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luis carlos serra Sábado, 14 de Janeiro 2012 ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DO PÚBLICO E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE Guimarães Aqui vai nascer a festa da Capital da Cultura

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luis carlos serra

Sábado, 14 de Janeiro 2012

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nascer a festa da Capital

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Sumário

6 Bahrein

Na próxima semana

Capa A escolha dos leitores

38 Motores

As velhas casas do souq convivem, ainda que à distância, com os prédios gigantes que beijam os céus, as raízes namoram

com a modernidade e nem sequer a tensão política, pouco mediatizada fora das fronteiras, pode servir de pretexto para

não visitar o Bahrein onde, conforme constatou Sousa Ribeiro, os portugueses deixaram a sua herança.

Estrelas de cinco pontas, monolitos sacrificiais, quadros ecuménicos, montanhas sagradas e até carvalhos justiceiros: há todo um país por descobrir nos bastidores das belezas do costume. Luís Maio segue Paulo Loução numa viagem com alma pelos “lugares inesquecíveis” de Portugal.

É já daqui a uma semana que Guimarães é investida como Capital Europeia da Cultura (divide o palco com Maribor, na Eslovénia, mas essa é outra conversa). A Fugas de hoje mostra-lhe tudo o que não pode perder na cidade-berço — e há muito mais Guimarães para além do Castelo e do Paço dos Duques, conforme explica Sérgio C. Andrade, que pediu aos arquitectos Alexandra Gesta e Ricardo Rodrigues para o guiarem numa visita para lá da cidade mais óbvia. Com tantas andanças, é natural que os estômagos se ressintam e José Augusto Moreira deixa sugestões de mesas muito distintas. Para os conselhos da noite, contamos com o residente Samuel Silva, que traz propostas de lugares para dormir em Guimarães e ainda elenca os bares que estão a dar cartas na movida vimaranense. Finalmente, Natália Faria regressa a Guimarães, um lugar onde foi feliz.

Foi uma estreia na história de quase 12 anos da Fugas: pela primeira vez, a capa da revista que hoje chega às bancas foi escolhida pelos leitores. Num primeiro momento, seleccionámos três fotos de Nelson Garrido, postas à consideração dos leitores no Facebook da revista. Às 19h de segunda-feira (antecipadamente dada como hora final da recolha de opiniões), a fotografia preferida somava 616 “gostos” e mais de uma centena de comentários — além de centenas de opiniões sobre a iniciativa ou as outras imagens. Em cima, publicamos as outras duas opções de fotografia de capa. A propósito, cumpre-nos agradecer aos leitores a participação registada.

Numa época em que o grupo Chrysler é controlado pela Fiat, o novo Jeep Grand Cherokee mantém a sua essência norte-americana e encontra-se agora mais próximo dos “tenores”

germânicos do seu segmento. Já a Renault decidiu reagir à crise propondo cinco anos de garantia em Portugal. Quem também

está mais adaptado a estes tempos de contenção é o trio Citroën C1, Peugeot 107 e Toyota Aygo. Por último, conheça ainda os seis

finalistas do troféu Carro do Ano 2012.

Fu gas - Via gens, Lazer, Pra ze res e Mo tores • Di rec ção Bárbara Reis • Edi ção Sandra Silva Costa, Aníbal Rodrigues (Motores) e Luís J. Santos (Online) • Edi ção Fo to gráfi ca Paulo Ricca, Manuel Roberto • Design Mark Porter, Simon Esterson, Kuchar Swara • Directora de Arte Sónia Matos • Designers Daniela Graça, Joana Lima e José Soares • Infografia Cátia Mendonça, Célia Rodrigues, Joaquim Guerreiro e José Alves • Se cre ta ria do Lucinda Vasconcelos • Tratamento de imagem Delfim Machado (Coordenador), Bruno Esteves, Paula Paço, Paula Martins, Paulo Lopes, Vítor Gaspar, Valter Oliveira • Re dac to res Aníbal Rodrigues, Carla B. Ribeiro, Luís Filipe Sebastião, Luís J. Santos, Isabel Coutinho, João Palma, José Augusto Moreira, Natália Faria, Pedro Garcias, Rui Falcão, Samuel Silva, Sérgio C. Andrade, Sousa Ribeiro e Tiago Salazar • Foto da capa: Nelson Garrido • Fu gas Praça Coronel Pacheco, 2, 4050-453 Porto • Tel.: 226151000 • E mail: fu gas@pu bli co.pt • fu gas.pu bli co.pt • FUGAS nº 608

Ficha Técnica

Panados e bolo de bolacha

Não tenho sessões de cineclube para a troca, tão-pouco fi ns de tarde nas esplanadas do Largo da Oliveira, muito menos vitela debaixo de uma ramada de vides — é só ler a crónica de Natália Faria para saberem do que estou a falar.

Também não tenho festivais de world music, mas aposto que mais ninguém tem um bolo de bolacha a desfazer-se (o pior de todos os tempos) e uns panados quase estragados (e não percebi como é que não fomos todos parar ao hospital) saboreados numa sombra fresca da Penha num domingo qualquer de um tórrido Agosto.

Éramos turistas, pois então!, auto-despejados na Penha com a cesta de piquenique — e depois, ordeiros, descemos ao Castelo, ao Paço dos Duques, meia-volta no Toural e pronto, está Guimarães cumprida, venha a próxima cidade, que Portugal até pode ter nascido aqui, mas Portugal é maior e ainda é nosso, temos mais cidades para ver.

Isto eram os anos de 1990, nem 20 anos tínhamos e basicamente queríamos era curtir a vida sem muitas preocupações. Fomos voltando a conta-gotas, já com idade para termos juízo, e demorámo-nos na Colegiada, no Museu de Alberto Sampaio, até jantámos no Largo da Oliveira e ainda entrámos no espírito das Nicolinas, a festa maior de Guimarães.

A partir da próxima semana, começa outra festa na cidade de onde houve Portugal. Sábado, 21, Guimarães é investida Capital Europeia da Cultura. Houve um longo caminho a percorrer até que chegasse a este estado de coisas — e é isso que explica hoje Natália Faria. Sérgio C. Andrade, por seu lado, traça um roteiro histórico e arquitectónico que pode cumprir quem por este ano visitar a cidade, José Augusto Moreira elenca as casas de bem comer vimaranenses e Samuel Silva passa em revista os sítios para dormir e para os copos pela noite dentro.

Ou seja, se pretender visitar Guimarães enquanto tem a coroa da cultura europeia, já percebeu que não pode deixar de fora da bagagem um exemplar da Fugas de hoje. Não há desculpas: se não couber, só tem que saltar fora o Tupperware dos panados — podem estragar-se, como os nossos.

Check in

Sandra Silva Costa

18 Capital Europeia da Cultura

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Navegador

ÓbidosCake DesignEstão em exposição no Chocolate Lounge, em Óbidos, até ao final deste mês, os 12 bolos criativos que participaram na Feira de Natal/Natalis, em Lisboa. Estas autênticas obras artísticas juntam-se assim à restante exposição de 35 bolos, já patente no âmbito da Óbidos Vila Natal.

PortoComo se faz cinema de animaçãoO Museu Nacional Soares dos Reis,

no Porto, acolhe até 15 de Abril a exposição Territórios Animação,

que explica como se faz cinema de animação. Organizada pela Casa da

Animação, esta mostra apresenta alguns princípios e técnicas de animação e são desenvolvidas

oficinas vocacionadas para todas as idades.

Vila RealFestival de Ano NovoSob o mote Música Séria Para Gente Divertida, o FAN- Festival de Ano Novo, que acontece anualmente em Vila Real e Bragança, leva a música erudita a locais históricos da região de Trás-os-Montes e Alto Douro. Destaque nesta edição para os concertos de Pedro Burmester, um dos mais importantes pianistas portugueses. Da agenda fazem parte também o Quarteto Portocello, Camarata NovNorte e para o público mais pequeno o espectáculo AlibaBach, da Companhia de Música Teatral. Termina a 28 de Janeiro.

LisboaIlustração para a infânciaSão cerca de 50 os artistas de todo o mundo que expõem os seus trabalhos na Ilustrarte - Bienal Internacional de Ilustração para a Infância, inaugurada no passado dia 12, no Museu da Electricidade, em Lisboa. Na 5.ª edição deste evento participam quatro portugueses (André Letria, Bernardo Carvalho, André da Loba e Daniel Lima) e o italiano Valerio Vidali, vencedor do prémio Ilustrarte 2012. Da programação faz também parte uma retrospectiva do ilustrador italiano Martin Jarrie e um apontamento biográfico sobre o escritor português António Torrado. Para ver até 8 de Abril.

Música no metroHá de tudo um pouco: Janeiras, oferta de livros, chocolate quente, fotografias, bigodes e sorrisos, espectáculos de break dance, face reading, ilustração em 3D, poesia improvisada e danças de salão são algumas das actividades agendadas para o mês de Janeiro para a estação de metro Baixa-Chiado PT Bluestation. À semelhança dos meses anteriores, todas as sextas-feiras, às 21h, há música portuguesa em actuações sem palco. No dia 20 estão convidados os Alucina e no dia 27 é a vez dos ALF. No sábado, dia 21, entre as 15h e as 18h, haverá outro momento musical com o Músicas com Alma, que conta com a actuação de músicos e cantores que os lisboetas estão habituados a ver nas ruas da cidade.

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NELSON GARRIDO

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ParisURSS fin de parti(e)A exposição URSS fin de parti(e), patente no Museu de História Contemporânea de Paris desde o passado dia 2 de Dezembro, conta a história dos dias da perestroika, tendo como personagem principal Mikhael Gorbatchev. Através de duas centenas de documentos, fotografias, vídeos, cartazes, jornais soviéticos, escritos de dissidentes e cartas de particulares dirigidas aos governantes, conheça melhor este período da História. Em Dezembro de 1991, a URSS desaparecia. Aberto ao público até 26 de Fevereiro.

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Os textos, acompanhados preferencialmente por uma foto, devem ser enviados para [email protected]. Os relatos devem ter cerca de 2500 caracteres e as dicas de viagem cerca de 750. A Fugas reserva-se o direito de seleccionar e eventualmente reduzir os textos, bem como adaptá-los às suas regras estilísticas. Os melhores textos, publicados nesta página, são premiados. Esta semana com um exemplar da colecção Arquitectos Portugueses. Mais informações na Fugas online.

As fugas dos leitores

Tesouros da GuatemalaQuando, em 1996, visitei o México, recordo que em San Cristóbal de las Casas o guia referiu que esta cidade já tinha pertencido à Guatemala e que para lá das montanhas que avistávamos fi cava aquele país, em guerra civil há 36 anos.

Imaginei o terror do lado de lá, ali tão perto de nós a desfrutarmos de paisagens maravilhosas, monumentos e parques arqueológicos fabulosos, num clima colorido, acolhedor e de alegria contagiante. A imagem que construí da Guatemala perseguiu-me até 2008, quando constatei, in loco, que a guerra tinha terminado exactamente em 1996.

Encontrei um país já sem vestígios dessa calamidade, com belíssimos hotéis e uma vasta oferta de património histórico, arqueológico e paisagístico. A Fugas de 12 de Novembro, através da reportagem de Filipe Morato Gomes, despertou em mim a vontade de relatar o que vi e senti neste país que está a apostar no turismo mas, tal como comenta a Sandra Silva Costa, não é dos países com melhor reputação na América Central. E nós comprovámo-lo em Chichicastenango… Contudo, se usarmos de todas as cautelas, podemos desfrutar do muito que ele tem para nos oferecer. Esta cidade fi cou bem registada na lembrança também pela amálgama de cores berrantes dos trajes maia, do artesanato, do mercado e da Igreja de Santo Tomás.

E depois o lago Atitlán, considerado um dos mais belos do mundo e onde o povo acredita que os maias lavaram a alma e se despiram dos seus pecados. Pernoitámos na sua margem e isso permitiu-nos contemplá-lo

na quietude do jardim do hotel, por entre estatuetas e canteiros de viçosas e coloridas fl ores. Saborear ao fi m da tarde o cenário de um lago azul, sereno, com dois vulcões a saírem-lhe das entranhas, ver o pôr do sol, seus refl exos de carmim entre as nuvens a projectarem-se na água, navegar entre os vulcões Tolimán e San Pedro para chegar a Santiago de Atitlán, são inesquecíveis momentos de magia.

Seguimos para Antigua, património cultural da humanidade. Esta cidade colonial, devido a um terramoto ocorrido em 1773, parou o seu crescimento e os seus habitantes mudaram-se para a Nova Guatemala de Assunção (cidade de Guatemala). Deambulámos pelas suas ruas, oásis de paz e tranquilidade, visitámos ruínas de conventos, catedrais e igrejas. Nos arredores, percorremos uma fazenda de café e fi cámos a conhecer o trajecto da saborosa bebida desde a planta até à chávena.

E eis-nos em Tikal, cidade pré-colombiana, construída no período clássico dos maias e embrenhada na selva tropical. Possui as construções mais altas da cultura maia e calcula-se que, no seu apogeu, mais de 10.000 pessoas a habitaram, sendo nesse período a cidade mais importante da América Central. Observar templos, palácios e pedras cuja história nos remete à remota civilização, conhecer o seu modo de vida, cultos, crenças e lendas, subir ao topo das pirâmides, admirar a paisagem das alturas e ver monumentos a emergirem de um verde luminoso, parecendo navegarem na selva como se de mar se tratasse, é uma emoção que frequentemente me abre, de par em par, a janela da Guatemala.

Maria Clara Costa

A Rota dos EscritoresOrganizada pela Cistertour, participei na viagem designada Rota dos Escritores, que englobava visitas à Casas-Museu de Miguel Torga (Coimbra), Eça de Queiroz (Tormes), Teixeira de Pascoaes (Amarante) e Camilo Castelo Branco (Seide).

Assim, em Seide*, comecei de manhã tranquilo, o caminho de Camilo, fi -lo expectante, ante tal fi lão de obras ímpares, imortais, tais que a nossa memória reterá, como a sua história.

Eça. Essa sua magia de nos levar ao saber, sabores também inesquecíveis, tangíveis,

a escrita, a dita, qual musa inspiradora, é hora de conhecer mais da obra de Pascoaes.

Torga, outorga a sapiência plural, agreste, singela e bela, Portugal se não leste este teu autor dor hás-de penar, sua pena ousou pintar de cores perfumadas as urzes dos trilhos percorridos tantas vezes.

* Também aparece com a grafi a Ceide, mas seguimos a forma como Camilo escrevia o nome daquele local, segundo informação da inexcedível e competentíssima guia da Casa-Museu, Cândida Faria.

José P. Costa

St. MoritzFestival gourmetSt. Moritz é uma importante cidade turística, principalmente no Inverno, pela famosa estação de esqui, mas há outras atracções que completam o leque de ofertas aos turistas, como corridas de cavalos e competições de pólo, a pista olímpica de trenó, o Festival de Música Snow & Symphony, o Open Festival e o Festival Gourmet. Este último recebe, de 30 de Janeiro a 3 de Fevereiro, famosos chefs de toda a Europa, que prometem uma combinação fantástica para os amantes do esqui e os apreciadores de uma cozinha requintada. Convidados para esta edição estão nomes como o chef Régis Marcon, Enrico & Roberto Cerea, Ronny Emborg, Tanja Grandits e Christian Bau.

conformes, Tormes, tormentos e vicissitudes, virtudes, que apetece desfrutar, viajar, e tanto para descobrir.

Amarante, perante o amor, a poesia, dizia o vate insatisfeito, feitio introvertido, vertido para

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Ásia

Contrastes no país das mil pérolasAs velhas casas do souq convivem, ainda que à distância, com os prédios gigantes que beijam os céus, as raízes namoram com a modernidade e nem sequer a tensão política, pouco mediatizada fora das fronteiras, pode servir de pretexto para não visitar este país onde, conforme constatou Sousa Ribeiro (texto e fotos), os portugueses deixaram a sua herança

Bahrein

Praia de Al-Jazayer

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Dominado por um frémito de energia, deitei um último olhar às 40 bandeiras que se erguiam sob aquele céu escuro, deixei o parque de estacionamento para trás e caminhei ao longo da avenida do aeroporto, resgatando, aqui e acolá, fragmentos do meu passado à boleia, até que um carro, ligando os quatro piscas no momento em que se detinha, me despertou para a vida terrena. A janela abriu-se e dela assomou um rosto simpático.

- Para onde vai?- Para Manamá – respondi.- Ah! Como vi que era

estrangeiro, pensei que fosse para Muharraq, onde vive a maior parte dos expatriados. Vou precisamente na direcção oposta.

- De qualquer forma, obrigado pela atenção.

Ele colocou o capacete no banco de trás e disse:

Numa pequena praça, à sombra de uma árvore que se recorta no centro, homens idosos de keff yieh na cabeça vendem anéis e pérolas de múltiplas cores que se estendem num pano no chão. Quando me embrenho no souq, para sentir o pulsar da cidade, desenho na minha mente a história da pesca de pérolas que, no seu auge, chegou a movimentar mais de 2500 dhows, os barcos típicos de madeira, e nas vidas ceifadas em águas infestadas de tubarões. E imagino homens mergulhando, ora angustiados, ora ansiosos, com o corpo untado para melhor protecção do frio, uma pega no nariz, por vezes feita da carapaça de uma tartaruga, uma faca na mão, descendo até às profundezas, perscrutando ostras ou mexilhões em cujo interior sonhavam encontrar uma pérola valiosa.

Abandono, por momentos, os meus pensamentos para me entregar aos prazeres de um café matinal, ao ar livre, olhando o aviso que pede aos transeuntes para manterem Manamá limpa. E a cidade é, de uma forma geral, uma cidade asseada. E, enquanto caminho por aquelas ruas estreitas sob os raios tépidos da manhã, sentindo o cheiro a especiarias que fl utua no ar, retomo as minhas divagações sobre a indústria perolífera motivado por aquela μ

Viagens

- Venha daí. Eu levo-o a Manamá.O trânsito era escasso àquela

hora da noite que já ia adiantada e o mar, na sua quietude, devolvia a luz ocre dos candeeiros, vizinhos de uma ou outra árvore cujas folhas eram atormentadas pelo vento.

- Quer dizer que não tem qualquer fobia aos árabes?

A minha memória era agora assaltada por tantas memórias, da Síria ao Líbano, de Omã ao Iémen, dos Emirados à Jordânia, de Marrocos ao Egipto, que teimam em declinar qualquer perturbação fóbica e me remetem para um mundo de gente afável e hospitaleira. Sempre que regresso a esse passado cada vez mais longínquo, a minha alma transborda de recordações.

Quando a Bab-Al Bahrein, digna de atenção, fi cou para trás, o carro deteve-se junto ao passeio:

- Estás a ver aquelas mesas e aqueles bancos ali ao fundo? É o restaurante com a melhor carne de Manamá. Não deixes de o visitar mas fá-lo antes das nove, de outra forma já não consegues comer porque a procura é muita.

Eu deixei o olhar resvalar para um conjunto em madeira que projectava uma enorme rusticidade mas não interrompi o fl uxo das palavras daquele homem que me fi tava com uma sinceridade e uma intensidade desconcertantes.

- E por muitas histórias que tenhas ouvido, lido ou visto sobre o Bahrein, sobre protestos ou o desejo legítimo de liberdade, nunca, mas nunca, te irás deparar com um ambiente hostil. Aqui vais sentir-te como em casa. Fica com o meu contacto para o caso de precisares de alguma coisa.

Eu agradeci e preparava-me para abrir a porta.

- Bem-vindo ao Bahrein.Na cidade, plena de uma

luz amedrontada, escutavam-se sussurros abafados. Daí a instantes, mortalmente cansado, caí na cama desejando que a manhã se projectasse nas portas envidraçadas daquele quinto andar.

A luz entrava por uma nesga da cortina e espalmava-se pelo chão vestido de azulejos. Da varanda, via agora Manamá a fervilhar de vida, envolta numa atmosfera repleta de vozes mas que ecoavam nos meus ouvidos como um suave murmúrio. Farrapos leves de nuvens, fustigados por um vento austero, galopam no céu onde o sol sobe.

A mesquita Al-Fatih foi construída numa zona conquistada ao mar

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Ásia

± visão de uma mulher a cujo peito se encosta, como um bebé, uma pedra de um azul tão vivo. As pérolas são potencialmente criadas quando um grão de areia se aloja numa concha e o molusco cobre o intruso com uma camada de nácar (madrepérola), tornando-o mais macio. Quanto mais demorado é o processo, maior é o tamanho da pérola – e ao longo da história elevadas quantias de dinheiro foram investidas nas de grandes dimensões. O tamanho conta mas não é o único factor de valorização a ter em consideração no negócio das jóias: importantes são também a profundidade e a qualidade do brilho, a perfeição da forma e a cor. No caso específi co do Bahrein, acredita-se que as águas doces sob o mar temperam as águas salgadas para produzir uma pérola de um matiz distinto. A procura era tão elevada que a prosperidade do país foi conseguida, durante mais de

quatro séculos, à custa da recolha e comércio de pérolas. Embora em escala reduzida, a actividade é tão antiga no Bahrein que, não há muito tempo, foi descoberta, durante umas escavações em Sar, a dez quilómetros da capital, uma pérola datada de 2300 anos antes de Cristo.

É já no século XX, com o eclodir da I Guerra Mundial e logo de seguida com a depressão económica, nos fi nais da década de 1920 e inícios da de 1930, que se assiste ao declínio do negócio que durante tantos anos foi garantindo riqueza a muitas famílias do emirato. Essa não foi a única razão. Do Oriente sopravam novos ventos e o Japão, pela mão de Mikimoto Kokichi, não tardaria a iniciar a cultura de pérolas em viveiro, no que rapidamente foi imitado por outros países, entre eles o Bahrein. Mas ainda hoje, numa manifestação de revivalismo, as águas do Golfo continuam a ser sulcadas por pescadores de Manamá ou de Muharraq, de Al-Zallaq ou de Al-Budaiya, à procura de pérolas naturais que se vendem a preços por vezes exorbitantes no Gold City, no coração da capital.

deixou, entregue à minha solidão, às portas do edifício imponente mergulhado no mais completo silêncio. Penetro no interior e avisto um balcão onde deveria estar a funcionar a bilheteira. Uma vez no Museu Nacional do Bahrein, praticamente órfão de visitantes, a primeira sensação que se propaga pelo corpo é de completa serenidade. Logo de seguida, escutando apenas os meus passos,

invade-me a certeza de aquele espaço, tão ricamente preenchido, merece perfeitamente o estatuto do lugar turístico mais visitado em todo o país. A visita, para melhor se identifi car com a história do Bahrein, é imperdível e contempla, com grande requinte, achados arqueológicos, uma narrativa de cultura contemporânea do emirato, uma reprodução de um souq, no primeiro andar, um espaço dedicado à vida animal, galerias com exposições de arte e esculturas, uma loja onde se pode comprar artesanato local e um elegante café onde chega o azul do mar e, mais ao fundo, as casas de Muharraq. E, recebendo a luz que entra por uma janela, rebrilha um velho Buick de 1932 conduzido pelo Sheikh Isa Bin Salman Al-Khalifa no dia em que se festejaram os 60 anos da descoberta do petróleo no Bahrein. Não foi por acaso que aquele membro da família real, entretanto já falecido, usou um carro tão antigo para evocar o momento. No mesmo ano da construção do Buick jorrou, pela

O peso do petróleoNo chão, como se de um canteiro de fl ores se tratasse, as pedras de plástico, de diferentes cores, imitam as pérolas. Um pouco por todo o lado, há estátuas de pedra que recebem os raios do sol e à esquerda um tronco de madeira transformado em arte. Para trás, esquecido o trânsito àquela hora intenso, fi cara uma alameda bordejada de vegetação que me

A família Al-Khalifa é omnipresente no Bahrein

A’ali é famosa pela cerâmica

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primeira vez, no meio do deserto e bem no meio da ilha, a sul da cidade de Awali, o ouro negro que permitiria ao país reerguer-se depois do colapso mundial do mercado das pérolas. À sombra do Jebel ad-Dukhan, a Montanha do Fumo – a mais alta do Bahrein, com uns modestos 134 metros –, eleva-se o Museu do Petróleo, construído para assinalar o 60.º aniversário da descoberta e normalmente apenas aberto ao público às sextas-feiras. A produção e o refi namento de petróleo correspondem a cerca de 60 por cento das exportações, outro tanto das receitas do governo e a 30 por cento do PIB, benefícios que tiveram naturais refl exos na modernização do país e que serviram de farol para outros da região do Golfo. Relativamente próximo do museu, vizinho do primeiro poço de petróleo, ainda hoje visível, encontra-se uma das construções mais ambiciosas do pequeno emirato: o circuito de Fórmula Um, cuja prova foi cancelada no ano passado devido aos tumultos que se registaram um pouco por toda a ilha mas que este ano será retomada. Concluída em

2004 e com um custo orçado em 150 milhões de dólares americanos (cerca de 115 milhões de euros), a obra megalómana, com capacidade para acolher 70 mil espectadores, foi construída por 1000 homens e implicou estimadamente 3, 5 milhões de horas de trabalho laboral.

Caminho agora ao longo da zona das embaixadas, detenho-me por minutos na que está a ser erguida, com bom gosto, pelo governo iraquiano, passo por um descampado onde um segurança paquistanês se diverte com o jogo de críquete de um grupo de indianos e logo me encontro de frente para outra referência arquitectónica do país, de construção ainda mais recente. Com 50 pisos, as torres gémeas que dão abrigo ao Bahrein World Trade Center contribuíram para redefi nir a velha zona diplomática e constituem motivo de orgulho para um país que não pára de crescer, se bem que fi el às suas origens e não raras vezes de forma sustentada – as três turbinas de vento instaladas entre as duas torres que se erguem como se fossem velas de um barco garantem 33 por cento da energia necessária e tornam o edifício num dos mais ecológicos do mundo.

O sol tardio doura os prédios altos que beijam os céus riscados

A luz congrega-se nas cúpulas azuladas da mesquita e o muezzin chama para a oração da tarde perante a indiferença de 22 rapazes que, com as camisolas dos mais distintos clubes de futebol europeus, castigam a bola por entre pedregulhos. Ao fundo, recebendo os raios do sol poente, destaca-se, qual Castelo de Windsor, a mansão mandada construir pelo Sheikh Hamad, vigiada por um segurança indiano bem armado e com acesso vedado ao público. Um barco destaca-se na superfície lustrosa da água e, no horizonte, recorta-se, com contornos bem defi nidos, a ponte que liga o Bahrein à Arábia Saudita, extraordinária obra de engenharia terminada em 1986 com um custo de 1200 milhões de dólares americanos (mais de 900 milhões de euros) e apenas mais uma das muitas que se desenham nos sonhos da família real – os trabalhos de uma outra, que ligará o Bahrein ao Qatar, estão em andamento. Com quatro faixas de cada lado, mais de 12 quilómetros de viadutos e cinco pontes separadas, a King Fahd foi construída com 350 mil metros quadrados de cimento e reforçada com 147 mil toneladas de aço. μ

por um helicóptero da polícia em permanente vigilância da cidade. Sento-me por uns minutos no Ahmed Abdul Rahim, num dos seus bancos azuis, e bebo um chá enquanto contabilizo oito sinais, dispersos pelas paredes, de proibição de fumar. No ar, como uma trepadeira, sobe o fumo dos cigarros que os idosos, entretidos num jogo de cartas ou de dominó, não dispensam, ignorando os avisos com um olímpico desdém.

- É servido?Com um prato de lentilhas à sua

frente, o homem insiste ainda mais duas vezes antes de se entregar de novo aos prazeres da comida.

- Portugal? Gosto muito de Portugal!

Despeço-me e quando me preparo para virar as costas, ainda ouço:

- Bem-vindo ao Bahrein!O dia está a perder o seu calor e

o céu tinge-se de rosa quando entro no autocarro.

- Budaiya, babá?

A luz congrega-se nas cúpulasazuladas damesquita e omuezzin chamapara a oração datarde perante aindiferença de 22rapazes que, com ascamisolas dos maisdistintos clubes defutebol europeus,castigam a bola porentre pedregulhos

Mesquita Al-Fadel

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± O sol, com as cores de uma tangerina, mergulha agora no mar e as sombras nocturnas avançam rapidamente sobre a vila construída no lado ocidental da ilha. As ondas quebram-se na praia e nada mais se ouve do que o marulho da água quando assoma a luz tímida da lua naquele céu escuro onde começam a cintilar as estrelas. É tempo de abandonar a contemplação e de regressar a Manamá.

A religião e o poder

- Já pode entrar mas por favor não tire fotografi as no interior.

Eu estava a observar os muçulmanos no momento da ablução, escutando, ao mesmo tempo, o murmúrio feito de palavras desconexas que ressoava do interior da pequena mesquita quando aquela voz delicada, de uma calma maternal, me devolveu à realidade. No meio de um silêncio de ouro, naquele espaço estéril de luminosidade, fui lançando olhares, umas vezes furtivos, outras vezes demorados, sobre aqueles livros sagrados que fazem do Beit al-Quran um dos museus mais interessantes do Bahrein. Na mais completa solidão, admirei a primeira cópia do Corão impressa na Alemanha, em 1694, uma outra em latim, de 1543, que viu a luz do dia na cidade suíça de Basileia, uma mais recente, de 1734, em inglês, traduzida por George Sale, bem como um conjunto, quase tão velho como o mundo, proveniente do Irão, entre tantos outros manuscritos que servem como notável introdução ao Islão em geral e à caligrafi a islâmica em particular. Particularmente interessantes são as miniaturas, a mais pequena das quais, impressa no Irão no século XVIII, mede apenas 4,7 por 3,2 cm.

No exterior, o minarete em tons de pastel refl ecte-se nos prédios envidraçados que se fundem com o fi rmamento e o edifício onde funciona o museu, da mesma cor, surge como um dos bons exemplos da moderna arquitectura do Bahrein.

- O supermercado mais perto fi ca lá ao fundo, por trás daqueles prédios, está a ver?

A distância era considerável. - Venha daí, que eu levo-o de

carro. Esta gente teima em surpreender-

me e a manhã, com a sua luz diáfana, também. Um paquistanês prepara o isco que vai lançar às águas, um outro homem cabeceia um sono de costas para o mar e uma mulher pergunta-me:

- Não acha bonitas as vistas daqui?

Eu aquiesço, olho em volta, primeiro, as casas de madeira que se refl ectem naquele verde-azeitona, depois, os prédios envoltos numa espécie de neblina, no outro extremo; fi nalmente, o

casario de Muharraq recortando-se na paisagem do outro lado. Ao longo da marginal, onde o sol bate uniformemente, multiplicam-se as fotos da família real, até que, delineando-se no fi rmamento, surge a Mesquita Al-Fatih, erguida em 1984 numa zona conquistada ao mar. Com capacidade para receber mais de sete mil fi éis, a mesquita foi construída com mármore proveniente de Itália, vidro da Áustria e madeira de teca da Índia, ricamente trabalhada por artesãos locais. Exceptuando as horas das orações, é possível aos não-muçulmanos efectuar uma visita, sempre acompanhados por guias altamente profi ssionais. O Bahrein é conhecido por ser um país tolerante e, a despeito de ser maioritariamente xiita, ao contrário da família real, que é sunita, são raros ou mesmo inexistentes os confl itos religiosos e até vulgares os casamentos entre as duas correntes.

- Nós somos irmãos e queremos que eles comam o pão. Mas que nos dêem metade, admite Rahbi, xiita e quadro de uma empresa em Sitra.

Todos os dias sucedem-se as manifestações e os protestos exigindo mais liberdade e igualdade de direitos mas pouco ou mesmo nada passa para o exterior.

- Está a ver aqueles prédios lá ao fundo? Por que têm de pertencer todos ao mesmo quando há famílias que vivem em casas em péssimas condições?

A questão é colocada por um polícia à entrada de um dos

monumentos mais emblemáticos do Bahrein e a resposta apenas pode ser dada por algum membro da família real. Um pouco por todo o lado, mas mais no interior, as paredes das casas enchem-se de graffi ti, em árabe e em inglês, pedindo ao Khalifa que renuncie ao poder.

- O nosso rei é bom, o problema está no primeiro-ministro, no poder há mais de 40 anos. É fundamental realizar eleições livres e tem de ser o parlamento a eleger quem deve presidir aos nossos destinos – admite ainda Rahbi.

Com uma monarquia constitucional, o Bahrein é governado pela família Al-Khalifa desde fi nais do século XVIII, altura em que expulsaram os persas. Mais tarde derrotados por Omã, os membros da realeza regressaram em 1820 e não mais se afastaram do poder. Homens de confi ança dos ingleses e acérrimos defensores do combate à pirataria que durante anos grassou no Golfo, difi cultando os negócios naquela zona estratégica, os Khalifa sempre

gozaram de grande autonomia, mesmo quando o Bahrein permaneceu um protectorado britânico – o país apenas garantiu a independência total em 1971.

- Bom dia! Pode entrar. Cobramos um dinar!

Eu olhei o polícia com um sorriso e respondi:

- É caro!E ele perguntou:- Então quanto quer pagar?E eu sorri ainda mais antes de

falar:- Nada!- Então não paga nada!As sombras das protecções

A luz do crepúsculo sobre a mesquita de Al-Budaiya

Pôr do sol com vista para a Arábia Saudita

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Fugas • Sábado 14 Janeiro 2012 • 11

em madeira espraiavam-se pelo chão e aquelas pedras, velhas de velhas, resplandeciam sob a luz do sol. Património Mundial da UNESCO desde 2005 e justamente considerado um dos lugares arqueológicos mais importantes da Península Arábica, o Forte do Bahrein foi construído pelos portugueses no século XVI como parte da estratégia defensiva naquela zona do Golfo – em 1602 pereceram perante os persas e o arquipélago, com as suas 35 ilhas e

ilhotas, foi sendo sucessivamente comprado e vendido até conhecer a realidade actual.

Situado numa baía calma, o Qala’at Al-Bahrein continua a ser alvo de trabalhos de restauro mas é, desde já, o monumento mais proeminente deste país tão pequeno e com tanto para ver. A meia dúzia de passos, fi ca um interessante museu onde a esta hora um grupo de crianças sente difi culdade em obedecer ao que lhe é pedido pela professora. Sentado no café, lanço olhares ao mar sereno que se estende à

minha frente e, logo a seguir, com a ligeireza de uma onda, ponho-me a caminho, primeiro de Manamá, depois das Ilhas Dar, onde tenho por companhia somente três turistas. O vento tinha varrido o céu pintado de azul e eu saboreava o silêncio numa preguiçosa meditação, até adormecer junto ao cais, à espera do barco que me iria levar de volta.

A noite cai bruscamente, sem pedir licença, e o luar banha de luz alguns prédios. Entre Muharraq e o aeroporto, os sons festivos esvoaçam no ar, as bandeiras são tocadas pela brisa, milhares de bandeiras, vermelhas e brancas, mas também de outros países. O dia é de festa, de festa nacional, mas apenas os sunitas comemoram. Os xiitas não participam e este pode ser um prenúncio do que está para acontecer. Olhei pela última vez as 40 bandeiras que encimam o edifício do aeroporto e foi já da janela do avião, vendo as luzes de Manamá cintilando ao fundo, que

recordei as palavras da noite em que cheguei.

- Por muitas histórias que tenhas ouvido, visto ou lido, nunca, mas nunca, te vais deparar com um ambiente hostil. Aqui vais sentir-te como em casa.

Por instantes tive vontade de levantar a mão e dizer adeus. Sentia que deixava a minha casa – e a nossa casa é onde nos sentimos felizes.

O que fazerA Mesquita Al-Fatih é a única que abre as portas ao público em geral mas há mais duas que, por diferentes razões, não devem ser desprezadas, ainda que apenas possam ser vistas do exterior. No centro de Manamá, não deixe de deitar um olhar à Friday Mosque, com o seu bonito minarete a reflectir-se nos vidros de um prédio moderno, bem como à Al Fadel, não muito distante da primeira, com interessantes desenhos geométricos que também se recortam contra a modernidade da capital. Nos subúrbios da cidade, não perca a Mesquita Al-Khamis, originalmente construída no século VIII mas com inscrições que apontam para a sua edificação na segunda metade do século XI, o que faz dela, de uma maneira ou de outra, a mais antiga do Bahrein. Um pouco mais distante, a um quilómetro da estrada que liga Manamá a Al-Budaiya, pode admirar o Barbar Temple, um complexo do século II ou III a.C. provavelmente dedicado a Enki, deus da sabedoria e das águas doces do fundo do mar. Ligada a Manamá por duas pontes, a ilha de Muharraq, com menos de 100 mil habitantes, parece pertencer a um mundo diferente, situação que se reflecte também em termos culturais. Alguns dos prédios mais interessantes foram ou estão a ser recuperados, como é o caso do Beit Sheikh Isa Bin Ali, construído no século XIX, o Beit Seyadi, uma casa com mais ou menos a mesma idade e que pertencia a um comerciante de pérolas, a Bin Matar House, com exposições permanentes, a Al-Korar ou a Abdulla Al-Zayed, uma dedicada ao artesanato e a outra à história da imprensa no país. E

logo que se sinta perto da exaustão, depois de tanto caminhar, não perca a oportunidade de se sentar na Casa do Café, ainda e sempre na rua das artes, provando um delicioso café num espaço elegante onde os grãos fazem parte da decoração. Relativamente perto de Muharraq, em Arad, está situado o forte com o mesmo nome, construído pelos portugueses e com horários de visita erráticos. Fora da capital, mas a poucos minutos, não faltam lugares de interesse, desde os túmulos que ao mais desatento podem parecer um monte de lixo (há quase 100 mil em todo o país e alguns deles atingem 15 metros de altura e 45 de diâmetro), em A’Ali ou em Sar, à cerâmica de A’Ali, passando pelo centro de artesanato de Al-Jasra, onde também deve visitar a casa onde nasceu, em 1933, o antigo emir Sheikh Isa bin Sulman al-Khalifa. Com um pouco mais de tempo, sempre pode dar um salto a Riffa para ver o forte totalmente recuperado há quase 30 anos; mais a sul, o Al-Areen Wildlife Park & Reserve, área de conservação das espécies indígenas do Médio Oriente e do norte de África, a agradável praia de Al-Jazayer, a escassos quilómetros da vila 100% sunita (não é por acaso que o primeiro-ministro aqui tem residência) e piscatória de Al-Zallaq; para terminar vale a pena a experiência de se deter em frente a uma árvore (Árvore da Vida e nada tem a ver com Terrence Malick) que se ergue, solitária, no meio do deserto, sem água, há tantos anos que ninguém os consegue contabilizar – e alguns acreditam que a árvore guardada por um jovem do Bangladesh é um dos últimos fragmentos do Jardim do Paraíso.

O Forte do Bahrein, construído pelos portugueses, é património da UNESCO desde 2005 A Casa do Café prima pela elegância e bom gosto

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Ásia

Quando irA melhor altura para visitar o Bahrein é entre Novembro e Março, procurando, na medida do possível, evitar o Ramadão e os dias festivos religiosos, altura em que se regista um fluxo anormal de turistas sauditas. Durante estes períodos, pode tornar-se complicado encontrar quartos disponíveis e os preços sofrem um incremento substancial. Em Dezembro e Janeiro, as manhãs e as noites são frias e, por vezes, o vento torna-se desagradável. Entre finais de Maio e meados de Setembro o calor é insuportável. Mas essa é a época do ano em que o país revela a sua identidade – e o turista se apercebe das dificuldades e do prazer que lhe pode proporcionar uma tradicional torre de vento ou o ar condicionado de um dos muitos centros comerciais em redor da capital.

IRÃO

IÉMEN

OMA

ARÁBIA SAUDITA

Golfo de Áden

E.A.U

BAHREIN

Como irA Iberia, em conjunto com a Emirates, pratica os melhores preços (553 euros) entre Lisboa e Manamá. A TAP, em parceria com a Qatar Airways ou a Gulf Air, com escala em Madrid ou em Londres, respectivamente, também oferece preços atractivos (678 e 712 euros), enquanto a KLM e a Lufthansa (790 e 794 euros) tornam mais dispendiosa a viagem, se bem que a companhia alemã possibilite uma viagem mais rápida e com uma única escala, em Frankfurt. Com a KLM, normalmente o avião faz uma curta paragem no Kuwait antes de rumar à capital do Bahrein, um trajecto que cumpre em cerca de uma hora.

Onde comerSe o viajante assim o desejar, uma boa refeição pode custar, em Manamá, pouco mais de dois euros. O restaurante Bombay, na Al-Khalifa Road, é limpo, a comida é saborosa e tem um serviço caloroso. Não muito longe, numa estreita travessa, experimente, mais ou menos pelo mesmo preço, o Al-Masilah sentado na esplanada em rústicos bancos de madeira. Para os apreciadores de comida vegetariana, o Annapurna, na Municipality Avenue, é uma boa alternativa e o prato mais caro não custa mais de dois euros. Ainda para orçamentos reduzidos, não deixe de provar a gastronomia tailandesa no Ngeun Thong (Honeys Restaurant), nas proximidades, aberto desde as dez da manhã até às cinco e meia da madrugada, bem como o Ahmed Abdul Rahim, perto do terminal de autocarros, para uma experiência inolvidável sentado ao lado dos locais, na maioria idosos que jogam cartas e dominó enquanto bebem um chá. Para carteiras mais recheadas, o Monsoon, num espaço que imita um pagode asiático, o Mezzaluna, com um serviço irrepreensível, o Golestan, uma boa introdução à comida persa, no Hotel Sheraton, e o The Fish Market, ideal para famílias, são opções incapazes de o fazer arrepender por cada cêntimo gasto.

InformaçõesPara entrar no Bahrein necessita de um passaporte com o mínimo de seis meses de validade. O visto para uma permanência de duas semanas pode ser obtido no aeroporto por dez euros, um processo rápido e desprovido de qualquer burocracia. É importante ter em conta que um carimbo de Israel no passaporte o impede, desde logo, de obter o visto de turismo. Um euro equivale a 0,50 dinares e há várias casas de câmbio um pouco por todo o lado em Manamá. O país estende-se por uma área de 741 km2 que alberga 728 mil habitantes, 165 mil dos quais vivem na capital. Quase 50% da mão-de-obra é estrangeira (desde a Índia ao Bangladesh, do Paquistão às Filipinas, passando pela Etiópia).

Onde dormirO Novotel Al Dana, localizado na Sheikh Hamad Causeway, é sem sombra de dúvidas o hotel mais bonito de Manamá. Um toque de modernidade misturado com uma arquitectura tradicional árabe e um exemplo de elegância que fazem do espaço, a dez minutos do aeroporto e próximo das maiores atracções turísticas da cidade, uma referência e uma experiência única na capital do Bahrein. Com 134 quartos de luxo e 40 suites, o Al Dana cobra, consoante a época, entre 160 e 210 euros por um single e entre 180 e 220 por um duplo. Para quem desejar um pouco mais de opulência mas também menos carácter, recomendam-se o Gulf Hotel, o Sheraton ou o Ritz-Carlton, todos com preços superiores a 200 euros. Os viajantes com orçamentos mais reduzidos também não têm razões para deixar de visitar este país de gente afável. O Awal Hotel, na Al-Khalifa Road, ou o Jindol, na Municipality Avenue, não cobram mais de 30 euros por um single.

Dhows e novas torres em Manamá – o passado observa o futuro

A unidade nacional num mural de Muharraq

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Fugas • Sábado 14 Janeiro 2012 • 13

Crónica da selva

“Viajar é muito útil, faz trabalhar a imaginação. O resto, apenas decepções e fadigas.”

Louis-Ferdinand Celine

Em cima de uma prancha (uma canoa, para os surfi stas satíricos) o lugar do pensamento é tão breve como a velocidade da onda cavada a rebentar ou o tempo que demora o maçarico a estatelar-se e submergir, do além-mar, entre golfadas de espuma.

Na minha condição de aspirante a surfi sta, o único pensamento possível entre o take-off e o stand-up (comedy), isto é, o atracar dos pés na “canoa” e manter o equilíbrio chama-se “Deus é grande”, como se essa força maior do que os homens fosse o autor daquele instante em que prancha, onda e homem (ou mulher) são um só-eu de energias. Quando se dá esse instante epifânico em que o pensamento e o sentimento se juntam para uma dança de apanhar onda, é “tudo de bom”, como se diz por aqui.

Em estando no Brasil, o momento zenital (como também se pode ouvir chamar de qualquer coisa com travo a orgásmica) podia ser ainda na roda da capoeira, no terreiro de candomblé, no calçadão de Ipanema ou numa das festas míticas do Ronaldinho Gaúcho.

Mas antes de ter o meu orgasmo amestrado é preciso explicar. Não era a primeira vez que ia para o mar imbuído de ideias alquimistas. Os mares do Guincho, da costa do Estoril e da Praia Grande conheciam de cor as minhas proezas de homem-âncora. No meu ser mais profundo, o surf é a minha praia, tanto como o budismo de Inverno, o nudismo de Verão, o piano e até o canto (chão).

BrasilO sábio surfista

Com o apoio

Tiago Salazar

Entre Agosto e Dezembro de 2011, o escritor e viajante Tiago Salazar andou por 12 estados brasileiros a recolher conteúdos para o programa Endereço Desconhecido (a exibir na RTP2, em data a anunciar). Estas crónicas são o resultado do que acontece aos viajantes quando se entregam ao princípio de que são os países e os lugares que os atravessam — e não o contrário

Na verdade, a praia estava desolada, suja de cacos de vidro, tocos, paus, pedras, as ondas não iam acima de meio metro, a única mulher num raio de três praias, e até onde a minha vista de falcão alcançava, era uma vendedora de aracajé em estado de anabiose e o frio (de vento ventando, de pingos pingando, de chuva chovendo) impedia qualquer manifesto de euforia de vida. Quando tudo me inclinava para o desgosto, o fi m do caminho, o fundo do poço, chegou o anjo das pernas tortas, não o fantasma do Garrincha mas o surfi sta Evandro, Santos de seu apelido.

Chegou de pés fi rmes lá das ladeiras e ribanceiras. Chegou como um raio de sol, uma prata a brilhar. Chegou descalço e de maravilhoso corpo juvenil, ele,

Como podeis ler, a motivação ia comigo debaixo do braço ( junto com a canoa) naquela manhã polar na praia do Rosa, no estado de Santa Catarina, onde diziam estar, juntas como comadres de longa data, as mulheres mais belas e as ondas mais perfeitas do Brasil. Imaginar-me longe do meu país à deriva, levado em braços por um coro de ninfas e entrar num oceano de ondas talhadas como esculturas de Miguel Ângelo (ou prédios de Niemeyer, canções da Elis, contos da Clarice...), as águas de Agosto tinham por essa altura o poder hipnótico de uma grande pia baptismal.

um homem curtido, a roçar os 40 anos, 30 deles debaixo de sol, de sal, de águas a abrirem e fecharem o Verão. Chegou a caminhar para o mar como o único sentido da sua vida. Foi já na água, e de poucas conversas, que o surfi sta Evandro me contou o princípio (e o fi m) disto de ser surfi sta. Quem me falava enquanto as mãos entravam na água em concha como as barbatanas de um boto ou de um merlin podia ser um monge, um

profeta, um fi lósofo, um apóstolo, um poeta, o homem da Atlântida. Podia ser quem fosse mas era alguém que sabia do negócio do ócio de fazer das palavras coisas alegres e bonitas.

Vê-lo a deslizar pelo mar e a encontrar-se na espuma das ondas era o mais próximo que estivera da epifania de alguém. E de repente (não mais que de repente), ao ouvir duas ou três vezes o surfi sta Evandro dizer-me com a sua voz de bardo doce e nasalada, “quando vem a onda você não pense, aí você existe mais, você é já a onda e seus braços e pernas e tronco e prancha não terão princípio e fi m”, aconteceu a promessa de vida.

ALEXANDRE CAMPBELL

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Zoom

Um quarto para navegar sobre LondresA Room for London é o nome de um dos mais recentes e insólitos hotéis londrinos. Na verdade, é uma instalação artística. Mas não só aceita hóspedes como cumpre os requisitos hoteleiros. E é um êxito: a primeira temporada ( Janeiro a Junho) esgotou, em Setembro passado, em 12 minutos; as reservas para a segunda temporada ( Junho a Dezembro) abrem dia 19, sendo que cada pessoa só pode reservar uma estadia (deverá custar cerca de 145€). A proposta é de passar “uma noite extraordinária sobre o Tamisa”, já que o hotel-de-um-só-quarto – desenhado pelo atelier de arquitectura David Kohn e pela artista Fiona Banner – além de ter forma de barco, foi colocado no topo do Queen Elizabeth Hall no complexo artístico Southbank Centre. O projecto, comissionado pela Living Architecture e Artangel com o apoio do London 2012 Festival, além do insólito, pretende ser “um local de refúgio e refl exão”, com vistas para a vida urbana e do Big Ben à catedral de São Paulo. Por dentro, o “barco” é um ninho (para dois) feito de madeira trabalhada e cheio de “cantos e recantos para explorar” e com todos “os confortos

Vidago com “novo” e perfumado hotelA antiga Pensão Primavera de Vidago deu lugar a um novo hotel de estrelas. O Primavera Perfume Hotel, “espaço com a história de três gerações” e com direito à paisagem luxuriante do parque do Vidago Palace, remonta a um chalet da primeira metade do século XX, mas, agora, após um ano de obras, oferece 32 quartos (incluindo duas suites) e surge não só renovado como sob os motes dos elementos dominantes nas redondezas, água e Natureza. E perfumado. Há quatro versões aromáticas: amadeirado, fl oral oriental, fl oral e frutado; cada uma conjugando aromas, cores, materiais e madeiras, o clássico e o contemporâneo.

Enquanto a vizinha Guimarães ultima preparativos para a sua capitalidade cultural, Braga faz jus à energia e inicia já a programação de Capital Europeia da Juventude 2012 (CEJ). A abertura ofi cial é hoje e as festas decorrem ao longo de todo o dia. Jovem de mais de dois mil anos, a cidade dos arcebispos quer mostrar-se pronta para as curvas e promete 14 mil horas de acção ao longo de 2012 – serão mais de 500 eventos, destinados a criar animação ininterrupta entre espectáculos de todos os géneros, eventos desportivos e formativos, programas culturais e sociais ou grandes encontros internacionais. E logo a marcar metafórica e fi sicamente a regeneração, apresenta-se a sede e plataforma central da CEJ: o complexo GeNeRation, nascido da remodelação do antigo quartel da GNR. A programação do ano mais jovem de Braga assenta em três motes. O Y.World promove o diálogo intercultural e o debate das questões europeias

Em foco O ano mais

jovem de Bragae inclui o Parlamento Europeu Jovem (Março), três cimeiras internacionais ou a Aldeia das Religiões sobre problemáticas religiosas – atenção ainda à European Tastes, com a eurogastronomia em jogo (em Outubro). O Y.You inclui iniciativas ligadas à educação, empreendorismo ou criatividade e tecnologia – soma espectáculos musicais, feira do emprego, concursos de ideias, festival de som e imagem ou o campeonato mundial universitário de futsal. Já sob o chapéu Y.Life, trabalha-se a qualidade de vida e a inclusão social centrando-se na vida urbana, o que inclui cursos de história sobre a cidade, revivências da Bracara Augusta, think tank juvenil ou o YHelp – com o voluntariado em destaque, arte urbana ou eventos futuristas. O centro histórico vai andar sempre animado com apresentações de projectos culturais locais e é de não esquecer que a CEJ abençoa também os 22.º

Encontros da Imagem, o festival de música Semibreve ou as festas académicas. Em jogo ainda uma parceria com a MTV que poderá acrescentar uma dezena de grandes concertos e festas. Lá mais para Setembro (dia 8), vive-se a noite mais longa com uma “grande instalação artística” durante 24h, uma Noite Branca repleta de música, performances ou projecções multimédia. Hoje, a partir das 10h, há festa por todo o lado: o centro histórico anima-se com as associações juvenis e as escolas e, ao fi nal da tarde, o Largo do Pópulo/Campo da Vinha é cenário da inauguração ofi cial (com parada e espectáculo às 19h com Drumatical Theatre, seguindo-se DJ). Lá para o fi nal do ano, a CEJ terminará com pompa e uma gala que marcará a passagem de testemunho para a capital jovem de 2013, Maribor (Eslovénia) – precisamente a co-Capital Europeia da Cultura este ano com Guimarães. L.J.S.bragacej2012.com

NELSON GARRIDO

que se podem esperar de um bom hotel” (inclui kitchenette, grande casa de banho, biblioteca, e, claro, boas varandas). Os hóspedes são convidados a escrever uma espécie de diário, onde poderão detalhar a experiência da estada, tanto do que viram “para lá da janela, como dentro de si próprios”. Está previsto que A Room for London prossiga a sua navegação pela cidade, mudando, em cada ano, para outras zonas vitais da capital inglesa.www.aroomforlondon.co.uk

Os quartos são todos para não fumadores, dispõem de casa de banho privada, ar condicionado, renovação de ar, telefone, Internet (sem fi os, grátis), tv por cabo, menu almofadas e serviço de quartos. O hotel, com direito a amplo jardim, dispõe ainda de restaurante (que promete “gastronomia regional e requintada”), bar, piscinas exterior e interior aquecida e spa. www.primaveraperfumehotel.com

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Fugas • Sábado 14 Janeiro 2012 • 15

A capital francesa vai propor aos turistas a descoberta das suas faces ocultas (no melhor dos sentidos). O programa Paris Face Cachée decorrerá a 4 e 5 de Fevereiro, “à margem da Paris turística, a dos postais ilustrados e dos grandes monumentos incontornáveis”, resumem Sabrina Slimani et Caroline Loire, directoras da À Suivre, produtora do evento, que conta com o apoio da autarquia. É um fi m-de-semana com “mais de 50 aventuras originais”, para todos os públicos, gratuitas ou com tarifas reduzidas. E pretende ser “impertinente, audacioso e contra-corrente”, permitindo passear por espaços “habitualmente inacessíveis” ou “infi ltrar-se em locais confi denciais”. Ao longo das 48h desta “descoberta de uma Paris inédita”, há passeios por mistérios do Sena, entra-se em ateliers de artistas ou hospitais ou mesmo num templo maçónico, segue-se Piaf ou Gainsbourg, o rasto do cinema ou da banda desenhada, desce-se aos esgotos ou penetra-se nos túneis do metropolitano ou num bunker secreto, buscam-

Paris mostra outra face

Joachim Koerper, o chef do restaurante Eleven, em Lisboa, compra há muitos anos as suas trufas ao mesmo fornecedor espanhol, da região de Benassal, a norte de Valência. Este ano, as trufas pretas, cuja época começa em Janeiro, já chegaram. Quando as recebe, Koerper guarda-as em arroz, para lhes tirar a humidade. E é esse arroz, já com o aroma da trufa, que depois utiliza para o risoto, que serve no Menu de Trufa Negra (159 euros por pessoa, sem bebidas), que o Eleven terá disponível até Março, altura em que acaba a época da trufa. E como “se é para fazer, é para fazer bem”, diz o chef, há trufa desde a entrada (salada de Inverno, com foie-gras e trufa), até à sobremesa (tarte de chocolate com gelado de chocolate branco trufado), passando pelo creme de salsifi com trufa e seu brioche, raviolis com cebola e trufa, puré de batata ratte com ovo estrelado e trufa, tournedó de novilho com crosnes e trufa e camembert com trufa. A.P.C.

O luxo da trufa negra no Eleven

Fotogaleria GuimarãesAo longo da revista, contamos-lhe tudo sobre a cidade-berço e o 2012 cultural que vai ver. Online, passeie virtualmente connosco através de uma fotogaleria de Nelson Garridos dedicada a Guimarães.

A cidade do geloNa China, em Harbin, realiza-se um dos maiores festivais do gelo do mundo. Resultado: imagens impressionantes de uma verdadeira cidade com esculturas em gelo e neve e em jogos surpreendentes de iluminação.

De olho nos saldosPelo mundo das viagens, avistam-se saldos e muitas promoções. Siga online a actualização e propostas de programas de férias, voos ou hotéis. E comece a tirar ideias para o Dia dos Namorados, Carnaval e próximas escapadas.

O mundo de KienKien Lam, artista e fotógrafo residente nos EUA, passou 2010/11 a viajar. 343 dias para 17 países, Portugal incluído. E resumiu tudo num vídeo, com dois detalhes: tem menos de 5 minutos e inclui 6237 fotos. É já um êxito na Net. Mostramos o vídeo e conversámos com Lam.

Esta semana na Fugas online

Flashes+GuimarãesDepois de destaque na Lonely Planet, Wallpaper ou New York Times, Guimarães soma e segue: está no top-5 da Rough Guides dos destinos obrigatórios para 2012.www.roughguides.com

RTP PortugalNova série de viagens por recantos de Portugal na RTP1. Viagem ao Centro da Minha Terra é emitido às sextas, às 21h.www.rtp.pt

-ExitO “velho” site Exit.pt desapareceu: fundiu-se na GeoStar e reencaminha para o portal desta agência (grupos RAR e Sonae). Permite pesquisar voos, hotéis, escapadas ou férias.www.geostar.pt

Promo TAPNovos destinos da TAP em promoção: directo Lisboa – Berlim desde 55€ por voo; Turim, desde 85€. Levantam voo, ambos, em Junho.www.tap.pt

MacauMacau arrasa Las Vegas como capital mundial dos casinos: tem mais de 30 e em 2011 teve receitas de jogo cinco vezes superiores a Vegas, somando 26 mil milhões de euros. www.macautourism.gov.mo

se dragões e animais fantásticos, ouvem-se histórias aterradoras ou românticas. E muito mais. Para participar, é necessário reservar online (as inscrições abriram na terça-feira).www.parisfacecachee.fr

Nos últimos 15 anos os portugueses aprenderam a gostar de sushi, e hoje há sushi um pouco por todo o lado. Ou talvez não. Gonçalo Fonseca acha que ainda existe um potencial enorme para o crescimento do consumo de sushi em Portugal, mas constatou que existem poucas pessoas com formação adequada para serem sushimen ou sushigirls. Por isso, juntou-se ao chef Paulo Morais (dos restaurantes Umai e MoMo), o mais prestigiado sushiman português, para lançar o projecto Everything About Sushi, e criar a primeira escola de sushi em Portugal. O projecto foi apresentado esta semana em Lisboa, no Hotel Altis, onde se vai realizar, a partir de 20 de Fevereiro, o primeiro curso Master Sushi Cook & Manage — seis

Paulo Morais vai dirigir a primeira escola de sushi em Portugal

semanas de formação intensiva com Paulo Morais, e dois meses de estágio num dos vários restaurantes nacionais especializados em sushi (3580 euros, com alojamento e alimentação incluídos). A ideia é que o Everything About Sushi lance na segunda metade de 2012 locais de venda de sushi (alguns fi xos, outros móveis) por todo o país. “Vamos vender sushi em locais inesperados, como estádios de futebol, uma estação de metropolitano ou uma sala de espectáculos”, diz Gonçalo Fonseca. A expectativa é a de que os espaços sejam depois geridos pelos alunos formados por Paulo Morais. A.P.C.

DARIO CRUZ

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Plano de viagem

Ar livreSanto TirsoPlantação de árvores

No dia 21 meta as mãos na terra e ajude a plantar 1300 aveleiras, carvalhos e pirliteiros, na área do Castro do Monte Padrão em Santo Tirso, promovida pela câmara e o CRE_Porto. Contribua para enriquecer a biodiversidade, melhorar a qualidade do ar e para uma melhor qualidade de vida, com esta acção de plantação de árvores, no âmbito do projecto Futuro: 100.000 árvores na Área Metropolitana do Porto, no qual se prevê refl orestar até 2015 cerca de 100 hectares de áreas ardidas, livres ou que necessitem de reconversão. Das 9h às 13h.

Lago SanábriaPasseio fotográfico

Acompanhe o fotógrafo António Sá num passeio fotográfi co que tem como cenário o lago de Sanábria, o maior de origem glaciar de toda a Península Ibérica, no Norte de Espanha. Entre os dias 27 e 29 deste mês, os participantes vão percorrer as margens do lago de Sanábria e as do rio Tera, alternadas com percursos em altitude que contemplam paisagens com neve e gelo, velhos caminhos rurais que atravessam soutos e fl orestas de carvalhos, aveleiras e azevinhos. Preço: 240€ por pessoa (170€ para acompanhante não-fotógrafo), com três noites de alojamento, dois jantares, mapas e outras informações, orientação fotográfi ca e ensino de técnicas. Informações e inscrições para o mail: [email protected] ou pelo telefone 273326290.

Madeira Fly & Drive

Preço: desde 288€ por pessoa em quarto duplo. Descubra tudo o que esta ilha tem para oferecer neste programa de três noites em hotel, em regime de meia pensão, partida de avião do Porto e Lisboa, taxas e aluguer de viatura.www.abreu.pt

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As misteriosas ruínas da civilização maia, os parques nacionais e as reservas marinhas, autênticos santuários de vida selvagem, os melhores e mais famosos lugares de mergulho

do mundo, como o Blue Hole, as praias desertas de águas incrivelmente claras, e os seus recifes de coral, onde habita uma importante fauna marítima, como as tartarugas

gigantes e uma imensidão de peixes tropicais, são algumas das atracções do Belize. Um país onde o turismo não pára de aumentar, com os benefícios e riscos daí resultantes. O preço

Tentação Belize

para mergulhar neste paraíso ronda os 1510€ por pessoa, com passagem aérea, taxas e alojamento durante sete noites no hotel e regime escolhido. www.quadranteviagens.pt

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Fugas • Sábado 14 Janeiro 2012 • 17

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18 • Sábado 14 Janeiro 2012 • Fugas

Lazer

Guimarães, Capital Europeia da Cultura 2012

A Igreja e o Largo d

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Fugas • Sábado 14 Janeiro 2012 • 19

“Ad vos homines qui venistis populare in Vimaranes et ad illos qui ibi habitare volerint”. Ler uma inscrição assim em latim, e emoldurada em calçada portuguesa, aos nossos pés acrescenta alguma patine e dá até uma certa solenidade ao passeio que podemos fazer no centro urbano de Guimarães, Património da Humanidade. É também uma forma diferente de viajar no tempo, em plena Praça de Santiago. Ficaremos depois a saber, pela tradução desta frase roubada ao foral do Conde D. Henrique que deu origem à povoação (1096) — “A vós homens que viestes povoar em Guimarães e àqueles que aqui quiserem habitar” —, que a mensagem não nos é dirigida tanto a nós, visitantes ou turistas acidentais, mas aos habitantes desta terra, de quem se diz que não são cidadãos iguais aos outros.

Não foi ao acaso que o arquitecto Fernando Távora (1923-2005), com raízes familiares vimaranenses, decidiu inscrever esta frase numa das praças do centro da cidade de cujo restauro se ocupou desde que, em 1980, elaborou o Plano Geral de Urbanização de Guimarães. A sua preocupação principal, e a da equipa do Gabinete Técnico Local (GTL) constituído pela câmara em 1983, foi servir, em primeiro lugar, os habitantes do centro histórico.

“O nosso programa teve como princípio ordenador não expulsar ninguém das suas casas; simultaneamente tivemos o cuidado de refazer o antigo sem deitar nada fora”, explica a arquitecta Alexandra Gesta, vereadora da autarquia e responsável, desde o início, pelo projecto de requalifi cação urbana do centro histórico.

Quem chega a Guimarães e percorre as suas ruas estreitas e praças aconchegadas constata que

1. Monte e santuário da PenhaVer Guimarães de longe é um bom ponto de partida para esta visita guiada. Ao monte e santuário da Penha, na encosta nascente da cidade, chega-se de automóvel, de bicicleta, a pé e também de teleférico (demora pouco mais de dez minutos a fazer este percurso paisagístico de quase dois quilómetros). Lá em cima, comece-se por subir ao miradouro mais alto, encimado pela estátua do papa Pio IX. “Daqui vemos de que é feita esta terra, que não

Dez séculos de arquitectura(s) aos nossos pés

O turista tradicional é “despejado” pelo autocarro na colina do castelo e do Paço dos Duques de Bragança, aconselhado a descer a Rua de Santa Maria até à Praça de Santiago e ao centro histórico, e depois recolhido no Largo do Toural para regressar ao seu destino. Não podendo esquecer este roteiro, uma visita ao património histórico e arquitectónico de Guimarães, que no próximo sábado é investida Capital Europeia da Cultura, não deve fi car por aqui. É isso que Sérgio C. Andrade (texto) e Nelson Garrido (fotos) explicam, guiados pelos arquitectos Alexandra Gesta e Ricardo Rodrigues

esse programa foi concretizado com sucesso. A roupa a secar nas varandas fl oridas, as mulheres às janelas conversando com os vizinhos, as crianças a jogar à bola na rua, as bancas às portas das mercearias, as pessoas cumprimentando quem passa, mostram que estamos perante gente da terra. E que se distingue facilmente dos habitantes que, desde o século XVIII, fi zeram crescer a cidade para fora das muralhas que delimitam o núcleo classifi cado pela UNESCO em 2001.

A pulsão humana no centro histórico é um motivo acrescido para uma visita a esta cidade onde os portugueses normalmente se deslocam para viajar no tempo e participar desse lugar mítico que esteve na origem da nacionalidade. Mas se um passeio por Guimarães não pode prescindir do circuito entre o castelo e o Paço dos Duques de Bragança, seguido da descida até à Praça de Santiago e à Igreja da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, ele pode (e deve) ir além desse roteiro turístico convencional. E prestar atenção não só a outros sítios como a detalhes menos óbvios nos edifícios mais conhecidos, tanto do património histórico como da arquitectura contemporânea.

Para fazer este percurso, a Fugas contou com a ajuda de dois guias com um conhecimento especial da terra: os arquitectos Alexandre Gesta e Ricardo Rodrigues (também membro da equipa do GTL).

A ordem deste roteiro em dez etapas é arbitrária e adaptável aos interesses (e à disponibilidade de tempo) do visitante, que tanto pode demorar um dia inteiro, como fazê-lo em escassas horas. Mas deve ser feito a pé — pois é a pé, e devagar, que se vê longe.

é uma cidade como as outras também do ponto de vista da ordenação urbanística; não é uma cidade canónica, como Braga, por exemplo”, começa por dizer Alexandra Gesta, chamando a atenção para a leitura que daqui se pode fazer do núcleo central e da sua relação com as linhas de água e a envolvente verde, mas também com as novas faixas de crescimento urbanístico.

Mas é o santuário projectado por José Marques da Silva (1869-1947) a principal atracção arquitectónica deste lugar também marcado pela profusão de megalitos e grutas. O arquitecto portuense (Estação de São Bento e Teatro São João) desenhou o templo em 1930 (as obras começaram no ano seguinte e só acabaram em 1947), um edifício que é “uma profi ssão de fé no granito” e uma obra de “volume massivo e depurado”, como o descreve André Tavares no seu livro Em Granito – A Arquitectura de Marques da Silva em Guimarães. Na descida à cidade, o visitante poderá depois ver de perto mais duas das várias obras que o arquitecto aqui projectou: o edifício da Sociedade Martins Sarmento (1900-08), que é “verdadeiramente a obra parisiense e de expressão Beaux Arts de Marques da Silva” — diz André Tavares à Fugas —, e a fachada do mercado municipal (1927-42), actualmente em estaleiro para a transformação no Centro de Artes José de Guimarães, mas onde é ainda notória a elegância das suas linhas. μ

argo da Oliveira são um dos postais da cidade

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Guimarães, Capital Europeia da Cultura 2012

2. Pousada de Santa MarinhaNa encosta poente da Penha fi ca a Pousada de Santa Marinha da Costa, instalada num edifício que remonta ao século IX. Ao longo dos tempos, o convento foi também colégio de artes e escola de teologia, até à transformação em pousada, em 1977. Fernando Távora foi o autor da adaptação, realizada após um estudo exaustivo da história do edifício. Seguiu o critério de “continuar, inovando” — como o próprio escreveu —, mantendo e actualizando a austeridade monástica que marca o conjunto convento-jardins-parque. Foi uma intervenção exemplar e de extrema simplicidade, que, no entanto, não deixou de motivar polémica, quando o arquitecto decidiu desenhar uma ala suplementar para o serviço hoteleiro em jeito de sequeiro rural, com uma linguagem moderna.

Na viagem no tempo que o visitante/hóspede pode experimentar nesta pousada, Alexandra Gesta sugere a visita a um recanto entre o claustro e igreja onde Távora deixou, em tosco, as sucessivas camadas de intervenção no edifício, desde os vestígios duma porta moçárabe até ao betão armado do século XX.

Esta mão silenciosa e sábia da arquitectura de Távora, vamos senti-la depois em muitos lugares de Guimarães. “Ele foi o verdadeiro mentor da nossa intervenção arquitectónica e paisagística na cidade”, reconhece Gesta. Mas já lá chegaremos.

3. A Colina Sagrada/ Monte LatitoA caminho dos principais ex-líbris de Guimarães, vindo do teleférico, o visitante passa pelo Largo da Condessa Mumadona [Dias, c. 900-968], personagem a quem é atribuída a fundação de Vimaranes, quando determinou a construção de um castelo e de um mosteiro. Vale a pena parar e ver como o arquitecto Álvaro Siza dissimulou

nesta praça a implantação de um parque de estacionamento automóvel, que no piso -1 tem luz directa e um jardim de camélias, como se fosse o prolongamento do passeio público. “É o mais belo parque de estacionamento que conheço, uma solução inteligente, onde não se vêem aquelas bocas de túnel a engolir-nos para debaixo do chão”, elogia Alexandra Gesta.

A propósito, recorde-se que para este largo esteve projectado, e começou mesmo a ser construído, o projecto de Marques da Silva (1916) para os paços do concelho. A obra foi lançada em 1924, mas o golpe militar de 1926, que daria origem ao Estado Novo, acabou por resultar no abandono do projecto (duma anacrónica “ambição medievalista”, nota André Tavares) e na aposta na reconstrução do Paço dos Duques de Bragança, a partir de 1936, segundo um desenho do arquitecto Rogério de Azevedo, e com supervisão da Direcção-Geral dos Edifícios e

Monumentos Nacionais (DGEM).Sobre este edifício — que em

1959, terminada a obra, foi erigido em residência ofi cial (na província) do Presidente da República e simultaneamente aberto ao público como museu —, vale a pena dizer que a sua arquitectura baralha qualquer tentativa de defi nição, e se afasta claramente do perfi l da casa senhorial do século XV que o precedeu. “A infl uência das deslocações ao estrangeiro [de Rogério de Azevedo] levam a que sejam considerados para esta obra modelos alheios à tradição portuguesa (…), sendo apontadas infl uências italiana, normanda e francesa”, escreve Eduardo Fernandes no seu recém-editado Guia de Arquitectura de Guimarães (Argumentum). Ricardo Rodrigues vê nele “um edifício fl amengo”, a copiar os modelos construtivos do Norte da Europa, com os telhados muito inclinados, por exemplo, mas curiosamente usando telhas dos edifícios modernos. No espólio de mobiliário, louças, armaria e tapeçaria que contém, o Paço dos Duques de Bragança guarda as cópias das famosas tapeçarias de

Pastrana (século XV), atribuídas a Nuno Gonçalves, representando a conquista do Norte de África (Arzila, Tânger…), e cujos originais se encontram em Espanha.

E há o castelo, claro, também restaurado pela DGEM em meados do século passado, e sobre o qual não há muito a acrescentar à história documentada na informação turística — o mesmo acontece com a capela românica de São Miguel, ao lado, lugar onde se crê que D. Afonso Henriques foi baptizado. Uma experiência curiosa será comparar o perfi l actual da colina do Monte Latito com as fotos do lugar anteriores à intervenção da DGEM, que estão na imperdível exposição Reimaginar Guimarães, no CAAA (Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura).

A Casa da Rua Nova foi recuperada por Fernando Távora no início dos anos 80 Edifício Muralha Parque de estacionamento da autoria de Álvaro Siza

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4. Da Rua de Santa Maria à Casa da Rua NovaDescendo a colina em direcção ao centro urbano, temos a estátua de bronze de D. Afonso Henriques do escultor Soares dos Reis (1887), cuja fi gura ajudou a formar o imaginário histórico de muitas gerações de portugueses — já agora, vale a pena compará-la com a nova estátua de pedra de João Cutileiro (2001), no Largo da Misericórdia.

Ainda no Largo Martins Sarmento (ou do Carmo), os guias da visita chamam a atenção para a fachada ondulada das casas, situação que se repete, mais à frente, no Largo de Santiago. “Com o tempo, as casas começam a ondular e a ligar-se umas às outras, não sendo nada fácil intervir nelas separadamente”, nota Ricardo Rodrigues.

Entramos depois na Rua de Santa Maria (antiga Rua da Infesta), que foi a artéria original de ligação do castelo ao mosteiro (depois Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira) do tempo da Mumadona. O antigo Convento de Santa Clara, actual sede da Câmara Municipal, surge à esquerda. A Praça do Município é a primeira das quatro que foram reabilitadas por Fernando Távora, e que, mesmo na fonte desenhada pelo arquitecto, se coaduna com o estilo barroco pré-existente. “O arranjo de cada local reveste-se de um carácter próprio, de acordo com a sua forma, as suas funções, o seu ambiente construído”, escreve Eduardo Fernandes no seu Guia, citando o próprio Távora. É assim que teremos, mais à frente, um fi gurino medieval na Praça de Santiago, renascentista no Largo da Misericórdia, e romântico no da Condessa do Juncal.

Ainda no encalço da intervenção de Távora, Alexandra Gesta e Ricardo Rodrigues levam-nos à Rua de Egas Moniz para mostrar a Casa da Rua Nova (velho nome desta artéria junto à muralha), que é a sede do GTL. É uma pequena construção de três pisos do século

XVII/XVIII, que foi recuperada pelo arquitecto portuense no início dos anos 80 (recebeu o Prémio Europa Nostra em 1985), e que se tornou num modelo para a política de intervenção da câmara no centro histórico. Nessa casa típica da terra, com primeiro piso em granito e os dois seguintes com fachadas em ressalto e em madeira (taipa de fasquio e de rodízio), Távora seguiu as técnicas e os modelos construtivos tradicionais para reparar a fachada pré-existente e reconstruir a parte anterior, que estava destruída. “Ele dizia: ‘Deixem os empreiteiros fazer como sabem fazer’”, recorda Ricardo Rodrigues. No interior da casa, que, apesar de acolher os serviços municipais do GTL, está aberta a visitas, vários óculos abertos nas paredes fazem uma espécie de radiografi a dos materiais e das técnicas utilizadas nas diferentes intervenções ao longo do tempo.

5. Igreja de Nossa Senhora da OliveiraNo regresso à História e ao centro urbano, desaguamos no Largo da Oliveira, onde as arcadas dos antigos Paços do Concelho fazem a ligação com a Praça de Santiago, mantendo o fi gurino medieval. Vale a pena entrar e subir ao primeiro piso da velha câmara para admirar, na sala das audiências, um tecto de madeira em masseira decorado com uma belíssima pintura a óleo representando a Justiça e a deusa grega Atena. Crê-se que a pintura, que foi restaurada recentemente, date dos séculos XVII-XVIII.

O Largo da Oliveira — lugar fundador de Vimaranes e que mantém uma “réplica” da árvore associada à lenda das origens — é dominado pela Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, mandada construir no fi nal do século XIV por D. João I, a assinalar a vitória em Aljubarrota. O seu interior “está cheio de cicatrizes da História”, mostra-nos Ricardo Rodrigues,

chamando a atenção, por exemplo, para os vestígios de pinturas sobre o granito das colunas e das paredes — “é errada essa ideia agora muito generalizada de que o granito era sempre deixado em pedra viva”, diz o arquitecto — , mas também para as “coisas imperfeitas” que denotam o passar do tempo e nos dão pistas de leitura para as diferentes épocas e estilos.

Os roteiros do Turismo dão-nos a indicação de que há em Guimarães oito igrejas, três capelas e outros tantos conventos a visitar, todos eles com a sua história e a sua diferença. Ricardo Rodrigues aconselha a que se não perca, além da da Oliveira, as igrejas de São Francisco (também convento) e de São Domingos, construídas fora dos limites da muralha e por isso testemunhos do crescimento da cidade. Ambos os edifícios têm raiz gótica, mas foram alteradas sucessivamente, assumindo no século XVIII o perfi l barroco. No interior, têm marcas de várias estéticas, na talha dourada, azulejos, frescos, mobiliário...

6. Museu de Alberto Sampaio e Sociedade Martins SarmentoGeminado com a Igreja da Oliveira, o Museu de Alberto Sampaio (homenagem a um historiador local) abriu em 1928 nas instalações do velho mosteiro para mostrar a valiosa colecção da Colegiada: escultura medieval e renascentista, pintura, ourivesaria e peças icónicas dos primeiros tempos da nacionalidade, como o cálice românico de D. Sancho I, ou o loudel que D. João I usou em Aljubarrota. Vale também a visita o seu meio claustro, a mostrar mais uma dessas cicatrizes do desenvolvimento urbano.

Este museu e o da Sociedade Martins Sarmento (1881-85), fora das muralhas, são as instituições museológicas mais prestigiadas da cidade. O que acolhe o espólio reunido pelo arqueólogo que decifrou a Citânia de Briteiros desenvolveu-se também num processo idêntico ao do Alberto Sampaio, invadindo progressivamente, através do já referido projecto de Marques da Silva, os terrenos do convento de São Domingos, que fora destruído por um incêndio no século XIX, e do qual apenas sobreviveu o belo claustro do século XIV. Para além da arquitectura de Marques da Silva (o hall de entrada e o salão nobre), a visita a este museu de arqueologia oferece outra inesperada viagem no tempo, já que as peças são expostas de acordo com os princípios metodológicos de há um século. É também indispensável ver a biblioteca e o arquivo. μ

Rua de Santa Maria

A artéria histórica da ligação do Monte Latino ao centro urbano, onde se encontra a Casa da Rua Nova

Igreja de N. Sra. da Oliveira

O principal edifício religioso da terra foi mandado construir por D. João I

Largo do Toural O espaço foi alvo de uma nova intervenção urbanística a pretexto da Capital Europeia da Cultura

Palácio Vila Flor

Edifício modernizado e ampliado em 2005 é actualmente o principal espaço cultural vimaranense

Museus de Alberto Sampaio e da Sociedade Martins Sarmento

Duas instituições de referência na história da cidade no século XX

Bairro de Couros e Ilha do Sabão Dois testemunhos, bem preservados,da história pré-industrial da cidade

Pr. Santiago

Colina Sagrada

Largo CondessaMumadona

GuimarãesShopping

MercadoMunicipal

PavilhãoMultiusos

Estação CPCidadeDesportiva

Estádio D. AfonsoHenriques

Universidade do Minho

Parqueda Cidade

PercursoPedonal

Teleférico

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Castelo, Capela de S. Miguel e Paço dos Duques de Bragança

Os três principais monumentos da Colina Sagrada são os ex- -líbris da cidade

Pousada de Santa Marinha da Costa

Recuperação do velho convento é um momento marcante na obra de Fernando Távora

Monte da Penha

Um lugar privilegiado para ver a cidade de longe

GuimarãesCapital Europeia da Cultura 2012

Casa Ant. Rocha e Edifício Muralha

Dois exemplos, de épocas diferentes, da arquitectura contemporânea na cidade

Guimarães

Lisboa

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7. Largo do TouralÉ tempo agora de sair do núcleo histórico. Não para retomar a camioneta dos turistas apressados, mas para fruir a cidade na sua face “exterior”. O Largo do Toural é uma espécie de “sala de visitas”, que, fruto da intervenção apadrinhada pela Fundação Guimarães 2012, hoje apresenta um perfi l diferente do das últimas décadas. A sua história remonta ao século XVI, mas a confi guração actual vem de Setecentos, do tempo da construção da Igreja de São Pedro (que fi cou incompleta, faltando-lhe a segunda torre) e principalmente da dita “frente pombalina” (um desenho enviado pela Rainha D. Maria I), e cuja unidade contrasta com as fachadas do centro histórico. A recente intervenção neste largo, e na Alameda de São Dâmaso que lhe dá continuidade urbanística, teve assinatura da arquitecta Maria Manuel Oliveira, e o novo piso (representando o mapa do núcleo histórico classifi cado pela UNESCO) foi desenhado pela pintora Ana Jotta. Nele não deixa de causar alguma perplexidade ver o pavimento colado aos troncos das jovens árvores que aí foram plantadas, sem lhes deixar espaço para o crescimento natural. Dizem que é para mostrar como a natureza simultaneamente dialoga e rompe com o espaço edifi cado!...

Ainda que dizendo não gostar de falar de arquitectura, nem da obra dos seus colegas de profi ssão — “há regras gerais, e depois cada um faz o que lhe aprouver, e assina”, diz —, Alexandra Gesta vê na intervenção no Toural e na Alameda “um projecto de actualização dos espaços públicos que continua a permitir a leitura da cidade e é coerente com a política urbanística geral”. (O visitante pode também comparar a imagem do Toural de hoje com a de há cerca de um século na já citada exposição de fotografi as no CAAA).

8. Couros e Ilha do SabãoO bairro ou Núcleo Industrial de Couros (ou Pelames) foi um importante centro de actividade económica em Guimarães, desde a Idade Média. Nos séculos XVIII-XIX, na era pré-industrial, este lugar conheceu um grande desenvolvimento com a instalação, nas margens da ribeira de Couros, de várias manufacturas de peles. Actualmente, perdida a importância dessa actividade que praticamente desapareceu da cidade, a autarquia incluiu a intervenção no bairro nas prioridades da Capital Europeia da Cultura. Esse trabalho está em curso, e nele avulta o projecto — com assinatura de Ricardo Rodrigues — de restauro da antiga Fábrica Âncora e da Ilha do Sabão. A primeira é especialmente notada pela rede de tanques de

lavagem e tratamento das peles, que se estende por 500 metros, e que é um exemplar único na Europa desta forma tradicional de tratamento dos curtumes — e que o arquitecto afi rma ser comparável, em dimensão, aos tanques de curtimento de Fez, Marrocos. A intervenção na antiga fábrica, iniciada em 2005, teve como preocupação central o reparo das estruturas existentes, mantendo, na medida do possível, a sua estrutura arcaica — edifícios e pavilhões em pedra e madeira, pintadas de branco e vermelho. Já aí funcionam, nos edifícios anexos, uma creche, um centro de dia, um Instituto de Design (arquitecto José Manuel Soares) e uma pousada de juventude (arquitectos Pedro Botelho e Maria do Rosário Beija), e a Câmara de Guimarães projecta também a instalação de centros de Ciência Viva e de Pós-Graduação da Universidade do Minho.

O passeio por esta face mais escondida de Guimarães deve ser completado com a passagem pela Ilha do Sabão, um pequeno núcleo habitacional que é uma espécie de “Portugal dos Pequenitos”, e que pertenceu a uma família de grandes proprietários da manufactura dos couros. Ricardo Rodrigues quis manter também aqui a traça e a atmosfera originais, com o objectivo de devolver as casas aos habitantes, àqueles que aí já viviam e aos novos que são agora convidados a reocupar e humanizar esta zona deprimida da cidade.

9. Centro Cultural Vila FlorDo bairro de Couros à Avenida D. Afonso Henriques, que nos leva ao Palácio/Centro Cultural Vila Flor, é um saltinho. Este palácio barroco que começou a ser construído no século XVIII e só foi acabado no século XX foi adquirido em 1976 pela câmara, inicialmente para funcionar como extensão da Universidade do Minho. Em 2005, foi transformado em centro cultural, e dotado com um novo módulo (atelier Pitágoras), com dois auditórios (800 e 200 lugares), restaurante, café-concerto, sala de ensaios e de serviços administrativos, para além de um parque de estacionamento. Transformou-se com naturalidade no principal pólo cultural da cidade, acolhendo, entre outras estruturas, a Ofi cina de Teatro. O minimalismo do moderno edifício vai bem com o palácio barroco (sede actual da Fundação Guimarães 2012). É entre estes dois espaços que vão decorrer muitas das iniciativas do calendário da Capital Europeia da Cultura (ver caixa). E, nos intervalos, justifi ca-se fazer um passeio pelos jardins do Vila Flor, e ver na fachada posterior do edifício antigo as estátuas dos primeiros reis de Portugal.

10. Arquitectura moderna e contemporâneaJá aqui vimos que o património de Guimarães não se esgota no castelo, no Paço dos Duques de Bragança e nas igrejas. A cidade tem vindo a ser também marcada, nas últimas décadas, com intervenções e edifícios modernos, alguns dos quais entraram já por mérito próprio no roteiro arquitectónico da cidade — como se pode ver pelo guia de Eduardo Fernandes. Alexandra Gesta regressa, uma vez mais, ao papel de Fernando Távora na mudança de paradigma estético na cidade. “A vinda dele deu também a Guimarães uma arquitectura corrente renovada e de qualidade acima da média, que seguiu a sensibilidade introduzida na gestão municipal”, diz a arquitecta-vereadora.

Dois exemplos a visitar. A Casa António Rocha (Delfi m Amorim e Oliveira Martins, 1947), junto ao Largo do Carmo, “é a primeira casa de desenho moderno construída no centro histórico de Guimarães; os seus autores tiveram de enfrentar alguma resistência das autoridades municipais” para levar por diante este projecto, que denota a infl uência de Corbusier, diz Eduardo Fernandes. Os seus autores integraram o grupo ODAM (Organização dos Arquitectos Modernos), que no fi nal da década de 40 introduziram a linguagem moderna na arquitectura

Guimarães, Capital Europeia da Cultura 2012

A Ilha do Sabão pertenceu a uma família ligada à manufactura dos couros O Largo do Toural é uma espécie de sala de visitas da cidade

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Fugas • Sábado 14 Janeiro 2012 • 23

portuguesa. O Edifício Muralha (António Gradim, 1985), sede da Polícia Municipal, no Largo da Condessa do Juncal, constituiu uma excepção à regra do ordenamento camarário, já que o arquitecto, que trabalhou em colaboração com Távora, pôde fazer uma intervenção moderna neste lote duplo atravessado pelas pedras medievais. Manteve a fachada original, do lado da Alameda, e abriu uma grande superfície envidraçada na outra face, que permite ver (e também visitar, como espaço público) como o edifício preserva e expõe a própria muralha. Também os arquitectos Álvaro Siza (Plano de Pormenor dos Pombais, na Avenida de Londres), Pedro Ramalho (Plano da Quinta da Senhora da Conceição, bairro social que, no ano passado, foi objecto de obras de conservação

com a assinatura colorida da designer espanhola Agatha Ruiz de la Prada), Eduardo Ribeiro (Casa na Rua Joaquim de Meira, 1987-88, um prédio misto de habitação e comércio que faz bem a ponte entre a vizinhança histórica do Monte Latito e o tempo moderno) projectaram em Guimarães. E há muitos outros exemplos dispersos pela cidade: o Hotel Fundador (Sergio Fernandez e Pedro Ramalho, 1969-77), o Edifício Salgueiral (Manuel Graça Dias e Egas José Vieira, 1998-2003), a intervenção no Estádio D. Afonso Henriques para o Euro 2004 (Eduardo Guimarães,

15 de Abril – Começa o ciclo dedicado ao realizador italiano Ermano Olmi.

28 de Abril – Concerto Expensive Soul Symphonic Experience, com a FOE.

2 de Junho – Delfim Sardo reúne João Queiroz, Julie Mehretu, Michael Biberstein e Michael Borremans na exposição Flatland Redux.

10 de Junho – Os Lusíadas são o tema de uma conferência internacional sobre Camões e os tempos de crise.

16 de Junho – Exposição do artista francês Christian Boltanski, organizada por João Fernandes. Apresentação dos trabalhos do concurso internacional Performance Architecture, comissariado por Pedro Gadanho.

1 de Julho – Estreia do filme que levou Jean-Luc Godard de regresso a Sarajevo e ao tema da História e da Memória.

27 de Julho – Concerto da Orquestra Chinesa de Macau.

28 de Julho – Recital de Ute Lemper, a última diva do cabaret europeu.

7 de Setembro – Estreia de Where have we been and what did we do there, da coreógrafa sérvia Sanja Mitrovic.

16 de Setembro - Ciclo dedicado ao realizador brasileiro Glauber Rocha.

18 de Setembro – Concerto da FOE com a violinista russa Victoria Mullova.

Setembro (data a designar) – Homenagem a Fernando Távora, com coordenação de Álvaro Siza.

29 de Setembro – Exposição Archigram: Arquitectura Experimental 1961-1974, comissariada por Gabriela Vaz-Pinheiro.

29 de Setembro – Concerto da Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música.

5 de Outubro – Exposição Terzo Paradis, de Michelangelo Pistoletto.

21 de Outubro – Congresso Histórico de Guimarães.

3 de Novembro – Estreia de Quadros Vivos para o Ano Jubileu, a partir de O Homem Sem Qualidades, de Robert Musil, encenação de João Pedro Vaz (Oficina/Comédias do Minho).

8 de Novembro – Guimarães Jazz.

12 de Dezembro – António Fonseca recita Os Lusíadas.

15 de Dezembro – Estreia da ópera Mumadona, Carlos Tê e Carlos Azevedo.

Capital da Cultura em quatro estaçõesA equipa de programação de Guimarães 2012 estruturou o calendário de eventos em quatro ciclos, que acompanham as estações do ano. Das mais de seiscentas iniciativas anunciadas (e nem todas ainda calendarizadas), aqui ficam algumas a não perder.

21 de Janeiro – O dia inaugural divide-se entre um concerto de músicas do mundo no Pavilhão Multiusos (18h) — com Ritinha Lobo (Cabo Verde), Chico César (Brasil), Yami (Angola), ao lado de Cristina Branco, Rão Kyao e o grupo Danças Ocultas —, e o espectáculo de animação de rua, Berço de uma Nação, no Largo do Toural (22h). Aqui, a companhia catalã La Fura dels Baus envolve a população numa performance em volta da história da cidade e do tema do coração, ícone da CEC.

1 de Fevereiro – 2º Festival GUIDance: Ballets C. De la B. estreia a coreografia de Koen Augustijnen, Au-delà. Dois dias depois, será a vez de Dancing with the Sound Hobbyist, de Simon Mayer e Anne Teresa de Keersmaeker (a coreógrafa belga regressa a 16 de Junho, com a peça Cesena).

12 de Fevereiro – Começa o ciclo dedicado a Sacha Guitry (1885-1957), um dos grandes nomes do cinema clássico francês.

18 de Fevereiro – Primeiro concerto da Fundação Orquestra Estúdio (FOE), sob a direcção do maestro Rui Massena. Pedro Burmester é o solista convidado.

25 de Fevereiro – Rui Simões estreia o filme sobre as festas Gualterianas, o primeiro dos dez documentários televisivos prometidos sobre temas vimaranenses.

1 de Março – The Anarchy of Silence: John Cage e a Arte Experimental – revisitação da obra do compositor americano na relação com as artes visuais e performativas e com o cinema.

2 de Março – Estreia de A Morte de Danton, que Jorge Silva Melo e os Artistas Unidos encenam a partir de George Büchner.

7 de Março – Concerto do flamengo Wim Mertens com a FOE.

10 de Março – O Ser Urbano – Nos Caminhos de Nuno Portas, exposição comissariada por Nuno Grande sobre esta figura dominante da arquitectura e urbanismo português da segunda metade do século XX.

7 de Abril – O Castelo em 3 Actos, projecto de Paulo Cunha e Silva em volta do símbolo mais mediático de Guimarães.

2001-03). Ou, já mais fora de portas, o invulgar e muito discutido cemitério de Monchique na colina da Penha (Maria Manuel Oliveira e Pedro Mendo com o paisagista Daniel Monteiro, 1996-2004), cujo desenvolvimento se tem afastado, contudo, do projecto que em 2005 valeu aos autores o Prémio Nacional de Arquitectura Paisagística.

Este roteiro pela arquitectura mais recente obriga já ao uso do automóvel. Alexandra Gesta sugere que o passeio termine na colina oposta à Penha, a olhar na encosta do vale do rio Selho a casa da família de Távora (Quinta da Covilhã), uma propriedade que o próprio arquitecto recuperou — como “um acto de amor”, escreveu o próprio — de forma “muito simples e muito culta”. Desse miradouro, observamos a mancha rural que envolve uma cidade que mantém essa matriz, mas que simultaneamente quer projectar-se de forma cosmopolita para o futuro. “Entre estes lavradores que aqui vemos a trabalhar a terra e os músicos chineses e fi nlandeses que estão a tocar na Fundação Orquestra Estúdio há dez minutos de distância. É esta a realidade do nosso território”, diz Ricardo Rodrigues.

O Palácio de Vila Flor ganhou um novo edifício em 2005

A Fábrica Âncora foi reabilitada no âmbito da Capital da Cultura

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Guimarães, Capital Europeia da Cultura 2012

A cidade no divã

Guimarães só é Capital da Cultura porque durante anos teve o Guimarães

Jazz. E os Festivais Gil Vicente. E o maior cineclube do país. E uma

cambada de gauleses que, contra a maré e contra a geografi a, teimam em

agrupar-se em clubes e associações de todos os tamanhos e feitios. Natália

Faria (texto) e Nelson Garrido (fotos) puseram-nos a discutir a identidade da

cidade onde nasceu Portugal

Há um Hitchcock de corpo inteiro recortado numa porta com as sobrancelhas em perpétua interrogação. Mas não é preciso o talento detectivesco do mestre do suspense para descobrir como é que Guimarães chegou até aqui — e por aqui entenda-se Capital Europeia da Cultura 2012. Basta olhar pela janela que abre para o Largo João Franco, em pleno centro histórico de Guimarães, fazer um rewind até ao início dos anos de 1990 e recordar o largo a abarrotar de gente, que ali se juntou para ouvir os Madredeus, numa altura em que a voz de Teresa Salgueiro era revelação só de alguns.

Basta ouvirmos Carlos Mesquita, um dos mentores do Cineclube de Guimarães, em cuja sede nos encontramos, recuar mais alguns anos para, quase envergonhado da cedência à imodéstia, confi rmar que este cineclube, criado em 1958, é o mais antigo e o maior do país: quase 900 sócios, uma média de 14 mil espectadores por ano. E isto sem pipocas e a golpes dos Bergman, dos Godard, dos Visconti e dos irmãos Coen que deixam

Nasceu Portugal”. Mas nem sequer são estas as imagens que aparecem quando jornais como The Guardian ou The New York Times elegem a cidade como um dos locais a visitar em 2012. O que estes jornais dão a conhecer é o tal cenário maneirinho das varandas, com camisolas, vestidos, toalhas, cuecas, a secar ao sol. “Isso ajuda a criar a sensação de que em Guimarães não se vive só, de que ninguém morre no passeio, porque há sempre uma mão que se estende”, prossegue Mesquita, para quem foi a escala geográfi ca humanizada que deixou o associativismo germinar. “Braga, por exemplo, pagou a factura de uma certa lógica de crescimento. Nós aqui mantivemos um lado gregário, quase gaulês, em que os romanos são todos os tipos que não gostam de Guimarães. Mas essa espécie de patriotismo de cidade e esse lado gaulês são q.b. como na culinária, porque, sendo fechado e cioso de si, é muito amante de quem, vindo de fora, gosta de nós.”

auditórios de 800 lugares com poucos vazios. Bastaria dar umas passadas até à sede da Associação Cultural Convívio, no mesmo largo, e recordar como é que o Guimarães Jazz, velhinho de 20 anos, se afi rmou no cartaz cultural como o mais importante festival de jazz do país. Ou atravessar até à Rua de Santo António e seguir, na direcção oposta à do Toural, em direcção ao Centro de Artes e Recreio (CAR) para recordar a génese dos Festivais Gil Vicente nos idos anos 1950. É tudo à distância de alguns passos. Mas já lá iremos. Por enquanto está Carlos Mesquita com Guimarães no divã. “O que separa Guimarães das outras cidades é a pequenez humanizada. Esta dimensão de varandinhas e de roupa a secar que confere um lado mimoso e maneirinho, que é pequeno mas que nada tem de menor. Pelo contrário, que só reforça a identidade fortíssima desta cidade”, introduz.

Para cimentar a identidade vimaranense, claro que o castelo teve papel importante. Assim como o Paço dos Duques, apesar do seu ar pintado de fresco, assim como a muralha onde pesponta, sobranceira, a convicção “Aqui

O Centro Cultural Vila Flor foi criado em 2005

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o encontro de pessoas sem travar o fl uxo de ideias que são expansionistas implacáveis. E se temos hoje o maior festival de jazz do país isso deve-se à nossa capacidade de vermos para além do nosso umbigo. Há até quem diga que Guimarães é melhor madrasta do que mãe, precisamente porque acolhe muito bem quem traz saber de fora”, caracteriza Isabel Machado, presidente do Convívio.

“Em Guimarães as coisas acontecem facilmente. Primeiro porque há pessoas que querem que elas aconteçam, uma espécie de sede, e depois o poder político é encorajador e facilitador do processo. Noutros lugares isso não acontece, por falta de vontade, porque as pessoas estão demasiado cientes do seu umbigo e têm medo de perder protagonismo...”, aponta Ivo Martins, director artístico do Guimarães Jazz há 16 anos. “Não sendo de Guimarães, chamaram-me para fazer isto sem preocupações de protagonismo e isso diz bem do desprendimento e da abertura que se vivem na cidade”, acrescenta. Esta recusa da “fossilização da identidade” no

Small is beautifulQuanto a controvérsias históricas, demo-nos por conversados. Batamos antes à porta da Associação Cultural Convívio, no n.º 8 do Largo João Franco, mesmo em frente à estátua de D. Afonso Henriques por João Cutileiro, não há que enganar. O Convívio está a reinventar-se para acolher uma residência para artistas, por ora a cineasta Margarida Gil está aqui a fi lmar para um documentário sobre Joaquim Novais Teixeira (nasceu em Guimarães, privou com Garcia Llorca, integrou o júri de Cannes, há até um prémio com o nome dele — para quem nunca tenha ouvido falar, é uma questão de “googlar” o seu nome) mas o que aqui nos trouxe foi o facto de o Convívio ter sido — e continuar a ser — o berço do Guimarães Jazz. “O grande capital de Guimarães é o seu património humano. Julgo que a escala humana da cidade tem essa enorme vantagem de proporcionar

património histórico tem retorno. Todos os anos, por alturas de Novembro, desaguam pessoas de Lisboa, Algarve, Galiza e até Madrid para assistirem aos concertos de jazz mais às jam sessions que se lhes seguem noite fora e que depois saem dali rendidas àquela espécie de small is beautiful que Guimarães oferece.

Desafi ado a escolher uma imagem que sintetizasse a identidade da cidade, se a esta lhe fôssemos atribuir um BI, José Bastos, à frente do Centro Cultural Vila Flor, criado em 2005, escolheria “um cidadão numa postura acolhedora”. Porquê? “Os vimaranenses têm uma enorme disponibilidade para acolher o que vem de fora, uma grande vontade de quebrar barreiras”. Mas “não aceita imposições nem não ser chamada a participar”. Foi esse um dos pecados capitais das pessoas que primeiro foram chamadas a assumir a Fundação Cidade de Guimarães, que gere a capital da cultura. μ

Esta desmesura também se vira do avesso. “Às vezes, há alguns exageros por se amar de mais”, aponta Amaro das Neves, presidente da Sociedade Martins Sarmento, uma instituição criada em 1882, que funcionou como a força motriz da cidade antes de a câmara ser câmara e que continua activíssima. É ele que nos transporta para o momento em que José Hermano Saraiva se atreveu a pisar solo vimaranense pouco depois de ter coordenado um dicionário da História de Portugal em que se escrevia em letra impressa que D. Afonso Henriques nasceu “provavelmente em Coimbra”. “Isso foi em 1990 ou 1991. A publicidade a esse dicionário tinha chegado às caixas de correio num daqueles panfl etos das Selecções Reader’s Digest e, tendo-se sabido que o homem ia estar cá, até panfl etos anónimos houve, distribuídos durante a noite por um grupo de cidadãos. No dia, estava uma multidão na Sociedade Martins Sarmento a querer pedir-lhe contas, polícia como eu nunca tinha visto. O Hermano Saraiva lá resolveu a coisa dizendo que o

texto não foi ele que escreveu e que ele era pela tradição e se a tradição dizia que D. Afonso Henriques tinha nascido em Guimarães...”.

À frente da Muralha, uma associação de defesa do património criada em 1981, Rui Victor Costa diverte-se quando vê miúdos no pré-escolar a repercutirem já o toque das Nicolinas, a festa dos estudantes do secundário, e papaguearem o signifi cado do enterro do Pinheiro, um ritual que se repete no dia 29 de Novembro de cada ano, e a tratarem Afonso Henriques por tu. “Tudo isso ajuda a conservar a identidade local”, sugere.

À sombra do seu Hitchcock, Carlos Mesquita enternece-se com este “lado fantasista” da cidade e minimiza-lhe a carga negativa. “As pessoas são muito mais constituídas por coisas que pensam de si próprias do que por coisas que são demonstráveis do ponto de vista da ciência histórica. Somos muito mais imaginadores do que conhecedores e, portanto, não me parece mal que se estejam nas tintas para o conhecimento histórico, que, aliás, tem a sua própria fragilidade e está em permanente reconstrução.”

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± “Os vimaranenses sentem esta cidade como sua e, positivamente orientado, este bairrismo tem efeitos fantásticos. Caso contrário, traduz-se em rejeição e recusa”. Saiu Cristina Azevedo, subiu João Serra, que rejeitou movimentos pendulares e tratou de se tornar morador — basta usar de alguma psicologia para ter a cidade aos pés.

“A cidade não é atávica nem fechada, longe disso, mas tem um bairrismo muito próprio que a leva a unir-se na defesa do que é seu”, concorda Manuel Azevedo Graça, a viver no Porto mas à frente do Museu Alberto Sampaio. Não fosse isso e algumas peças — por exemplo, o loudel que o rei D. João I usou na batalha de Aljubarrota — “provavelmente já não estariam por cá”, diz-se convencido Azevedo Graça, apontando um cliché fácil, o do futebol. “Quando o Vitória desce à II divisão, fi ca com o terceiro estádio mais cheio do país, com 20 mil espectadores por jogo. Se a cidade ou alguma instituição precisa, os vimaranenses unem-se para a defender contra tudo e contra todos.”

(Não nos detenhamos nas manobras futebolísticas e nas paixões que estas incendeiam, quanto ao Vitória de Guimarães lembre-se apenas que a Biblioteca Municipal Raul Brandão tem mais sócios que o clube de futebol — 35.645 a primeira, cerca de 25 mil o segundo — e voltemos ao museu.)

Copiando o exemplo da cidade, o Alberto Sampaio não cristalizou no património que detém e inovou quando, há dez anos, decidiu abrir as portas à noite nos meses de Verão. “Foi uma experiência inédita e muito bem-sucedida”, sublinha Azevedo Graça, deambulando do museu até à Praça da Oliveira, onde pontifi ca a árvore com o mesmo nome. Podia lá estar João Salgado. Ele que foi durante alguns anos um dos responsáveis da Bumerangue, uma revista de poesia produzida e editada a partir de Guimarães que, ao longo dos seus cinco números, publicou nomes como Adília Lopes, Alberto Pimenta e Nuno Júdice, além de Hisaki Matsuura e Manuel Gusmão. “O movimento associativo aqui nasceu da necessidade de criar oásis dentro do deserto e isso redundou nesta originalidade de valorização da actividade cultural de uma forma que não existia noutras cidades, até que o poder político, de certa forma pressionado pelo associativismo, surge a apoiar este efeito de bola de neve.”

A Bumerangue convive com outro atrevimento chamado Pedra Formosa, uma editora de poesia que, entre 1993 e 2003, “editou à volta de 40 títulos”, segundo Carlos Poças Falcão, vimaranense, professor e poeta premiado. “Durante décadas, a cidade foi pobre e bastante marginal no contexto da circulação dos bens culturais e até económicos. Houve uma geração nos anos 30 e 40 que teve algum peso e que depois, nos anos 60, levou a um boom de associações que, sem Internet e

sem as acessibilidades que hoje existem, criaram as estruturas para conseguir trazer à cidade escritores, artistas plásticos, do teatro e do cinema e cujo trabalho acabou por ter receptividade por parte daquilo a que se pode chamar a classe média jovem de Guimarães. Foi isto que fez levedar a massa e que permitiu que a cidade se constituísse como depositária de um centro cultural.”

Carlos Poças Falcão, como João Salgado, resistem, porém, a aderir acriticamente “à visão festiva que alguns agentes culturais e alguns políticos têm de uma cidade fortemente cultural”, como caracteriza Salgado. “Há de facto uma atitude muito positiva de valorização da cultura, mas as manifestações artísticas e culturais que exijam maior conhecimento e maior disponibilidade continuam a ter um público reduzidíssimo”, nota.

Se calhar porque nasceu na periferia da cidade — e convém não esquecer que, dos 158 mil habitantes do concelho, apenas cerca de 56 mil residem na sede do município, os restantes estão espalhados pelas suas 59 freguesias —, João Salgado rejeita igualmente a ideia de um homo vimaranensis, descendente de heróis e de santos. “O facto de estarmos numa cidade que simbolicamente é o berço da nação empolou um bocadinho esse fenómeno”, diz. “A cidade continua a ser de grande pobreza, dotada de equipamentos bons e com qualidade de vida, mas com uma população pouco qualifi cada e de rendimentos baixos e ligada a indústrias em crise.”

Estas manchas no retrato não impedem que, ao contrário de um

alentejano ou de um transmontano, um vimaranense se identifi que “como vimaranense e não como minhoto”, lembra Amaro das Neves. Nem retiram força a movimentos como aquele que se formou quando se anunciou a Universidade do Minho para Braga. “Houve uma pressão fortíssima para que Guimarães também ganhasse a universidade e a coisa foi de tal ordem que a universidade acabou dividida em dois pólos, com a Engenharia e a Arquitectura a fi carem por cá”. Nascido em Valongo, Amaro das Neves gosta da sensação que a cidade lhe dá de conhecer toda a gente “mas não tão bem que as pessoas se metam a mexericar as vidas dos outros”.

Small is beautiful. Desde que tenha aberta a janela para o mundo.

Devolver Um Amor Feliz a Guimarães

Guimarães para mim são as noites de domingo no cineclube e os entardeceres dengosos nas esplanadas do Largo da Oliveira, onde velhotas de preto se cruzavam com turistas de câmara e espanto apontado às esculturas fálicas da igreja com o mesmo nome, numa convivência que, de tão repetida, há muito tinha deixado de nos parecer estranha. Era o riso escarninho contra uma Clara Ferreira Alves ali convidada para apresentar um livro e a cronicar a sua estupefacção com a beleza das esplanadas e do património e com a pacatez cosmopolita a tantos quilómetros de Lisboa.

Para mim, Guimarães nunca foi o Castelo nem o Paço dos Duques, com o seu permanente desaguar de autocarros turísticos a espalhar a confusão multilingue. Guimarães era a vitela saboreada sob uma ramada de vides na Penha a temperar o calor escaldante — chegava-se lá pela curvilínea estrada da Costa, passando a Pousada de Santa Marinha, antes mesmo da preguiça do teleférico.

Guimarães eram os festivais de world music que me apresentaram os Frei Fado D’El Rei, que ainda revisito em CD pirateado. Era a Adriana Calcanhotto num qualquer 24 de Junho de um ano em que Calcanhotto ainda prometia ser revisitação no feminino de Chico Buarque (promessa que nunca veio a concretizar-se, mas isso na altura ninguém podia saber). Eram as noites de Verão com cinema

Natália Faria

Crónicaao ar livre — cinema e copos, cinema e velhas que nunca tinham visto a vida acontecer numa tela e se desmesuravam em reprovações sempre que um nu mais nu aparecia na tela.

Era a tentativa de insistir com o Manoel de Oliveira na tela e não conseguir conter o riso quando o suposto era o contrário e, apesar disso, uma plateia no S. Mamede a reverenciar os desmandos da Bovarinha e eu sem saber como era raro isso numa cidade pequena e periférica. Eram os Madredeus no Largo João Franco e era a Maria do Céu Guerra versão mãe coragem no palco do auditório da Universidade do Minho. Eram, antes disso, os concertos da Orquestra do Norte e os livros da Gulbenkian — ali mesmo a demarcar o Largo da Oliveira (mais gente sentada) e a Praça de Santiago (mais copo na mão) — a abrir-me para a Yourcenar e para o Cardoso Pires e para o Norman Mailler, para citar só alguns dos que levei para casa sem o selo da bibliotecária, desculpem-me a desfaçatez, a culpa era de quem impunha um limite máximo de três livros por empréstimo e eu gostava de mais, de muitos mais.

Como nunca fui dada a cumprir disciplinas, acontecia-me enganar-me e acabar a devolver livros que tinha roubado e a senhora a rasurar a confusão nos cartões de empréstimo a julgar-se responsável porque uma Marguerite Duras aparecia de repente transfi gurada em Milan Kundera. Ainda a posso ver, anafada, cabelo curto e encaracolado, óculos na ponta do nariz, a alternar o tricot com muitos “shiiiuuu” de fi ngida severidade.

Guimarães era assim quando eu tinha aquela idade em que nos descobrimos adultos. Gostava de lá voltar e devolver Um Amor Feliz do David Mourão-Ferreira que ainda guardo lá em casa, meio desfeito mas com as páginas todas e a fi ta (será verde, será cor-de-laranja?...) que o agrupava alfabeticamente na prateleira dos romancistas portugueses. Não é verdade que não se deva voltar aos sítios onde fomos felizes.

Guimarães, Capital Europeia da Cultura 2012

O Cineclube de Guimarães é o maior e o mais antigo do país

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PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROSSecr etaria de Estado da Cultura

Secr etaria-Geral

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Guimarães, Capital Europeia da Cultura 2012

Poderíamos recuar até aos primórdios da nacionalidade para se perceber que as tradições gastronómicas de Guimarães são um legado com muitos séculos. Já nas Inquirições de 1220, ordenadas por D. Afonso II, neto de Afonso Henriques, se referia o abastecimento de cabritos, cordeiros, patos ou capões aos conventos e casas senhoriais da cidade, sendo igualmente assinaladas as necessidades de pescados e polvos para os dias de abstinência ou o pagamento de foro pelas lampreias que por esse tempo seriam pescadas no rio Vizela.

Como em outros aspectos, também na culinária Guimarães é hoje espelho de sábia e equilibrada mistura entre história, tradição e modernidade. A par de espaços de cozinha evoluída e que fornecem novos conceitos de bar e casas de comida, a cidade mantém os restaurantes de sempre com a sua cozinha opulenta, ou as populares tascas de comidas simples e saborosas e as inseparáveis malgas de tinto sanguinolento.

Do centro histórico aos núcleos fabris, das modernas urbanizações às zonas rurais, a oferta é abundante e não é difícil encontrar poiso adequado para o conforto do estômago, sobretudo se o que se procura é a boa cozinha regional. A lista que se segue é uma escolha necessariamente limitada. Escolhas para todos os gostos, estilos e orçamentos, mas também acessíveis a pé a partir do centro histórico. Com uma única excepção: o restaurante São Gião, que fi ca bem fora da cidade mas sem o qual qualquer roteiro fi caria naturalmente incompleto.

PapaBoa

Para além de um restaurante com estilo, o PapaBoa é também um conceito onde gastronomia e modernidade andam a par. Sala ampla ocupando todo o piso térreo de uma moradia, decoração elegante e de estilo contemporâneo e cozinha a condizer combinando alguns dos pratos e sabores identifi cados com a tradição e as mais actualizadas técnicas e produtos gastronómicos. A cozinha é comandada pela chef Isabel Vitorino, que partilha a gestão do negócio com o irmão Filipe, que se ocupa da sala. Ainda jovens, ambos decidiram investir na terra natal depois de terem acumulado experiência em algumas das mais prestigiadas cadeias hoteleiras nacionais.

PapaBoaRua Capitão Alfredo GuimarãesTel.: 936 774 485; 253 416 872www.papaboa.ptFecha aos domingos

Histórico Da responsabilidade da mesma equipa do PapaBoa, o Histórico tem um estilo mais descontraído e de tendência petisqueira, mas igualmente apoiado na elegância e critério gastronómico. E preços bem mais em conta. Além de ter recuperado e dar utilização a um belo palcete do século XVII bem no miolo do centro histórico, é um espaço multifacetado com áreas de restaurante, esplanada, terraço e gelataria. Além dos preços moderados, a oferta gastronómica é também bastante interessante, privilegiando os petiscos de estilo tradicional. Pequenas porções de rojões, moelas, pataniscas, salada de bacalhau, tripas enfarinhadas, gambas fritas, polvo ou cogumelos

À mesa, entre a tradição e a modernidade

Também na culinária Guimarães é hoje espelho de sábia e equilibrada mistura entre história, tradição e modernidade. A Fugas embrenhou-se pelas ruas históricas em busca de aromas e sabores e deixa-lhe um roteiro que vai da sofi sticação à tasca mais popular. José Augusto Moreira provou e Nelson Garrido fotografou

PapaBoa

Adega dos Caquinhos

salteados. Tudo a rondar os 3€. Há também uma lista de carnes e peixes, a par de um almoço executivo que é servido de segunda a sexta pelo preço de 8,5€.

HistóricoRua de Val Donas, 4(entrada pela Pr. João Franco)Tel.: 915 429 700www.papaboa.pt/historicoAberto todos os dias

CheersO Cheers é também um espaço duplo, mantendo embora o mesmo estilo e personalidade. O conceito é apresentado como oferecendo “o melhor da cozinha tradicional portuguesa, através de deliciosos petiscos e pequenos prazeres de sabores e texturas” e é mesmo disso que se trata. Henrique Ferreira é um jovem chef em cuja cozinha se notam o benefícios do tempo em que trabalhou com Miguel Castro e Silva, provavelmente o mais genial intérprete da nossa cozinha tradicional. Pequenos mimos como uma massada de bacalhau com camarões, bacalhau com migas, açorda de gambas, perna de pato com castanhas ou folhado de aves, com o requinte da alta cozinha, em ambiente de bar moderno e a preços bem contidos. Outro dos atractivos é a alargada oferta de vinho a copo, abrangendo todas as regiões e incluindo espumantes, vinhos do Porto e colheitas tardias.

Cheers AvenidaAv. D, Afonso Henriques, 917 (junto à estação da CP)Tel.: 253 438 409Aberto todos o diasCheers PraçaPr. S. Tiago, 13/15Tel.: 253 161 099Fecha à terça (Férias até ao final de Janeiro)

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São Gião

Mesmo fi cando longe da cidade, o São Gião é de visita obrigatória e mais do que justifi ca a viagem até Moreira de Cónegos. Pedro Nunes é claramente um dos mais sólidos cozinheiros portugueses e um daqueles a quem a gastronomia (e a clientela) deve estar imensamente grata, e o seu restaurante um dos mais consistentes, pelo menos na região Norte. Cozinha de emoções e afectos, com base no receituário tradicional interpretado com inovação e elegância. Criações como a raia com manteiga negra, a açorda no pão ou o capão assado no forno são absolutamente únicos. Carta de vinhos abastada, serviço competente, num espaço amplo, confortável e elegante, mas despido de formalismos. Os preços são a condizer com o estatuto do restaurante.

São GiãoRua Comendador Joaquim Almeida Freitas, 564815-270 Moreira de CónegosTel.: 253 561 853Fecha às segundas e ao jantar de domingo

Prós e ContrasOutro dos restaurantes de tendência mais actual é o Prós e Contras. Instalado no edifício da estação do teleférico, pratica uma cozinha que cruza a base regional e uma certa infl uência espanhola. João Silva, o proprietário e competente cozinheiro, propõe uma série de entradas quentes, sempre saborosas e criativas, a par de peixes frescos, bacalhau ou polvo em várias combinações. Nas carnes, folhados de frango caseiro ou de legumes, cordeiro, coxa de pato, e ainda uma soberba bochecha de vitela que degustámos há vários meses e que se mantém ainda viva na memória. A capacidade e qualidade técnica da cozinha é também evidente nas sobremesas. O espaço é confortável, em ambiente moderno, desafogado e decorado a preceito.

Prós e ContrasEdifício Teleférico – HortasTel.: 253 418 926; 919 801 805www.prosecontras.ptAberto todos os dias

Nora do Zé da Curva

Aos sábados há rojões com papas de sarrabulho, o cozido sai às sextas, o arroz de pato às quintas e assim sucessivamente. Todos os dias há um prato típico, e de grande robustez, que incluem o cabrito mamão assado no forno ou o já célebre bucho recheado, isto para além dos bacalhaus e da vitela assada de todos os dias.

exemplar. Noutro horário, há panados, pataniscas, moelas, codornizes, bolinhos de bacalhau e outros petiscos. É barulhento e há malgas de tinto por todo o lado, mas é ver a cara de satisfação da clientela para se perceber por que está sempre cheio.

Casa Alves Rua da Caldeirôa, 41Tel.: 253 516 984Fecha aos domingos

Adega dos Caquinhos

Apesar da competência dos cozinhados, os Caquinhos são uma das mais arreigadas tradições entre os locais pela sua histórica ligação às festas dos estudantes locais, as Nicolinas. A fama do local presta também tributo à língua afi ada da Dona Augusta, que dispara como um pistoleiro perante a mínima observação, mas há muito mais que o lado folclórico do local. A cozinha é realmente muito genuína e saborosa. O bacalhau recheado, que na verdade é refogado com cebola e pimentão doce, é um dos petiscos preferidos, mas há também os rojões com papas ou a vitela assada no forno, igualmente bem cozinhadas. Fica na viela paralela ao passeio Norte do Largo do Toural e mantém o ambiente de tasca dos anos sessenta.

Adega dos CaquinhosRua da ArrochelaTel.: 253 516 917Fecha aos domingos

Café JúlioTem ar de café decadente e mal frequentado, mas é um dos lugares de eleição dos noctívagos vimaranenses, com destaque para a população estudantil. E facilmente se percebe porquê. Está aberto, ou melhor, abre a porta, até às sete ou oito da manhã e tem sempre prontos a servir uns saborosos e suculentos preguinhos e copos de cerveja a condizer. O resto da oferta restringe-se a umas inexpressivas sandes de kebab, mas é a suculência da carne, oriunda do Brasil, que verdadeiramente convence a clientela. É claro que com este horário, e a variedade de clientela que atrai, tudo pode acontecer. Mas isso parece funcionar como aliciante extra.

Café JúlioLargo do Trovador, 20Tel.: 253 41 77 61Aberto todos os dias. De domingo a sexta, das 7h às 2h; sábados das 7h às 7h.

Tal como o nome indica, a tasca de outrora é hoje um restaurante bem-posto, com todo o conforto e comodidade e a cozinha saborosa e apaladada de todos os tempos. O mais difícil é mesmo dar com a porta deste Nora do Zé da Curva, que fi ca no interior do quarteirão formado pelas ruas de Santo António e de Gil Vicente. Acede-se por ambas, no caso da primeira atravessando um pequeno centro comercial, sendo que da Rua Gil Vicente a entrada é por uma ofi cina e automóveis. Não confundir com o moderno Nora do Zé da Curva, na Rua da Rainha, em pleno centro histórico, que é dos mesmos proprietários mas não é a mesma coisa.

Nora do Zé da CurvaTravessa Gil Vicente/Stº AntónioTel.: 253 414 457Fecha ao jantar de domingo

Cervejaria Martins

Em plena Praça do Toural, a Cervejaria Martins adquiriu já o estatuto de instituição local, funcionando como uma espécie de sala de recepção para quem visita o centro histórico. Além do esmerado serviço de snack, é o local ideal para uma refeição rápida, com ampla oferta de pregos, pica-paus, mariscos e uma francesinha que também já ganhou fama. Apesar de o espaço ser acanhado, com a maioria dos lugares ao balcão, é o lugar preferido pelos amantes do futebol, cujos adereços dominam a decoração. O destaque vai, naturalmente, para o clube local, cujos sucessos e desaires são aqui condignamente prolongados. Com petiscos e cerveja e à saúde do “Bitória”, tal como pronunciam os locais.

Cervejaria MartinsLargo do Toural, 33/34Tel. 253 416 330Fecha aos domingos

Casa AlvesTambém conhecido como Porta Larga, a Casa Alves é uma das mais populares e concorridas casas de comidas da cidade. Apesar do ar de café, decorrente da cuidada remodelação do prédio cujo rés-do-chão ocupa na totalidade (incluindo espaço ao ar livre nas traseiras), o ambiente é de tasca popular que serve petiscos para lá do horário de refeições e a preços bem convidativos. A refeição diária custa 4,5 € e a oferta pode ir desde os tradicionais rojões ao lombo assado, feijoada ou arroz de sardinhas, além da sopa e sobremesa. No dia em que fi zemos a experiência serviam-se rojões — muito bem cozinhados e com tripas enfarinhadas e tudo —, e lombo de porco assado com batatinhas no forno, igualmente saboroso e bem confeccionado. Para sobremesa, surpreendente pudim de ovos igualmente de confecção Café Júlio

Cervejaria Martins

São Gião

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Guimarães, Capital Europeia da Cultura 2012

A afi rmação de Guimarães como destino de turismo cultural trouxe à cidade visitantes com um perfi l de exigência. Cerca de 60 por cento dos turistas que a procuram têm um curso superior e quase um terço é pós-graduado. Pelo que se percebe que a oferta existente em termos de hotelaria prime pela qualidade. Quase todos os principais hotéis vimaranenses estão classifi cados com quatro estrelas e existem ainda duas pousadas — uma delas, a de Santa Marinha, é uma das mais concorridas a nível nacional.

Mas há também problemas na capacidade hoteleira vimaranenses. Desde logo porque a oferta é escassa. Os responsáveis vimaranenses não escondem essa difi culdade e têm, por diversas vezes, assumido que a oferta instalada no concelho não será sufi ciente para os níveis de procura que são esperados durante este ano. A Capital Europeia da Cultura espera atrair 1,5 milhões de visitantes, para os quais as 1300 camas actualmente existentes prometem fazer-se poucas.

Neste momento, estão a ser ultimadas as obras que vão permitir a abertura de novas unidades hoteleiras na cidade, que vão acrescentar mais 200 camas à oferta existente, a maior parte das quais deve-se à criação de três novos hotéis de quatro estrelas. Mas para se precaver para os períodos de maior procura, Guimarães decidiu socorrer-se da lei do Alojamento Local, desafi ando os vimaranenses a inscreverem as suas casas numa bolsa de alojamento disponível para o público e que os visitantes poderão encontrar no site do gabinete de turismo municipal.

A mudança a que começa a assistir-se na hotelaria vimaranense vai também ao encontro do cada vez maior número de jovens que procuram a cidade. Numa das regiões mais jovens da Europa, a oferta dedicada a este público específi co é ainda escassa, mas, nos primeiros meses deste ano, abrem dois novos hostels, um deles no centro histórico e o outro muito próximo do coração da cidade. As duas novas unidades vão complementar a solução já existente, a Pousada de Juventude construída no antigo bairro industrial de Couros.

Sonhos à medida de cada umCerca de

1300 camas disponíveis

podem vir a ser poucas para os visitantes que a

cidade espera receber este

ano, enquanto ostentar a coroa

de Capital Europeia

da Cultura. Ainda assim, a oferta que

existe, assegura Samuel Silva,

é de qualidade. Das Pousadas

de Portugal à Pousada de

Juventude, passando por um hotel com mais vocação

para um público sénior, há

quartos para todos os gostos

— e espera-se a abertura de

mais unidades hoteleiras

Pousada de Santa MarinhaO conceito de pousada histórica tem ainda mais razão de ser na Pousada de Santa Marinha, instalada num antigo mosteiro de cónegos de Santo Agostinho, mas com ocupação que remonta à época romana e onde funcionou o primeiro esboço de uma universidade nacional. Já no último quarto do século XX, o espaço foi transformado numa unidade hoteleira, sob coordenação de Fernando Távora, já então uma das fi guras-chave da regeneração urbana de Guimarães. O restauro valeu o Prémio Nacional de Arquitectura, em 1985, e criou um dos espaços mais exclusivos da rede de Pousadas de Portugal.

Com 49 quartos duplos e duas suites, a pousada dispõe ainda de quartos para famílias e um serviço complementar de bar e restaurante com requinte. Está implantada na freguesia da Costa, na subida para a estância de montanha da Penha e a poucos minutos do centro histórico de Guimarães, do qual é possível apreciar uma extraordinária vista desde a pousada.

Guimarães oferece também uma pousada de charme. A Pousada de Nossa Senhora da Oliveira está na praça mais emblemática do centro histórico, a da Oliveira, num dos primeiros edifícios a ser recuperados no centro da cidade. Os visitantes têm à sua disposição dez quartos e seis suites.

Pousada de Santa MarinhaRua Domingos Leite de Castro4810-011 Guimarãeswww.pousadas.ptPreços a partir de 100€

Casa de SezimO segmento de Turismo de Habitação tem várias opções de qualidade em Guimarães, mas nenhum outro lugar guarda tantos encantos como a Casa de Sezim. A monumentalidade do edifício começa na sua fachada e prolonga-se nos interiores requintados, onde assume particular relevo a colecção de papéis de parede panorâmicos da primeira metade do século XIX, impecavelmente preservados, que decoram os seus salões.

A unidade hoteleira está instalado num edifício cuja construção remonta ao século XVIII, mas o terreno está nas mãos dos actuais proprietários desde o século XIV, através de um

descendente de D. João Freitas, um dos fi éis companheiros de Afonso Henriques durante a reconquista cristã.

Sezim está a cerca de quatro quilómetros do centro de Guimarães, no meio do verde característico da região. A casa está aberta durante todo o ano aos visitantes, oferecendo oito quartos e serviços complementares, como campo de ténis e piscina. A Casa de Sezim é ainda conhecida pelos seus vinhos de qualidade, especialmente os verdes brancos.

Casa de SezimRua de SezimS. Tiago de Candoso4835-249 Guimarãeswww.sezim.ptPreços a partir de 70€

Hotel Guimarães A localização excelente — a escassos metros do Centro Cultural Vila Flor e da estação de caminho-de-ferro — e o facto de ser a maior unidade hoteleira da cidade, com um total de 196 camas, fazem do Hotel Guimarães um dos espaços incontornáveis da oferta local.O hotel de quatro estrelas foi inaugurado em 1992, mas a

Hotel Camélia

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desse bairro dos criativos que está instalada a Pousada de Juventude da cidade.

Construída em 2004, como parte do complexo multifuncional de Couros — o primeiro passo para a regeneração daquela área de arqueologia industrial —, a pousada é a única escolha para os visitantes jovens de Guimarães, enquanto não aparecem outras opções. Mas é uma boa escolha: integrada na rede nacional gerida pela Movijovem, tem um total de 62 camas, incluindo um apartamento com kitchenette para oito pessoas e quartos duplos privativos. Os preços da estadia variam entre os 11 e os 19 euros por pessoa.

A antiga casa de industriais de curtumes, construída em granito, foi adaptada e apresenta uma decoração simples e moderna, disponibilizando ainda no espaço do logradouro uma soalheira esplanada e duas salas de convívio, uma delas com um ambiente muito informal no sótão do edifício.

Pousada de Juventude de GuimarãesComplexo Multifuncional de CourosLargo do Cidade, 84810-430 Guimarãeshttp://microsites.juventude.gov.pt/Portal/pt/PGuimaraes.htmPreços a partir de 11€

Hotel CaméliaSe procura um hotel adaptado para receber seniores ou pessoas com mobilidade reduzida, o Camélia é a melhor opção que Guimarães tem para oferecer. Construído inicialmente para ser uma residência para a terceira idade, a meio do ano passado mudou o seu posicionamento, transformando-se num hotel de saúde e bem-estar.

O mobiliário geriátrico, ergonomicamente adaptado, escolhido a pensar na sua função inicial, é uma garantia de conforto. Essa opção manifesta-se também na facilidade de acesso aos elevadores e casas de banho. Outro ponto forte para atrair esses visitantes com mais de 55 anos é a parceria com o hospital privado de Guimarães para prestar apoio médico 24 horas aos utilizadores do hotel.

O Camélia tem disponíveis 27 quartos, num edifício moderno, que contrasta com o ambiente recatado, quase bucólico, de quinta minhota que mantém nos seus jardins. Apesar desta tranquilidade, está situado a quatro quilómetros da cidade e a poucos metros da antiga fábrica ASA, um dos novos espaços de criação cultural criados para a Guimarães 2012.

Hotel CaméliaE.N. 105, n. 7874835-164 Guimarãeswww.camelia.ptPreços a partir de 60€

— permite uma leitura mais abrangente da obra recentemente inaugurada. Esta é a principal mais-valia deste hotel de quatro estrelas, um dos mais antigos da cidade, mas que tem a actual confi guração desde os anos 1990. A decoração e o serviço parecem datados, mas a dimensão dos quartos e a proximidade com quase tudo o que importa conhecer em Guimarães compensam estas debilidades. Os visitantes têm à sua disposição 30 quartos, incluindo cinco suites, e estacionamento gratuito, o que no centro histórico vimaranense é quase um “luxo”.

Hotel TouralLargo A. L. Carvalho4800-153 Guimarãeshttp://www.hoteltoural.comPreços a partir de 60€

Pousada de Juventude

Um dos projectos mais marcantes da Capital Europeia da Cultura é o CampUrbis, uma parceria com a Universidade do Minho que está a transformar o antigo quarteirão industrial dos curtumes num pólo de inovação. É no coração

renovação feita a pensar no campeonato da Europa de futebol de 2004 deu uma nova energia ao espaço, permitindo manter a decoração moderna. O equipamento distingue-se ainda pelo ambiente recatado e acolhedor, apesar da sua dimensão.A taxa de ocupação elevada ao longo dos últimos anos levou

a unidade a projectar o seu alargamento a pensar na procura proporcionada pela Guimarães 2012. Nos últimos meses, o hotel sofreu obras de ampliação que permitiram adicionar 16 novos quartos à oferta. Especialmente preparado para o turismo de negócio, o Hotel Guimarães tem quartos equipados para quem viaja em trabalho, que

fazem parte da sua oferta global de 116 quartos (80 twins e 28 duplos), e ainda oito suites. O serviço inclui ainda um spa, restaurante e um bar com uma excelente vista sobre a cidade.

Hotel GuimarãesRua Eduardo de Almeida4801-911 Guimarãeshttp://hotel-guimaraes.comPreços a partir de 70€

Hotel TouralSe há algo que a recente renovação da praça do Toural fez foi conferir uma sensação de maior dimensão ao espaço público mais emblemático da cidade. A ala Leste, cujo projecto é do período pombalino, é um exemplo único na arquitectura vimaranense, com uma continuidade das fachadas incomum. É aqui se situa o Hotel Toural.

Das janelas da unidade hoteleira tem-se hoje uma vista ainda mais privilegiada sobre a “sala de estar” dos vimaranenses. Dali, olhar o novo piso desenhado pela artista plástica Ana Jotta — representando a planta do centro histórico

PAULO RICCA NELSON GARRIDO

NELSON GARIDO

Casa de Sezim

Pousada de Santa Marinha

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Guimarães, Capital Europeia da Cultura 2012

Depois de um passado de marginalidade, as praças da cidade começaram a estar na moda. E hoje o público nocturno vimaranense está em movimento constante entre os cerca de 15 bares do centro histórico. Samuel Silva (texto) e Nelson Garrido (fotos) traçam o roteiro da animação

Depois de uma reconfi guração há pouco mais de um ano, o café-concerto do CCVF ultrapassou o estigma de inadaptação à qualidade do centro cultural. A música latina desapareceu das colunas para dar lugar a uma criteriosa selecção musical do melhor rock alternativo do momento, em linha com o que vem sendo a programação do espaço. Por ali têm passado nomes emergentes da cena indie nacional e internacional, num ambiente de clube que dá aos concertos características muito próprias.

A mudança foi também física e hoje o espaço tem uma decoração moderna e sóbria, mantendo os padrões de conforto que sempre ostentou, ainda que o serviço nem sempre esteja à altura da qualidade que se impõe num local como este.

Centro Cultural Vila FlorAvenida D. Afonso Henriques, 7014810-431 Guimarãeswww.ccvf.pt

TasquilhadoPara fechar o triângulo de visita obrigatória do centro histórico de Guimarães falta conhecer a Rua de Santa Maria. Outrora eixo central da cidade medieval, ligando a Colegiada ao Castelo, a artéria mantém a confi guração histórica, muito estreita. Nos escassos metros que separam as fachadas de um e de outro lado da rua é usual ver uma grande aglomeração de pessoas nas noites vimaranenses. A responsabilidade é, em grande parte, do Tasquilhado, um bar amplo como poucos em Guimarães, que passa música ecléctica, misturando clássicos do pop-rock dos anos 70 e 80 com canções da transição de milénio.

O “Tasco”, como é chamado por aqui, tem dois balcões que servem quantidades respeitáveis de shots e cocktails. A vodka é a bebida mais procurada e a decoração brinca faz jus à tradição do Leste, brincando com a simbologia soviética. Há também um quadro de lousa onde os clientes podem deixar as suas mensagens e é por ali que encontramos promessas de reencontro entre a comunidade Erasmus do pólo de Guimarães da Universidade do Minho.

Tasquilhado BarRua de Santa Maria, 424810 Guimarães

A diversão nocturna em Guimarães é quase sinónimo de centro histórico. A renovação da área central da cidade e o surgimento de uma movida local aconteceram praticamente ao mesmo tempo e não se tratou apenas de coincidência temporal. O aparecimento dos primeiros bares no rés-do-chão das casas de traça medieval ajudou a resgatar as praças, que hoje estão na moda, a um passado de marginalidade.

Mas nos últimos 20 anos o circuito nocturno vimaranense concentrou-se praticamente no eixo composto pelo Largo da Oliveira, Praça de São Tiago e Rua de Santa Maria. A dimensão reduzida dos espaços que ocuparam as casas históricas fez também com que a noite de Guimarães seja feita na rua, com o público em movimento constante entre os cerca de 15 bares localizados no centro. As praças são o espaço privilegiado da diversão local, mesmo nos dias frios de Inverno.

A essa condicionante da dimensão, junta-se outra: o centro histórico está cheio de moradores e os bares apenas podem funcionar até às 2h. E aqui PSP e Polícia Municipal não dão tréguas no que toca a respeitar o horário de encerramento. Pelo mesmo motivo, a oferta esteve durante vários anos demasiado limitada. Quase formatada, dir-se-ia, quer em termos da música que se podia ouvir como do serviço de cada um dos estabelecimentos: copo na mão e música comercial nos ouvidos.

Ainda é assim em muitos dos locais de diversão vimaranenses, mas nos últimos anos a cidade assistiu a uma mudança também neste aspecto. A afi rmação cultural de Guimarães criou novos espaços fora do centro histórico e a própria oferta dentro da zona amuralhada foi mudando. Especialmente nos últimos três anos, surgiram espaços alternativos, com serviços mais especializados. E a noite vimaranense tem agora opções de qualidade para continuar a ser viva, madrugada fora, durante os fi ns-de-semana.

Café-concerto do CCVF

O Centro Cultural Vila Flor (CCVF) não é apenas a principal sala de espectáculos vimaranense e ponto de encontro das principais manifestações artísticas contemporâneas na cidade. O café-concerto, além do espaço agradável com vista sobre os magnífi cos jardins do palácio Vila Flor, é também um dos pontos de paragem obrigatória da noite da cidade.

A noite faz-se na rua

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iPad com a carta de vinhos e todas as informações complementares acerca de cada uma das opções.

Além disso, o bar do Largo da Oliveira oferece um serviço de vinho a copo com seis possibilidades de escolha, que mudam todos os meses, intercalando grandes escolhas e vinhos a dar os primeiros passos no mercado. Também está disponível uma boa selecção de cervejas importadas, um competente serviço de tapas e snack e ainda os complementos de crepes e gelataria.

Rolhas & Rótulos Largo da Oliveira n.º 114810 Guimarãeshttp://rolhaserotulos.com/

Rolhas & Rótulos

Na varanda com vista para a oliveira que dá nome à praça maior do centro histórico de Guimarães, ou no conforto dos sofás do segundo piso, escolher o Rolhas & Rótulos é uma boa opção para início de noite. Com três pisos, é o maior bar do coração da cidade, mas nem sempre é fácil encontrar lugar para sentar.

A casa nasceu em 2009 como um bar de vinhos, ainda que hoje esteja mais diversifi cado. O Rolhas & Rótulos mantém uma muito completa selecção de vinhos nacionais para todos os gostos e a maioria das carteiras e um serviço competente capaz de aconselhar convenientemente na hora da escolha. Para os mais exigentes, há sempre a possibilidade de pedir o

El Rock

É o bar mais antigo do centro histórico Guimarães e uma das suas casas incontornáveis. Se a ideia é fazer um percurso pelas ruas principais da animação nocturna, depois de um copo de vinho no Rolhas & Rótulos, siga por baixo das arcadas dos antigos Paços do Concelho até à Praça de São Tiago. Do lado esquerdo, num canto da praça, está o El Rock.

Há 21 anos que o bar leva a sério o nome com que foi baptizado e há muito que é a casa de todos os amantes do rock and roll na cidade. O espaço em que funciona é pequeno, mas o El Rock estende-se pela praça, com a clientela a aglomerar-se à porta, bebendo as cervejas e cocktails que saem de trás do balcão.

Mais de duas décadas de actividade criaram uma espécie de comunidade à volta El Rock — retratada, no ano passado, num documentário dirigido por Ricardo Leite para celebrar os 20 anos — que é tão transversal como a música que anima o bar durante as noites. Dos conhecedores do pós-punk dos Joy Division aos amantes do nu metal dos Korn, à porta do El Rock podemos encontrar gente dos 15 aos 45 anos.

El Rock BarPraça de S. Tiago, 314800 Guimarãeshttp://elrockbar.com

ProjectoNão são muitas as opções para uma noite com fi nal tardio em Guimarães, mas, desde 2009, há um novo local de culto para os vimaranenses. Chama-se Projecto e nasceu como complemento às duas discotecas comerciais da cidade, mas rapidamente ganhou força própria. O Projecto funciona junto ao cais de embarque do teleférico da Penha, não muito longe do centro da cidade e tem sido capaz de congregar muitos dos que são frequentadores habituais dos bares da zona histórica.

O que era para ser um clube dedicado ao rock descobriu também uma vocação para albergar um nicho de público local que procura a música electrónica. Hoje, a programação varia entre o rock, o drum and bass e o dubstep, com festas temáticas e DJ convidados capazes de praticamente preencher os cerca de 500 lugares de lotação do espaço, até às 4h30.

O espaço que, às sextas e sábados, funciona como projecto, tem uma outra vida durante o resto da semana. Entre as 21h e as 2h, abre o Before Project, um bar de início de noite, que passa música electrónica calma e programa noites de poesia, jazz e cinema durante a semana.

ProjectoParque das Hortas, nº 504Costa4810 Guimarães

Projecto Rolhas & Rótulos

São Mamede

Há quatro anos, o antigo cinema São Mamede reabriu portas. É um caso raro de um centro de artes e espectáculos exclusivamente privado que, além de uma sala alternativa à cidade, ajudou também a mudar a forma como Guimarães se diverte. Ali há três espaços para conhecer, o mais recente dos quais promete tornar-se numa referência da noite vimaranense.

Chama-se Öga Club e foi inaugurado no passado sábado. Para já, vai funcionar uma vez por mês, aos sábados, ocupando o palco do antigo cinema com música electrónica, com particular incidência dos sons mais calmos. A ideia do São Mamede é dar versatilidade ao espaço, tornando a sua programação mais ecléctica e fazendo jus ao conceito de clubbing contemporâneo.

O Öga será a continuação perfeita para as noites do Clube Zero, que às sextas-feiras e sábados transforma a galeria de arte do São Mamede numa pista aberta aos apreciadores da electrónica dançável. Os primeiros sons ouvem-se a partir das 23h00, mas antes, no primeiro piso, é possível passar pelo café-concerto, que funciona como bar todos os dias da semana.

São Mamede – CAERua Dr. José Sampaio, 17-25

4810-275 Guimarãeshttp://sao-mamede.com/

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Vinhos

Rui Falcão

A história é sobejamente conhecida, não é fácil impor uma marca portuguesa fora de fronteiras, não é fácil conquistar o reconhecimento internacional de um nome português, não é fácil impor e defi nir um produto nacional como referência absoluta dentro de um sector ou de uma categoria. E no entanto, apesar de todas as difi culdades e contra todas as probabilidades, o Vinho do Porto conseguiu elevar-se a esse mesmo estatuto, à condição de referência incontestada entre os melhores vinhos do mundo, assumindo uma posição cimeira entre os melhores, elevando-se à categoria de vinho padrão que tantos pelo mundo inteiro tentam copiar.

Ao longo de séculos de trabalho, o prestígio do Vinho do Porto foi-se consolidando, acarinhando mais de dois séculos de vinhos excepcionais com um potencial de guarda impressionante. Graças a um excelente trabalho na produção, promoção e fi scalização, passando por alegrias e desventuras, períodos de bonança e tempestades, o Vinho do Porto é desde há muito um dos grandes vinhos do mundo, o único vinho português de verdadeiro e inquestionável prestígio internacional.

É também um dos mais tenazes, com maior capacidade de guarda, sendo habituais os exemplos de vinhos em perfeito estado de saúde após mais de um século de cativeiro em garrafa. É nas duas categorias mais especiais, os Colheita e os Vintage, o primeiro da família dos Tawny, o segundo da família dos Ruby, duas categorias com data

Pela rolha morre o VintageDescobrir que um vinho feito para durar décadas pode morrer pela rolha pode ser uma surpresa. Mas mais surpreendente é saber que pouco ou nada se faz para resolver o problemasurpresa. Ma

de colheita, que o fenómeno da longevidade melhor se observa. Porém, se no primeiro caso, o dos Porto Colheita, o vinho é longamente envelhecido pelo produtor nas caves de Gaia, sendo relativamente comuns os episódios em que um vinho é engarrafado somente no fi nal de mais de 40, 60 ou mesmo 100 anos de estágio em pipa, o mesmo não acontece com os Porto Vintage, onde o envelhecimento é assegurado pelo cliente, já que por lei o Vintage tem de ser engarrafado entre o segundo e o terceiro ano após a vindima.

Estamos, pois, perante um vinho com uma capacidade de envelhecimento notável que é colocado no mercado dois a três anos após a vindima, um vinho ilustre que só é produzido em anos excepcionais, um Porto que por regra se mostra agreste e violento enquanto jovem, ganhando complexidade e suavidade com o vagaroso passar do tempo. Um vinho que poderá e deverá ser bebido muito mais tarde, um testemunho que em muitos casos passará para a próxima geração.

O único senão é que enquanto o Porto Vintage é um vinho seguro e quase inabalável, capaz de sobreviver a quase todas as atrocidades do tempo, a rolha de cortiça natural que o aferrolha na garrafa… não é! Na verdade, e apesar das virtudes congénitas da cortiça, o período de vida útil de uma rolha ronda os 20 a 30 anos, ciclo durante o qual consegue garantir a elasticidade que lhe permite manter-se estanque e profi ciente. Após este longo período de tempo, torna-se virtualmente impossível garantir a efi cácia da rolha como vedante, passando a rolha a coibir e por vezes a comprometer a correcta evolução do vinho, podendo mesmo chegar a colocar o futuro do vinho em causa.

Nada que não possa ser contornado com a substituição preventiva de rolhas nas garrafas mais antigas, um serviço que os principais e mais aclamados produtores de Porto Vintage deveriam prestar aos seus clientes, mas que, infelizmente, na maioria dos casos raramente prestam ou, quando o dispensam, concedem com relutância. Uma posição de algum distanciamento face ao cliente que merece reparo e que deveria ser corrigida, tanto no mercado nacional como nos principais mercados

internacionais. Numa conjuntura de crise para o sector do Vinho do Porto, num momento em que os produtores precisam de notícias positivas que destaquem de forma objectiva o Vinho do Porto, uma operação de re-rolhamento de Porto Vintage especialmente dedicada aos mercados ingleses e norte-americanos seria uma excelente operação de relações públicas para a causa do Vinho do Porto.

Basta atentar no que a Penfolds, produtor australiano detentor do rótulo Grange, um dos vinhos de maior nomeada internacional, cumpre periodicamente em algumas das principais capitais europeias e norte-americanas, fomentando operações de re-rolhamento, proporcionando um dos melhores serviços pós-venda do mundo. Para tal, os clientes da Penfolds são convidados a apresentar qualquer garrafa de vinho da marca que já tenham

ultrapassado a fasquia dos 15 anos de idade, alertados através de publicidade objectiva, ajudada pelos media locais que se habituaram a destacar a operação.

Cada garrafa é analisada individualmente pelo enólogo da Penfolds, depois de aberta e de ter sido provada uma pequena porção de cada vinho, sob cuidados rigorosos para preservar a integridade do vinho. Se o vinho for considerado conforme aos padrões de cada colheita, os poucos centilitros removidos para prova são repostos com um vinho mais recente, em volume insufi ciente para adulterar a compostura do vinho. A garrafa volta a ser rolhada e encapsulada na hora, sendo colado e acrescentado um selo especial assinado pelo enólogo que contém um código único que atesta a genuinidade daquela garrafa, garantindo que foi verifi cada e atestada naquele local e data. Este serviço é certifi cado e rastreado em cooperação com a prestigiada casa leiloeira Christie’s, que autentica a identidade de cada garrafa. Curiosamente, estas garrafas costumam atingir cotações mais elevadas nos leilões internacionais, precisamente pela garantia que oferecem de ser um vinho genuíno, garantido e acompanhado pela Penfolds.

Ora, se um produtor australiano consegue assegurar este serviço há tantos anos e com tanto sucesso, por que é que os produtores de Vinho do Porto que propõem vinhos como o Porto Vintage, vendidos dois anos após a colheita com a promessa de um ciclo de vida de mais de 50 anos, não oferecem este serviço aos seus clientes?

Não seria este um dos receituários perfeitos para obter uma das maiores quimeras do marketing contemporâneo, a aproximação entre produtores e clientes fi nais? Não seria esta uma fórmula apropriada para oferecer um bom serviço pós-venda, garantindo a genuinidade de vinhos em leilão, gerando notícias positivas para o sector, realçando o carácter e a longevidade excepcional dos Porto Vintage? Por que razão o mundo do Vinho do Porto continua tão arredado deste objectivo, reservado e distante de clientes e consumidores?

FERNANDO VELUDO/NFACTOS

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Prova de vinhos

Quinta do Carmo Reserva Tinto 2008Bacalhôa VinhosPortalegreCastas: Aragonês, Cabernet Sauvignon, Syrah e Alicante BouschetGraduação: 14,5% volRegião: AlentejoPreço: 30€

Nota de prova

8/8,5Relação Qualidade/Preço

8Escala de 1/2 (mau)A 9/10 (excelente)

Scala Coeli Branco 2010Fundação Eugénio de AlmeidaÉvoraCastas: ViognierGraduação: 14,5% volRegião: AlentejoPreço: 18,65€

Nota de prova

7,5/8Relação Qualidade/Preço

7Escala de 1/2 (mau)A 9/10 (excelente)

Este vinho pede comidas fortes e apimentadas. Com um queijo Terrincho curado, por exemplo, mostrou qualidades admiráveis, proporcionando uma belíssima ligação. É um tinto volumoso e maduro, com boa expressão de fruta, algum floral, especiarias e

tosta bem integrada. Os taninos estão bem presentes, mas de forma amigável, conferindo solidez ao vinho. Um tinto com perfil e qualidade para fazer grande figura junto de um largo espectro de consumidores. P.G.

Feito apenas com uvas de Viognier, este branco alentejano está demasiado maduro e alcoólico para a frescura que possui. A acidez

até é boa, mas falta-lhe um fundo mineral que compense o calor da fruta e do álcool e também do discreto fumado da madeira. A

delicada componente floral do vinho e a sua deliciosa textura untuosa mereciam mais fresquidão e vivacidade. P.G.

Os vinhos aqui apresentados são, na sua maioria, novidades que estão prestes a chegar ao mercado. A Fugas recebeu amostras dos produtores e provou-as de acordo com os critérios editoriais. As amostras podem ser enviadas para a seguinte morada:Fugas - Vinhos em ProvaPraça Coronel Pacheco, n.º 2, 3.º4050-453 Porto

Adega de Vila Real Grande Reserva Branco 2010Vila RealCastas: Viosinho, Malvasia Fina e Fernão PiresGraduação: 13% volRegião: DouroPreço: 5,54€

Nota de prova

7,5/8Relação Qualidade/Preço

8/8,5Escala de 1/2 (mau)A 9/10 (excelente)

O enólogo Rui Madeira operou uma verdadeira revolução na Adega Cooperativa de Vila Real, que tem vindo a produzir vinhos cada vez melhores e a afirmar-se com uma das melhores e mais sólidas (financeiramente) cooperativas da região duriense. Os vinhos têm um claro perfil tecnológico, mas apresentam uma boa relação qualidade/preço, sobretudo as gamas mais baixas, como os muito interessantes colheita e reserva branco (2,03 e 2,77 euros, respectivamente). Este grande reserva, lote de Viosinho, Malvasia Fina e Fernão Pires, é também exemplar: tem um aroma expressivo, com fruta viva, bom volume, textura macia e ligeiramente amanteigada e um final fresco. Um vinho bem feito e bastante acessível. P.G.

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Vinhos

Vinhos portugueses com as melhores classifi cações de sempre na Wine Advocat

Os vinhos nacionais estão a subir na cotação de Mark Squires, o provador para Portugal do site Wine Advocate, do infl uente e temido crítico americano Robert Parker. No seu último relatório, publicado no passado dia 23 de Dezembro, Squires atribuiu 96 pontos, em 100 possíveis, a três vinhos portugueses: os tintos Quinta do Zambujeiro 2007 (Alentejo), Quinta do Vale Dona Maria 2009 (Douro) e Quinta do Mouro Rótulo Dourado 2007 (Alentejo). Até agora, apenas um vinho português, o Quinta do Crasto Vinha Maria Teresa 2003 (Douro), tinha obtido 96 pontos,

a mais alta classifi cação já atribuída por Parker e os seus provadores a vinhos portugueses não fortifi cados (ver caixa sobre os vinhos fortifi cados que já obtiveram 100 pontos).

De entre os provadores de Parker, Marque Squires é um dos menos generosos na hora de dar

notas, pelo que o resultado do

seu último exame ganha uma especial relevância e é muito positivo para a imagem internacional dos vinhos portugueses. Cerca de uma centena de vinhos obteve 90 ou mais pontos — e uma pontuação acima dos 90 pontos na Wine Advocate já é merecedora de elogio. Além dos três vinhos distinguidos com 96 pontos, há mais quatro com 95 pontos (Quinta do

o produtor mais bem pontuado por Mark Squires: obteve a melhor classifi cação nacional da colheita de 2009, o que já tinha acontecido em relação à de 2008; e o seu tinto 2009 foi também o único vinho português desta colheita a integrar a exclusiva lista dos Extraordinary Wines da Wine Advocate.

A colheita de 2009 em Portugal, que originou vinhos mais alcoólicos e encorpados, merece, de resto, grandes elogios por parte do provador de Robert Parker, que a coloca no mesmo patamar da de 2007, genericamente considerada uma das melhores, se não a melhor, da década passada. Squires — que parece partilhar com Parker o gosto por vinhos concentrados — destaca o facto de em 2009 haver bons vinhos nos vários segmentos de preços, em especial no Douro, a região que, diz, apresenta maior consistência de colheita para colheita. Mas sublinha que é preciso esperar para ver se os vinhos de 2009 vão tornar-se em algo ainda mais especial com o passar dos anos, como está a acontecer com alguns vinhos de 2007 do Alentejo. Squires considera a colheita de 2008 a mais atípica das três, com vinhos mais austeros e ácidos, admitindo que possa ter sido a melhor para o Dão e a Bairrada.

O crítico confessa-se globalmente impressionado com o que provou, considerando que, com 2009, Portugal encerra um ciclo de três grandes colheitas. Três anos prodigiosos que, resume, elevam o estatuto dos vinhos nacionais e que podem ajudar a conquistar novos apreciadores.

Os vinhos portugueses

passaram com distinção no

último exame da Wine Advocate,

a publicação do americano

Robert Parker, o mais infl uente

crítico do mundo. De

entre mais de uma centena

de vinhos que obtiveram 90 ou

mais pontos, o grande destaque

vai para os tintos Quinta

do Zambujeiro 2007, Quinta do

Vale Dona Maria 2009 e Quinta

do Mouro Rótulo Dourado 2007,

classifi cados com 96 pontos.

Uma nota que os coloca junto

da elite mundial, como conta

Pedro Garcias

Mouro Rótulo Dourado Tinto 2005, Álvaro de Castro Carrocel Tinto 2008, Álvaro de Castro Quinta da Pellada Tinto 2008 e Casa Ermelinda de Freitas Moscatel de Setúbal Superior 2000); um com 94-96 pontos (Quinta do Zambujeiro Tinto 2009); cinco com 94 pontos (Quinta do Vale Meão Tinto 2009, Álvaro de Castro Quinta da Pellada Primus Branco 2009, Quinta do Mouro Tinto 2007, Quinta do Vale D. Maria Tinto 2005 e Poeira Tinto 2009 (Douro); 11 com 93 pontos (Quinta do Ameal Special Harvest 2010, Quinta do Crasto Vinhas Velhas Tinto 2009, Casa de Casal de Loivos Tinto 2009, Adega da Cartuxa Pêra-Manca Tinto 2007, Herdade da Malhadinha Nova Tinto 2009, Quinta de La Rosa Reserva Tinto 2009, Pintas Tinto 2009, Quinta da Manoella Vinhas Velhas Tinto 2009, Quinta do Cardo Grande Escolha Tinto 2009, Abandonado 2007 e Carm CM 2007) e dois com 92-94 pontos (Duorum Reserva Old Wines Tinto 2009 e Quinta do Zambujeiro Tinto 2008). Squires atribuiu ainda 92 pontos a 12 vinhos e 91 pontos a 15 vinhos.

Nunca a Wine Advocate tinha dado tão boas classifi cações a um tão vasto conjunto de vinhos portugueses como agora. E o destaque vai, sem dúvida, para quatro produtores: Quinta do Vale D. Maria (Douro), Álvaro de Castro (Dão), Miguel Louro (Quinta do Mouro, Alentejo) e Quinta do Zambujeiro (Alentejo). Este último, ainda pouco conhecido no panorama nacional, constitui a maior surpresa. Já a Quinta do Vale D. Maria continua a afi rmar-se como

Quatro vinhos portugueses já obtiveram 100 pontos

Ao longo da sua existência, a Wine Advocate já atribuiu a pontuação máxima, 100 pontos, a mais de uma centena de vinhos. Desta lista, fazem parte quatro vinhos portugueses fortificados: o José da Maria da Fonseca Moscatel de Setúbal 1947, o Quinta do Noval Porto Vintage 1997, o Taylor’s Porto Vintage 1992 e o Taylor’s Scion, um Tawny de 1855. Há um quarto vinho com 100 pontos que surge muitas vezes associado a Portugal, o Seppeltsfield Para Port Vintage Tawny 1909 (é assim que aparece descrito). Mas este é um Porto feito em Barossa Valley, na Austrália!

A França é o país com mais vinhos de 100 pontos (mais de 60), logo seguido dos Estados Unidos (cerca de 30) e da Espanha (seis, no final de 2010). A lista contempla os grandes vinhos do mundo, mas também contém algumas perplexidades. A maior delas envolve a marca Sine Qua Non, da Califórnia, que entre 2000 e 2005 viu nove dos seus vinhos

receberem 100 pontos por parte da equipa de Parker. Algo realmente extraordinário. P.G.

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Fugas • Sábado 14 Janeiro 2012 • 37

Gourmet

Já se tornou um clássico. Os portugueses João Belmar, 29 anos, Miguel Oliveira, 28 anos e Frederico Vinhas, 30 anos, que fundaram a empresa Taçaí no ano passado, já perderam a conta de quantas vezes ofereceram uma taça de açaí na tigela e receberam por resposta: “Ah, isso é chocolate, não quero. É mais para o meu fi lho.” Quando os três rapazes insistem, “Venha cá”, e explicam: “Não é chocolate, é fruta, é muito saudável”, experimentam.

“As pessoas estranham porque não estão habituadas ao fruto, à cor, ao sabor. É sempre uma experiência marcante”, explica João Belmar à Fugas, enquanto confecciona açaí na tigela numa cozinha em Lisboa. Morangos, gelo e umas quantas bolas de polpa de açaí com guaraná (que está congelada) enfi adas no copo liquidifi cador. Alguns minutos depois, está pronto a servir!

À primeira vista, o açaí na tigela — feito a partir da polpa de uma fruta da Amazónia, “umas bagas muito pequeninas, com um sabor intenso”, que parecem mirtilos mas são duros — pode parecer uma mousse de chocolate ou uma taça cheia de pasta de fígado. Mas não é.

Miguel Oliveira, formado em comunicação empresarial, foi há uns anos para o Rio de Janeiro tirar uma pós-graduação em marketing. Nos primeiros tempos olhava para as pessoas que passavam por ele na rua a comer açaí na tigela e pensava: “Mas o que é isto?! Esta gente está a comer mousse de chocolate na rua com 40 graus?”. Percebeu depois que se tratava de uma polpa de fruta e que era comida em gelado ou em “suco”. A primeira vez que experimentou não gostou. Comeu açaí puro, sem a banana, sem granola (uma espécie de muesli), sem xarope de guaraná (outro fruto originário da Amazónia com muita cafeína). Achou que sabia a terra e que era intragável. Com o tempo a sua opinião mudou, agora o açaí faz

“Tá saindo!” açaí na tigelaparte da sua alimentação do dia--a-dia.

Não é caso único. A Frederico Vinhas, que se formou em gestão de marketing e esteve em Londres a tirar um curso de engenheiro de som, aconteceu o mesmo: foi aprendendo a gostar. “Como visualmente parece chocolate, quem nunca comeu está à espera desse tipo de sabor. Mas o açaí tem um sabor muito específi co, forte, nada enjoativo e muito fresquinho”, explica João Belmar, que também provou o fruto quando foi para o Brasil, em 2004, tirar o curso de marketing e publicidade. Acabou por viver no Rio quatro anos e meio e conheceu naquela cidade Miguel Oliveira.

Ficaram amigos. Quando os dois regressaram a Lisboa tiveram uma vontade louca de comer açaí na tigela, tal e qual como comiam quando viviam no Rio de Janeiro. Do apetite à ideia foi um pequeno passo: e se montassem um negócio de importação e venda de açaí em Portugal? Fizeram uma experiência-piloto com uma banquinha no Jardim da Estrela, em Lisboa, e, em dois meses, venderam duas toneladas de açaí. Era evidente que ia resultar. Convidaram Frederico Vinhas para sócio e criaram a Taçaí, brincadeira com a expressão “tá saindo!”, uma marca completamente portuguesa, apesar de o produto ser importado do Brasil.

“Quando estávamos no Jardim da Estrela vieram-nos dizer que havia açaí a crescer no jardim e que nós éramos impostores, estávamos a vender uma fruta que crescia ali perto e dizíamos que vinha do Brasil! Lá explicámos à senhora que era uma fruta de uma palmeira

que só cresce na Amazónia...”, conta Miguel, a rir-se.

O açaí possui um alto teor de proteínas, tem uma alta dose de antioxidantes, cálcio e potássio, e deve a sua cor à antocianina (um litro de açaí tem até 35 vezes mais antocianina do que um litro de vinho tinto, explicam os rapazes). “Era comido pelos indígenas e hoje em dia os povos ribeirinhos da Amazónia continuam a consumi-lo. É muitas vezes a base da sua alimentação, consumido a todas as refeições no seu estado líquido misturado com farinha de mandioca. Comem com carne, peixe, misturado com arroz...”, explica João Belmar.

Nos anos 80, o açaí passou a ser consumido nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, em parte graças à família de Helio Gracie (1913-2009), o lutador da arte marcial Jiu Jitsu conhecido como “o samurai brasileiro”. O açaí era incluído na dieta dos lutadores que treinavam nos ginásios Gracie porque o fruto dava energia, tinha pouco açúcar e não pesava no estômago dos atletas. Os surfi stas e os jogadores de voleibol das praias de Copacabana, Ipanema e do Leblon seguiram o exemplo e as personagens série juvenil brasileira Malhação e da série cómica Casseta & Planeta ajudaram a lançar a moda.

A Taçaí patrocina também uma equipa portuguesa de Jiu-jitsu, tem uma página no Facebook e um escritório para revenda (fornecem hotéis, cafés, bares, restaurantes e ginásios) onde os particulares também podem comprar. “Brevemente queremos chegar ao Porto e, mais lá para o Verão, para o Algarve”, dizem. Vários locais de Lisboa e de Cascais já vendem embalagens Taçaí de 2 L de açaí com guaraná e saco de granola (20 euros) para se fazer em casa. Este mês vão passar a disponibilizar também embalagens individuais de açaí pronto a comer (mais sabores: açaí com guaraná e morango e açaí, guaraná e banana). Se passarem pelo escritório dos rapazes eles ensinam a fazer açaí na tigela, dão explicações sobre as propriedades e qualidades do “super-fruto” e outras receitas. “Tá saindo!”

Três jovens portugueses, João Belmar, Miguel Oliveira e Frederico Vinhas, tiveram saudades de comer açaí na tigela como comiam no Rio de Janeiro e fundaram a Taçaí. A moda do açaí está a espalhar-se em Portugal por causa deles, explica Isabel Coutinho

Taçaí - naturally cool (no Facebook)

Rua Presidente Arriaga, nº 68-701200-773 Lisboa

À venda também em Lisboa na Mercearia do Chiado; Restaurante

/ Esplanada Jardim da Estrela, Supermercado Celeiro do Povo,

On&Off Loja de Conveniência Gourmet, Mercado Brasil Tropical

em Arroios, Mercadinho Via Brasil em Mem Martins. Em Cascais:

Supermercado Saco, Bar da Academia. E ainda no Mercado

Brasil Tropical na Costa da Caparica e no Café Lagido, Ilha do

Baleal, em Peniche. Brevemente no Porto.

www.tacai.com.pt

Veja o vídeo em lifestyle.publico.pt/

RITA CHANTRE

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38 • Sábado 14 Janeiro 2012 • Fugas

Teste

O novo Jeep Grand Cherokee ostenta um visual mais próximo dos SUV (Sport Utility Vehicle) alemães, mas preserva aspectos do carácter muito próprio do lendário modelo americano. No mercado nacional está disponível com uma muito competente motorização turbodiesel de 3.0 litros, com 241cv, na recheada versão de equipamento Limited. Se Jeep é sinónimo de jipe, o Grand Cherokee assume-se como um dos porta-estandartes da exclusividade no grupo Chrysler, actualmente

Alternativa séria aos suspeitos alemães do costumeA confi guração imponente do Jeep Grand Cherokee aproximou-se dos concorrentes e promete intrometer-se na renhida luta dos todo-o-terreno mais exclusivos. O principal trunfo, como nota Luís Filipe Sebastião (texto), reside na imagem mítica e no preço competitivo dentro da categoria. As fotos são de Rita Chantre

Jeep Grand Cherokee 3.0 CRD V6 Limited

faróis de formato rectangular e com luzes de tecnologia bi-xénon. No interior sobressai a melhoria dos revestimentos e a qualidade percebida de montagem. No entanto, alguns plásticos, ainda que de boa aparência, poderão riscar-se e produzir eventuais ruídos parasitas, passado o tempo do “cheiro a novo”.

A confi guração compacta, mais próxima do estilo dos concorrentes germânicos, consegue dissimular o aumento de dimensões, bem aproveitado para proporcionar

detido pela Fiat, e esta quarta geração do mítico modelo está mais apelativa em termos visuais.

O espírito de aventura é incompatível com requinte? Por fora e por dentro, este SUV americano topo de gama confi rma que não. Desde logo pelas aplicações cromadas exteriores, no portão traseiro ou na expressiva grelha. As tradicionais sete ranhuras estão enquadradas pelos

maior desafogo interior. Se o espaço para os ocupantes posteriores melhorou, a generosa capacidade da bagageira de 782 litros pode crescer até aos 1554 litros, através do rebatimento dos bancos traseiros. O compartimento de carga possui diversas soluções para ajudar a acomodar objectos mais pequenos, embora o acesso se mostre algo elevado. Aliás, espaços para guardar tralha miúda não faltam. Da carteira aos óculos, sem esquecer o telemóvel, tudo parece ter o seu lugar.

BarómetroVisual, equipamento, preço,

desempenho e funcionamento do motor

Caixa de velocidades lenta, alguns plásticos, grafismo do sistema navegação, falta da opção do amortecimento pneumático

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Fugas • Sábado 14 Janeiro 2012 • 39

Motores

Uma vez pressionado o botão da ignição, o bloco turbodiesel 3.0 litros V6 desenvolve de mansinho uma potência de 241cv e um binário de 550 Nm a partir das 1800 rotações. O som roufenho sobe de tom na devida proporção do fulgor obtido quando se pisa o pedal mais à direita, mas no cômputo geral surpreende pela suavidade de funcionamento e resposta linear mesmo nas situações mais exigentes. Isto apesar de a transmissão automática de cinco velocidades não ser das mais rápidas.

A efi cácia dinâmica, assente sobre o sistema de tracção integral permanente Quadra Trac II, benefi cia de uma embraiagem multidisco central e de uma caixa de “redutoras”, que permite tirar proveito de umas escapadelas por trajectos fora de estrada. O sistema de suspensão independente de braços transversais à frente e multilink atrás proporciona um elevado padrão de conforto e bom apoio em curva, ajudando a minimizar o efeito bamboleante da carroçaria. Os pneus montados na unidade ensaiada (Kumho) é que pecam pelo fraco desempenho no asfalto e reduzidas capacidades trialeiras.

Por seu turno, o sistema Selec-Terrain possibilita a selecção, através de um simples botão rotativo na consola central, de cinco opções de tracção: Sport (para estrada), Snow (neve ou gelo), Auto (em asfalto e terra), Sand/Mud (limita o patinar das rodas em areia e lama) e Rock (controlo acrescido sobre pedras). Estes cinco modos coordenam de forma electrónica 12 sistemas de gestão do veículo para um desempenho mais adequado ao tipo de piso ou de condução. Porém, o sucesso de um comportamento mais radical depende da conjugação com o sistema de amortecimento pneumático Quadra-Lift – opcional não disponibilizado na viatura ensaiada –, assim como a também ausente transmissão Quadra-Drive II, que tira proveito do diferencial traseiro autoblocante.

A versão Limited exibe-se bem dotada de equipamentos de segurança e mordomias de conforto, possuindo apenas como opcionais a pintura metalizada (600€), vidros traseiros escurecidos (450€), tecto de abrir panorâmico (1500€) e sistema de navegação (850€). Tudo valores a somar aos 75.500€ pedidos por um Jeep imponente segundo o preçário defi nido antes da entrada no ano de todas as medidas de austeridade.

Sabe a poucoO comando Selec-Terrain facilita a missão de seleccionar o tipo de tracção mais adequado para cada género de piso ou situação. Ao lado do selector rotativo encontram-se também o botão para bloquear as quatro rodas motrizes e outro para activar o controlo electrónico de descidas (HDC). No entanto, a ausência do opcional amortecimento pneumático do Quadra-Lift limita as capacidades fora de estrada e não só. Além do incremento de 10,5 cm de elevação, o sistema permite cinco níveis de ajuste: Fora de Estrada 1 (mais 6,5 cm); Fora de Estrada 2 (mais 3,3 cm); Viagem (20,5 cm ao solo); Aero (menos 1,5cm) e Park (menos 4 cm). Ou seja, um opcional imprescindível ao verdadeiro espírito Jeep, mas que só estará disponível para breve.

Ficha TécnicaMecânica Cilindrada: 2987ccPotência: 241cv às 4000 rpmBinário: 550 Nm às 1800-2000 rpmCilindros: 6 em VVálvulas: 24 Alimentação: turbodiesel de injecção directa, por conduta comum, com intercoolerTracção: integral permanente, com redutoras Caixa: automática de 5 velocidadesSuspensão: Braços transversais independentes, com barra estabilizadora, à frente; multilink com nivelamento automático, barra estabilizadora, atrásDirecção: pinhão e cremalheira, assistida hidraulicamenteTravões: discos ventilados à frente e atrás DimensõesComprimento: 482,2 cmLargura: 215,4 cmAltura: 178,1 cmPeso: 2354 kgPneus: 265/50 R20Capac. depósito: 93 litrosCapac. mala: 782 litrosÂngulo entrada: 26ºÂngulo saída: 24ºÂngulo ventral: 19ºAltura ao solo (Ft/Tr): 21,8/25,5 cm

PrestaçõesVelocidade máxima: 202 km/hAceleração de 0 a 100 km/h: 8,2sConsumo misto: 6,4 litros/100 kmEmissões CO2: 218 g/km Preço:A partir de 75,500€*Dados do construtor

EquipamentoSegurançaABS: Sim, com assistência à travagemAirbags frontais: SimAirbags laterais: SimAirbags laterais traseiros: NãoAirbags de cortina: SimAirbag de joelho para condutor: SimControlo de tracção: SimPrograma Electrónico de Estabilidade: Sim Vida a bordoVidros eléctricos: SimFecho central: SimComando à distância: SimDirecção assistida: SimRetrovisores eléctricos: SimAr condicionado: Sim, automático, duploAbertura do depósito interior: SimAbertura da mala interior: SimBancos traseiros rebatíveis: SimJantes de liga leve: SimRádio CD: SimComandos no volante: SimVolante regulável em altura: SimVolante regulável em profundidade: SimComputador de bordo: SimAlarme: SimBancos dianteiros eléctricos: SimEstofos em pele: SimBancos aquecidos: SimTecto de abrir: Opção (1500 euros)Navegação por GPS: Opção (850 euros)Bluetooth: SimRegulador de velocidade: SimSensores de chuva: SimSensores de luminosidade: SimSensores de parqueamento: Sim, com câmara atrásFaróis de nevoeiro: SimFaróis de xénon: SimLava Faróis: Sim

MolengonaUm SUV que pretende competir com os concorrentes “queques” que por aí proliferam, principalmente os que debitam argumentos germânicos, merecia uma transmissão mais eficiente. O motor – de origem VM Motori e desenvolvido em conjunto com a Fiat Powertrain -, é dotado de tecnologia Multijet de segunda geração. Responde com predicados aos desafios, mas a caixa de velocidades automática de cinco velocidades borra a pintura. O escalonamento longo e a lentidão na passagem das relações são pechas que nem a opção pelo comando manual sequencial consegue disfarçar. Pelo menos uma sexta velocidade ajudaria a reduzir os consumos, que dificilmente baixam da dúzia de litros por cada centena de quilómetros. Já quem privilegiar um desempenho mais familiar e descontraído terá pouco de que se queixar.

Mãos quentesOs bancos aquecidos ou ventilados já fazem parte, desde há muito, do leque de opções de conforto. O Grand Cherokee inclui de série, na versão Limited, o aquecimento dos assentos em pele. Mas um botão no tablier possibilita ainda aquecer o… volante. O extravagante opcional servirá, no mínimo, para que o condutor mantenha as mãos quentes sem necessidade de usar luvas. O completo pacote de equipamento inclui faróis bi-xénon; sensores de luzes, de chuva e de estacionamento; ar condicionado automático duplo e cruise control adaptativo.

Pode melhorarA curta lista de equipamentos opcionais disponíveis inclui o sistema de navegação. O monitor no centro do tablier, sem este opcional, exibe apenas as funções de media e de som, bem como as imagens da câmara de estacionamento traseira incluída de série. O sistema de navegação pode complementar o sistema multimédia Uconnect, que integra a interligação com o telemóvel, com comandos por voz, a ligação de dispositivos de som ou as configurações para gravação das músicas preferidas no disco rígido do rádio-leitor de CD. Nota positiva para o funcionamento simples do sistema de navegação, mas os gráficos podiam ser mais apelativos.

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Novidades

Em época de difi culdades económicas extensíveis a vários mercados europeus, os construtores automóveis também apostam forte na renovação ou lançamento de modelos mais acessíveis. O resultado é uma quase revolução no segmento dos citadinos. Em pouco tempo, a Chevrolet lançou o Spark e a Kia o Picanto. Já o grupo Volkswagen propõe o trio Seat Mii, Skoda Citigo e VW Up! Mais recentemente, a Fiat apresentou a terceira geração do Panda e a Renault a remodelação do Twingo.

Com esta avalanche, impunha-se uma reacção do projecto conjunto entre o grupo PSA Peugeot/Citroën e a Toyota, fabricado na República Checa. Citroën C1, Peugeot 107 e Toyota Aygo receberam evoluções estéticas, sobretudo nas dianteiras, novos equipamentos e revestimentos interiores. Novidades com chegada ao mercado português prevista para o início do próximo mês de Março.

O motor 1.0, a gasolina, com três cilindros e 68cv, que já era apreciado pela sua economia, está ainda mais frugal, no que é uma quase obrigatoriedade no

Ano novo, vida mais económicaA concorrência entre os automóveis citadinos está cada vez mais aguerrida e a resposta do projecto conjunto Peugeot/Citroën/Toyota aí está. Aníbal Rodrigues conta-lhe o que muda nestes três pequenos automóveis bem acolhidos pelos portugueses

Trio PSA/Toyota renovado

actual quotidiano dos construtores automóveis. O engenho, de origem Toyota, apresenta agora um consumo médio homologado de 4,3 litros/100 km (em vez de 4,5), com caixa de velocidades manual, e de 4,5 litros/100 km (antes 4,6), no caso da caixa manual pilotada (sem embraiagem e que passa a poder integrar patilhas no volante). Não está prevista a recondução do motor 1.4 diesel (de origem PSA), que chegou a integrar este projecto.

Lançado em 2005 e alvo de uma pequena remodelação em 2009, o mais normal seria este trio estar agora a dar lugar a um novo modelo, mas isso só está previsto para 2014. Para já, os três citadinos terão de se contentar, no essencial, com novos pára-choques dianteiros, grelhas, capots e as obrigatórias luzes diurnas, neste caso com tecnologia LED. Há também novas cores, jantes e tampões. Nos interiores foram montados novos

plásticos, tecidos e equipamentos - que podem ser opção ou de série, consoante as versões -, como sistema de navegação por GPS e ligações Bluetooth, USB, iPod e MP3. Algumas versões poderão incluir um novo volante e alavanca da caixa de velocidades.

A maior parte das novidades são comuns aos três modelos, mas a Toyota adianta que melhorou o conforto da suspensão e a insonorização do Aygo, aspecto que não é mencionado na informação disponibilizada por Citroën e Peugeot. Desde 2005, já foram produzidos mais de 665.000 Peugeot 107; o Citroën C1 ultrapassou os 620.000 exemplares e o Toyota Aygo os 580.000. Ou seja, este trio, pensado para ser vendido a preços acessíveis, aproxima-se a passos largos dos dois milhões de unidades.

Renault com garantia de 5 anos em

A Renault Portugal, através do seu administrador delegado, José Caro de Sousa, apresentou à comunicação social a sua linha de acção para manter a liderança em 2012 num mercado automóvel em forte recessão. Para além da renovação e novas gerações de modelos existentes, foi anunciada a extensão do período de garantia de todos os veículos vendidos a partir de Janeiro com a marca Renault, em Portugal, que passa para 5 anos ou 150.000 km. Foi ainda sublinhada a forte expansão da Dacia, a outra marca do grupo.

Apesar da quebra geral de 30% nas vendas de veículos automóveis em 2011, a Dacia, a marca low-cost do grupo Renault registou um crescimento de 30,8% e a duplicação da quota de mercado, já estando no top 20 (passageiros e comerciais) das marcas mais vendidas em Portugal. Para isso muito contribuiu o sucesso do Duster, que foi no ano passado o 3.º SUV (Sports Utility Vehicle) mais vendido em Portugal.

Menos conhecido é o facto de a Renault ser o 10.º grupo exportador português, graças à fábrica de Cacia de caixas de velocidades

Manter a liderança Há 14 anos que

a Renault é líder do mercado

automóvel em Portugal

e pretende manter e reforçar

essa posição, com auxílio

da marca low-cost do grupo, a Dacia. João Palma revela

a estratégia do grupo para

enfrentar um ano difícil

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Fugas • Sábado 14 Janeiro 2012 • 41

m Portugal

e componentes, essencialmente para exportação, que registou um aumento de produção em 2011.

Em relação a novos modelos, a Renault quer ser também líder nos veículos eléctricos: para isso, além dos Fluence ZE e Kangoo ZE, cuja comercialização se iniciou este mês, estão previstos os lançamentos do pequeno Twizy (que terá um preço inferior a 7 mil euros), em Abril, e, no 2.º semestre de 2012, o Zoe (um citadino compacto, que, segundo a marca, apresentará algumas surpresas e que é quase igual ao protótipo que lhe deu origem). Nos modelos com motores de combustão interna, ao renovado Twingo, já à venda, ir-se-ão somar as renovações do Scénic, em Março; do Mégane e do Laguna, em Abril; e, no 2.º semestre, a 4.ª geração do Clio, o 3.º veículo de passageiros na tabela de vendas.

A renovação do Mégane, o carro mais vendido em Portugal, passa pela modernização da parte dianteira, com a integração de luzes diurnas em LED, e novos equipamentos de conforto e segurança, como o Renault Visio System (um sistema com alerta de saída da faixa de rodagem),

auxílio ao arranque em subida e sistema de iluminação automática e inteligente.

Porém, as mudanças mais profundas processam-se sob o capot: dois motores renovados a gasóleo – Energy 1.5 dCi de 110cv, (médias de 3,8 l 100 km e 95 g/km de CO2) e Energy 1.6 dCi 130cv (4,0 l/100 km e 104 g/km de CO2) – e a introdução do propulsor a gasolina 1.2 TCe, numa variante de 115cv (que substitui o motor 1.6 de 16v) e para o qual se anunciam médias de 5,3 l/100 km e 119 g/km de emissões de CO2. Todos estes motores vêm com tecnologia Energy de redução de consumos e emissões e sistema Start & Stop de paragem e arranque automático do motor.

a em tempo de crise

Dacia, uma marca em expansão

O SUV Duster é o mais bem-sucedido modelo desta marca romena do grupo Renault e, como todos os veículos da Dacia, tem preços muito acessíveis devido ao facto de os custos em investigação e desenvolvimento serem nulos. Tirando a especificidade em termos de design, todos os componentes dos Dacia, como, por exemplo, o motor 1.5 dCi a gasóleo, já foram usados em outros veículos da Aliança Renault Nissan com resultados comprovados.

Isto não impede, porém, que se procure uma certa sofisticação. No caso do Duster, está previsto um “upgrade” do topo de gama Confort Cuir – uma série especial Duster Delsey, prevista para a segunda metade de 2012, que terá um pack Look especial, ponteira de escape cromada, uma cor específica verde-azeitona, acabamentos e interiores melhorados, logótipo Delsey em diversas partes do veículo e um conjunto de malas Delsey específico. Ainda não há preços para este modelo, mas prevê-se que não serão muito superiores aos do Duster Confort Cuir.

Outra novidade é um novo monovolume de 5 ou 7 lugares (para Portugal só virá a versão de 7 lugares), o Dacia Lodgy. Com 4,5m de comprimento, o Lodgy, que será apresentado em Março no próximo Salão de Genebra, oferecerá, segundo os responsáveis da marca, para além de habitabilidade para os ocupantes, bom espaço para bagagens. Este modelo é um passo em frente em termos de design e, presume-se, de equipamento, em relação ao Logan MCV, também de 7 lugares. Os propulsores serão os já conhecidos 1.6, a gasolina, e 1.5 dCi, a gasóleo.

Para promover este seu novo modelo, a Dacia criou uma versão desportiva, o Lodgy Glace, dotado de um motor 3.0 V6, a gasolina, com 355cv e 359 Nm de binário, que está a competir no Troféu Andros, o campeonato nacional francês de competição na neve e gelo, tendo como pilotos Alain Prost e o seu filho Nicolas Prost.

Chevrolet Volt/Opel Ampera (candidatura conjunta), Citroën DS4, Ford Focus, Hyundai i40, Kia Rio e Peugeot 508 foram apurados, esta semana, como os seis fi nalistas do troféu Carro do Ano 2012, uma iniciativa das revistas especializadas AutoSport e Volante. Agora, o júri voltará a reunir-se, no próximo dia 10 de Fevereiro, para eleger o Carro do Ano 2012 e os vencedores das respectivas classes a concurso.

Os 15 modelos que foram afastados por esta primeira votação já não poderão vencer o título absoluto, mas continuam a dispor de uma espécie de segunda oportunidade através das versões das suas gamas que concorrem às classes do Carro do Ano. Nestas, a de Citadino do Ano inclui Chevrolet Aveo 1.2 LT, Kia Rio 1.1 CRDi TX, Nissan Micra DIG-S e Suzuki Swift 5P 1.3 DDiS GLX.

Já a de Familiar do Ano é composta por duas versões de dois dos fi nalistas: Citroën DS4 1.6 e-HDI 110 Airdream So Chic e Ford Focus 1.6 TDCi 115cv Titanium. A classe de Carrinha do Ano é uma das mais disputadas, com Audi A6 Avant 3.0 TDI 204cv multitronic, Hyundai i40 Wagon Comfort 1.7 115cv, Ford Focus SW 1.6 TDCi 115cv Titanium, Peugeot 508 SW Active 2.0 HDI 140cv e Volvo V60 DRIVe. Ao contrário da de Executivo do Ano, apenas com dois participantes - Audi A6 3.0 TDI 204cv multitronic e Peugeot 508 Active 1.6 HDi.

A de Crossover do Ano inclui dois modelos de uma mesma marca – os Chevrolet Captiva Seven Xtreme e Orlando 2.0 VCDi LCZ, que contam ainda com a concorrência de Audi Q3 2.0 TDI 140cv e KIA Sportage 1.7 CRDi TX. Já a de Todo Terreno do Ano engloba Range Rover Evoque 2.2 SD4 Diesel 190cv 4x4 Pure Man e Volkswagen Amarok Highline. Mais dois concorrentes na classe de Descapotável do Ano: BMW 640i Cabrio e Volkswagen Golf Cabrio 1.6 TDI 105cv.

Por último, a disputada categoria de Desportivo do Ano, com BMW Série 1M Coupé, Chevrolet Camaro, Hyundai Genesis Coupé 2.0 e Nissan Juke Turbo 4x4 e a classe de Volante Verde/Carro Ecológico do Ano, com Nissan Leaf, Chevrolet Volt/Opel Ampera e Peugeot 3008 Hybrid4. Aníbal Rodrigues

Apurados os fi nalistas do troféu Carro do Ano 2012

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42 • Sábado 14 Janeiro 2012 • Fugas

Check out

No país de todos os perigos e mais umO email chegara no dia em que ele partira. E agora que partia ele recordava a chegada. A manhã estava inundada de luz e de um fresco ar primaveril. O céu vestia-se de um azul de cobalto quando a carrinha se deteve na paragem, mesmo em frente ao aeroporto, para o levar até uma zona da cidade onde teria de mudar para outro autocarro e dali seguir até à Bab al-Yaman. No interior, homens com as suas jambiyas à cinta pousavam os olhos nos olhos dele com a mesma admiração de um turista num museu. Um, com o cabelo grisalho e um pequeno bigode, ia fazendo perguntas e logo traduzia as respostas para os outros passageiros, que sorriam e aquiesciam com a cabeça, em sinal de aprovação. No momento em que ele se preparava para pagar, uma vez concluída a primeira etapa do percurso, o homem tocou-lhe no braço e disse:

- Venha daí que eu digo-lhe qual o transporte que tem de apanhar. Não se preocupe com o bilhete. Já está pago.

Daí a minutos, sentado num banco cansado da vida, no interior do autocarro ainda mais gasto pelo tempo, ele olhava através da janela os contornos dos bonitos arranha-céus que se projectavam no horizonte e a infi nitude daquela beleza harmoniosa que se expunha aos raios oblíquos do sol, até ser despertado pela travagem brusca que marcava o fi nal do trajecto. Caminhando pela rua, ele fl anqueava agora um prédio, de construção recente, na esquina do mercado, quando ouviu uma voz:

- Mister, mister.Ele virou-se para trás e

perscrutou um menino com uns olhos negros, cheios de brilho, e a mão direita que se estendia na sua direcção. Era um maço de notas, todo o dinheiro que ele cambiara no aeroporto, e que lhe tinha caído do bolso das calças sem que ele se apercebesse.

A atmosfera enchia-se de vozes quando, de repente, a Bab al-Yaman se recortou no centro de todas as coisas e ele a transpôs para observar de forma assombrada, como uma estátua, aquelas torres tão ricamente adornadas que subiam aos céus. Embebido de fascínio, ele embrenhou-se pelas ruas estreitas, pelo meio dos bazares e daqueles sons que lhe pareciam amigáveis e chegou ao hotel, onde não se demorou mais de dez minutos. Errando como um vagabundo e oferecendo ao destino todo o tempo do mundo, desaguou na porta do restaurante cujo interior se assemelhava a um formigueiro e com alguma difi culdade pediu um prato de

salta, um ensopado que é o almoço típico das gentes das montanhas.

- Sente-se aqui ao pé de nós – disse-lhe um homem no meio da multidão, ao mesmo tempo que arranjava espaço no banco para ele se acomodar.

Ele, na sua sinceridade, agradeceu mas preparava-se para retardar o momento porque pretendia comprar pão na rua.

- Não precisa. Acha que chega? Sente-se – sugeriu a fi gura simpática que falava fl uentemente inglês e molhava o pão no líquido espesso.

As perguntas sucederam-se, umas atrás das outras, até que a refeição terminou.

- Gostou? Agora venha daí comigo. Vamos ao mercado de qat.

Juntos, deixaram o Houmald Salta, sempre a fervilhar de vida, e andaram uns 50 metros, parando aqui e acolá para avaliar a frescura das folhas verdes vendidas em pequenos sacos plásticos. Com origem na Etiópia e banido da maior parte dos países árabes, o qat — uma droga que pode produzir dependência física — é uma importante actividade social no Iémen, materializada por mais de 80 por cento da população masculina. Olhando à volta, o mais desatento dos viajantes pode ser levado a pensar que todos aqueles homens, fi éis às tradições, sofrem de problemas dentários. Mas não é de abcessos que se trata. As folhas são introduzidas na boca e mascadas durante horas,

provocando sensações que estão longe de gerar consenso.

- Este é o nosso viagra. Se experimentares, não vais dormir toda a noite – tenta convencê-lo Abdullah antes de se despedir.

Dois caças riscam os céus no exacto momento em que ele se acerca de uma das varandas do Dar al-Hajar, o palácio que se eleva no cimo de um rochedo em Wadi Dhahr, a escassos 15 quilómetros de Sanaa. Um idoso, com a sua extensa família, pede-lhe uma fotografi a e no minuto seguinte corta com a sua jambyia uma garrafa de plástico, cuja base enche com um sumo de laranja que de imediato lhe estende.

Ao início da tarde silenciosa, caminhando por Shibam, um jovem cruza-se com ele e interpela-o:

- Já comeste? Anda almoçar a minha casa.

Tocando os céus, 350 metros acima, a cidadela de Kawkaban espera por ele, bem como o simpático gerente de um hotel que o convida para tomar um chá

sentado em confortáveis almofadas no mafraj, a parte mais alta das casas e lugar de convívio e de culto do qat.

O crepúsculo baixava quando ele regressou a Sanaa e as estrelas enchiam o céu no instante em que ele subiu ao topo do edifício do hotel para ouvir dezenas de muezzin chamar para a oração. Habitada há mais de 2500 anos, a cidade oferecia-se à contemplação, envolvia-o docemente e provocava-lhe, naquela noite, a última no Iémen, uma onda crescente de melancolia.

Agora que chegara, ele pousava os olhos no email enviado pelo simpático casal inglês com quem conversara animadamente na esplanada do hotel. “Fomos visitados por dois elementos da embaixada inglesa que nos perguntaram se éramos loucos. Dizem eles que a situação está muito tensa e que nem sequer nos podem garantir segurança no trajecto entre a cidade e o aeroporto.”

Agora que chegara, ele recordava a tristeza da partida. Sentado no banco de trás de mais uma carrinha exausta, deixava Sanaa para trás, a caminho do aeroporto. Os passageiros riam. Ele ensinava inglês a um iemenita, que por sua vez lhe ensinava árabe.

Sousa Ribeiro

REUTERS/AHMED JADALLAH

Agora que chegara,ele recordava atristeza da partida.Sentado no bancode trás de maisuma carrinhaexausta, deixavaSanaa para trás,a caminho doaeroporto. Ospassageiros riam.Ele ensinava inglêsa um iemenita,que por sua vezlhe ensinava árabe

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Nestes cadernos, o Nobel de Literatura escreve

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Conheça-o na primeira pessoa

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