10
1 . e diç ã o - 1999 o C opyright É di ti on s Ga lli ma rd , 19 94 T r a duzi do de : D i t s e t écriis Ce t ouvrage, publié dans lecad re du programme d'a id e  Ia pub licat ion , b é n é fici e du soutien du Mi ni st ér efranç ai s des Ai fa ir es Etrang ér es , de l ' Ambassade de France au Br és il et de Ia Mai son de France de Rio de Janeiro. Es t e liv ro. publicad o no ãmbito do pr ogra ma de part ic ipação à publicaç ã o . co nt ou com o ap oio do Mi ni stér io fr an cés da s Re lações Exte ri ores. da E mb ai x a da da França no Brasil e da Maison de France do RiodeJaneiro . ro to da capa : J ac qu e s R o be rt C I P - Bras l. Ca t a l o g a çã o- n a - font e Sindicato N ac ion a l d os Edi t or e s e L i vro s . RJ . F8 6 p F o u ca ult . Miche . 1 9 26-1984 P ro bl e m a u za ção d o suj e it o: p si c olog ia , p s iq uia tr ia e ps lcaná lis e/ Mi c h e l Fouca ult ; t r ad ã o d e Ver a Lu cia Avell a r Ri be iro ; or ga n i z ação M a n oe l B a rr o s d a M o lt a. - Ri o d e J an eiro : Fo re ns e Universit á ri a. 1 9 99. ( D i tos e es c r i tos ; I) Tr a duç ã o de : D i ts et é cr t ts ISBN 8 5-218-0251 - X I. Suj e ito (psicologi a ) . 2. P sl ca n á U se . I . M o tt a. M a noel B arros d a. l I . Titul o . 11 1 . rie. 1) 9 · 1 586 . CD D 150 .1 95 C DU 15 9 . 96 4 . 2 4 Proib i daa re produ çã o total o u pa r c i a l , b e m c o m o a r e produç ão de a postil as a p a rtir des t e l i v r o. de qu a lquer form a ou por qu a lquer meio el e tr ô nico ou m ecâ ni c o , i n c l us iv e atr a v és de pr ocess o s xer o gr éâccs . d e folo c óplae d e g ra va ção . sem p er m is s ã o expressa d o E d it or { L e i n' 9.6 10 . d e 19 . 02 .9 81 . R e se rv a d os os dir e ito s de pr opr iedad e d e st a ed ã o pela ; EDI TOR A FOR ENSE UNIVERSIT ÁRIA LTDA. R io de J an e ir o ; Ru a d o R osário . 100 - 20041-002 -Tel e fax; (21) 509-31 48/509-739 5 ~o P a ul o ; Ln r /(o e l e S ã o F r a n c i sc o . 20- 01005 - 010 - Tels .: (11) 310 4-200 5 - Fax ; 3107-0842 ( ' t l I { . I I / ; f o runlv @ uni s ys. c om . br http : //www . editoras . com/forenseunlversitárl a hllJ l I ( 'S SO n o Br as il J~ 1 11 1  1 ( /I Br az íl Apresentação Construída sob o signo do novo. a obra de M í chel Foucault subvert eu. transformou. modificou noss a relação com o saber a verda de . Arela ção da filosofia com a razão não é mais a mesma depois da Hist ór ia da lo uc ur a. Nem podemos pensar da mesma forma oes ta tu to da punição emnossas so cie dades. Aintervenção teórico-at iva de Mic he l Fo uc ault in tr od uz iu ta mm uma mud an- ça nas relações de poder e saber da cultura contemporãnea. a partir de sua matriz ocidental na medicina. na psiquiatria. nos si st em as penais e na se xualidade. Pode-se dizer qu e ela cola bo ra para efetuar uma mutação de ep í steme, para além do que alguns ch am am s-estrut ur alismo ou pós-mode rn is mo. A edição francesa dos Ditos e escritos em 19 94 pelas Ed ões Ga ll imard de se mpenha um pa pe l fundamental na difu o de uma boa parte da obra do fil ósofo cujo acesso ao público era di fícil, ou em muitos casos impossível . Além de suas grandes obras, As palavras e as cois as , Hi st ór ia da lo ucur a, Vi gi ar e punir, O nasci- men to da cl ín ic a, Ray mond Roussel e História da sexualidad e. Foucault multiplicou seus escritos e a ação de seus ditos. na Europa. nas Américas. na Ásia e no Norte da África . Suas interven çõ es fora m a s re la ções da loucura e da sociedade . feitas no Japão. a reportagens sobre a revolução islãmica em Teerã. e debates no Brasil sobre a penalidade e a po lítica. Este tr abalho foi em parte realizado através de um grande número de textos. interven çõ es. co nf er ências. in trod ões. prefácios e artigos pu - bl ic ad os nu ma vasta gama de países que va i doBrasil aos Estado s Unidos e ao Japão. As Edições Gallim ar d re co lh er am esse s te x tos em quatro volumes. com exceção dos livros. A ediç ão franc es a pr eten de u a exau st í vídade, orga ni zando a to ta lidade dos textos publicados qu ando Michel Foucault vivia, embora seja prov á vel que alguma pequena lacuna exista neste trabalho. O t e st a m e nto de Fo uca ult , por outro lado. excluía as pu bli cações pós tu mas. Da ni el De fe rt e François Ewal d re al izar am . assim, um mo nu me n- ta l trabalho de edição e estabelecimento dos textos . situando de maneira nova as condições de sua publicação, controlaram as circunstãncias das traduções, veri ficara m as citações e erros de tipografia . Jacques La grang e ocupou-se da bib li ografia. De fert

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1. edição - 1999

o

Copyright

Éditions Gallimard, 1994

Traduzido de:

Dits et écriis

Cet ouvrage, publié dans lecadre du programme d'aide

 

Ia publication,

bénéficie du soutien du Ministérefrançais des Aifaires Etrangéres, de

l'Ambassade

de

France

au

Brésil et

de

Ia Maison

de

France

de

Rio

de

Janeiro.

Este livro. publicado no ãmbito do programa de participação à publicação.

contou com o apoio do Ministério francés das Relações Exteriores. da

Embaixada da França no Brasil e da Maison de France do RiodeJaneiro.

rot o da cap a: Jacques Robert

CIP-Br as ll . C atalogação-na-fonte

Sindicato Nacional dos Editores de Livros. RJ.

F86p Foucault. Miche . 1926-1984

Problemauza ção do sujeito: psicologia, psiquiatria e pslcanálise/Michel

Foucault; tradução de Vera Lucia Avellar Ribeiro; organização Manoel Barros da

Molta. - Rio de Janeiro: Forense Universitária. 1999.

(Ditos e escritos; I)

Tradução de: Dit s et écrtts

ISBN 85-218-0251 -X

I . Sujeito (psicologia). 2. PslcanáUse. I. Motta. Manoel Barros da. lI. Titulo.

11 1 . Sêrie.

1)9·1586. CDD 150.195

CDU 159.964.24

Proibidaa r eprodução total ou parcial, bem como a reprodução de apostilas a partir

deste livro. de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico ou

mecânico,

inclusive

através de processos xerogréâccs. de folocópla e de gravação. s em permissão expressa do

Editor {Lei n ' 9 .610. de 19.02.981.

Reservados os direitos de propriedade desta edição pela;

EDITORA FORENSE UNIVERSITÁRIA LTDA.

Rio de Janeiro;

Rua do Rosário. 100- 20041-002 -Telefax; (21)509-3148/509-7395

~o Paulo;

Lnr/(oeleSão Francisco. 20- 01005-010 - Tels.: (11) 3104-2005 - Fax; 3107-0842

(' tlI{.II/; [email protected] http://www.editoras.com/forenseunlversitárla

hllJlI ('SSO no Brasil

J~ 1 11 1   1

(/I

Brazíl

Apresentação

Construída sob o signo do novo. a obra de Míchel Foucault

subverteu. transformou. modificou nossa relação com o saber e

a verdade. A relação da filosofia com a razão não é mais a mesma

depois da História da loucura. Nem podemos pensar da mesma

forma o estatuto da punição emnossas sociedades. Aintervenção

teórico-ativa deMichel Foucault introduziu também uma mudan-

ça nas relações de poder e saber da cultura contemporãnea. a

partir de sua matriz ocidental na medicina. na psiquiatria. nos

sistemas penais e na sexualidade. Pode-se dizer que ela colabora

para efetuar uma mutação de epísteme, para além do que alguns

chamam pós-estruturalismo ou pós-modernismo.

A edição francesa dos

Ditos

e

escritos

em 1994 pelas Edições

Gallimard desempenha um papel fundamental na difusão de uma

boa parte da obra do filósofo cujo acesso ao público era difícil, ou

em muitos casos impossível. Além de suas grandes obras, As

palavras e as coisas, História da loucura, Vigiar e punir,

O

nasci-

mento da clínica, Raymond Roussel e História da sexualidade.

Foucault multiplicou seus escritos e a ação de seus ditos. na

Europa. nas Américas. na Ásia e no Norte da África. Suas

intervenções foram das relações da loucura e da sociedade. feitas

no Japão. a reportagens sobre a revolução islãmica em Teerã. e

debates no Brasil sobre a penalidade e a política. Este trabalho

foi em parte realizado através de um grande número de textos.

intervenções. conferências. introduções. prefácios e artigos pu-

blicados numa vasta gama de países que vai doBrasil aos Estados

Unidos e ao Japão. As Edições Gallimard recolheram esses textos

em quatro volumes. com exceção dos livros. A edição francesa

pretendeu a exaustívídade, organizando a totalidade dos textos

publicados quando Michel Foucault vivia, embora seja provável

que alguma pequena lacuna exista neste trabalho. O testamento

de Foucault, por outro lado. excluía as publicações póstumas.

Daniel Defert e François Ewald realizaram. assim, um monumen-

tal trabalho de edição e estabelecimento dos textos. situando de

maneira nova as condições de sua publicação, controlaram as

circunstãncias das traduções, verificaram as citações e erros de

tipografia. Jacques Lagrange ocupou-se da bibliografia. Defert

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 957

A

Psicologia de 85 a 95

A psicologia de 1850 a 1950 . in Huisman (O.) e Weber (A.). Histoire de 1 11

philosophie européenne.

t. 11:

Tab1eau

de

philosophie

contemporaine. Paris. Líbrut

ríeFirchbacher. 1957.33, rue de Seine, ps. 591-606.

Introdução

Apsicologia doséculo XIXherdou da

Aujkldrung

a preocu paçao

de alinhar-se com as ciências da natureza e de encontrar no

homem o prolongamento das leis que regem os fenômenos natu

rais. Determinação de relações quantitativas. elaboração de leis

que se apresentam como funções matemáticas. colocação de

hipóteses explicativas. esforços através dos quaís a

psícología

tenta aplicar. não sem sacrifício. uma metodologia que os lógicos

acreditaram descobrir na gênese e no desenvolvimento das ciên

cias da natureza. Ora. foi o destino dessa psicologia. que se queria

conhecimento positivo. apoiar-se sempre sobre dois postüfados

filosóficos: que a verdade do homem está exaurida em seu ser

natural. e que o caminho de todo conhecimento científico deve

passar pela determinação de relações quantitativas, pela cons

-~

trução de hipóteses e pela verificação experimental

Toda a história da psicolo@ãafé o meããõãõS'éculo XX é a

história paradoxal das contradições entre esse projeto e esses

postulados; aoperseguir o ideal de rigor e deexatidão das ciências

da natureza. ela foi levada a renunciar aos seus postulados; ela

foi conduzida por uma preocupação de fidelidade objetiva em

reconhecer na realidade humana outra coisa que não um setor

da objetividade natural. e em utilizar para reconhecê-lo outros

métodos diferentes daqueles de que as ciências da natureza

poderiam lhe dar o modelo. Mas o projeto de rigorosa exatidão

que a levou. pouco a pouco. a abandonar seus postulados tor-

nou-se vazio de sentido quando esses postulados mesmos desa-

pareceram: a idéia de uma precisão objetiva e quase matemática

no domínio das ciências humanas não é mais conveniente se o

próprio homem não é mais da ordem da natureza. Portanto. é a

1957_ APsicologia de 1850 a 1950 123

  l

renovação total que a psicologia obrigou a si própria no curso

k sua história; ao descobrir um novo

status

do homem. ela se

uupõs como ciência. um novo estilo.

1':laprecisou buscar novos princípioS e desvelar para si mesma

 

novo projeto: dupla tarefa que os psicólogos nem sempre

Cltllpreenderam com todo rigor. e que. com muita freqüência,

Ir'\ltaram rematar com a economia; uns. ainda que percebendo a

xlgência de novos projetos. permaneceram ligados aos antigos

pllncípios de método: as psicologias que tentaram analisar a

•.onduta, mas que para fazê-lo utilizaram os métodos das ciências

dói natureza o testemunham; outros não entenderam que a

n'novação dos métodos implicava a emergência de novos temas

d análise: assim. as psicologias descritivas. que permaneceram

ligadas aos velhos conceitos. A renovação radical da psicologia

•.orno ciência do homem não é. portanto. simplesmente um fato

histórico do qual podemos situar o desenrolar durante os últimos

•.•.m anos; ela ainda é uma tarefa incompleta a ser preenchida e.

, esse título. permanece na ordem do dia.

Foi igualmente no decorrer desses últimos cem anos que a

psicologia instaurou relações novas com a prática: educação.

medicina mental. organização de grupoS. Ela se apresentou como

seu fundamento racional e científico; a psicologia genética cons-

tituiu-se como o quadro de toda pedagogia possível. e a psicopa-

(ología ofereceu-se como reflexão sobre a prática psiquiátrica.

Inversamente. a psicologia se colocou como questão os problemas

suscitados por essas práticas: problema do sucesso e do fracasso

escolar. problema da inserção do doente na sociedade, problema

da adaptação do homem

à

sua profissão. Através desse laço

apertado e constante com a prática, através dessa reciprocidade

de suas trocas. a psicologia torna-se semelhante a todas as

ciências da natureza. Mas estas não respondem senão aos pro-

blemas colocados pelas dificuldades da prática. seus fracassos

temporários. as limitações provisórias de seu exercício. A psico-

logia. em con~artida. nasce neste-..2Qnto_o qual a prática do

homem encontra sua própria contradição; a psicologia do desen-

volvimento nasceu como uma reflexão sobre as interrupções do

desenvolvimento; a psicologia da adaptação. como uma análise

dos fenômenos de inadaptação; a da memória. da consciência. do

sentimento surgiu. primeiro. como uma psicologia do esqueci-

mento, do inconsciente e das perturbações afetivas. Sem forçar

um~tidão. po%-se dizer que a psicologia conten\poránea é,

eIQ..sua origem. uma análise do anormal. do patológico, do

conflituoso. uma reflexão sobre as contradições do homem consí=

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124 Michel Foucault - Ditos e Escritos

1957 -

A Psicologia de

1850

a

1950

125

o mesmo. E se ela se transformou em uma psicologia do normal,

do adaptativo, do organizado, é de um modo segundo, como que'

por um esforço para dominar essas contradições.

O problema da psicologia contemporânea - que para ela pro

pria é um problema de vida ou de morte - é o de saber em que

medida ela consegue efetivamente dominar as contradições que'

a fizeram nascer, através desse abandono da objetividade'

naturalista, que parece ser sua outra caracteristica maior. A essu

pergunta a própria história da psicologia deve responder.

de Lavoísíer: fazem-se esforços para se manter em vista a reali-

dade humana definindo-a por sua natureza orgânica. tal como se

,\ conhece depois de Bíchat, Magendíe, Claude Bernard. O psi-

quísrno, tal como o organismo. é caracterizado por sua es-

pontaneidade. sua capacidade de adaptação e seus processos de

regulação internos.

Bain, a partir de um estudo dos ínstíntosê: Fechner, pela

málíse das relações entre estimulação e o efeito sensoríal+:

Wundt. retomando o problema da atividade específica dos ner-

vos>, todos ressaltaram esse tema essencial de que o aparelho

psíquico não funciona como um mecanismo. mas como um

ronjunto orgânico cujas reações são originais. e. conseqüente-

mente, irredutíveis às ações que os desencadeiam.

É

preciso.

portanto. como dizia Wundt. substituir o princípio da energia

material pelo princípio do acréscimo da energia espiritual. É

nesse sentido que foram empreendidas. no final do século XIX,

IS pesquisas experimentais dos limiares absolutos e diferenciais

da sensibilidade. os estudos sobre o tempo de reaçào e sobre as

ittvtdades

reflexas: em suma. toda essa constelação de estudos

pstcofísíológícos nos quais se buscava manifestar a inserção

orgânica do aparelho psíquico.

Foi a mesma inspiração orgânica que suscitou as pesquisas

obre as regulações internas do psiquismo: prazer e dor. ten-

Ilt-ncias. sentimentos. emoções. vontade. Para Baín, o prazer

resulta da harmonia das sensações; a dor, de suas contradições

onflítosv. É sob os fenõmenos conscientes que Ribot busca o

princípio dessas regulações que caracterizam a vida ativa e a vida

rfetíva:

em uma região onde o prazer e a dor ainda nem mesmo

uloram. há um inconsciente dinâmico que trabalha. que elabo-

ril

 na sombra das combinações incoerentes ou adaptadas ; esta

'sobpersonalídade envolve em sua profundeza a origem da gran-

111 trindade afetíva, constituída pelo medo. pela raiva e pelo

dl'sejo; são os três instintos procedentes diretamente da vida

Illgãnica: instinto defensivo. instinto ofensivo. instinto nutrítívo?

o preconceito de natureza

Sob sua diversidade. as psicologias do final do século XIX

pOssuem esse traço comum. de tomar emprestado das ciência

 

da natureza seu estilo de objetividade e de buscar. em seu.

métodos. seu esquema de análise.

1 O modelo jisico-químico.

É

ele que serve de denominad01

comum a todas as psicologias da associação e da análise elemen

tar. Encontramo-Io definido com a maior clareza na

Logique

de'

J. S. Míll, e em seu

Preface to

James

Mill s Analysis1.

Os fenõm

nos do espírito. assim como os fenômenos materiais. exigem dua:

formas de pesquisa: a primeira tenta. a partir dos fatos, ter acesso

às leis mais gerais, segundo o princípio da universalização new

toníana: a segunda. tal como a análise química para os corp

compostos. reduz os fenômenos complexos em elementos sim

pIes. Assim. a psicologia terá por tarefa encontrar, nos fenômeno.

do pensamento mais abstrusos. os segmentos elementares que

os compõem; no princípio da percepção e do conhecimento do

matéria. ela encontrará a sensação ( a matéria pode ser defínídn

como uma possibilidade permanente de sensação ); no princípio

do espírito e do conhecimento que o espírito tem de si mesmo,

1 1

psicologia descobrirá o sentimento. Mas esses elementos. em

SUlI

relação e em seu agrupamento. são regidos pela lei absolutamen

t

geral da associação. já que ela é universal. mas somente as forma

de aplicação nos diversos tipos de fenômenos mentais

2

.

2)O modelo orgânico. Não se busca mais definir o domínio psíco

lógicopor coordenadas tomadas da física de Newton ou da

químír-n

I (N.A.)Bain (A.).

The senses

and

the intellect.

Londres. Longman's,

1864 (Les

sens

et l·intelligence.

trad. E. Cazelles. Paris.

Baíllíêre, 1874

(N.E)).

I (N.A.)Fechner (T.G.). in Sachen

der Psychophysik.

Leípzíg. Breitkopf e Hârtel,

l877.

  (N.A.)Wundt (W.).

C}rundzüge der PhysiolqJischen Psychologie.

Leípzíg. W.

Engelmann. 1874

(Eléments de psychologie physiologique.

trad. E. Rouvier.

Paris. Alcan, 2 vol., 2' ed.. 1886 (N.E)).

t, (N.A.)Bain (A.).Theemotions and the wül Londres. Parker. 1859 (Les émotions

I>tIa volonté. trad. P.-L. de Monnier. Paris. Alcan, 1885 (N.E.)).

(N.A.)Ribot (T.).

Lapsychologie des sentiments.

Paris. Alcan, 1897.

1. (N.A.)MiIl (J. S).

A system ofloqtc ratiocinative

and

inductive.

Londres.

Parkr-

1851. 2 vol. (Systéme de logique déductive et inductive. trad. L. Peisse. Parta

Ladrange. 1866.2vol. (N.E.))

PreJace toJames Mül'

s

analysis oJthe phenomel/II

of the

human

mind.,

Londres. Longman'g,

1869.

2. A frase está manifestamente truncada.

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126 Michel Foucault - Ditos e Escritos

1957 - A Psicologia de 1850 a 1950 127

3) O modelo evolucionista. A origem das espécies esteve, na

metade do século XIX, no início de uma renovação considerável

nas ciências do homem; ela provocou o abandono do  mito

newtoniano  e assegurou sua substituição através de um  mito

darwtníano . cujos temas imaginários ainda não desapareceram

totalmente do horizonte dos psicólogos.

É

essa mitologia gran

diosa que serve de cenário ao

Sustême

de

philosophie

de Spencer;

nele, os Príncipes

de

psychologie são precedidos dos Príncipes di:

bioloqie, e seguidos dos Príncipes

de

sociologie.

A

evolução do

indivíduo ali é descrita, ao mesmo tempo. como um processo d('

diferenciação - movimento horizontal de expansão para o

múltí

plo - e por um movimento de organização hierárquica - movírnen

to vertical de integração na unidade; assim procederam as es

pécíes no curso de sua evolução; assim procederão as sociedades

no curso de sua história; assim procede o indivíduo no curso

dr -

sua gênese psicológica, desde o

  feelinq

indeferenciado até

(I

unidade múltipla do corihecímentoê.

Jackson, para a neurologia, Ribot, para a psicologia patológica.

retomaram os temas spencerianos. Jackson define a evolução

dar

estruturas nervosas através de três princípios: ela se faz do

simples ao complexo. do estável ao instável. do mais organizado

ao menos organizado; o que implica, em compensação, que

1 1

doença siga o caminho inverso ao da evolução. e que ela

SI

afronte. a princípio. com as estruturas mais instáveis e mal

recentes. para progredir rapidamente na direção das estrutura

mais sólidas e mais antigas; mas a doença é também

díssocíatívn

a supressão das estruturas superiores provoca uma desíntegn,

ção que descobre e libera as instãncias inferiores9. Ribot traru

feriu as análises neuropsiquiátricas de Jackson para os domínio

da personalidade. dos sentimentos. da vontade. da memória 10

nas amnésias. são as lembranças mais antigas e mais

estável

que permanecem. enquanto são varridas as mais recentes e

1 1

mais superficiais; nas alterações da vida afetíva, os sentimento

('goístas que são também os mais arcaicos reaparecem. assim

como surgem uma vez mais os automatismos. quando a vontade

cI(~smorona. ou as estruturas inconscientes da personalidade,

quando as formas lúcidas são obnubiladas.

A

importãncia do evolucionismo na psicologia deve-se. sem

dúvida. por ele ter sido o primeiro a mostrar que o fato psicológico

un o

tem sentido senão com relação a um futuro e a um passado;

que

seu conteúdo atual assenta-se sobre um fundo silencioso de

rsf ruturas anteriores que o carregam de toda uma história. mas

que

ele implica. ao mesmo tempo. um horizonte aberto sobre o

rvcntual.

O

evolucionismo mostrou que a vida psicológica tinha

lima orientação. Mas. para desligar a psicologia do preconceito

IlI' natureza. restava ainda mostrar que essa orientação não era

ipenas força que se desenvolve, mas significação que nasce.

Adescoberta do sentido

A

descoberta do sentido fez-se. no final do século

xrx.

por

r.nntnhos bem diversos, Mas eles parecem. no entanto. já perten-

( ( 1

a uma paisagem comum. e a mesma direção parece esboçar-

(': trata-se de deixar de lado as hipóteses demasiado amplas e

trais pelas quais se explica o homem como um setor determina-

do do mundo natural; trata-se de retomar um exame mais

Ilgoroso da realidade humana. ou seja. mais de acordo com sua

uu-dída.

mais fiel às suas características específicas. mais apro-

  11

lado a tudo o ue o em. esca a às determinações de

untureza. Tomar o homem. não no nível desse denominaêlor

rumum que o assimila a todo ser vivente, mas no seu próprio

  I

mvel,

nas condutas nas quais se exprime. na consciência em que

reconhece. na história pessoal através da qual ele se cons-

íuutu. ~

.Janet.U sem dúvida. permanece ainda bem próximo ao

evolu-

íouísmo

e aos seus preconceitos de natureza: a hierarquia das

u-ndêncías

que se estende das mais simples e das mais automá-

IIe  ilS (tendência à reação imediata) até as mais complexas e as

ru.rts integradas (ações sociais). a noção de energia psíquica que

reparte entre essas tendências para ativá-Ias são temas que

1r'lllbram Jackson e Ribot. No entanto, Janet chegou a sair fora

8. (N.A.)Spencer (H.),

The principles ojpsychol.ogy.

Londres. Longrnan's,

1RH r.

(Principes

de

psych01ogfe.

trad. A. Espinas e Th. Ribot. Paris. Baíllíére, 2 vnl

2' ed.. 1875 (N.E.)).

9. (N.A.)Jackson. (J. H.). Croonian

lectures

on

the evolution

and

dissolution oj

t

nervous system.

in The

lancet.

29 de março. 5 e 12 de abril de 1884

( RIII

l'évolution et Ia dissolution du systême nerveux , trad.

A.

Partss,

Archlp,'

suisses

de

neurologfe et

de

psychiatrfe.

vol. VIII. 1921. n

Q

2. ps. 293-302;

VI II

IX. 1922. n

Q

1. ps. 131-152 (N.E.)).

10. (N.A.) Ribot (T.).

Les maladfes de Ia mémoire.

Paris,

Baíllíêre,

1878;

1 I

maladfes

de

la volonté.

Paris. Baíllíére,1883;

Les maladfes

de

lapersonnalll,

Paris. Alcan. 1885.

11 (N.A.)Janet (P.),

Les obsessions et lapsychasténfe

(em col. com F. Raymond),

Paris. Alcan, 1903. 2vol.

Les névroses.

Paris. Flammarion. 1909. De

l'angoisse

'.I'extase.

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sur

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128

Michel Foucault - Ditos e Escritos

desse quadro naturalista dando como tema à psicologia não 1 \

estruturas reconstituídas nem energias supostas, mas a condutu

real do indivíduo humano. Por  conduta , Janet não entende estr

comportamento externo de que se esgota o sentido e a realidade,

confrontando-o com a situação que o provocou: é reflexo

reação, não conduta. Há conduta quando se trata de uma

reaçnn

submetida a uma regulação, quer dizer, cujo desenrolar depend

sem cessar do resultado que ela acaba de obter. Essa regulaçà«

pode ser interna e apresentar-se sob a forma de sentimento (1 1

esforço que faz recomeçar a ação para aproximá-Ia do sucesso;

11

alegria que a limita e a conclui no triunfo); ela pode ser externo

e tomar como ponto de referência a conduta do outro: a

condutu

é, então, reação à reação de um outro, adaptação à sua conduíu,

e ela exige, assim, um desdobramento cujo exemplo mais

tipku

é dado pela linguagem que se desenrola sempre como díálog t

 

eventual. A doença, então, não é nem um déficit nem UIlIII

regressão, mas um distúrbio dessas regulações, uma alteraçau

funcional do sentimento: disso é testemunha a linguagem  l

psicastênico que não pode mais regular-se pelas normas

 l

diálogo, mas prossegue em um monólogo sem auditor; testemu

nhas também são os escrúpulos dos obsessivos que não podem

concluir suas ações, porque perderam essa regulação que

1 1 1

permite iniciar e concluir uma conduta.

O surgímento das significações na conduta humana se

II

igualmente a partir da análise histórica. O homem , segundo

Dilthey, não aprende o que ele é ruminando sobre si mesmo, dI

o aprende pela história 12. Ora, o que a história lhe ensina é '1(11

ele não é um elemento segmentar dos processos naturais, nli1

uma atividade espiritual cujas produções depositaram-se suor

sivamente no tempo, como atos cristalizados, significações dOII1

vante silenciosas. Para reencontrar essa atividade originária, S('III

preciso endereçar-se às suas produções, fazer reviver seus S('II

tidos através de uma  análise dos produtos do espírito destínur

1 1 1

a nos dar acesso a um apanhado sobre a gênese do

conjuul«

psicológico . Mas essa gênese não é nem um processo

mecãntcn

nem uma evolução biológica; ela é movimento próprio do espíru«

que é sempre sua própria origem e seu próprio termo. Portan

I11

não se trata de explicar o espírito por outra coisa do que por c  l

próprio; mas, ao se colocar no interior de sua atividade, ao

tenun

12.(N.A.)Dilthey (w.l.

Ideen über eine beschreibende

und

zergliedernde PSIJI'/III

logie

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ps. 129-240.

1957- A Psicologia de 1850a 1950 129

utncídír

com esse movimento no qual ele cria e se cria, é preciso,

IIh'Sde mais nada, compreendê-Io. Esse tema da compreensão,

IICsto à explicação, foiretomado pela fenomenologta que, seguin-

111lusserl, fez da descrição rigorosa do vivido o projeto de toda

IIIHofiatida como ciência. O tema da compreensão conservou

1111alidade; mas, em vez de fundamentá-Ia em uma metapsico-

Itlt- Ia do espírito, como Dilthey, a fenomenologia estabeleceu-a

ilIre uma análise do sentido imanente a toda experiência vivida.

ím, .Jaspers+ê pôde distinguir nos fenômenos patológicos os

IIICCSSOSrgânicos referidos à explicação causal, e as reações

11

os

desenvolvimentos da personalidade que envolvem uma

Ij,llllficação vivida de que o psiquiatra deve ter a tarefa de

11ipreender.

Mas nenhuma forma de psicologia deu mais importãncia à

Ij,llllficaçãodo que a psicanálise. Sem dúvida, ela ainda perma-

  I , no pensamento de

Freud- .

ligada às suas origens

\llll1ralistas e aos preconceitos metafisicoS ou morais, que não

txarn de marcá-Ia. Sem dúvida, há na teoria dos instintos

1I1I llntode vida ou de expansão, instinto de morte ou de repeti-

11)o eco de um mito biológico do ser humano. Sem dúvida, na

IlI'cpção da doença como regressão a um estádio anterior do

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130 Michel Foucault - Ditos e Escritos

1957 - A Psicologia de 1850 a 1950 131

desenvolvimento afetivo, reencontramos um velho tema spence-

riano e os fantasmas evolucionistas de que Freud não nos poupa.

mesmo em suas implicações sociológicas mais duvidosas. Mas a

própria história da psicanálise fez ver esses elementos retrógra-

dos. A importância histórica de Freud vem, sem dúvida, da

impureza mesma de seus conceitos: foi no interior do sistem

freudiano que se produziu essa reviravolta da psicologia; foi no

decorrer da reflexão freudiana que a análise causal transformou

se em gênese das significações, que a evolução cede seu lugar .

história, e que o apelo â natureza é substituído pela exigência de

analisar o meio cultural.

1 Para Freud, a análise psicológica não deve partir de uma

distribuição das condutas entre o voluntário e o involuntário. o

intencional e o automático, a conduta normalmente organtzad:

e o comportamento patológico e perturbado; não há diferença de

natureza entre o movimento voluntário de um homem são e

H

paralisia histérica. Para além de todas as diferenças manifestas.

essas duas condutas têm um sentido: a paralisia histérica tem ()

sentido da ação que ela recusa, assim como a ação intencional

tem o sentido da ação que ela projeta.

O

sentido é coextensivo ti

toda conduta. Alimesmo onde ele não aparece, na incoerência do

sonho. por exemplo. na absurdidade deum lapso, na interrupção

de um jogo de palavras, ele também está presente, mas de uni

modo oculto. E o próprio insensato é sempre uma astúcia do

sentido, uma forma para o sentido vir à tona testemunhando

contra ele próprio. A consciência e o inconsciente não são tanto

dois mundos justapostos; são, antes, duas modalidades de urnu

mesma significação. E a primeira tarefa terapêutica será, atravee

da interpretação dos sonhos e dos sintomas, modificar essn

modalidade do sentido.

2) Quais são essas significações imanentes

à

conduta, mas

 

vezes escondidas da consciência? São aquelas que a hístór í«

individual constituiu e cristalizou no passado em torno de aCOl1

tecimentos importantes: o traumatismo é um transtorno du

significações afetivas (odesmame, por exemplo, que transform.i

a mãe, objeto e princípio de todas as satisfações, em um objeto

que se recusa, em um princípio de frustrações); e quando essa

significações novas não ultrapassam e não integram as sígntíl

cações antigas, então o individuo fica fixado nesse conflito cio

passado e do presente, em uma ambigüidade entre o atual c 11

inatual, o imaginário e o real, o amor e o ódio, sinal maior dl

conduta neurótica.

O

segundo tema da terapêutica será, portal  

10 .

a redescoberta dos conteúdos inatuais e das significações

passadas da conduta presente.

3) Por mais assombrada que ela seja pelo passado, a conduta

1

iao deixa de ter um sentido atual. Dizer que um sintoma reproduz

Imbolicamente um traumatismo arcaico implica que o passado

não invada totalmente o presente, mas que o presente se defenda

rontra sua reaparição.

O

presente está sempre em dialética com

u próprio passado; ele o recalca no inconsciente, ele separa

uas significações ambíguas; ele projeta sobre a atualidade do

mundo real os fantasmas da vida anterior; ele transpõe seus

temas para níveis de expressão reconhecidos vâlidos (éa sublí-

mação): em suma, ele eríge todo um conjunto de mecanismos de

defesa que a cura psicanalítica tem oencargo degirar reatualizan-

do as significações do passado pela transferência e pela ab-rea-

~'é·lO.

4) Mas qual é o conteúdo desse presente? Qual é seu peso ante

.1 massa latente do passado? Se ele não é vazio, ou instantâneo,

  na medida em que ele é essencialmente a instância social, o

runjurrto de normas que, em um grupo, reconhece ou invalida tal

0\1

tal forma de conduta. A

díalétíca

do passado e do presente

u-flete o conflito entre as formas individuais de satisfação e as

normas sociais de conduta, ou ainda. como diz Freud, entre o  id 

o superego : o ego ,com os mecanismos de defesa, é o lugar

c le

seu conflito e o ponto onde a angústia faz irrupção na

r-xtstêncía. Notratamento psicanalítico, o papel do terapeuta é.

[ustamente, através de um jogo de satisfação e de frustração,

n-duzír a intensidade do conflito, flexibilizar a dominação do  id

do superego , ampliar e abrandar os mecanismos de defesa;

  <  não tem o projeto mítico de suprimir o conflito, mas de

11 .msformar sua contradição neurótica em uma tensão normal.

Aolevar a seus limites extremos a análise do sentido, Freud

r l r - u sua orientação à psicologia moderna; se ele foi mais longe

11 IC Janet e que Jaspers, é por ter conferido um estatuto objetivo

i

significação; ele buscou reapreendê-Ia no nível dos símbolos

xpressívos, no próprio material do comportamento; ele lhe deu

inmo conteúdo uma história real. ou melhor, o afrontamento de

duas histórias reais: a do indivíduo, na seqüência de suas

r-xpertêncías vividas, e a da sociedade, nas estruturas pelas quais

1'\01e impõe ao indivíduo. Nessa medida. pode-se ultrapassar a

oposição .entre o subjetivo e o objetivo, entre o indivíduo e a

ucíedade. Um estudo objetivo das significações tornou-se pos-

ivel.

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132 Michel Foucault - Ditos e EscIitos

1957- A Psicologia de 1850a 1950 133

o estudo das significações objetivas

nem processo causal; esse  campo fenomenal  define a objetivi-

dade pela pregnância e constância das figuras; e ele substitui o

processo causal por toda uma interação de forças entre o sujeito

(' o meio. O campo dinãmico do comportamento torna-se. assim.

()objeto maior da psicologia.

2) Evolução

e

gênese. Essas estruturas de conjunto e as

significações que habitam nelas evoluem no decorrer do devir

Individual. Para certos psicólogos. como Gesell.I? a emergência

Ias estruturas se faz na conduta por uma maturação surda dos

('squemas fisiológicos. Para outros, como Kuo, ela se faz pela

coesão progressiva de condutas segmentares e adquiridas que.

pelaforça de iteração da facilitação, organizam-se em estereótipos

rais de condutas lê.

Entre essas duas formas extremas de interpretação, a psícolo-

~Iagenética, depois de Baldwin, busca levar em conta a matura-

çã o

e a aquisição, o desenvolvimento necessário e o progresso

ligado ás circunstâncias. Piaget

19

atribui o máximo ao desenvol-

vimento necessário das estruturas ao mesmo tempo biológicas e

lógicas; ele busca mostrar no desenvolvimento das primeiras -

desde as que são irreversivelmente orientadas e concretas até as

que são reversíveis e abstratas, desde a reação imediata

 

opera-

ção

técnica - um processo que refaz em sentido inverso a marcha

da história das ciências - desde a geometria euclidiana até o

cálculo vetorial e tensorial: o devir psicológico da criança não é

senão o inverso do devir histórico do espírito. Em contrapartida,

Wallon atribui o máximo ao meio, mostrando na individualidade

psicológica não um dado, mas um resultado, como o ponto de

Interferência entre os movimentos centrípetos da emoção. da

simpatia, da fusão afetiva, e os movimentos centrífugos

dsr

expe-

ríêncía

do outro e do reconhecimento de si. O pensamento não é,

portanto, o modelo lógico e já constituído da ação, mas é o ato

desdobrando-se em um meio que se constitui como pensamento,

••ravés da intermediação do rito, do símbolo e, finalmente, da

Esse estudo recobre um domínio do qual não podemos, aqui.

senão delimitar as regiões essenciais.

1) Elementos e

conjuntos O behaviorismo,15 inaugurado por

Watson, busca o sentido adaptativo das condutas a partir das

manifestações objetivas do comportamento. Sem fazer intervir a

experiência vivida, nem mesmo o estudo das estruturas nervosas

e de seus processos, deve ser possível, confrontando a análise das

estimulações com a das reações, reencontrar a unidade do com-

portamento. Watson propõe como axioma: Uma resposta é exe-

cutada ante todo estímulo efetivo e a resposta é imediata.

Portanto, todo comportamento deve explicar-se a partir de uma

constelação estimulante, sem apelar para entidades como o

instinto, a consciência, a liberdade; inversamente, a toda es-

timulação há que se buscar uma resposta, ao menos implícita.

como é o caso das reações vegetativas (as emoções), ou das

reações laríngeas silenciosas (opensamento). Para o behavíorís-

mo molecular, essa análise deve fazer-se por segmentos tão

elementares quanto possível; para o behavíorísmo molar, ela dev

seguir as articulações significativas dos conjuntos (concepção do

Siqn-Gestali: em Tolman). Mas, em todos os casos, o projeto do

behaviorismo é.na verdade, aquele definido por Boring: constituir

uma psicologia científica do meaning .

Reencontramos os mesmos problemas na psicologia da forma:

qual é o domínio de objetividade das condutas significativas? E

estudo dessas significações deverá ser feito de uma forma seg

mentar ou global? Na Gestalt-Theoríe, é o segundo problema qu

domina o primeiro, e comanda sua solução-ê, Wertheimer, Kõhler

e Koffka mostram que são as qualidades estruturais da es-

timulação que motivam, em seu aspecto geral, respostas como

percepção que articula o campo, a inteligência que o reestrutura,

a emoção que embaralha suas linhas.

É

preciso, portanto. aban-

donar a hipótese de uma ação imediata dos estímulos locais

definir a relação entre a constelação estimulante e a resposta.

através de um campo que não implique nem objetividade natural

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134

Michel Foucault - Ditos e Escritos

representação-v. O devir psicológico não é o desenvolvimento d

estruturas inteiramente preparadas. ele é a preparação efetiva d

estruturas adultas; não se trata mais de evolução espontãnea,

mas de gênese ativa.

3) Performances e aptidões. Um outro problema colocado pel

existência dessas significações objetivas é o de suas manifes

tações,

seu afloramento no domínio da observação. Ele se dá sol

duas formas: a da performance, da realização. da Leistung. com

dizem os alemães. e a da expressão.

A psicologia tradicional era uma psicologia do virtual; a.

faculdades não se inscreviam nunca senão entre as possibilid

des abstratas. É atualmente no nível mesmo do real, e no quadro

por ele definido, que se buscam determinar as eventualidades do

comportamento. Disto surgiu o princípio do teste. devido a Cattcll

e a Binet, e definido como uma prova estandartizada cujo resul

tado é estimado por comparação estatistica entre os indivíduos 1 1

ele submetidos. Quanto às crianças retardadas. Binet e Simon

21

foram os primeiros a buscar definir o nível mental de UJII

indivíduo, em relação aos sujeitos de sua idade; o teste tomo.

então, a forma de uma escala de desenvolvimento. O ímens«

acaso dos testes mentais conduziu Spearman

22

a definir CO 1l0

critério de inteligência as únicas perfortnances que se podem

aferir sob a forma de testes: a inteligência seria um fator geral

que. em um grau mais ou menos elevado segundo a natureza d

prova. daria conta de uma parte das performances, em todos o

testes de aptidões. A determinação da importãncia do fator 9

  11 1

tal ou tal prova se faz por uma elaboração estatística, um cálci 1111

de correlações que estão na origem da análise fatorial. Mais tartk

Thurstoneêê. Thomson e Vernon praticaram o método de análtuo

multifatorial, que também. através do mesmo método de

análl-«

estatística das perfortnances, busca determinar ao lado, ou eVl11

tualmente no lugar do

fator g.

fatores polimorfos (aptidão

verb.rl

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1957 - A Psicologia de 1850 a 1950 135

compreensão espacial. aptidão numérica). Em todo esse movi-

mento fatoríal, a objetividade das significações só é mantida e

~arantida pela fragilidade das relações estatísticas que alteram

sua necessidade e a despojam de todo conteúdo efetivo.

4) A expressão e o caráter. Em compensação, as psicologias da

expressão e do caráter esforçam-se em reapreender o conteúdo

das significações na forma da necessidade individual. Esse con-

teúdo

individual aflora, em primeiro lugar. em todos os fenõme-

nos da projeção e sobretudo na projeção sobre um estímulo pouco

diferenciado. de interpretações que lhe emprestam um sentido

Imaginário: é o princípio das provas de Rorschach e de Muway

(manchas de tinta. imagens de cenas humanas). Ele afIora igual-

mente nesses outros fenômenos de expressão constituídos pelos

[ulgamentos que se têm de si mesmo, ou ainda pela imagem que

nós damos a nós mesmos (é esse domínio que os questionários

It'Heymans ou de Woodworth exploram). Há, aproximadamente,

tantas características quantos métodos de investigação. Mas

deve-se notar o prestígio da grande oposição delineada por Bleu-

ler entre o tipo esquizóide (tendência ao fechamento sobre si

mesmo. ao autísmo, à ruptura de contato com a realidade) e o

-nráter ciclóide (tendência à expressão. à labilidade afetíva. ao

rontato permanente com o mundo exterior).

Tal como o mundo verbal e o universo imaginário, o corpo

nesmo detém um valor expressivo; esta idéia, desenvolvida por

lager, encontra sua validade tanto na estrutura geral do corpo

uanto em suas manifestações patológicas. O aspecto

morfológí-

)do organismo é posto por Kretschemer e Sheldon em relação

im a estrutura do caráter: o corpo simboliza com ela em uma

mídade na qual pode decifrar-se um estilo geral de reação

ícocorporal'v+. Pela via da análise simbólica na qual os sinais

orporaís são lidos como uma linguagem. a psicanálise mostrou

caráter expressivo do corpo e denunciou a origem psícogêntca

  certas síndromes orgãnícas: sistematizando essa pesquisa,

Irxander

25

pôde mostrar a ligação de doenças como a híperten-

()ou a ulceração das vias digestivas com as estruturas

neuró-

írus que as provocam ou que se exprimem nelas.

(N.A.)Sheldon  W.  em col. com Stevens  S. , The

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136 Michel Foucault - Ditos e Escritos

5) Conduta e instituições. Expressas ou silenciosas. as sígnífl

cações objetivas das condutas individuais são ligadas por um laço

de essência à objetividade das significações sociais: as obras de

.Janet, de Freud, de Blondel

26

tentaram destacar esse elo.  Con

duzír-se só pode ter sentido em um horizonte cultural que dà

ú

conduta sua norma (sob o aspecto do grupo). o tema. enfim. que

a orienta (sob as espécies da opinião e da atitude): estes são os

três grandes setores da psicologia social.

O estudo das instituições busca determinar as estruturas de

base de uma sociedade; isolar as condições econõmicas com sua

incidência direta sobre o desenvolvimento do indivíduo e sobre

as formas pedagógicas. no sentido amplo. que Kardiner

desígnn

como  instituições primárias ; descrever a maneira como o ín

divíduo reage a essas instituições. como ele integra experíêncías,

como ele projeta enfim os temas maiores sob a forma do mito. d n

religião. das condutas tradicionais. das regras jurídicas e social

que se definem como instituições secundárías'v . Essa problr

mátíca definida com precisão por Kandiner està presente dI

maneira mais ou menos difusa em todos os estudos

antropolóat

cos, quer eles estudem as populações primitivas (M.Mead ('111

Sarnor, R.Benedict no NovoMéxico.Linton em Madagascar),

quct

se esforcem em desafiar eiras culturais mais desenvolvidas. com«

Linton em Plainville.

Os problemas do grupo concernern, ao mesmo tempo. ao jogll

de interação dos indivíduos que estão empresença direta uns cio

outros. e à experiência - vivida por cada um dos membros

(111

grupo - de sua situação própria no interior do conjunto. Morcun

focalizou métodos deanálise do grupo. pelos quais se determíru 1III

valências positivas ou negativas que unem eopõem os índívíduo

em uma constelação característica do grupo. Ele tentou. io('11I

síve, estabelecer. sob o nome de sociodrama. uma terapêutica

d)

grupos. que permitiria. assim como na análise individual.

1111 1

esclarecimento e uma atualização dos temas afetivos latentes. clll'

conflitos ou das ambivalências cujas relações manifestas

1 ' 1

subentendidas. e que tornaría possível. por essa via. uma

1('(1

daptação mútua. e uma restruturação afetiva do grup028.

26.

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1957 - A Psicologia de 1850 a 1950 137

A análise das opiniões e das atitudes busca determinar os

fenômenos coletivos que servem de contexto às condutas afetivas

do indivíduo. assim como às suas operações intelectuais de

percepção. de julgamento e de memória. Essas pesquisas são

quantitativas antes de serem estruturais e se apóiam sempre

sobre a elaboração de dados estatísticos: mede-se. assim, a

extensão de uma opinião através de investigações feitas sobre um

~rupo representativo de uma população em seu conjunto. ou

ainda a força de uma atitude em um grupo de indivíduos. através

do apego comparado que ele manifesta com relação a tal ou tal

opinião. O caráter coletivo dessas opiniões. dessas atitudes per-

mite extrair a noção de estereótipo. espécie de opinião generalí-

da e cristalizada que provoca. em função de atitudes prees-

rnbelecídas. reações sempre ídêntícas-ê.

o fundamento das significações objetivas

Todas essas análises designificações objetivas situam-se entre

IIS dois tempos de uma oposição: totalidade ou elemento; gênese

tnteltgível

ou evolução biológica; performance atual ou aptidão

pc'rmanente e implícita; manifestações expressivas momentáneas

11\1

constáncia de um caráter latente; instituição social ou con-

chitas individuais: temas contraditórios cuja distáncia constitui

, dimensão própria da psicologia. Mas cabe à psicologia ultrapas-

li 10s. ou deve ela se contentar de descrevê-los como formas

uipírícas, concretas. objetivas. de uma ambigüidade que é a

marca do destino do homem? Diante desses limites. deve a

pslcología liquidar-se como ciência objetiva e desviar-se em uma

 

r-llexãofílosófíca que contesta sua validade? Ou ela deve buscar

clc'scobrir fundamentos que. se não suprimem a contradição.

pc'rmitem ao menos dar conta dela?

Os esforços mais recentes da psicologia vão nessa direção e.

IllI'sar da diversidade de sua inspiração. pode-se resumir sua

Ignlficação histórica deste modo: a psicologia não mais busca

[unvar sua possibilidade por sua existência, mas fundamentá-Ia

I partir de sua essência. e ela não mais busca suprimir. nem

un-srno atenuar suas contradições. mas sim justificá-Ias.

1\

cibernética está longe. assim parece. de um semelhante pro-

to, Sua positividade parece afastá-Ia de toda especulação. e se

I (N.A.)Cantril (H.). Gauging public opinion. Princeton University Press. 1947.

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http://slidepdf.com/reader/full/foucaultpscologia18501950pdf 10/10

138 Michel FoucauIt - Ditos e Escritos

1957 - A Psicologia de 1850 a 1950 139

ela toma por objeto a conduta humana, é para encontrar nela,

um só tempo, o fato neurológico dos circuitos em

Jeedback 

os

fenômenos fisicos da auto-regulação e a teoria estatística

da

ínforrnaçãoôv,

Mas, ao descobrir nas reações humanas os

processos mesmos dos servomecanismos, a cibernética não r,

torna a um determinismo clássico: sob a estrutura formal da,

estimações estatísticas, ela deixa espaço às ambigüidades

dos

fenômenos psicológicos e justifica, do seu ponto de vista,

ai

formas sempre aproximadas e sempre equívocas do conhecI

mento que podemos ter.

Em um outro sentido, a ultrapassagem da psicologia se faz em

direção a uma antropologia que tende a uma análise da exístênctn

humana em suas estruturas fundamentais. Reapreender o ho

mem como existência no mundo e caracterizar cada homem pelo

estilo próprio a essa existência é, para L.

Bínswanger,

para

J

I

Kung, atingir, mais além da psicologia, o fundamento que lhe dI 

sua possibilidade e dá conta de suas ambigüidades: a

psícologtn

aparece como uma análise empírica da maneira segundo a qual

a existência humana seoferece no mundo; mas eladeve assentar

s7:'0~ a análise existencial da maneira segundo a qual eSSlI

ealidade\humana se temporaliza, se espacializa e, fínalmentc.

\. projeta

tftn

mundo: então, as contradições da psicologia, ou II

 àmbigttldade das significações que ela descreve, terão encontrado

sua razão de ser, sua necessidade e, ao mesmo tempo,

sun

contingência, na liberdade fundamental de uma existência qut

escapa, com todo o direito, à causalidade psícológícaô

l.

Porém, a interrogação fundamenta permanece. Nós mo,

tramos, no início, que a psicologia científica nasceu das contra

díções encontradas pelo homem em sua prática, e que, por ouI

 

lado, o desenvolvimento dessa ciência consistiu em um

lenln

abandono do positivismo que a alinhava, no começo, com

1 1

ciências da natureza. Esse abandono e a análise nova das siglll

ficações objetivas puderam resolver as contradições que o mot I

varam? Não parece, uma vez que nas formas atuais da

psícolouln

reencontramos essas contradições sob o aspecto de uma arnhí

güidade que se descreve como coextensiva à existência humana

Nem o esforço em direção à determinação de uma

causalídadr

estatística, nem a reflexão antropológica sobre a existência poderu

ultrapassá-Ias realmente, quando muito, podem esquivar-se de-

las, quer dizer, encontrá-Ias finalmente transpostas e travestidas.

O futuro da psicologia não estaria, doravante, no levar a sério

r-ssas

contradições, cuja experiência, justamente, fez nascer a

psicologia? Por conseguinte, não haveria desde então psicologia

possível senão pela análise das condições de existência do homem

'0

pela retomada do que há de mais humano no homem, quer dizer,

ua história.

30. (N.A.)Wiener (N.).

Cybemetics

or

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