Foucalt Vai à Escola

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  • Revista Filosofia - Foucault vai escola Corpo e alma, liberdade e responsabilidade. Dentro do processo escolar, so tecidas as relaes de poder as quais Michel Foucault denominou "Antomo-Poltica do corpo".

    Por Paulo Ghiraldelli Jr.*

    Volto "antomo-poltica do corpo". Para uma boa parte de ns, ela comea com a matrcula.

    Algum nos pega pela mo e atende requisio da instituio para que se cumpra um direito que um

    dever, a obrigatoriedade da educao. A escola l est - no horizonte, sedenta de ns. Quando cada um se

    senta num banco escolar, seu corpo se conforma a um espao. Ele moldado para que se d sequncia ao

    processo de criao da alma. Ele recebe ento a matemtica ou qualquer outro conhecimento, mas

    ningum conta grandes mentiras ali no, pois cada coisa j vem com o nome real: disciplina. A matria

    o assunto, mas a prtica do assunto a disciplina. Passa-se pela grade curricular. Grade! E ento se

    disciplinado por meio da matemtica, portugus, geografia, histria e tudo o mais. A disciplina no o

    aparato de punio fsica ou simblica. Isso apndice disciplinar. A disciplina da sociedade moderna, a

    "sociedade disciplinar" de Foucault, a que se faz por meio do que realmente chamado de disciplina na

    escola: as cincias, as filosofias, as artes e tudo o mais que preenche o dia da alma na escola, pelo qual ela

    amordaa o corpo na carteira escolar e dispe o indivduo ao elogio ou ao dissentimento.

    No se adestram corpos se no se educa a alma. No se produz a alma no corpo seno por esse contnuo jogo de distribuies de "pode" e "no

    pode" que se faz na resoluo de uma equao, no cruzamento de pernas, na leitura sem mexer os lbios,

    na forma de segurar o lpis, na opinio sobre o fato histrico qualquer e no olhar no atrevido ao professor

    e, ao mesmo tempo, no olhar agressivo ao professor, mas que demonstre simplesmente curiosidade e

    respeito. medida que a alma prende o corpo, os dias da palmatria se mostram bem contados. A

    "sociedade disciplinar" foucaultiana a sociedade moderna enquanto lugar da crescente suavidade da

    dominao.

    A sala de aula o lugar par excellence dessa disciplinarizao. Conformado o corpo ao banco

    escolar, o corpo responde chamada - como disse acima, j a alma que fala. Diz seu nome e j ganha

    um nmero. Comea ento o ritual que, no seu todo, o que os educadores iro dizer, ao final, que ocorreu.

    Eles diro: ocorreu o exercer da pedagogia. Serva ou no da psicologia, essa pedagogia pode receber

    inmeros nomes, podese falar que ela "construtivista" ou "libertadora". Uns a batizam com nomes, tais

    como Vigotsky ou Piaget, outros preferem usar de autoajuda, ou seja l o que for que alunos de ps-

    graduao possam inventar. Mas, antes de tudo, a pedagogia uma vitamina especial, que cria os ossos

    do corpo como paredes que devem ficar porosas de modo que o musgo possa se agarrar cada vez mais a

    elas. O musgo da alma precisa preencher tudo. Em todo cantinho ele precisa colocar aquilo que Nietzsche

    dizia que faz um homem ser homem: a culpa.

    Quando voc vai com seu corpinho fazer a matrcula, tudo se faz no sentido de que, anos depois,

    voc saia da escola como um bpede sem-penas, mas que tenha alma. "Voc no tem alma?" - perguntaro todos a voc. "Voc no humano?" - tambm perguntaro isso. Todos cobraro de voc que

    abandone o grilo falante e no mais se comporte como boneco de pau, s com corpo, mas com conscincia,

    ou seja, com alma. Pinquio s virou menino de verdade quando agiu com alma, ou seja, quando se tornou

    consciente e, portanto, bom. Ora, mas voc vai, sem dvida, agir com alma e pela alma. Ela o musgo

    inflado que no pode mais ser tirada do corpo sem que este venha a perecer.

    Tudo disposto para que ao final o sujeito moderno - aquele que "consciente de seus pensamentos

    e responsvel pelos seus atos" - se faa presente protagonizando o indivduo. Foucault entende que o

    poder - como nas aes descritas acima - que cria o indivduo que, para ser tal como , se pe como um

    corpo encharcado de alma. Referncias

    ARAUJO, Paulo Roberto M. de. Identidades contemporneas. Porto Alegre: Ed. Zouk, 2006.

    BRANDO, Junito. Teatro grego - origem e evoluo. So Paulo: Ars Potica, s/d.

    HEIDEGGER, Martin. Herclito. Rio de Janeiro: Relume Dumara, 1998.

    NIETZSCHE, Friderich. O nascimento da tragdia. Trad. J. Guinsburg. So Paulo: Companhia das Letras, 1992.

    SFOCLES. A trilogia tebana. Trad. Mrio da Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993.

    * PAULO GHIRALDELLI JR. filsofo, escritor e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).