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FICHA TÉCNICA
www.manuscrito.ptfacebook.com/manuscritoeditora
© 2016Direitos reservados para Letras & Diálogos,
uma empresa Editorial Presença,Estrada das Palmeiras, 59
Queluz de Baixo2730 ‑132 Barcarena
Título original: Um Médico para toda a FamíliaAutor: João Ramos
Fotografias de capa e autor: Jorge NogueiraCopyright © João Ramos, 2016
Copyright © Letras & Diálogos, 2016Capa: Vera Espinha/Editorial Presença
Composição, impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, Lda.
ISBN: 978‑989‑8818‑31‑7Depósito legal n.º 405 154/16
1.ª edição, Lisboa, março, 2016
Os nomes usados nas histórias e nos casos deste livro são fictícios.
Este livro não dispensa a consulta do seu médico de família.
A editora e o autor agradecem a disponibilidade e a cedência de imagens para a fotografia da capa.
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Índice
Prefácio ................................................................................................. 13
Introdução ............................................................................................ 17
1 — Um médico para toda a família ............................................ 21
1.1 O primeiro médico de si próprio é você ...................................... 21
1.2 Como escolher o seu médico de família ..................................... 22
1.3 Os direitos dos doentes ............................................................... 22
1.4 Receitas e medicamentos: o que devo saber .............................. 24
1.5 Como agir quando os pequenos acidentes acontecem ............... 25
2 — Cuide da sua saúde e mantenha ‑se jovem ......................... 27
2.1 A prevenção é o melhor remédio ................................................ 28
2.2 Regras para uma vida mais saudável ........................................ 29
1. Exercício físico é fundamental! ................................................ 29
2. Uma alimentação com regras! ................................................. 30
3. Mantenha ‑se ativo e pratique ginástica mental! ..................... 31
4. Durma bem! ............................................................................. 33
5. Não fume e não beba em excesso! ............................................ 34
6. E a minha regra preferida: faça coisas que lhe dão prazer! .... 35
2.3 Rastreios recomendados ............................................................ 35
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8
3 — Ter saúde da cabeça aos pés: mente, cérebro e sistema
nervoso ........................................................................................ 37
3.1 Ansiedade ................................................................................... 38
3.2 Insónia ........................................................................................ 41
3.3 Depressão ................................................................................... 46
3.4 Demência .................................................................................... 52
3.5 Esclerose múltipla ...................................................................... 55
3.6 Fobias .......................................................................................... 57
3.7 Suicídio ....................................................................................... 61
4 — Mantenha o seu coração forte: o sistema cardiovascular 65
4.1 Acidente vascular cerebral (AVC) ............................................... 66
4.2 Arritmias .................................................................................... 71
4.3 Colesterol elevado (dislipidemia) ............................................... 74
4.4 Hipertensão ................................................................................ 78
5 — Um esqueleto para a vida: ossos, músculos e articulações 83
5.1 Artrite e artrose .......................................................................... 83
5.2 Fasceíte plantar .......................................................................... 85
5.3 Osteoporose ................................................................................ 87
5.4 Tendinite ..................................................................................... 91
6 — Interação com o mundo: os cinco sentidos apurados ....... 95
6.1 Boqueiras (queilite) ..................................................................... 98
6.2 Aftas ............................................................................................ 99
6.3 Disgeusia ..................................................................................... 100
6.4 DMLI (Degeneração macular ligada à idade) ............................ 101
6.5 Hiperidrose ................................................................................. 103
6.6 Hiposmia e anosmia ................................................................... 104
6.7 Tampão de cerúmen ................................................................... 106
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9
7 — O nosso segundo cérebro: o sistema digestivo .................... 107
7.1 Azia .................................................................................................. 107
7.2 Diarreia ........................................................................................... 109
7.3 Hemorroidas ................................................................................... 111
7.4 Gases (aerocolia) ............................................................................. 113
7.5 Obstipação (prisão de ventre) ......................................................... 114
8 — Viver a plenos pulmões: o sistema respiratório ................ 117
8.1 Amigdalite ....................................................................................... 117
8.2 Asma ............................................................................................... 120
8.3 Doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) .............................. 122
8.4 Gripe e constipação ........................................................................ 123
8.5 Otite externa e otite média aguda .................................................. 126
8.6 Pneumonia ...................................................................................... 129
8.7 Rinite ............................................................................................... 130
8.8 Sinusite ........................................................................................... 134
8.9 Tosse ............................................................................................... 135
9 — O maior órgão do corpo humano: a pele ............................... 141
9.1 Acne ................................................................................................. 141
9.2 Cancro de pele ................................................................................ 144
9.3 Eczema ............................................................................................ 148
9.4 Fungos: micose, pé de atleta e candidíase ..................................... 149
9.5 Herpes e zona (infeções virais) ....................................................... 153
9.6 Psoríase ........................................................................................... 154
9.7 Urticária .......................................................................................... 156
10 — Intimidade e reprodução: os órgãos sexuais e o sistema
hormonal ..................................................................................... 159
10.1 Cistite ............................................................................................. 159
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10
10.2 Problemas da próstata .................................................................... 163
10.3 Nódulos na mama ............................................................................ 169
10.4 Perturbações da menstruação ........................................................ 171
11 — Inflamação e reação: as alergias ........................................ 173
11.1 Alergias .............................................................................................. 173
11.2 Alergias e intolerâncias alimentares .............................................. 178
11.3 Conjuntivite alérgica ........................................................................ 183
11.4 Rinite aguda alérgica ....................................................................... 184
12 — Prevenir e cuidar: a vacinação ............................................ 187
13 — Considere as alternativas: medicinas e terapias
complementares ................................................................................ 195
13.1 Acupunctura ..................................................................................... 196
13.2 Medicina tradicional chinesa ......................................................... 197
13.3 Quiroprática ..................................................................................... 197
13.4 Osteopatia ..................................................................................... 198
13.5 Naturopatia ...................................................................................... 199
13.6 Fitoterapia ........................................................................................ 199
13.7 Homeopatia ...................................................................................... 200
14 — Cuidados paliativos: cuidar e ser cuidado ...................... 201
Conclusão ................................................................................................. 207
Agradecimentos .................................................................................... 209
Lista de contactos .................................................................................... 211
Índice remissivo ...................................................................................... 217
Bibliografia ............................................................................................... 221
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13
Prefácio
The family doctor, the private in our great army, the essential
factor in the battle, should be carefully nurtured by the schools and
carefully guarded by the public.
Sir William Osler
Aequanimitas, 1904
É um privilégio prefaciar esta obra. O livro escrito pelo João Ramos
cumpre, numa linguagem acessível e com informação muito prática, o
objetivo de levar a todos a essência da Medicina Geral e Familiar. Sendo
médico de família em plenitude, o autor consegue em cada página
criar empatia com o leitor, permitindo, numa ligação de proximidade,
transmitir conhecimentos rigorosos sobre os problemas de saúde mais
comuns. Para além deste elemento, o livro diferencia‑se de forma ino‑
vadora ao apresentar o modus operandi da especialidade de Medicina
Geral e Familiar e o papel que desempenha no sistema de saúde. A obra
é, como o título bem alude, um manual para viver com mais saúde.
É um compêndio integrador, abrangente e holístico, dirigido a toda a
família como auxílio à edificação de comunidades saudáveis.
Em sintonia com o autor reitero a importância do médico de família.
Em pleno século xxi, numa era de supremacia tecnológica na saúde, a
Medicina Geral e Familiar permanece imperturbável, constituindo um
dos últimos redutos de uma medicina humanista centrada na relação do
médico com o paciente. É robusta a evidência de que sistemas de saúde
baseados em Cuidados de Saúde Primários têm melhores resultados de
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14
eficiência e indicadores de saúde mais favoráveis. Está bem demons‑
trado que a intervenção das equipas de Cuidados de Saúde Primários
favorece a qualidade e a sustentabilidade do sistema de saúde. Nos dias
de hoje, e como bem assinala o autor, o médico de família tem um papel
devidamente reconhecido pela população, e a especialidade atingiu uma
fase de maturidade sustentada na satisfação da sociedade, dos profis‑
sionais de saúde e dos órgãos de soberania dos Estados.
A afirmação da Medicina Geral e Familiar como especialidade basi‑
lar dos sistemas de saúde modernos levou a que os Cuidados de Saúde
Primários integrassem a agenda da política de saúde de qualquer
país do mundo e sejam um elemento estruturante do plano mundial
de saúde definido pela OMS. Nos dias de hoje não há um programa de
governo ou estratégia de Estado que não inclua os Cuidados de Saúde
Primários como prioridade para o desenvolvimento do setor da Saúde.
Prova maior dos feitos alcançados é a plena assunção da nossa especia‑
lidade como alicerce da prestação de cuidados à população nos seto‑
res público e privado. Atualmente todas as unidades de saúde, com
gestão pública, social ou privada, organizam a sua estrutura funcio‑
nal incluindo prioritariamente a Medicina Geral e Familiar como área
nuclear. A presença de médicos de família no sistema de saúde é global
e torna mais relevante a sua intervenção, beneficiando mais pessoas.
Na sua prática assistencial, o médico de família completa‑se em
todos os seus atributos, aproximando‑se verdadeiramente da pessoa
que carece dos seus cuidados inigualáveis. O médico de família é legi‑
timamente o gestor de saúde das famílias, assumindo uma inter venção
global e em continuidade no ciclo de vida ao nível da promoção da saúde,
da prevenção da doença e da medicina curativa. É hoje indubitável a
importância da Medicina Geral e Familiar para gerir o doente crónico,
liderando a equipa de Cuidados de Saúde Primários em estreita liga‑
ção a outros profissionais de saúde e demais especialidades médicas.
A coordenação de cuidados é parte integrante do perfil profissional do
médico de família, que a assume como função a desempenhar no sis‑
tema de saúde e como instrumento de trabalho na sua prática clínica.
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15
Por estar próximo da população, das suas necessidades de saúde
e das suas expectativas na utilização de serviços, o médico de famí‑
lia é intuitivamente identificado como o «meu médico». A nossa per‑
severança nesta dimensão é um dever ético fundamental para que a
confiança e a empatia que nos ligam aos pacientes e às famílias resul‑
tem num efeito terapêutico em escala amplificadora com ganhos em
saúde para a população. A lógica dos cuidados de proximidade é não
só a garantia de obter melhores indicadores de saúde mas também
um fator de estabilidade e coesão de comunidades saudáveis.
Decorre deste pressuposto uma perspetiva utópica, subscrita por
muitos pensadores da medicina moderna. Com a intervenção de um
médico de família num conjunto de famílias, conseguem‑se resul‑
tados positivos ao nível do seu bem‑estar físico, social e mental. Se
todas as famílias tiverem um médico de família, é de esperar que este
resultado se propague a todo o mundo, tornando a Medicina Geral e
Familiar num elemento de pacificação e salutogénese global, e numa
força motriz do desenvolvimento civilizacional.
É neste limiar ideológico que podemos colocar a Medicina Geral e
Familiar para que seja sempre possível reinventar uma especialidade
intemporal. Esta ideia é também transmitida neste livro. O médico
de família utiliza como principal recurso o capital mais importante
da Medicina – a perícia da relação com o paciente. O encontro entre
o paciente e o seu médico tem um caráter milenar, mas ainda assim
é permeável à inovação. A modernização dos serviços, a automatiza‑
ção de processos e as novas tecnologias de comunicação permitem
que o médico de família tenha aptidões ímpares para a Medicina do
século xxi, na qual deve aliar a atividade clínica à liderança organi‑
zacional. O papel na governação clínica com participação ativa na
melhoria contínua da qualidade dos cuidados de saúde é uma com‑
petência do médico de família, que o transforma num observador
privilegiado da sociedade e promotor da saúde global.
Sir William Osler escreveu em 1904 que o médico de família, como
elemento fulcral nos cuidados de saúde, deveria ser protegido pela
população e bem treinado pelas escolas médicas. Cem anos depois
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16
este aforismo mantém uma atualidade arrepiante e permanece como
alerta para todos os protagonistas dos sistemas de saúde.
Numa consulta um paciente definiu de forma muito simples a im‑
portância da Medicina Geral e Familiar: «Tenho andado por muitas
especialidades mas posso dizer‑lhe que esta consulta vale por meia dú‑
zia...» O testemunho genuíno dos pacientes nas nossas consultas ilustra
bem a relevância da intervenção do médico de família na população.
Perante estes factos que aparentam deixar a nossa especiali‑
dade em zona de conforto máximo e numa fase de maioridade sem
potencial de crescimento adicional, não se deve perder o ímpeto de
expansão para inovar e desenvolver a Medicina Geral e Familiar.
Este livro é um vetor de força para cumprir este desiderato. Nesta
obra estão plasmadas a motivação, a paixão e a qualidade na pres‑
tação de cuidados às famílias que nos procuram todos os dias.
Permitam‑me nas derradeiras linhas deste prefácio dirigir uma
afetuosa saudação ao João Ramos, colega que conheço desde os
tempos da faculdade. Este livro atesta bem o entusiasmo como tem
vivido e a intensidade com que desempenha a sua profissão. Ao
transpor a fronteira da mera atividade assistencial na formalidade
do consultório, soube aproximar‑se da população utilizando meios
de comunicação de grande impacto. Na televisão, na Internet e agora
em livro, num exercício de plena cidadania, o João Ramos democra‑
tiza o conhecimento médico, configurando o que também deve ser
um profissional de saúde – um líder na comunidade. Felicito o autor
pelo êxito que antecipo para este livro e também cada leitor por ter
escolhido esta obra como fonte de informação de saúde.
Desejo que desfrutem da leitura para, numa aliança virtuosa com
o médico de família, encontrarem o melhor caminho para uma vida
saudável.
João Sequeira Carlos
Médico de Família
Coordenador do Departamento de Medicina Geral e Familiar
Hospital da Luz – Lisboa
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17
Introdução
Desde que me recordo que sempre quis ser médico. Ou melhor,
o meu sonho era ajudar os outros, e foi com esse objetivo que entrei
no curso de Medicina. Quando chegou a altura de decidir a especia‑
lidade, primeiro pensei em Pedia tria, e ainda equacionei Psiquiatria
ou Oncologia. Mas descobri, nessa altura, que poderia ser tudo isso
na Medicina Geral e Familiar. Optei então por ser Médico de Família.
O médico que vai a casa, o que faz urgências, o que faz de «psicó‑
logo», o que tem de saber ouvir e saber falar, dar a mão na altura
certa, o que sabe muito sobre muitas doenças, o que partilha os
doentes com outros colegas, o que está sempre a falar de prevenção
e promoção de saúde.
Há um conjunto de princípios que, não sendo exclusivos da medi‑
cina familiar, representam uma visão global, um sistema e uma
aborda gem de valores que a tornam diferente das outras especiali‑
dades médicas. O Médico de Família tem de trabalhar por vocação.
Já não somos o «Médico da Caixa», não somos só o «Clínico Geral».
Somos o especialista na consulta, na pessoa e na sua família.
Tive a sorte de ter feito a especialidade com uma médica orien‑
tadora, a Dr.ª Gabriela Fernandes, entretanto já reformada, que me
ensinou a paixão inexplicável por esta especialidade única e tão
recompensadora a nível profissional e pessoal.
O médico de família compromete ‑se com a pessoa, e não com
um conjunto de conhecimentos, técnicas especiais ou grupo de doenças.
Este compromisso tem duas vertentes: o médico está disponível para
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18
qualquer problema de saúde, em qualquer pessoa, de qualquer idade
ou sexo, sem se limitar a um problema definido. E este compromisso não
tem prazo: não termina com a cura da doença ou o fim do tratamento.
O meu compromisso com os meus pacientes é assumido quando a
pessoa vem pela primeira vez à minha consulta. E aqui quero refor‑
çar uma ideia: os médicos de família não são só para pessoas mais
idosas, não são só para quando estamos doentes. Um médico de famí‑
lia é para todos e durante todo o percurso de vida.
Na primeira consulta gosto de conhecer os meus pacientes. De
saber a sua história, onde trabalham ou trabalharam, como é o seu
dia a dia, as suas alegrias e preocupações. Com os meus pacientes
crio uma ligação duradoura, e acredito cada vez mais que esta relação
médico/doente é particularmente importante na medicina familiar.
Doen ças benignas e muito frequentes tornam ‑se «interessantes» por‑
que ocorrem numa determinada pessoa conhecida, da qual já conheço
o seu histórico, o seu corpo, a forma como reage a cada problema.
Depois de exercer durante alguns anos, comecei a sentir na pele
o que já me tinham dito alguns médicos com bastante mais expe‑
riência: o médico de família interessa ‑se pelos seus doentes de um
modo que transcende a doença de que eles possam sofrer.
Como médico de família, procuro entender o contexto da doença.
Muitas das patologias observadas em medicina geral e familiar não
podem ser entendidas se não forem vistas no seu contexto pessoal,
familiar e social. A importância do contexto pode ser comparada à
peça do puzzle que só tem significado quando encaixada no seu lugar
próprio... Quando o doente é internado num hospital, grande parte
do contexto da doença desaparece. A atenção de quem o cuida está
focada principalmente no que acontece e não tanto nas circunstân‑
cias em que aconteceu. A consequência, muitas vezes, é uma visão
limitada do problema.
Gosto de encarar o contacto com os meus doentes como uma
oportunidade de educar na saúde e para a prevenção. O meu maior
empenho, todos os dias, é manter os meus doentes o mais saudáveis
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19
possível e conscientes da sua doença, e transmitir ‑lhes de que forma
podem alimentar ‑se, mexer ‑se, tomar conta de si, para que a doença
não lhes venha bater à porta.
O perfil profissional do médico de família coloca ‑o numa posição‑
‑chave na prevenção das doenças cardiovasculares, psiquiátricas,
oncológicas ou outras. Ao não ter um foco exclusivo na doença, o
médico de família cria um espaço de intervenção propício à promo‑
ção da saúde e à prevenção de patologias.
Eu vejo o médico de família como a base de uma rede comunitá‑
ria de centros de apoio e prestação de cuidados de saúde. Todas as
comunidades têm uma estrutura de apoios sociais, estatais e não‑
‑estatais, formais e informais. A palavra estrutura sugere um sistema
coordenado, mas infelizmente não é esse o caso; muito frequente‑
mente os profissionais dos serviços de cuidados de saúde e sociais,
incluindo os médicos, trabalham em compartimentos estanques
sem qualquer noção do sistema na sua totalidade. Quando os médi‑
cos de família conhecem e conseguem gerir todos os recursos da
comunidade em benefício dos seus doentes, podem ser muito efica‑
zes. Podem fazer a diferença.
Para serem eficazes, os médicos de família têm de conhecer a
comunidade em que exercem. Têm de estar presentes. Eu vejo os
meus doentes no consultório, nos seus domicílios, em clínica pri‑
vada, no hospital, nos lares que acompanho.
O médico de família é um gestor de recursos. Como generalista e
médico de primeiro contacto, tem controlo sobre enormes recursos e
pode, dentro de certos limites, controlar o internamento hospitalar,
o uso de exames complementares, de terapêuticas e o encaminha‑
mento para outros especialistas.
Em todo o mundo, os recursos são limitados; em alguns casos,
severamente limitados. É responsabilidade do médico de família gerir
estes recursos para o máximo benefício dos seus doentes.
Este livro é um instrumento para que as pessoas conheçam melhor
o seu corpo e os sinais do mesmo, e para que saibam pequenos truques
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para cuidar da sua saúde. É uma medicina «trocada por miúdos».
Para todos: leigos e colegas. Como eu gosto de chamar. É esse tam‑
bém o meu objetivo quando falo em televisão, quando tento através
do ecrã ajudar quem está em casa. Claro que essas minhas inter‑
venções e este livro não substituem a ida ao seu médico de família.
Aqui abordo as principais causas de doenças dos portugueses
e faço uma espécie de check ‑up do seu corpo, dos pés à cabeça.
Falamos de depressão, alergias, cancro, diabetes e doenças cardíacas.
O livro, como já referi e reforço, não substitui um médico de famí‑
lia, não vai curar nada, mas acredito com toda a minha convicção
que nós somos os nossos primeiros médicos. Somos nós que sabe‑
mos identificar sinais, porque conhecemos melhor que ninguém
o nosso corpo. Somos nós que podemos prevenir doenças através
de pequenos gestos do quotidiano. Somos nós que podemos agir.
Vamos viver com mais saúde! E muita alegria!
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1.
Um médico para toda a família
1.1 O primeiro médico de si próprio é você
Sim, é a mais pura das verdades. Você é que conhece o seu corpo,
sabe como ele reage a determinadas situações, conhece as suas dores,
os seus limites. Logo, é importante que leia este livro para ficar a
saber mais sobre a sua saúde e para saber identificar sinais de doença.
O meu primeiro conselho é: ouça o seu corpo!
Os sinais que não deve ignorar são:
— Sensação de que algo não está bem.
— Falta de energia para as coisas do dia a dia.
— Falta de apetite.
— Cansaço.
— Alteração do humor.
— Febre.
— Dores no corpo.
— Insónias.
Deve procurar o seu médico de família caso identifique algum
destes sinais ou se sinta doente.
A Internet é um ótimo motor de busca e de recolha de informações, mas muitas vezes os utentes já chegam ao consultório com o diagnóstico feito, erradamente, na Internet. Logo, se é fundamental estar informado, confie sempre na opinião do seu médico.
COnselhO dO seU médICO
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22
1.2 Como escolher o seu médico de família
O seu médico de família ser ‑lhe ‑á atribuído pelo centro de saúde
da sua área de residência. No entanto, caso não sinta empatia com
o especialista que lhe foi indicado, pode pedir alteração diri gindo‑
‑se à direção do centro de saúde. Os hospitais privados também dis‑
põem de médicos de medicina geral e familiar que pode consultar
para que o acompanhem ao longo da vida, a si e à sua família.
O que importa dizer ao médico de família?
Tudo! Não deixe nada por dizer, contar ou perguntar! Nunca saia
do gabinete com perguntas por fazer. É fundamental que crie uma
relação de empatia e confiança com o seu médico. Só assim se sen‑
tirá à vontade para lhe contar tudo.
Os meus filhos também podem ir ao médico de família?
O médico de família, como diz o título do livro, é para TODA a
família. Ou seja, todos os seus membros, dos avós aos netos, podem
e devem ser seguidos pelo mesmo médico, que tem essa capacidade.
De crianças a grávidas, todos podem ser seguidos pelo médico de famí‑
lia. Mais: conhecendo todos os membros, o médico tem ferramentas
específicas para avaliar a família como um todo de forma holística.
1.3 Os direitos dos doentes
A Glória chegou ao meu consultório ansiosa com o resultado das
análises que lhe tinha pedido para fazer. De envelope fechado, con‑
fessava que tinha tido muita vontade de abri ‑lo e ver o que lá estava
dentro. Eu perguntei porque não o tinha feito. Ela respondeu ‑me
que era claro que não ia abrir, que seria falta de educação: as aná‑
lises eram para ser vistas pelo senhor doutor.
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23
Vale a pena ir procurar uma segunda opinião?
Na medicina, o paciente terá sempre direito a uma segunda ou
terceira opinião. A medicina não é uma ciência exata, é subjetiva.
O importante é que se sinta sempre confortável. O seu médico de famí‑
lia não levará a mal se souber que vai ouvir opiniões de outros cole‑
gas de especialidade. Se tiver dúvidas, ou se se sentir mais confortável
com esta segunda opinião, não hesite, mas lembre ‑se sempre de que
deve informar, numa relação de sinceridade, o seu médico de família.
lista de direitos que não deve esquecer:
1. O doente tem direito a ser tratado pelos profissionais de saúde no respeito pela dignidade humana.
2. O doente tem direito ao respeito pelas suas convicções culturais, filo‑sóficas e religiosas.
3. O doente tem direito a receber os cuidados apropriados ao seu estado de saúde, no âmbito dos cuidados preventivos, curativos, de reabili‑tação e terminais.
4. O doente tem direito à prestação de cuidados continuados.5. O doente tem direito a ser informado acerca dos serviços de saúde
existentes, suas competências e níveis de cuidados.6. O doente tem direito a ser informado sobre a sua situação de saúde.7. O doente tem o direito a obter uma segunda opinião sobre a sua
situação de saúde e assim decidir de forma mais esclarecida o trata‑mento que pretende seguir.
8. O doente tem direito a dar ou recusar o seu consentimento, antes de qualquer ato médico ou participação em investigação ou ensaio clínico.
9. O doente tem direito à confidencialidade de toda a informação clínica e elementos identificativos que lhe respeitam.
10. O doente tem direito de acesso aos dados registados no seu pro‑cesso clínico.
11. O doente tem direito à privacidade na prestação de todo e qualquer ato médico.
12. O doente tem direito, por si ou por quem o represente, a apresentar sugestões e reclamações.
(Adaptado do Guia Prático da Saúde)
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1.4 Receitas e medicamentos: o que devo saber
Muitas vezes entram pacientes no meu consultório não só com o
diagnóstico, mas também com o nome do remédio que sabem que
devem tomar, porque uma amiga, vizinha ou colega de trabalho lhes
sugeriu. Outras vezes, sobra ‑nos um antibiótico que guarda mos em
casa e, quando sentimos que estamos a ficar doentes, tomamo ‑lo
porque aquele medicamento já resultou no passado...
A regra número um em relação aos medicamentos é: NUNCA se
automedique.
O que faz bem à sua colega ou ao seu vizinho pode não lhe fazer
bem a si. O seu médico, que tem o seu historial e o conhece melhor
que ninguém, é que deverá prescrever o remédio adequado a cada
situação.
Não esqueça:
— Habitue ‑se a ler as «letras pequenas» por baixo das mar cas.
Elas são obrigatórias e indicam o princípio ativo, que é universal,
e assim não duplicará medicações. Poderá estar a tomar dois
medicamentos de marcas diferentes mas que são exatamente a
mesma substância ativa.
— Leia a bula e todas as indicações e contraindicações.
— Faça uma vistoria regular à sua farmácia em casa, de forma a
verificar os prazos de validade dos seus remédios.
— Se surgir alguma dúvida à forma como deve tomar o remédio
que lhe foi prescrito, não hesite em perguntar ao seu farmacêutico
ou ao médico de família.
— Conte ao seu médico sobre qualquer remédio ou suplemento
que esteja a tomar. Mesmo que seja de ervanária, ou «natural»,
um xarope, um chá, comprimidos para emagrecer, etc. podem
inter ferir de forma negativa com outros medicamentos que esteja
a usar, ou que o seu médico vá prescrever.
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25
— Não pressione o médico ou o farmacêutico a dar ‑lhe um antibiótico,
pois estes são medicamentos sempre sujeitos a receita médica e
só devem ser prescritos em determinadas situações clínicas.
1.5 Como agir quando os pequenos acidentes acontecem
sangramento do narizÉ muito comum as crianças sangrarem do nariz. As fossas nasais
são bastante irrigadas. O que pode provocar o sangramento? Dedos
no nariz, ambientes secos, constipações, alergias, assoar com muita
força, uma ferida, introdução de objetos no nariz. Em pessoas mais
velhas, a pressão arterial alta e o uso de alguns medicamentos tam‑
bém podem levar a sangramento.
O importante é:
— Manter a calma.
— Não deitar a cabeça para trás; deve antes incliná ‑la um pouco
para a frente.
CaIxa de PRImeIROs sOCORROs a teR em Casa:• Algodão• Água oxigenada• Álcool• Pensos rápidos• Pinça e tesoura• Compressas de vários tamanhos• Betadine®
• Paracetamol (antipirético e analgésico de 1.a linha) pediátrico e de adulto.
Se tiver crianças em casa, mantenha a caixa de primeiros socorros e os medicamentos fora do alcance delas. Lembre ‑se: todo o cuidado é pouco!
COnselhO dO seU médICO
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— Assoar o nariz para que saiam os coágulos.
— Apertar o nariz na sua base/cana, de forma a fechar as fossas
nasais durante 5 minutos; ao fim desse tempo, verifique se parou
de sangrar.
Truques para o evitar:
— Mantenha as unhas dos seus filhos bem cortadas.
— Mantenha húmido o ambiente de casa e dos quartos.
arranhõesLimpar, desinfetar e colocar um penso são as primeiras medi‑
das a tomar. Se notar sinais inflamatórios, como pus, consulte o seu
médico ou o centro de saúde da sua área de residência.
QuedasIr às urgências para averiguar a eventual fratura de algum osso.
O facto de não sentir dor não significa que esteja tudo bem. Informe
sempre o médico das suas doenças crónicas (osteoporose, por exem‑
plo) e da medicação que está a tomar.
QueimadurasColocar água fria e tapar até ir às urgências. Nunca utilize man‑
teiga ou outra gordura.
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2.
Cuide da sua saúde e mantenha ‑se jovem
Todos nós envelhecemos: é a lei da vida, não há nada a fazer! Mas
podemos envelhecer de forma saudável, feliz, com qualidade, retar‑
dando assim os sinais de envelhecimento.
Como? Começando desde cedo a implementar na nossa vida
pessoal e familiar hábitos saudáveis, diminuindo assim o risco de
virmos a ter uma das doenças mais comuns no nosso país, como
sejam o cancro, as doenças cardiovasculares e os acidentes vas‑
culares cerebrais.
E não, não é difícil, não vai ter de fazer grandes mudanças. Vamos
aos poucos, como eu digo aos meus pacientes.
E não vale a pena pôr a culpa na vida, nos genes que lhe calharam,
porque se é verdade que todos nós nascemos com uma carga gené‑
tica, esta não é uma sentença que se abate sobre a nossa cabeça. Com
a evolução da medicina e a descoberta do genoma humano, sabemos
hoje que podemos silenciar alguns dos genes «maus» com que nas‑
cemos através da alteração de estilos de vida.
Lembro‑medocasodaSofia,quechegouaomeuconsultóriopara
tomar comprimidos para o colesterol. Não havia nada a fazer: os pais
tinham colesterol elevado, os irmãos também, era receitar o tal remé‑
dio do qual ela até já sabia o nome e estava o assunto resolvido. Ia
ficaratomarremédiosparaorestodavidaeaindasótinha42anos.
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Eu ouvi a história e, com calma, comecei a falar de alimentação,
exercíciofísico,gestãodestresse,suplementaçãoespecífica...Para
grande espanto da minha paciente.
É verdade que ela tem uma tendência genética, mas, como tudo
na vida, pode contrariá ‑la e preveni ‑la.
2.1 a prevenção é o melhor remédio
É verdade. E vai ler esta frase ao longo do livro várias vezes. E não
é por me esquecer, é mesmo de propósito. Muitas das doenças podem
ser prevenidas ou detetadas precocemente.
A melhor estratégia de prevenção é manter ‑se ativo mental e
fisicamente. E estar atento aos sinais do seu corpo. Nunca esqueça
que muitas das doenças podem ser prevenidas ou detetadas pre‑
cocemente. Então, já sabe, deve ouvir o seu corpo e seguir os con‑
selhos do seu médico!
ao longo da vida, efetue os exames que o seu médico lhe prescre‑ver, de acordo com a sua idade e sexo:— No caso das mulheres entre os 25 e os 65 anos com uma vida sexual ativa, não falhar os testes regulares de Papanicolau (citologia cervicovaginal). — As mulheres a partir dos 40 anos com fatores de risco familiares, ou a partir dos 50, segundo a Direção‑Geral da Saúde, devem realizar mamo‑grafias/ecografias mamárias frequentes para detetar precocemente o cancro da mama.— Densitometria óssea: para mulheres, a partir dos 65 anos para avaliar a perda de massa óssea.— Colonoscopia: homens a partir dos 50 anos, para deteção do cancro colorretal.— Exame oftalmológico: ao longo da vida e a partir dos 40 anos para medição da tensão ocular e prevenção de glaucomas. — Consulta dentária: para todos e em todas as idades, uma vez por ano.
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2.2 Regras para uma vida mais saudável
Um estilo de vida saudável é o primeiro passo para fazer face aos
problemas de saúde.
Algumas pequenas mudanças podem não só conferir uma sensa‑
ção de bem ‑estar como também diminuir o risco de doença.
Estas são as minhas regras para que viva melhor e de forma mais
saudável:
1. exercício físico é fundamental!Para o corpo e para a mente! E está provado que quem pratica
exercício físico vive mais anos do que as pessoas sedentárias. E sabe
porquê? Porque quem pratica exercício aumenta a sua resistência
física, controla a ansiedade e a tensão arterial, entre tantas outras
doenças.
De acordo com a sua idade, o seu tempo disponível e, claro, o seu
orçamento, deve procurar o exercício físico mais adequado.
Como digo aos meus pacientes: bastam 30 minutos a andar, em
passo médio, no paredão junto à praia, no jardim ao pé de sua casa,
subir as escadas em vez de ir de elevador, andar até à padaria em
vez de levar o carro, para fazer toda a diferença. O objetivo é só um:
tem de se mexer.
Felizmente o desporto está na moda. Mas tenha cuidado com os
exageros. Mais uma vez, tem de primar o bom senso. E, mais do que
isso, é importante que, antes de começar qualquer atividade física
mais intensa, faça um check ‑up junto do seu médico.
saBIa QUe:A Organização Mundial da Saúde aconselha a atividade cardiovascular mínima de meia hora, três vezes por semana?
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