2
António Julio Duarte -www.antoniojulioduarte.com Nasceu em Lisboa (Portugal), 1965. Vive e trabalha em Lisboa Caio Reisewitz www.lucianabritogaleria.com.br Nasceu em São Paulo (Brasil), 1967. Vive e trabalha em São Paulo Cristina Ataíde - www.cristinataide.com Nasceu em Viseu (Portugal), 1951. Vive e trabalha em Lisboa Marcelo Moscheta - www.marcelomoscheta.art.br Nasceu em São José do Rio Preto (Brasil), 1976. Vive e trabalha em Campinas Mariana Viegas - www.marianaviegas.com Nasceu em Lisboa (Portugal), 1969 . Vive e trabalha em Lisboa e Berlim Ynaiê Dawson - www.ynaiedawson.blogspot.com Nasceu em São Paulo (Brasil), 1979. Vive e trabalha em Londres e Rio de Janeiro Em registo fotográfico, presentificam-se as imagens de existências, encenações e/ou simulacros com tópicos de genuinidade. Assim se demonstram subjectividades de autores nos territórios estéticos da fotografia. Numa fotografia, supostamente, congela-se o tempo e o espaço. Congelam-se as figuras individuadas no tempo pois deixam de ser pessoas e talvez sejam, transitoriamente, personagens. Estas localizam-se ou ausentam-se, consoante os casos e as estratégias estéticas dos autores. Inequívoca é a decisória presença do fotógrafo-viajante, aquele que concretiza acto e obra. Não é verdade? “Em minha opinião, não há nenhum [caminho] mais atraente do que andar no encalço das próprias ideias, tal como o caçador persegue a caça, sem procurar manter um dado caminho.” 3 O próprio fotógrafo-viajante torna-se visível – em proposição de auto-retrato – ou oculto, consoante sua intencionalidade ou desejo. Mas é a sua afirmação de sujeito/agente artístico que deter- mina a produção das fotografias que o “antecedem”, o estimulam e o acompanham a posteriori. Através do seu acto, que concebe e concretiza obra, mantém laços com as imagens fotográficas, conferindo-lhes – ad simultaneum – autonomia e projecção. Os fotógrafos-viajantes cativam pessoas e lugares, convertendo-os, respectivamente, em figuras/personagens e em paisagens. “A paisagem não se entrega. O que você vê não se fotografa.” 4 As paisagens, com alguma frequência, correspondem a tempos de respiração, quer do pensamento, quer da acção/actividade do fotógrafo. O ritmo da viagem decide os intervalos na paisagem, as consequências de sobrevivência de ideias ou de substâncias. Fragmentos, parcelas ou secções presidem às escolhas espontâneas ou morosamente destinadas pelo autor em jornadas, camin- hadas e transportando-se. O veículo em que desloca condiciona o ritmo da captação de imagens; os momentos em que dispõe uma paragem ou a continuidade do seu movimento. As tomadas de vistas são distantes, conforme o viajante as realiza enquanto condutor de um automóvel (p.ex.) ou não. Assim, está-se perante tomadas de vista com ponto de fuga numa estrada ou encarada na lateral, esperando aquilo que se vai descortinando. Se a deslocação ocorre num comboio, a ambiguidade relativa entre a paisagem (aparentemente em movimento) e a ilusão hierática do via- jante, gera imagens de uma cativação insustentável e precária. A paisagem que é consequente da mobilidade da viagem anatomofisiológica assume pressupostos diferenciados de uma viagem de indexação psicofisiológica…e assim por diante. A viagem preenche, recheia ou esvai a paisagem, propiciando uma reentrado no si mesmo do fotógrafo-viajante: “A paisagem em volta esvaziada de sentido, reflectindo-se nos meus olhos, brotava dentro de mim…” 5 Definitivamente as pessoas alocam-se a lugares – mesmo que estes se possam configurar, teoricamente, enquanto “não-lugares” (seguindo Marc Augé) e, consequentemente, os espaços efec- tivos transcendem o tempo real, expandindo-se e adquirindo uma simbologia transfiguradora – independentemente de seu índice ou percentualidade documental. “Julgamos que nos libertamos dos lugares que deixamos para trás de nós. Mas o tempo não é o espaço e é o passado que está diante de nós. Deixá-lo não nos distancia. Todos os dias vamos ao encontro daquilo de que fugimos.” 6 Seja um deambulador, flâneur, Wanderer, peregrino, caminhante… et allie… uma qualquer, entre as distintas tipologias de viajantes…os fotógrafos asseguram para nós a autenticidade, tanto quanto nos garantem uma gestante ilusão. Marcam, estipulam ou estabelecem com rigor – que pode oscilar entre o topográfico e o metafísico - lugares e territórios específicos, onde as con- fluências de imaginário e real definem o humano, onde paisagem e natureza entrelaçam vidas. “Dans un voyage, on évolue, on change, on se transforme. Et souvent, on rentre et tout est annulé par le retour.” 7 Agosto de António Júlio Duarte resultou de um percurso, curiosamente, desenvolvido em Portugal, se atendermos às latitudes e longitudes das viagens do autor que, com maior frequência, o conduzem pelo Oriente e aí o estabilizam por períodos de duração significativa. “O vazio “em si” e em conotações, o “nada”, o branco, o espaço em branco, o silêncio, a pedra, a impossibilidade, a solitude, o desconhecido, as potencialidades, etc. e seus valores criativos na filosofia e na estética do extremo oriente (e comparativamente, alhures).” 8 O display em dípticos orienta o meu olhar as dicotomias, ambiguidades e/ou consolidações, evidenciáveis durante uma viagem. A força de um rosto, a morfologia de elementos afastados ou próximos ao espectador propiciam um jogo quase de cena (parafraseando o título do filme de Eduardo Coutinho). Entenda-se, a flexibilidade manifesta no acto de recepção estética, gerida pela efabulação perceptiva-afectiva-conceptual, pertença de cada um, exercendo sua identidade pessoal sobre o produto de artístico de outrem - interpretação falar-se-á, mas não apenas…Assim, sabe-se que a definição imaginal de díptico conduz a um “diálogo do visível”, parafraseando René Huyghe, pois o confronto de referenciais “identificados” (diferente de se saberem “reconhecidos” ou “parecidos”) é pura sedução e volúpia para as relacionalidades ressaltarem. As notas identitárias patentes em cada uma das unidades que constituem os 15 dípticos abordam elementos visu- ais que cativaram pessoas, objetos, fragmentos de paisagem; oscilando entre o afastamento do “alvo” fotografado e sua proximidade; propondo reconhecimentos ou conduzindo para equivoci- dades percetivas visuais, ricas em pensamento e afeto. É inevitável a emergência de certa avidez para “reconhecer”, de buscar o parecido dentro dessa caixa de memória (desse arquivo mental/ imagético) que cada espectador transporta em si; é acto intuitivo, semi-inconsciente e/ou implícito na “apropriação estética” que advém das fotografias enquanto tal. A vasta obra de fotografia de Caio Reisewitz organiza-se em séries específicas, refletindo uma identidade documental que se apropria da paisagem, plasmando-a em imensidão que estreita a alma do autor com os espectadores. A dimensão sublime que se desprende de suas fotografias é de uma evidência subjetivante e, em simultâneo, glosando os parâmetros conceituais que Kant, depois de Edmund Burke, soube definir. Sublime dinâmico e sublime grandioso (ou matemático) pontuam, nalguns casos uma mesma imagem, noutros um privilegia e expande-se sobre o outro. Mamangua enfrenta aquele que vê e sabe contemplar, demorando-se na paisagem adentro. À semelhança de outras séries do fotógrafo, o elemento| matéria dominante é a água, estabilizando o recorte, na vegetação, através de uma afirmação “terra” que nos lembra as reflexões sobre a imaginação poética desenvolvida por Gaston Bachelard. Mas a dominante, no caso da fotografia de grande formato, presente nesta mostra é a água. A água tranquila e parada que não se confunde com estagnação numa acepção castradora ou à qual esteja arredada a vida pulsátil. Seria impossível não associar as significações matriciais que, com frequência, reverberam no respeitante a este elemento (em termos cosmogónicos e cosmológicos). Mas, a imagem ultrapassa mais e mais, assegurando uma experiência estética única para cada um, quanto sabemos seja um dos tópicos adstritos a definição de sublime. A presença do espetador ausenta-se num mundo onde evanescência e lucidez são cúmplices; onde a dimensão estética, a artisticidade é a efetividade imprescindível de uma natureza consciente e em causa sócio-cultural. A cor- renteza que se queda muda, expondo em visbilidade o silêncio, atinge o âmago de uma memória circular filogenética, quanto também ontogenética. O espelho de água absorveu a ausência ou a presença do humano, desde os tempos primordiais: nós ficamos nesse tempo de suspensão, interpelados e vigiando para que o mundo seja um Cosmos ordenado e redimido de ações irreversíveis. continua na pág seguinte notas de rodapé 1. Nelson Brissac Peixoto – “Miragens”, Cenários em ruínas – a realidade imaginária contemporânea, Lisboa, Gradiva, 2010, p.137 2. Michel Maffesoli, Sobre o Nomadismo, Rio de Janeiro, Record, 2001, pp.23-24 3. Xavier de Meistre, Viagem à roda do meu quarto, Lisboa, & etc, 2002, p.25 4. Bernardo de Carvalho, Mongólia, São Paulo, Companhia das Letras, 2003, p.41, p.115 5. Yukio Mishima, O templo dourado, Lisboa, Assírio & Alvim, 1985, p.148 6. Carlos Drummond de Andrade – “Mãos dadas”, Antologia Poética, Lisboa, Dom Quixote, 2002, p.149 7. Raymond Depardon, Errance, Paris, Seuil, 2000, p.56. 8. Pedro Xisto – Lumes, uma antologia de Haikais, SP, Berlendis & Vertecchia, 2007, p.17 9. Bernardo de Carvalho, Mongólia, São Paulo, Companhia das Letras, 2003, p.41, p.115 10. Mariana Viegas, excerto inédito, Agosto 2011. 11. Idem, ibidem 12. “Nesse contexto, a fotografia é tida não como representação, mas sim expressão. Expressão da multiplicidade de sensações ou intensi- dades de um sujeito, expressão de uma paisagem interior que encontra-se em constante processo de transformação, sempre a (re)criar-se a partir do apre(e)nder as forças das paisagens.” Ynaiê Dawson, excerto inédito, Julho 2011. 13. Rêves d’errances - Pierre Givodan in Raymond Dépardon, Errance, Paris, Seuil, 2000, p.181. 14. João Guimarães Rosa - A terceira margem do rio, Primeiras Estórias, Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, (1962), 2004, p.80 Financiamento: Apoio: Plataforma Revólver | Rua da Boavista, 84 1200-068 Lisboa | www.artecapital.net | [email protected] | +351 213433259 Fotógrafos Viajantes & viagens de fotógrafos * António Julio Duarte / Caio Reisewitz / Cristina Ataíde / Marcelo Moscheta / Mariana Viegas / Ynaiê Dawson curadoria de Fátima Lambert Plataforma Revólver - Lisboa - 29 de setembro a10 de novembro 2011 “O viajante, no seu movimento incessante, vê tudo à distância. Silhuetas recortadas contra a paisagem. Imagens arquitectur- ais se destacando no horizonte. Pessoas e lugares que pretende encontrar depois da próxima curva. A viagem é produção de simulacros, de um mundo puramente espectral erguido à beira da estrada.” 1 “Será que o drama contemporâneo não vem do fato de que o desejo de errância tende a ressurgir como substituição, ou con- tra o compromisso de residência que prevaleceu durante toda a modernidade?” 2 * Ainda para ti, passeante dilecto no mundo.

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  • Antnio Julio Duarte -www.antoniojulioduarte.com Nasceu em Lisboa (Portugal), 1965. Vive e trabalha em Lisboa

    Caio Reisewitz www.lucianabritogaleria.com.brNasceu em So Paulo (Brasil), 1967. Vive e trabalha em So Paulo

    Cristina Atade - www.cristinataide.comNasceu em Viseu (Portugal), 1951. Vive e trabalha em Lisboa

    Marcelo Moscheta - www.marcelomoscheta.art.brNasceu em So Jos do Rio Preto (Brasil), 1976. Vive e trabalha em Campinas

    Mariana Viegas - www.marianaviegas.comNasceu em Lisboa (Portugal), 1969 . Vive e trabalha em Lisboa e Berlim

    Ynai Dawson - www.ynaiedawson.blogspot.comNasceu em So Paulo (Brasil), 1979. Vive e trabalha em Londres e Rio de Janeiro

    Em registo fotogrfico, presentificam-se as imagens de existncias, encenaes e/ou simulacros com tpicos de genuinidade. Assim se demonstram subjectividades de autores nos territrios estticos da fotografia. Numa fotografia, supostamente, congela-se o tempo e o espao. Congelam-se as figuras individuadas no tempo pois deixam de ser pessoas e talvez sejam, transitoriamente, personagens. Estas localizam-se ou ausentam-se, consoante os casos e as estratgias estticas dos autores. Inequvoca a decisria presena do fotgrafo-viajante, aquele que concretiza acto e obra. No verdade?

    Em minha opinio, no h nenhum [caminho] mais atraente do que andar no encalo das prprias ideias, tal como o caador persegue a caa, sem procurar manter um dado caminho. 3

    O prprio fotgrafo-viajante torna-se visvel em proposio de auto-retrato ou oculto, consoante sua intencionalidade ou desejo. Mas a sua afirmao de sujeito/agente artstico que deter-mina a produo das fotografias que o antecedem, o estimulam e o acompanham a posteriori. Atravs do seu acto, que concebe e concretiza obra, mantm laos com as imagens fotogrficas, conferindo-lhes ad simultaneum autonomia e projeco. Os fotgrafos-viajantes cativam pessoas e lugares, convertendo-os, respectivamente, em figuras/personagens e em paisagens.

    A paisagem no se entrega. O que voc v no se fotografa. 4

    As paisagens, com alguma frequncia, correspondem a tempos de respirao, quer do pensamento, quer da aco/actividade do fotgrafo. O ritmo da viagem decide os intervalos na paisagem, as consequncias de sobrevivncia de ideias ou de substncias. Fragmentos, parcelas ou seces presidem s escolhas espontneas ou morosamente destinadas pelo autor em jornadas, camin-hadas e transportando-se. O veculo em que desloca condiciona o ritmo da captao de imagens; os momentos em que dispe uma paragem ou a continuidade do seu movimento. As tomadas de vistas so distantes, conforme o viajante as realiza enquanto condutor de um automvel (p.ex.) ou no. Assim, est-se perante tomadas de vista com ponto de fuga numa estrada ou encarada na lateral, esperando aquilo que se vai descortinando. Se a deslocao ocorre num comboio, a ambiguidade relativa entre a paisagem (aparentemente em movimento) e a iluso hiertica do via-jante, gera imagens de uma cativao insustentvel e precria. A paisagem que consequente da mobilidade da viagem anatomofisiolgica assume pressupostos diferenciados de uma viagem de indexao psicofisiolgicae assim por diante. A viagem preenche, recheia ou esvai a paisagem, propiciando uma reentrado no si mesmo do fotgrafo-viajante:

    A paisagem em volta esvaziada de sentido, reflectindo-se nos meus olhos, brotava dentro de mim 5

    Definitivamente as pessoas alocam-se a lugares mesmo que estes se possam configurar, teoricamente, enquanto no-lugares (seguindo Marc Aug) e, consequentemente, os espaos efec-tivos transcendem o tempo real, expandindo-se e adquirindo uma simbologia transfiguradora independentemente de seu ndice ou percentualidade documental.

    Julgamos que nos libertamos dos lugares que deixamos para trs de ns. Mas o tempo no o espao e o passado que est diante de ns. Deix-lo no nos distancia. Todos os dias vamos ao encontro daquilo de que fugimos. 6

    Seja um deambulador, flneur, Wanderer, peregrino, caminhante et allie uma qualquer, entre as distintas tipologias de viajantesos fotgrafos asseguram para ns a autenticidade, tanto quanto nos garantem uma gestante iluso. Marcam, estipulam ou estabelecem com rigor que pode oscilar entre o topogrfico e o metafsico - lugares e territrios especficos, onde as con-fluncias de imaginrio e real definem o humano, onde paisagem e natureza entrelaam vidas.

    Dans un voyage, on volue, on change, on se transforme. Et souvent, on rentre et tout est annul par le retour. 7

    Agosto de Antnio Jlio Duarte resultou de um percurso, curiosamente, desenvolvido em Portugal, se atendermos s latitudes e longitudes das viagens do autor que, com maior frequncia, o conduzem pelo Oriente e a o estabilizam por perodos de durao significativa.

    O vazio em si e em conotaes, o nada, o branco, o espao em branco, o silncio, a pedra, a impossibilidade, a solitude, o desconhecido, as potencialidades, etc. e seus valores criativos na filosofia e na esttica do extremo oriente (e comparativamente, alhures). 8

    O display em dpticos orienta o meu olhar as dicotomias, ambiguidades e/ou consolidaes, evidenciveis durante uma viagem. A fora de um rosto, a morfologia de elementos afastados ou prximos ao espectador propiciam um jogo quase de cena (parafraseando o ttulo do filme de Eduardo Coutinho). Entenda-se, a flexibilidade manifesta no acto de recepo esttica, gerida pela efabulao perceptiva-afectiva-conceptual, pertena de cada um, exercendo sua identidade pessoal sobre o produto de artstico de outrem - interpretao falar-se-, mas no apenasAssim, sabe-se que a definio imaginal de dptico conduz a um dilogo do visvel, parafraseando Ren Huyghe, pois o confronto de referenciais identificados (diferente de se saberem reconhecidos ou parecidos) pura seduo e volpia para as relacionalidades ressaltarem. As notas identitrias patentes em cada uma das unidades que constituem os 15 dpticos abordam elementos visu-ais que cativaram pessoas, objetos, fragmentos de paisagem; oscilando entre o afastamento do alvo fotografado e sua proximidade; propondo reconhecimentos ou conduzindo para equivoci-dades percetivas visuais, ricas em pensamento e afeto. inevitvel a emergncia de certa avidez para reconhecer, de buscar o parecido dentro dessa caixa de memria (desse arquivo mental/imagtico) que cada espectador transporta em si; acto intuitivo, semi-inconsciente e/ou implcito na apropriao esttica que advm das fotografias enquanto tal.A vasta obra de fotografia de Caio Reisewitz organiza-se em sries especficas, refletindo uma identidade documental que se apropria da paisagem, plasmando-a em imensido que estreita a alma do autor com os espectadores. A dimenso sublime que se desprende de suas fotografias de uma evidncia subjetivante e, em simultneo, glosando os parmetros conceituais que Kant, depois de Edmund Burke, soube definir. Sublime dinmico e sublime grandioso (ou matemtico) pontuam, nalguns casos uma mesma imagem, noutros um privilegia e expande-se sobre o outro. Mamangua enfrenta aquele que v e sabe contemplar, demorando-se na paisagem adentro. semelhana de outras sries do fotgrafo, o elemento| matria dominante a gua, estabilizando o recorte, na vegetao, atravs de uma afirmao terra que nos lembra as reflexes sobre a imaginao potica desenvolvida por Gaston Bachelard. Mas a dominante, no caso da fotografia de grande formato, presente nesta mostra a gua. A gua tranquila e parada que no se confunde com estagnao numa acepo castradora ou qual esteja arredada a vida pulstil. Seria impossvel no associar as significaes matriciais que, com frequncia, reverberam no respeitante a este elemento (em termos cosmognicos e cosmolgicos). Mas, a imagem ultrapassa mais e mais, assegurando uma experincia esttica nica para cada um, quanto sabemos seja um dos tpicos adstritos a definio de sublime. A presena do espetador ausenta-se num mundo onde evanescncia e lucidez so cmplices; onde a dimenso esttica, a artisticidade a efetividade imprescindvel de uma natureza consciente e em causa scio-cultural. A cor-renteza que se queda muda, expondo em visbilidade o silncio, atinge o mago de uma memria circular filogentica, quanto tambm ontogentica. O espelho de gua absorveu a ausncia ou a presena do humano, desde os tempos primordiais: ns ficamos nesse tempo de suspenso, interpelados e vigiando para que o mundo seja um Cosmos ordenado e redimido de aes irreversveis. continua na pg seguinte

    notas de rodap

    1. Nelson Brissac Peixoto Miragens, Cenrios em runas a realidade imaginria contempornea, Lisboa, Gradiva, 2010, p.137 2. Michel Maffesoli, Sobre o Nomadismo, Rio de Janeiro, Record, 2001, pp.23-24 3. Xavier de Meistre, Viagem roda do meu quarto, Lisboa, & etc, 2002, p.25 4. Bernardo de Carvalho, Monglia, So Paulo, Companhia das Letras, 2003, p.41, p.115 5. Yukio Mishima, O templo dourado, Lisboa, Assrio & Alvim, 1985, p.148 6. Carlos Drummond de Andrade Mos dadas, Antologia Potica, Lisboa, Dom Quixote, 2002, p.149 7. Raymond Depardon, Errance, Paris, Seuil, 2000, p.56. 8. Pedro Xisto Lumes, uma antologia de Haikais, SP, Berlendis & Vertecchia, 2007, p.17 9. Bernardo de Carvalho, Monglia, So Paulo, Companhia das Letras, 2003, p.41, p.11510. Mariana Viegas, excerto indito, Agosto 2011.11. Idem, ibidem12. Nesse contexto, a fotografia tida no como representao, mas sim expresso. Expresso da multiplicidade de sensaes ou intensi-dades de um sujeito, expresso de uma paisagem interior que encontra-se em constante processo de transformao, sempre a (re)criar-se a partir do apre(e)nder as foras das paisagens. Ynai Dawson, excerto indito, Julho 2011.13. Rves derrances - Pierre Givodan in Raymond Dpardon, Errance, Paris, Seuil, 2000, p.181.14. Joo Guimares Rosa - A terceira margem do rio, Primeiras Estrias, Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, (1962), 2004, p.80

    Financiamento: Apoio:

    Plataforma Revlver | Rua da Boavista, 84 3 1200-068 Lisboa | www.artecapital.net | [email protected] | +351 213433259

    F o t g r a f o s V i a j a n t e s& v i a g e n s d e f o t g r a f o s *

    Antnio Julio Duarte / Caio Reisewitz / Cristina Atade / Marcelo Moscheta / Mariana Viegas / Ynai Dawson

    curadoria de Ftima Lambert

    Plataforma Revlver - Lisboa - 29 de setembro a10 de novembro 2011

    O viajante, no seu movimento incessante, v tudo distncia. Silhuetas recortadas contra a paisagem. Imagens arquitectur-ais se destacando no horizonte. Pessoas e lugares que pretende encontrar depois da prxima curva. A viagem produo de simulacros, de um mundo puramente espectral erguido beira da estrada. 1

    Ser que o drama contemporneo no vem do fato de que o desejo de errncia tende a ressurgir como substituio, ou con-tra o compromisso de residncia que prevaleceu durante toda a modernidade? 2 * A

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  • Sem ttulo, da srie Agosto, Portugal, 2000, fotografia, provas de cor cromognea 20X20 cm (cada) - Cortesia Mdulo - Centro Difusor de Arte Lisboa

    Antnio Julio Duarte

    Da srie Tracked pictures (crvr 002), 2009-2011, fotografia, 39,5X53cm

    Marcelo Moscheta

    My unknown friends #1, 2011, fotografia impresso Lambda, 50X70cm

    Cristina Atade

    Da srie Linhas de Passagem, 2010, fotografia impresso c-type, 40X60cm

    Ynai Dawson

    Mamangu, 2007, c-print sobre diasec, 240X190cm

    Caio Reisewitz

    Da srie Walden, 2011 , dptico imagem/texto, 150x380cm

    Mariana Viegas

    O livro representa a paisagem ideal interpretada conceptualmente como um lugar que encontramos quando nos focamos no que temos diante dos nossos olhos: o tempo presente representando para mim, desta forma, o momento fotogrfico.O processo de trabalho combina a leitura do texto com a

    experiencia da natureza que se encontra na vida de todos os dias. Neste contexto sero realizadas fotografias de um lugar nas imediaes da Arrbida que tenho vindo a fotografar ao longo dos anos e outras, no lugar onde vivo actualmente.10 A artista procura transpor em imagens as vivncias narradas pelo escritor, interrelacionando-as s suas experincias pessoais, transcrevendo excertos, compostos a partir do original mas apresentando pequenas fissuras

    que provocam uma nova leitura do mesmo, abrindo a leitura para uma realidade actual e mundana.11

    Nos apontamentos alusivos Ynai Dawson na Srie Linhas de Passagem, a fotgrafa refere: Interessa-me a idia da viagem como processo, como metfora da prpria vida, um trilhar de caminhos sem destino certo, em

    busca de (auto-)conhecimento. No importa aqui de onde se partiu e com que destino, importa apenas o estar entre. O que se descobre ou se revela ao longo desse caminhar, contnuo interseccionar das paisagens interior e exterior, contnuo fluxo de

    sensaes a nos tomar conta da alma? A fotografia, em si mesma sempre um entre pressupe um antes e um depois, temporal e espacial e que por excelncia conserva, busca aqui conservar apenas o desejo latente que desencadeou a produo de cada

    imagem e que continua latente nela, sempre se transformando, renovando, devindo desejo a cada vez que se estabelece um novo contacto entre as fotografias e um sujeito.12

    A concatenao de imagens fotogrficas apresentadas, gerem inter-valos que correspondem a etapas de jornadas empreendidas pela artista nos 2 ltimos anos. Paralelamente a um trabalho acadmica em decurso, as viagens verificavam-se imprescindveis. As reflexes que Ynai Dawson procurou em autores emblemticos da filosofia, sociologia, esttica e literatura precisavam seu espelha-mento nos atos de conceber as viagens e, obvio, de as concretizar. [De vrias conversas com Ynai, por motivos de sua investigao, surgiu precisamente a proposta, que me foi endereada, para que esta curadoria fosse delineada.]Atendendo histria e esttica da fotografia no sc. XX, depara-se com casos paradigmticos de fotgrafos que desenvolveram viagens, com um ritmo quase compulsivo, sendo os produtos de suas deslocaes, permanncias e trnsito consubstancializados em fotografias incomparveis. Entre os muitos autores que se poderiam mencionar, reduziria a citao a Raymond Depardon, Bernard Plossu, Luc Delahaye Com frequncia os fotgrafos publicam livros com imagens fotogrficas associadas a narrativas e/ou reflexes aprofundadas sobre os seus projetos, permitindo assim a um pblico mais vasto o conhecimento de suas fundamentaes, ideias e realizaes em obra. La qute du lieu acceptable est la qute du moi acceptable . Cest dire dune vie assume comme sienne. Lhomme qui sexprime

    ainsi est un voyageur, un nomade, un photographe, un cinaste etc. Mais dabord un individu qui se cherche et qui ne trouve pas. Ou plutt qui dfinit un angle, un cadre, un sujet (la route), une perspective, celle du chemin justement. 13

    A busca de lugares, passveis de serem denominados, quanto eventualmente reconhecidos pela vida do espectador, quase se pro-jecta naqueles lugares (aparentemente) annimos, propostos pelo fotgrafo. Promovendo extrapolaes geogrficas que galgam pases e regieso exotismo adentro de uma paisagem portuguesa ou de uma qualquer e outra radicao, providencia, trans-forma e concretiza, de modo intenso, a nsia de viagem de e para um pblico doseando ou expandindo seus desejos ou demandas.Ou seja, e podendo aplicar-se a uma certa teorizao da (por assim a designar) aco dos fotgrafos-viajantes, entendo como um dos denominadores comuns entre os 6 casos patentes (e em muitos outros que poderia referir) a constatao de certa gula de imagens em devir, convertidas em potenciais alvos de fixao por parte de um fotgrafo-autor. Ao longo do friso imaginrio que para mim o ver os dtpticos implica, confrontam-se aproximaes e afastamentos, detalhes, pormenores e dissidncias antropolgicas e societrias que a poisis subjacente, sabe ser coerente, pois a vida, o mundo se con-stituem a partir de dissemelhanas, de similitudes, de ausncias ontolgicas mesmo quando todo aquele material que se converte em visibilidade aparentemente expandida, cujos contedos semnticos viabilizam campos perceptivos e argumentativos infindos. A deciso de enxergar na imagem fotogrfica determinado fragmento do suposto real surge conotado com a circunstncia do artista (lembre-se Ortega y Gasset). Talvez quando se viaja, se permanea no mesmo lugar, pensando com Guimares Rosa:

    Ele no tinha ido a nenhuma parte. S executava a inveno de se permanecer naqueles espaos do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela no saltar, nunca mais. 14

    M de Ftima LambertRJ | BR, Agosto, Setembro 2011 (vide notas na pg anterior)

    My Unknown friends, todas as presentificaes pessoais que Cristina Atade cativou durante uma de suas muitas per-manncias na ndia, foca-se na complementaridade intrnseca do que sejam as diferentes componentes constitutivas de fotografar e fotografia. Em locais especficos, dentro de um cenrio que o real envolvente em sua potncia extrema, a artista fotografou aqueles que exerciam seu acto de fotografar outrem e, por outro lado, tornou os annimos em sujeitos identificados na sua pose convertendo-os em retratados. O retrato passa a alojar um sujeito, estando comprometido - ele mesmo e precisamente - por relao de sujeito: implica um sujeito suposto, por referncia a si. O sujeito do retrato o sujeito que o prprio retrato. No caso de uma das sequncias da srie de Cristina Atade, verifica-se existir um desdobramento, pois a artista fotografa aqueles que exercendo o ato de fotografar; propiciando e expandindo concatenaes intersujetivas entre retratados, retra-tos e aqueles que retratam (que concebem e autorizam o retrato).Tal afirmao no equivale quilo que possa ser tachado de exces-so subjetivado. No, ao que me refiro inevitabilidade. A fotografia soberana, decide, alimentando-se e consubstancializando-se no domnio da inevitabilidade. O sujeito no retrato que fica da pais-agem, lembrando Bernardo de Carvalho que assinalou:

    Voc no est procurando um lugar. Est procurando uma pessoa. 9

    Em 2009, Marcelo Moscheta desenvolveu uma residncia artstica em Cerveira (norte de Portugal). Da resultaram diferentes sries de trabalhos, posteriormente concretizados, entre os quais os registos fotogrficos emancipados, subsumados na sria Tracked Pictures. Nas imediaes da casa onde ficou alojado, o artista brasileiro foi pesquisando pormenores, detalhes e deles to-mou posse. Da resultaram imagens fotogrficas, reveladoras de uma cmplice proximidade que o prprio sabia encontrar e que os demais tomam como lugar inominado e no-reconhecido, atendendo subtil deciso de tomada de vista, enquadramento e intencionalidade. As imagens, tomadas por um dispositivo digital foram trabalhadas a posteriori. A sequncia de intervenes mnimas, que o fotgrafo realizou, traduziu-se em sries grficas, de quase equaes encriptadas, espcie de relato dos procedi-mentos para quem saiba decifrar essa escrita que ladeia a fotografia, uma a uma.

    Moscheta, de forma rigorosa, tem pretendido marcar as coordenadas de locais que regista ou de onde desloca materiais, atravs de cdigos GPS. Esse mtodo equivale a opes estticas, de pensamento artstico que direcionam para a realizao de aes a converter finalmente em obra. O bucolismo destes excertos de paisagem que de estranha lhe passou a ser familiar, progride numa acepo de viagem que sedentariza transitoria-mente o autor a um lugar de destino. O questionamento do que se entende seja a durao na transitoriedade semntica e pragmtica da viagem, coincidem numa experincia prolongada na resistncia da obra fotogrfica. Tempos distintos cohabitam e as memrias antecipam-se no ato de virem a ser, no devendo confundir-se com lembranas. Os locais de paisagem dentro das fotografias de Moscheta podem ser seguidos por ns, numa busca intermedial entre algo remetido para um destinatrio e a possibilidade deste fazer o rastreio progressivo da sua localizao at ao momento em que o ir receberMariana Viegas desenvolve presentemente um projeto de pesquisa que concilia literatura e fotografia, ganhando corporalidade atravs do display das suas peas. A partir de Walden ou a Vida nos Bosques, de Henry David Thoreau O livro foi escrito quando o autor americano - de vocao tran-scendentalista passou a habitar uma cabana em Walden Pond (Massachusetts) abandonando a cidade onde vivia. Esta tenso para a transio, envolve a condio de viagem. Tanto efetiva deslocao, pois trasladao de sua pessoa para assumir uma vida nos bosques, com todas as conse-quncias da advindas, que recordam as tradies ingenuista e utopistas, desde o Emile de Rousseau at s ideologizaes de Taine, Proudhon propugnando uma esttica doutrinria de cariz sociolgico utpico e operativopermitindo-me certas extrapolaes. Essa densidade da escrita decisria que domina a vida, num quotidiano que no destino de viagem mas , por deliberao, uma permanncia, desdobram-se um dos scrolls