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REDE BRASILEIRA DE COOPERAÇÃO EM EMERGÊNCIAS - RBCE
DOCUMENTO DE TRABALHOSubsídio para a Oficina de Regulação - SAS/MS Brasília, 28 e 29 de agosto de 2003.
A Regulação das Urgências - Debates da RBCECésar Roberto Braga Macedo1 I _ Introdução
Os serviços de urgências são hoje pontos nevrálgicos do Sistema Único de Saúde,
estampando a todo o momento sua incapacidade em atender com eficiência e eficácia a
população que demanda por atendimento. Contudo, independente das críticas que
possam ser feitas, ainda são os serviços públicos de urgência os detentores da maior
capacidade instalada e maior volume de atendimento, particularmente no que se refere as
"grandes urgências".
A solução para a questão colocada não pode ser centrada na adequação pontual desta
ou daquela unidade, mas sim através da constituição de uma rede integrada de
atendimento que incorpore todos os níveis de atenção constituindo um Sistema Integral
de Atenção as Urgências. Nessa perspectiva tal rede deve abarcar desde a atenção
básica à saúde até a terapia intensiva e a reabilitação, envolvendo ainda o manejo de
urgências coletivas.
A concepção desta rede é fundada na constituição de um conjunto de unidades polares
de atenção às urgências, estrategicamente localizadas, programadas para dar uma ampla
cobertura populacional e sediadas nas atuais Unidades de Atenção Primária (UBSs,
módulos de PSF) articuladas a Policlínicas de Urgência que seriam sua base inicial de
apoio e que coordenem a rede em sua base regional de atuação. Seu objetivo é a
atenção imediata mais próxima ao paciente, regionalizada e estratificada por prioridades
de urgência, encadeando-se com os diferentes níveis de atenção de acordo com as
1 Coordenador do Núcleo de Urgências e Atenção Primária à Saúde da Rede Brasileira de Cooperação em Emergências – RBCE, - Consultor da Coordenadoria de Atenção às Urgências do Ministério da Saúde – CGUE
1
necessidades do paciente, até o nível de complexidade das unidades de terapia
intensiva.
A idéia de rede de serviços não é nova no âmbito do planejamento e gestão de serviços
de saúde. Contudo a idéia de uma rede de serviços de emergência só começa a aparecer
com mais força, em nosso meio, a partir da década de 90, com a introdução do conceito
de Regulação Médica de Urgências e o desenvolvimento de Serviços de Atenção Pré-
hospitalar Móvel, frutos da cooperação francesa , num processo que vem discutindo a
importância dos serviços de urgência no âmbito do Sistema Público de Saúde.
A portaria GM/MS nº 2.048, de 5 de novembro de 2002, assinala a importância da idéia
de rede e estabelece conceitos e diretrizes da regulação médica dos sistemas de atenção
às urgências. A prática da regulação médica é novidade em nosso sistema de saúde e
tem sido alvo de seminários e discussões para definição do que seja de fato e a forma de
introduzi-la no cotidiano dos serviços.
No relatório da Oficina realizada em Brasília (Conceitos gerais - Oficina Brasília 01 e 02 de
junho 1999) pelo próprio Ministério da Saúde obtém - se então as definições que se
seguem:
“REGULAÇÃO” é palavra que deriva do verbo transitivo
direto “regular” e significa ato ou efeito de regular (se).
Regular vem do latin regulare, o Dicionário Aurélio
identifica como sendo: sujeitar as regras; dirigir; regrar;
encaminhar conforme a lei; esclarecer e facilitar por meio
de disposições; regulamentar; estabelecer regras para;
regularizar; estabelecer ordem parcimônia; acertar,
ajustar; conter, moderar, reprimir; conformar, aferir,
confrontar, comparar; estar conforme, trabalhar ou
funcionar com acerto, precisão, regularidade; servir de
regra; dirigir-se, guiar-se, orientar-se.
2
O mesmo documento segue com a discussão da idéia de regulação no âmbito do
sistema de saúde e assinala a primazia do setor público nesse processo que consiste em
disciplinar, estabelecer regras, ordenar, orientar e organizar o fluxo dos pacientes
através do sistema, dentro das diretrizes gerais do SUS.
No capítulo II do Regulamento Técnico das Urgências, anexo da portaria GM/MS/ 2048 /
2002, a regulação médica das urgências é tida como:
"o elemento ordenador e orientador do Sistema de Atenção
Integral às Urgências, que estrutura a relação entre os vários
serviços, qualificando o fluxo dos pacientes no Sistema e
gerando uma porta de comunicação aberta ao público em
geral, através da qual os pedidos de socorro são recebidos,
avaliados e hierarquizados.
Ao médico regulador devem ser oferecidos os meios
necessários, tanto de recursos humanos, como de
equipamentos, para o bom exercício de sua função, incluída
toda a gama de respostas pré hospitalares previstas nesta
Portaria e portas de entrada de urgências com hierarquia
resolutiva previamente definida e pactuada, com atribuição
formal de responsabilidades.”(Portaria 2048/2002, Anexo)”.
A partir desta concepção de regulação, é necessário pensar na forma como esta se torna
operacional. A portaria 2048 definiu atribuições técnicas e gestoras à Regulação Médica
das Urgências estabelecendo as funções do médico regulador, definindo também a
inserção e incorporação/subordinação dos serviços privados e militares a esta regulação.
3
A articulação de todos estes elementos, passa a ser possível através de um "Complexo
Regulador", que é apresentado no documento da oficina de Brasília como
"o conjunto de estratégias e ações definidas pelos
agentes responsáveis pela formulação das políticas e pela
produção dos serviços de saúde, necessários ao
atendimento integral ao indivíduo (...) complexo regulador
tem por pressupostos fundamentais a universalização do
atendimento, a descentralização, a regionalização e a
hierarquização. Assim, a função reguladora deve estender-
se a todos os seus níveis."
O exercício da função reguladora vai demandar uma pactuação entre todos os componentes do serviço de saúde, de forma a conhecer as necessidades que se
apresentam de maneiras diversificadas ao sistema, exigindo respostas que significam a
atuação de uma diversidade de agentes.
A transformação da idéia abstrata de regulação de fato exige uma estrutura que seja
capaz de transformar a pulverização dos serviços em uma rede de fato integrada,
sensível às demandas e capaz de oferecer respostas adequadas, em tempo oportuno,
aumentando a eficácia, a eficiência e a efetividade do sistema. A disponibilidades de uma
estrutura de serviço Pré-hospitalar Móvel, ligada a uma Central de Regulação, é então
proposta como uma estratégia de atendimento da urgência a partir de uma lógica
reguladora. Diferente de uma simples central de vagas, a Central de Regulação Médica
das Urgências é um sistema de informação - decisão - ação que não admite a "não
existência de vagas" como resposta às necessidades da população, o que cria de
antemão tensionamentos de naturezas diversas, da não existência, via de regra real, de
capacidade operacional, à postura defensiva por parte dos profissionais que resulta na
negativa quando da solicitação de acesso. Este sistema cria a resposta adequada através
da completa integração e subordinação dos serviços à regulação, que utiliza como
instrumentos de trabalho as ferramentas do planejamento e da epidemiologia, o que põem
4
a nu o que são dificuldades reais e o que são mazelas da disfunção comportamental, por
parte dos atores.
O capítulo IV do anexo da Portaria 2048 apresenta as seguintes considerações do
Ministério da Saúde sobre “Atendimento pré hospitalar móvel e as centrais médicas de
regulação”
O Ministério da Saúde considera como nível pré-
hospitalar móvel na área de urgência, o atendimento que procura
chegar precocemente à vítima, após ter ocorrido um agravo à sua
saúde (de natureza traumática ou não-traumática, ou ainda
psiquiátrica), que possa levar à sofrimento, seqüelas ou mesmo à
morte, sendo necessário, portanto, prestar-lhe atendimento e/ou
transporte adequado a um serviço de saúde devidamente
hierarquizado e integrado ao Sistema Único de Saúde.
O Serviço de atendimento pré-hospitalar móvel deve ser
entendido como uma atribuição da área da saúde, sendo
constituído de uma central reguladora, com equipe e frota de
veículos compatível com as necessidades de saúde da população
de uma região (podendo portanto extrapolar os limites
municipais), previamente estabelecida como referência, aí
considerados aspectos demográficos, populacionais, territoriais,
indicadores de saúde, oferta de serviços e fluxos habitualmente
utilizados pela clientela. O serviço deve contar com a retaguarda
da rede de serviços de saúde, disponibilizada conforme critérios
de hierarquização e regionalização formalmente pactuados entre
os gestores do sistema loco-regional. (...)
Devem existir Centrais de Regulação Médica das
urgências, com fácil acesso ao público, por via telefônica, em
sistema gratuito (192 como número nacional de urgências
médicas ou outro número exclusivo da saúde, se o 192 não for
5
tecnicamente possível), onde o médico regulador, após julgar
cada caso, define a resposta mais adequada, seja um conselho
médico, o envio de uma equipe de atendimento ao local da
ocorrência ou ainda o acionamento de múltiplos meios. O
atendimento no local é monitorado via rádio pelo médico
regulador que orienta a equipe de intervenção quanto aos
procedimentos necessários à condução do caso. Deve existir uma
rede de comunicação entre a Central, as ambulâncias e todos os
serviços que recebem os pacientes.
O número de acesso da saúde para socorros de urgência
deve ser amplamente divulgado junto à comunidade. Todos os
pedidos de socorro médico que derem entrada através de outras
centrais, como a da polícia militar (190), do corpo de bombeiros
(193) e quaisquer outras existentes, devem ser, imediatamente
retransmitidos à Central de Regulação Médica das Urgências,
através do sistema de comunicação, para que possam ser
adequadamente regulados e atendidos.
A partir das questões expostas até aqui, e da nova configuração política do País
marcadamente favorável ao aprofundamento da Reforma Sanitária Brasileira, em seu
capítulo das urgências, nos cabe refletir sobre a estratégia de estruturação de um
sistema de atenção integral às urgências, de base municipal dentro dos princípios da
regionalização, com realidades loco regionais tão díspares, a partir do que hoje temos
disponíveis.
A distribuição de serviços de saúde, não absolutamente uniforme em todas as cidades e
regiões do País, existindo ainda hoje enormes vazios assistenciais no que se refere a
serviços de atenção primária. Além dos serviços de maior complexidade, inclusive
atendimento de urgência, que se localizam quase em sua totalidade nos grandes centros
urbanos com acentuada concentração nas regiões Sudeste e Sul do País.
6
A proposta de planejar a atenção à urgência baseia-se na lógica da regionalização,
obedecendo a proposta de regionalização definida pela rede de atenção primária, que
deve estar perfeitamente integrada ao sistema de atendimento as urgências, se
comportando como o elo fundamental na cadeia de manutenção da vida pela proximidade
e presteza de seus atendimentos, funcionando como um regulador natural de acesso aos
serviços de maior complexidade. Regulação no sentido da advocacia aos interesses de
saúde da população.
Para Somers & Somers (1977) a regionalização é um sistema formal de alocação de
recursos com uma apropriada distribuição geográfica das instalações de saúde, dos
recursos humanos e programas, de forma que as diferentes atividades profissionais
cubram todo o espectro da atenção compreensiva, primária, secundária, terciária e de
longa permanência, com todos os acordos, conexões e mecanismos de referência
necessários, estabelecidos para integrar vários níveis e instituições em um conjunto
coerente e capaz de servir a todas as necessidades dos pacientes, dentro de uma base
populacional definida.
Alguns estudos tem quantificado a atenção de emergência em comparação com o
atendimento global que demanda o sistema , em torno de 10%. Entretanto, é necessário
considerar que parte importante do atendimento nos serviços de urgência se constituem
em escapes da atenção primária, que buscam atendimento no único serviço
permanentemente aberto. Este fato adquire especial importância na medida em que, pelo
número de atendimentos passam a constituir um verdadeiro bloqueio para pacientes cuja
condição é de extrema gravidade.
A organização do Sistema Integrado de Urgência, que tem como unidade mediadora e de
inteligência do sistema, a Central Médica de Regulação de Urgências vai demandar
uma adequada coordenação de recursos humanos, materiais, transporte e comunicação.
Algumas definições apontados no documento “Oficina de Brasília”, são cruciais para a
implantação destas centrais:
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Unidade de Trabalho - é elemento da Central de Regulação operada
por um conjunto de procedimentos que regula uma função específica
do sistema. Tem características determinadas pela natureza do que
regula e do território de sua abrangência. Ela utiliza coletivamente com
as demais Unidades de Trabalhos os recursos materiais, humanos e
financeiros da Central de Regulação. Seu funcionamento deve ser
organizado em fluxogramas específicos e seus atos são pautados por
instrumentos denominados protocolos e operacionalizados por atos de
profissional médico. São exemplos de Unidades de Trabalhos
dentro da Central Reguladora as funções de atendimentos de
“Urgência e Emergência”; “Gestação de Alto Risco”; “Oncologia”;
“Hemocentros”; “Serviços de Alta Complexidade”; “Serviços de Apoio
as Diagnoses e Terapias”; “Internações Hospitalares”; “Central de
Neonatologia” e etc., etc., etc.
Territorialização - tem por base os limites físicos determinados pelos
fluxos já existentes dentro do sistema. A regulação depende da
formulação e operação de sistemas regionais, para isto é preciso que
se faça o reconhecimento dos fluxos existentes e a contratação das
bases de funcionamento do sistema criando pólos regionais.
Recursos Humanos - Sem capacitação dos profissionais da saúde
para a função reguladora não há como regular o sistema.
Protocolos - No contexto do Sistema Único de Saúde os
protocolos são atos de regulação, instrumento normativo do processo
de assistência à saúde. Deve promover qualidade técnica da atenção,
utilizar racionalmente os recursos de diagnose e terapia e sistematizar
os mecanismos de referência e contra-referência. Os protocolos
devem propiciar um plano detalhado para o acompanhamento dos
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pacientes com diagnósticos específicos da admissão, alta hospitalar e
reabilitação.
Baseados nestas informações preliminares fica evidente que a construção das
Centrais Médicas de Regulação de Urgências se colocam como eixo estratégico
fundamental para a reorganização do atendimento as urgências em nosso País, sendo a
partir daqui, nosso objetivo, reproduzir questões fundamentais colocadas em debate, via
mensagens eletrônicas, por integrantes da RBCE nos meses de novembro/ dezembro de
2002 e que julgamos de fundamental importância, até porque esta discussão estará
sempre presente no atual estágio de implantação do Sistema, e nos momentos que se
seguirão.
II- Regulação – Debates
Algumas advertências se fazem necessárias: as mensagens foram editadas, mas
procuramos manter a integridade dos conteúdos, retirando – se algumas redundâncias e
alusões pessoais, tão comuns nesta forma de comunicação. Neste sentido, acredito poder
manter a riqueza do que foram estas duas semanas de discussão, altamente produtivas e
delineadoras de uma metodologia de construção coletiva, que precisa ser cultivada por
conta do distanciamento geográfico, mas da grande proximidade virtual/real, que nos
propicia o desenvolvimento tecnológico.
As falas serão reproduzidas como numa conversa, com a citação de seu autor, vez por
outra, acrescidas de algum comentário.
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Na manhã do dia 21 de novembro de 2002 , ao abrir o computador, nos deparamos com a
seguinte mensagem da Zilda, nossa mobilizadora de mentes e corações (emoção e
razão)..
Zilda - Repasso a todos o mail que a Lígia me enviou, após apresentação e discussão em
mesa sobre regulação médica das urgências que assistimos hoje na SBAIT. Acho a
preocupação da Lígia bastante relevante e, neste momento de transição de governo,
talvez a presença da Rede pudesse ser bastante útil no Paraná. O Onimaru também
externou uma preocupação em relação à aplicação da Portaria em estruturas com
envolvimento militar histórico, onde se faz o discurso da regulação, mas, na prática, não
funciona bem assim.
Aproveito o momento também pata externar minha estranheza e desagrado diante de uma
mesa estruturada para discutir-se regulação médica e para a qual são convidados apenas
dois depoimentos de localidades onde a portaria é parcialmente aplicada, ficando na
platéia a observar, por exemplo, o Hansen do SAMU de Campinas, que está com uma
estrutura bastante respeitável e a Sônia do Vale do Ribeira, que apesar de ter o serviço
progressivamente sucateado, é um bom modelo de regulação, inclusive regional e ao
longo de uma estrada.
Aguardo retorno e comentários .
Lígia Soares - Estou participando do Congresso da SBAIT , onde algumas boas
discussões estão ocorrendo. Em particular me chamou bastante atenção e me causou
uma certa preocupação o relato da experiência do SIATE- Paraná, feita pelo companheiro
Edison, o fato da adoção do número da Policia Militar - 190, como número único inclusive
para os chamados de APH.
O companheiro Edison relatou, que esta decisão, não compartilhada pela equipe técnica,
foi fruto de um decreto do governador, independente da vontade do gestor estadual de
saúde. O fato de adotar-se o 190 como o número do serviço de socorro me preocupa,
agravado principalmente que esta decisão extrapolou a opinião dos profissionais, oriundos
10
ou não da saúde, que compõem o serviço, e cria um precedente sobre o qual eu gostaria
refletir e para tanto peço a ajuda dos companheiros. Achei, na conversa que tive com o
Edison e o Filipack que uma opinião concensuada da RBCE sobre o assunto poderia
ajudar nas discussões no Paraná. A Rede tem mesmo este papel.
Para ajudar nas reflexões dos companheiros ! O que acho polêmico neste assunto:
1- Como garantir e preservar o sigilo dos chamados de socorro se a comunicação é
compartilhada com outros profissionais que tem responsabilidades bem diferentes das dos
integrantes da equipe de socorro? Ou seja nós preservamos a vida não interessa de quem
seja. Quando o chamado entra na Central o objetivo é o de salvar, não importa o que
provocou o evento. Isto é importante ou não é relevante??
2- A população sente-se tranqüila em ligar para a policia para pedir socorro em todas as
situações ?? Como ficam as overdoses, agressões, etc. etc. cujas vítimas precisam e
querem socorro mais não desejam inicialmente à exposição das causas para a policia?
Isto é pertinente ou não.
3- Seremos capazes de preservar a autonomia dos pacientes nesta situação de
compartilhamento com as forças de segurança?
4- Fica registrado enfaticamente que a Policia Militar tem papel próprio a cumprir, e é uma
instituição que merece todo o meu respeito e admiração . Seu papel é bem definido assim
como o nosso . Por isto acho que situações conflitivas podem ocorrer comprometendo
irremediavelmente os princípios que regem ora uma ora outra instituição.
Itajaí Albuquerque - A questão é antiga e o problema do número único não
operacionalizado pela mesa reguladora médica se dá no foro ético. Mas, pelo visto o
problema gerado esteve fora da alçada da equipe técnica, do gerente e até do gestor da
saúde local, sendo motivada por decisão do executivo, certamente, mais sensível a
pressão da corporação policial. Aqui em Belém temos até o momento o número 192 para
11
AME e o 190 do CIOP (Centro Integrado de Operações Policiais - grifo meu), onde o
resgate do Corpo de Bombeiro é acionado. Apesar disso, sabemos que freqüentemente
eles nos “espionam em escuta” da comunicação das ambulâncias com a Central 192, e, os
próprios profissionais, sabedores disto, utilizam-se, para em circunstâncias de risco
solicitar apoio policial (entrar em áreas de ocupação urbanas, baixadas, onde a
marginalidade cobra pedágio, ou tenta seqüestrar o veículo e a equipe), embora sem
entrar na radiofreqüência da polícia que é fechada. Então temos uma situação clara em
que “a confidencialidade das comunicações” não é respeitada pelos órgãos de
segurança do Estado, e a seguir outra, a de cumplicidade das equipes com o fato. Imagino
que isto se repita em outros lugares. Contudo, com respeito ao problema apontado,
quando o número 192 é preterido por outro em virtude de decisão de governo, só nos resta
crer que a garantia da aplicação do que recomendam as normas venha a partir de sua
vinculação ao financiamento, assunto a ser tratado ou regulado no próximo governo. Ou
seja, só perceberá incentivo de urgência o gestor que garantir um APH acessado por
número único da saúde, além do cumprimento de outras exigências normativas.
Portanto, será uma questão de legalidade, mas garantida no campo social pelas
intervenções da rede na sociedade e junto ao corpo de trabalhadores do SUS. Quanto a
confidencialidade das comunicações, este é um assunto bem delicado, que não se resolve
simplesmente bloqueando o canal de comunicação da saúde, exigindo uma intervenção
calculada junto a corporação policial, envolvendo setores organizados da sociedade civil,
ouvidorias, corregedorias, OAB, etc., de forma a não criar uma situação reacional das
corporações, incluída obviamente a de saúde.
Só para ilustrar o grau de sofisticação deste CIOP de Belém. Eles nos convidaram certa
vez para nos sensibilizar a uma integração, passando a funcionar nosso pré-hospitalar
móvel nas dependências deles (sobrava espaço, os bombeiros estavam lá, havia
tecnologia de sobra). Fui lá conhecer e que espaço e que tecnologia encontrei! Todos os
carros possuem GPS, permitindo-se a localização deles em tela de computador, em rua e
bairro. Qualquer ligação telefônica que entra por lá é definida de que número, de que tipo
de telefone (fixo, móvel, público), a localização do logradouro e a quem pertence. Quando
eles identificam um telefone público, segundo a experiência dessa instituição, a origem do
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trote procede geralmente de escola próxima. No caso, eles entram em contato com a
diretora. Isto permite que desenvolvam um interessante projeto educativo com respeito
aos trotes, que funciona da seguinte maneira: identificado o telefone e o usuário da linha, é
feito um contato do Centro convidando-o a comparecer para esclarecimentos. Lá, quando
chega, ele é recebido por um “relações públicas” que o convida a conhecer o serviço o dia
inteiro, recebendo palestras sobre a importância e o funcionamento do serviço e a seguir
uma turma é escolhida para receber as orientações conforme descrevi acima. Na época
em que os visitei, há dois anos e pouco, com essa estratégia eles haviam reduzido a
casuística de trote em 40%.
Lígia Soares - Agradeço o comentário sobre problema tão sério. Não sei por que o
assunto não foi discutido na executiva, provavelmente por não ter sido exposto com
clareza e com toda a repercussão de ontem.
Achei interessante você abordar a conivência da equipe com o compartilhamento de
informações que envolvem sigilo médico . Este é outro fator que me preocupa.
Até que ponto a equipe de saúde perde identidade, trabalhando nas ruas ao lado de outros
profissionais , sem que seus pares estejam ao lado ? Hoje na minha avaliação os
profissionais da saúde do APH incorporaram mais fortemente o perfil bombeiristico ou policialesco em detrimento do seu próprio perfil.Este é um outro aspecto sobre o qual poderíamos abrir uma discussão nacional inclusive
com as representações dos órgãos de classe.
Alexandre G Escobar - Ainda para incrementar a discussão, gostaria de sugerir que o
momento não é mais de questionar o uso do 192 no APH, mas sim de buscar formas de implementar as normativas existentes. Afinal, estas já obrigam o uso nacional do 192
para o APH, desvinculado das instituições policiais. Ainda, concordo com o que Zilda
13
escreveu sobre a mesa da SBAIT: o SAMU de Porto Alegre, com todas as suas
dificuldades, procura cumprir a normatização proposta pela RBCE para o APH, tendo uma
experiência de 7 anos com regulação e atendimentos, sem distinção entre trauma ou
clínica, via pública ou domicílio. Embora vários médicos de Porto Alegre constem no
programa da SBAIT, o nosso SAMU não foi convidado para apresentar sua experiência e
propostas. Infelizmente, o perfil identificado nesta mesa parecia baseado na visão dos
bombeiros atendendo apenas eventos traumáticos, o que inclusive desestimulou a minha
participação.
Luiz Henrique Hargreaves - Esta é a primeira vez que dou alguma idéia ou participo de
fato das discussões.No entanto, é um tema que há muito vem sendo discutido e ao meu
ver, algumas questões merecem realmente reflexão.Os Estados Unidos, há muitos anos
utilizam o número 911 para seus chamados de emergência na maior parte dos estados e
condados americanos. A entrada deste número e mais recentemente do chamado
enhanced 911 ou E911, onde não apenas o chamado é identificado, mas imediatamente
sabe-se o endereço de quem está chamando, melhorou muito a eficiência do socorro.As
questões levantadas pela Lígia me permitem um outro tipo de avaliação, baseado na
experiência não apenas americana, que conheço bem, mas também de diversos países da
Europa.
1º Em uma situação de overdose, ou agressão, independente de quem recebe o
chamado, é fundamental para o socorrista que a polícia esteja presente, pois, mais
importante que tudo, é a segurança de quem socorre. Não são poucos os casos de
paramédicos, médicos e socorristas feridos ou mortos por traficantes, agressores, pelo fato
de não pensarem nestas conseqüências. Há pelo menos 05 bons livros sobre o tema (um
deles é o “When the Violence erupts” que trata especificamente do risco de agressão por
pacientes e como se proteger, ainda mais em ambiente pré-hospitalar. Uma das
recomendações, é de sempre solicitar a presença da polícia em casos de agressão e
overdose. Uma coisa deve estar clara. A presença da Polícia militar, visa garantir a
segurança da cena.Se o agredido não quiser registrar ocorrência policial, não o fará. Se
assim quiser, não será com a polícia militar, mas com a polícia civil que é a polícia
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judiciária e este crime é um crime de ação privada, ou seja o interessado deve registrar a
ocorrência. Além disso, há casos relatados , incluindo um comigo, onde sabedores de que
possuímos medicamentos opióides em nossas maletas, chamados falsos são originados e
ao chegarmos podemos ser vítimas de assalto ou agressão).
2º Os policiais e todos servidores públicos envolvidos em questões de atendimento
médico, como nas urgências estão sujeitos ao sigilo profissional, previsto não apenas no
código penal, mas em uma série de leis que posso passar a quem se interessar.
3º Freqüentemente atendo presos e sempre com escolta policial e jamais tive minha
independência médica, sequer ameaçada, no entanto jamais o faria sem a devida
proteção. Trabalhei mais de 10 anos na Cruz Vermelha e tive diversas experiências
internacionais.
Nunca, foi deixado de lado a proteção no atendimento e isso não tem relação com
autonomia de atendimento.
4º Nos locais onde o número único foi implantado, houve melhora significativa na
qualidade do atendimento, uma vez que a população não precisa memorizar diversos
números, tampouco saberia um cidadão sem treinamento específico, para quem ligar
primeiro em um acidente. Mesmo porque em acidentes, há necessidade da presença da
polícia que deve ser a primeira a chegar, porque é uma tropa que está na rua, ao contrário
dos bombeiros e socorro médico que estão aquartelados.
5º Há recomendação explicita do American College of Emergency Physicians, da
International Liaison of Cardiovascular Ressuscitation, que reúne todas as Sociedades de
Ressuscitação do mundo, de que o número único é fundamental para o acionamento
rápido do socorro. Espero de alguma forma ter contribuído com a discussão. Luiz Henrique
Hargreaves. Presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Emergência
Membro do American College of Emergency Physicians.
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Itajaí - Concordo que em situações de risco a equipe de atendimento obrigatoriamente
deve comparecer com apoio policial, e isto deve estar previsto nos protocolos de
atendimento. O problema está no acesso que a polícia possa ter sobre dados confidenciais
dos pacientes. Aí então estamos diante de um dilema conflitivo com a condição dos
profissionais de saúde, que por dever de ofício se obrigam ao segredo profissional. De
outro lado, associado à questão, temos outro ponto a que fiz referência; onde equipes de
serviço não vinculadas a centrais operadas pela polícia, ao se descobrirem "escutadas",
passaram a utilizar apoio policial de forma digamos... “informal”, desenvolvendo a partir
daí uma camaradagem entre si. Diante deste último fato, manifesto muita preocupação,
pois a postura da equipe deveria ser no sentido de ter atitude que fizesse respeitar o
caráter confidencial da comunicação médica ou de saúde, pois nada autoriza a quebra da
linha de comunicação dos veículos com as centrais, via rádio. Seria interessante que você
nos dissesse como o sigilo profissional é observado no pré-hospitalar móvel norte-
americano, em uma sociedade onde a segurança passou a ser prioridade absoluta,
particularmente após os fatos ocorridos em 11 de setembro de 2001 que enlutaram os
EUA.??
Stefanelli - Acredito que existe outro ponto também bastante importante na palestra do
Edison que é a presença de dois médicos na central deles, um que fica mais voltado para
o trauma (que é do SIATE) e outro que é da prefeitura e esta voltado para os casos
clínicos, acredito que seja essa a configuração (infelizmente não pude assistir a toda a
mesa pois estava ocupado com a organização), qual a opinião do grupo quanto a isso e
qual a sua opinião disso em São Paulo- capital.
Itajaí - Acredito que isto reflita uma peculiaridade desse serviço, embora não tenha
assistido a apresentação do Edison, e nem haver discutido esse assunto previamente com
ele. Para nós, aqui em Belém, seria dispendiosa a adoção da proposta, visto nossa maior
demanda ser de casos clínicos. Mas, como está essa proporção nas demais capitais e
regiões metropolitanas brasileiras?
16
Stefanelli - Aqui em são Paulo, existem 2 serviços trabalhando na capital juntos, mas não
integrados, "seria" como proposto em 1989 para a prefeitura atender aos casos clínicos e
o estado (bombeiros + SAMU) aos traumas, mas na nossa central (que é junta do
bombeiro) atendemos quase 65 % de casos clínicos e não conseguimos nenhum contato
com a central da prefeitura, e agora eles criaram algumas viaturas de suporte avançado
que trabalham, "quase" que autônomas (não estão na mesma rede de rádio ou não
respondem, não sei) e se encaminham ao atendimento quando decidem e não comunicam
a ninguém e é muito freqüente, duas viaturas avançadas chegarem juntas (gasto
desnecessário), por esse motivo pensei após a palestra na possibilidade de termos um
médico da prefeitura como em Curitiba.
Itajaí - Você tem razão. Há desperdício de recursos com essa duplicidade de serviço,
encarecendo desnecessariamente a prestação do serviço. O ideal é que houvesse
unificação de forma a racionalizar recursos e otimizar o atendimento, evitando-se duplos
ou triplos deslocamentos de veículos. Aqui também vivemos com a situação de um lado o
resgate dos bombeiros (190) e de outro o serviço municipal (AME-192), que atende casos
clínicos e também o trauma na proporção de 6:4. O nível de cooperação entre os serviços
é razoável, mas a mentalidade tacanha do Governo do Estado, que tudo
instrumentaliza para fazer enfrentamento político com a Prefeitura de Belém, impede
qualquer avanço no sentido de evoluirmos para serviço único, com regulação médica e
acessado a partir de número telefônico da saúde.
Zilda Barboza - Prezados sócios e simpatizantes: Trabalho há 4 anos numa central
regional de regulação de urgências em Campinas, interior de São Paulo. Esta central atua
numa área de abrangência de 42 municípios, entre os quais estão incluídos os da região
metropolitana de Campinas, num total de 3.500.000 habitantes.
Esta central não faz atendimentos primários, ou seja, chamados vindos da população.
Estes ainda têm que ser regionalmente articulados. Trata-se apenas de atendimentos
secundários, ou seja, atendemos serviços de saúde de diferentes portes e cidades, que
após prestarem um primeiro atendimento ao paciente em situação de urgência,
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necessitam transferi-lo para serviço de maior complexidade, seja para avaliação
especializada, elucidação diagnóstica ou internação.
São muitos os dramas que vivenciamos cotidianamente, principalmente em relação à
retaguarda de terapia intensiva, amplamente insuficiente, atendimento neurológico e até
mesmo ortopédico, sem contar a escassa retaguarda para queimados, patologias
vasculares (obstruções arteriais agudas, aneurismas), cirurgia cardíaca, etc.
Escrevo, porém, para contar-lhes uma experiência vivida no plantão do último sábado, que
julgo valer a pena levar ao conhecimento de todos:
“Médico plantonista jovem, aciona a central a partir de uma unidade 24 horas, mal
equipada, onde atende a demanda geral, num município de 30.000 habitantes que não
possui hospital. O caso: paciente do sexo feminino, 26 anos, portadora de Carcinoma
hepático e Cirrose Hepática (Hepatite B). Dispnéica, enterorragia, ascite volumosa(+4/4),
descorada (+3/4), com sopro cardíaco já decorrente da anemia, edema (+2/4), ictérica
(+4/4). Médico informa que a paciente apresenta risco de vida e solicita transferência da
mesma para o HC-UNICAMP, hospital terciário, onde tem sido habitualmente tratada, por
não ter recursos no local, sequer para realizar uma paracentese.
Em contato com o hospital de referência, fui informada de que o mesmo encontrava-se
sem leitos vagos e que a paciente teria que permanecer na maca, onde receberia
cuidado paliativo.
No retorno à unidade solicitante, conversei com o colega sobre a possibilidade de a
paciente passar suas (talvez) últimas horas de vida sozinha, numa maca de pronto-
socorro, onde certamente veria e seria vista por outros pacientes em situações
semelhantes ou diferentes, mas não menos dramáticas e o colega argumentou que a
família desejava que ela recebesse todo cuidado possível e necessário. Autorizei então a
transferência, mas lamentei os rumos da medicina e a perda da noção do que seria uma
morte digna e humana (na medida do possível).
Três horas mais tarde o colega me telefonou e disse que encorajado pela conversa que
tivemos, ele reuniu a família, explicou a gravidade do caso e com a concordância da
família acompanhou a paciente até sua casa, onde familiares fizeram uma breve
despedida e ela, a seguir faleceu, em sua própria sala, rodeada por seus familiares.
Ele estava bastante comovido, muito grato e, da mesma forma eu me senti!”
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Malu de Ribeirão Preto - Sempre que escrevo alguma coisa, é para agradecer o
privilégio de estar participando desta rede. Emocionada eu fiquei ao ler seu relato.
É isso aí, companheira. Felizmente já temos muitas pessoas como você, que
pensam assim como eu: "Não existe problema na morte. Ela é naturalmente, o fim
de todos nós. O problema está em não se dar o devido apoio à dor que ela
acarreta." Esta tem sido a nossa luta aqui em Ribeirão, e eu fiquei aqui pensando,
que se na cidade dessa paciente do relato tivesse um SAD (serviço de assistência domiciliar) que desse o apoio adequado aos familiares, com certeza
eles nem de longe pensariam em internação.
Lígia Soares - Confesso que estava ansiosa para chegar aqui na SES e acessar
as mensagens da Rede, sobre as questões que coloquei em discussão. São
interessantes e enriquecedoras as diversas opiniões externadas... em especial
gostaria de comentar as dos companheiros Henrique e Stefanelli. Sobre a questão
da segurança das equipes de socorro acho totalmente pertinente que os
profissionais tenham condições seguras de trabalho. Talvez não tenha ficado claro
nos exemplos que dei, que as situações citadas são aquelas que muitas vezes
ocorrem em dimensão familiar, por exemplo, e que
não oferecem risco policial para a equipe. Lembremos, da exposição a que as
vítimas são submetidas durante o atendimento, quando em muitas situações,
aspectos de foro intimo são explicitados ou questionados para elucidação
diagnóstica, sem que no entanto o
paciente/vítima tenha obrigação de fazê-lo ou de compartilhá-los sem temores,
para
profissionais que não compõem as equipes de APH. Acredito piamente que em
muitos paises as comunicações compartilhadas preservam os aspectos éticos que
envolvem a assistência à saúde, no entanto não consigo imaginar, pela
diversidade cultural do nosso país e do nosso povo, que isto possa ocorrer aqui,
sem problemas.
19
Com relação à colocação do Stefanelli acredito que um serviço de APH abrangente como
o do município de São Paulo, com uma população estimada de 10.000.000 hab, para ser
resolutivo no aspecto regulatório , terá que contar com mais de um Regulador, sem que ,
no entanto, tenham-se reguladores apenas para ocorrências clinicas, e reguladores
apenas para ocorrências traumáticas. Agora, na perspectiva da NOAS, teremos que
implementar o processo regulatório da assistência sendo que para mim está claro que a
urgência pré - hospitalar móvel, pelas suas especificidades, comporta uma Central De
Regulação , fisicamente até isolada das demais Unidades de Trabalho das
Centrais Municipais, Micro ou Macro Regionais, Regionais e Estadual (pode ser somente
acusticamente, por exemplo) com regulador(es) exclusivo(s) integrando , no entanto, o que
denominamos de Complexo Regulador. Evidentemente que várias lógicas estão sendo
pensadas. Tome-se, por exemplo, os pequenos municípios, onde a população tem direito
à assistência pré-hospitalar, mais onde é inviável, muitas vezes o plantão médico
regulador exclusivo para este fim. Nestes casos, pensa-se em trabalhar com
Reguladores Regionais que podem ser acionados sempre que houver necessidade
de DECISÃO MÈDICA. Estas discussões serão feitas a partir do grupo de trabalho que
estamos articulando junto com o COSEMS, e que será responsável pelo Projeto Estadual
de Controle, Regulação e Avaliação da Assistência do SUS/SP.
Lígia - Zilda . Também fico comovida com seu relato....
Ainda bem ou Graças a Deus, que somos capazes de tomar decisões (tão difíceis) como
a que você tomou... o que te norteou , com certeza , foram além da compaixão e
piedade, um profundo amor pela tarefa que realiza. Lembrei que em Ribeirão Preto ,
após a inauguração da nova sede da DIR , houve a benção de todos os espaços . Na
Central de Regulação o sacerdote lembrou que todas as pessoas que ali trabalhavam
ficavam frente a frente com a dor, o desespero, a desesperança e que sobre todos eles
recaia a responsabilidade de fazer daquele lugar um lugar de vida e não de morte, de
esperança...... e que a todos foi dada a capacidade de mitigar a dor e o sofrimento
humanos ...... ainda bem amiga que você estava lá ... e Graças a Deus o medico
daquele pequeno hospital também foi tocado e capaz de compreender o seu papel ...
talvez o melhor que ele possa ter realizado durante sua vida...
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Luiz Hargreaves - Itajaí, Obrigado pelo e-mail e parabenizo suas ações e trabalho em
prol da Emergência. Aliás, que tal abrirmos uma filial de Medicina de Emergência no
Pará? Com relação aos USA, esta é uma questão que sempre é levantada nas
discussões sobre ética no atendimento e descrita da seguinte forma. Se um paciente
chega ao PS trazido por paramédicos (EMTs) com sinais de intoxicação alcoólica ou por
drogas ou mesmo se ele diz ao paramédico que está em uso de drogas e o policial de
plantão questiona este uso ao paramédico, ele deve dizer a verdade?
A resposta é nem sim nem não.O paramédico deve dizer que está impossibilitado de
responder esta pergunta pois se trata de segredo médico.No entanto, o policial lá pode
conseguir uma autorização para que sejam colhidos exames no paciente visando
identificar a droga. Já no Brasil, há uma discussão sobre este tema, pois alega-se que o
paciente não seria obrigado a colher amostras de sangue ou urina, sob a justificativa que
segundo a lei, ninguém é obrigado a apresentar provas contra si mesmo. No entanto, há
juristas que alegam não ser este o caso, pois se assim for, ninguém armado passaria em
detectores de metal dos aeroportos. Outra questão diz respeito ao indivíduo com
overdose onde a polícia já está no local ou chega junto dos paramédicos. A polícia atua
apenas como apoio à equipe e não interfere no atendimento exceto se houver ocorrido
algum crime de ação pública, ou seja que independa da queixa do injuriado. O policial
não pode invadir a casa de ninguém exceto se estiver de posse de um mandado ou se
estiver em perseguição a alguém que será preso em flagrante. O mesmo ocorre no
Brasil. Aqui as outras hipóteses para invasão de domicílio incluem a razoável suspeita de
que um crime esteja ocorrendo naquelas dependências (caso de tomadores de reféns) e
para prestar socorro. É bom que lembremos também que no Brasil, o profissional de
saúde deve comunicar os fatos que possam causar danos à outras pessoas mesmo que
constitua segredo médico, como o do indivíduo que sendo portador de moléstia
infecciosa tenciona espalhar a mesma em uma comunidade sem buscar tratamento.
Tanto é, que há doenças de notificação compulsória. Por outro lado há crimes
envolvendo menores como a síndrome de maus tratos, onde a autoridade policial deve
ser comunicada. Em suma, deve estar claro, que não é pelo fato da comunicação chegar
junto para a polícia e serviço de emergência, que o sigilo médico será quebrado ou a
ética abalada. Se assim fosse, o Corpo de Bombeiros de São Paulo e de tantos outros
21
estados, pertence à Polícia Militar e antes de serem bombeiros, são policiais, no entanto
ao atuarem na função de socorristas, impera o atendimento do socorro e não o policial,
exceto se houver crime onde qualquer cidadão, independente de ser ou não policial pode
efetuar a prisão em flagrante. O que não se admite por exemplo, é utilizar ambulâncias com policiais escondidos em seu interior ou utilizar bombeiros para dispersar
manifestações e uma vez que isto esteja acertado em um plano superior, o ajuste fino é
feito no dia-dia. Em meu local de trabalho, freqüentemente atuamos em conjunto, e
nunca tivemos esse tipo de problema, mesmo porque o policial ao tomar conhecimento
de um sigilo médico, passa a ter que resguardar esta informação, pois a conseguiu em
virtude de seu trabalho, conforme previsto na legislação. Ainda com relação aos USA,
cada vez mais se utilizam profissionais conhecidos como médicos-táticos ou
paramédicos-táticos. Eu faço parte deste tipo de profissional, onde médicos recebem
treinamento policial e acompanham equipes policiais e de resgate, em missões críticas.
O objetivo é prestar socorro para ambos os lados,mas em situações onde o risco é alto
para a equipe de saúde, há necessidade de medidas mais conjuntas e extremas e isso é
comum nos USA. Depois do 11 de setembro cada vez mais os serviços se organizam e
trabalham mais próximos uns dos outros.Nos dias que se seguiram ao 11 de setembro,
tive o prazer de receber uma carta de Rudolph Giuliani, prefeito de NY, que me dizia: "
Naquele dia, o pior da humanidade ficou face à face com o melhor da
humanidade".Certamente ele referia-se não apenas ao heroísmo de seus bombeiros,
policiais e profissionais de saúde, mas à forma unida com que trabalharam...
Paulo de Tarso – Referindo –se a mensagem da Zilda - Li este seu e-mail, e fiquei
extremamente feliz, pensando no quanto uma regulação bem feita, trazendo sempre o
raciocínio da necessidade de cada caso acoplada à humanização, ao acolhimento, à
orientação, à dignidade humana, analisando todos os fatores daquela nossa "velha
fórmula" da urgência, pode gerar uma maior valorização do nosso direito de vida e morte
mais digna. isto tudo mostra que apesar de um sistema de saúde ainda desarticulado,
através da regulação podemos fazer com que as pessoas (população e profissionais de
saúde) possam participar e crescer do processo de construção do dia a dia. este é o
"SUS" que lutamos sempre. e, como sempre, fico orgulhoso de você Zilda, com este seu
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potencial de caracterização sempre focada na "pessoa", enxergando, mesmo através de
um telefone, aquela emoção que está passando dentro do coração, e principalmente de
ter a coragem de colocar o dedo carinhosamente, com suas palavras, nesta ferida,
transformando a dor em amor. parabéns sempre !!!!!!!!! isto é o nosso papel !!!!!!!
tenho orgulho de um dia ter tido a oportunidade de fazer parte do seu caminho e da
nossa RBCE.
Itajaí - Isto me lembra de um trecho de conversa nossa em São Paulo, quando falei que
a crise da urgência também é uma crise de valores morais da nossa sociedade, que
brutaliza a todos, incluídos os profissionais de saúde. Nesse sentido é imprescindível
debatermos ética em saúde no campo das urgências, possibilitando que os profissionais
possam tanto na regulação, quanto na assistência intervir positivamente na defesa
intransigente dos direitos do paciente (advocate), até mesmo quando se trata do direito
de morrer dignamente. Vejo que o colega assistente desta paciente foi muito valoroso,
pois não tivesse o óbito ocorrido em tempo curto, ele teria a responsabilidade em
aliviar aquele sofrimento da melhor maneira possível. A Medicina cabe não só curar,
mas a priori aliviar ... se tivermos em mente esse princípio certamente seremos
melhores profissionais aos olhos de nossos pacientes.
Porém, se no contexto destacamos a dignidade profissional do regulador e do médico
assistente, não menos gritante é a iniqüidade observada no sistema ... um Pronto
Atendimento nem tão pronto ... uma paracentese de alívio não realizada pela
impossibilidade de garantir segurança ao procedimento . Uma realidade do dia a dia da
urgência no SUS em qualquer estado do Brasil.
Rosane Mortari Ciconet - Conforme Escobar já manifestou anteriormente, em Porto
Alegre estamos operando de acordo com o preconizado pela 814: número de chamado
para a saúde é o 192, a equipe de saúde é responsável pela atenção às urgências de
saúde , a regulação é ato médico, enfim, conceitos que todos nós conhecemos de cor e
salteado e que temos tido, na minha opinião, dificuldades em incorporá-los definitivamente
23
em nossas falas e aliá-los às nossas práticas. A PM também é clara quando estabelece a
composição dos profissionais que compõe o APH móvel: oriundos e não oriundos da área
da saúde e, a partir daí, os não oriundos devem ser reconhecidos pelo gestor da
saúde, responder à regulação médica, etc, etc. Acho que se entendermos isto com
clareza, cada categoria atuará dentro de seu perfil e competência profissional, sem
corrermos riscos de indefinição de papéis. Obviamente isto depende de longos trabalhos
de pactuação, que não são fáceis de serem construídos. Em que pesem as dificuldades,
penso que deveremos ter clareza, no mínimo, em relação a novos serviços a serem
implantados e pensar estratégias para corrigir (ou readequar, implementar) os já existentes
e de acordo com o regulamentado idealmente. Acho que a discussão deve passar agora
como trabalhar junto aos gestores da saúde sobre como aplicar o que está regulamentado
para que o produto de nossa construção da regulamentação não fique só no papel e
permaneçamos dando alimento para modelos que estão “fora da lei". Quanto ao
questionamento inicial de Lígia, há aproximadamente 5 anos a secretaria de segurança do
RS tentou estabelecer o número único para emergências. Nos posicionamos contrários
baseados principalmente no princípio do sigilo médico e em todas as argumentações já
levantadas nas outras mensagens (atendimentos a drogaditos, violência, etc). Fomos
respeitados nisto, a SS estabeleceu número único -190- aglutinando, então, polícia militar,
civil e bombeiros dentro do mesmo sistema e o SAMU teve preservado seu número
independente e da saúde -192. Necessidades da ação da saúde x polícia são cotidianas,
mas isto se consegue se houver pactuação efetiva entre as diferentes centrais, o que
pode ser conseguido através de tecnologia onde as centrais falem entre si (sistema de
rádio, por exemplo), sem que para isto precisem ser únicas e estar no mesmo espaço
físico.
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Zilda - Já havia desistido de escrever hoje, mas a mensagem da companheira Rosane me
estimulou a não deixar para amanhã...
Quando enviei hoje à tarde a mensagem sobre a paciente terminal, meu objetivo não era
simplesmente tocar corações. Eu queria também tocar as mentes....quis mostrar a
amplitude que a regulação médica pode ter, se não nos limitarmos ao atendimento básico
a traumas em via pública! Para os que atuam em saúde pública e entendem o significado
da integralidade, universalidade e eqüidade de acesso, atuar como "herói do asfalto" tem
significado restrito....
O corpo de bombeiros realizou, durante anos, o atendimento pré-hospitalar, com suporte
básico de vida. Isso foi tudo o que tivemos, pelo mais absoluto abandono desta área pelo
setor saúde em nosso País. O SUS é um jovem sistema. Estamos apenas começando. E
que tal começarmos bem?
O que acharíamos de colocarmos os leitos hospitalares também dentro dos quartéis? Os
militares são mais disciplinados! Não seria uma forma de racionalizar recursos públicos?
Talvez pudéssemos botar as escolas também no mesmo espaço! Somar as igrejas!Seria
mais fácil para as pessoas se deslocarem.....
Ora, todos sabemos do que estamos falando: cuidar do pré-hospitalar móvel custa caro
para o sistema de saúde. Por que, nós defendemos a regulação/intervenção médica como
linha mestra de atuação. Porque é assim que deve ser. Porque é o que faz toda a
diferença, qualifica a assistência, ordena os fluxos, protege os cidadãos. Quem nunca
assistiu a uma intervenção medicalizada do APH móvel? Eu recomendo....trata-se de
salvar vidas, prevenir danos, preservar autonomias. Isto custa caro e, não nos iludamos:
está na legislação porque lutamos muito, e ocupamos este espaço, mas ainda não
ocupamos espaço equivalente nos corações e mentes dos gestores da saúde.
São estes que não entendem a diferença entre um atendimento pré-hospitalar móvel
regulado/medicalizado e outro realizado por profissionais não oriundos da saúde e, além
disso, desejam economizar, (o que seria justo se não fosse as custas de um atendimento
mais qualificado) e não estão dispostos a se indispor com altos escalões da Polícia Militar
ou dos Corpos de Bombeiros independentes. Além do mais, os bombeiros têm feito esse
trabalho por tanto tempo, de forma qualificada e, menos dispendiosa . ??
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Porém, depois de tanto tempo atendendo a traumas em via pública, as outras
demandas começaram a exercer pressão cada vez maior. É o momento pelo qual passa o
SIATE do Paraná e o Resgate de São Paulo, entre tantos outros serviços que pretendiam
atender apenas a uma parcela da população, como se vê também em Brasília, Goiânia e
mesmo no próprio Rio, onde apesar do serviço dos bombeiros ser medicalizado, só atende
a chamados em via pública e não nos domicílios.
Daí, começam a surgir as soluções mirabolantes: um médico do Estado para o trauma e
outro do município para a clínica! Poderíamos arranjar um federal para a saúde mental,
esta ainda completamente abandonada até por si própria! Que tal? Parece fazer sentido?
Claro que não, não é mesmo?
Então, vamos às idéias de base, em torno das quais devemos nos organizar, para
sermos bem sucedidos em nossa empreitada:
1- O APH móvel é responsabilidade do SUS e por ele deve ser implementado e regulado.
2- Deve ser medicalizado, sempre que a gravidade do caso assim o exigir.
3- Deve atender a todo tipo de urgência, oriunda de via pública, domicílio ou serviço de
saúde.
4- Deve atuar de maneira articulada com os profissionais de segurança, como bombeiros,
policiais militares, rodoviários, polícia civil, etc.
5- Deve primar pela otimização dos recursos e não fragmentá-los para atender parte da
demanda ou reparti-la, de acordo com interesses de corporações.
6- O atendimento deve ser feito por um médico, chamado regulador, que identifica as
demandas, coloca-as em ordem de prioridade, define os recursos, promove o atendimento
inicial e o encaminhamento do paciente, quando necessário. Acolhe também os chamados
de outras unidades de saúde e ordena os fluxos a serem seguidos por estes pacientes,
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utilizando inclusive os recursos da atenção primária e domiciliar, além das já tradicionais
alternativas. Enfim, deve fazer a defesa dos direitos do paciente.
E então? Por que não pode ter um número único? Porque esta é uma missão da saúde e
por ela deve ser desenvolvida.
A polícia, os bombeiros, as escolas, as igrejas, cada um tem sua missão.Temos que nos contrapor, veementemente a esta deformação nos serviços já existentes e zelar para que não surjam outros novos, estruturados sobre o mesmo erro.
Itajaí - Quanto ao propósito de sensibilizar corações e conquistar mentes, é uma estratégia
legítima, reconhecida inclusive pelos melhores generais da história.
E se buscamos a síntese, embora não seja adepto do Positivismo, não posso deixar de
lembrar-me do trecho de uma letra com mesmo título do Orestes Barbosa
"O amor vem por princípio /
a ordem por base /
o progresso é que deve vir por fim./
Desprezaste esta lei de Augusto Comte
/ E foste ser feliz longe de mim./
Vai, orgulhosa querida,/
mas aprende esta lição/
na Wall Street * da vida/
a Libra sempre é o coração !
Zilda - Obrigada pela intervenção, que me permite justificar-me, antes mesmo de ser
cobrada. Não gostaria que minha intervenção interrompesse o debate. Mas, se isso
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acontecer, não me sentirei culpada. Talvez necessitemos de tempo para amadurecer esta
reflexão!
Aliás, esperei algum tempo para que ela não fosse colocada prematuramente. As pessoas
mais diretamente ligadas ao tema foram se manifestando ao longo dos dois últimos dias e
espero que continuem a fazê-lo, se assim desejarem. Nossa luta pelo estabelecimento do
SUS é muito polar e gera amor (nos que pensam como nós) e ódio (nos que pensam ao
contrário) e rogo que minhas críticas não sejam tomadas no plano pessoal, mas que
façamos uma séria reflexão sobre a distribuição e utilização dos recursos na saúde,
mormente no plano em que atuamos mais diretamente: a atenção às urgências.
Altair Massaro - Na ultima semana fizemos em Campinas, por conta da Semana do
Trauma, um simulado envolvendo todo o sistema de urgências, com grande participação
de todas as instituições: Samu, Corpo de Bombeiros, Policia Militar, Defesa Civil, Depto.
de Trânsito, Ferroban (foi a anfitriã, já que o simulado era a colisão entre uma locomotiva e
um ônibus, muito legal ...), PUCC, Hosp. Mário Gatti, enfim, muita gente boa.Os
resultados, modéstias as favas, foi muito bom, mostrando que, apesar de todos os
percalços, estamos no caminho. Acho, agora sardinha na minha brasa, que a novidade
deste ano foi a possibilidade de testar o Plano de Atendimento à Múltiplas Vitimas que
desenvolvemos no Mário Gatti, onde situamos um plano de desencadeamento de alerta e
envolvimento de vários setores do Hospital, no sentido de melhorar o Acolhimento das
vitimas; reclassificar os pacientes quando chegam ao PS, uma vez que há evolução entre
o estado em que o paciente sai do local do acidente (CRAMP inicial) e quando chega ao
PS (CRAMP de entrada) e assim não aglomerar todos desnecessariamente na Área
Vermelha; melhora no aproveitamento da logística, tanto em recursos de profissionais,
quanto de materiais; centralização das informações a respeito das vitimas atendidas
no hospital para agilidade em orientações para familiares, Defesa Civil e Imprensa. Enfim,
uma serie de ações desenvolvidas no sentido de não trazer o caos do atendimento para
dentro do hospital, afinal não faz sentido melhorar as condições de atendimento e
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transporte para as vitimas e depois perdê-las por desorganização hospitalar, não é? O fato
é que o simulado também serviu para testar o sistema, achamos muitos defeitos que
vamos trabalhar para corrigir, mas no todo foi ótimo, com grande participação de todo o
pessoal e grande interesse de todo. Se interessar, posso depois disponibilizar o protocolo.
Zilda - Depois de organizados internamente, acho que um bom próximo passo seria
discutir este processo com os outros hospitais da cidade, afinal, contamos com a
UNICAMP e a PUCC em nossa rede. A seguir, discutir também com os privados e tentar
envolver todos, num próximo treinamento. Não podemos nos esquecer que temos um
aeroporto internacional em nosso território que, aliás, está passando por uma ampliação.
Também seria legal se você, Joaquim e Hansen mantivessem um contato maior com o
Edison, de Curitiba. Ele é o animador de nosso Núcleo de Desastres e tem grande
afinidade com esta área. Devemos normatizar alguma coisa a esse respeito brevemente -
pelo menos esta é a intenção da companheira Irani (MS), que aliás, ficou encantada com o
processo de acolhimento e avaliação de risco que vocês desenvolveram no Mário
Gatti. Por falar nisso, tentei mandar sua apresentação de Ribeirão Preto para o
grupo e ela voltou, por causa do tamanho. Acho que você deve ter várias, que tal tentar
mandar alguma que seja menor? Quanto ao protocolo, adoraria se pudesse fornecer.
Lumena -Achei muito instigante a sua fala e é nessa direção o esforço que temos feito no
município de São Paulo. Estamos melhorando nosso sistema de comunicação, estamos
numa fase final de articulação com os bombeiros para a integração das chamadas
(estamos construindo um único sistema de recepção das chamadas) e esperamos que
estas iniciativas possam contribuir para uma melhor qualidade dos atendimentos. Temos
tido ainda muitas dificuldades pela insuficiência da nossa frota de ambulâncias diante do
tamanho da cidade. Recuperar 8 anos de não investimento não tem sido fácil. Temos
certeza que a responsabilidade por este serviço é do SUS e é dentro de suas estruturas
que este serviço deve ser organizado. Um outro desafio que temos enfrentado é o da
articulação da regulação do APH com o restante do SIstema de Regulação, que está em
29
implantação. Assumindo a gestão plena do sistema municipal teremos mais ferramentas
para processar esta integração.
Lígia – Achei interessante suas colocações e gostaria que você detalhasse mais o
sistema integrado de chamadas que está sendo articulado com os bombeiros.
Aproveito o ensejo para enfatizar a importância que tem o Serviço de APH do município
de SP, organizado, funcionante e integrado ao Complexo Regulador da Assistência do
SUS. Na SBAIT , houve uma fala do coordenador do APH-192 sobre a integração já bem
adiantada com os bombeiros, no sentido de compor um uma central única ( 192 e 193)
infelizmente estava em outra mesa e não assisti. De qualquer forma externo minha
preocupação no sentido de que o componente saúde do 193(suporte avançado de
vida), que é estadual , participe das discussões e pactuações a serem feitas,
principalmente neste momento em que o município entrou com pleito de gestão plena
que ainda não foi concretizado . A este respeito , na última CIB deliberou-se que será
constituído um grupo de trabalho, inclusive com representação dos municípios da região
metropolitana, para que sejam desencadeadas as discussões e
pactuações necessárias para que o pleito do município seja efetivado . Neste sentido é
fundamental que neste espaço , seja negociado a consolidação do SAMU-SP , de acordo
com as normas e diretrizes do MS - Portaria 2048.
Depois do pronunciamento da Zilda manifestei minha aprovação mais não fiz nenhuma
colocação, acho pertinente fazê-lo agora , com a tranqüilidade me conferida pela
experiência de ter participado de todas as grandes discussões sobre as urgências
desde 1989 em SP e no Brasil através da RBCE.
O grande foco de discussão , neste momento , é sobre a responsabilização do SUS,
sobre a assistência pré-hspitalar. Para entender os movimentos que ocorrem nesta área
é preciso resgatar alguns processos históricos (não o farei agora) tais como : a instituição
do SUS em 1988 sem esquecer o modelo de assistência pública que o antecedeu . A
juventude do sistema (só para vocês terem idéia o primeiro serviço de Resgate no Brasil
surgiu em 1982, muito antes do SUS. O de São Paulo foi imaginado e construído em 88,
89 e inaugurado em 90) Só ai dá para perceber o quanto ainda temos de fazer para
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alcançarmos o modelo desejado, inclusive para o APH. Acho que ter claro o modelo que
se quer perseguir é o mais importante neste momento. Quando as pessoas me
questionam ou colocam , com relação ao APH , coisas do tipo " é melhor que bombeiro
faça, do que ninguém fazer ou é melhor fazer um pouco do que não fazer nada ou
médicos e enfermeiros não servem para fazer isto porque é precisa ter disciplina, ordem ,
comando " eu questiono se estamos buscando um modelo ou um modelinho. Se for
modelinho então está bom , mais não é isto que queremos . Perseguir o MODELO,
passa então por assumirmos, enquanto gerentes e gestores, as nossas
responsabilidades e o nosso compromisso com a saúde da população, seja em casa, na
rua, no trabalho ou nos hospitais. Significa que não podemos nos acomodar com as
situações onde não somos tão exigidos e onde descaradamente deixamos que o nosso
papel seja assumido por quem já tem o seu e na maioria das vezes toma conta dele
melhor do que tomamos conta do nosso.
O grande foco de discussão neste momento, entendo eu, não passa pelo bombeiro, pela
policia ou outra corporação prevista na portaria como complementares às ações de
APH, ,com funções já perfeitamente definidas em legislação . A grande discussão passa
pelo fato de que a saúde ainda não incorporou o seu papel e nem assumiu na totalidade,
sua responsabilidade em garantir a integralidade da assistência.
No meio de tudo isto o processo regulatório , o que há de mais novo e promissor dentro
do SUS , pois advoga em tempo real pelo direito universal à saúde dos cidadãos deste
país, resgatando o nosso compromisso com a ética da saúde, sofre o risco de ser tratado
com o famoso "jeitinho" que concilia interesses pessoais , interesses corporativos e
políticos em detrimento do interesse coletivo.
Bem , acho que por isto os companheiros podem perceber, que não podemos nos
distrair, a vigilância deve ser redobrada , a publicação da 2048 não garante que ela seja
colocada em prática , outras experiências mostram isso. Portanto, como diz o bombeiro -
Sempre Alerta ! ou tem quem acredita que não somos capazes de fazer nosso também
este lema?
31
Existem dois APHs em São Paulo município.
Quando o “Sistema Resgate foi implantado em 1990 o serviço municipal não foi
integrado a ele. O Resgate foi operacionalizado pela SES e pelo CB além do
Grupamento Aéreo da PM. A SES respondia pela equipe das UTIs terrestres e aéreas
( médicos e enfermeiros) além do regulador que fica no COBOM , o CB ficou
responsável pelas equipes de suporte básico de vida. Quando fizemos o acordo de
cooperação com o SAMU da França em 1991, adotamos o nome para o serviço , ou para
a parte da saúde já que os bombeiros nunca adotaram este nome. No final o " jeitinho"
foi denominar o APH operacionalizado pelo estado de SAMU-RESGATE. Depois com a
implementação do APH 192 do município , convencionou-se chamar o SAMU-
RESGATE também de Sistema 193 ( com seu componente saúde - SAMU e
componente Resgate - Bombeiro ) explico mais é difícil de entender , não é? A
dificuldade esteve na ausência de legislação normatizadora quando os serviços foram
sendo criados , propiciando condições para o surgimento de vários " modelos" de acordo
com os interesses ora de uns ora de outros.
Evidentemente que a adequação à Portaria 2048, será feita (a duras penas , já antevejo,
tome-se como exemplo a 814, que após quase 2 anos de publicação não havia sido
implementada na sua essência , em SP )
.Nossa tarefa é árdua a começar pela quebra do que se convencionou chamar de
"modelo" para a atenção pré -hospitalar no Brasil, onde repito, a saúde não assumiu na
integralidade o seu papel (com honrosas exceções , é claro, como é do nosso
conhecimento).
32
III – Conclusão Embora possa parecer extemporânea a compilação destas mensagens, na medida em
que estamos em um outro momento, conjunturalmente mais favorável (do ponto de vista
político), em franco processo de implantação do SISNAU, com a Coordenação Nacional
das Urgências em funcionamento, consultores em processo de mobilização permanente,
negociações ocorrendo com o CONASS, CONASEMS, e o principal : “hoje, isto é
política de governo”, etc.... O conteúdo das falas é da maior importância, não só pelo
seu caráter de história recente, mas pelo muito de aprendizado que elas contêm,
representando o acumulo de discussões que a rede construiu ao longo dos anos;
pequeno ensaio do que enfrentaremos ao longo de todo o processo de implantação do
projeto. A intensidade deste debate ao longo de poucas semanas , via mensagens
eletrônicas , teremos que enfrenta – la , ao vivo e a cores , por todo Brasil.
Apenas um pequeno comentário, a respeito da regulação executada pela Zilda; a
morte é um processo da vida e os médicos, particularmente, não podem se refugiar atrás
dos ritos tecnológicos do atendimento. Devemos ter o discernimento para reconhecer um
estado de agonia, uma evolução fatal esperada, as complicações de um estado crônico
irreversível, e muitas vezes uma intervenção nestas situações nos levaria a ações
irracionais retardando um processo de morte iminente. Nestes casos os que fazem parte
da “cadeia de sobrevivência” , devem assumir seu papel na “cadeia ética” da atitude
humanitária, e compreender que o agir médico não é uma atitude isolada, mas uma
estratégia comum envolvendo um conjunto de atores, o paciente, a família, a sociedade
e seus valores. O morrer com dignidade faz parte deste conjunto.
César Roberto Braga Macedo
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