 95 milhões de descargas elétricas por ano. Embora as regiões brasileiras só apareçam a partir da 191ª posição nesse ranking, o país, com uma área territorial quase quatro vezes maior que a do Congo, é o campeão mundial em número absolu-to de raios: são 108 milhões de descargas elétricas na atmosfera por ano.

A região brasileira com maior densi-dade de raios fica a noroeste de Manaus, no meio da floresta amazônica. Nessa área ocorrem 68 raios por km² por ano, segundo o estudo do qual Rachel partici-

pou. Um levantamento anterior, realizado pelo Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat) do Instituto Nacional de Pesqui-sas Espaciais (Inpe), indicava a cidade de Porto Real, no Rio de Janeiro, como o local onde mais incidiam raios no país. Ali, a frequência era de aproximadamente 20 descargas elétricas por km² por ano.

A diferença, segundo Osmar Pinto Jú-nior, coordenador do Elat, é consequên-cia de estratégias distintas de medição. O Elat usa redes de monitoramento que estão instaladas apenas nas regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste do país. Além de ter uma distribuição mais restri-ta, essas redes são compostas por senso-res de superfície que detectam radiação invisível a olho nu gerada pelas descargas que atingem o solo. O número registrado a noroeste de Manaus corresponde ao to-tal de descargas, que inclui tanto as que ocorrem no interior das nuvens como as que atingem o solo. Já a densidade me-dida pelo Elat em Porto Real representa o máximo de descargas que atingem o solo. “São máximos de grandezas dife-rentes, para regiões diferentes”, expli-ca Pinto Júnior. Apesar das estratégias de medição distintas, a concentração de raios é bastante elevada na região de Por-to Real. “Resende, uma cidade vizinha”, diz Rachel, “aparece na 396ª posição no ranking global de raios e na 10ª posição entre as regiões brasileiras”. n

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Artigo científicoALbREchT, R. et al. where are the lightning hotspots on Earth? Bulletin of the American meteorological Society. on-line. 17 fev. 2016.

o mapa-múndi das descargas elétricasÁfrica concentra o maior de número de lugares com alta densidade de raios (tons de vermelho)

número de raios por km2 por ano

0,01 0,1 0,2 0,4 0.6 0,8 1 2 4 6 8 10 20 30 40 >50

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58 z maio DE 2016

Seis meses depois do vazamento da

lama com rejeitos de mineração, rio

Doce continua sem vida e medidas de

restauração permanecem indefinidas

ecologia y

Águas

TexTo Carlos Fioravanti

FoToS Eduardo Cesar, de Mariana, Mg

Uma das margens do rio Gualaxo do Norte: a faixa marrom indica o limite alcançado pela lama com rejeitos de mineração

mortas

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pESQUISA FApESp 243 z 59

Os pesquisadores do Grupo Independente para Aná-lise do Impacto Ambien-tal (Giaia) fizeram algo incomum em expedições científicas, ao longo dos nove dias da viagem à re-

gião atingida pela lama com rejeitos de mine-ração que vazou da barragem da Samarco em novembro de 2015. Dos pontos de coleta – desde Mariana, em Minas Gerais, até a foz do rio Doce, no Espírito Santo –, trouxeram mais amostras de água e de sedimentos do que eles próprios pretendiam usar. Reuniam material também para equipes do Instituto de Pesca de São Pau-lo e das universidades Federal de São Carlos (UFSCar), Estadual Paulista (Unesp), de São Paulo (USP) e de Brasília (UnB) interessadas em participar das análises.

Outra peculiaridade do grupo: “Queremos soltar os dados o mais rapidamente possível, por meio do site e da página do grupo no Face-book”, disse André Santos, professor da UFSCar em Sorocaba. Na manhã de 31 de março de 2016, segundo dia da expedição, enquanto falava do grupo, ele ajudava a organizar, em caixas de isopor, os potes com amostras de água e sedi-mentos colhidos em frente a uma cachoeira do rio Gualaxo do Norte, o primeiro a ser atingido pela lama que vazou do reservatório. “Quem nos acompanha pelo Facebook cobra pelos resulta-dos das análises e das expedições”, acrescentou a bióloga Flávia Bottino, também da UFSCar.

O modo de funcionamento resulta da história do grupo. Em novembro, logo após o rompimen-to da barragem, Dante Pavan, biólogo formado pela USP e consultor de empresas, comentou em sua página do Facebook que a situação era “demasiado grave para apenas ficarmos compar-tilhando notícias”. Ele contou que estava indo para campo por conta própria para registrar os impactos ambientais e perguntou quem mais estaria disposto a participar. Rapidamente se formou um grupo inicial, com Pavan, Viviane Schuch, bióloga da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Flávia e Alexandre Martensen, outro biólogo formado pela USP.

Para pagar as despesas das viagens de coleta de materiais para análise, um amigo de Pavan, o arquiteto Dino Zammataro, estruturou uma campanha de financiamento coletivo, que ar-recadou cerca de R$ 90 mil, quase o dobro do esperado, por meio de doações de 1.473 pessoas e empresas. Os gastos com as viagens e a compra de materiais para as análises também são apre-sentados com rapidez no site do grupo. Uma limitação, reconhece Pavan, é que o trabalho, por ser voluntário, depende do engajamento e do tempo livre de cada participante.

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60 z maio DE 2016

Seis meses depois do acidente, uma das margens ao lado da cachoeira do rio Gualaxo do Norte mudou pouco: as bor-das de uma mata expõem árvores caídas ou inclinadas, indicação da força da en-xurrada de lama. Na lama seca misturada com terra da outra margem, germinavam grama e feijões, plantados pela minerado-ra para evitar que resíduos voltem para o rio e para recompor o solo. Era o início do trabalho de recuperação ambiental da bacia do rio Doce, que a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, no início de abril, estimou em 15 anos.

O plantio de gramíneas e leguminosas é “parte de um plano emergencial e está sendo realizado com acompanhamento de órgãos públicos”, informou o Insti-tuto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por e-mail. “Uma recuperação definitiva depende de diagnósticos mais precisos que ainda não foram levantados, como altura do rejeito em cada trecho dos rios afetados”, acrescentou o comunicado.

“Não podemos esperar que as matas próximas aos rios se restabeleçam na-turalmente”, comentou Soraya Botelho, professora de restauração florestal da Universidade Federal de Lavras (Ufla), em Minas Gerais. Ela alertou para o risco de as gramíneas crescerem demais a pon-to de prejudicar o desenvolvimento de outras plantas aptas a recompor a mata perdida das margens dos rios. Para ela, seria importante identificar as espécies

Especialistas do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) propõem o o contro-le de erosão nas margens dos rios, com a construção de patamares, barreiras e vale-tas, para evitar que os rejeitos voltem aos rios. “As medidas de controle poderiam anteceder a proteção definitiva, com o plantio de gramíneas”, disse Omar Yaz-bek Bitar, geólogo do instituto. “Devemos pensar em soluções específicas para cada trecho.” A equipe do IPT propôs também ao Ministério Público de Minas Gerais a instalação de barreiras flutuantes, com as chamadas mantas geotêxteis, para reter os sedimentos em suspensão antes de a água ser captada e enviada para as esta-ções de tratamento das cidades.

As fundações de Amparo à Pesquisa de Minas (Fapemig) e do Espírito Santo (Fapes) lançaram um edital de R$ 6,6 mi-lhões em busca de propostas de aplicação a curto prazo para promover a recupera-ção do solo, da água e da biodiversidade e para identificar e reduzir os impactos econômicos e sociais das populações da bacia do rio Doce. As propostas selecio-nadas devem ser anunciadas em breve.

Uma vez selecionadas as melhores técnicas de restauração ambiental, a pró-xima etapa é ver quem cuidará da im-plantação. Alvo de uma ação civil públi-ca que cobra R$ 20 bilhões pelos danos ambientais e sociais causados à região, a Samarco ameaçou deixar o estado de Mi-nas, o que é indesejado pelas prefeituras da região de Mariana, que se ressentem da queda de arrecadação decorrente da paralisação das atividades da empre-sa, em novembro. Apesar do desastre, a mineradora é apoiada com discrição. Uma lanchonete no centro comercial de Mariana expõe um pequeno cartaz ao la-do de uma das mesas: “#Fica Samarco# Aqui, posto de coleta de assinaturas”.

ÁgUA ÁCIdAO vazamento de 32 milhões de metros cúbicos de lama com rejeitos de minérios agravou a situação de rios que já sofriam degradação com a descarga contínua de esgotos e resíduos de mineração, além da perda das matas que protegiam suas margens. “A bacia do rio Doce é hoje a mais impactada do Brasil”, comentou Pavan, com base nos trabalhos em campo e de laboratório do Giaia.

Na manhã do dia 31 de março, de bo-tas e macacão de borracha, com a água amarelada até os joelhos, Márcio Vicen-

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O doce desfiguradoSeis meses depois do acidente, turbidez ainda alta compromete a sobrevivência de organismos aquáticos

de plantas capazes de crescer nesse ti-po de solo, muito diferente do natural.

Sergius Gandolfi, pesquisador do labo-ratório de restauração florestal da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, propõe duas medidas adicionais. A primeira é o isolamento de trechos contaminados dos rios e a remo-ção dos resíduos do leito, que poderiam ser depositados em áreas próximas e co-bertos com vegetação nativa. A segun-da é a criação de canais paralelos ao rio principal para captação e distribuição de água de rios não degradados, que pode-ria servir também para irrigação rural.

Próximo à foz do rio doce, a lama se esPalhou mais do que nas áreas montanhosas do interior de minas

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obs.: as medições de turbidez em Paracatu de baixo, Rio Doce e governador Valadares em dezembro de 2015 ultrapassaram o limite máximo de mil uNT

498 (31 mar. 16)

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176 (3 abr. 16)

+ 1 mil (8 dez. 15)

ES*unidade Nefelométrica de Turbidez

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te, professor de biologia em cursos pré--universitários, colheu sedimentos do fundo do rio enquanto Flávia, também de botas, segurava uma sonda multipara-métrica em formato de garrafa de cham-panhe. Da sonda saía um longo fio até o monitor, que Vinicius Rodrigues, em pé em um trecho firme do barranco do rio, segurava enquanto lia as características físico-químicas da água. Formado em monitoramento ambiental, Rodrigues observou que a água daquele ponto, logo abaixo da cachoeira, com um pH de 5,5, era mais ácida que a do primeiro pon-to de amostra, próximo a uma ponte de madeira do rio Gualaxo do Norte, não contaminado pelos rejeitos.

“Por ser ácida e carregada de metais, esta água pode causar dermatite de con-tato”, disse Natália Guimarães, gradua-da em farmácia, pela primeira vez em campo, para colher amostras para sua orientadora de mestrado, Vivian Santos, professora da Universidade de Brasília (UnB) que fez as primeiras análises das

concentrações de metais. As avaliações das amostras da primeira expedição in-dicaram níveis elevados de ferro, alumí-nio, manganês, zinco e arsênio, o que contribuía para fazer da água algo a ser evitado, como Natália já tinha verifica-do. Um colega esbarrou com uma luva molhada em seu braço e sua pele clara ficou vermelha e irritada em segundos.

A turbidez ainda era alta: logo abaixo da cachoeira, variava de 490 a 500 uni-dades nefelométricas de turbidez (UNT), bem abaixo dos 15 mil registrados em no-vembro, mas acima das 25 UNT da água transparente do primeiro ponto de coleta.

O excesso de partículas sólidas na água impede a entrada de luz, essencial pa-ra as plantas aquáticas micro e macros-cópicas fazerem fotossíntese e sobrevi-verem. E, sem plantas, não há animais. “Por enquanto, nos trechos dos rios mais próximos da barragem, que receberam os rejeitos, não estamos vendo nenhum tipo de ser vivo”, disse Luciana Mene-zes, pesquisadora do Instituto de Pesca,

que examinava os microrganismos do fundo do rio.

O vilarejo de Bento Rodrigues, o pri-meiro a ser atingido pela massa de la-ma, indicava que não foi apenas o rio que morreu. Havia poucas paredes em pé de casas sem teto numa comunida-de em que viviam cerca de 300 pessoas. O antigo campo de futebol do vilarejo estava ocupado por uma represa de re-jeitos, barrados por um dique de pedra. recém-construído pela mineradora. Téc-nicos do Ibama e do Ministério Público de Minas alegavam que diques como es-se são ineficientes para conter o excesso de sedimentos e poderiam ser desfeitos com chuvas fortes.

Seguindo o rio Doce, como as represas nos municípios de Rio Doce, Governador Valadares e Aimorés, em Minas, e Baixo Guandu, no Espírito Santo, barravam os sedimentos, aos poucos a água se tornava mais limpa. Os pesquisadores observa-ram o reaparecimento de fito e zooplânc-ton e ouviram relatos de pescadores de que já havia peixes outra vez, embora ainda escassos. “Próximo à foz, o rejeito foi para a várzea e as plantações de ca-cau, espalhando-se mais do que nas áreas montanhosas do interior de Minas”, dis-se Pavan. “Ao mar chegaram apenas os sedimentos de cor laranja, muito finos, que penetram profundamente na areia dos rios e das praias marinhas.” n

Rio sem vida: a cachoeira do rio Gualaxo. Ao lado, Flávia examina a água e Vicente colhe sedimentos

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62 z maio DE 2016

Registro fóssil inédito revela um caminho

inesperado da evolução do músculo cardíaco

PALEONTOLOGIA y

Coração de pedra

a paleontologia agora tem um coração. Um grupo de pesqui-sadores brasileiros encontrou o órgão preservado no fóssil

de um peixe que viveu há cerca de 115 milhões de anos no que é hoje o Nor-deste brasileiro. Essa é a primeira vez, no mundo, que se descreve um coração fossilizado. Por estar em ótimo estado de preservação, o órgão petrificado do peixe Rhacolepis buccalis revela um está-gio até então desconhecido da evolução do coração. Por meio de tomografias de altíssima resolução, foi possível fazer imagens em 3D de todo o corpo do ani-mal – que tinha cerca de 15 centímetros (cm) de comprimento – e de seus órgãos internos. Para a surpresa dos pesquisa-dores, o coração tem cinco valvas, um tipo de válvula que controla a saída do sangue para o resto do corpo, enquanto os peixes atuais têm apenas uma. “Isso mostra que nem sempre os organismos ficam mais complexos à medida que evo-luem. Em alguns casos, eles se tornam mais simples”, explica o médico José Xavier Neto, pesquisador do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), em Campinas, e coordenador do grupo que investigou o coração fossilizado.

O R. buccalis pertence à classe dos actinopterígeos, ou peixes de nadadei-ras raiadas. Seu coração parece estar no

André Julião

meio do caminho da evolução entre os membros atuais desse grupo, como o zebrafish (ou paulistinha), que tem uma valva cardíaca, e os de outros que pou-co se modificaram nos últimos 390 mi-lhões de anos, como os peixes do gênero Polypterus, que têm dezenas delas. “Não sabemos o contexto em que ocorreu essa simplificação, mas ela costuma aconte-cer depois do que chamamos de surto de complexidade”, diz Xavier, que publicou os resultados em abril no periódico eLife. Também não se sabe se a perda de valvas representou uma vantagem evolutiva ou se aconteceu aleatoriamente.

FÓSSIL 3DEncontrar e descrever um coração fossi-lizado só foi possível graças à tecnologia de luz síncrotron, que vem contribuindo de forma significativa para a paleonto-logia nos últimos anos. “Tecidos moles, como o coração, são muito difíceis de serem preservados”, diz a paleontóloga Mírian Pacheco, da Universidade Fede-ral de São Carlos (UFSCar) em Sorocaba, que também usa a luz síncrotron para estudar fósseis de animais do período geológico Ediacarano, em sua maioria organismos de corpo mole que viveram há cerca de 540 milhões de anos e são dificilmente encontrados intactos. Cé-rebro, ovário, músculo, conteúdo intes-

Fóssil do peixe Rhacolepis buccalis, coletado no Araripe: órgãos internos em ótimo estado de preservação

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pESQUISA FApESp 243 z 63

tinal, cordão umbilical e bexiga natató-ria fossilizados já haviam sido achados, mas, segundo os pesquisadores, nunca um coração.

Xavier entrou para o grupo seleto dos pesquisadores que descreveram tecidos moles fossilizados depois de ser conven-cido a focar suas buscas no R. buccalis alguns anos atrás. Durante férias no sul do Ceará, terra natal de sua família, ele conversou com os geólogos Francisco Idalécio Freitas, coordenador executi-vo do Geopark Araripe, e José Artur de Andrade, do Departamento Nacional de Produção Mineral, que o aconselharam a centrar suas análises nesse peixe, bastante comum na bacia do Araripe, área do inte-rior do Ceará, de Pernambuco e do Piauí conhecida por conter fósseis do Cretáceo muito bem preservados. Os fósseis de R. buccalis têm a vantagem de normalmente serem encontrados em formato tridimen-sional, o que aumenta a probabilidade de manter os órgãos internos preservados.

Xavier passou a visitar a região pelo menos uma vez por ano e reuniu 67 fós-seis. Em Campinas, os biólogos Laura Maldanis e Murilo de Carvalho prepa-raram as amostras e analisaram o ma-terial. O síncrotron de segunda geração existente no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, vizinho do LNBio no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Ma-teriais (CNPEM), não tem capacidade para produzir imagens de amostras gran-des como os fósseis dos peixes, em geral, com 15 cm de comprimento por 5 cm de espessura. Por essa razão, os fósseis fo-ram enviados para o European Synchro-tron Radiation Facility, em Grenoble, na

França, que dispõe de um equipamento de quarta geração, capaz de gerar feixes de radiação mais energéticos. “Nas pri-meiras tomografias não dava para ver as cavidades do coração, mas a resolução era tão boa que era possível visualizar, no trato intestinal dos peixes, os camarões que eles haviam comido”, lembra Xavier. Até que duas amostras mostraram cla-ramente não só o coração, mas também detalhes internos do órgão.

Tamanha precisão foi possível porque a tomografia feita pelo síncrotron tem uma resolução quase 100 vezes maior do que a dos tomógrafos médicos. En-quanto os tomógrafos convencionais só conseguem distinguir pontos que estão a 500 micrômetros de distância um do outro, nos aparelhos de luz síncrotron essa distância é de 6 micrômetros (cada micrômetro é 1 milésimo de milímetro). O aparelho faz uma sequência de radio-grafias em “fatias” da amostra, dando um retrato preciso do “relevo” interno dela. Depois, as fatias são reunidas por um programa de computador e formam uma imagem em três dimensões. “O re-

sultado é tão preciso que é quase como ver um coração dissecado”, conta Xavier. Outra vantagem é que a luz síncrotron não destrói as amostras. “Esse material pode ser analisado novamente sob ou-tros aspectos. O que foi alcançado por essa equipe põe o Brasil num nível in-ternacional de competitividade na pa-leontologia”, opina Mírian, que não faz parte do grupo de pesquisadores. Se o cronograma atual for mantido, espera--se que até 2018 o Sirius, nova fonte de luz síncrotron semelhante à francesa, seja concluído em Campinas, o que deve tornar possível analisar fósseis e outros materiais no próprio país. n

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ProjetoEvolução molecular de regiões regulatórias de genes hOx associados com a morfologia da nadadeira de peixes, com especial ênfase em chondrichthyes (n° 2012/05152-0); Modalidade bolsas no brasil – Pós-doutorado; Pesquisa-dor responsável Marcelo Rodrigues de carvalho (usP); Bolsista Murilo de carvalho; Investimento R$ 255.270,00.

Artigo científicoMALdANIs, L. et. al. heart fossilization is possible and informs the evolution of cardiac outflow tract in verte-brates. eLife. v. 5, e14698. 19 abr. 2016.

Rhacolepis buccalis em alta resolução: as imagens de tomografia permitem identificar as guelras, os intestinos e o coração do peixe (em vermelho, na visão inferior); ao lado, detalhes do coração, formado por quatro câmaras, uma delas, o cônus arterial, contendo quatro valvas

n vísceras n escamas n ossos n coração n guelras

vIsãO LATERAL

vIsãO INfERIOR

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INFORME PUBLICITÁRIO

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ED. 04 - MAIO 2016

Eixo de enfrentamento

As medidas começaram a ser discutidas no fi m de 2015 no MCTI, em parceria com o MEC, MS, Casa Civil, BNDES, Capes, CNPq, Finep, institutos e pesquisadores. São parte de um projeto ímpar, que vai colocar o Brasil em um patamar de pesquisa de ponta, na área de combate à zika, à dengue, à chikungunya e seus vetores. Os resultados desse eixo de enfrentamento vão permitir ao governo brasileiro proteger, com mais efi cácia, a saúde da nossa população.

O governo lançou, em março, as ações do eixo de desenvolvimento tecnológico, educação e pesquisa do Plano Nacional de Enfrentamento ao Aedes aegypti

e à Microcefalia, com recursos de quase R$ 1,2 bilhão.

Os recursos serão aplicados em cinco frentes: diagnóstico; controle vetorial; vírus zika e relação com doenças e agravos, como microcefalia e síndrome de Guillain-Barré; desenvolvimento de vacinas e tratamentos, a exemplo de um contrato de R$ 200 milhões estabelecido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e Ministério da Saúde (MS) com o Instituto

Butantan para imunização à dengue; e inovação em gestão de serviços de saúde, saneamento e políticas públicas.

Vinte editais para financiamento de pesquisas serão lançados. Estão previstos R$ 305,8 milhões para 2016, R$ 162,2 milhões para 2017 e R$ 136,2 milhões para 2018. Para os anos seguintes, o plano prevê R$ 44,9 milhões para custear toda a duração de bolsas de doutorado e pós-doutorado, por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCTI) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes/MEC).

Brasil quer estar no patamar de pesquisas de ponta contra Zika

INFORME PUBLICITÁRIOINFORME PUBLICITÁRIOINFORME PUBLICITÁRIO

Brasil alcança estado da arte emprevisão do tempo

MCTI já investiu R$ 200 milhões em tecnologias para o desenvolvimento do biodiesel

A lei que aumenta os percentuais de adição de biodiesel vegetal ao óleo diesel fóssil, usado como combustível para vários tipos de veículos, foi sancionada pelo

governo. O índice da mistura passará dos atuais 7% para 8% até 2017, com o incremento de um ponto percentual a cada 12 meses.

Com isso, o índice passará para 9% até 2018 e para 10% até 2019, podendo chegar a até 15%, mediante testes. A medida representa uma garantia de demanda para o Brasil, segundo maior mercado consumidor de biodiesel do mundo.

Essa nova lei representa avanços importantes para o país em muitos setores como a agricultura familiar, a agricultura comercial, as usinas produtoras de biodiesel, o consumidor e o meio ambiente. A expectativa é que a flexibilidade de

combinação acarrete preços mais baratos para o combustível.

O Brasil assumiu compromissos ambiciosos na última Conferência do Clima, a COP 21, em Paris, tanto para a redução de emissões quanto para a ampliação das energias renováveis na matriz energética nacional. A nova lei vai ajudar o país a cumprir esses compromissos.

Biodiesel, combustível renovável e biodegradável

O biodiesel pode ser produzido a partir de plantas como o pinhão-manso e a palma. Atualmente, a soja é uma fonte de energia renovável que produz menos danos ambientais. Ele também pode ser produzido a partir de gordura animal.

A previsão do tempo é uma ferramenta importante para uma série de atividades. Seja para agricultores planejarem plantios e colheitas de culturas, seja para

prevenir possíveis desastres naturais nos perímetros urbanos. Os meteorologistas buscam, então, fazer previsões cada vez mais precisas para dar subsídios exatos para a população. Para tanto, se valem de softwares e códigos computacionais complexos.

Um deles é o Brazilian Developments on the Regional Atmospheric Modeling System (Brams), desenvolvido pelo Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Cptec) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe/MCTI). Com a nova versão, recentemente disponibilizada, a Brams 5.2, é possível fazer previsões mais precisas em toda a extensão da América do Sul.

O principal diferencial desse sistema, de acordo com o pesquisador do Cptec Saulo Freitas, é que ele unifi ca os modelos de previsão do tempo e da qualidade do ar que a instituição utiliza atualmente. Outro ponto é que o Brams 5.2 permite uma avaliação simultânea do impacto das queimadas no ciclo de carbono. Em resumo, a ferramenta contabiliza fatores físicos, químicos e o ciclo de carbono para prever o clima.

“Por incluir processos físicos e biogeoquímicos mais realisticamente representados e integrados consistentemente em um único sistema de modelagem, temos condições de fazer uma previsão climática mais precisa. Esse sistema unifi ca diversos módulos, trazendo um sistema de modelagem de processos na atmosfera totalmente consistente, incluindo retroalimentações entre a superfície, atmosfera e biogeoquímica. Por isso, chegamos ao estado da arte”, explicou Saulo Freitas. “Isso signifi ca que o Brasil está no estágio mais avançado da previsão climática.”

Do menor para o maior

Segundo o pesquisador, o Brams 5.2 permite uma avaliação mais regionalmente localizada das condições climáticas. É possível fazer previsões para áreas de até cinco quilômetros com antecedência de um dia. Já as análises mais completas – que levam em conta os fatores biogeoquímicos – servem para áreas de resolução de 20 quilômetros para um período de mais de três dias de antecedência. Juntando todas essas informações, é possível montar um mosaico de previsão climática para toda a América do Sul.

A questão da delimitação da área é fundamental para a previsão do tempo. Isso porque quanto maior a área, maior a possibilidade de variação de cenários.

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Siga as ações do Ministério e as contribuições da ciência e da tecnologia para o desenvolvimento do Brasil. Acesse nosso site e nossas páginas nas redes sociais.site e nossas páginas nas redes sociais.site

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ED. 04 - MAIO 2016

Eixo de enfrentamento

As medidas começaram a ser discutidas no fi m de 2015 no MCTI, em parceria com o MEC, MS, Casa Civil, BNDES, Capes, CNPq, Finep, institutos e pesquisadores. São parte de um projeto ímpar, que vai colocar o Brasil em um patamar de pesquisa de ponta, na área de combate à zika, à dengue, à chikungunya e seus vetores. Os resultados desse eixo de enfrentamento vão permitir ao governo brasileiro proteger, com mais efi cácia, a saúde da nossa população.

O governo lançou, em março, as ações do eixo de desenvolvimento tecnológico, educação e pesquisa do Plano Nacional de Enfrentamento ao Aedes aegypti

e à Microcefalia, com recursos de quase R$ 1,2 bilhão.

Os recursos serão aplicados em cinco frentes: diagnóstico; controle vetorial; vírus zika e relação com doenças e agravos, como microcefalia e síndrome de Guillain-Barré; desenvolvimento de vacinas e tratamentos, a exemplo de um contrato de R$ 200 milhões estabelecido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e Ministério da Saúde (MS) com o Instituto

Butantan para imunização à dengue; e inovação em gestão de serviços de saúde, saneamento e políticas públicas.

Vinte editais para financiamento de pesquisas serão lançados. Estão previstos R$ 305,8 milhões para 2016, R$ 162,2 milhões para 2017 e R$ 136,2 milhões para 2018. Para os anos seguintes, o plano prevê R$ 44,9 milhões para custear toda a duração de bolsas de doutorado e pós-doutorado, por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCTI) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes/MEC).

Brasil quer estar no patamar de pesquisas de ponta contra Zika

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Brasil alcança estado da arte emprevisão do tempo

MCTI já investiu R$ 200 milhões em tecnologias para o desenvolvimento do biodiesel

A lei que aumenta os percentuais de adição de biodiesel vegetal ao óleo diesel fóssil, usado como combustível para vários tipos de veículos, foi sancionada pelo

governo. O índice da mistura passará dos atuais 7% para 8% até 2017, com o incremento de um ponto percentual a cada 12 meses.

Com isso, o índice passará para 9% até 2018 e para 10% até 2019, podendo chegar a até 15%, mediante testes. A medida representa uma garantia de demanda para o Brasil, segundo maior mercado consumidor de biodiesel do mundo.

Essa nova lei representa avanços importantes para o país em muitos setores como a agricultura familiar, a agricultura comercial, as usinas produtoras de biodiesel, o consumidor e o meio ambiente. A expectativa é que a flexibilidade de

combinação acarrete preços mais baratos para o combustível.

O Brasil assumiu compromissos ambiciosos na última Conferência do Clima, a COP 21, em Paris, tanto para a redução de emissões quanto para a ampliação das energias renováveis na matriz energética nacional. A nova lei vai ajudar o país a cumprir esses compromissos.

Biodiesel, combustível renovável e biodegradável

O biodiesel pode ser produzido a partir de plantas como o pinhão-manso e a palma. Atualmente, a soja é uma fonte de energia renovável que produz menos danos ambientais. Ele também pode ser produzido a partir de gordura animal.

A previsão do tempo é uma ferramenta importante para uma série de atividades. Seja para agricultores planejarem plantios e colheitas de culturas, seja para

prevenir possíveis desastres naturais nos perímetros urbanos. Os meteorologistas buscam, então, fazer previsões cada vez mais precisas para dar subsídios exatos para a população. Para tanto, se valem de softwares e códigos computacionais complexos.

Um deles é o Brazilian Developments on the Regional Atmospheric Modeling System (Brams), desenvolvido pelo Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Cptec) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe/MCTI). Com a nova versão, recentemente disponibilizada, a Brams 5.2, é possível fazer previsões mais precisas em toda a extensão da América do Sul.

O principal diferencial desse sistema, de acordo com o pesquisador do Cptec Saulo Freitas, é que ele unifi ca os modelos de previsão do tempo e da qualidade do ar que a instituição utiliza atualmente. Outro ponto é que o Brams 5.2 permite uma avaliação simultânea do impacto das queimadas no ciclo de carbono. Em resumo, a ferramenta contabiliza fatores físicos, químicos e o ciclo de carbono para prever o clima.

“Por incluir processos físicos e biogeoquímicos mais realisticamente representados e integrados consistentemente em um único sistema de modelagem, temos condições de fazer uma previsão climática mais precisa. Esse sistema unifi ca diversos módulos, trazendo um sistema de modelagem de processos na atmosfera totalmente consistente, incluindo retroalimentações entre a superfície, atmosfera e biogeoquímica. Por isso, chegamos ao estado da arte”, explicou Saulo Freitas. “Isso signifi ca que o Brasil está no estágio mais avançado da previsão climática.”

Do menor para o maior

Segundo o pesquisador, o Brams 5.2 permite uma avaliação mais regionalmente localizada das condições climáticas. É possível fazer previsões para áreas de até cinco quilômetros com antecedência de um dia. Já as análises mais completas – que levam em conta os fatores biogeoquímicos – servem para áreas de resolução de 20 quilômetros para um período de mais de três dias de antecedência. Juntando todas essas informações, é possível montar um mosaico de previsão climática para toda a América do Sul.

A questão da delimitação da área é fundamental para a previsão do tempo. Isso porque quanto maior a área, maior a possibilidade de variação de cenários.

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66 z maio DE 2016

Boticário, Natura, Theraskin e Yamá

se unem com o IPT e desenvolvem

nanocápsulas para uso em cosméticos

Nas profundascamadas da pele

Quatro grandes empresas do setor nacional de cosméticos se uniram para desenvolver em conjunto uma tecnologia de interesse comum, que po­

derá dar mais competitividade às parti­cipantes do projeto. Realizado em parce­ria com o Instituto de Pesquisas Tecno­lógicas do Estado de São Paulo (IPT), o projeto cooperativo contou com as em­presas Grupo Boticário, Natura, The­raskin e Yamá e levou à criação de dois novos métodos de nanoencapsulação de princípios ativos de cosméticos. Sob a coordenação do IPT, o grupo, ao longo de dois anos, investiu R$ 2,4 milhões, di­vididos em três partes iguais de R$ 800 mil entre o instituto (que contabiliza o uso dos laboratórios e o pessoal envolvi­do), as quatro indústrias (que gastaram R$ 200 mil cada uma) e a Empresa Bra­sileira de Pesquisa e Inovação Industrial

(Embrapii), organização social mantida pelos ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Educação (MEC).

O resultado final foi uma plataforma tecnológica que está disponível para as empresas participantes do projeto. Durante os estudos, cada empresa cola­borou na pesquisa e aprimorou seus co­nhecimentos nessa área. Por serem con­correntes, nenhuma delas sabia o que as outras iriam colocar dentro das nano­cápsulas. O que cada empresa pretende usar foi tratado apenas com a equipe do IPT, sob contrato de sigilo. A ideia do projeto surgiu em 2012, quando o IPT propôs ao Instituto de Tecnologia e Es­tudos de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Itehpec), braço tecnológico virtual da Associação Brasileira da In­dústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), que congrega cerca de 380 empresas, identificar entre

Evanildo da Silveira

os associados quais eram as principais demandas do setor na área de desenvol­vimento de novas tecnologias.

“Apresentamos nossas linhas de pes­quisa e enviamos um questionário para as empresas em que procurávamos saber quais eram as demandas”, conta a farma­cêutica Natália Cerize, do Laboratório de Biotecnologia Industrial do Núcleo de Bionanomanufatura do IPT, coorde­nadora do projeto. “Constatamos que a maior demanda era na área de nanoen­capsulação de cosméticos. No começo, 11 indústrias demonstraram interesse, número que depois se reduziu para nove e no fim chegou a quatro. Desenhamos então o projeto e assinamos o contrato em julho de 2013, para um trabalho de 21 meses”, conta Natália. Em 2015, o merca­do brasileiro foi o quarto do mundo com faturamento de R$ 42 bilhões, atrás dos Estados Unidos, China e Japão. e

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tEcnologia NaNoTecNologIa y

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pESQUiSa FapESp 243 z 67

No projeto, foram desenvolvidos dois tipos de nanocápsulas ou nanoesferas. A primeira imita uma célula e a outra é ma­ciça, como uma bola de bilhar. Elas têm tamanhos entre 100 nanômetros (nm) e 600 nm (1 nanômetro é a milionésima parte de 1 milímetro). Ambas são feitas de um tipo não revelado de polímero. Na primeira, a substância ativa do cosméti­co é protegida por uma membrana e na segunda ela é misturada e distribuída por toda a massa da nanoesfera. Entre as vantagens dessa tecnologia estão a proteção do princípio ativo para evitar sua degradação durante a aplicação e a liberação controlada apenas nas cama­das mais profundas da pele. “O material poderá ser liberado mais rápido ou mais devagar, conforme o efeito do cosméti­co que se quer obter”, explica Natália. A técnica possibilita ainda a absorção cutâ­nea mais direta e a ação mais localizada e duradoura dos compostos.

concEpçõES diFErEntESA encapsulação já é conhecida e usada por algumas empresas de produtos de beleza e higiene e de remédios no ex­terior, como as francesas Anna Pegova, Chanel e L’Oréal. No caso da tecnologia desenvolvida pelo IPT e pelas quatro empresas, a novidade está na concep­ção de uma plataforma para diferentes princípios ativos, o que gerou quatro depósitos de patentes. “Determinamos o melhor tamanho de partícula, pH, vis­cosidade, teor de sólidos e estabilidade físico­química para cada ativo”, explica Natália. De acordo com ela, as técnicas de nanoencapsulação são inspiradas nas células dos seres vivos. “Elas são basica­mente compostas por uma membrana, que protege o núcleo e as organelas in­ternas”, diz. “Mas essa membrana tem também outras funções. Ela modula a atividade celular, permitindo, de for­ma seletiva, que substâncias entrem ou saiam das células.”

No IPT: detalhe de equipamento que permite medir experimentalmente a penetração das nanopartículas na pele

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68 z maio DE 2016

vas e dois cursos realizados no IPT, con­templando teoria e prática. Aconteceram, ainda, mais de 30 encontros individuais (do pessoal do IPT com os representan­tes de cada uma das empresas) e cerca de 500 horas, em várias atividades, de capa­citação dos profissionais das indústrias. A segunda fase foi individual e sigilosa entre o IPT e cada uma das parceiras, que trabalharam com seus princípios ativos de interesse, em busca de solução sob medida para sua linha de produtos. Fo­ram assinadas cláusulas de confidencia­lidade para garantir o segredo industrial.

A experiência foi positiva. “O modelo de trabalho do projeto despertou muito interesse, porque foi usada uma meto­dologia que, além de propiciar o desen­volvimento tecnológico, poderá trazer também vantagens competitivas e eco­nômicas”, diz Deli Brito de Oliveira, ge­rente de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Theraskin Farmacêutica. “O profissionalismo pautou as discussões e possibilitou o êxito, proporcionando ga­nhos de todos os lados. Tivemos a opor­tunidade de conhecer e internalizar uma nova cultura de inovação e tecnologia.” 

Nanoesferas, com forma mais rugosa, à esquerda na imagem de microscopia. ao lado, nanocápsulas com superfície arredondada

Além dos avanços tecnológicos, chama a atenção o fato de empresas concor­rentes se unirem em torno de um mes­mo objetivo, algo incomum no Brasil. “Nesse trabalho todos cooperam para conseguir fazer algo maior e melhor do que seria possível se fosse cada um por si.” Segundo Natália, a tecnologia desen­volvida não será empregada apenas pa­ra aqueles princípios ativos específicos testados durante a pesquisa, mas tam­bém para novos produtos que possam vir a ser desenvolvidos por cada uma das empresas.

“Para produtos cada vez mais comple­xos é fundamental que, na fase de pes­quisa e desenvolvimento [P&D] pré­com­petitiva, empresas se associem, inclusive concorrentes, para dividirem os custos e também os riscos do desenvolvimento tecnológico de baixa maturidade”, avalia Humberto Pereira, vice­presidente da Associação Nacional de Pesquisa e De­senvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei). “A parceria tecnológica entre concorrentes é bem difundida nos Esta­dos Unidos, como o programa NextGen, para modernização do controle aéreo, e na União Europeia, o Programa­Quadro, também em parceria, que abrange áreas como saúde, nanotecnologia e transpor­tes, entre outros.”

A professora Rosiléia das Mercês Mi­lagres, da Fundação Dom Cabral, em No­va Lima (MG), lembra de um exemplo importante de empresas concorrentes participando de um projeto cooperativo. “O projeto Genolyptus [Rede Brasileira de Pesquisa do Genoma de Eucalyptus],

que realizou o mapeamento genético do eucalipto entre 2002 e 2008, contou com 12 empresas florestais, como Klabin Suzano, e Votorantim, sete universida­des e a Embrapa”, diz Rosiléia. Entre as vantagens desses agrupamentos estão a redução de riscos e o compartilhamen­to dos benefícios com menor custo. “Os projetos cooperativos produzem traba­lhos com qualidade e valor numa veloci­dade impressionante”, diz o engenheiro agrônomo Jefferson Luís da Silva Costa, pesquisador e assessor da Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento da Embra­pa em Brasília.

conhEcimEnto E capacitaçãoNa primeira fase do projeto foram de­senvolvidas as duas plataformas de na­noencapsulação. Nessa etapa, chamada de pré­competitiva, houve atividades conjuntas entre os pesquisadores do IPT e as equipes técnicas das empresas. Par­ticiparam diretamente das atividades 10 pessoas do instituto e 23 das parceiras e do Itehpec. O avanço das pesquisas e o conhecimento gerado foram comparti­lhados por meio de seis reuniões coleti­

1

para as empresas foi uma oportunidade de obter conhecimento e internalizar a cultura de inovação

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pESQUiSa FapESp 243 z 69

No caso da Natura, Luciana diz ainda que a nanotecnologia é fundamental pa­ra entregar ao consumidor um cosméti­co diferente no aspecto sensorial, com resultados de tratamento e proteção da pele cada vez mais efetivos, além de pro­dutos seguros para o uso que permitem a liberação de ingredientes ativos de forma mais controlada. “Na nossa organização, a inovação nasce principalmente de di­ferentes formas de colaboração”, explica Luciana. “A inovação aberta, como neste caso do trabalho com o IPT, tem grande potencial para alavancar resultados para nós e para a rede envolvida em projetos desse tipo.”

domínio da tEcnologiaEm relação à tecnologia propriamente dita, Luciana diz que a Natura espera incorporá­la caso ela se mostre viável nas etapas subsequentes ao desenvol­vimento de novos cosméticos. “Ainda precisamos realizar diversos proces­sos e metodologias voltados a sua se­gurança e eficácia, como fazemos com todos os nossos produtos”, explica. “Se tudo correr bem, a inovação se­

laboratório de Biotecnologia Industrial do IPT: reator onde se preparam soluções de nanopartículas, ao lado. No alto, pesquisadora opera equipamento de permeação cutânea

Para o gerente de Pesquisa Tecnoló­gica do Grupo Boticário, Gustavo Diea­mant, o modelo de projeto cooperativo é muito bom para incentivar pesquisas aplicadas que necessitam de grande in­vestimento. “Cada uma contribuiu com seu conhecimento e isso proporcionou resultados rápidos e efetivos. Apostamos em novos modelos colaborativos com divisão de recursos financeiros, econô­micos e riscos”, diz Dieamant.

Fabio Yamamora, diretor técnico da Yamá, conta que a participação da em­presa no projeto foi uma decisão estraté­gica tomada para atender o mercado de cosméticos que é também muito desafia­dor. “A cada três meses havia uma reu­nião geral em que se fazia o alinhamento do conhecimento gerado das rotas de encapsulação, porém sem dar detalhes dos ativos escolhidos por cada uma”, conta Yamamora. Para Luciana Hashiba, gerente de Inovação da Natura, o ganho maior foi a parceria com o IPT, que fez a interface com cada indústria e desen­volveu a tecnologia. “Depois cada uma deu continuidade ao desenvolvimento da metodologia”, explica.

rá algo de impacto para nossa linha.” A Yamá também pretende usar a meto­dologia como base para o desenvolvi­mento futuro de outros ativos nanoen­capsulados. “Esperamos obter melhoria da qualidade do processo de fabricação, redução da irritabilidade de alguns ati­vos e aumento da compatibilidade entre matérias­primas”, enumera Yamamora.

Simone Tiossi, diretora de Operações e Inovação da Theraskin, diz que a in­trodução da nanotecnologia na empresa trará grandes benefícios, porque poderá estendê­la a outras linhas de produtos e também conduzir novos desenvolvi­mentos depois da tecnologia implemen­tada. “Esse projeto foi o primeiro passo para a construção do conhecimento ne­cessário para o domínio da tecnologia, que tem sido bastante difundida mun­do afora, proporcionando soluções de problemas anteriormente não vislum­bradas”, explica Simone. Os resultados do trabalho com o IPT são considera­dos igualmente promissores pelo Gru­po Boticário.

“O próximo passo será realizar um es­tudo de escalonamento da metodologia, bem como estudos in vitro e clínicos para garantirmos sua segurança e eficácia”, informa Dieamant. “Até aqui o proje­to foi conduzido em escala de bancada. Agora nós, o Itehpec e as quatro empre­sas estamos avaliando a possibilidade de continuação de uma nova fase do pro­jeto para trabalhar o escalonamento de produção dos encapsulados de interesse dentro da realidade de produção de cada uma”, diz Natália, do IPT. nFo

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3M investe em pesquisa

e desenvolvimento

e cria métrica própria

para impulsionar a inovação

Usar a ciência para melhorar a vida das pessoas e, ao mesmo tempo, trabalhar continuamente na atualização da linha de produtos. Essas di-retrizes norteiam a atuação dos 8,2 mil profis-sionais que trabalham nas unidades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) da norte-americana

3M ao redor do planeta. Presente no Brasil há 70 anos, a em-presa mantém um centro de classe global no município de Sumaré, a cerca de 100 quilômetros de São Paulo. “Trata-se do principal laboratório de pesquisa da 3M no hemisfério Sul”, destaca Camila Cruz Durlacher, 42 anos, diretora de P&D do grupo no país. A linha de produtos da empresa é diversificada e inclui adesivos, filtros industriais, resinas odontológicas, equipamentos de proteção individual (EPIs), estetoscópios e cabos para transmissão de energia, além dos populares blocos de recado Post-it, as fitas adesivas Durex e as esponjas de limpeza Scotch-Brite.

Uma prova de que a inovação é mesmo uma diretriz que orienta o negócio da empresa é o fato de 35% de suas vendas globais virem de produtos lançados nos últimos cinco anos – no Brasil, o percentual é um pouco inferior, de 28%. “Nossa me-ta global é elevar esse índice para 40% em 2020. A renovação

Renovação intensa

pesquisa eMpresarial y

equipamento utilizado para caracterização de fluidos

Yuri VasconcelosCamila Cruz

Durlacher, diretora de p&D da empresa,

à esquerda, com parte de sua equipe

em sumaré (sp)

Page 71: Fosfoetanolamina

pESQUISA FApESp 243 z 71

no ano passado. No Brasil, cerca de 5% do faturamento, de R$ 3,5 bilhões em 2015, foi destinado a P&D. O resultado desse investimento traduz-se na elaboração de dezenas de patentes e no lançamen-to de 80 a 100 novos produtos por ano no país. “Ao longo de nossa história, já depositamos 5,8 mil patentes [a maioria elaborada em outros países] no Brasil. Desde 2013, contabilizamos uma média anual de 47 patentes e registros de de-senho industrial – cerca de quatro por mês”, diz Camila. Globalmente, a empresa conquistou no ano passado sua patente de número 100.000.

O esforço contínuo voltado à criação de novas soluções tecnológicas tem sido reconhecido. Em 2015, a 3M foi aponta-da pela terceira vez como a companhia mais inovadora do país, segundo a pes-quisa Best Innovator, realizada anual-mente pela consultoria A.T. Kearney com

agressiva de produtos é uma de nossas marcas”, conta Camila, graduada em Quí-mica pela Universidade Estadual de Cam-pinas (Unicamp) e mestre em Ciências e Engenharia de Materiais pela Universida-de Federal de São Carlos (UFSCar). A mé-trica interna que direciona os processos de inovação da 3M foi batizada de Índice de Vitalidade de Novos Produtos (NPVI), que mede o percentual das vendas totais que advém de produtos inovadores lança-dos nos últimos cinco anos, em qualquer lugar do mundo. Criada pelos técnicos da empresa nos anos 1980, hoje ela é usa-da por outras companhias como Apple, Braskem, Dow e Natura, como forma de medir o nível de inovação das empresas.

A constante renovação do portfólio es-tá alicerçada em novos investimentos em P&D. Em 2015, eles responderam por US$ 1,8 bilhão, o equivalente a 6% das vendas mundiais, que atingiram US$ 30,3 bilhões

apoio da revista Época Negócios. “A 3M do Brasil é uma fonte de novidades para outras subsidiárias do mundo. A empresa não cria apenas produtos, mas sistemas completos em torno deles”, escreveram os organizadores do Best Innovator na apresentação do prêmio.

As inovações da 3M são classificadas em três categorias: incremental, adja-cente e radical. As de classe 3, relativas à inovação incremental, têm como exem-Fo

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EmprESA

3m

Centro de P&D sumaré (sp)

Nº de funcionários 162 profissionais

Principais produtos adesivos, filtros industriais,

resinas, esponjas,

estetoscópios e cabos de

transmissão de energia

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72 z maio DE 2016

plo uma nova versão da Scotch-Brite com melhor desempenho. As de classe 4, da categoria adjacente, são produtos e tecnologias já existentes, mas que so-freram modificações ou passaram a ser direcionados a um novo mercado. Pode ser representada por um filtro indus-trial, desenvolvido pela empresa com base em outros filtros já existentes do seu portfólio, para o mercado brasileiro de petróleo e gás. A categoria de classe 5, a de inovação radical, representa os itens inéditos criados para atender a um segmento de mercado em que a empresa ainda não atuava, como um líquido su-pressor de poeira.

No Brasil, as novidades são criadas por um time de 162 profissionais, formado por químicos, engenheiros (mecânicos,

análise de microrganismos

em laboratório de segurança

alimentar

Camila Cruz Durlacher, química, diretora de Pesquisa & Desenvolvimento

universidade estadual de Campinas (unicamp): graduação universidade Federal de são Carlos (uFsCar): mestrado

João Roberto Talamoni, químico, coordenador técnico do Laboratório PSA (Pressure Sensitive Adhesive)

universidade de são paulo (usp): graduaçãounicamp: mestrado e doutorado (em andamento)

Marcia Ferrarezi, engenheira química, pesquisadora

uFsCar: graduação, mestrado e doutoradounicamp: pós-doutorado

Rosana Emi Tamagawa, engenheira química, supervisora de laboratório para a divisão de negócios 3M Purification

escola de engenharia de lorena da usp (eel): graduaçãounicamp: mestrado e doutoradoinstituto de pesquisas Tecnológicas do estado de são paulo (ipT): pós-doutorado

Edmilson Silva Cavalcanti, engenheiro químico, pesquisador da equipe de desenvolvimento de aplicação

universidade de Mogi das Cruzes: graduação

químicos, de materiais e físicos), biólogos e farmacêuticos. Metade deles tem ou está cursando pós-graduação – 10% são doutores, 24% mestres, 7% mestrandos e 8% possuem cursos de Master of Busi-ness Administration (MBA). A equipe de P&D dá suporte às 23 unidades de negó-cios da companhia no país, sendo que as maiores contam com laboratórios dedica-dos. O grupo tem cinco fábricas em São Paulo e uma unidade em Manaus (AM), além das empresas Incavas, no Rio Gran-de do Sul, e Capital Safety, no Paraná. Ao todo, empregam 3,8 mil funcionários.

Com operação em mais de 70 países, a 3M foi criada em 1902 nos Estados Uni-dos para atuar na exploração mineral com o nome de Minnesota Mining and Manufacturing Co. – daí a explicação pa-

ra os três emes de sua marca. O negócio não prosperou e, poucos anos depois, a 3M passou a fabricar abrasivos. Esse foi o primeiro produto da empresa, que ho-je é dona de um portfólio formado por mais de 55 mil itens.

mUdAnçAS nA EStrUtUrAA atividade de P&D no Brasil é uma das mais antigas – surgiu pouco tempo de-pois da criação da primeira fábrica no país, em 1946. “Nessas sete décadas em que a 3M atua por aqui, o que mudou foi a forma como estruturamos a P&D. No passado, o setor estava atrelado à área de manufatura. Depois, passou a reportar para as divisões de negócio e, no fim dos anos 1990, foi finalmente criada uma di-retoria técnica de P&D”, afirma Camila.

Um momento importante na trajetória da multinacional no Brasil ocorreu em 2008 com a inauguração do Laborató-rio de Pesquisa & Desenvolvimento em Sumaré (SP), que unificou as atividades inovativas desenvolvidas na fábrica e inte-grou a rede mundial de P&D, formada ho-je por 35 unidades. Com isso, o Brasil pas-sou a contar com um laboratório de classe global, além de não estar mais voltado ex-clusivamente à criação de produtos com base em demandas locais, como acontecia até então. Cinco anos depois, em 2013, a empresa investiu US$ 13 milhões na am-pliação do Laboratório de P&D e de seu Centro Técnico para Clientes (CTC), este último inaugurado em 2005.

InStItUIçõES QUE FormArAm oS pESQUISAdorES dA EmprESAFo

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pESQUISA FApESp 243 z 73

e companhias dos setores de óleo e gás e de alimentos, entre outros.

Entre as centenas de inovações criadas pelos pesquisadores da 3M no Brasil, vale destacar um líquido supressor de poeira dirigido às indústrias mineradoras. Esse produto é aspergido nos vagões trans-portadores de minério de ferro, que são abertos, formando uma película prote-tora para reter a poeira e impedir a per-da de material pelo caminho durante o desloca mento do trem. “Criamos esse produto para o mercado local. Devido ao seu sucesso, hoje é vendido e produzido em outras subsidiárias”, conta o químico João Roberto Talamoni, 56 anos, um dos

ao lado, teste para caracterização de grãos minerais usados no desenvolvimento de abrasivos.abaixo, avaliação morfológica de fitas dupla face

“O CTC é o elemento de ligação entre a P&D e o cliente”, explica o engenhei-ro químico Edmilson Silva Cavalcanti, 51 anos, responsável pelo desenvolvi-mento de novas aplicações para os pro-dutos da divisão de fitas e adesivos in-dustriais. “Nele fazemos avaliações de nossos produtos antes da entrega final, realizamos treinamentos com os clientes e executamos testes de validação”, diz Cavalcanti, na 3M desde 1990. Embraer, Natura, Vale e Santander estão entre os principais clientes da multinacional, que também atende montadoras automoti-vas, fabricantes de itens de linha bran-ca, indústrias farmacêuticas, hospitais

pesquisadores mais experientes da 3M. Com 29 anos de casa, é o coordenador téc-nico de um dos laboratórios da empresa e dedica-se à síntese de polímeros. Outro produto marcante desenvolvido no Brasil foi um filtro industrial de alta vazão pro-jetado para o mercado de petróleo e gás. O desenvolvimento local foi motivado principalmente pela regulamentação de conteúdo nos contratos de concessão no mercado de óleo e gás, com o objetivo de incrementar a participação da indústria nacional em bases competitivas nos pro-gramas de exploração e produção. “Esti-vemos na liderança desse desenvolvimen-to, que contou com um time envolvendo a 3M Estados Unidos, México e Cingapu-ra”, ressalta a engenheira química Rosana Emi Tamagawa, 43 anos. “O produto nas-ceu de uma necessidade do mercado na-cional, mas hoje está disponível global-mente.” Supervisora de laboratório que dá suporte à divisão de negócios da 3M, Rosana formou-se na Escola de Engenha-ria de Lorena e tem mestrado e doutorado pela Unicamp e pós-doutorado pelo Ins-tituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).

O time de cientistas brasileiros tam-bém está envolvido na criação de uma nova geração de fitas acrílicas dupla face, conhecidas como VHB (very high bond). O produto tem alto poder de adesão para fixar diferentes materiais, reduzindo o tempo gasto para aplicação. Em substi-tuição a pregos, rebites e parafusos, essas fitas são usadas, por exemplo, para colar vidros em fachadas de prédios, chapas na carroceria de ônibus, peças de cabines de aviões e componentes estruturais de produtos da linha branca. “Em janeiro deste ano, viajei para a Coreia do Sul para encontrar a equipe global envolvida no desenvolvimento das novas fitas VHB, previstas para ser lançadas no segundo semestre deste ano”, conta a engenheira química Márcia Ferrarezi, 37 anos, líder do projeto no país, que tem mestrado e doutorado em Ciências e Engenharia de Materiais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). n

As inovações estão vinculadas, muitas vezes, a testes de validação e treinamento dos clientes

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74 z maio DE 2016

Pesquisadores desenvolvem

moléculas capazes de gerar

fármacos mais eficientes e

combinam drogas já testadas

para combater a doença

de Chagas e a leishmaniose

Novos remédios para velhas doenças

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O tratamento para duas enfermidades infecciosas, o mal de Chagas e a leishmaniose, está ganhan-do novas drogas formuladas por pesquisadores brasileiros. Essas doenças são classificadas co-mo negligenciadas pela Organização Mundial da

Saúde (OMS) por não receberem grandes investimentos da indústria farmacêutica no desenvolvimento e comercialização de medicamentos. Elas afetam principalmente as populações de baixo poder aquisitivo das regiões tropicais do planeta. O combate a essas doenças pode estar no desenvolvimento de moléculas com novas formulações farmacêuticas, associação de drogas e também em formas menos tóxicas para aplicação de medicamentos já existentes.

A doença de Chagas, causada pelo protozoário Trypanoso-ma cruzi, é transmitida pelo inseto barbeiro e atinge, segundo estimativas da OMS, 8 milhões de pessoas no mundo, com 12 mil mortes por ano e 65 milhões de pessoas com risco de exposição. A leishmaniose, transmitida por insetos hemató-fagos conhecidos como flebótomos ou flebotomíneos, tem duas formas de manifestação: a visceral, que pode ser fatal, e a cutânea. A OMS estima que existam 12 milhões de infecta-dos no mundo, com 30 mil mortes por ano e 350 milhões de pessoas vivendo em áreas de risco.

Um dos candidatos ao novo medicamento foi identificado pelos pesquisadores Wagner Vilegas, do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em São Vicente (SP), Emerson Ferreira Queiroz, da Universidade de Genebra, na Suíça, e Cláudia Quintino da Rocha, da Universidade Fede-

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no microscópio eletrônico de transmissão,Trypanosoma cruzi em dois momentos sob o efeito do medicamento sertralina: com 30 minutos, na outra página, e com uma hora de tratamento (ao lado)

ral do Maranhão (UFMA). Eles isolaram uma nova família de moléculas a partir de uma planta do Cerrado, a Arrabidaea brachypoda, conhecida como cervejinha--do-campo e usada contra cálculos re-nais. A partir dos resultados de pesquisas in vitro e in vivo, com animais de labo-ratório, os pesquisadores avaliaram que uma molécula da família tem potencial para o desenvolvimento de um novo me-dicamento. “Um dado importante é que a substância não apresentou toxicidade nas doses testadas”, diz Cláudia. O benz-nidazol, droga mais usada hoje no Brasil contra a doença de Chagas, gera fortes efeitos colaterais, com reações alérgicas cutâneas, enjoos e vômitos.

Cláudia Rocha afirma que a nova molécula testada pode ser produzida em laboratório, porque a rota sintética foi elaborada durante seu estágio de pós--doutorado no grupo da Universidade de Genebra. A equipe também já depositou o pedido de patente no Brasil, com ex-tensão internacional. Por ora, os pesqui-sadores contam com o apoio da FAPESP e da ONG Drugs for Neglected Diseases (DNDi), instituição que é referência no

suporte a pesquisas nessa área. A equi-pe ainda busca parceiros na indústria farmacêutica para viabilizar os testes clínicos em seres humanos.

O professor José Rodrigues Coura, chefe do Laboratório de Doenças Para-sitárias do Instituto Oswaldo Cruz (Fio-cruz), do Rio de Janeiro, diz que a ini-ciativa dos pesquisadores é importante diante das limitações das drogas existen-tes. “Não temos um medicamento ideal para o tratamento da doença de Chagas. Várias tentativas empíricas com antima-láricos, antibióticos e mais de 30 drogas não deram resultados”, diz.

Como relata Coura, somente 50 anos depois da descoberta da doença de Cha-gas, em 1909, surgiu a primeira droga efe-tiva, quando o paulistano Zigman Brener, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, mostrou que o nitrofurano furacin curava 95% dos camundongos com T. cruzi. Entre-tanto, essa droga produzia uma polineu-ropatia – distúrbio neurológico – gra-ve nos pacientes tratados e foi proibida. Aperfeiçoados, os nitrofuranos levaram à droga nifurtimox. Logo depois surgiu

o benznidazol. As duas substâncias, diz o professor, podem curar de 70% a 80% dos casos agudos e 20% dos casos re-centes ou crônicos, mas com um longo tratamento, 60 dias, e reações tóxicas importantes, obrigando a interrupção de 10% dos tratamentos. Coura avalia que a pesquisa com Arrabidaea brachypoda entrará agora na fase decisiva para saber se é mesmo funcional. “De cada 2 mil drogas promissoras, apenas uma se torna produto para tratamento humano”, diz.

RepOsiciONameNtO De fáRmacOsO pesquisador André Tempone, do Insti-tuto Adolfo Lutz, conduz outra linha de pesquisa, com equipes multidisciplinares trabalhando com o reposicionamento de fármacos já existentes e associações terapêuticas. Uma vantagem dessa abor-dagem, segundo Tempone, é reduzir o custo e o tempo da pesquisa, porque a droga utilizada já passou por testes to-xicológicos. No momento ele estuda o potencial terapêutico de antidepressi-vos orais com base na sertralina para a leishmaniose visceral e cutânea e para a doença de Chagas.

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Bartira estuda duas possibilidades de drogas a serem utilizadas, que poderão, no futuro, ser conjugadas em um único implante. A mais promissora utiliza a síntese de uma molécula identificada da planta Piper aduncum, da família das pi-mentas. A molécula chalcona CH8, com pedido de patente da UFRJ junto com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), tem característica lipofílica – solúvel em lipídios – que a torna mais fácil de encapsular. Mas, por tratar-se de uma molécula nova, ainda terá que pas-sar por testes em animais e seres huma-nos. O estudo conta com apoio da Finan-ciadora de Estudos e Projetos (Finep).

A cientista também aposta em uma linha de desenvolvimento que contaria com aprovação mais rápida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvi-sa). Para isso vai utilizar a droga anfote-ricina B, que já é usada no tratamento da leishmaniose, embora essa seja de difícil encapsulamento. Segundo Bartira, testes realizados com camundongos indicam que o implante da anfotericina B na pele não gera os efeitos colaterais comuns ao medicamento, quando a droga é injetada no músculo. Tanto as partículas de chal-cona como as de anfotericina B estão protegidas com depósito de patente. As partículas serão agora sintetizadas em maior escala seguindo as normas de boas práticas de fabricação (BPF) para a pro-dução de um lote-piloto certificado. Na sequência virão os testes pré-clínicos e clínicos em seres humanos. “Agora, pre-cisaremos de apoio financeiro para dar continuidade”, diz Bartira. A estimativa é de um investimento de R$ 7 milhões até a conclusão da fase 1 dos testes pré--clínicos. “Estamos conversando com agências de fomento e também com in-dústrias como a Biolab, GlaxoSmithK-line e GC-2”, diz. A equipe da professo-ra Bartira também criou uma startup, a LeishNano, com o objetivo de atrair investidores para o projeto. n

“Fazemos a triagem contínua de fár-macos já existentes no mercado. Selecio-namos um candidato a ganhar uma nova função quando a concentração que mata o parasita fica abaixo de 10 micromolares [medida equivalente à milionésima par-te do molar, unidade usada para medir a concentração de moléculas]”, diz Tem-pone. O trabalho desenvolvido indicou que a sertralina se mostrou potente in vitro, em células, contra Leishmania in-fantum, agente da forma fatal da doen-ça no Brasil, a leishmaniose visceral. O mesmo foi verificado para Leishmania amazonensis, uma das espécies que causa a forma tegumentar no Brasil. “E veri-ficamos essa atividade também para T. cruzi, em que a sertralina matou o pa-rasita e preservou a célula hospedeira.”

Como frequentemente os resultados in vitro não se repetem in vivo, os tes-tes com animais já começaram e estão sendo realizados pelo Instituto Adolfo Lutz, pelas universidades de Dundee, na Escócia, de San Pablo, na Espanha, e na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP), com o apoio da FAPESP. Se o resulta-do for positivo, o passo seguinte, relata Tempone, será usar a sertralina com o benznidazol para o combate à doença de Chagas. “A associação pode ampliar a eficácia, com uma redução da toxicida-de e ainda obter uma menor resistência do parasita”, diz. Estudos pré-clínicos iniciais indicaram atividade no mode-lo animal de leishmaniose visceral e da doença de Chagas aguda, reduzindo o número de parasitas. “Esperamos que, utilizando diferentes doses com base nos estudos em andamento, possamos chegar a uma terapia que elimine mais de 95% dos parasitas no modelo animal”, diz Tempone.

Para o combate à leishmaniose, a ser-tralina será testada em associação com as drogas anfotericina B e miltefosina, sendo que essa segunda droga ainda está em estudo clínico no Brasil. No país, o medicamento mais utilizado no combate à leishmaniose é um composto com an-timônio, cuja descoberta de seu uso pa-ra esse fim foi do pesquisador paraense Gaspar Vianna, em 1912. O antimônio, informa Tempone, trata o paciente, mas não elimina 100% o parasita, e ainda possui efeitos colaterais adversos gra-ves, principalmente para doentes car-díacos e renais.

O pesquisador também utiliza a biodi-versidade brasileira como fonte de pes-quisas para o desenvolvimento, ainda inicial, de duas moléculas bioativas para protótipos de fármacos contra as duas doenças tropicais. Uma, em parceria com Roberto Berlinck, da USP São Carlos, que prevê o desenvolvimento de moléculas a partir de organismos marinhos. A outra é feita com João Lago, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e tem co-mo base a planta do Cerrado Nectandra leucantha, conhecida como canela-seca ou canela-branca.

NaNOpaRtícUlas Na peleO foco da pesquisadora Bartira Rossi--Bergmann, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é o comba-te à leishmaniose cutânea, que, apesar de não ser fatal, traz graves consequên-cias sociais para 1,2 milhão de infecta-dos por ano no mundo. Hoje o combate à moléstia é feito com injeções diárias de antimônio. A aplicação é realizada apenas em postos de saúde e hospitais. Além dos fortes efeitos colaterais, a di-ficuldade de acesso a centros de saúde, principalmente por parte de moradores de comunidades isoladas, provoca nu-merosas desistências do tratamento. O trabalho da professora Bartira prevê a aplicação de um medicamento em dose única, por meio de um implante de na-nopartículas no local infectado, com a liberação gradual da droga na pele.

Projetos1. fitoterápicos padronizados como alvo para o trata-mento de doenças crônicas (nº 2009/52237-9); Moda-lidade Programa Biota – Projeto temático; Pesquisador responsável Wagner Vilegas (unesp); Investimento r$ 1.805.600,07 e us$ 1.163.945,04. 2. estudo pré-clínico racional de novos candidatos a fár-macos em protozooses negligenciadas utilizando aborda-gens farmacocinéticas (nº 2015/23403-9); Modalidade auxílio à Pesquisa – regular; Pesquisador responsável andré Gustavo tempone Cardoso (instituto adolfo lutz); Investimento r$ 147.545,00.

molécula extraída de uma espécie de pimenta poderá se transformar em droga para combater a leishmaniose

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artigo científicosantini-oliVeira, M. et. al. Schistosomiasis vaccine candidate sm14/Gla-se: Phase 1 safety and immuno-genicity clinical trial in healthy, male adults. Vaccine. v. 34, p. 586-94. 20 jan. 2016.

a candidata a uma vacina que poderá proteger os seres hu-manos da esquistossomose passou na fase inicial dos

testes clínicos. Eles são necessários para que possa ser comprovada a se-gurança da futura vacina. Totalmente desenvolvida no Brasil, ela tem como alvo o verme Schistosoma mansoni, que provoca a doença. A transmissão ocor-re no consumo de água contaminada com larvas do parasita. Febre, dor de cabeça, falta de apetite, calafrios, tosse e diarreia são alguns dos sintomas da doença, também chamada de barriga--d’água porque provoca um inchaço no abdômen, se não for tratada com me-dicamentos. A esquistossomose atinge cerca de 7 milhões de brasileiros e 200 milhões de pessoas no mundo, princi-palmente na África. Outros 800 milhões estão expostos ao risco de contrair a enfermidade no planeta.

A vacina foi desenvolvida na Funda-ção Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Rio de Janeiro, sob a coordenação da médica e pesquisadora Miriam Tendler, que es-teve à frente dos estudos por 30 anos. O imunizante usa um antígeno – substância que estimula a produção de anticorpos – para neutralizar o ataque do parasita no corpo humano. O antígeno é uma proteí-na chamada de Sm14 e foi escolhido em 2014 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um dos projetos prioritários no mundo para doenças que atingem as populações mais carentes.

Na fase 1 dos testes clínicos a vacina foi administrada em seres humanos para verificar seu grau de segurança. “Testa-mos em 20 homens e 10 mulheres sadios no estado do Rio de Janeiro; os resulta-dos foram muito bons e nos indicaram a passagem para a próxima fase, com mais pessoas”, explica Miriam. Na primeira fase, o estudo contou com a parceria da Universidade de Washington e do Insti-tuto de Pesquisa em Doenças Infeccio-sas (Idri), nos Estados Unidos. “Foram analisados 486 parâmetros relativos à segurança da vacina.” Parte do estudo foi publicado em janeiro na revista Vaccine.

A fase 2 está prevista para começar neste ano e deverá ser feita com volun-tários no Brasil e na África. Os testes da fase 1 consumiram R$ 5 milhões, finan-ciados por meio de parceria público-

-privada (PPP) com a empresa brasileira Ourofino, de Minas Gerais, especializada em medicamentos veterinários. No início deste ano, a Ourofino cedeu os direitos que tinha sobre a vacina humana, por ter licenciado o imunizante da Fiocruz, e fi-cou apenas com a versão veterinária. A Orygen, uma joint venture formada pelas empresas Biolab e Eurofarma, também brasileiras, assumiu a vacina humana. A segunda fase terá investimentos das em-presas, da Fiocruz e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que no total somam US$ 4,5 milhões. n

Produto feito na fiocruz, no rio de Janeiro. se aprovado, será fabricado pela brasileira orygenfOtO

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Vacina contra esquistossomoseimunizante desenvolvido pela fiocruz está

pronto para a fase 2 de testes clínicos

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Vermes e bactérias atuando juntos são matérias-primas

de produto para uso comercial na lavoura

Bioinseticida feito de microrganismos

Depois de 15 anos de pesquisa, uma nova tecnologia para o controle biológico de pragas está pronta para uso comercial.

Trata-se de um bioinseticida feito a par-tir de nematoides, vermes milimétricos que vivem no solo, para uso no combate a insetos e outros organismos que ata-cam cultivos como os de cana-de-açúcar, plantas ornamentais e eucalipto. O novo inseticida biológico foi desenvolvido pelo engenheiro agrônomo e entomo-logista Luís Garrigós Leite, da unidade de Campinas do Instituto Biológico, vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Ele começou o trabalho em 2002 e, no ano seguinte, o estudo começou a ser feito em parceria com a empresa Bio Controle, de Indaiatuba (SP), que atua na área de monitoramento e controle de pragas agrícolas, por meio de um proje-to do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP. A empresa está prestes a comercializar o produto para os agricultores. A co-mercialização dos nematoides será feita com os vermes envoltos em diatomita,

um pó de origem mineral, que deixa os vermes úmidos e em estado de latência. Só voltam à atividade quando o produto é diluído em água.

“Os nematoides são usados nos Estados Unidos e na Europa para o controle prin-cipalmente de pragas de solo, que atacam a raiz, e de ambientes crípticos, aqueles fechados e com pouca luz, como furos em plantas feitos por brocas, por exemplo”, conta Leite. Para criar o bioinseticida, o primeiro passo foi isolar e selecionar os nematoides de interesse. Grande parte desses vermes é nociva a muitas culturas agrícolas como as de soja e cana. Leite escolheu as espécies que seriam úteis co-mo os vermes dos gêneros Steinernema e Heterorhabditis e as bactérias dos gêneros Xenorhabdus e Photorhabdus, respectiva-mente, que formam uma simbiose natural para destruir as pragas das culturas. “Para cana-de-açúcar nós trabalhamos prin-cipalmente com Steinernema brazilense visando o controle do bicudo [Spheno-phorus levis], que ataca essa planta. Para cultivo protegido de plantas ornamentais e cogumelos, utilizamos Steinernema fel-tiae, e Heterorhabditis indica, e Steiner-

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nema rarum para controlar fungus gnat [Bradysia sp.].” Apesar do nome, fungus gnat é um inseto.

Leite explica que quando os nematoi-des encontram os insetos eles penetram no corpo deles por seus orifícios naturais e, uma vez dentro do organismo, liberam as bactérias que causam septicemia, ma-tando-os em 48 horas. “A simbiose é uma associação vantajosa para as duas espé-cies”, diz. “As bactérias não conseguem sobreviver em ambientes livres, apenas no intestino dos nematoides. Além de abrigá-las, eles as levam até um novo hospedeiro. Em troca, as bactérias pro-duzem enzimas que digerem o tecido do inseto, disponibilizando alimento para o verme.”

larga escalaUma das maiores dificuldades para criar o novo bioinseticida foi desenvolver uma forma de produzir os nematoides em larga escala, a um custo que tornasse o produto competitivo em relação aos inse-ticidas químicos. Para isso, Leite passou um ano, entre 2014 e 2015, no Departa-mento de Agricultura dos Estados Uni-

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larga escala ainda precisa evoluir. Por exemplo, a vida útil dos nematoides comerciais é de dois a três meses e sua aplicação depende da presença de chu-va, o que complica a logística de distri-buição em períodos de seca”, avalia Luís Leite. A Bio Controle aposta principal-mente na cana. “Somos a única empresa que tem e está registrando um produto à base de nematoides entomopatogêni-cos no Brasil”, garante Fábio Silber Sch-midt, pesquisador da empresa. “É o Bio Bacteriophora, feito à base do nematoi-de Heterorhabditis bacteriophora, que terá como um dos alvos o bicudo-da--cana.” A previsão da empresa é de que entre 2017 e 2018 estará com o registro definitivo, liberada para comercializar o produto. n evanildo da silveira

projetos1. avaliação de metodologias e técnicas para a produção industrial de nematoides entomopatogênicos e estudo de mercado para a comercialização desses agentes (nº 2003/02137-1); Modalidade programa pesquisa inova-tiva em pequenas empresas (pipe); Pesquisadora res-ponsável Carmen maria ambros ginarte (bio Controle); Investimento r$ 337.818,00.2. nematoides entomopatogênicos: produção massal e potencial de uso no controle biológico de pragas (nº 2002/09506-0); Modalidade auxílio à pesquisa – regu-lar; Pesquisador responsável luís garrigos leite (instituto biológico); Investimento r$ 17.400,00.3. produção massal in vitro de nematoides entomopato-gênicos: seleção de meios, produção bifásica, formulação e aproveitamento do resíduo industrial (nº 2014/00651-4); Modalidade bolsa no exterior – regular; Pesquisador responsável luís garrigos leite (instituto biológico); Investimento r$ 119.425,19.

Produção de nematoides no Instituto Biológico de Campinas. Acima, cultivo de bactérias

dos (Usda). “Foi para desenvolver meios de cultura e processos na produção in vitro de nematoides entomopatogêni-cos, os que estão em simbiose com as bactérias, procurando tornar viável a produção com baixo preço, para atender grandes lavouras, como a de cana”, conta.

Usando um meio de cultura compos-to por gema de ovo, óleo vege-tal e extrato de levedura, Leite diz que o custo de produção de ne-matoides é infe-rior a R$ 10 para o tratamento de 1 hectare. A es-se valor devem ser acrescenta-dos o da mão de obra e da logísti-ca, por exemplo, o que ainda torna o preço do produto competitivo com o dos agroquímicos. “No Brasil, muitos agricultores pensam que o controle biológico deve ser mais barato que o químico”, diz. “Essa men-talidade não é a mesma na Europa, onde os produtores rurais dão mais valor ao controle biológico devido a medidas res-tritivas aplicadas ao uso de produtos quí-micos, por causa de seus efeitos danosos.”

Leite cita outras vantagens do uso de nematoides em vez dos agroquímicos. Entre elas estão a não indução de re-

sistência aos insetos, a segurança para o ambiente, para trabalhadores rurais e consumidores, uma vez que não faz mal à saúde humana. “Os vermes têm grande persistência no ambiente. Quando 100 deles invadem um inseto eles se alimen-tam e se multiplicam dentro do cadáver por até três gerações, podendo chegar a

100 mil indivíduos. Depois de esgotada essa fonte de ali-

mento, eles saem e pro-curam outra praga

para invadir e re-petir o processo”, explica Leite.

“Nematoides são muito utili-zados no mun-do, mas ainda pouco no Bra-

sil”, diz José Ro-berto Parra, da Es-

cola Superior de Agricultura Luiz de

Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), es-

pecialista em controle biológico. “Há dificuldades para criá-los em massa por-que ainda não dominamos completa-mente a tecnologia de produção. Uma vez sanado esse problema, eles terão as mesmas vantagens de qualquer micror-ganismo usado no controle biológico de praga”, explica Parra. “A tecnologia está definida e aberta a qualquer empresa que tenha interesse, mas a produção em

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Regras e práticas internas podem

prejudicar qualidade e quantidade de

debates dos ministros do STF

Déficit dedeliberação

humanidades JuSTiça y

mauricio Puls e márcio Ferrari

tinham por objetivo compreender como os próprios ministros do STF encaram o processo deliberativo do qual participam, uma vez que, segundo o pesquisador, “cada ministro novo se vê compelido a seguir o rito ditado pela tradição e pelo regimento interno”. Silva entrevistou 17 integrantes e ex-integrantes do STF, assegurando que as informações seriam usadas de forma anônima, a fim de deixar “os ministros à vontade para expor suas opiniões” e, com isso, retratar o processo decisório do tribunal. O estudo conclui que regras e práticas internas do STF prejudicam a qualidade das deliberações.

Não se trata de defender um modelo único de processo deci-sório. “As sessões podem ser públicas ou reservadas, o tribunal pode permitir ou proibir votos divergentes, produzir decisões únicas ou que apresentem os votos de todos os integrantes, ter liberdade nas escolhas de casos ou não”, diz Silva. O professor Diego Werneck Arguelhes, da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ), lembra que as de-liberações da suprema corte alemã, por exemplo, são sempre secretas, regra que talvez sofresse rejeição se fosse adotada no Brasil. “No entanto, a opinião pública confia naquelas pessoas por defenderem ideias sedimentadas em décadas de atuação”,

Em uma democracia representativa, a legitimidade dos cargos eletivos estaria assegurada constitucio-nalmente pela confiança que a população deposita, por meio do voto, em seus representantes. No Poder Judiciário os integrantes de sua cúpula nunca são

eleitos, embora, no caso do Supremo Tribunal Federal (STF), sejam nomeados pelo presidente da República e a indicação passe por aprovação do Senado. Da corte da qual saem as de-cisões mais importantes do sistema judicial espera-se que a legitimidade emane do saber de seus 11 ministros. “Uma das fontes de legitimidade é a qualidade das deliberações do tri-bunal”, diz Virgílio Afonso da Silva, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Com deci-sões bem fundamentadas e centralizadas em poucas mãos, o STF, em seu papel principal de guardião da Constituição, faria o escrutínio necessário das leis votadas no Congresso, numerosas e muitas vezes confusas ou contraditórias entre si.

O problema reside em saber se as deliberações do Supremo são, de fato, as melhores possíveis. Essa foi a motivação do estudo “A prática deliberativa do STF”, que Silva iniciou em 2011 e está em fase de finalização. As entrevistas da pesquisa

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afirma. No tribunal constitucional alemão as decisões são pro-nunciadas apenas pelo presidente da corte e de modo quase sempre consensual. “O consenso é visto como sinal de que a decisão é a melhor tentativa de abordar a questão, feita por especialistas bem-intencionados.”

É nesse ponto que a diferença entre os processos decisórios no Legislativo e no Judiciário fica mais clara. Enquanto os parlamentares foram escolhidos para expressar interesses parciais, por terem sido eleitos para representar segmentos da população, os ministros do STF têm, segundo Silva, a obri-gação de interpretar e aplicar a Constituição de acordo com a convicção de que a Carta deve ser a expressão da razão pública, conceito do filósofo do direito norte-americano John Rawls (1921-2002) que se refere ao consenso em torno de uma con-cepção de justiça compartilhada pelo conjunto da sociedade.

Uma deliberação de boa qualidade tomada em conjunto pressupõe enunciar e ouvir argumentos para que o grupo chegue a uma decisão comum, e não apenas à da maioria de seus integrantes. No caso do STF, vários fatores têm prejudi-cado a qualidade das deliberações. Os problemas começam no relator, tema analisado por Silva em artigo publicado no il

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ano passado na Revista Estudos Institucionais, periódico vin-culado à Faculdade Nacional de Direito da Universidade Fe-deral do Rio de Janeiro. Na opinião da maioria dos ministros entrevistados pelo autor, o relator tem um papel decisivo no processo no STF, pois ele “baliza todo o debate”.

Alguns ministros distinguem o papel do relator “nos casos corriqueiros” e naqueles “que atraem a opinião pública”. Um deles esclareceu que, quando a matéria não chama a atenção, o relator tem um papel decisivo, pois os demais tendem a acompanhar seu voto; contudo, quando o tema é polêmico, o voto do relator é apenas “um voto qualquer”, pois cada um dos demais ministros leva o seu já escrito. Esse é, como ressaltou Silva em outro artigo, publicado no International Journal of Constitutional Law, um fator que prejudica muito o proces-so de deliberação. O debate tende a ter um papel irrelevante, “na medida em que cada membro componente do tribunal se prepara para votar como se relator fosse”, nas palavras de um dos ministros.

Segundo Silva, isso ocorre devido a uma prática peculiar do STF: o relator mantém sigilo sobre seu voto até o momento da sessão. Ele divulga apenas o relatório com os dados sobre o

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a instância máxima da JustiçaSTF foi criado em 1890, sob inspiração da Suprema Corte norte-americana

Casos que galgaram todas as instâncias e tiveram repercussão geral

TuRmaSSão formadas por dois grupos de cinco ministros (o presidente não participa) que deliberam sobre ações como pedidos de liberdade, habeas corpus e extradições

plenáRioencontro presencial (ações mais importantes, inclusive as de inconstitucionalidade)

plenáRio viRTualvotação eletrônica (ações sem maiores implicações para a sociedade)

Casos de insconstitucionalidade

infrações penais comuns daqueles que têm foro privilegiado (presidente da República, vice-presidente, membros do Congresso, ministros e procurador- -geral da República)

processo, mas não os seus argumentos. Como os demais ministros ignoram a posição do relator, precisam elaborar “do zero” os próprios votos nos casos polêmicos. Um dos ministros entrevistados declarou que, “se o relator enviasse seu voto com antecedência, haveria uma clara economia de tem-po”. Se alguém estivesse de acordo com o relator, bastaria seguir seu voto, o que liberaria tempo pa-ra tratar dos demais processos. Ao mesmo tempo, isso propiciaria um diálogo com os ministros que divergissem de sua posição, pois os argumentos contrários partiriam de um solo comum. “Hoje o que temos é a somatória de 11 votos, e não decisões decorrentes de discussões aprofundadas entre os ministros”, conclui Oscar Vilhena Vieira, diretor da Escola de Direito da FGV de São Paulo.

comPosição

ministros nomeados pelo

presidente da República

após aprovação pelo Senado

o presidente do STF tem mandato de

dois anos

1 proposições de ação constitucional pelas pessoas e instituições listadas no artigo 103 da Constituição

2 Definição do relator (por sorteio)

3 pedidos de informação e pareceres

4 elaboração do voto do relator

5 inclusão na pauta (definida pelo presidente do STF)

6 leitura do relatório

7 Sustentações orais

8 leitura dos votos dos ministros e votação (por ordem decrescente de antiguidade) *

9 acórdão: decisão final do caso

seQuênciano

Plenário

Julgamentos

* Pedido de vista: pode ser requerido por qualquer ministro (com exceção do relator) a qualquer momento do processo, independentemente da ordem de voto de cada um. o julgamento fica então suspenso até a liberação pelo autor do pedido de vista

“A divulgação do voto do relator, mesmo que desejada por boa parte dos ministros, ainda sus-cita alguns receios”, afirma Silva. “Há ministros que não querem correr o risco de divulgar seus argumentos com antecedência para que outros ministros não possam elaborar contra-argumentos mais robustos.” Mas o voto levado pronto também conta com defensores que vão além da praticidade. “O ministro relator levar o seu voto escrito me pa-rece boa medida, revela que o magistrado estudou bem as teses jurídicas postas no recurso”, declarou à Pesquisa FAPESP o ex-ministro Carlos Velloso, membro do STF entre 1990 e 2006. “O ideal seria que, nos casos mais complexos, houvesse sessão reservada, a fim de debater a matéria, como ocorre na Suprema Corte norte-americana.”

de onde vêm as ações

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Outros ministros do STF reconhecem que a ausência de um debate prévio é uma das cau-sas do número elevado de votos discordantes. Alguns observaram que nem sempre foi assim. Antigamente, as sessões de votação eram prece-didas pelas chamadas sessões de conselho, nas quais os casos eram apresentados previamente, o que permitia que os ministros conhecessem a posição uns dos outros. Isso ajudava a diminuir as divergências. Mas tais sessões caíram em de-suso após a presidência (2001-2003) de Marco Aurélio Mello – nomeado em junho de 1990 para o tribunal –, que não as apreciava.

alta eXPosiçãoOutro fator que aparentemente pesa nos julga-mentos é o elevado grau de exposição a que os mi-nistros estão submetidos. Desde 2002, as sessões do STF são transmitidas ao vivo pela TV Justiça, o que deixa os magistrados expostos diretamente ao grande público. Por essa razão, de acordo com Silva, hoje os integrantes do Supremo parecem estar mais preocupados com as opiniões vigentes fora do tribunal do que com os argumentos de seus colegas, por estarem preocupados com a reputação pública, que se baseia em grande parte no desem-penho dos membros do tribunal como oradores.

“Os magistrados são homens, não são anjos, e a vaidade é própria do ser humano”, diz Velloso. “A transmissão pela televisão tem banalizado os julgamentos e o próprio tribunal.” Conrado Hüb-ner Mendes, professor da Faculdade de Direito da USP, considera grave o grande aumento de exposição pública. “A qualidade das deliberações piorou muito e expôs o tribunal à cacofonia das opiniões individuais dos ministros a respeito de qualquer assunto público sobre o qual são per-guntados pela imprensa.”

Virgílio Afonso da Silva considera que esse grau de exposição acentuou o individualismo dos ministros e tem prejudicado o funcionamento do colegiado. Sem tanta publicidade, seria razoável supor que os ministros se sentissem mais à vonta-de para discutir os argumentos e eventualmente mudar de opinião. Mas, diante das câmeras de TV, a disposição para acolher argumentos contrários diminui consideravelmente – especialmente nos casos mais polêmicos.

Seria possível aprimorar o processo decisório no STF? “Algumas pequenas alterações já fariam uma enorme diferença”, diz Silva. “O debate antes da tomada de votos é uma possibilidade prevista no regimento, mas é pouco aplicada. Os ministros dizem que o problema é a carga de trabalho, que realmente é grande, mas penso que o STF poderia escolher os casos mais importantes e promover debate prévio.”

Por várias razões, entre elas o aumento de atribuições do STF pela Constituição de 1988,

a quantidade de casos que chega ao tribunal é enorme. Em 2014, o número de processos novos foi de 78.110. “O Supremo ainda não com-preendeu que só deve julgar o que interessa a milhões de pessoas; é isso que a Constituição quer”, ava-lia Velloso. O ex-ministro acres-centa que uma das atribuições do tribunal, julgar os membros do Poder Executivo, do Congresso e o procurador-geral da República, “transformou o Supremo em corte criminal”.

Para Oscar Vilhena Vieira, o aperfeiçoamento do processo de-cisório exigiria uma redução do número de competências do STF (ver quadro). “O acúmulo de ta-refas vem sendo enfrentado com a crescente ampliação das deci-sões monocráticas”, analisa Vilhe-na, referindo-se àquelas em que a decisão fica a cargo de apenas um

magistrado. “Pelo fato de se tratar de um tribu-nal irrecorrível e, portanto, aquele que corre o risco de errar em último lugar, seria importante que as decisões fossem majoritariamente de na-tureza coletiva.”

O excesso de trabalho teria origem, pelo menos em parte, nos procedimentos habituais do STF, argumenta Diego Werneck Arguelhes. “O Supre-mo sempre se recusou a perder competências”, diz. “Hoje alguns ministros começam a aceitar que será necessário fechar algumas portas. O que um tribunal constitucional deve fazer é discutir teses, não ser o corretor geral de injustiças da República.” O grande problema do STF, em sua opinião, é a inconstância nos próprios procedi-mentos, por “falta de iniciativa para sistematizar regras e colocá-las em prática”, ficando a cargo do relator decidir caso a caso. Para o pesquisa-dor, falta transparência, por exemplo, no modo como a pauta é escolhida. “Qualquer proposta de mudança esbarra em dois problemas básicos: poderes individuais exacerbados e inexistência de instrumentos claros para controlar a conduta de seus integrantes”, afirma. n

Pesa nos votos dos ministros o alto grau de exposição a que estão submetidos com a exibição dos julgamentos pela tv

projetoa prática deliberativa do Supremo Tribunal Federal (nº 2011/01066-0); Modalidade auxílio à pesquisa – Regular; Pesquisador responsável virgílio afonso da Silva (Faculdade de Direito – uSp); Investimento R$ 20.414,80.

artigos científicosSilva, v. a. um voto qualquer? o papel do ministro relator na delibe-ração no Supremo Tribunal Federal. revista estudos institucionais. v. 1, n .1, 2015.Silva, v. a. Deciding without deliberating. international Journal of constitutional law. v. 11, n. 3, 2013.

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educação y

alunos da escola caetano de campos, em São Paulo: diretores no início do século XX eram membros da Liga dos Professores católicos

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congregações católicas europeias supriram

demanda por escolas no Brasil entre o

fim do século XIX e a segunda metade do XX

Religião e política no ensino

e atuam no Brasil, mapeando a existência de aproximadamente 500 delas. As infor-mações sobre essas missões estarão acessí-veis, nos próximos meses, em um banco de dados aberto à consulta pública. Em decor-rência do projeto coordenado pela profes-sora Agueda, que avançou além do perío-do enunciado no título, chegando aos anos 1990, foram realizados colóquios anuais no exterior e no Brasil e elaborados dossiês pu-blicados nas revistas Brasileira de História da Educação e Pro-posições. Esta publicará em 2017 um número especial com artigos de pesquisadores envolvidos no projeto.

Estudos acadêmicos anteriores aborda-ram a história da Igreja no Brasil e mesmo da vida religiosa, sem contudo analisar o impacto da imigração em massa sobre as políticas do Estado brasileiro. Havia, tam-bém, pesquisas sobre o trabalho de con-gregações específicas, mas sem abarcar a presença das missões de maneira ampla, como propôs o projeto.

Christina Queiroz

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Motivadas pela secularização dos estados europeus, congregações católicas vieram para o Brasil dos anos 1890 até a segunda metade do século XX, trazendo conheci-mentos técnicos em áreas como educação, saúde, produção editorial e arquitetura. No campo educacional, as congregações ofereceram conhecimento e experiência no ensino, tanto na elaboração de mate-rial didático quanto no desenvolvimento organizacional das escolas. Durante longo período da história republicana, o Estado brasileiro se apoiou nos serviços da Igreja para cumprir algumas de suas obrigações. Essas foram as conclusões do projeto te-mático “Congregações católicas, educação e Estado nacional no Brasil (1840-1950)”, coordenado por Agueda Bernardete Bitten-court, professora da Faculdade de Educa-ção da Universidade Estadual de Campinas (FE-Unicamp).

O projeto também realizou o levantamen-to das congregações católicas que atuaram

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86 z maio DE 2016

Por outro lado, enquanto as repúbli-cas europeias se fechavam para as con-gregações católicas, o Estado brasileiro, incapaz de atender toda a população em um sistema educacional público, deixava brechas na oferta escolar, que foram em parte preenchidas pelas congregações europeias. Nesse processo o clero, ligado às dioceses brasileiras e interessado em modernizar o catolicismo local, atento a essas lacunas, convidava as organizações religiosas estrangeiras para suprir as de-mandas, conforme a especialidade de cada uma: criação e gerenciamento de estabele-cimentos de ensino, produção de material pedagógico, edição e publicação de livros, qualificação de professores, entre outras.

Agueda explica que, na virada do sé-culo XIX para o XX, a instrução pública no Brasil era limitada à educação primá-ria, umas poucas escolas secundárias e alguns cursos superiores isolados. Com a chegada das congregações católicas, foram fundadas escolas para todas as etapas da educação. Até meados dos anos 1950 o ensino secundário no país era ma-joritariamente privado e confessional. Esses colégios eram frequentados pela elite e instalados principalmente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, além dos estados do Sul, cujos imigrantes demandavam assistên-cia e educação católicas.

capela do cristo operário, em São Paulo: referência à orientação

assistencial da Igreja a partir dos anos 1950

Segundo a pesquisadora, as congre-gações trouxeram e adaptaram à reali-dade local conhecimentos pedagógicos adquiridos durante os anos de trabalho em seus países de origem, participando do estabelecimento de serviços básicos em educação no Brasil. Nas monarquias europeias, assim como durante o Impé-rio no Brasil, a Igreja era vinculada ao Estado. Na medida em que países como França e Itália se tornaram repúblicas, procederam à separação entre Igreja e Estado, e a sobrevivência de ordens e mosteiros tornou-se muito difícil. Uma profunda reforma transformou ordens e mosteiros em congregações, levando sua missão religiosa a ampliar-se, acres-centando uma orientação social. Com as restrições de atuação na Europa, cujo processo de laicização se acelerava, no fim do século XIX a Igreja buscou alter-nativas fora do continente. Um marco significativo desse processo ocorreu com o Concílio Plenário Latino-americano de 1901, convocado pelo papa Leão XIII, no qual foi regulamentada a atuação da Igreja em países da América Latina, onde se deveria aproveitar a herança católica dos colonizadores europeus e também combater a entrada dos protestantes.

No Brasil, apesar de a Igreja ter sido atuante desde a chegada dos portugueses, sua presença local havia se dado, princi-

palmente, por meio das paróquias, dos seminários de formação do próprio clero e de organizações leigas, como as ordens terceiras e as irmandades. Após a Repú-blica, intensifica-se e profissionaliza-se a atividade da Igreja por meio do trabalho das congregações estrangeiras imigradas. “As congregações criaram escolas, dirigi-ram hospitais, fundaram santuários e edi-toras para uma atividade social que jus-tificasse sua existência”, afirma Agueda.

CULTURA ESTRANGEIRANo começo da pesquisa, que teve início em 2012 e será finalizada em junho, o grupo de pesquisadores trabalhava com a hipótese de que as congregações imigra-ram por terem sido expulsas dos países europeus. Mas, com o desenvolvimento dos estudos, constatou distintos interes-ses em jogo nesse processo. A França, por exemplo, embora tenha restringido o espaço das congregações no seu siste-ma educacional, apoiou a vinda delas ao Brasil e a outros países da América Lati-na. “O Estado francês tinha interesse em difundir a língua e a cultura francesas”, diz a pesquisadora.

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cimento pedagógico para criar colégios e material didático. Os maristas foram responsáveis pela fundação, em 1901, da FTD (iniciais de Frade Théophane Durand, superior-geral da Congregação Marista de 1883 a 1907), editora paulista, até hoje uma das maiores do ramo de ma-terial didático. O Ministério da Educação e os governos estaduais e municipais são seus principais clientes. “Isso não quer dizer que os livros da FDT apresentem, necessariamente, teor religioso, mas que, em alguns temas, o conteúdo é aborda-do de uma perspectiva cristã”, explica. Outras editoras católicas foram abertas no país na virada do século XIX para o XX, como a Vozes, até hoje no mercado.

MANUTENÇÃO DE pRIVILÉGIOSNa visão de Carlos Roberto Jamil Cury, docente da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de Mi-nas Gerais (PUC-Minas) e da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FE-UFMG), as congre-gações vieram ao Brasil tanto por causa dos conflitos políticos na Europa quan-to porque a hierarquia católica queria estabelecer outro tipo de catolicismo no Brasil. Em vez das práticas “populares”, consideradas supersticiosas e “contami-nadas” por outras crenças, a Igreja pre-tendia enfatizar o catolicismo romano,

Boletim da Liga do Professorado católico,

de 1949, e primeiro volume das cartas encíclicas do papa Leão XIII, de 1901

A pesquisadora observa que a convi-vência entre as escolas públicas e as es-colas católicas gerou uma intensa troca de conhecimentos e ideias. Isso se deve à circulação dos professores entre os dois tipos de escolas e aos convênios entre os poderes públicos e as congregações. “Os professores militantes cató-licos que atuavam em esco-las públicas levavam práti-cas pedagógicas e o ideário católico para a rede oficial de ensino”, afirma.

Um exemplo da relação entre educação pública e Igreja é o que se dava no co-légio Caetano de Campos – primeira instituição públi-ca de formação de profes-sores de São Paulo –, cujos diretores também dirigiam a Liga dos Professores Ca-tólicos entre os anos 1920 e 1930 e faziam circular pela escola materiais produzidos na liga. Além disso, estados como Santa Catarina e Mato Grosso fir-maram convênios com algumas congre-gações para o ensino nas escolas rurais.

No final dos anos 1950, o clero latino--americano começou a elaborar uma teo-logia voltada para os mais pobres. Alia--se aos movimentos iniciados pela Igreja francesa no pós-guerra, como o projeto dos padres operários, que deixaram os conventos para morar em bairros pe-riféricos para praticar a evangelização. Mesmo colégios privados, destinados a atender às elites, passaram a oferecer ser-viços às populações menos favorecidas, iniciativa social que se mantém.

A pesquisadora lembra que a história brasileira é diferente, por exemplo, da ar-gentina, que universalizou a educação fundamental já no final do século XIX, deixando pouco espaço ao trabalho pe-dagógico das congregações. Enquanto no Brasil a universalização – atender à tota-lidade da demanda – mal se completou nos anos 1990. Segundo o Ministério da Educação, em 2014, ano dos últimos da-dos disponíveis, a cobertura era de 97,5%.

As congregações adaptavam os co-nhecimentos pedagógicos e técnicos de-senvolvidos em seus países de origem à sociedade brasileira. Um caso exemplar é o dos maristas, que lidavam tradicional-mente com educação na França. Quando vieram ao Brasil, utilizaram seu conhe-

Projetocongregações católicas, educação e estado nacional no Brasil (1840-1950) (nº 2011/51829-0); Modalidade auxílio à Pesquisa – Projeto Temático; Pesquisadora res-ponsável agueda Bernardete Bittencourt (Fe-unicamp); Investimento R$ 246.113,00.FO

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mais hierárquico, sóbrio e tradicional. Além disso, a atuação das congregações contribuiu para certo recuo da presença do Estado na educação. “No Império, os padres eram funcionários públicos pagos pelo governo”, conta Cury. “Com a Repú-blica, aproveitaram a insuficiência da rede

pública de ensino para man-ter a influência e o prestígio na sociedade brasileira.”

Luiz Antônio Cunha, pro-fessor emérito na Faculdade de Educação da Universida-de Federal do Rio de Janeiro (FE-UFRJ), entende a ocu-pação do espaço educativo pelas congregações católicas como uma disputa nos cam-pos religioso e político. Se-gundo Cunha, antes da Re-pública, o Estado brasileiro mantinha financeiramente a Igreja católica. Os profes-sores faziam juramento de aceitação da religião e de que nenhuma outra fé se-

ria ensinada nas escolas públicas. Com isso, até fins do século XIX, imigrantes e missionários protestantes vindos dos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e outros países enfrentavam restrições nos direitos civis.

Ainda assim, de acordo com o pesqui-sador, antes mesmo da Proclamação, a oligarquia cafeeira paulista se articulava com pastores protestantes para oferecer educação em cidades do interior. Depois, quando paulistas como Prudente de Mo-rais se tornaram presidentes, incorpora-ram a pedagogia protestante nas políticas governamentais. “Havia uma afinidade eletiva entre a ideologia declaradamente renovadora dos cafeicultores paulistas e o trabalho pedagógico dos protestantes”, diz Cunha. Em linhas gerais, o profes-sor explica que a pedagogia católica se baseava na memorização de conteúdos e respeitava a tradição, enquanto a pro-testante se apoiava em um método em que o aluno ocupava uma posição me-nos passiva no aprendizado e permitia o questionamento da tradição. n

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88 z maio DE 2016

Projeto analisa o uso

de fotos e filmes

como estratégia ou

resultado de pesquisa

o conhecimento pelas imagens

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Márcio Ferrari

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Quando surgiu, observa a pesquisa-dora, “a fotografia foi tomada como um recurso para suplantar a pintura, na medida em que captaria uma realidade objetiva, e até hoje é frequentemente abordada como se não ‘mentisse’”. Para a pesquisadora, “o que a antropologia vi-sual busca é saber como utilizar as ima-gens, seja como estratégia ou resultado de pesquisa”. A busca de novas lingua-gens, segundo Sylvia, parte do princípio de que “nossa racionalidade científica, muitas vezes impregnada de positivismo, é muito pouco adequada para lidar com universos distintos do nosso”.

O projeto seguiu duas linhas de pes-quisa. A primeira, “Fotografia, filme etnográfico e reflexão antropológica – Teoria e prática”, procurou perceber as aproximações e distâncias entre a teoria antropológica e a realização de fotogra-fias e filmes. Segundo Sylvia, “o grande desafio nessa linha de pesquisa é a pos-sibilidade de incorporar às novas lingua-gens audiovisuais as grandes questões da antropologia contemporânea”.

Um exemplo de filme produzido no âmbito do projeto temático e nessa linha de pesquisa é Pimenta nos olhos, que se originou do diálogo com os moradores de Pimentas, bairro na periferia de Gua-rulhos (SP), mediado pela realização de oficinas e exposições de fotografia com a intenção de explorar questões de espaço, imaginário e memória da comunidade. Outro estudo que aproxima as possibi-

o uso da fotografia e dos meios audiovisuais na antropolo-gia cultural vem dos tempos de formação da disciplina. A professora Sylvia Caiuby

Novaes, do Departamento de Antropo-logia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), localiza as origens no trabalho dos antropólogos evolucionistas. Para eles, as sociedades se desenvolveriam de acordo com está-gios e padrões semelhantes em qualquer época ou parte do mundo, do “primiti-vo” ao “civilizado”. Assim, o apoio visual seria apropriado para testemunhar os sinais evolutivos encontrados nos povos estudados e seus modos de vida. Desde então, a antropologia evolucionista foi suplantada por outras teorias que a suce-deram, e a imagem só voltou à cena nos anos 1940 com os trabalhos dos norte--americanos Margaret Mead (1901-1978) e Gregory Bateson (1904-1980) em Bali, para se firmar efetivamente nos anos 1960, com a obra do francês Jean Rouch (1917-2004) na África. Muitas discussões se mantêm, como a que contrapõe as possibilidades de registro descritivo e a de uso da imagem de modo expressivo. Essas e outras questões foram discutidas pelo projeto temático “A experiência do filme na antropologia”, coordenado por Sylvia entre 2010 e 2015. Foi o terceiro e último de uma série interligada, tota-lizando 18 anos de pesquisa.

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pesQUIsA FApesp 243 z 89

Acima, imagem do jogo dos

para-atletas estudados e

fotografados por joon ho kim, e,

ao lado, o trabalho de artesãs

peruanas (no alto) e brasileiras registrado

por sandra rossi costilhes

lidades da fotografia com a reflexão an-tropológica está em um dos artigos do livro Entre arte e ciência – A fotografia na antropologia, assinado pelo pesquisador Joon Ho Kim, doutor em antropologia pela FFLCH-USP. O livro é um dos pro-longamentos do temático, com textos e fotos realizados por alguns dos pesqui-sadores. Joon recorreu à fotografia para um trabalho compartilhado com atletas em cadeiras de rodas que jogam rúgbi. A intenção com a pesquisa, que ganhou o Grande Prêmio Capes de Tese na área de Humanidades, foi buscar o registro dos detalhes precisos que revelam a violên-cia, a agilidade e os choques de corpos e máquinas das partidas. Joon quis, assim, “capturar os aspectos capazes de des-construir o estigma da imobilidade por meio da construção de imagens opostas àquelas que sugerem vitimização”.

A segunda linha de pesquisa, “A ex-pressão do conhecimento etnográfico: fronteiras e diálogos entre a antropolo-gia e as artes”, estudou a realização au-diovisual na produção de conhecimento antropológico. Segundo Sylvia, o aspec-to híbrido das imagens (entre o real e o construído), em especial a fotografia, permite a conexão entre arte, conheci-mento e informação. “Das ciências hu-manas, a mais próxima das artes é a an-tropologia, em parte porque lidamos com aspectos inconscientes da vida social.”

Assim, alguns dos filmes superaram a distância tradicional entre a pesquisa

científica e o trabalho artístico. Um es-tudo sobre a juventude em Cidade Tira-dentes, na periferia de São Paulo, adotou o formato ficcional ao ser adaptado para o meio audiovisual. O filme, Fabrik funk, a realidade de um sonho, assinado por Rose Hikiji, por Sylvia e pela antropó-loga Alexandrine Boudreault-Fournier, da Universidade de Victoria, no Cana-dá, conta a história de uma funkeira e foi feito pelo método de antropologia compartilhada, em que a comunidade estudada participou da elaboração da obra no roteiro e na produção. “Estão lá todos os dados da pesquisa mas, se tivéssemos feito um documentário nos moldes clássicos, a abordagem provavel-mente seria menos rica”, afirma Sylvia.

Mais de 50 filmes foram produzidos no âmbito dos três projetos temáticos. Esti-veram envolvidos na fase mais recente 27 pesquisadores. Segundo a pesquisadora, o projeto consolidou na FFLCH-USP a área de antropologia das formas expressivas,

que estuda a relação entre a antropologia e as diversas áreas de manifestação artís-tica. Foi por meio desses projetos temá-ticos que se efetivou a infraestrutura do Laboratório de Som e Imagem da Antro-pologia (Lisa), que mantém um acervo de 1.500 filmes e 8 mil imagens fotográficas e mais de 180 horas de material sonoro gravado, além de documentos de referên-cia, parte dele com acesso pela internet. O Lisa reúne três setores de pesquisa: o Grupo de Antropologia Visual (Gravi), o Núcleo de Antropologia, Performance e Drama (Napedra) e o grupo Pesquisas em Antropologia Musical (PAM). n

ProjetoA experiência do filme na antropologia (nº 2009/52880); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Projeto temático; Pesqui-sadora responsável sylvia caiuby novaes (FFlch-UsP); Investimento r$ 528.441,00.

livrocAiUBY noVAes, s. (org.). Entre arte e ciência – A foto-grafia na antropologia. são Paulo: edusp, 2015, 224 p.

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90 | maio DE 2016

Regina Machado concilia

pesquisa acadêmica

e carreira de cantora

Regina e Tom Zé, parceria iniciada

nos anos 1980, quando a

cantora participava dos shows do

compositor

multiplicar-se única, título de uma canção de Tom Zé que dá nome ao CD independente que a cantora, compositora, pesquisadora

e professora Regina Machado lançou no final de 2015 só com canções do compositor, diz bastante sobre sua atuação na área artística e acadêmica. Regina se desdobra em diversas funções musicais, trilhando caminhos a partir de um trabalho cen-trado no estudo da voz.

Graduada em música popular pela Universi-dade Estadual de Campinas (Unicamp), onde é professora no Instituto de Artes (IA), ela publicou em 2011 o livro A voz na canção popular brasilei-ra – Um estudo sobre a Vanguarda Paulista (Ateliê Editorial). A obra, resultado de sua dissertação de mestrado apresentada em 2007 na Unicamp, inves-tiga a abordagem vocal daquele movimento mu-

Lauro Lisboa Garcia

Arte

Uma especialista em voz

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CD recém-lançado, o quarto da carreira da cantora, no qual ela se desdobra em diversas funções musicais

sical independente dos anos 1980. “Escolhi esse período porque revelou novas possibilidades de realização vocal em consequência da compreen-são dos padrões entoativos da língua falada”, diz a cantora. O canto que incorpora o ritmo e os padrões de fala é um traço comum entre artis-tas da Vanguarda Paulista como Ná Ozzetti, Tetê Espíndola e Arrigo Barnabé.

Há uma conexão notável entre as porções ar-tística e acadêmica de Regina, que se reflete em seus discos, da escolha do repertório até o ela-borado trabalho de arranjos e interpretação. A cantora ingressou no ambiente universitário “tardiamente”, aos 27 anos. Na idade em que os jovens costumam sair do ensino médio direto para a faculdade, ela havia se dedicado a tocar e cantar na noite. Entre outras atividades, fez vocais de apoio para Tom Zé. “Aquele universo musical me surpreendeu”, relata Regina. “Não era só música, havia também a performance, e ele falava de coisas como filosofia oriental, se-miótica e literatura. Algo me mostrou que ali es-tava um caminho que eu queria seguir.” Nos anos 1990 a cantora fundou uma escola própria, Canto do Brasil, que existe até hoje no bairro paulis-tano da Lapa, e teve entre suas alunas a cantora Mônica Salmaso.

Em seus quatro CDs, lançados desde 2000, entre autores menos conhecidos e composições próprias, ela também se dedicou a reinterpretar canções de Chico Buarque, Edu Lobo e Caetano Veloso, fugindo dos clássicos de cada um. “Mi-nha carreira acadêmica foi se delinear de acordo com essas referências musicais. Acredito que tu-do parte do ofício – fazer, ouvir, cantar.” Foi daí que veio a matéria-prima para o desenvolvimento acadêmico da cantora. “A música que sempre me encantou e foi o motivo do meu desejo de reali-zação profissional me levou a estudar e entender os elos que me trouxeram até aqui.”

Dois dos marcos dessa trajetória são Luiz Tatit e Dante Ozzetti, artistas independentes ligados ao ambiente alternativo do mercado da música de entretenimento em que se consolidou o mo-vimento Vanguarda Paulista. Ozzetti é o produ-tor do disco em que Regina canta Tom Zé. Tatit escreveu o prefácio de seu livro. Sob orientação dele, Regina defendeu doutorado em linguística e semiótica na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Pau-lo (FFLCH-USP) em 2012, com a tese Da inten-ção ao gesto interpretativo – Análise semiótica do canto popular brasileiro, ainda não publi cada em livro.

“Regina é uma cantora que se interessou em entender como as canções são compostas e foi por isso que procurou pesquisa e orientação”, conta Tatit. “Ela queria ter alguns critérios de análise sobre como extrair interpretações espe-

cíficas para determinadas canções. O que está por trás disso talvez seja o estudo da semiótica, que a instiga a uma visão mais ampla de construção do sentido, nas modalidades auditivas ou visuais. E ela mergulhou nisso.”

Além da satisfação que sente como pesquisa-dora, Regina valoriza em particular o trabalho de professora por causa do contato com os alunos. Entre eles cita destaques da nova geração, co-mo os cantores Lineker e Lívia Nestrovski. “São artistas que ainda estão conquistando espaço”, observa. O contato entre gerações se dá também na pesquisa, como no projeto liderado por Regina no IA-Unicamp chamado “Vox Mundi – Grupo de estudos da voz popular midiatizada, erudita e dos povos tradicionais”. Ela se reúne semanalmente com nove alunos que orienta na pós-graduação, além da cantora Magda Pucci, diretora musical do grupo Mawaca, sua ex-aluna.

“Cada aluno tem seu trabalho em uma pesqui-sa própria, mas todos estão conectados à minha, ou seja, trabalham com a voz e a construção dos sentidos”, diz Regina. Em 2013 e 2015, o grupo organizou dois eventos acadêmico-artísticos na Unicamp, denominados Encontro de Estudos do Canto e da Canção Popular, com shows, palestras, aulas e mesas de debate. Entre os artistas que par-ticiparam estavam Tatit, o músico, compositor e ensaísta José Miguel Wisnik, o cantor, compositor e violonista Roberto Mendes e o cantor, compo-sitor, violonista e poeta Tiganá Santana. “Foram experiências incríveis para todos, dentro e fora da universidade, pela possibilidade de diálogo e para entendermos que as artes estão dentro da universidade porque são parte fundamental da produção humana”, conta Regina. n

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Rodrigo de Oliveira Andrade

Museu na Amazônia, de 1883,

impulsionou a carreira científica do

botânico João Barbosa Rodrigues

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Barbosa Rodrigues em seu escritório no Jardim Botânico do Rio de Janeiro (s/d)

Laboratório de um homem só

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Em 18 de junho de 1883, em meio ao desejo de popularizar a ciência e de conhecer mais o Brasil, foi inaugurado em Manaus

o Museu Botânico do Amazonas, primeira instituição científica da então província do Amazonas. Idealizado para ser um centro especializado em estudos etnográficos e botânicos aplicados à medicina, o museu teve vida efêmera, encerrando suas atividades em 1890, sete anos após abrir as portas ao público. Apesar da breve existência, a instituição serviu para atender às aspirações profissionais de seu diretor, o botânico João Barbosa Rodrigues (1842-1909), figura polêmica e ambiciosa, que em busca de prestígio e reconhecimento da comunidade científica brasileira envolveu-se em várias controvérsias com cientistas e diretores do Museu Nacional, no Rio de Janeiro.

Barbosa Rodrigues nasceu no Rio, mas passou a infância no interior de Minas Gerais, onde iniciou seus estudos em artes e ciências. Voltou à capital em 1850. Nesse período, conheceu Guilherme Schüch, o barão de Capanema (1824-1908), engenheiro de minas bem relacionado com a família real e que acabou se tornando seu mentor. Em 1870, o botânico surpreendeu a comunidade científica do Rio ao pleitear verba do governo imperial para publicar um livro sobre orquídeas (ver Pesquisa FAPESP nº 210). O espanto se deu porque até então ele nunca havia participado do círculo de pesquisadores da cidade, centro científico do país. O pedido desencadeou discussões sobre sua competência na área e não foi atendido.

A ideia de abrir um museu na Amazônia partiu de Capanema, que pretendia garantir um emprego de prestígio ao amigo botânico. À época, Barbosa Rodrigues já havia participado de várias expedições à região Norte, onde desenhou e descreveu orquídeas e palmeiras, fez anotações etnográficas e escreveu sobre o uso da flora local na medicina. O botânico também coletou material arqueológico e

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ele. Mesmo funcionando regularmente até 1888, o museu mudou de endereço três vezes, sempre com falta de recursos, equipamentos e funcionários. Com pouca gente para trabalhar, filhos, enteados e até a esposa de Barbosa Rodrigues o ajudavam na administração.

O período em que esteve à frente da instituição amazonense foi muito produtivo para o pesquisador. “Barbosa Rodrigues produziu desenhos de plantas e de objetos etnográficos, catálogos para exposições e artigos científicos”, diz Margaret Lopes. Entre 1886 e 1887, o botânico fez ilustrações de pelo menos 394 plantas e 94 objetos etnográficos.

“As pesquisas feitas nos anos como diretor do Museu Botânico foram decisivas para que, em 1890, ele fosse convidado para assumir a direção do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, consolidando sua carreira como botânico na comunidade científica nacional da época”, diz Magali em um artigo que detalha suas análises publicado na revista Museum History Journal. Barbosa Rodrigues assumiu o cargo no Jardim Botânico do Rio em 1892 com o prestígio de ter sido diretor de um museu no coração da floresta amazônica.

Ele deixou o cargo de diretor no Museu Botânico ao perceber que a instituição não teria futuro. Após sua saída, parte do acervo foi levada ao Liceu Amazonense, em Manaus, e depois transferida para o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Outros exemplares foram enviados para instituições na Alemanha, Itália e Estados Unidos. n

geológico e estudou o curare, veneno oriundo da combinação de várias plantas usado pelos indígenas. Anos mais tarde, a substância o ajudou a justificar a criação do Museu Botânico. Em seu plano apresentado ao governo imperial, Barbosa Rodrigues enfatizou o quanto o museu – em outras palavras, seus próprios estudos – contribuiria para o avanço da pesquisa sobre o curare.

A estratégia deu certo, o museu foi inaugurado e Barbosa Rodrigues tornou-se seu diretor, apesar da resistência das autoridades locais, que não apoiavam a criação do museu. “Os políticos da província do Amazonas consideravam o botânico um estrangeiro em seu próprio país”, diz a historiadora Maria Margaret Lopes, do Núcleo de Estudos de Gênero da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que estudou o museu com Magali Romero Sá, historiadora da Casa Oswaldo Cruz, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Barbosa Rodrigues organizou o museu em três seções: botânica, química e etnográfica, além de um jardim botânico para cultivar e exibir plantas. A primeira coleção exposta exibia espécimes botânicas e etnográficas coletadas pelo

próprio pesquisador durante expedição no vale do rio Amazonas, em 1872. Um mês após a inauguração do museu, Barbosa Rodrigues organizou uma nova expedição à região do rio Jauaperi, em Roraima, onde coletou objetos e espécies para sua instituição.

O museu inaugurou o jardim botânico em 1884 e o laboratório de química, com equipamentos importados de Paris, em 1886. O empenho de Barbosa Rodrigues, porém, não foi o suficiente para transformar o empreendimento científico na moderna instituição de pesquisa idealizada por FO

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exemplar de Curarea toxicofera (acima) e

desenhos de artefatos indígenas (abaixo)

coletados por Barbosa Rodrigues em

expedição no vale do rio Amazonas, em 1872

Astrocaryum manoense: nova

espécie de palmeira descrita

pelo diretor do Museu Botânico

do Amazonas

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ras econômicas do poder limitava e reduzia sua autonomia e, por conseguinte, dificultava ou mes-mo impedia o avanço de propostas inovadoras”. Registra, contudo, que, com razoável frequência, “um ministro (...) não consegue levar adiante seus projetos por falta de condições de infraestrutu-ra, de financiamento ou de condições políticas”.

A avaliação de Cunha não pode ser desvincu-lada do conhecimento que acumulou como pro-fessor universitário na área da educação ou como assessor especial da Unesco no Brasil, mas sobre-tudo como diretor e secretário adjunto de Políti-ca Educacional do MEC: “Ministros e dirigentes que passaram pelo MEC tiveram a intenção de operar mudanças que teriam sido importantes para a educação nacional, mas não conseguiram. Os que lograram atingir realizações relevantes tiveram, sem exceção, condições políticas e eco-nômicas mais favoráveis, entre elas o apoio direto da Presidência da República”.

A leitura dos capítulos revela que estas refle-xões constituem um dos principais parâmetros de análise. É o que se nota, particularmente, nos capítulos dedicados a Fernando Haddad e Henri-que Paim, que receberam tal apoio, em compara-ção, por exemplo, a José Goldemberg, que, deste ponto de vista, pouco pôde realizar, a despeito da qualidade e oportunidade de suas propostas.

Nota-se, também, certa disparidade no tama-nho dos textos, assim como na documentação e na quantidade de gráficos, tabelas e quadros que os ilustram. A ausência de indicadores educacionais semelhantes nos diversos capítulos não permite uma comparação mais aprofundada entre todos, nem entre os avanços obtidos com as diversas ini-ciativas adotadas ao longo do período analisado.

Nada disso, porém, prejudica o alcance e a oportunidade da obra e sua importância no ce-nário da doutrina educacional contemporânea. Raros são os estudos acadêmicos dedicados aos atores de políticas educacionais e O MEC pós--Constituição vem preencher essa eloquente la-cuna, além de nos propor vigorosa reflexão sobre problemas que continuam atuais.

O MEC pós-Constituição, coordenado por Célio da Cunha, é obra relevante e extre-mamente útil para o conhecimento e aná-

lise da história recente da educação brasileira. A publicação reúne, em 11 capítulos, ensaios sobre os nove ministros de Estado que estiveram à frente do Ministério da Educação (MEC) entre 1988 e 2014: Carlos Alberto Chiarelli (1990/1991); José Gol-demberg (1991/1992); Murílio Hingel (1992/1995); Paulo Renato Souza (1995/2003); Cristovam Buar-que (2003/2004); Tarso Genro (2004/2005); Fer-nando Haddad (2005/2012); Aloizio Mercadante (2012/2014); e Henrique Paim (2014/2015).

Elaborados por docentes e pesquisadores da Universidade Católica de Brasília, os ensaios analisam projetos e programas ministeriais que consideraram significativos para a consolidação de uma “cultura brasileira de gestão educacional”. Embora os textos sejam de recorte acadêmico e componham um conjunto cronologicamente arti-culado e contextualizado, é possível consultá-los de forma aleatória como se fossem peças de um vasto quebra-cabeças que não se destina exclu-sivamente aos estudiosos da educação nacional.

A obra se inicia com capítulo introdutório, no qual os autores assinalam as influências do Mani-festo dos Pioneiros da Educação e de outros edu-cadores nas normas relativas ao direito à educação na Constituição de 1988. Entre elas, sobressaem princípios, regras e metas voltados à erradicação do analfabetismo, à universalização da ensino bá-sico, à garantia da qualidade do ensino, à valoriza-ção dos profissionais da educação. Nos capítulos seguintes, o objetivo é fazer um balanço do que foi realizado pelo MEC desde então. Os resultados são positivos, na visão dos autores.

A aprovação dos Fundos de Desenvolvimento da Educação (Fundef e Fundeb), a consolidação de avaliações em larga escala, dos parâmetros cur-riculares nacionais, da edição da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, da criação do Programa Universidade para Todos, do Plano de Desenvolvimento da Escola, entre diversas iniciativas, foram medidas de inegável alcance para a educação nacional. Com elas, diz Célio da Cunha, “o MEC elevou-se ao status de ‘ministé-rio de primeira linha’, diferentemente de outros tempos, em que a subordinação da pasta às esfe-

Cenários da gestão educacional Nina Ranieri

Nina Ranieri é professora-associada da Faculdade de Direito da USP e coordenadora da Cátedra Unesco de Direito à Educação da Faculdade de Direito da USP.

O MEC pós-ConstituiçãoCélio da Cunha (coordenador)Liber Livro Editora527 páginas Informações no [email protected]

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visitada pelo autor em 2001 e 2014. Discussões interessantes tanto sobre o “buraco de ozônio” na Antártida quanto sobre os pinguins colocam as fragilidades do meio físico e biológico naquela região. O forte aquecimento de 3 graus observa-do na península Antártica desde 1950 é teste-munho da rapidez e força com que as mudanças globais chegaram àquele ambiente. O clima de nosso planeta é totalmente integrado e isso trans-parece na discussão sobre o efeito da Antártida no clima brasileiro, especialmente nas regiões Sul e Sudeste.

O autor diz que um dos objetivos do livro é explicar como chegamos a essa situação, mas é exatamente este tópico que, acredito, poderia ter sido mais explorado. Os detalhados relatos de impactos não discutem com profundidade as reais razões pelas quais o planeta está passando por esse sufoco ambiental. A exploração inesgo-tável dos recursos naturais está sufocando rapi-damente a vida na Terra. A busca pelo lucro sem limites coloca nosso planeta em risco e a questão fundamental é saber como sairemos dessa situ-ação, em que, além do lucro, a sustentabilidade a longo prazo também seja uma variável a ser integrada ao sistema.

Claro que o livro não chega a “soluções”, pois elas ainda não existem, embora a COP-21, que selou o Acordo de Paris, aponte para o caminho de reduzir fortemente as emissões de gases de efeito estufa com compromissos voluntários dos países. O livro traz críticas importantes: “O avanço do Acordo de Paris é ele existir, inde-pendentemente de ser bom ou ruim. Ele é ruim, na verdade, porque deixa tudo nas mãos dos países. Mas é um avanço político e geopolítico significativo”. Esta crítica sobre a questão da governança planetária é certamente o problema principal do Acordo de Paris e um enorme de-safio para as próximas décadas. Todos vivemos no mesmo planeta, não em países isolados uns dos outros. Portanto, um sistema de governança global terá que ser implantado, se quisermos um planeta com clima estável ao longo das próximas décadas e séculos.

O livro A espiral da morte – Como a humanida-de alterou a máquina do clima é um relato dinâ-mico, quase pessoal, de como um jornalista que cobre a área científica vivenciou, ao longo dos últimos anos, a evolução da ciência do clima em conjunto com suas observações em nosso plane-ta. O jornalista Claudio Angelo conversou com políticos, moradores de zonas críticas, cientistas, ativistas ambientais e negacionistas das mudan-ças climáticas para gerar um amplo panorama de uma das questões mais importantes com que a humanidade já teve que lidar. É muito interes-sante acompanhar os relatos de viagens a locais estratégicos do ponto de vista de mudanças glo-bais (Antártida, Groenlândia, Ártico etc.) e ver o balanço entre observação local e ciência global. Vale ressaltar a importância, para o avanço dos debates sobre o tema, de um jornalista compar-tilhar as suas dúvidas com as dos cientistas que ainda não entendem em sua totalidade a com-plexidade do sistema climático global.

O resultado dessa epopeia é um trabalho de fô-lego, mas fácil e divertido de ler. Claudio Angelo discute não só o impacto de nossa sociedade no planeta, mas também as implicações sociais, geo-políticas, culturais e econômicas. As diferentes escalas temporais e espaciais são abordadas com o cuidado necessário. O autor convida o leitor a refletir sobre questões importantes relacionadas ao derretimento acelerado de geleiras observa-do na Groenlândia e ao degelo no oceano Árti-co, e como esses eventos afetam as populações. Também aborda as possibilidades para sair dessa armadilha que a estrutura socioeconômica que mantém a sociedade de hoje nos impôs.

Em sua primeira componente (chamada de “Norte”), o autor narra em detalhes as fortes al-terações no ecossistema Ártico e como isso im-pacta seus habitantes remotos. O relato do que acontece na Groenlândia e em Svalbard (Norue-ga) é fascinante. Questões científicas complexas, como a alteração do albedo de superfície e os hi-dratos de metano, são explicadas didaticamente. A exploração de petróleo no Ártico com seus riscos inerentes ao meio ambiente é destacada.

A componente “Sul” explora as questões as-sociadas ao meio ambiente antártico, em parti-cular na estação brasileira Comandante Ferraz,

impactos da humanidade no meio ambiente

a espiral da morte – Como a humanidade alterou a máquina do climaClaudio angeloCompanhia das Letras490 páginas | r$ 59,90

Paulo artaxo

Paulo artaxo é professor titular e pesquisador do Instituto de Física da USP.

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Processos e fenômenos dos mais variados, co-mo o descobrimento do Brasil, o carnaval, o fute-bol, os poderes imperial, parlamentar e militar, a catequese dos jesuítas, a formação do Estado nacional, o sufrágio universal e o empreende-dorismo são acionados por Caldeira de modo extremamente inventivo, visando sempre rein-terpretar a nossa história e, assim, incidir novas luzes sobre o sentido da especificidade brasileira. Até teorias econômicas do valor são instrumen-talizadas nesse sentido.

Dentre os ensaios que mais me chamaram a atenção estão os que versam sobre a tradição democrática do período colonial no Brasil, so-bre o primeiro fundidor do país (Clemente Ál-vares) e o capítulo que encerra o livro, a respeito da ausência de dados estatísticos sobre o Brasil no aclamado livro de Thomas Piketty, O capital no século XXI. Há um outro ensaio que merece uma menção especial, “Diogo Antônio Feijó e a sociedade justa”. Qualquer semelhança com o quadro político do Brasil atual não é mera coin-cidência, uma vez que o que Caldeira parece querer nos mostrar, com sua narrativa sobre a trajetória e o pioneirismo de personalidades como Feijó, é um novo ethos brasileiro, o des-cortinar da nossa cultura, a gênese da nossa for-mação institucional e de alguns dos nossos prin-cipais obstáculos como sociedade e país jovem recém-emancipado.

Como o próprio Caldeira observa na introdução do livro, os ensaios que o integram são o resultado de anos de reflexões sobre a história brasileira, que agora os interessados têm a oportunidade de conhecer uma versão interpretativa arejada e avessa a visões binárias adornadas por pretextos ideológicos que escondem juízos morais, postura tão comum nos dias de hoje e que está presente no debate público nacional sobre os desígnios do país. Nem ficção nem historiografia, nem cienti-ficidade nem superficialidade, nem micro nem macro-história, Nem céu nem inferno é um livro sensato e equilibrado para quem está à procura de um olhar verdadeiramente renovado sobre história do Brasil.

a o ler o livro Nem céu nem inferno, de Jor-ge Caldeira, o leitor descobrirá um novo olhar sobre a história do Brasil. Em lin-

guagem clara e por meio de uma escrita fluida, o autor apresenta uma interpretação sobre di-versos episódios e personagens da história do país que destoa dos livros mais convencionais de história, ainda presos ao imperativo cronológico. Doutor em ciência política, jornalista e escritor de livros sobre personagens históricos, a opção de Caldeira foi por um formato pouco usual aos escritos de história. O leitor será conduzido pe-las mais de 300 páginas do livro, que, como o próprio subtítulo diz, é “uma visão renovada da história do Brasil”.

Não somente devido ao conteúdo, isto é, às te-máticas que foram elegidas pelo autor, mas, fun-damentalmente, por conta do próprio formato de escrita adotado é que o livro adquire relevância dentre os novos estudos de história sobre a tra-jetória do Brasil como Estado e Nação. Mediante o levantamento de boas evidências históricas, o conjunto de ensaios é uma revelação acerca do caminho percorrido por figuras históricas do Bra-sil, como José Bonifácio e Visconde de Mauá, e de temas que são caros a todos que se aventuram na difícil tarefa de interpretar nossa singularidade, ou seja, aquilo que nos define como brasileiros.

Esse esforço assumido por Caldeira demanda graus de liberdade ao ato de escrever que o autor foi buscar na forma ensaística, pois, como disse certa vez o filósofo T. W. Adorno, o ensaio não admite que seu âmbito de competência lhe seja prescrito. Garanto que o leitor deste livro não terá a desconfiança que, às vezes, nos acomete quando estamos diante de um texto ensaístico. Divididos em dois grandes blocos, os textos co-ligidos no volume demonstram a obstinação do autor em aprofundar o conhecimento sobre o conceito “Brasil” em toda sua complexidade. Se, num primeiro momento, na parte 1 do livro, Caldeira se dedica a narrar a atuação de figuras de relevo da nossa história, desde a época do Brasil Colônia até o alvorecer do regime repu-blicano, no segundo instante o propósito passa a ser esmiuçar processos históricos mais amplos amparados por nossas instituições políticas, eco-nômicas e religiosas.

Personagens e processos da história

Nem céu nem inferno: Ensaios para uma visão renovada da históriaJorge Caldeiratrês Estrelas328 páginas | r$ 45,00

Guilherme Grandi

Guilherme Grandi é professor do Departamento de Economia da FEa-USP e do Programa de Pós-graduação em História Econômica.

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PESQUISA FAPESP 243 | 97

O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), associação sem fins lucrativos supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), desenvolveu uma série de ferramentas eletrônicas para auxiliar pesquisadores da academia e de empresas na gestão de atividades de ciência, tecnologia e inovação. Uma delas, chamada Insight Net, identifica profissionais com experiência específica em diferentes áreas para formar redes de colaboração. Para isso, vale-se dos mais de 4 milhões de currículos acadêmicos da Plataforma Lattes para elaborar redes baseadas em coautorias de publicações e similaridade de campos de atuação, indicando pessoas que trabalham com determinada tecnologia ou em áreas científicas específicas.

Outra plataforma do CGEE, a Insight Data, ajuda os

pesquisadores a encontrar e analisar com mais facilidade um grande volume de informações sobre patentes em bancos de dados do Brasil e do mundo, partindo de palavras-chave para reunir também informações em repositórios de artigos técnico-científicos. “Nossa plataforma permite monitorar a evolução de patentes por área de conhecimento, entender quais são os países que lideram o desenvolvimento de uma dada tecnologia e obter outras informações estatísticas relevantes para a caracterização de panoramas tecnológicos”, diz Rodrigo Leonardi, assessor técnico do CGEE. Informações sobre essas e outras plataformas estão disponíveis no site do CGEE.

Ao final de um projeto, é comum que os pesquisadores queiram proteger seus resultados intelectualmente. Como um

primeiro passo, Patrícia Leal Gestic, diretora de Inovação e Propriedade Intelectual da Agência de Inovação (Inova) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), recomenda que eles antes avaliem se os seus resultados representam uma novidade e se podem ser aplicados industrialmente. Para facilitar a busca, a Inova usa a Questel Orbit, ferramenta de busca de patentes em repositórios como a Derwent Innovations Index, da Thomson Reuters, e a instituição norte-americana onde se depositam patentes (Uspto). A Derwent reúne resumos de mais de 11 milhões de patentes, e a Uspto, de 7 milhões de patentes norte-americanas de várias áreas. Além dessas, existe também a Espacenet, mantida pelo Escritório Europeu de Patentes (EPO), com mais de 60 milhões de patentes de vários países. A Questel Orbit só está disponível em computadores da Unicamp. No Brasil, a principal base de dados desse tipo é a do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), acessível a qualquer pessoa.

“É importante que os pesquisadores consultem essas bases antes de começarem suas pesquisas”, diz Patrícia. “Isso os ajudará a direcionar seus projetos tendo em conta o princípio da novidade tecnológica e suas possíveis aplicações.” A estratégia tem dado certo.

Na FAPESP, o Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologias (Nuplitec) é o responsável pela gestão da propriedade intelectual de projetos financiados pela instituição. “Auxiliamos as universidades em questões envolvendo a propriedade intelectual resultante de projetos FAPESP por meio do Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (Papi)”, diz Patricia Tedeschi, responsável pelo Nuplitec. n Rodrigo de Oliveira AndradeIl

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Ferramentas para a inovaçãoplataformas eletrônicas ajudam pesquisadores a formar parcerias e a encontrar informações sobre patentes com mais facilidade

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perfil

trajetórias complementaresengenheiro civil Étore funchal de faria concilia as demandas da vida acadêmica e profissional

No começo de 2015, a partir de um convênio entre a Universidade Corporativa das Empresas Eletrobras (Unise) e o programa Ciência Sem Fronteiras, do governo federal, o engenheiro civil Étore Funchal de Faria desenvolveu um projeto de pesquisa de pós-doutorado voltado à obtenção de materiais que aumentassem a durabilidade e a segurança de estruturas de concreto. A ideia surgiu de um problema recorrente na Usina Hidrelétrica de Itaipu, em Foz do Iguaçu, Paraná, onde trabalha: microfissuras que se formam nas barragens. Se não corrigido, esse problema, decorrente de substâncias presentes na água, reduz a vida útil da estrutura.

Em fevereiro do ano passado, Faria foi para os Estados Unidos para fazer seu estágio de pós-doutorado em Estruturas e Materiais com ênfase em Segurança de Barragens na Universidade Estadual do Arizona. Lá, desenvolveu técnicas para avaliação de materiais que funcionassem como “selos” nas chamadas “fissuras vivas”, que se dilatam ou retraem de acordo com a variação térmica da estrutura. “Verificamos que materiais

formados por fibra têxtil e argamassa de cimento são capazes de resolver esse tipo de problema”, diz.

Desde o fim da graduação, em 1995, na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), Faria procura conciliar as carreiras de pesquisador e engenheiro civil, adaptando suas pesquisas às necessidades das empresas em que trabalha. À época em que cursava o mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por exemplo, Faria era responsável pelo sistema de segurança de barragens de Furnas. Em sua dissertação, ele tratou do comportamento térmico dos concretos de estruturas de barragens. No doutorado, também realizado na UFRJ enquanto trabalhava como gestor de projetos executivos para refinarias da Petrobras, ele estudou tipos diferentes de concreto.

Ao ingressar na Itaipu Binacional, em 2010, Faria não prescindiu da colaboração de outros pesquisadores. Para a elaboração do projeto de pós-doutorado sobre a durabilidade e a segurança de estruturas de concreto, ele contou com a ajuda do engenheiro civil Eduardo de Moraes Rego Fairbairn, seu orientador de mestrado e doutorado na UFRJ. Faria agora trabalha para viabilizar os testes nas barragens da Usina de Itaipu com o material estudado nos Estados Unidos. O projeto está em desenvolvimento no âmbito do Centro de Estudos Avançados em Segurança de Barragens, instalado no Parque Tecnológico Itaipu, e deverá envolver o uso de outros tipos de fibras, como a de poliéster, obtida de garrafas PET, com foco em menor custo e aproveitamento de resíduos. n R.O.A

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talentos inovadorespara atuar em empresas

O Instituto Euvaldo Lodi do Distrito Federal e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) abriram chamada pública de projetos para o programa Trainee Inova Talentos, voltado à ampliação do número de profissionais qualificados em atividades de inovação no setor empresarial brasileiro. Empresas e institutos de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) públicos e privados, órgãos do governo e entidades do terceiro setor podem inscrever seus projetos no portal do Inova Talentos. O programa concede bolsas de desenvolvimento tecnológico e extensão inovadora para graduados, mestres e doutores com até cinco anos de titulação. Mais informações no site portaldaindustria.com.br/inovatalentos.

A falta de preparo para ser empresário

Entre os jovens empresários brasileiros, com idade entre 18 e 39 anos, o percentual daqueles que não se preparam para ser empreendedores é de 86%. Esse índice aparece na pesquisa “Perfil do Jovem Empreendedor Brasileiro”, realizada pela Confederação Nacional de Jovens Empresários (Conaje) em parceria com a revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios. Cinco mil empresários de 26 estados e do Distrito Federal responderam ao formulário eletrônico no site da entidade. Entre os que buscaram ajuda, 27% procuraram o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), 17% consultorias, 6% universidades e 4% incubadoras de empresas. O resultado mostrou também que 39% desses empresários têm pós-graduação.

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