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ISSN 0101-1723 SECRETARIA DO PLANEJAMENTO E GESTÃO FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser Ensaios FEE Porto Alegre v. 28 n. 1 p. 1-318 2007 Ensaios FEE Ensaios FEE é uma publicação semestral da Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser que tem por objetivo a divulgação de trabalhos, ensaios e artigos de caráter técnico-científico da área de economia e demais ciências sociais. Semestral CONSELHO EDITORIAL Maria Lucrécia Calandro Octavio Conceição Achyles Barcelos da Costa Edward J. Amadeo Elmar Altvater François Chesnais José Vicente Tavares dos Santos Leonardo Guimarães Neto Luis Carlos Bresser Pereira Nelson Giordano Delgado Pascal Byé Pierre Salama Ricardo Tauile Roberto Camps de Moraes CONSELHO DE REDAÇÃO Maria Lucrécia Calandro Enéas Costa de Souza Luiz Augusto Estrella Faria Maria Domingues Benetti Raul Luís Assumpção Bastos Tanya Maria Macedo Barcellos EDITOR Maria Lucrécia Calandro SECRETÁRIA EXECUTIVA Lilia Pereira Sá

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ISSN 0101-1723

SECRETARIA DO PLANEJAMENTO E GESTÃOFUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICASiegfried Emanuel Heuser

Ensaios FEE Porto Alegre v. 28 n. 1 p. 1-318 2007

Ensaios FEEEnsaios FEE é uma publicação semestral da Fundação de Economia e Estatística SiegfriedEmanuel Heuser que tem por objetivo a divulgação de trabalhos, ensaios e artigos de carátertécnico-científico da área de economia e demais ciências sociais.

Semestral

CONSELHO EDITORIALMaria Lucrécia CalandroOctavio ConceiçãoAchyles Barcelos da CostaEdward J. AmadeoElmar AltvaterFrançois ChesnaisJosé Vicente Tavares dos SantosLeonardo Guimarães NetoLuis Carlos Bresser PereiraNelson Giordano DelgadoPascal ByéPierre SalamaRicardo TauileRoberto Camps de Moraes

CONSELHO DE REDAÇÃOMaria Lucrécia CalandroEnéas Costa de SouzaLuiz Augusto Estrella FariaMaria Domingues BenettiRaul Luís Assumpção BastosTanya Maria Macedo Barcellos

EDITOR

Maria Lucrécia Calandro

SECRETÁRIA EXECUTIVA

Lilia Pereira Sá

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SECRETARIA DO PLANEJAMENTO E GESTÃOFUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel HeuserCONSELHO DE PLANEJAMENTO: Adelar Fochezatto (Presidente), André Luis Campos, Ernesto DornellesSaraiva, Leonardo Ely Schreiner, Nelson Machado Fagundes, Pedro Silveira Bandeira e Thômaz Nunnenkamp.CONSELHO CURADOR: Carla Giane Soares da Cunha, Flávio Pompermayer e Lauro Nestor Renck .DIRETORIA

PRESIDENTE: Adelar FochezattoDIRETOR TÉCNICO: Octavio ConceiçãoDIRETOR ADMINISTRATIVO: Nóra Angela Gundlack Kraemer

CENTROSESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS: Roberto da Silva WiltgenPESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO: Miriam de ToniINFORMAÇÕES ESTATÍSTICAS: Adalberto Alves Maia NetoINFORMÁTICA: Luciano ZanuzEDITORAÇÃO: Valesca Casa Nova NonnigRECURSOS: Alfredo Crestani

Ensaios FEE está indexada em:Ulrich's International Periodicals DirectoryÍndice Brasileiro de Bibliografia de Economia (IBBE)Journal of Economic Literature (JEL)

ENSAIOS FEE /Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser – v. 1, n. 1 (1980) - . - Porto Alegre: FEE, 1980 – . – v. - Semestral Do v. 17 ao v. 22, deixa de ter paginação continuada. Índices: v. 1 (1980) – 9 (1988) em v. 9, n. 2; v. 10 (1989) – 11 (1990) em v. 11, n. 2; v. 12 (1991) – 15 (1994) em v. 16, n. 2.

ISSN 0101-1723

1. Economia – periódicos. 2. Estatística – periódicos. I. Fundação de Economia e Esta- tística Siegfried Emanuel Heuser.

CDU 33(05)

Toda correspondência para esta publicação deverá ser endereçada à:

FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser (FEE)Revista Ensaios FEE - SecretariaRua Duque de Caxias, 1691 — Porto Alegre, RS — CEP 90010-283Fone: (51) 3216-9132 Fax: (51) 3216-9134 E-mail: [email protected] Page: www.fee.rs.gov.br

Tiragem: 200 exemplares.

As opiniões emitidas nesta revista são de exclusiva responsabilidade dos autores, não exprimindo, neces-sariamente, um posicionamento oficial da FEE ou da Secretaria do Planejamento e Gestão.

É permitida a reprodução dos artigos publicados pela revista, desde que citada a fonte. São proibidas asreproduções para fins comerciais.

Secretaria do Planejamento e Gestão

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Sumário

Para uma abordagem multidisciplinar no estudo de cadeias produ-tivas — Áurea Corrêa de Miranda Breitbach, Clarisse ChiappiniCastilhos e Maria Isabel Herz da Jornada ..................................

Cooperação interfirmas: a necessidade da construção de um"paradigma teórico" — Robson Antonio Grassi ........................

Economia clássica e novo-clássica versus Keynes e pós--keynesianos: um debate ontológico — Bruno Moretti e MarcosT. C. Lélis .................................................................................

Economia política do moderno sistema mundial: as contribuiçõesde Wallerstein, Braudel e Arrighi — Wagner Leal Arienti e FelipeAmin Filomeno ......................................................................

Novos arranjos institucionais na renovação da política industrialbrasileira — Jackson De Toni ..................................................

Liberalização comercial e desigualdade salarial na indústria brasi-leira — 1981-02 — Marina Silva da Cunha ..............................

O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na RegiãoSul do Brasil (1991-00) — Jandir Ferrera de Lima, Lucir ReinaldoAlves, Moacir Piffer e Carlos Alberto Piacenti ...........................

As Leis de Kaldor na economia gaúcha: 1980-00 — LucianoMoraes Braga e Adalmir Antonio Marquetti ............................

A estrutura produtiva da economia brasileira na década de 90: ocomércio exterior como uma lente privilegiada de análise —Wellington Pereira ..................................................................

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Focalização de políticas públicas: uma discussão sobre os métodosde avaliação da população-alvo — Ana Lucia Consenza Faria,Carmem Aparecida Feijó e Denise Britz do Nascimento Silva .....

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For a Multidisciplinaire Approach of Productive Chains — ÁureaCorrêa de Miranda Breitbach, Clarisse Chiappini Castilhos andMaria Isabel Herz da Jornada ....................................................

Interfirm Cooperation: The Need of Constructing a "TheoreticalParadigm" — Robson Antonio Grassi .......................................

Classical and New Classical Economics versus Keynes andPost-Keynesian: an ontological debate — Bruno Moretti andMarcos T. C. Lélis ...................................................................

Political Economy of the modern world system: the contributionsof Wallerstein, Braudel and Arrighi — Wagner Leal Arienti andFelipe Amin Filomeno ............................................................

New institutional arrangements in renewing the Brazilian industrialpolicy — Jackson De Toni ..........................................................

Commercial Liberalization and wage inequality in the BrazilianIndustry — 1981-02 — Marina Silva da Cunha ........................

The pattern of localization and diffusion of the labor force in theSouth of Brazil (1991-2000) — Jandir Ferrera de Lima, LucirReinaldo Alves, Moacir Piffer and Carlos Alberto Piacenti ..........

Kaldor's Law and economic growth in Rio Grande do Sul (1980--00) — Luciano Moraes Braga and Adalmir Antonio Marquetti

The productive structure of the Brazilian Economy in the 1990's:foreign trade of a privileged lens of analysis — WellingtonPereira ..................................................................................

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Targeting of public policy: a debate on the methods of targetpopulation's evaluation — Ana Lucia Consenza Faria, CarmemAparecida Feijó and Denise Britz do Nascimento Silva .............. 287

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7Para uma abordagem multidisciplinar no estudo de cadeias produtivas

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 7-40, jul. 2007

* As reflexões contidas neste texto resultam de debates efetuados no bojo do projeto Reper-cussões da Atuação de Grandes Empresas Sobre a Cadeia Produtiva de Máqui-nas e Implementos Agrícolas no RS, que está sendo desenvolvido no Núcleo de AnáliseSetorial da FEE. Dele também participam as pesquisadoras Sheila Sara Wagner Sternberg, doNúcleo de Desenvolvimento Regional, e Denise Barbosa Gros, do Centro de InformaçõesEstatísticas, que contribuíram na discussão deste artigo. O Projeto propõe-se a examinar ocaso particular da cadeia produtiva de máquinas e implementos agrícolas da região Noroestedo RS, anteriormente dotada de uma inserção regional substancial e que teve sua dinâmicaalterada em função de operações de fusão/aquisição por parte de empresas internacionais.

As autoras do texto agradecem as valiosas sugestões e comentários dos EconomistasFlávio Fligenspan, Beky Macadar, Julia d’Ávila e do Sociólogo Fernando Cottanda.

Artigo recebido em 24 ago. 2006 e aceito para publicação em dez. 2006.

Para uma abordagem multidisciplinar no estudo de cadeias produtivas*

Áurea Corrêa de Miranda Breitbach Economista da FEE e Doutora em Geografia pela Universidade de Paris I, Panthéon, SorbonneClarisse Chiappini Castilhos Economista da FEE e Doutora em Ciências Econômicas pela Universidade de Paris X, NanterreMaria Isabel Herz da Jornada Socióloga da FEE, Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

ResumoO presente artigo discute a atuação dos grandes grupos industriais sob a óticadas cadeias globais de valor. Com esse procedimento, é possível visualizar opapel que exerce uma empresa multinacional quando está à frente de uma ca-deia produtiva, seja como produtora final, seja como distribuidora internacional.Baseado nesse referencial, o texto analisa a dinâmica de produção e difusão deinovação, as estratégias territoriais das grandes empresas e o processo dereestruturação produtiva e organizacional nas suas conseqüências sobre o em-prego industrial. A análise efetuada permite concluir que somente a ação doEstado, juntamente com o reforço de uma governança local representativa, podeevitar que a internacionalização das cadeias produtivas conduza ao enfraqueci-mento do tecido produtivo, colocando em risco a perspectiva de um desenvolvi-

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mento de base endógena. Convém ressaltar que, no atual contexto de reduçãoda capacidade de intervenção do Estado, resta uma margem de manobra muitoreduzida para a implementação de medidas que combinem desenvolvimentolocal com globalização.

Palavras-chaveReestruturação produtiva; inovação; cadeias produtivas.

AbstractThe article discusses the performance of large industrial groups considering theglobal value chains. In this approach we can observe the role of a multinationalcompany when it is commanding the chain, whether as a final producer or as aninternational distributor. Based on these referential, the article discusses thedynamics of production and diffusion of innovation, the territorial strategies ofthe large companies and the consequences of the reorganization of the productiveprocesses to the industrial employment. The analyses concludes that is onlycombining State policies with a representative local governance can we avoidthe weakening of the productive tissue due to the internationalization of productivechains, restricting endogenous development. It is important to emphasize that inthe present context of reduced state intervention capacity, the implementationof policies combining local development and globalization is being very difficult.

Key wordsProductive restructuration; innovation; productive chains.

Classificação JEL: L22; R58; O33.

Introdução

O fenômeno da globalização, pela profundidade e diversidade das muta-ções que produziu — e segue produzindo —, enseja reflexões sobre os maisdiversos aspectos da organização social. O termo globalização refere-se

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precipuamente à intensa fluidez de movimentação do capital, seja na sua formaprodutiva industrial, seja na sua forma financeira, tendo esta se tornado domi-nante na nova lógica de funcionamento do sistema capitalista (Chesnais, 2004).Cumpre salientar que a globalização não se restringe a mudanças na ordemeconômica. Nas palavras de Guy Loigner (1994, p. 10),

[...] a era da globalização não se reduz à era dos mercados, mas é tambéma era dos sistemas produtivos, tecnológicos, comerciais, financeiros,atingindo também o modo de vida, a cultura, a ideologia, e se traduz pelaaceleração das mudanças em diferentes escalas territoriais.

Essa configuração em “economia-mundo”, embora assuma dimensões pla-netárias, não se manifesta de forma homogênea e universal. É preciso reconhe-cer que, no bojo desse processo, são forjadas “interdependências assimétricas”(Carroué, 2004, p. 1), resultantes de “[...] uma organização hierárquica definidapelos países mais poderosos, que exclui numerosos outros países e povos desua arquitetura, de suas finalidades e da repartição das riquezas”. Assim, astransformações que se manifestam em diversas instâncias de funcionamentoda economia mundial tendem a provocar efeitos particularmente perversos so-bre os países que permanecem a reboque dessa nova ordem.

Nesse contexto, as grandes empresas industriais globalizadas1 — repre-sentadas pelos investimentos diretos do exterior (IDE) — desempenham umpapel diferente daquele que as caracterizou no período que antecedeu as trans-formações referidas. Na nova ordem econômica mundial, sua estratégia estápautada pelas decisões da corporação da qual fazem parte, e sua lógica produ-tiva está submetida às decisões financeiras do grupo. Por essa razão, a própriaexpansão internacional dos investimentos produtivos segue uma nova lógica,que implica um menor compromisso dos IDE com a região para onde se orien-tam. Mais ainda, essas empresas passam a exercer maior poder sobre o de-sempenho das cadeias produtivas em que se inserem, produzindo novos efei-tos a montante e a jusante. Conforme Serfati (1998),

[...] os acordos de cooperação com parceiros de força inferior ou o recursoà terceirização oferecem aos grandes grupos muitas oportunidades. Omesmo acontece com a constituição de redes de empresas, um processoflexível e eficaz, que experimentou um impulso espetacular e que é usadopelos grandes grupos para estender e diversificar o controle sobre a cadeiade valor e para antecipar a sua parte.

1 Quando, neste artigo, se evocam grandes empresas industriais globalizadas, empresasmultinacionais ou transnacionais, está-se referindo a empresas cujo fim é a produção indus-trial e que integram grandes grupos internacionais ou grandes corporações internacionais,o que é diferente de uma grande empresa industrial internacional com sede local, que nãoestá inserida em um grande grupo mundial.

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Os Estados nacionais, por seu turno, também sofreram transformaçõessubstanciais, tendo reduzido sua capacidade de regulação na nova arena globalque se desenha. Com a ascensão de uma macropolítica de cunho neoliberal,notadamente a partir dos anos 80 do século XX, o Estado começou a perderseu poder centralizador e distribuidor tanto de recursos financeiros como depoder político. Sem dúvida, essas transformações na atuação do Estado abri-ram caminho para o avanço dos grandes grupos econômicos, que se configu-ram cada vez mais como os agentes principais da globalização econômica.

Tendo como pano de fundo a nova ordem econômica mundial, o presenteartigo propõe-se a discutir o papel dos grandes grupos industriais internacionais(e nacionais internacionalizados) a partir da ótica das cadeias globais de valor,contemplando aspectos ligados à inovação, ao território e ao trabalho. Uma abor-dagem multidisciplinar faz-se, pois, necessária, sobretudo porque as repercus-sões da estratégia de expansão das grandes empresas transcendem a estritaesfera da economia industrial, atingindo outras dimensões da sociedade con-temporânea.

Este artigo incorpora reflexões relacionadas principalmente: àinternacionalização das cadeias produtivas (Prochnick, 2002; Schmitz, 2005;Gereffi, 1996); à difusão e à absorção de inovações; à mudança de estratégia deexpansão internacional das multinacionais (Serfati, 1998); à perda de capacida-de de aprendizado dos países menos desenvolvidos (Johnson; Lundvall, 2005);às novas estratégias territoriais das grandes empresas (Veltz, 2000); e aos no-vos processos produtivos e de gestão do trabalho no âmbito de cadeias interna-cionalizadas (Guimarães, 2005).

A seção 1 trata das transformações recentes da economia mundial,enfatizando a atuação dos grandes grupos econômicos num contexto definanceirização crescente. As seções seguintes dão conta dos três grandeseixos de análise, que são: a dinâmica de produção e difusão de inovação (seção2), as estratégias das grandes empresas sobre o território (seção 3) e o proces-so de reestruturação produtiva e organizacional e suas conseqüências sobre oemprego industrial (seção 4).

1 Transformações mundiais e novas aborda- gens sobre inovação, território e trabalho

A análise das transformações por que tem passado a atividade produtivano capitalismo contemporâneo necessita ser contextualizada dentro da novalógica de expansão internacional dos capitais. Os grandes grupos industriais

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adotaram estratégias que consistem na intensificação de fusões, aquisições eacordos de cooperação comercial, organizacional e tecnológica. Note-se que,na fase anterior, sua atuação se caracterizava essencialmente pela implanta-ção de unidades produtivas completas nos países de destino. Nessa estratégia,o objetivo era o mercado doméstico dos países para onde os investimentos seorientavam. Atualmente, porém, os investimentos diretos do exterior visam prin-cipalmente ao mercado internacional, e suas decisões estão submetidas à uni-dade financeira da qual fazem parte, pouco interagindo com o ambiente produti-vo onde se introduzem. A estruturação de um grupo industrial “[...] em torno deum centro financeiro e através de uma rede de conexões [...] constitui o mododominante de segmentação do capital no estágio atual do capitalismo” (Beaudapud Serfati, 1998).

Incorporando essa ótica da mundialização e da financeirização do capital,os estudos mais recentes sobre cadeias produtivas aportam diversas contribui-ções. Para Prochnick (2002), a configuração das cadeias produtivas foi alteradaem função do processo de desverticalização característico das novas formasde organização da produção. Os elos das cadeias multiplicaram-se e diversifica-ram-se, originando novas empresas e novas atividades. Schmitz (2005) refere--se à cadeia de valor como “[...] a seqüência de atividades requerida para trazerum produto ou serviço de sua concepção até o consumidor final. [...] O conceito‘cadeia global de valor’ tem a vantagem de chamar a atenção para onde e porquem o valor é agregado ao longo da cadeia” (Schmitz, 2005, p. 328). A idéia decadeia global de valor passa a ter sentido com a globalização do processo, ouseja, quando as diferentes etapas de uma produção estão distribuídas em diver-sos países ou regiões: “Em outras palavras, design, produção e marketingenvolvem uma cadeia de atividades distribuídas em diferentes partes do mun-do” (Schmitz; McCormick, 2002, p. 41).

A tendência à internacionalização das cadeias produtivas altera tambémsua lógica de governança e, portanto, de interação com o local onde essaatividade possui sua base produtiva. Conforme Schmitz e McCormick (2002, p.42), o papel da governança em uma cadeia produtiva é exercido por uma “[...]firma líder que especifíca o que deve ser produzido e monitora a performancedas outras firmas”. No caso de essa liderança ser exercida por uma empresapertencente a grandes grupos internacionais, o poder local fica visivelmenteenfraquecido. As decisões quanto a fornecedores, mercados, preços, utilizaçãode insumos, dentre outras, estão submetidas aos interesses do grupo interna-cional, cabendo pouca margem de manobra para as demais.

Nesse contexto, a emergência de um novo paradigma técnico-industrialprovocou a retomada da discussão sobre o papel central da inovação tecnológicana competitividade sistêmica. O reconhecimento dessa importância estimulou

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o surgimento de inúmeros estudos sobre mudanças tecnológicas, em particularpelos economistas neo-schumpeterianos. Em escala mundial, a mudança deparadigma trouxe para o centro da dinâmica de inovação a biotecnologia, osnovos materiais e, principalmente, as chamadas “tecnologias de informação ede comunicação” (TIC).

A mudança de paradigma induziu também a profundas transformações noprocesso produtivo, expressas no movimento de reestruturação das empresas,buscando o atendimento das exigências de um mercado cada vez mais compe-titivo e internacionalizado. No bojo desse processo, observam-se uma amplamudança na organização do trabalho, no interior das empresas, e a articulaçãodelas em redes. Novas estratégias gerenciais e novas tecnologias sãointroduzidas, com o objetivo de quebrar a rigidez da organização da produção edo trabalho, superando os padrões da estrutura fordista e criando as condiçõespara uma produção flexível. Presencia-se um processo de flexibilização daatividade produtiva e de reestruturação das relações interfirmas, por um lado, e,por outro, a flexibilização das relações de trabalho, em busca de ganhos cres-centes de produtividade.

A crise do regime fordista de acumulação, no final dos anos 60, pode serconsiderada o marco para o entendimento do conjunto de transformações porque tem passado o capitalismo globalizado. O fim da chamada “era de ouro”,vivida no pós-guerra pelos países industrialmente avançados, impeliu as econo-mias capitalistas desenvolvidas a encontrarem saídas que resguardassem alucratividade e a rentabilidade dos capitais. O paradigma fordista — fundado naprodução e no consumo de massa de bens padronizados, nas economias deescala e nos constantes aumentos de produtividade — não garantia mais acontinuidade da acumulação. Desse modo, deflagrou-se um processo de buscade alternativas de valorização do capital, que contrastavam com o padrão vi-gente.

Essa nova forma de organização da produção, que paulatinamente se alas-trou para a maioria dos países, é a materialização do esforço do capital paraatravessar a crise do próprio padrão de crescimento das economias capitalis-tas. Essa crise se expressa pela desaceleração do crescimento das taxas deprodutividade, pela redução do poder de compra nos mercados, pela reorientaçãoda pauta de consumo em direção à sofisticação e à fragmentação e pelo acirra-mento da competição intercapitalista mundial.

Dentre os fatores que configuram a crise do regime de acumulação intensi-va nos países capitalistas desenvolvidos (no final dos anos 60), destaca-se aresistência dos trabalhadores, que colocou limites ao aprofundamento da orga-nização do trabalho nos moldes tayloristas/fordistas, o que foi decisivo parafrear as possibilidades de recuperação do crescimento. Diante da ofensiva operária

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que atingiu o cerne do sistema, a intensificação dos ritmos de trabalho, recursousado largamente pelo capital, já não poderia mais ser utilizada para recuperaras taxas de produtividade em queda.

Os dois choques do petróleo na década de 70 (1973 e 1979) e a ascensãodas taxas de juros, que provocaram uma queda ainda maior nas taxas de lucrodas empresas, comprometendo o prosseguimento dos investimentos, são fenô-menos significativos no quadro da crise internacional que se prenunciava nofinal dos anos 60. Igualmente pertinente é a pressão que os países em desen-volvimento começaram a exercer sobre o comércio internacional.

A disputa por mercados, que se tornou acirrada, e a busca de condiçõescompetitivas no mercado internacional impulsionaram na direção de um novoparadigma, que tem como uma de suas expressões notáveis o modelo de espe-cialização flexível, consagrado na literatura por Piore e Sabel (1984). Esse mo-delo, associado a diversas experiências localizadas2, mostrou ser uma alterna-tiva de desenvolvimento ao paradigma da produção em massa. O suporte daespecialização flexível é a fabricação de produtos diversificados e a produçãoem pequenos lotes, utilizando-se tecnologia de base microeletrônica e trabalha-dores polivalentes. Caracteriza-se por um novo relacionamento entre as empre-sas, fundado na existência de redes, com um forte estímulo à proliferação daspequenas e médias.

Na fase de implantação do paradigma tecnológico atualmente dominante,discutiu-se a possibilidade de essas mudanças radicais abrirem “janelas de opor-tunidade”3 para que outros países assumissem posições de destaque no cená-rio mundial (Perez, 1989; Freeman, 1975). A abertura decorrente da mudançatecnológica e organizacional, no entanto, não se sustentou por muito tempo.Após a emergência dos Tigres Asiáticos e, em particular, do Japão, as “janelasde oportunidade” fecharam-se, uma vez que o novo paradigma se desenvolveuassociado ao movimento de hegemonização e de mundialização do capital fi-nanceiro, bem como à crescente concentração do conhecimento.

2 Referem-se, notoriamente, ao norte da Itália (a Terceira Itália) e a algumas regiões da entãoAlemanha Ocidental, dos Estados Unidos (o Vale do Silício) e do Japão.

3 Quando Perez (1989) e Freeman (1975) referiam-se às “janelas de oportunidade” abertaspelas mudanças do paradigma tecnológico, consideravam que novos países e novas empre-sas poderiam passar a produzir alguns produtos-chave desse novo paradigma e, assim,melhorar sua condição de competitividade no quadro internacional. Porém isso somenteseria possível no início desse novo ciclo, quando as tecnologias ainda não estivessemmaduras e, ainda assim, contando com um apoio institucional muito forte. Essas oportunida-des não se configuram atualmente, dado que a maior parte das inovações são incrementais,não havendo perspectivas próximas de lançamento de tecnologias que provoquem o iníciode um novo paradigma tecnológico.

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O início do século XXI marca, portanto, uma situação onde a concorrênciainternacional está subordinada aos interesses dos grandes grupos financeiros,restando pouca margem ao lançamento de inovações radicais. O processo deinovação encontra-se, atualmente, limitado ao melhoramento de produtos e pro-cessos (inovações incrementais). Ainda assim, a literatura crítica a esse res-peito mostra a importância do processo de difusão de inovações e de informa-ções, bem como o papel positivo da proximidade entre empresas de uma mes-ma cadeia produtiva e do conhecimento acumulado, para facilitar o aprendizado.

A ênfase em tratar a inovação como um processo cumulativo, específicoao contexto e socialmente determinado permite, por exemplo, desmistificaridéias simplistas sobre as possibilidades de gerar, adquirir e difundirtecnologias em países menos desenvolvidos. Tal ênfase torna claro que aaquisição de tecnologia no exterior não substitui os esforços locais. Aocontrário, é necessário muito conhecimento para poder interpretar ainformação, selecionar, comprar (ou copiar), transformar e internalizar atecnologia importada (Lastres; Cassiolato; Arroio, 2005, p. 36).

Parece claro que a tendência à internacionalização das cadeias produtivasleva à perda do conhecimento acumulado pelas empresas situadas num mes-mo território. O próprio processo de internacionalização provoca o fechamentode muitas empresas representativas de elos estratégicos, tais como aquelasprodutoras de componentes de alto conteúdo tecnológico e de bens finais.

Tal tendência repercute negativamente também sobre o processo de “apren-dizado por interação” (learning by interacting), uma das principais formas dedifusão de conhecimento tecnológico. Estudos desenvolvidos, a partir dos anos80 e 90, sobre sistemas locais de inovação e sobre desenvolvimento localdemonstram que a proximidade territorial entre empresas de uma mesma ca-deia produtiva permite uma interação favorável à difusão e à absorção de inova-ção pelas pequenas e médias empresas.

Não é demais enfatizar que as grandes mutações econômicas, intensifica-das pelas novas tecnologias, ao engendrarem mudanças importantes na esferaprodutiva, não deixaram de ter conseqüências territoriais. Embora seja extensae rica a bibliografia internacional sobre os efeitos territoriais da globalização (emsuas diferentes escalas), a prudência aconselha a reconhecer que não há umaforma espacial característica do sistema da produção flexível.

Abordagens inspiradas nos distritos industriais marshallianos — muitasdas quais desembocando no chamado desenvolvimento local —, bem comoestudos sobre os novos espaços metropolitanos conectados em rede, não auto-rizam concluir que se estaria em presença da nova territorialidade peculiar à erada produção flexível. A constatação amplamente aceita, e da qual parte a maio-ria das pesquisas, é de que estão em curso processos de ajuste socioeconômico--territoriais, sem que se possa identificar uma “lei geral” que os conduza, mas,

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sim, regulações locais inspiradas na segmentação qualitativa dos espaços, ouseja, na valorização das diferenciações territoriais. A tendência aponta, portan-to, uma diversidade muito grande de formas territoriais a partir da globalizaçãoda economia e dos avanços tecnológicos, sem que isso signifique a substitui-ção pura e simples de formas anteriores.

Por outro lado, é preciso levar em conta que a hegemonia da lógica finan-ceira sobre a atividade econômica tem também conseqüências territoriais. Alucratividade da especulação financeira depende, cada vez mais, da mobilidadedos capitais no tempo (o imperativo do curto prazo) e no espaço (a procura demercados favoráveis em qualquer local do Planeta). Na busca de valorizaçãoimediata, grandes somas de capital movimentam-se, constantemente, no espa-ço, utilizando-se das tecnologias de informação e de comunicação, que, por suavez, se desenvolvem intensamente no bojo desse processo. Como salientaFernandes (2001, p. 33),

[...] a especulação financeira impulsiona espetaculares crescimentos nocomércio de moedas, o que por sua vez conduziu à grande flutuação dastaxas de câmbio e revigorada instabilidade da atividade produtiva. Com oobjetivo de passar adiante possíveis desvalorizações, as fronteirasespaciais passaram a mudar mais rapidamente, motivando relocalizaçõesde plantas industriais e outros ativos, em busca agora não apenas detrabalho barato e locações vantajosas, mas também em busca de zonasmonetárias favoráveis. [...] Para a empresa corporativa, a decisão sobremover-se de um país para outro agora contempla um novo fator locacional:as possibilidades de lucros obtidos com operações financeiras envolvendomercados de câmbio.

Do que foi acima exposto, fica claro que a análise dos processoseconômicos não pode deixar de considerar também os aspectos territoriais aeles relacionados, tendo em vista que o elemento espaço passou a ser umavariável estratégica para os capitais em busca de ganhos pelo mundo afora. Doponto de vista da economia, portanto, o território deixa de ser o substrato neutrosobre o qual se instalam atividades econômicas, mas ele passa a integrar —desde dentro — as estratégias globais dos grandes grupos econômicos.

Pensando em situar as conseqüências territoriais do processo deglobalização, apresentam-se três grandes tendências observáveis em escalamundial (Breitbach, 2001, p. 26) a título de pano de fundo para a análise quesegue.4

4 Devido à complexidade do assunto, utilizou-se uma abordagem esquemática. Tal procedi-mento, entretanto, não implica desconhecer o fato de que o tempo das mutações territoriaisnão corresponde forçosamente ao das transformações econômicas e que não se podeestabelecer nenhum determinismo entre ambos.

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Primeiramente, tem-se uma reconcentração geográfica das grandes me-trópoles, ou seja, um crescimento acelerado dos centros metropolitanos mun-diais, que não é movido apenas pelo crescimento populacional. A localização deatividades ditas “nobres”, como P&D, concepção de produto, marketing,comercialização, etc., estimulou o crescimento metropolitano. Observa-se ain-da, nesses espaços, a concentração do poder financeiro em escala mundial e onúcleo das organizações internacionais (ou multilaterais). Graças às novastecnologias de comunicação, as também chamadas “cidades mundiais” estãoconectadas entre si, formando redes e constituindo fluxos de informação, de talforma que sua relação essencial não é mais com os espaços que as circundam,mas com outras metrópoles.

Com isso, evidencia-se um aprofundamento das desigualdades territo-riais — segunda grande conseqüência territorial da globalização. O desenvolvi-mento de espaços que abrigam as chamadas atividades “nobres”, bem como o“mundo metropolitano”, provoca, em contrapartida, a segregação dos demaisespaços. Estes, mesmo que situados em continuidade física com os “territóriosglobalizados”, não participam do processo e, muitas vezes, se tornam regiõesem decadência econômica e social. A par disso, a concorrência entre as regiõesna busca de recursos públicos e na atração de grandes investimentos alimenta--se das desigualdades existentes, ao mesmo tempo em que as aprofunda.5

Assim, vê-se que a globalização, em vez de levar os benefícios da econo-mia de mercado e do progresso social a todo o Planeta, reapresenta — emversão revista e ampliada — o consagrado esquema analítico “centro-periferia”.Não são poucos os pesquisadores do desenvolvimento regional a alertarempara esse aspecto. Já em 1989, Pecqueur fazia ver que o bom desempenho dealgumas regiões na sua integração aos mercados globais engendrava “[...] nãosomente desigualdades econômicas entre territórios, mas também desigualda-des sociais no interior desses territórios. As exclusões e a precarização apare-cem como conseqüências diretas dos esforços locais de adaptação às condi-ções atuais do mercado” (Pecqueur, 1989, p. 129).6 Veltz (1994, p. 30), por suavez, insiste no “risco de descolamento das periferias, na passagem da desigual-dade à exclusão”. Segundo ele, na nova organização do espaço industrial quese desenha em nível mundial, a complementaridade, outrora funcional entre as

5 Note-se, assim, que não apenas as firmas estão em competição entre si — como quer acorrente liberal neoclássica —, mas os espaços locais também entram em competiçãomundial pela repartição territorial dos investimentos, ou seja, pela criação e pela repartiçãode riquezas.

6 Ao enfatizar esse aspecto, Pecqueur procura fazer um contraponto a uma linha de pensa-mento que vê nas iniciativas de desenvolvimento local uma forma de resistência aos malefíciosda globalização.

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regiões pobres e as ricas, tende a desaparecer, para dar lugar a uma verdadeiramarginalização das periferias. Nessa linha de interpretação, pode-se concluirque as periferias do sistema capitalista não somente continuam existindo, comotambém o processo de exclusão que as produz se aprofunda, até de formadramática, dependendo da direção que toma o olhar pelos horizontes planetá-rios.7

Finalmente, a terceira conseqüência territorial da globalização a elen-car — já evocada neste texto — consiste na “redescoberta” da dimensão local ena importância do espaço como elemento estratégico na lógica das empresas.Durante a hegemonia do sistema de produção fordista, o espaço geográfico nãoapresentava conotação particular: ele era simplesmente o suporte material daatividade econômica. Com a crise do fordismo e com a mudança de paradigmatecnológico, evidenciou-se o papel da aglomeração e da proximidade na dinâmi-ca da inovação, resgatando, portanto, o espaço como elemento estratégico nanova ordem econômica. Inúmeras pesquisas e estudos de caso demonstramque as trocas de conhecimentos pela experimentação, pelo agir em conjunto,propiciadas pela proximidade entre os agentes, constituem o cerne do processoinovativo8.

O movimento de “redescoberta” da dimensão local não se limita à proble-mática da inovação, embora seja evidente o papel desta como elemento-chavena nova ordem econômica. A revalorização do espaço local adquiriu, ainda,grande relevância para a temática do desenvolvimento econômico. Até meadosdos anos 70, a literatura sobre economia regional enfatizava o desenvolvimentoa partir de fatores externos, numa dinâmica vinda “de cima”. Nessa ótica, odesenvolvimento regional deveria dar-se pela aplicação de recursos oriundos deesfera superior (Estado, nação, organismos internacionais, instituições multila-terais), para alavancar o crescimento em regiões de baixo dinamismo. Essemodelo repousa sobre a teoria da difusão do progresso técnico, segundo a qualo desenvolvimento se dá através da modernização do tecido produtivo, comtransferências de capitais e de tecnologia e, muitas vezes, também de mão-de--obra qualificada.9

7 O que dizer da situação de grande parte dos países do continente africano?8 Para os pesquisadores dos “meios inovadores” (Aydalot, 1986), a inovação é vista

sempre como um fenômeno territorializado, fruto da interação e da iniciativa de agentes quecompartilham o mesmo ambiente socioeconômico. Como bem observa Pecqueur (2006),essa concepção tem uma filiação schumpeteriana, porém substituindo a figura isolada doempresário inovador pelo “meio inovador”, resultado do empreendedorismo coletivo.

9 Nesse contexto, insere-se a noção de “pólo de crescimento”, onde uma “firma motriz”semearia o desenvolvimento através de efeitos positivos em cadeia, dinamizando todo otecido industrial. Essa concepção, elaborada pelo economista francês François Perroux, foimuito difundida nas décadas de 50 e 60.

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Na medida em que os estados nacionais têm reduzido seu papel comoreguladores da esfera econômica, dando lugar aos puros mecanismos de mer-cado, as unidades subnacionais, ou regionais/locais, viram-se na contingênciade tentar outras vias para seu desenvolvimento. Então, na busca de uma subs-tituição dos estímulos federais (ou externos, lato sensu), diversas regiões volta-ram-se para si próprias, para o aproveitamento de seus recursos internos10,dando origem ao chamado desenvolvimento “pela base”.

Nesse contexto, o local emerge como uma esfera privilegiada no quadrogeral das relações econômicas nos novos tempos, integrando também asatividades produtivas de tecnologia tradicional/banal. Redescobriu-se que a pro-ximidade pode ter um significado econômico para além da questão da inovação,revertendo em maior eficiência para o processo de valorização do capital. Comosalienta Fischer (1994, p. 74),

[...] é na escala local que melhor se exprimem os benefícios das relaçõeshorizontais entre os agentes [...] Sabe-se que as relações de sinergia,fruto da proximidade no espaço físico, tomam pouco a pouco o lugar dasrelações hierárquicas verticais entre a sede da grande empresa e suasunidades locais.

A esfera local, como portadora de vantagens econômicas, reveste-se,portanto, de um novo significado para o capitalismo contemporâneo. Em recentetrabalho, Pecqueur (2006) propõe a hipótese segundo a qual “[...] o local não éapenas um legítimo âmbito de ação econômica, mas, mais ainda, um nívelcrucial de adaptação ao global, uma modalidade central da regulação do capita-lismo contemporâneo”. Evocando Cohen (2004, apud Pecqueur, 2006), o autoravança que o conceito de globalização “[...] sela a unidade de dois termos queparecem contraditórios: enraizamento local e desenraizamento planetário”(Pecqueur, 2006, p. 1).

Conceber a dimensão local como fazendo parte de um todo liberta doequívoco que consistiria em ver o local como um espaço autárquico, fechadoem si mesmo. Toda uma gama de estudos sobre desenvolvimento regional, va-lorizando o exame da dimensão local dos pontos de vista econômico, social ehistórico, dá conta de experiências locais muito bem-sucedidas, justamente porterem conseguido uma inserção adequada na esfera global, e não por se teremfechado a ela.

10 É interessante referir a “distinção crucial”, salientada por Pecqueur (2006, p. 9), entrerecurso e ativo no contexto do desenvolvimento local. Um ativo é um fator “em atividade”,ou seja, que tem valor de mercado (preço). Um recurso, por outro lado, constitui-se “[...]numa reserva, num potencial latente, e mesmo virtual, que pode transformar-se em ativo,se as condições de produção ou de criação de tecnologia permitirem”.

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Assim, é importante não confundir desenvolvimento endógeno comautarquia, independência, ausência de relações externas. O desenvolvimentode uma região pode ser caracterizado como endógeno, quando a força motriz deseu dinamismo tem base local, quando resulta de um projeto coletivo dos agen-tes locais na busca de um crescimento sustentado, quando a região procuratirar seu dinamismo de fatores que lhe são próprios, que vêm do seu passado,que têm raízes em sua história, em seus condicionantes geofísicos, muitasvezes, mas também em traços culturais e na sabedoria técnico-artesanal enrai-zados em seu território.

Por outro lado, há que se considerar que a inserção dos espaços regionaisno âmbito da globalização nem sempre reverte em beneficio para os primeiros,ou seja, nem sempre resulta em desenvolvimento para a região. Contrapondo-sea algumas interpretações a respeito do desenvolvimento local, que podem serqualificadas como “otimismo ingênuo”, sublinha-se que o interesse das grandesempresas transnacionais pelos espaços locais não é pautado pelo objetivo depromover o desenvolvimento de tais localidades. Obviamente, tais interessesbuscam a realização da estratégia global da empresa, onde os espaços locaisrepresentam, quando muito, uma certa funcionalidade.

A contribuição de Fernandes (2001, p. 33) é muito clara com respeito àsrelações locais globais materializadas num contexto em que

[...] a acumulação de capital se processa com grande instabilidade edesordem que se auto-alimenta [...]. Cada vez mais esse processo deixalugares, regiões e nações reféns da desvalorização ou revalorizaçãoinstantânea que as empresas perseguem para expandir seus mercados eelas mesmas livrarem-se de desvalorização, o que impulsiona uma“solidariedade” oportunista entre corporações globais e localidades, quedá forma a uma nova interação entre as escalas geográficas de poderpolítico e econômico e contínuas alterações no mosaico do desenvolvimentodesigual.

A par dos aspectos relativos à nova lógica territorial das empresascorporativas, bem como no que concerne à difusão de inovações, devem tam-bém ser examinadas as conseqüências das transformações econômicas etecnológicas recentes sobre o mundo do trabalho. A reestruturação industrial,efetuada no bojo dessas transformações, trouxe alterações importantes para oprocesso de gestão e de organização da produção e do trabalho.

A emergência do modelo japonês, também conhecido como toyotismo ecomo produção enxuta, foi o fenômeno de maior impacto, ao se tratar do temada reestruturação industrial. A revolução técnica empreendida pela indústria ja-ponesa e a potencialidade de propagação de alguns pontos básicos desse mo-delo conferiram-lhe uma capacidade de expansão em escala mundial. As assimchamadas práticas japonesas — conhecidas pelas suas manifestações mais

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eloqüentes, como Just-in-Time (JIT), Kanban, Círculos de Controle de Qualida-de (CCQ), Kaizen, Controle de Qualidade Total (TQC) — difundiram-se larga-mente, até mesmo substituindo o padrão fordista vigente em várias partes docapitalismo globalizado.

A estrutura horizontalizada, em que a empresa transfere para terceirosparte do que era produzido internamente, priorizando o que é central na suaespecialidade, é outra decorrência desse conjunto de inovações que impacta oambiente econômico pelos seus desdobramentos ao longo da cadeia produtiva.

As repercussões para o mundo do trabalho são sensíveis, dado que omodelo japonês traz, dentre as suas características marcantes, a estrutura fun-cional flexível, com a utilização de equipamentos de base microeletrônica, arotação de tarefas e trabalhadores polivalentes — o operário multifuncional, naexpressão de Coriat (1994). A implantação desses princípios está associada aaltos níveis de qualificação e à estabilidade no emprego para o denominado“núcleo central” da força de trabalho e a baixos índices de rotatividade da mão--de-obra, conforme se observou nas empresas japonesas que foram o nascedourodessas práticas.

A automação microeletrônica é, em certa medida, a alavanca que possibi-litou o salto qualitativo de um sistema de produção rígido para outro de naturezaflexível. Ao trazer, contido nos equipamentos, o princípio da flexibilidade, deusustentação ao novo paradigma, contrapondo-se à automação rígida, ancoradana base técnica eletromecânica que se desenvolveu sob a égide do fordismo. Aautomação de base microeletrônica permitiu uma integração maior do conjuntodo processo produtivo, o que também propiciou uma redução significativa dotempo de produção total das mercadorias. Em contraste com a típica lógicataylorista/fordista, os ganhos de produtividade não são mais centrados na inten-sificação dos ritmos de trabalho, mas na racionalização dos tempos da máqui-na, buscando a redução dos custos de produção mais pelo rendimento da má-quina do que pela intensificação do trabalho vivo (Coriat, 1988).

O sistema de produção alterou-se notavelmente com a introdução das no-vas estratégias competitivas enfeixadas no modelo japonês, conforme sublinhaHumphrey, em estudo de 1993:

[...] o modelo japonês parece reunir as vantagens de maior eficiência,melhor qualidade e maior flexibilidade, que se supõem necessárias paraatender às atuais condições de demanda dos mercados do mundodesenvolvido. O TQC e o JIT visam a uma melhoria de qualidade, enquantoa flexibilidade da produção resulta da ênfase dada à flexibilização da utilizaçãoda mão-de-obra e às reduções nos set-up times e lead times (tempos depreparação e tempos de atravessamento) (Humphrey, 1993, p. 240).

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Todavia é preciso ter presente que, assim como o fordismo não apresentouuma perfeita homogeneidade, mas traços comuns aos diferentes países — oque engendrou uma configuração mundial capaz de dar corpo ao que ficou co-nhecido como modelo de desenvolvimento fordista —, as alternativas ou osnovos paradigmas emergentes também estão sujeitos à mesma trajetória, ouseja, sofrem adaptações e arranjos de acordo com a realidade econômico--social encontrada. A transferibilidade de princípios ou de um modelo é, pois,algo limitado. As especificidades de cada lugar e as características dedeterminados tipos de indústrias ou das atividades econômicas imprimiramdistintas possibilidades de desenvolvimento tanto para o paradigma fordistaquanto para as suas formas de superação. As diferenças de um país para outroforam acentuadas, bem como se registraram formas diversas de gestão daprodução e do trabalho em vários segmentos de uma dada estrutura produtiva.

2 A nova ordem internacional e a dinâmica de inovação no Brasil

Uma forma de abordar o processo de produção e de difusão de inovaçõesé a avaliação do funcionamento de dois sistemas interconectados, porém dife-renciados: o sistema nacional de pesquisa e o sistema nacional de inovação(Anderson; Lundvall, 1988). O primeiro compõe-se exclusivamente da infra-es-trutura de pesquisa e desenvolvimento existente em um país, ou seja, a pesqui-sa desenvolvida dentro das universidades e dos laboratórios e institutos depesquisa tanto públicos como privados. O sistema nacional de inovação, porsua vez, está moldado pela interação entre o sistema nacional de pesquisa e aesfera produtiva, conforme as condições da acumulação de capital em nívelnacional. Portanto, o sistema nacional de inovação é mais amplo que o sistemanacional de pesquisa, pois o contém.

Para analisar a dinâmica de inovação na indústria, é necessário tecer algu-mas reflexões sobre o conceito de sistema nacional de pesquisa. Esse sistemase insere num contexto nacional e internacional cujas recentes transformaçõesforam objeto da seção anterior. Aqui, o objetivo é avaliar a influência desseconjunto de alterações sobre o processo de produção e difusão de inovação nointerior das cadeias produtivas.

O funcionamento de um sistema de pesquisa depende principalmente daação de três agentes: o Estado, as empresas e o pessoal tecnocientífico. OEstado aparece como responsável pelo financiamento da pesquisa pública, pelaformulação das políticas industrial e tecnológica, pela promoção do sistema

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educacional e, principalmente, como a instância integradora entre a esferaonde se desenrola o processo de inovação e as demandas efetuadas pelomercado. As empresas — privadas e estatais — apresentam-se comofinanciadoras das pesquisas, particularmente da pesquisa aplicada, comoresponsáveis pelo lançamento das inovações no mercado e, assim, pela difusãointersetorial e interfirmas da inovação e pelo desenvolvimento da própriapesquisa intramuros. O pessoal tecnocientífico responde pela ampliação dosconhecimentos científico (quando atua em pesquisa fundamental) e tecnológico(quando atua em pesquisa aplicada), respondendo à demanda do setor produtivoe acumulando um estoque de conhecimentos que pode contribuir para o alcancedas fronteiras tecnológicas.

O Brasil dos anos 70 assistiu à institucionalização do sistema brasileiro depesquisa, cujas características básicas se configuraram até o final dos anos80.11 Nesse contexto, as principais fontes de inovação eram os investimentosdas empresas multinacionais, representados pelos IDE, a pesquisa intramurosdas empresas estatais e de algumas grandes empresas nacionais e a pesquisapública (Castilhos, 1992).

A expansão das empresas multinacionais, desde o pós-guerra até o finaldos anos 70, caracterizava-se pela instalação de filiais idênticas às matrizessituadas nos seus países de origem, o que gerava significativos efeitosmultiplicadores, através da utilização de componentes produzidos localmente eda criação de novas empresas. Essa estratégia favorecia a difusão de inovaçãodentro das cadeias produtivas dos países para onde se orientavam esses in-vestimentos (Oman, 1986).

No Brasil, essa estratégia se refletiu na entrada de capitais externos orien-tados para a indústria de bens de consumo duráveis, cujo ritmo se intensificousobremaneira durante a primeira metade da década de 70 (período do “milagrebrasileiro”). Implantadas essas indústrias, das quais a mais representativa é aautomobilística, seguiu-se um brusco arrefecimento desses investimentos, queforam substituídos pelo aumento dos investimentos estatais, visando comple-tar a lacuna deixada pelos IDE, sobretudo na área de insumos e de bens decapital.12 Empresas como a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), a

11 O I Plano Brasileiro de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (I PBDCT) foi lançado noBrasil, em 1973, como parte complementar do Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND),lançado em 1972 e que vigorou até 1974. O I PBDCT marca a primeira tentativa de organi-zação de um sistema brasileiro de pesquisa e veio reforçar os aspectos institucionais(financiamentos e prioridades) do sistema brasileiro de inovação. O fato de ter sido conce-bido a partir das bases do I PND mostra que havia uma preocupação em vincular ossistemas de produção e de pesquisa ao desenvolvimento científico e tecnológico.

12 O maior volume de investimentos estatais e públicos ocorreu no período 1975-79, quandovigorava o II PND, estendendo-se até 1981-82, devido ao atraso nas obras.

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Petrobrás, o sistema Petroquisa, a Embratel, dentre outras, passaram a investirintensamente em P&D, garantindo, assim, o acesso à fronteira tecnológica paravários setores considerados estratégicos, como telecomunicações, petróleo epetroquímica, aeronáutica e siderurgia. Algumas grandes empresas nacionais,impulsionadas pelos investimentos estatais e multinacionais, especializaram--se na produção de alguns componentes (como autopeças), de bens de capital(principalmente sob encomenda) e de certos bens finais (ônibus, máquinas agrí-colas e caminhões), alcançando uma excelência tecnológica nacional, e mes-mo internacional, nessas áreas.

No domínio da pesquisa pública, foi montada uma importante infra-estrutu-ra de P&D, representada pela construção e pela organização de laboratórios einstitutos de pesquisa públicos e pelo reforço de linhas de financiamento públicoà formação de institutos regionais e setoriais de desenvolvimento. Também apesquisa nas universidades federais e estaduais foi reforçada, através do au-mento da oferta de bolsas de estudos e pela organização de grupos de pesqui-sa.13

Todavia esse não era o melhor dos mundos, pois esse sistema, obviamen-te, apresentava entraves. A pesquisa pública encontrava-se excessivamentedistanciada das necessidades do aparelho produtivo, caracterizando-se por umaconcepção linear do processo de inovação, conforme expressão de Cassiolato(1982). Em outras palavras, dominava a idéia de que, para que houvesse inova-ção, bastava o direcionamento de recursos públicos para a pesquisa de base.As empresas multinacionais concentravam suas unidades de pesquisa nos seuspaíses de origem, o que limitava o acesso das empresas brasileiras ao conhe-cimento contido nas tecnologias introduzidas pelos IDE. As estatais, por seuturno, pecavam por ineficiências características do período da ditadura militar,como a falta de profissionalização dos quadros diretivos das empresas e odesperdício na administração dos recursos. A abundância de crédito para odesenvolvimento tecnológico da indústria nacional de bens de capital sob enco-menda, aliada à proteção do mercado doméstico e à demanda garantida pelasempresas estatais, gerou um superdimensionamento da oferta de bens de capi-

13 Nesse contexto, ressalta-se a atuação da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), queexerceu também o papel de articuladora entre instituições de pesquisa e empresas esta-tais e privadas, destacando-se a formação de parcerias que resultaram no desenvolvi-mento do avião Tucano, da Embraer, de inúmeros projetos desenvolvidos pela EmpresaBrasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e em projetos de pesquisa e de formaçãode recursos humanos da Petrobrás (www.finep.gov.br). Também é essencial ressaltar aatuação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e daCoordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), além de outrasfinanciadoras públicas estaduais.

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tal em relação à capacidade de absorção do mercado doméstico, numa fase emque o ritmo dos investimentos já começava a desacelerar.

Apesar dos limites apontados, o sistema brasileiro de pesquisa, interagindocom o sistema brasileiro de inovação, constituiu-se em importante fator decompetitividade da economia brasileira durante as décadas de 70 e 80. A partirdo Governo Collor, o Estado brasileiro começou a mudar sua relação com aeconomia, deixando de participar ativamente do processo de desenvolvimentoe, por conseqüência, do apoio à inovação. Essa mudança de rumos resultou deuma combinação de fatores internacionais com os traços específicos da crisebrasileira.

O Estado brasileiro, reduzido a ator coadjuvante na implementação de po-líticas de inovação, diminuiu significativamente suas possibilidades de susten-tar o aproveitamento das oportunidades de avanço tecnológico trazidas pelamudança de paradigma e, posteriormente, pela democratização do País.14 Otripé que caracterizava o sistema brasileiro de pesquisa foi enfraquecido, semter sido substituído por outro mais adequado à nova dinâmica internacional deacumulação. A pesquisa pública foi praticamente eliminada, como conseqüên-cia da redução das despesas públicas e da desestruturação das universidadesfederais. A maior parte das empresas estatais foi privatizada, o que resultou naeliminação das suas unidades de P&D.

Da ordem anterior, restou a via de inovação através dos IDE. Estes, noentanto, passaram a estabelecer um outro tipo de relação com os países que osrecebem, devido aos efeitos da mudança de estratégia de expansão internacio-nal do grande capital. No Brasil dos anos 90, iniciou-se o processo de aberturaindiscriminada do mercado doméstico e de desregulamentação da entrada decapitais. Assim, a partir desse período, a forma e o alcance da difusão de inova-ções pelas grandes empresas internacionais mudaram substancialmente, emconsonância com as transformações verificadas em escala mundial.

Para compreender o momento presente, faz-se necessário salientar osaspectos da nova ordem mundial que se vinculam mais diretamente ao proces-so de inovação industrial no Brasil. Sob esse ponto de vista, os principais fato-res referem-se ao controle do capital financeiro sobre a atividade produtiva e àdesverticalização do processo produtivo.

14 Durante o Governo Sarney (1985-90), que já conviveu com as fortes restrições da despesapública iniciadas em 1983, persistiu uma tentativa de manutenção — e mesmo qualifica-ção — do desenvolvimento científico e tecnológico, através da criação do Ministério deCiência e Tecnologia (1985), que apoiou o desenvolvimento da pesquisa nos novos seg-mentos: biotecnologia, novos materiais e informática/microeletrônica.

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A financeirização do capital afeta o processo de inovação na grande maio-ria dos países, uma vez que os grandes grupos mundiais passam a ter sualógica produtiva submetida aos objetivos e às conveniências da lógica financei-ra (Chesnais, 1999; Serfati, 1998). Atualmente, o lançamento de novos produtose a introdução de novos processos passam necessariamente pelo filtro finan-ceiro do grupo, o que contribui para a desaceleração do ritmo de inovação.

A desverticalização do processo produtivo, por sua vez, afeta o processode inovação, mais diretamente nos países periféricos. As grandes empresasindustriais, que, no período anterior, haviam internalizado quase todas as eta-pas da produção, passaram a direcionar suas atividades para alguns elos estra-tégicos das cadeias produtivas. Esse processo deu origem a novas empresas,voltadas para a fabricação de bens que anteriormente eram produzidos por umaúnica empresa. Esse mesmo movimento tem efeitos contraditórios sobre ostecidos industriais locais. Por um lado, multiplica os elos das cadeias produti-vas, estimulando a criação de pequenas e médias empresas locais produtorasde componentes e de serviços industriais e favorecendo a difusão da inovaçãopela proximidade territorial. Por outro lado, engendra a internacionalização des-sas cadeias, distanciando os elos mais estratégicos e mais avançadostecnologicamente e bloqueando o acesso das demais empresas integrantes dacadeia ao conhecimento tecnológico.

No período anterior, a entrada de IDE podia reforçar as redes locais defornecedores, enquanto, na presente fase, observa-se uma tendência contrária.Os fornecedores de primeira linha — e mesmo os de segunda — das grandesempresas são também fornecedores internacionais. Por isso, a tendência é queinvestimentos entrantes utilizem muito pouco do tecido produtivo local e seabasteçam no mercado mundial, abandonando as regiões que os acolhem à suaprópria sorte. Nesse contexto, a difusão de inovações das grandes empresassobre o tecido industrial local é mais limitada do que no período anterior.

Observe-se que, no Brasil, a forma como se procedeu a abertura do mer-cado a partir dos anos 90 contribuiu para o rompimento de importantes elos dascadeias produtivas e para a conseqüente substituição dos produtos de origemlocal por similares importados. O tecido industrial brasileiro, até então bastantecomplexo, perdeu densidade, em sintonia com o processo mundial deinternacionalização das cadeias produtivas. Em conseqüência, ocorreu uma re-dução do poder de transferência de conhecimento entre as empresas e entre asdiversas fases da produção. Além disso, a diminuição da despesa pública emP&D ampliou a desigualdade entre o padrão tecnológico das empresas nacio-nais e o das grandes empresas internacionais. Nesse movimento, parte do co-nhecimento tecnológico acumulado pelo setor produtivo foi perdida, limitandoainda mais o processo de absorção e de adaptação de novas tecnologias pelas

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empresas brasileiras. A introdução de inovações assumiu uma dinâmica funda-mentalmente exógena, sobre a qual as empresas locais não têm controle, nemconhecimento.

Se a inovação é, de fato, um elemento-chave no aumento da competitividadeempresarial, é também verdade que ela está cada vez mais concentrada e quea disputa comercial vem relegando os países menos desenvolvidos ao comér-cio de commodities e de bens de baixo valor agregado. A constatação de Kupfer(2005), que utiliza dados do IBGE, ilustra essa afirmação. Segundo o autor, aPesquisa Industrial Anual (PIA) mostra que, em 2003, com relação a 1996,“[...] houve diminuição do peso dos setores de maior conteúdo tecnológico naestrutura do valor adicionado da atividade industrial”. A Pesquisa de InovaçãoTecnológica (Pintec) aponta a mesma direção, ao revelar que, em 2003, comrelação a 2000, houve “[...] forte redução do grau de inovação e dos esforçostecnológicos realizados pela imensa maioria das empresas industriais brasilei-ras” (Kupfer, 2005).

Tendo em vista o atual quadro de perda de competitividade da indústriabrasileira, aliado às novas questões inerentes à dinâmica internacional de ino-vação, é lícito concluir que novos estudos sobre produção e difusão de inova-ção se fazem necessários. Tal abordagem poderá melhor fundamentar a propo-sição de políticas públicas capazes de fomentar um desenvolvimento tecnológicomenos heterogêneo da indústria brasileira, propiciando às empresas não perten-centes aos grandes grupos industriais uma melhor colocação no mercado inter-nacional.

3 Grandes empresas e estratégias territoriais

As relações entre a grande empresa e o território sofreram importantesmodificações a partir do processo de globalização da economia. Nesse contex-to, o comportamento espacial das grandes empresas tem a ver muito mais comas estratégias globais que elas estabelecem do que com os fatores locacionaistradicionais (custo de transporte, proximidade de mercados e/ou dematérias-primas, etc.). Para as grandes empresas, a globalização não significaapenas a internacionalização de mercados e de produtos, mas — e principal-mente — a capacidade de colocar em prática uma estratégia conjunta entre ossetores de produção, de gestão, de comercialização, etc., apropriando-se, demaneira diferenciada, das diversas partes do mundo (Paillet, 1995).

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O espaço de ação das grandes empresas passa a ser o Planeta. A tendên-cia é que elas atuem no sentido de se beneficiarem da heterogeneidade dosterritórios, buscando vantagens nas particularidades dos espaços locais. Nodizer de Matteaccioli (1995/96, p. 9), a globalização não significa que

[...] o mundo esteja em vias de uniformização. Uma estratégia e umaorganização “globais” significam, para as firmas, a capacidade deadministrar um conjunto de diferenças constantemente recriadas. Osconstrangimentos e os ritmos da economia global não conduzemabsolutamente a um mundo onde o território seria de alguma maneiraneutralizado. Na realidade, tudo indica que a proximidade e a interaçãoentre as firmas, e entre as firmas e as instituições locais, mantêm e mesmointensificam sua importância na dinâmica econômica, como base doprocesso de inovação e de produção em grande escala.

Fica claro, portanto, que o processo de globalização não provocou umahomogeneização do espaço geográfico, possibilidade evocada inicialmente poralguns autores, que viam nas avançadas tecnologias de comunicação a viabili-dade de “indústrias foot loose”15.

Contrariamente a isso, e graças às transformações tecnológicas, o com-ponente territorial reveste-se de um novo significado frente às estratégias daempresa, daí a importância de integrar a variável espacial à análise das dinâmi-cas industriais. Uma maior flexibilidade produtiva tornou as empresas capazesde gerirem seus espaços de implantação com uma maleabilidade que não dis-punham anteriormente. As tradicionais limitações físicas não têm mais um pa-pel essencial, uma vez que as tecnologias de ponta em telecomunicações per-mitem contatos em “tempo real”.

A desverticalização interna das grandes empresas, característica do pro-cesso de reestruturação industrial, passou também a afetar o comportamentoespacial destas, na medida em que uma marcada divisão de funções possibilitaa implantação de cada unidade produtiva em lugares diferentes, conforme osinteresses estratégicos globais da firma.

Assim, a desverticalização provocou a separação entre as funções“periprodutivas a montante” (pesquisa, desenvolvimento, concepção, criação),“periprodutivas a jusante” (regulamentação, controle, distribuição, manutenção)e “produtivas propriamente ditas” (fabricação, montagem).16 Essa diferenciação

15 Expressão cunhada nos anos 90 para denominar empresas e/ou atividades econômicasque supostamente não sofrem nenhum tipo de constrangimento espacial. Dizia-se tambémque essas empresas “flutuavam” no espaço.

16 A desverticalização produtiva ensejou também o surgimento das “empresas ocas”, assimchamadas porque não se ocupam diretamente das etapas produtivas (encomendam aterceiros), ficando apenas com as atividades de P&D, design, gerenciamento da marca efinanciamento da produção (Fernandes, 2001, p. 44).

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de funções se reflete diretamente sobre o espaço geográfico, na medida em quea firma tem a preocupação de modular suas decisões de implantação de acordocom as exigências e as necessidades de cada uma dessas funções.

As funções “diretamente produtivas”, de maneira geral, demandam umamão-de-obra numerosa e pouco qualificada, o que tem provocado a transferên-cia de unidades produtivas de grandes firmas transnacionais para as periferiasdo sistema capitalista, onde os níveis salariais são mais baixos. Já as funções“periprodutivas da empresa” — tanto a montante quanto a jusante — , em fun-ção do requisito de uma mão-de-obra qualificada e também pela disponibilidadede serviços, tendem a se localizar nas grandes áreas metropolitanas, intensifi-cando o fenômeno da metropolização evocado anteriormente.

Em conseqüência dessa maior flexibilidade nas decisões locacionais, queseguem as peculiaridades funcionais de cada unidade da grande empresa, asdesigualdades existentes entre os territórios são “aproveitadas” pelo capitaltransnacional, fazendo parte dos elementos em jogo na busca de novos espa-ços e de novas formas de valorização. Não é difícil perceber que a globalizaçãoterritorial implica o aumento da clivagem entre os espaços pobres e os espaçosricos do Planeta, como já foi referido no início deste trabalho.

Esse conjunto de transformações econômico-territoriais, que se vem men-cionando aqui, apresenta uma diversidade muito grande de manifestações con-cretas, abrindo um extenso leque de potencialidades de pesquisa. O estudo dadinâmica e do comportamento territorial das grandes empresas transnacionais17

tornou-se — dentre muitos outros — um tema que tem merecido atenção deinúmeros pesquisadores. Agentes por excelência dos investimentos diretos doexterior, as grandes empresas representam, para muitas regiões em busca dedesenvolvimento, a esperança de integração aos mercados globais e a partici-pação nas vantagens que daí devem advir.

Os efeitos dos IDE sobre economias regionais na América Latina foramexaminados por Gouëset (1999) à luz de três casos ilustrativos: as regiões deYucatán, no México, de Bahía Blanca, na Argentina, e de Casanare, na Colôm-bia. Esses três casos estão inseridos em contextos diferentes, mas têm emcomum o fato de não se localizarem em áreas metropolitanas e também deterem sido objeto de maciços investimentos estrangeiros a partir da década de90. Em que pese a diversidade das conseqüências desses investimentos sobreas regiões em questão (que variam segundo as características de cada uma e a

17 Empresas ou firmas transnacionais ou multiterritoriais são aquelas que organizam suaprodução em diversos espaços de implantação e interagem simultaneamente com diversosmeios locais situados em diferentes territórios nacionais.

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natureza dos investimentos), diversas conclusões gerais são apontadas, dasquais se sintetizam algumas.

Primeiramente, o impacto dos IDE sobre a modernização dos sistemasprodutivos locais não se revelou decisivo, tendo, em muitos casos, mantido ereforçado características preexistentes. Por seu turno, os efeitos dos IDE sobrea governança local também foram considerados modestos, tendo em vista queas frágeis sinergias entre as empresas transnacionais e o empresariado localindicam que as primeiras atuam de forma independente. Um terceiro ponto é aevidência de que os IDE contribuem para o aumento da dependência das econo-mias locais em relação às grandes firmas, “[...] cujas estratégias, elementosem jogo e temporalidades obedecem a contingências e regras de funcionamen-to sem ligação com o meio local” (Gouëset, 1999, p. 189). Por fim, o autor obser-va que a atuação dos IDE provoca um aumento das disparidades regionais nointerior dos países envolvidos, favorecendo as regiões que os acolhem em de-trimento das demais.

Ainda que a título ilustrativo, é pertinente evocar aqui o caso da indústriaautomobilística no Brasil, cujos vultosos investimentos são tidos, com freqüência,como um elemento dinamizador das economias locais e, não raro, suscitamexpectativas de instauração de um verdadeiro processo de desenvolvimentoregional. As grandes empresas mundiais do setor estão presentes, desde osanos 50, em território brasileiro, tendo-se localizado, inicialmente, em São Pau-lo, dirigindo-se, mais tarde, também para o Estado de Minas Gerais. A partir dadécada de 90, no bojo da nova ordem econômica mundial e do conjunto deconseqüências dela advindas, o País viveu uma expansão significativa dosinvestimentos automotivos, seja de empresas já instaladas, seja de novas fir-mas. Esses investimentos orientaram-se não somente para as regiões onde aindústria automobilística já estava presente (ABC Paulista, interior de São Pauloe Estado de Minas Gerais), mas também para outros estados brasileiros atéentão sem experiência produtiva nesse domínio (Rio Grande do Sul, Paraná, Riode Janeiro e Bahia). Esse movimento produziu uma relativa descentralizaçãoterritorial da indústria automobilística, bem como de peças e de componentes,sendo tema de diversos estudos importantes.

Referem-se aqui dois trabalhos que avaliam as repercussões desses in-vestimentos sobre a economia local, através de dois casos: a General Motors(GM), no Rio Grande do Sul (Fligenspan; Calandro, 2002), e o pólo automotivodo Paraná (Lins, 2006).

Em ambos os trabalhos, constata-se que os efeitos inicialmente espera-dos — e, em alguns casos, entusiasticamente proclamados — dos investimen-tos em grandes plantas automotivas não se fizeram presentes. A produção deefeitos multiplicadores a jusante e a montante, ampliando e densificando o teci-

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do industrial local, não se realizou, tendo em vista a forma de organização pro-dutiva das plantas automotivas atuais.

Como característica geral, a grande empresa montadora de veículos abas-tece-se diretamente das chamadas “sistemistas”, empresas que produzem sis-temas completos. Em geral, essas firmas fazem parte de grandes grupos inter-nacionais e, a cada nova montadora criada pelo mundo, localizam-se no seuentorno, fornecendo exclusivamente para ela. As “sistemistas”, por seu lado,utilizam peças e componentes fabricados por empresas com as quais tambémmantêm uma relação de exclusividade, e cujas unidades podem estar situadasem diversos locais do país e do mundo.

No caso da GM/RS,

[...] essas empresas [“sistemistas”] são, via de regra, filiais de grandesfabricantes de autopeças, de capital estrangeiro e com sede em São Paulo.Convém destacar que as matrizes dessas empresas já mantêm longarelação comercial com a GM e com outras montadoras em outras plantas,tanto no Brasil quanto no Exterior (Fligenspan; Calandro, 2002, p. 13).

Na avaliação dos autores, a escassa integração da GM e de suas“sistemistas” com o meio local e o ritmo de criação de postos de trabalho aquémdo esperado constituem-se nos principais entraves para que a montadora gereos impactos positivos sobejamente enfatizados na ocasião de sua instalação.

No que concerne ao caso do pólo automotivo do Paraná, é constatadocomportamento muito semelhante. Em seu texto, Lins afirma que

[...] embora as empresas do pólo tenham anunciado o interesse em aumentaro conteúdo local de seus produtos [...] tem sido escasso o recurso àsfontes de suprimento locais. [...] Assim, tendo em vista que, em grandemedida, os esperados efeitos locais não se confirmaram [...], a efetivaativação do tecido produtivo local-regional permanece, tanto quanto umaardente esperança, um grande objetivo ainda não alcançado (Lins, 2006,p. 18).

Embora sumariamente referidos,18 esses dois casos ilustrativos do com-portamento da indústria automotiva brasileira permitem constatar que não fazparte dos imperativos de funcionamento dessa cadeia a integração com o meioeconômico em que se implanta. Ora, na ausência de uma consistente integração

18 Os trabalhos citados apontam, ainda, outros fatores que testemunham a fraca sinergiaentre as grandes empresas automotivas e seu meio de inserção. Os aspectos tecnológicos,por exemplo, dão conta de que parte importante da engenharia de produção é realizada emoutro local, cabendo às “sistemistas” a fabricação e a montagem dos componentes confor-me padrões preestabelecidos. Em suma, não há inovação no sítio de produção. Por outrolado, a rede de centros de pesquisa e universidades situada na região é pouco utilizada,tendo em vista o acima exposto.

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regional/local, como vislumbrar um processo de desenvolvimento econômicoem conseqüência desses investimentos?

Nesse ponto, evidencia-se a necessidade de uma intervenção do Estado,através de políticas industriais regionalizadas capazes de adequar esses IDEàs características do meio local, gerando sinergias que utilizem as potencialidadesde cada região, ao mesmo tempo em que esta possa oferecer atrativos para taisatividades. Na atualidade, os procedimentos de implantação de grandes empre-sas e complexos industriais não têm seguido metas e critérios estabelecidosem programas de planejamento global do Estado. A escolha do local de instala-ção tem sido em função dos mecanismos de benefícios fiscais combinadoscom a vontade das empresas, na maioria dos casos. Face à ineficácia de polí-ticas públicas de desenvolvimento regional, não é de surpreender que a chama-da “guerra fiscal” tenha, por assim dizer, ocupado o lugar daqueles instrumentosde política regional. Em grande medida, a “guerra fiscal” não é mais do que umaprática provisória, uma saída individual de cada estado ou município brasileiro,na ausência de um conjunto de iniciativas coordenadas pelo Estado que indi-cassem as regiões a serem desenvolvidas e as atividades econômicas commaiores potencialidades.

Entende-se que cabe efetuar um movimento de revalorização das práticasde planejamento, caso se queira efetivamente colocar em marcha um processode desenvolvimento econômico para certas regiões. Em função disso, é precisorefletir melhor sobre as grandes implantações industriais vis-à-vis ao meio localde inserção, tendo em vista a necessidade de assegurar um patamar mínimo decaracterísticas endógenas ao crescimento que daí deverá advir.

4 A reconfiguração do trabalho na indústria brasileira

O processo de reestruturação produtiva consolidou-se no Brasil, nos anos90, impulsionado pelo aprofundamento da abertura da economia, patrocinadapelo Governo Collor já no início da década, o que significou uma liberalizaçãocomercial sem precedentes na história do Brasil. A entrada maciça dos importa-dos no mercado brasileiro exigiu das empresas, especialmente das industriais,o enfrentamento de um duro processo de adaptação ao novo patamar tecnológicoe organizacional, que se tornou dominante em escala internacional. Esse pro-cesso resultou em um substancial aumento da produtividade, o que, na ausên-cia de uma política de crescimento econômico sustentado, levou à queima de

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milhares de postos de trabalho na indústria, sobretudo nos primeiros anos dadécada de 90.

As medidas de política econômica — notadamente o Plano Collor e, logodepois, no Governo FHC, o Plano de Estabilização Econômica (Plano Real),aliado ao processo de privatizações — repercutiram fortemente na esfera pro-dutiva e no mundo do trabalho. Empresários e trabalhadores viram-se envolvi-dos em uma onda de mudanças que era tanto de caráter conjuntural quanto denatureza estrutural. No primeiro caso, trata-se de medidas de ajuste econômicopara fazer frente a crises, enquanto, no segundo, trata-se de inovações na basetécnica e na gestão da produção e nos processos de trabalho. Em um contextode aprofundamento das dificuldades estruturais do mercado de trabalho brasilei-ro, com sinais inequívocos de deterioração — como o aumento das ocupaçõesassociadas à situação de precarização e o desemprego —, a emergência de umnovo perfil de trabalhador, em resposta aos novos requisitos colocados pelaesfera produtiva, suscita crescentes indagações sobre o futuro do trabalhadorbrasileiro na atual fase do capitalismo.

Desde os anos 80, visivelmente na sua segunda metade, já se observa-vam mudanças no cenário industrial brasileiro que apontavam a adoção de umnovo paradigma tecnoprodutivo. Contudo foi somente nos anos 90 que o proces-so de reestruturação adquiriu um caráter sistêmico, conforme formulação deCardoso, Comin e Guimarães (2006). A diferença de um momento para o outroreside no fato de que o movimento inovador que se verificou nos idos dos 80 foicircunscrito ao chão-de-fábrica das empresas líderes das cadeias produtivas eàs grandes empresas de setores de ponta da economia, não disseminandomudanças para além do enquadramento dessas empresas.

Em contrapartida, na década de 90, presenciou-se um movimento de trans-formação que se dirigia a todos os âmbitos da produção e da administração —engenharia dos processos, gestão dos recursos, gestão financeira, gestão demarketing e gestão do trabalho — e se propagava entre as firmas interligadasem uma mesma cadeia produtiva ou em uma mesma rede de produtores. Umprocesso de mudança que contemplava todos os agentes envolvidos — empre-sários, trabalhadores, sindicatos e o próprio Estado — e a sua forma de rela-cionamento.

Assim, está-se aludindo a um movimento de transformação que repercutiuno tecido produtivo como um todo — embora com intensidades distintas, de-pendendo do segmento produtivo e do tipo de empresa —, em razão dos vín-culos estabelecidos pelas empresas ao longo da cadeia e até mesmo pelos“transbordamentos” para fora da própria cadeia, dadas as inter-relações que seestabelecem entre as firmas, em determinado ambiente econômico e/ou social.

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Os novos paradigmas de produção transformam os diversos elos da ca-deia, representados pelas diferentes empresas que interagem naquele contexto,modificando, ainda que de forma desigual, o padrão de uso da força de trabalhonas fábricas. A introdução continuada de novas tecnologias — o avanço daautomação de base microeletrônica e da robótica — e de novas formas deorganização e gestão do processo de trabalho impõem a consolidação de umnovo perfil de trabalhadores, o qual requer não só o domínio de novas e comple-xas habilidades, mas, sobretudo, uma disposição e uma capacidade de apreen-der o processo produtivo como um todo. Inspiradas no modelo japonês, princi-palmente, as empresas passam a prestigiar o trabalhador polivalente,multifuncional, com capacidade para acompanhar e realizar várias etapas doprocesso produtivo, que conheça a lógica de funcionamento dos equipamentose dos processos.

Os requerimentos de qualificação dos trabalhadores que vêm embutidosnesse processo de inovações desembocam em uma maior seletividade do mer-cado de trabalho, expressa, sobretudo, no aumento do patamar de escolaridade.A elevação do número médio de anos de estudo e da idade média da populaçãoocupada, ainda que esteja relacionada com o comportamento de varáveisdemográficas, pode ser associada a critérios de contratação que obedecem auma lógica distinta da dos momentos anteriores.

As manifestações sobre o mercado de trabalho são sensíveis, a começarpela modificação no nível da ocupação, já que as novas tecnologias e as novasformas de gestão da produção são, por princípio, poupadoras de mão-de-obra.As transferências intersetoriais no âmbito do emprego e a conseqüente altera-ção na sua composição setorial, bem como a eliminação de ocupações tradi-cionais e o surgimento de postos de trabalho dotados de novos conteúdos téc-nicos, são evidências dos rebatimentos das mudanças em curso no mundo dotrabalho. Com vistas a superar a resistência dos trabalhadores e a comprometê--los com o novo paradigma, as práticas de gestão alicerçam-se no binômioenvolvimento-participação dos trabalhadores, o que acaba por atingir a própriacultura empresarial e interferir nas relações entre empresa e sindicato, chegan-do ao extremo de a empresa buscar se antecipar ao sindicato no atendimentodas demandas dos trabalhadores, numa tentativa de esvaziar a ação sindical noseu interior.

Deve-se ter presente que se está falando — sempre — de um processodesigual, quer se trate das empresas que integram determinada cadeia produti-va, quer se trate de grupo de trabalhadores no interior dessas empresas. Osnovos paradigmas de produção acabam por provocar novas diferenciações eclivagens no conjunto de trabalhadores de uma mesma empresa e entre essese os de outras, visto que estágios diferenciados convivem em um mesmo ambi-

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ente socioeconômico ou em um mesmo ambiente empresarial. Contribuem paraessa situação as práticas de terceirização, através das quais as empresasexternalizam as atividades que não constituem o seu foco de atuação, contra-tando os serviços de terceiros ou comprando produtos de outras empresas, oque, por vezes, coloca frente a frente, no mesmo espaço fabril, trabalhadoresde diferentes empresas, em regimes e condições de trabalho distintos.

A fragmentação e a complexificação da classe trabalhadora são proces-sos visíveis nesse percurso de mudanças no mundo do trabalho. Se, por umlado, criou-se um segmento de trabalhadores polivalentes e multifuncionais, poroutro, persiste e desenvolve-se uma massa de trabalhadores inseridos, de for-ma precária, no mercado de trabalho, com pouca ou nenhuma qualificação, en-volvidos com emprego temporário, parcial, ou mesmo vivenciando o desempre-go estrutural. As estratégias de reorganização produtiva, ao induzirem as em-presas a padrões de flexibilidade interna e externa baseados em custos e inova-ções, “proporcionaram” a flexibilização e a desregulamentação das relações detrabalho, tão caras ao ideário neoliberal. Imprime-se uma nova dinâmica ao mer-cado de trabalho, na qual se presenciam a criação e a recriação de formasatípicas de empregos, estigmatizadas pela irregularidade, pela precariedade epela insegurança.

Em termos gerais, os desdobramentos desse processo de transformaçãoem escala internacional podem ser observados na reestruturação das grandesempresas outrora verticalizadas e rígidas, que se tornaram organizações maisflexíveis e articuladas em redes, formando cadeias produtivas globais, afetandoas localidades onde estão instaladas e as relações de trabalho.

5 Considerações finais

A discussão do conceito de cadeia produtiva vis-à-vis à nova dinâmicainternacional de acumulação de capital colocou em evidência o conceito decadeias globais de valor. A utilização deste último tornou-se uma ferramentaque permite unir diversas áreas do conhecimento, na medida em que insere osefeitos da globalização produtiva no estudo das relações interfirmas e da dinâ-mica do desenvolvimento territorial. Com esse procedimento, é possível visualizar,de maneira bastante nítida, o papel que exerce uma empresa multinacional,quando está à frente de uma cadeia produtiva, seja como produtor final, sejacomo distribuidor internacional. Ademais, o conceito de cadeia global de valorconstitui-se num eixo que perpassa transversalmente a análise da atividadeprodutiva, permitindo um olhar particular através de certos ângulos que, embora

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distintos, permanecem integrados. Assim, procurou-se, neste texto, abordar adinâmica da inovação industrial, as transformações no mundo do trabalho e anova territorialidade das grandes empresas.

Examinar o tecido industrial pelo recorte das cadeias globais permite mapearrelações de poder no interior de uma cadeia — as relações de “governança” —,estruturadas para coordenar e controlar atividades econômicas geograficamen-te dispersas (Gereffi, 1996). Através dessa abordagem, é possível identificarquem exerce o papel estratégico de coordenar e definir os rumos da cadeia, oque, atualmente, está concentrado nas grandes empresas. Nesse sentido, ob-serva-se, conforme aponta a literatura recente sobre o tema, que, quando a“governança” das cadeias globais de valor é exercida por empresasmultinacionais, sua interação com o meio socioeconômico local se mostra su-perficial, transitória e, em alguns casos, se torna até mesmo um enclave, quepode prejudicar um equilíbrio preexistente.

Constata-se igualmente que, numa cadeia global, a difusão de inovaçõesentre seus elos se revela ainda menos fluida do que numa situação em que acadeia se encontra circunscrita a um espaço determinado. Quando a liderançadessa cadeia global é exercida por uma empresa pertencente a um grande gru-po internacional, seja ela uma produtora de bens finais (montadora de automó-veis por exemplo), seja uma grande distribuidora internacional (atacadistas comoCarrefour e Wall-Mart), seus efeitos multiplicadores ou de difusão de inovaçõessobre o núcleo local da cadeia produtiva tendem a ser cada vez menos signifi-cativos. Como já foi referido, a estratégia dos grandes grupos é definida emescala mundial e, por isso, possui uma grande autonomia vis-à-vis à economialocal.

Em suma, a atual fase de financeirização globalizada, estudada aqui atra-vés do papel da grande empresa na nova configuração das cadeias produtivas,enseja inúmeros questionamentos, que podem inspirar outras pesquisas. O pro-cedimento analítico proposto sugere que seria interessante efetuar estudos com-parados sobre cadeias produtivas localizadas, em contraponto às cadeiasglobalizadas, no que respeita à difusão de inovações, aos efeitos produtivos amontante e a jusante e às repercussões na gestão da produção e do trabalho.Ademais, há necessidade de estudos que avaliem a capacidade do sistemanacional de inovação de garantir acesso às inovações para as empresas quenão pertencem a grandes grupos internacionais. Não é de menor importânciainvestigar o alcance dos benefícios aportados ao meio socioeconômico localpela atuação de cadeias produtivas globais, sobretudo em regiões que estão embusca de desenvolvimento. De igual relevância são as repercussões dareestruturação produtiva no âmbito das relações entre capital e trabalho, tendoem vista que a emergência de novos paradigmas técnicos e organizacionais

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atinge os agentes sociais desses processos (trabalhadores, sindicatos, gerên-cias e Estado) e a sua forma de relacionamento. A transnacionalização dascadeias produtivas coloca novos desafios para o mundo do trabalho, tanto noplano da organização do processo de produção quanto na instância do mercadode trabalho, alterando o nível e a qualidade do emprego.

As reflexões efetuadas neste artigo não induzem a conclusões muitootimistas. Pelo lado das livres forças de mercado, é bastante provável que ainternacionalização das cadeias produtivas leve a um enfraquecimento do teci-do produtivo local, colocando em risco a própria perspectiva de desenvolvimen-to local de base endógena. Pelo lado das políticas públicas, o que se tem obser-vado é a simples concessão de benefícios fiscais visando à atração de IDE,sem o acompanhamento de medidas complementares, o que pode comprome-ter a densificação de tecidos industriais locais, levando de arrasto as interligaçõesque essa rede propicia. A redução da capacidade de intervenção do Estadodeixa uma margem muito pequena de manobra para a implementação de medi-das que combinem desenvolvimento local com globalização.

É sobre esse equilíbrio delicado que podem ser construídas políticas públi-cas. Uma delas se refere à vinculação dos benefícios concedidos às grandesempresas com o compromisso da utilização da rede local de fornecedores e deensino, pesquisa e desenvolvimento. Igualmente importante, por parte do setorpúblico, é o apoio aos pontos frágeis na competitividade de alguns aglomeradoslocais, mediante a criação de mecanismos alternativos de distribuição ecomercialização, de crédito cooperado regional e de melhoria na área de design,dentre outras. Finalmente, cabe considerar que essas saídas só serãoviabilizadas através do reforço da governança local, com uma representaçãoequilibrada de todos os atores envolvidos.

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Cooperação interfirmas: a necessidadeda construção de um “paradigma teórico”*

Robson Antonio Grassi** Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

Resumo

Neste artigo, propõe-se uma redefinição do debate sobre cooperação interfirmas.Para alcançar esse objetivo, tomou-se como ponto de partida a análise da co-operação como estratégia da firma individual, em vez do conceito de rede defirmas, conforme é comum em muitos estudos sobre o tema. Considera-se quedois grupos de questões (eficiência e coordenação) são essenciais para o en-tendimento da cooperação, necessitando, ambos, de análise detalhada. No arti-go, conclui-se que somente com a construção de um “paradigma teórico” queinclua as abordagens da firma das Capacitações Dinâmicas e dos Custos deTransação, além de elementos da Teoria dos Jogos, tais grupos de questões ea própria cooperação interfirmas poderão ser plenamente entendidos.

Palavras-chaveCooperação interfirmas; inovações; coordenação.

AbstractThis paper proposes a redefinition of the debate concerning to the inter-firmcooperation. In order to reach this objective, instead of to use the concept ofinter-firm network, as common in many studies on the theme, this analysis isbased on the idea that cooperation is a strategy of the individual firm. It isconsidered two main issues (efficiency and coordination) for the understandingof cooperation, both needing detailed analysis. The paper concludes that only

* Artigo recebido em mar. 2006 e aceito para publicação em dez. 2006.

** E-mail: [email protected]

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with the elaboration of a “theoretical paradigm” that includes the firm’s approachesof Dynamic Capabilities and of Transaction Costs, besides elements of the GameTheory, such issues and the interfirm cooperation will be fully understood.

Key wordsInterfirm cooperation; inovations; coordination.

Classificação JEL: L14, L20, O30.

1 Introdução

O tema da cooperação entre firmas apresenta uma relevância cada vezmaior para o entendimento do comportamento e do desempenho das empresasno mundo atual. Inclusive porque, num ambiente de acirramento da concorrênciae da globalização dos mercados, juntar esforços pode ser uma estratégia funda-mental na busca de competitividade.

Mas não se pode esquecer que, apesar da importância reconhecida, aanálise sobre cooperação é muito fragmentada, e ainda não se chegou a umconsenso mínimo, entre as diversas áreas do conhecimento que a pesquisam1,a respeito das questões mais relevantes que devem ser investigadas — e comoisso pode ser feito —, o que também é dificultado pela própria complexidade doassunto (Osborn; Hagedoorn, 1997; DeBresson; Amesse, 1991).

Essa proliferação de opiniões acaba sendo constatada também no casoespecífico dos economistas, que, além das diversas vertentes teóricas quepesquisam sobre cooperação, em muitos casos procuram integrar suas aborda-gens com as de sociólogos e geógrafos, por exemplo. Como conseqüência,nota-se, também nessa área do conhecimento, a completa falta de uma unidadeconceitual mínima, que possa nortear o debate em torno do tema. Indícios cla-ros nesse sentido são a profusão de termos para caracterizá-lo2, o grande núme-

1 Economistas, administradores de empresa, sociólogos, geógrafos, cientistas políticos, etc.2 Redes de firmas, firmas em rede, distrito industrial, cluster, cadeia produtiva, complexo

industrial, parceria, consórcio, consórcio de P&D, arranjo, aliança estratégica, joint venture,colaboração, redes de inovação, redes de subcontratação, redes horizontais, redes verti-cais, franchising, terceirização, etc.

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ro de tipologias existentes (Britto (1996), por exemplo, enumera 22 classifica-ções de redes de firma) e a multiplicidade de explicações para perguntas bási-cas, como as causas do fenômeno.

Neste artigo, parte-se do princípio de que, para pelo menos se organizaro já vasto debate sobre o tema na área econômica,3 é de fundamental impor-tância distinguir cooperação como uma estratégia da firma individual e comouma rede de firmas que cooperam em busca de vantagens competitivas. Con-sidera-se que, no primeiro caso, são relevantes questões como a motivaçãoestratégica da firma e o comportamento (oportunista ou de confiança) que amesma adota no decorrer do acordo cooperativo, enquanto, no segundo caso,é importante entender o modus operandi da rede, ou seja, as característicasespecíficas de cada tipo de cooperação, que, além de variarem bastante entreos diferentes tipos de rede (tornando o funcionamento de uma aliança estraté-gica bastante diferente do de um distrito industrial, por exemplo), ainda sãoinfluenciadas pela estrutura de mercado, pelo padrão de concorrência, porparadigma e trajetória tecnológicos, pelo ambiente institucional, etc. do setorno qual a rede cooperativa ocorre.

Partindo do princípio de que, além de fundamentais, ambos os pontos devista são complementares, este artigo é dedicado à cooperação como estraté-gia da firma individual. Isto porque, ao mesmo tempo em que, no âmbito dasredes, os estudos teóricos e tipologias já são mais volumosos,4 no caso dacooperação enquanto estratégia da firma individual ainda há muito por fazer,inclusive no sentido de se definir como responder a questões teóricas básicasque surgem nesse tipo de análise.

Considera-se que, na análise da firma que coopera, dois grupos de ques-tões devem ser abordados: eficiência e coordenação. No caso da primeira,parte-se do princípio de que, se uma empresa busca cooperar para ser compe-titiva, é porque essa estratégia se revela (pelo menos a princípio) mais efici-ente do que realizar as atividades internamente ou via mercados.5 No caso dasegunda, considera-se que, num relacionamento cooperativo, que, em muitos

3 O artigo não nega a importância de estudos multidisciplinares, mas restringe-se à áreaeconômica por um motivo simples: conforme se verá, a ciência econômica ainda está longede esgotar suas possibilidades teóricas na explicação da cooperação interfirmas.

4 Britto (1999) faz um apanhado bastante representativo das diversas visões sobre coopera-ção a partir de um enfoque de rede de firmas, inclusive propondo uma tipologia nessadireção.

5 Conforme se verá, no que se refere à eficiência, é importante distinguir a economia de custosde produção e de transação (eficiência estática) da busca e da criação de inovações latosensu (eficiência dinâmica).

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casos, envolve um longo período de tempo, a estabilidade da relação é impor-tante, e isso deve ser analisado em termos de coordenação do arranjo (com aconseqüente necessidade de uma abordagem contratual para o seu entendi-mento).

O objetivo do artigo é mostrar que, dados esses grupos de questões e asmudanças quantitativas e qualitativas pelas quais a formação de arranjos co-operativos vem passando nas últimas décadas (conforme se verá na seção 3),a cooperação interfirmas como uma estratégia da firma individual passa a serum assunto que somente é explicado, em todas as suas dimensões, a partirde uma integração entre visões teóricas diferentes, necessitando, parase atingir esse objetivo, da construção de um “paradigma teórico” a par-tir da firma individual (Britto, 1999, cap. 2).6 Nesse sentido, considera-seque as visões da firma a partir das Capacitações Dinâmicas e dos Custos deTransação7, com algumas qualificações teóricas e metodológicas, devem seros pilares básicos desse paradigma teórico, permitindo o entendimento das ques-tões mais importantes (relativas à eficiência e à coordenação) sobre cooperaçãointerfirmas.

Buscando cumprir esse objetivo, o texto divide-se da seguinte forma: naseção 2, são apresentadas uma breve delimitação do tema — dado o seu grandenúmero de definições — e as principais questões teóricas sobre cooperaçãointerfirmas. Depois, na seção 3, discutem-se aspectos importantes sobre aeficiência de acordos cooperativos, a partir dos motivos que levam as firmas acooperarem, ressaltando as mudanças qualitativas e quantitativas pelas quais ofenômeno vem passando nas últimas décadas. Na seção 4, por sua vez, comen-ta-se a questão da coordenação dos arranjos cooperativos, notadamente seusaspectos contratuais. Na quinta e última seção, resumem-se as principaisidéias do texto e apresentam-se as conclusões.

2 Conceitos de cooperação interfirmas e questões teóricas relevantes

No enfoque tradicional da teoria econômica, o mercado sempre ocupouum papel central na análise dos mecanismos de coordenação das atividadeseconômicas. Foi somente a partir do trabalho clássico de Coase (1937) que a

6 Na verdade, na explicação da cooperação enquanto rede de firmas, uma perspectiva queintegre várias visões teóricas também é útil, conforme proposto por Britto (1999, cap. 2).

7 Nesse caso, com o importante aporte de elementos da Teoria dos Jogos, conforme se veráadiante.

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firma individual passou também a receber atenção dos teóricos como instânciaalternativa de coordenação, oposta ao mercado. Surgiria aí a dicotomia firma--mercado, utilizada freqüentemente para a identificação e o estudo de proble-mas de alocação de recursos pelos economistas.

Porém formas organizacionais diferentes de firmas e mercados, semprepresentes nas economias capitalistas, continuaram sem merecer o devido re-conhecimento por parte dos estudiosos. A dicotomia firma-mercado só viria aser superada, com a análise de outras formas de coordenação entre esses doispólos, a partir do texto clássico de Richardson (1972), que notou o crescenteenvolvimento de firmas em acordos fora do mercado com outras firmas e ins-tituições.

Somente nas últimas décadas, passaram a ter tratamento teórico siste-mático formas de cooperação que, em alguns casos, já existiam há séculos,dado que a cooperação, provavelmente, surgiu juntamente com a própria atividademanufatureira. A literatura sobre história da indústria descreve com detalhes, porexemplo, a importância dos sistemas de putting out ainda nos primeiros está-gios dessa atividade econômica. Mesmo a cooperação em seu sentido “maléfi-co” (cartéis, acordos de liderança de preços, etc.) já era analisada por Smith(1983). Mais tarde, no século XIX, Marshall (1982) descreveria com detalhes os“distritos industriais”, apontando o papel vital das externalidades nesses ar-ranjos cooperativos. Na primeira metade do século XX, portanto, muito antes deo tema receber a atenção que vem merecendo a partir dos anos 80, registravam--se acordos formais de colaboração em P&D entre firmas. Sabe--se, por exemplo, de muitos casos de programas de pesquisa colaborativa eredes durante a Segunda Guerra Mundial, alguns deles liderados por governos(Freeman, 1991, p. 500-501).

Assim, devido à sua ampla utilização ao longo dos anos e com sentidos osmais variados possíveis, uma tentativa de delimitação do conceito de coope-ração interfirmas é necessária, antes de se apresentarem as principais ques-tões teóricas sobre o tema. Uma primeira distinção importante é entre os termos“cooperação” e “rede de firmas”. Cooperação é o termo mais utilizado nestetrabalho, por estar diretamente relacionado com o processo decisório das em-presas, ou seja, sendo visto como uma estratégia empresarial em busca decompetitividade. O termo rede de firmas, por sua vez, tem significação maisampla.8 Pode-se referir, por exemplo, a “externalidades em rede”9, que obvia-

8 Uma apresentação dos vários significados desse conceito pode ser encontrada em Britto(1999, cap. 1).

9 Em muitos casos, o conceito genérico de rede é associado a externalidades geradas peloconsumo de bens ou fatores por um maior número de agentes. Essas externalidades refe-

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mente fogem do âmbito mais restrito das decisões internas às empresas e,portanto, do escopo deste trabalho.10

Deve ficar claro desde já que o fato de se privilegiar a cooperação enquantoestratégia da firma individual não significa desprezar a cooperação enquantorede. Pelo contrário, consideram-se ambas as dimensões da cooperação comotendo a mesma importância, sendo a dimensão rede uma “continuação” dadimensão estratégia. É nesse sentido que a firma individual pode ser conside-rada um interessante ponto de partida da análise. E é com essa orientaçãoque, neste trabalho, se está mais interessado na ótica do agente individual.

Porém, antes de se passar ao estudo da estratégia cooperar, algumasquestões importantes sobre redes precisam ser comentadas. É importante,por exemplo, entender o modus operandi de uma rede cooperativa, ou seja, ascaracterísticas específicas de cada tipo de cooperação, que, além de variarembastante, tornando o funcionamento de uma aliança estratégica bastante dife-rente do de um distrito industrial, por exemplo, ainda são influenciadas pelaestrutura de mercado, pelo padrão de concorrência, por paradigma e trajetóriatecnológicos, pelo ambiente institucional, etc. do setor no qual a cooperaçãoocorre.

Assim, quando se fala de redes de firma neste trabalho, faz-se referên-cia, basicamente, a três das mais importantes formas de interpenetração demercados e hierarquias existentes atualmente, que são caracterizadas, dentreoutros fatores, pelo seu potencial inovativo (Grabher, 1993):

- alianças estratégicas - apesar de existirem há bastante tempo, suasimportância e substância parecem ter aumentado consideravelmentedurante os anos 80, quando a experimentação com vários tipos de alian-ças estratégicas — tais como joint ventures, investimentos eqüitativos,pactos de pesquisa e acordos de licenciamento — cresceu de forma semprecedentes. Tipicamente, as alianças estratégicas envolvem dois tiposde organizações. Em um caso, grandes companhias juntam-se, parti-

10 Outro ponto a ser ressaltado é que, neste artigo, se tratará da cooperação interfirmasconsiderada “benéfica”, deixando de lado as práticas cooperativas consideradas, em mui-tos casos, anticompetitivas, como a formação de cartéis, acordos de liderança de preços,fusões, etc. E, dentro da cooperação “benéfica”, não serão tratados aqui, por razões desimplificação, acordos de cooperação entre empresas e órgãos governamentais (e univer-sidades) — restringindo-se este trabalho ao estudo da cooperação apenas entre firmas pró--lucro — e também a cooperação intrafirmas, embora não se esteja negando a importânciade tais temas.

rem-se a situações nas quais as escolhas individuais de determinados agentes são afeta-das pelo conjunto das escolhas dos demais agentes relativas àquele bem ou fator (Katz;Shapiro, 1994; Britto, 1999, cap. 2).

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cularmente em joint ventures internacionais. São os casos dos acordoscooperativos entre as maiores montadoras de automóveis mundiais, porexemplo. Em outro tipo, as alianças estratégicas visam aos benefíciosdas “complementaridades dinâmicas” de grandes e pequenas firmas. Essepadrão é de particular relevância na indústria de biotecnologia. Por fim, éimportante notar que as alianças estratégicas são freqüentemente carac-terizadas como altamente instáveis, principalmente as internacionais.Alguns estudos chegam a considerar estimativas de taxas de mortalida-de alcançando até 70% (Parkhe, 1993, p. 794; Inkpen; Beamish, 1997).Porém deve-se considerar que, algumas vezes, o término da relação éplanejado e antecipado pelas partes envolvidas, o que pode contribuirpara reduzir tal percentual;

- redes de fornecedores - nos dias atuais, a integração vertical de largaescala apresenta, em muitos casos, sérias fraquezas, tais como, inabi-lidade de responder rapidamente a mudanças competitivas em merca-dos internacionais, resistência a inovações de processo que alterem arelação entre diferentes estágios dos processos de produção e relativafalta de incentivos para a introdução de novos produtos. Tais deficiên-cias levam as firmas a reduzirem a participação da produção interna e aapelarem crescentemente para fornecedores externos, produzindo so-mente uma pequena parte dos componentes dos seus produtos interna-mente, enquanto grande parte é fornecida por uma densa rede desubcontratação, com isso incrementando tanto suas economias internasde escala e escopo como as externas (por meio de processos como oJust-in-Time). As corporações japonesas (como em suas indústrias au-tomobilística e eletrônica) são consideradas as precursoras dessa estra-tégia, que marca uma certa renúncia à integração vertical;

- distritos industriais - demandas crescentes por flexibilidade, que sãocausadas pela instabilidade contínua de mercados e por uma aceleradavelocidade da mudança tecnológica, levaram, nas últimas décadas, auma reafirmação do local como a fundação para aparatos eficientes eefetivos de produção. O primeiro caso conspícuo, que foi tratado quasecomo prova da tese de um certo renascimento das economias regionais,foi a Terceira Itália, consistindo em redes regionais de pequenasfirmas nas províncias da Emilia-Romagna, Toscana e Vêneto, dentreoutras. Segundo Grabher (1993, p. 21), a exposição de Marshall (1982)sobre esses arranjos, de certa forma, já explicava a dinâmica contem-porânea de áreas na Terceira Itália, nas quais cada rede de pequenasfirmas se especializa na produção de um bem particular, objetivando avenda para consumidores qualificados. As afinidades parecem ser tão

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próximas que o termo “distritos industriais marshallianos” tem sido usadopara capturar a essência dessas localidades na Itália. Outras regiões aoredor do mundo, como o Vale do Silício, também exemplificam essa reto-mada, embora se deva ressaltar que existem semelhanças e diferençasentre os vários exemplos de distritos industriais (Markusen, 1995).

Por fim, é importante lembrar que esses três tipos de cooperação estãoentre os mais complexos existentes, tanto pela sua potencial inovatividade comotambém pela dificuldade de se implementarem contratos nos mesmos, devido,por exemplo, à alta incerteza que caracteriza um arranjo no qual, em muitoscasos, a inovação tecnológica é essencial. Por isso, considera-se que essadelimitação do tema permite uma visão o mais geral possível da cooperaçãointerfirmas, pois pode explicar também formas menos complexas de coopera-ção, como o franchising e a terceirização pura e simples (esse ponto será reto-mado na conclusão do artigo).

Passando à cooperação enquanto estratégia da firma individual, conside-ra-se, neste artigo, que, para a sua explicação, é necessário separar as ques-tões referentes a esse tema em dois tipos, mesmo correndo-se o risco da sim-plificação excessiva: as relativas à eficiência e as relativas aos mecanismos decoordenação.11 Pode-se passar a um breve detalhamento desses dois gruposde questões.

Em primeiro lugar, quanto à eficiência, considera-se que uma construçãoteórica que leve em conta tipos de redes como os mencionados acima devepartir do princípio de que as firmas cooperam em busca de inovações lato sensu(no sentido schumpeteriano do termo, incluindo não somente a inovaçãotecnológica, mas também a inovação organizacional, etc.), o que caracteriza aeficiência como sendo dinâmica. Mas, por outro lado, questões relativas àeconomia de custos de produção (por exemplo, economias de escala e de esco-po) e de custos de transação não devem ser deixadas de lado, pois a eficiênciaestática também é importante. Sua importância aumenta, se se levar em contaque nem sempre um arranjo cooperativo tem objetivos inovativos, e, quando ospossui, em muitos casos, o seu potencial inovativo pode não se realizar plena-mente. Nesses casos, a competitividade do arranjo acaba sendo decidida porcritérios estáticos de eficiência.

11 De certa forma, aqui se está tomando por base o trabalho de Jarillo (1988), que, partindo doprincípio de que “redes estratégicas” permitem a firmas que as integram ganhar ou susten-tar vantagem competitiva frente a seus competidores fora da rede, divide as questõesprincipais sobre cooperação nesses dois grupos, embora com nomes e definições dife-rentes.

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Em segundo lugar, os aspectos relativos à coordenação devem ter comoponto de partida de análise o fato de que normalmente a cooperação é um jogode soma positiva, ao contrário da concorrência, normalmente visualizada comoum jogo de soma zero (Jarillo, 1988). Por isso, a questão da estabilidade dorelacionamento passa a ser crucial, já que a própria durabilidade de um arran-jo está ligada ao fato de cada um dos integrantes considerar que obtém nomesmo maiores ganhos do que obteria em outras formas de governança (mer-cado ou hierarquia). Ou seja, a distribuição da quase-renda gerada tem queser satisfatória para todos os integrantes do arranjo.

Isso significa que a análise dos dispositivos de coordenação entre agen-tes econômicos deve ser feita a partir da noção de contrato. Considera-se queos agentes usam contratos para superar problemas de alocação de recursos eos referentes ao processo de criação dos mesmos (problemas como os oriundosda repartição da quase-renda gerada; das assimetrias de poder, tamanho, in-formação e de capacitação; dos incentivos e monitoração dos parceiros; etc.),causados por fatores como a incerteza e a racionalidade limitada presentes naseconomias capitalistas. Levando-se em consideração contratos implícitos ouexplícitos entre as partes, uma teoria dos contratos permite o entendimentode como os parceiros agem para resguardar seus interesses numa relação decooperação e de como isso se reflete na magnitude dos custos de transação eda própria eficiência da relação cooperativa.

Definidos esses dois grupos de questões, resta ressaltar que levá-los emconta no estudo da cooperação, além de significar uma abordagem ampla daeficiência capitalista (dinâmica e estática), implica uma análise a partir de duasteorias da firma, a das Capacitações Dinâmicas e a dos Custos de Transação. Aidéia é que essas teorias, ao explicarem a atuação das firmas nos mercados,podem explicar também como elas se comportam quanto à estratégia de co-operar. Nas duas seções seguintes, será mostrado como essas visões da firmaexplicam as questões da eficiência e da coordenação contratual em arranjoscooperativos.

3 Por que as firmas cooperam?

Como já mencionado, acordos de cooperação entre firmas existem háséculos. Mas, se, até os anos 80, ao se falar em cooperação, acordos como oscartéis eram os mais citados, hoje, com o quadro de globalização e de mudan-ça radical de paradigma tecnológico, a cooperação apresenta-se mais pelo seucaráter “benévolo” de acordos visando à inovação (o que não quer dizer quepráticas colusivas tenham sido abandonadas), sendo um fenômeno muito co-mum em setores de grande dinamismo tecnológico.

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É importante, então, detalhar o que surgiu de novo sobre o tema, nos anos80 e 90, que fez com que o mesmo despertasse o enorme interesse acadêmicoque chega aos dias atuais. Mais que isso, é importante responder o que mudouna motivação que leva as firmas a cooperarem. Freeman (1991) ressalta mu-danças quantitativas e qualitativas. Segundo esse autor, ao mesmo tempo emque se assistiu, nas duas últimas décadas, a um grande incremento no númerode acordos cooperativos, tanto formais como informais, incluindo alguns tiposnovos de redes, notaram-se também transformações importantes em tipos decooperação já existentes.

Em termos quantitativos, vários estudos confirmam um crescimento ex-tremamente rápido do número de acordos de cooperação em P&D, tanto inter-nacionais como nacionais e regionais, especialmente em novas tecnologiasgenéricas (biotecnologia, novos materiais e tecnologia de informação), a partirdos anos 80 (Hagedoorn; Schakenraad, 1990; Freeman, 1991).

Quanto às mudanças qualitativas, nas redes de subcontratação, por exem-plo, tais mudanças são mais importantes ainda que o incremento quantitativoverificado. O caso mais claro é, sem dúvida, o do Japão. Muita atenção tem sidoprestada às indústrias automobilística e eletrônica japonesas, que apresenta-ram crescimento muito rápido nas últimas décadas. Nas novas relações desubcontratação, a especialização (ligada à crescente competência técnica dosfornecedores) tem sido a principal razão do uso desse tipo de rede por parte dasgrandes empresas. Custo e escala de estoques são considerados fatores maistriviais para se explicar tais transformações (Freeman, 1991, p. 504-505).

Assim, em muitos setores, as firmas teriam sido simplesmente incapazesde competir, se não estivessem propensas a fazer parte de uma variedade deformas de cooperação tecnológica. Para Freeman (1991), tomando esse fatojuntamente com a evidência quantitativa sistematizada por Hagedoorn eSchakenraad (1990), é bastante claro que a principal fonte de mudança susten-tando os novos desenvolvimentos em rede para a inovação reside nos rápidosdesenvolvimento e difusão das novas tecnologias genéricas, principalmente atecnologia de informação (Freeman, 1991, p. 508).

O desejo de copiar as características japonesas em tecnologia tem sidooutro fator importante na aceleração internacional das redes de inovação, nosanos 80, e na mudança qualitativa nas redes de fornecedores das indústrias.Nesse sentido, alguns autores chegam a descrever a economia japonesa como“nada mais que uma rede de inovadores” (Freeman, 1991, p. 509).

Porém, para Freeman (1991), seria errado interpretar os novos desenvol-vimentos em redes como, principalmente, um fenômeno japonês ou, exclusi-vamente, um fenômeno associado com a tecnologia da informação. A evidên-cia empírica é perfeitamente clara no sentido de que desenvolvimentos simila-

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res afetam todos os países industriais líderes — principalmente os da “tríade”Comunidade Européia-Japão-EUA, conforme Hagedoorn e Schakenraad(1990) — e de que o processo de globalização dos mercados é um importanteaspecto do crescimento dos novos tipos de rede. Além disso, mesmo a tecnologiade informação sendo o motivo principal de muitos dos novos acordos e redes,um processo similar afeta outras tecnologias genéricas, que estão se desen-volvendo rapidamente, como a tecnologia de materiais e a biotecnologia.

Dadas essas mudanças qualitativas e quantitativas verificadas nas últi-mas décadas, várias razões têm sido enumeradas para explicar o que leva asfirmas a participarem de alianças e redes. Dentre as muitas classificações quetentam sistematizá-las, podem-se destacar as de Dodgson (1993) e Hagedoorn(1993), que nortearão a análise a seguir. Podem-se agrupar os motivos para acooperação em dois grandes grupos: os relativos aos objetivos das empresas noque se refere ao processo inovativo em si e os relativos aos objetivos geraisdas corporações no que se refere à busca de espaços nos mercados (emborareconhecendo que exista uma interpenetração entre ambos os grupos).

Sob a perspectiva da inovação, são importantes:- a efetiva interação entre as firmas - parcerias com fornecedores podem

proporcionar acesso privilegiado aos componentes do produto fabrica-do. Fortes elos com importantes clientes facilitam o efetivo feedbacksobre requerimentos do mercado e a performance do produto. Tudo issofacilita o sucesso da inovação;

- novas tecnologias são extremamente caras de se desenvolver - a cola-boração pode ajudar a dividir esses altos custos, evitando, por exem-plo, a duplicação de esforços de P&D;

- a própria incerteza decorrente dos altos custos e a complexidade demuitos dos novos desenvolvimentos tecnológicos podem ser reduzidaspor meio da cooperação;

- muitas tecnologias são sistêmicas por natureza, e, mesmo quando fir-mas individuais possuem competências em algumas partes do sistemaprodutivo do qual fazem parte, elas podem precisar de insumos de ou-tras firmas;

- a “pervasividade” da tecnologia de informação, que virtualmente afetatodas as atividades industriais, e, além disso, o grau de interação queela promove nas atividades e nos métodos das firmas facilitam a coope-ração.

Sob a perspectiva corporativa, cabe destacar:- as firmas têm dificuldade de gerenciar competências ou conhecimento

tecnológico em novas áreas. Acordos de cooperação são importantesnesse sentido;

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- a colaboração é uma ferramenta estratégica, que pode ser usada parabloquear a competição — inclusive por aumento de recursos dedicadosa projetos que visem deter outras firmas concorrentes —, ou para estrei-tar laços com um parceiro com habilidades específicas, evitando quecompetidores ganhem acesso a ele. Pode ser usada também para a cria-ção de padrões comuns (como na área de multimídia), com o objetivo deexcluir os concorrentes;

- antes da fusão de empresas, pode ser um passo importante saber omais possível sobre a outra parte. A cooperação permite um grande co-nhecimento sobre a estrutura da outra empresa antes da fusão. Firmasque têm experiências frustradas com fusões também podem apelar purae simplesmente para a cooperação;

- pequenas firmas são consideradas como tendo vantagens sobre grandesfirmas em sua habilidade para responder, rapidamente e de forma flexí-vel, a mudanças em algumas tecnologias e mercados. Grandes firmaspossuem vantagens sobre as pequenas em termos de maiores recursos ecompetências em marketing e distribuição. A cooperação pode combinaressas vantagens de cada tipo de firma;

- acordos de cooperação podem ser mais vantajosos que os tradicionaismétodos de compra e venda de tecnologia por meio de licenciamento einvestimento direto estrangeiro. Fatores como limitações contratuais ealtos custos de transação complicam essas alternativas;

- a cooperação é considerada importante para o incremento dacompetitividade, apesar de as atividades internas de P&D serem aindaconsideradas a base para a acumulação tecnológica das firmas. Atividadescolaborativas são vistas como um suplemento extremamente útil nessesentido;

- considera-se que os mercados tendem a ser crescentemente globais, e acolaboração é um mecanismo pelo qual firmas de um bloco de comérciopodem ganhar acesso a tecnologias e mercados em outros. A colabora-ção tecnológica, em alguns casos, pode representar um mecanismo peloqual barreiras tarifárias e não tarifárias ao comércio e ao investimentotecnológico internacional podem ser superadas. A própria incerteza ge-rada pelos desafios da globalização sugere que não se atue sozinho.

É importante notar que fatores como compartilhamento e minimização decustos não aparecem nessa classificação com a importância que pesquisasanteriores destacavam em acordos de cooperação. Hagedoorn e Schakenraad(1990) consideram que tais fatores parecem desempenhar um papel relativa-mente pequeno em comparação com objetivos estratégicos de longo prazorelacionados à criação de novas tecnologias e mercados.

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Do exposto até aqui, pode-se concluir que, nas últimas décadas, ocorre-ram significativas mudanças quantitativas e qualitativas nos acordos de coope-ração interfirmas, que exigem uma redefinição na análise das razões que levamuma firma a cooperar. Se critérios de eficiência estática (economia de custos)continuam tendo sua importância, é verdade que, em muitos casos, a buscapela eficiência dinâmica é o fator preponderante na elaboração de acordos decooperação no mundo atual. Com isso, uma análise que leve em conta, porexemplo, a cooperação tecnológica e o compartilhamento de aprendizado ecapacitações em busca da inovação, comuns em redes como alianças estraté-gicas, distritos industriais e redes de fornecedores, tem que ser consideradana explicação desse fenômeno.

Assim, dentre as diversas visões da firma existentes, a única que apre-senta elementos teóricos para explicar esse tipo de cooperação, apresentandoum já razoável esforço de análise nessa direção, ao levar em conta a crescenteexigência de requisitos de capacitação e aprendizado para um agente integrarqualquer rede cooperativa, é a abordagem das Capacitações Dinâmicas12.

Esses autores consideram (Teece; Pisano, 1994) que os vencedores nosmercados globais têm sido firmas que apresentam inovações, juntamente coma capacitação de gerenciamento para efetivamente coordenar e transferir com-petências internas e externas, notando que só recentemente os pesquisadorespassaram a levar em conta o desenvolvimento de capacitações específicas àfirma e a maneira pela qual as competências são renovadas para responder amudanças no ambiente de negócios. Para essa nova visão da firma, a vanta-gem competitiva reside nas capacitações dinâmicas enraizadas em rotinas dealta performance operando dentro da firma, inseridas nos seus processos econdicionadas por sua história.13

Com isso, construir uma visão da firma a partir das Capacitações Dinâmi-cas requer identificar os fundamentos sobre os quais vantagens distintivas edifíceis de copiar podem ser construídas. O ponto-chave é que as propriedadesda organização interna não podem ser copiadas por um portfólio de unidades denegócio articuladas por meio de contratos formais, da mesma forma que os

12 A abordagem das Capacitações Dinâmicas da firma também é chamada, em certos contex-tos, de “neo-schumpeteriana” ou “evolucionária”.

13 Segundo esses autores, essa fonte de vantagem competitiva, as Capacitações Dinâmicas,enfatiza dois aspectos principais: em primeiro lugar, ela se refere ao caráter mutante doambiente (por isso, dinâmicas); em segundo, ela enfatiza o papel-chave do gerenciamentoestratégico em adaptar, integrar e reconfigurar, de forma apropriada, habilidadesorganizacionais internas e externas, recursos e competências funcionais para ambientescom mudanças (resumido na idéia de capacitações).

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elementos distintivos da organização interna simplesmente não podem ser co-piados no mercado. Copiar leva tempo, e a cópia das melhores práticas pode serilusória (Teece; Pisano, 1994, p. 540).

Considera-se que uma competência/capacitação difícil de copiar ou difí-cil de imitar pode ser considerada uma competência distintiva. Então, compe-tências e capacitações são ativos especiais, porque precisam ser construídos,já que não podem ser comprados. Assim, as Capacitações Dinâmicas são osubconjunto das competências/capacitações que permitem à firma criar novosprodutos e processos e responder a circunstâncias de mercados em mudança.14

Para essa abordagem da firma, a cooperação interfirmas é vista como umaestratégia que visa à aglutinação e ao desenvolvimento de capacitações/com-petências complementares, permitindo maiores oportunidades de apren-dizado conjunto e reforçando mutuamente a competitividade dos integrantesdo arranjo cooperativo. Essa idéia vem desde o trabalho pioneiro de Richardson(1972), que, influenciado por Penrose (1959), já ressaltava a importância dascapacitações em acordos cooperativos.

Nos últimos anos, vários desenvolvimentos teóricos vêm sendo feitos nessadireção.15 Uma questão importante tratada por essa corrente é a do aprendizado,que, em muitos casos, acaba sendo o tema central ao qual a cooperação devese referir, principalmente para aqueles autores que centram sua análise na questãodo “aprendizado interativo”. É o caso de Lundvall (1988; 1993), para o qual oaprendizado é predominantemente um processo interativo e socialmente inseri-do, que não pode ser entendido sem se levar em consideração seu contextoinstitucional e cultural.

Esse autor ressalta, com detalhes, o processo de troca entre usuários eprodutores de informação qualitativa. A informação trocada envolve uma mu-dança na base de conhecimento de ambas as partes, e, mais corretamente,pode-se caracterizar tal mudança como um processo de aprendizado interativoque incrementa a capacitação inovativa do produtor e a competência do usuário,caracterizando uma certa “cooperação direta” durante o processo de inovação.

Teece e Pisano (1994) também enfatizam a importância do aprendizado,mostrando que o conceito de Capacitações Dinâmicas como um processo

14 Os principais desenvolvimentos teóricos da abordagem das Capacitações Dinâmicas nãoserão apresentados aqui. Para maiores detalhes, ver Teece e Pisano (1994) e Baptista(1997).

15 Podem ser incluídos aqui os estudos de Freeman (1991), Lundvall (1988, 1993), Foray(1991), DeBresson e Amesse (1991), Saxenian (1991), Grabher (1993), Teece e Pisano(1994), Teece (1986, 1988, 1992), Pisano (1990), Jorde e Teece (1992), Hobday (1994) eos autores da teoria da “coerência corporativa” (Dosi; Teece; Winter, 1992).

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coordenativo de gerenciamento abre a porta para o potencial do aprendizadointerorganizacional. Assim, colaborações e parcerias podem ser veículospara novo aprendizado organizacional, ajudando as firmas a reconhecerem roti-nas disfuncionais e prevenindo a “cegueira estratégica” (Teece; Pisano, 1994,p. 544-545).

Além da questão do aprendizado, Teece e outros autores próximos desta-cam também a importância dos regimes de apropriabilidade e dos ativos com-plementares, relacionados com os possíveis ganhos da inovação que umaatividade cooperativa pode gerar. A idéia básica aqui é que a inovação, para terseu potencial de ganhos realizado, precisa de outros ativos ou capacitações,denominados ativos complementares.16

O acesso a ativos complementares é crítico, se o inovador está interessa-do em evitar que a parte mais considerável dos lucros seja apropriada por imita-dores e/ou por possuidores dos ativos complementares, que são especializadosou co-especializados para a inovação (Teece, 1986, p. 292). Assim, uma vanta-gem competitiva da firma em pesquisa não necessariamente coincide comuma vantagem em ativos complementares relevantes, e a performance “deespecialista” dos parceiros contratuais do inovador em certas atividades-cha-ve complementares para atividades facilmente imitáveis é freqüentementeessencial, se o inovador deseja capturar uma considerável porção dos lucrosque a inovação gera (Jorde; Teece, 1992, p. 53; Teece, 1986).

Portanto, pode-se concluir que a abordagem das Capacitações Dinâmicasda firma explica a cooperação interfirmas da seguinte forma: parte-se de agen-tes que cooperam procurando obter capacitações e competências por meio decomplexos processos de aprendizado, com o objetivo final de inovar naquelaindústria particular e, por meio da obtenção (ou ampliação) de vantagens com-petitivas, transformar a estrutura de mercado a seu favor. Também é impor-tante ressaltar que, para uma maior chance de apropriação dos frutos da ino-vação, é necessário o investimento em ativos complementares. Isso tudo érepresentado na Figura 1.

16 Para mais detalhes e exemplos sobre ativos complementares, ver o artigo clássico de Teece(1986) sobre o tema.

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Figura 1

Capacitações, cooperação e vantagens competitivas

↑ APRENDIZADO

Capacitações/ /Competências

e Ativos Complementares

↑ INOVAÇÕES Vantagem

Competitiva

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4 A coordenação de arranjos cooperativos

Dentre as abordagens da firma que possuem características contratuais,podem-se destacar duas: a dos Custos de Transação e a do Agente Principal(Brousseau, 1993). Considera-se, neste artigo, que a teoria dos Custos deTransação, na visão de Williamson (1985), é a mais indicada como uma basepara o entendimento da coordenação de arranjos cooperativos, pois, ao contrá-rio de abordagens mais ortodoxas dos contratos, nela, os agentes podem optarpor “resolver as coisas” privadamente (Williamson, 1985; Dyer, 1997). Ou seja,nessa visão, os condicionantes ex-post dos contratos ganham mais importân-cia, o que é fundamental para o entendimento de várias questões sobre coope-ração (por exemplo, como o comprometimento de ativos específicos pode influ-enciar os resultados da cooperação) nos mais diferentes tipos de rede, confor-me se verá a seguir.17

Sobre a abordagem dos Custos de Transação, verifica-se que esse enfoqueda firma tem apresentado, nos últimos anos, um importante esforço para o en-tendimento de vários aspectos contratuais da cooperação e de seu relaciona-mento com o processo decisório das empresas que merecem ser destacados.18

Como é notório, a cooperação interfirmas, na visão de Williamson, está relacio-nada à noção de “formas híbridas”, uma das três “alternativas discretas” (estru-turas de governança) por ele consideradas em seu texto clássico sobre o as-sunto (Williamson, 1996). Nesse texto, o autor sugere também que as formashíbridas são uma estrutura de governança com propriedades distintas de mer-cados e hierarquias, por serem especializadas em lidar com a dependênciabilateral, mas sem ir tão longe como a integração vertical.

Assim, quando comparada com o mercado, a forma híbrida sacrifica incen-tivos em favor de uma coordenação superior entre as partes; quando compara-da com a hierarquia, sacrifica a cooperatividade em favor de maior intensidadede incentivos. Daí, transações para as quais as requisitadas adaptações a dis-túrbios não são nem predominantemente autônomas nem bilaterais, mas reque-rem uma mistura de cada uma dessas formas de governança, são candidatas a

17 Isso, evidentemente, não significa negar a importância da abordagem do agente principal noentendimento de certos tipos de rede, como, por exemplo, as de subcontratação (Britto,1999, cap. 2). Apenas deve ser ressaltado que a abordagem dos Custos de Transação serevela mais completa para o entendimento da coordenação da ampla gama de tipos deacordos cooperativos existentes.

18 As principais proposições da abordagem dos Custos de Transação já são bastante conhe-cidas e não serão discutidas aqui. Tais proposições podem ser encontradas, com deta-lhes, em Williamson (1985, cap. 1-4) ou em Pondé (1993, cap. 1 e 2).

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serem organizadas sob o modo híbrido (Williamson, 1996, p. 108). Isso equiva-leria a um intervalo intermediário de especificidade de ativos, não tão elevadocomo no caso da hierarquia e nem tão baixo como no caso dos mercados puros.

No que se refere à coordenação propriamente, as formas híbridas neces-sariamente envolverão algumas formas de planejamento e de decisões admi-nistrativas, tanto dentro das firmas como entre as firmas envolvidas (de outromodo, o mercado seria suficiente). Elas desenvolverão características especí-ficas para manter relações de longo prazo entre as partes do arranjo, enquantogarantem uma coordenação eficiente e participações aceitáveis na quase-rendagerada (Ménard, 1996, p. 157).

Isso pode ser melhor entendido a partir do conceito de “adaptação”, que écrucial em qualquer forma de governança e, segundo Williamson, “[...] é o pro-blema econômico central” no estudo das organizações econômicas (Williamson,1996, p. 101-102; Pondé, 2000, p. 88-89). Tal conceito refere-se à capacidade deuma forma de governança de lidar com distúrbios que continuamente surgementre os agentes que a integram ao longo do tempo.

Williamson (1996) propõe uma distinção entre um tipo A de adaptação(onde A é para “autônomo”), comum nos mercados e operando por meio depreços, e um tipo C de adaptação (C significando “cooperação”), comum nashierarquias,19 com o fiat como o centro da adaptação. O modo de adaptação dasformas híbridas seria um meio-termo entre o tipo A e o tipo C, operando eficien-temente tanto na adaptação autônoma como na cooperativa, mas não tão bemquanto os mercados no primeiro caso ou tão bem quanto as hierarquias noúltimo (Williamson, 1996; Ménard, 1996, p. 160). De forma mais concreta, essetipo de adaptação tem que lidar com questões como as seguintes:

- repartição da quase-renda gerada - a existência de uma quase-rendapode levar a conflitos no que se refere à sua distribuição entre os partici-pantes de um arranjo cooperativo. Nesse caso, um comportamento opor-tunista costuma surgir por causa da indeterminação relacionada à ausên-cia de um critério objetivo na sua repartição (como seria o caso, numcontexto neoclássico, da produtividade marginal dos fatores, por exem-plo). É o problema conhecido como hold-up (Brousseau, 1993, p. 24-25);

- assimetrias de informação - as assimetrias informacionais induzemigualmente a conflitos, porque os indivíduos que não têm possibilidadede conhecer com precisão o “estado do mundo” inferem a verdade a partirde observações diferentes, que os conduzem a possuir, cada um, uma

19 É importante ressaltar que “cooperação”, na forma como Williamson utiliza o termo nessecontexto, se refere somente à adaptação interna às firmas.

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concepção diferente da verdade. Assim, por causa do papel limitado domecanismo de preço e das incertezas que cercam a apropriação da ren-da, a divulgação da informação costuma ser essencial para a existênciae a estabilidade das formas híbridas. Porém, por causa da incongruênciade objetivos e/ou das ambigüidades de performance inerentes às formashíbridas, dentre outros fatores, permanece “misterioso” na literatura perti-nente como isso pode ser feito (Ménard, 1996, p. 159-160);

- assimetrias de poder/tamanho - da mesma forma que a consolidaçãode princípios de reciprocidade não significa a ausência de competiçãoentre os membros de um acordo de cooperação, a mutualidade que norteiao processo de adaptação das decisões não implica a consolidação derelações de simetria. Assim, são comuns assimetrias tanto de tamanhocomo de poder. Neste último caso, os agentes que retêm maior “poder”acabam moldando as relações com outros agentes em função de seusinteresses, e essas “relações de poder” associam-se à consolidação deuma estrutura interna à rede, na qual é possível identificar um determina-do grau de centralização das decisões e uma determinada organizaçãohierárquica dos agentes. Isso tem implicações importantes sobre a ma-neira como será exercida a arbitragem num determinado arranjo coopera-tivo;

- assimetrias de capacitação - a capacitação dos agentes é um fatorimportante para determinar qual a posição dos mesmos na hierarquia deuma rede de cooperadores. Zanfei (1994) nota, inclusive, evidências deque a possibilidade de cooperação é mais alta quando a assimetria entrea dotação tecnológica das firmas não é “tão alta”. Um bom exemplo aquié o caso das redes de subcontratação, onde o grau de capacitação dequalquer integrante de um arranjo cooperativo é importante no sentido dedeterminar se os problemas que porventura venham a surgir no decorrerda relação serão solucionados por meio de “saída” ou “voz”, nos termosda análise clássica de Hirschman (Helper, 1993);

- monitoração e incentivos - em muitos tipos de redes, atividades demonitoração são utilizadas com a justificação econômica dos possíveisganhos de produtividade que podem proporcionar. Porém, normalmente,essa questão é indissociável daquela da punição (Brousseau, 1993, p.36-37) e, conseqüentemente, da qualidade do relacionamento entre aspartes. Os sistemas de incentivo, por outro lado, são mecanismos quepodem substituir, total ou parcialmente, os mecanismos de monitoraçãoe repressão, ao estimularem os agentes a respeitarem suas promessas.Aqui os agentes recebem algum tipo de recompensa por adotarem o melhorcomportamento possível (Brousseau, 1993, p. 41);

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- reputação - alguns autores propõem análises, nas quais é reconhecida aimportância do caráter incentivador do efeito da reputação, no sentido dese construir uma maior confiança entre os agentes. Segundo Williamson,os efeitos da reputação incrementados atenuam incentivos para se com-portar oportunisticamente em negócios interfirmas, desde que os ganhosimediatos do oportunismo em um regime no qual a reputação conta po-dem ser comparados com os seus custos futuros. Com isso, a contrataçãohíbrida será incrementada, em relação à hierarquia, em regimes nos quaisefeitos de reputação interfirmas são mais aperfeiçoados, ceteris paribus(Williamson, 1996, p. 116).

A pergunta que surge aqui é: como todas essas questões afetam a magni-tude dos custos de transação de um arranjo cooperativo? Por conseqüência,como elas podem influenciar a busca de vantagens competitivas por parte deagentes que escolhem a estratégia “cooperar”? A Figura 2 ilustra essas ques-tões.

Sem dúvida, a resposta a essas questões está relacionada ao modo deadaptação das formas híbridas. Porém autores como Ménard (1996, p. 160--161) partem do princípio de que, se muita análise tem sido feita no sentido dese entender a natureza dos arranjos contratuais nas formas híbridas, pouco temsido feito sobre seu específico modo de adaptação. Existem deficiências aqui,que, segundo o autor, podem ser superadas a partir da colaboração de estudosempíricos, mas não somente. Novos desenvolvimentos teóricos são necessá-rios também.20

20 Segundo Ménard (1996), a adaptação em formas híbridas tem muitas explicações (cláusu-las de compromissos críveis, por exemplo) que ainda necessitam ser integradas dentro deuma explicação coerente (Ibid.). Esse ponto será retomado a seguir.

Figura 2

Questões contratuais e custos de transação

Modo de

Adaptação

COORDENAÇÃO a) Quase-renda b) Assimetrias c) Incentivos d) Monitoração e) Outras

Custos de Transação

Vantagem Competitiva

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É necessário entender como o modo de adaptação de uma forma híbridaevolui. Porém sabe-se que Williamson possui uma abordagem que precisa aindaser aprimorada para permitir o pleno entendimento dos contratos, quando seconsidera a passagem do tempo. Assim, uma certa redefinição de sua teoriados contratos é necessária, tornando a mesma capaz de levar em conta tam-bém como evoluem os comportamentos dos agentes no decorrer de uma rela-ção cooperativa.21

De certa forma, tal redefinição já vem sendo proposta na literatura debusiness, por autores como Dyer (1997) e Parkhe (1993). Estudando, respecti-vamente, redes de subcontratação e alianças estratégicas, esses autores mos-tram (inclusive com evidências empíricas) como podem ser integrados teorica-mente os temas relativos a compromissos críveis (notadamente o “comprome-timento mútuo de ativos específicos”)22 e a comportamentos dos agentes (opor-tunista e de confiança), considerados de fundamental importância para o en-tendimento da busca de eficiência e de competitividade por parte de qualquerarranjo cooperativo.

Em termos teóricos, isso significa que, ao mesmo tempo em que utilizamelementos da abordagem dos Custos de Transação, esses autores a integramcom a Teoria dos Jogos. No caso desta, o ponto de partida é o “dilema doprisioneiro” com repetições infinitas. Como é notório, a lógica implacável de taldilema e a inerente instabilidade introduzida dentro da relação cooperativa pelaincerteza de cada parceiro avaliando o próximo movimento do outro podemlevar a estratégias deliberadas, que não necessariamente aceitam as circuns-tâncias como dadas, mas, em vez disso, buscam reformatar a estrutura daaliança para criar as condições para uma cooperação robusta. É a noção de“sombra do futuro”. Ver também Axelrod (1984). Com isso, a Teoria dos Jogospermite visualizar os contratos e a cooperação de forma dinâmica, incluindo oscomportamentos de confiança e oportunista, cuja evolução ao longo do tempopassa a ser melhor entendida.23

21 Para mais detalhes sobre como a noção de formas híbridas de Williamson pode ser refinadanesse sentido, ver Grassi (2003).

22 A partir do “modelo de refém” de Williamson (1985).23 E aqui o próprio Williamson reconhece que a literatura sobre a Teoria dos Jogos avança em

relação à sua exposição sobre o assunto. Citando os trabalhos de Kreps, Williamsonreconhece que esse autor está realmente preocupado com a evolução das relaçõescomerciais — estas sendo produto do aprendizado, do condicionamento social, da culturacorporativa, etc. —, e, por isso, os mecanismos intertemporais são a questão-chave(Williamson, 1996a, p. 265-266). O autor não se diz somente simpático com essa linha deargumento, mas chama atenção para o fato de que o esquema estático de sua análisesimplifica demasiadamente a questão, no sentido de que toma esses tipos de efeitosintertemporais como dados (Williamson, 1996a, p. 266).

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O resultado dessa integração entre a abordagem dos Custos de Transaçãoe a Teoria dos Jogos acaba sendo um melhor entendimento de como, respecti-vamente, compromissos críveis criados a partir do comprometimento de ativosespecíficos e alguns tipos de comportamento podem conjuntamente influen-ciar a magnitude dos Custos de Transação ao longo do tempo em um relaciona-mento cooperativo e, portanto, a eficiência e as chances de criação de vanta-gem competitiva do mesmo.

As principais conclusões dos trabalhos de Dyer (1997) e Parkhe (1993)podem ser resumidas da seguinte forma:24 um nível de confiança maior (oumenor risco de oportunismo) está correlacionado a um maior comprometimentode ativos específicos, e ambos (juntos) se constituem em causa de menorescustos de transação e, portanto, de maiores chances de criação de vantagemcompetitiva. Obviamente, a relação entre ativos específicos e vantagem com-petitiva também pode ser direta, dadas as características desse tipo de ativo. AFigura 3 ilustra essas observações.

Pode-se concluir que contribuições como as da Teoria dos Jogos e do“modelo de refém” de Williamson avançam em pontos importantes no sentido derefinar a abordagem dos Custos de Transação, quando a mesma trata da ques-tão das formas híbridas, permitindo, inclusive, um melhor entendimento da no-ção de “modo de adaptação”.

Assim, esta análise de elementos teóricos como compromissos críveis etipos de comportamento, além de sua importância em si, é interessante, porquecomplementa, de forma decisiva, a análise daquele grupo de questões vistas noinício da seção (repartição da quase-renda, assimetrias, monitoração, etc.), quan-do se procura entender a busca de redução de custos de transação por empre-sas que cooperam. Em outras palavras, pode-se considerar que, se os integran-tes de um arranjo cooperativo possuem altos níveis de confiança e de compro-metimento de ativos específicos, com a resultante queda nos custos detransação, é porque questões como a repartição da quase-renda gerada, dosdiversos tipos de assimetria, da monitoração, etc. estão encaminhadas de ma-neira satisfatória na percepção dos agentes, significando uma adaptação comboa aceitação das partes.

Tal constatação serve também para concluir que já existe uma forma factívelde se analisar como um arranjo cooperativo se comporta no que se refere àmagnitude dos custos de transação, revelando uma maneira interessante de seavaliar sua eficiência e possibilidades de criação de vantagens competitivaspara os integrantes do mesmo.

24 Maiores detalhes podem ser encontrados nos próprios textos dos autores ou em Grassi(2004).

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Figura 3 Compromissos críveis, comportamentos e custos de transação

Compromissos Críveis

(ativos específicos)

↑ Confiança ou

↓ Oportunismo

Custos de

Transação

Vantagem

Competitiva

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5 Conclusão: uma proposta de redefinição do debate

Como visto, este artigo parte do princípio de que o tema da cooperaçãointerfirmas precisa ser melhor entendido, dada sua relevância para a explicaçãodo comportamento das firmas nos mercados atuais.25 Foi mostrado que ummelhor entendimento desse tema exige, de início, a sua separação em doisgrupos de questões: as relativas à cooperação enquanto uma rede de firmas eas relativas à cooperação como estratégia da firma individual. Centrando a aná-lise neste último grupo de questões, viu-se que, para o entendimento da firmaque coopera, é necessária a separação da análise em mais dois grupos dequestões: as referentes à eficiência do arranjo cooperativo e as referentes à suacoordenação.

Para o entendimento dessas questões, foi proposto que as abordagensdas Capacitações Dinâmicas e dos Custos de Transação (nesse caso, junta-mente com elementos da Teoria dos Jogos) permitem a elaboração de umparadigma teórico que inclua as principais questões relativas à cooperaçãointerfirmas. Baseando-se nessas visões da cooperação, pode-se agora explicá--la, com a ajuda da Figura 4 (que é uma combinação das três anteriores comalgumas modificações), da seguinte forma.26

25 Uma breve avaliação dos principais manuais de organização industrial existentes é sufici-ente para se concluir que os autores ainda precisam avançar bastante, para chegarem aum entendimento mais aprofundado dos acordos de cooperação. Nos livros de Tirole(1988, p. 413-414) e de Milgrom e Roberts (1992, p. 575 e seguintes), por exemplo, aquestão das alianças estratégicas aparece de forma apenas superficial.

26 Fatores relacionados com o mercado relevante no qual ocorre o arranjo cooperativo, comoo padrão de concorrência, a estrutura de mercado, o padrão e a trajetória tecnológicos, oambiente institucional, etc., não serão tratados aqui apenas por razões de simplificação daanálise, que se concentra na questão da firma individual.

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Figura 4

Questões relevantes sobre cooperação interfirmas

Adaptação

Modo de

Vantagem Competitiva

Custos de Transação

Custos de Produção

Economias de Escala e de

Escopo

Eficiência Estática

↑ Confiança ou

↓ Oportunismo

Compromissos Críveis (ativos

específicos)

COORDENAÇÃO a) Quase-renda b) Assimetrias c) Incentivos d) Monitoração e) Outras

Eficiência Dinâmica

INOVAÇÕES (lato sensu)

Capacitações/ /Competências

e Ativos Complementares

↑ APRENDIZADO

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Supõe-se que as firmas cooperam porque, procedendo dessa maneira,aumentam suas chances de obter vantagens competitivas (ou ampliar as exis-tentes). Para isso, levam em consideração vários fatores, que podem ser agru-pados em duas categorias:27

- eficiência dinâmica - considera-se que as firmas cooperam em busca,em última instância, de inovações. A cooperação interfirmas é entendidacomo uma estratégia que visa, a partir de complexos processos de apren-dizado, à aglutinação e ao desenvolvimento de capacitações/competên-cias complementares, permitindo, juntamente com a presença de ativoscomplementares, maiores oportunidades de aprendizado conjunto e re-forçando mutuamente a capacidade de geração de inovações e decompetitividade dos integrantes de um arranjo cooperativo. Vale ressaltarque inovação, aqui, é definida no sentido schumpeteriano do termo (latosensu). Assim, a própria busca de economia de custos de transaçãopode-se tornar uma “inovação organizacional”, transformando-se de efici-ência estática em eficiência dinâmica. Isso pode ocorrer, por exemplo,pela própria característica de criação de valor dos ativos específicos, ouna resolução de problemas relacionados com a coordenação da coopera-ção;28

- eficiência estática - inclui questões relativas à coordenação dos arranjos(sob a forma de economia de custos de transação) e à economia decustos de produção (por exemplo, economias de escala e de escopo).Parte-se do princípio de que uma teoria dos contratos permite lidar comagentes que usam contratos (formais ou informais) para superar proble-mas causados pela presença de racionalidade limitada, oportunismo eincerteza, comuns nas economias capitalistas. Assim, questões impor-tantes referentes à coordenação dos agentes, como a repartição da qua-se-renda gerada, os diversos tipos de assimetrias (de informação,capacitação, poder, tamanho, etc.), incentivos, monitoração, compor-tamentos, etc., podem ser tratadas e ter dimensionadas suas implica-ções em termos da eficiência dos arranjos cooperativos.

27 Conforme pode ser notado na Figura 4, as questões da eficiência e da coordenação foramreorganizadas, separando-as em eficiências dinâmica e estática, apenas para se visualizarmelhor a cooperação como fonte de vantagem competitiva.

28 Neste último caso, Ménard (1996), em estudo sobre a cadeia produtiva da indústria defrangos francesa, ilustra como isso pode ocorrer. O autor mostra que a instituição da“sociedade classificadora”, que visava economizar custos de transação no relacionamen-to entre os agentes, alterou completamente a estrutura e o desempenho da indústria emquestão.

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Como visto, essas questões estão relacionadas com a noção de “modo deadaptação”. Isso significa uma abordagem mais completa de como os contra-tos evoluem no tempo, levando a uma análise dinâmica dos mesmos, principal-mente quanto à forma como são criados e recriados ativos específicos (talfato, inclusive, podendo se revelar uma inovação organizacional) e como isso énegociado entre os parceiros no decorrer da relação de cooperação, com vistasà criação de vantagens competitivas.

Por último, não pode ser esquecida a importância dos custos de produção,que é mantida nessa visão “redefinida” da abordagem de Williamson, a partir daTeoria dos Jogos (Dyer, 1997; Parkhe, 1993) ). Assim, ao escolher a forma degovernança “cooperação” para a realização de suas atividades, a firma sabe queo tamanho de suas economias de escala e de escopo se alterará,29 em compa-ração com “fazer internamente” ou por meio dos mercados. Portanto, continuavalendo, no caso desse esquema teórico, a taxa de substituição entre custos detransação e produção do modelo standard de Williamson (1985).

Do exposto até aqui, conclui-se que uma visão abrangente da cooperaçãointerfirmas implica uma avaliação da eficiência total de um arranjo cooperativo.Levar em conta requisitos de eficiência dinâmica (o aprendizado, as capacitaçõese competências, as inovações lato sensu, etc.), juntamente com os requisitosde eficiência estática (as economias de custos de transação e produção), signi-fica uma análise abrangente da possibilidade de geração (ou de ampliação) devantagens competitivas das empresas de um arranjo cooperativo. Com isso, oesquema sugerido acima, centrado na obtenção de vantagens competitivas,abre um caminho interessante de pesquisa, por representar, de forma análoga àanálise clássica de M. Porter (1989) — ele divide as causas da vantagem com-petitiva basicamente naquelas relativas a custos e à diferenciação —, umatentativa de identificar as principais razões para o sucesso ou o fracasso dosacordos de cooperação no processo de concorrência.

Esta análise, essencialmente partindo da firma individual, é útil tambémporque pode ser vista como uma espécie de “microfundamentação” da análiseda cooperação a partir da noção de “rede de firmas”. Ou seja, pode-se sugerirque uma maior organização teórica no nível da firma, como proposto nestetrabalho, permite entender melhor o modus operandi de cada tipo de rede, nosentido de se tentar explicar o que possuem em comum os diferentes tipos decooperação, seja uma rede de subcontratação japonesa, seja um distrito industrialna Itália, seja uma aliança estratégica entre empresas norte-americanas debiotecnologia.

29 Tanto as internas como as externas. Neste último caso, pode-se, por exemplo, incluir oJust-in-Time compartilhado pelas firmas que participam de uma rede de subcontratação.

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Outra conclusão importante é que, na cooperação voltada para a inovação,mesmo no caso de o potencial inovativo do arranjo não se realizar — e não hánenhuma possibilidade de se garantir isso a princípio —, a eficiência e acompetitividade do mesmo acabam sendo decididas por meio de requisitosestáticos de eficiência. Com isso, mostra-se também como a busca da eficiên-cia estática pode ser integrada (inclusive no sentido de poder tornar-se dinâ-mica) a uma abordagem na qual a firma, em muitos casos, obtém vantagenscompetitivas predominantemente por meio de inovações, como nos setores demais alto dinamismo tecnológico. Assim, o esquema acima proposto permite aanálise de redes inovativas (como distritos industriais, alianças estratégicas eredes de fornecedores) e também de outros tipos de cooperação, não tão com-plexos. Ou seja, o esquema proposto é suficientemente flexível para levar emconta os diferentes graus de eficiência dinâmica e estática, que são decisivospara a busca de vantagens competitivas em cada setor industrial.

Por exemplo, o franchising e a terceirização pura e simples podem seranalisados pelo esquema teórico acima delineado, bastando, para isso, despre-zar-se a parte de eficiência dinâmica do mesmo, já que esses tipos de coopera-ção não costumam ser inovativos (nem no sentido organizacional). Procedendodessa forma, tem-se, de forma aproximada, o modelo de Williamson (com asredefinições feitas a partir da Teoria dos Jogos), autor que vem analisando taistipos de acordo mais simples em vários de seus textos — por exemplo, Williamson(1985; 1996).

É importante também ressaltar que trabalhos sobre cooperação na linhaproposta por este artigo, de integrar diferentes visões teóricas, já vêm sendorealizados. Mas ainda falta aprofundar uma abordagem do tema que leve emconta, ao mesmo tempo, a importância da eficiência dinâmica e estática e, nocampo da estabilidade necessária a qualquer tipo de acordo, uma abordagemcontratual abrangente (que inclua elementos da Teoria dos Custos de Transaçãoe da Teoria dos Jogos). Atualmente, o máximo que se pode encontrar seguindoessa orientação teórica são trabalhos como os de Dyer (1997) e Parkhe (1993),que integram a Teoria dos Jogos e a dos Custos de Transação, e os de autorescomo Langlois e Robertson (1995) e Pisano (1990), que integram Custos deTransação e Capacitações Dinâmicas.

Pisano, por exemplo, em seu texto de 1990, examina de que maneira fon-tes de custos de transação, como questões relacionadas com apropriabilidade,podem afetar as escolhas de firmas estabelecidas entre fontes internas e exter-nas de P&D, quando mudanças tecnológicas alteram o locus da especializaçãoem P&D das firmas estabelecidas para as entrantes, e as empresasestabelecidas têm que enfrentar uma decisão de make-or-buy para projetos emP&D. Utilizando dados sobre projetos de P&D em biotecnologia que grandes

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companhias farmacêuticas têm realizado, os resultados do estudo de Pisanosugerem que problemas de custos de transação motivam as firmas ainternalizarem o P&D (Pisano, 1990).

Mas contribuições como essas não esgotam as possibilidades de análiseque a integração entre Capacitações Dinâmicas, Custos de Transação e Teoriados Jogos pode apresentar. Portanto, há muito por avançar aqui, tanto em ter-mos teóricos como de pesquisa empírica. Um avanço fundamental, sem dúvi-da, surgirá com novos desenvolvimentos na área de mensuração de ativos in-tangíveis. Como visto, o esquema acima proposto ressalta a importância devários tipos de ativos para a busca de vantagens competitivas por meio dacooperação, sejam ativos específicos, complementares, sejam ativos relacio-nados com a inovação (aprendizado, P&D, capacitações, etc.), que, pelo menosno caso destes últimos, se revelam ativos essencialmente intangíveis. Comisso, o esquema proposto já teria um grande potencial de aplicação empírica, setodos esses ativos fossem mensuráveis. Mas, infelizmente, constata-se que,enquanto, no caso dos ativos específicos, já existem tentativas de mensuração(Dyer, 1997), no caso de ativos intangíveis, como os acima mencionados, aindahá muito por fazer tanto no que se refere à ciência econômica (Freeman, 1994)como também em outra área do conhecimento diretamente interessada nessetipo de mensuração, a contabilidade (Schmidt; Santos, 2002).

Porém, mesmo ainda sem os avanços sugeridos, o esquema teórico aci-ma proposto já se revela útil para uma análise das deficiências dos diversosenfoques existentes atualmente sobre cooperação interfirmas. Pelo menos trêsexemplos podem ser apresentados nesse sentido:

a) com o esquema acima proposto sobre cooperação e juntamente comuma análise da evolução recente do fenômeno, pode-se olhar com maiscuidado abordagens de autores que tentam mostrar que o capitalismoestaria entrando atualmente numa fase “mais cooperativa”, como sãoos casos de Best (1990), que trata de uma “new competition”, ou Dunning(1998), que fala no surgimento de um “alliance”, ou mesmo “collaborative”capitalism. Para este último autor, por exemplo, a característica distin-tiva do alliance capitalism é a crescente extensão para a qual, a fim deatingir seus respectivos objetivos, os principais atores no processo debusca de ampliação da riqueza estão colaborando mais ativamente epropositadamente com os concorrentes (Dunning, 1998). Porém sabe--se que, em muitos setores, a onda de novos acordos em rede é consi-derada um fenômeno transitório de adaptação à difusão das novastecnologias genéricas, e, quando as firmas se tornam mais familiarescom essas tecnologias, elas tendem a mudar as áreas estrategicamen-te sensíveis sob o seu controle, para internalizar algumas das redes

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que agora são objeto de arranjos cooperativos. Ou seja, em tais setores,essa onda de novos acordos pode ser passageira (Teece, 1988). Alémdisso, é notório que o processo de globalização dos mercados vividoatualmente altera as condições concorrenciais em muitos setores, re-querendo, com isso, a divisão de esforços em busca do sucesso com-petitivo. Portanto, o aumento do número de acordos de cooperação, emmuitos casos, pode ser decorrência do acirramento da concorrênciavivido atualmente. Assim, numa visão da cooperação como subordina-da à busca de vantagens competitivas por parte das firmas, como é adeste trabalho, seria melhor falar que, em alguns setores industriais, ocapitalismo se encontra atualmente mais “concorrencial” e, por isso,mais “cooperativo”;

b) nota-se também que autores importantes vêem a cooperação como umassunto no qual “[...] a contribuição dos economistas é vital, mas quenão pode ser deixada somente aos economistas, por causa de muitasquestões sutis de natureza política e sociológica, em relação tanto comredes formais como informais” (Freeman, 1991, p. 512). Considera-se,por exemplo, que relações pessoais de confiança mútua (e, algumasvezes, de respeito e obrigação) são importantes tanto no nível formalcomo no informal, e, por essa razão, fatores culturais, tais como lingua-gem, educação, lealdades regionais, ideologias e experiências compar-tilhadas, continuam a desempenhar um importante papel nas redes.Assim, “[...] uma apreciação desses fatores sociológicos em redes for-mais e informais é um complemento necessário para explicações‘econômicas’ mais restritas e ajuda de forma significativa a entender aimportância das redes regionais, a proximidade geográfica e os ‘siste-mas nacionais de inovação’” (Freeman, 1991, p. 503). É importante res-saltar que não se está aqui negando a importância de tentativas deintegração com abordagens de outras áreas do conhecimento. O pro-blema dessa estratégia é que, em muitos casos, ela pode significar oabandono de tentativas de se entender a cooperação com instrumen-tais teóricos que a própria ciência econômica vem oferecendo. Ou seja,pode levar a uma subutilização dos recursos de que essa ciência dis-põe para explicar o fenômeno, como, por exemplo, a integração de vi-sões teóricas complementares, como as tratadas no presente artigo.Além disso, em muitos casos, tal estratégia pode significar simples-mente o abandono de tentativas de incorporar princípios teóricoseconômicos à análise. É o caso, por exemplo, da utilização de umconceito oriundo da Sociologia, o de embeddedness. Autores comoGrabher (1993, p. 23) consideram que o embeddedness social em re-

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des de firmas regionais é percebido como a maior razão para sua incon-testável responsabilidade e habilidade para gerar inovações incrementais(nas grandes inovações, o autor considera que o seu papel não é claro).O problema de análises como essa é que, ao mesmo tempo em queressaltam o embeddedness, se mostram bastante críticas no sentidode se incorporarem elementos teóricos da abordagem dos Custos deTransação no estudo da cooperação interfirmas — é o caso específicodesse texto de Grabher (1993) —, o que acaba prejudicando a análiseda eficiência de um arranjo desse tipo e de sua capacidade de geraçãode vantagens competitivas;

c) analisando as várias vertentes teóricas que estudam a cooperaçãointerfirmas na ciência econômica a partir do esquema teórico acimaproposto, verifica-se algum tipo de deficiência em praticamente todaselas. Um exemplo significativo refere-se à abordagem dos Custos deTransação e suas limitações na análise das formas híbridas de organi-zação econômica, devido ao seu foco centrado na economia de custos.Como visto, essas formas híbridas, tal como as joint ventures, sãoanalisadas meramente em termos comparativos com outras formas degovernança (mercados e hierarquias), no contexto das decisões makeor buy. Conseqüentemente, o aspecto de custo (de transação) das for-mas híbridas é superestimado, e a perspectiva de longo prazo dos im-pactos estratégicos sobre relações verticais e horizontais entre com-panhias é, em grande parte, negligenciada. Ver também Hagedoorn eSchakenraad (1990). Podem ser incluídas também nessa perspectivada cooperação análises que procuram integrar elementos da aborda-gem dos Custos de Transação com a Teoria dos Jogos, como nos ca-sos de Parkhe (1993) e Dyer (1997), que não enfatizam aspectos impor-tantes da mudança tecnológica. Por outro lado, no que se refere à abor-dagem das capacitações dinâmicas, nota-se que aspectos importan-tes da coordenação de arranjos cooperativos, como a distribuição daquase-renda gerada, a questão dos incentivos, da monitoração, os vá-rios tipos de assimetrias existentes (de tamanho, poder, capacitação,informação), etc., ainda não encontraram tentativas abrangentes de ex-plicação em teorias da firma neo-schumpeterianas de modo geral(Brousseau, 1996). Essa corrente teórica, apesar de levar em conside-ração a importância das instituições para a explicação das economiascapitalistas — Dosi e Orsenigo (1988) por exemplo —, no caso maisespecífico da instituição “contratos”, ainda precisa avançar bastante.Embora certos autores até estudem algumas questões contratuais — éo caso de Teece (1988) e Pisano (1990) — não se chega a nada que se

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aproxime de uma teoria dos contratos. Além disso, alguns dos integran-tes dessa corrente teórica se mostram bastante críticos de abordagenscontratuais como a de Williamson, sendo esse o caso de Freeman (1991),de Grabher (1993), de DeBresson e Amesse (1991) e de Lundvall (1988;1993).30

Todos esses exemplos mostram a utilidade que a integração teórica pro-posta neste artigo pode ter na busca do aprimoramento do debate sobre coope-ração interfirmas. Mas existem problemas teóricos e metodológicos a seremsuperados aqui. Muito se tem mencionado na literatura pertinente sobre a possi-bilidade de integração entre as abordagens das Capacitações Dinâmicas e dosCustos de Transação, e autores como Foss (1994), Brousseau (1993; 1996),Pondé (1993; 2000), Nooteboom (1992), Langlois (1992), etc. procuram mostrara existência de uma certa compatibilidade teórica e metodológica entre essasduas abordagens da firma.

Brousseau (1996), por exemplo, reconhecendo que uma união entre asduas abordagens é problemática, propõe uma “fertilização cruzada” entre ambas.Isto porque a abordagem dos Custos de Transação é baseada numa visãosuperficial da natureza do processo de seleção e das conseqüências do apren-dizado, enquanto a das Capacitações Dinâmicas não aprofunda a questão dasinstituições, notadamente as relacionadas com contratos. Como resultado, odesenvolvimento analítico de cada uma dessas duas teorias parece implicar umcerto nível de integração. E tal integração analítica é possível, dado que asduas teorias são construídas com alguns pressupostos básicos comuns, comoas questões da racionalidade limitada e da incerteza.

Para Foss (1994), por sua vez, a economia dos Custos de Transação deWilliamson pode ser reconstruída como um programa de pesquisa lakatosiano,como também a economia evolucionária, sendo os hard cores a racionalidadelimitada/oportunismo e a racionalidade processual respectivamente. Os “cinturõesprotetores” consistiriam em, por exemplo, teorias sobre vários graus deespecificidade dos ativos influenciando a organização econômica (dados o opor-tunismo e a racionalidade limitada) no que se refere ao caso dos Custos deTransação; ou de como a intensidade do processo de “busca” influencia a estru-tura de mercado no caso evolucionário (Foss, 1994).

Assim, tal integração seria importante, no mínimo, para se aumentar opotencial explicativo das duas teorias da firma para várias questões, sendo aestratégia cooperação interfirmas uma delas. O elevado volume de pesquisas

30 No caso de Lundvall, no seu texto de 1993, a crítica à abordagem dos Custos de Transaçãojá fica clara no título do artigo.

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de ambas as visões teóricas sobre o tema demonstra — inclusive com tentati-vas de integração, como é evidente nos trabalhos de Pisano, (1990) e de Langloise Robertson (1995) — a importância de esforços nesse sentido. E, no caso daabordagem dos Custos de Transação, não esquecendo, nesse processo deintegração, da utilização da Teoria dos Jogos, que, como visto nos artigos deDyer (1977) e Parkhe (1993), se mostra fundamental para um melhor entendi-mento por parte dessa abordagem da firma de como os contratos evoluem notempo, num arranjo cooperativo.

Em conclusão, este artigo procura mostrar que, no estágio atual de pesqui-sa, não há a possibilidade de surgimento de uma teoria unificada da cooperaçãointerfirmas, que inclua, de forma abrangente, questões relacionadas tanto coma coordenação como com a eficiência dos arranjos cooperativos.31 Porém, mesmocom a presença das dificuldades relacionadas com os problemas teóricose metodológicos acima mencionados, pode-se afirmar que o esquema teóricoproposto neste artigo — longe de pretender esgotar o assunto — se revela umprimeiro passo para que o tema cooperação interfirmas possa vir a ter, em breve,pelo menos um status teórico parecido com o que John Dunning (1993) propôspara o tema “multinacionais”: o de um “paradigma teórico”.

Partindo do princípio de que uma simples teoria não seria capaz de expli-car as muitas questões que envolvem o comportamento e o desempenho dasempresas multinacionais (o que também foi constatado neste texto a respeitodo tema cooperação interfirmas), Dunning (1993) propôs um paradigma (por eledenominado “paradigma eclético”) que inclui visões teóricas, que, a princípio,seriam difíceis de ser integradas, mas que, no seu conjunto, se vêm mostrandoúteis para o entendimento de várias questões importantes sobre aquele tipo deempresa.

O artigo procura mostrar, ainda, que, no caso da cooperação interfirmas,um tema de reconhecida complexidade, tal procedimento de se construir um

31 Note-se que este artigo se está restringindo apenas ao âmbito da firma e abstraindo ques-tões importantes relacionadas à dimensão “rede de firmas” da cooperação, como asrelacionadas com o seu modus operandi e com o padrão de concorrência e a trajetóriatecnológica do(s) setor(es) no(s) qual(is) a cooperação ocorre. É interessante notar queum trabalho que discute, de forma detalhada, questões como essas, o de Britto (1999), nãose dedica à discussão de alguns aspectos centrais sobre a firma que coopera, como osabordados aqui (é o caso, por exemplo, de questões que precisam da integração entre ateoria dos Custos de Transação e a Teoria dos Jogos). Essas constatações, antes derevelarem qualquer limitação analítica do presente artigo ou do trabalho de Britto, eviden-ciam, de forma clara, o caráter complexo do tema cooperação interfirmas, cuja plenaexplicação mais se assemelha à montagem de um “quebra-cabeça” que requer extremocuidado na escolha das “peças”.

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paradigma teórico pode ter o mesmo êxito alcançado por Dunning (1993) nadiscussão sobre as diversas questões relacionadas com o tema das empresasmultinacionais. As várias tentativas de integração teórica mencionadas ao lon-go do texto exemplificam esforços bem-sucedidos, inclusive em termos de apli-cação empírica, nessa direção.

Como visto, os principais textos das diversas correntes anteriormente apre-sentadas foram escritos, em alguns casos, há mais de 10 anos, o que revelauma certa estagnação no surgimento de idéias para explicar a cooperação. Eisso apesar da relevância que o tema continua a apresentar, fato facilmenteverificável tanto em termos acadêmicos (Hagedoorn, 2002), como também pelapresença constante no noticiário econômico dos jornais. Isso tudo sugere que opróximo passo para se avançar na explicação da cooperação interfirmas podeser a construção de um paradigma teórico (ou seja, montar o “quebra-cabeça”).Foi assim com o tema multinacionais e pode também ser com a questão dacooperação interfirmas. Tal paradigma, conforme o esquema teórico apresenta-do procurou mostrar, pode ser útil para, pelo menos, se organizarem melhor osdiversos enfoques e as tentativas de integração teórica que já vêm sendo feitas.

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Economia clássica e novo-clássica versusKeynes e pós-keynesianos: um debate

ontológico*

Bruno Moretti** Doutorando do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Sociologia da Universidade de BrasíliaMarcos T. C. Lélis*** Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

ResumoNeste artigo, tem-se por objetivo defender o argumento de que o debate Keynese pós-keynesianos “versus” (neo)clássicos e novos-clássicos remete aconsiderações ontológicas, isto é, à convenção sobre qual a natureza do sistemaeconômico a analisar, ainda que tal comprometimento não seja explícito, masresulte do modo como é formulada a teoria econômica. De um ponto de vistamais geral, afirma-se que todo método da ciência pressupõe uma ontologia eque, portanto, a ciência deve afirmá-la explicitamente — uma investigação arespeito da natureza de seu objeto, para a qual se valerá do realismo crítico,corrente que afirma uma ontologia específica para o domínio social, esboçandosuas relações com Keynes e os pós-keynesianos.

Palavras-chaveKeynes; novo-clássica; ontologia.

* Artigo recebido em 18 out. 2004 e aceito para publicação em dez. 2006.

** E-mail: [email protected]

*** E-mail: [email protected] Os autores agradecem ao colega Carlos Aguedo Nagel Paiva os comentários apresenta-

dos com respeito a este trabalho. Valem as observações habituais quanto a erros e pro- blemas que porventura persistam, os quais são de inteira responsabilidade dos autores.

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AbstractThe purpose of the paper is to defend the argument that the controversy Keynesand pós-keynesian versus (neo)classical and new classical goes by in ontology’sforeword, that is, the convention about the nature of the economic system inanalysis. Notwithstanding this committal doesn’t be explicit, it comes from theway the economic theory is formulated. From a more general point of view, allscience method predicate one ontology and, therefore, the science must includeclearly one ontology — investigation about the object’s nature, for this we utilizethe critical realism, school that expose the specific ontology for the socialdominion, sketching its relation with Keynes and the pós-keynesian.

Key words

Keynes; new classical; ontology.

Classificação JEL: E12, B41.

Introdução

Não constitui qualquer novidade a hegemonia de que desfrutam as teoriasde inspiração neoclássica no interior da Economia. Se os economistasheterodoxos são aqueles que buscam construções teóricas, fundadas em outrosprincípios — que não os do mainstream — que possibilitem explicações diversaspara as causas dos fenômenos econômicos —, se esperam que suas críticaspossuam alguma validade cognitiva, então, necessariamente, eles têm quepretender que estas sejam mais realistas, isto é, que representem a realida-de — o sistema econômico — de modo mais acurado. Entretanto, se esse é ocaso, o debate entre economistas ortodoxos e heterodoxos deve, em certamedida, migrar para o campo da ontologia, isto é, para o debate sobre aspropriedades dos sistemas econômicos, seus modos de ser e de se reproduzir,bem como sobre o papel dos agires e das escolhas humanas. Em outros termos,deve estar subjacente às análises heterodoxas o fato de que seu objeto deestudo — categorias, conexões, elementos, etc. econômicos — possui existênciaobjetiva, independente das teorias que buscam sua apreensão. Dessa maneira,

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indagar sobre tais propriedades parece uma condição de possibilidade para asconstruções teóricas heterodoxas. No caso da Economia, essas indagaçõessão ainda mais relevantes: se as tradições teóricas subentendem determinadométodo e formato para as leis científicas, então é porque se vindica, emboraimplicitamente, que o objeto possua determinadas propriedades, em razão dasquais são cognoscíveis ao modo requerido. Isto é, toda tradição teórica pressupõeum método; todo método requer uma ontologia. No caso da Economia, a ontologiasubentendida ampara construções teóricas em nome das quais se aplicampolíticas, se reproduzem instituições, etc., com efeitos sobre a vida econômicae social. Logo, se a hegemonia de determinada tradição teórica implica apredominância de determinada ontologia, à qual estão predicados, por exemplo,resultados, predições, explicações e, conseqüentemente, derivações políticasdas teorias, então, negligenciar a ontologia constitui grave equívoco para aquelesque pretendem formular construções teóricas alternativas.

Nessa perspectiva, procurar-se-á apresentar o realismo crítico, corrente dafilosofia da ciência que busca oferecer uma ontologia para as ciências queinvestigam objetos do domínio social (inclusive do domínio econômico). Nessesentido, investigar-se-ão as conexões entre uma construção teórica particularno interior da heterodoxia econômica — a de Keynes e dos pós-keynesianos —e o realismo crítico. Antes, entretanto, será elaborada uma síntese da Economianovo-clássica, bem como de seus pressupostos ontológicos, com base na qualse demonstrará que o debate entre pós-keynesianos e a Economia novo-clássica,assim como entre Keynes e a Economia clássica1, se desloca para o campoontológico. Finalmente, deve-se salientar que, visto que o interesse aqui residena afirmação da necessidade do debate ontológico para a ciência econômica,não há, no artigo, uma caracterização completa sobre as escolas de pensamentoda Economia mencionadas. Apenas interessa sua caracterização em seus traçosmais gerais, para que se demonstre como o debate remete necessariamente àsconsiderações ontológicas.

1 Desde já, deve-se salientar que Keynes (1973) entende como Economia clássica a produçãoteórica de um conjunto de autores, que, segundo o próprio, investigam a economia enquantoum sistema no qual não existe o fenômeno do desemprego involuntário. Contudo é evidenteque há diferenças substantivas entre os autores que Keynes designa como clássicos,como, por exemplo, Pigou e Ricardo.

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O sistema econômico da Economia novo--clássica

A teoria novo-clássica surge no cenário do debate macroeconômico, nadécada de 70, na busca pela racionalização teórica do fenômeno, que data dessamesma época, da coexistência de inflação e estagnação em algumas economias.2

Segundo os formuladores da teoria, a racionalização teórica da referidacoexistência, se admitido o paradigma keynesiano, seria impossível, já queeste pressuporia uma Curva de Phillips negativamente inclinada a curto e alongo prazos, isto é, com um trade-off permanente entre inflação e desemprego.Por outro lado, ainda segundo a perspectiva novo-clássica, a teoria de formaçãode expectativas do monetarismo de Friedman (1968) deveria ser descartada esubstituída por outra supostamente mais consistente, a hipótese das expectativasracionais (HER), segundo a qual, em sua versão fraca, na formação deexpectativas sobre o futuro de uma variável, agentes econômicos racionaisfarão o melhor uso possível de toda informação disponível sobre os fatores que,em sua concepção, a determinam, de maneira que o valor esperado de umavariável não necessariamente seja função estável de seus valores pretéritos,como quer a teoria das expectativas adaptativas. Já a versão forte da HER,além de admitir a proposição anterior (a versão fraca), afirma que as expectativassubjetivas das variáveis econômicas coincidirão com suas expectativascondicionais objetivas (Snowdon, 1994, p. 190). Convém salientar que, subjacenteà HER, em qualquer das duas versões, se encontra a definição sobre o que sãoos sujeitos da economia: agentes maximizadores de funções-objetivo, querespondem, de forma ótima, às informações extraídas, do mundo.3 Assim, aHER pode ser apresentada de modo formal como segue:

onde é a expectativa da taxa de inflação de t; e represen-ta a esperança da taxa de inflação condicionada a um conjunto de informaçõesdisponíveis ao agente no tempo t - 1.

2 Para uma síntese teórica do debate macroeconômico no interior do qual emerge a economianovo-clássica, ver Ferrari (2003).

3 Adiante, será fundamental levar em consideração esse fato.

=

−1t

tet I

PEP (1)

( )1−tt IPERztP )(

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Há ainda mais duas hipóteses que caracterizam a teoria novo-clássica:(a) a economia está em contínuo market clearing, o que representa a vindicaçãode que os preços se ajustam instantaneamente, garantindo o contínuo equilíbriodo mercado, resultado, por sua vez, do comportamento dos agentes, maisprecisamente, da resposta ótima às suas percepções dos preços; e (b) as decisõesracionais tomadas pelos empresários e pelos trabalhadores refletem ocomportamento otimizador de sua parte, podendo ainda levar em conta o fatode que a oferta de trabalho (produção) pelos trabalhadores (empresários) érealizada com base em preços relativos. Por exemplo, se o salário real se encontramaior do que aquele compatível com o equilíbrio, trabalhadores ofertarão maistrabalho. Isto é, mudanças no nível de emprego são uma função da respostados trabalhadores a variações no salário real. A segunda versão da hipótese (b)requer que, se agentes erram suas expectativas de preços, o salário real varia,do que resulta mudança no nível de emprego e, conseqüentemente, de produto.Logo, diferenças entre o produto potencial e o efetivo são uma função dadiscrepância entre o nível de preços efetivos e o esperado. Compreende-seessa construção, alternativamente, como apresentada a seguir:4

Sendo o preço relativo da firma z no tempo t,a expressão

derivada da equação (1), especificada para z; é o produto dessa firma; , definido como o produto natural ou potencial da firma z (em equilíbrio ge-ral); e, por fim, é um parâmetro que relaciona variações nos preços e suaresposta na produção. Com efeito, a equação (2) deriva da idéia já caracterizadade que os agentes econômicos reagem a variações dos preços relativos. Alémdisso, transpondo a concepção da firma individual para a economia como umtodo, nota-se que, se o preço geral da economia for igual ao preço esperadopelos agentes econômicos, o produto total será igual ao produto potencial. Des-se modo, a Economia novo-clássica, embora incorpore a noção de que proces-sos econômicos são estocásticos, não se desvincula da estrutura determinísticaoriunda do que Keynes (1973) denominava Economia clássica.5

−=−

)()()( .

zt

tztntzt I

PEPYY γ (2)

RztP )(

)( zt

t

I

PE

4 Não é o escopo deste trabalho uma exposição completa da concepção novo-clássica sobreo comportamento da curva de oferta da economia. Para uma melhor compreensão dessamecânica, ver Lucas (1973).

5 Logo, as críticas que Keynes dirige à Economia clássica podem ser estendidas às constru-ções teóricas dos economistas novo-clássicos.

)(ztYntY

γ

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Portanto, caracteriza-se, com as observações até aqui feitas, a teorianovo-clássica em seus traços gerais. Contudo há que se salientar que essateoria subentende definições sobre o que são sistema econômico e seus agentese sobre como estes tomam decisões, etc. Nessa perspectiva, a economia, emessência, consistiria em indivíduos atômicos que respondem a estímulosotimizando uma função-utilidade com base em suas expectativas racionais,motivados pelas suas percepções do movimento das variáveis. Logo, agenteseconômicos são definidos como seres que processam informações, e não comoagentes que produzem os eventos, bem como suas funções de distribuição, doque se deriva que à ciência cabe produzir descrições, sob bases lógico-deduti-vas, dos comportamentos dos agentes como meros processadores de estímu-los. A rigor, o próprio sistema econômico não consistiria na ação intencional deindivíduos econômicos, mas na reação a condições, cuja produção não caberiaà Economia indagar. Com isso, o sistema econômico perde a característicadistintiva dos sistemas sociais: o fato de serem produzidos pelo ser humano epor suas escolhas, razão pela qual a subjetividade (e, com ela, as crenças, osjuízos de valor, etc. que informam as escolhas) fica velada.

Intensifica-se o banimento do papel do sujeito na construção do mundosocial, na Economia novo-clássica, com a admissão da validade da HER en-quanto teoria geral para a formulação de expectativas sobre as variáveiseconômicas. Na interpretação de Davidson (1982), agentes só acertam (na média)as distribuições de probabilidade objetivas dos eventos se essas mesmas dis-tribuições são ergódicas, o que pressuporia sua estacionariedade. Em outrostermos, a condição de possibilidade para que expectativas subjetivas sobreeventos coincidam com suas distribuições efetivas é que o conjunto de informa-ções disponíveis até o momento seja um “bom guia” para as distribuições futu-ras. Isto é, o presente deve ser uma representação razoável do futuro. Com isso,agentes econômicos não são os responsáveis pela produção do mundo social.Ao contrário, os agentes processam estímulos emanados pelo sistemaeconômico, aos quais respondem maximizando uma função-utilidade. As distri-buições de probabilidade do sistema econômico são exógenas aos agentes,tendo, em relação a eles, “vida própria”. O resultado, se o futuro jamais diferequalitativamente do presente, é sempre a reprodução das distribuições vigentesdos eventos. O mundo social é imutável. A ação humana é sempre aquela quereproduz o existente, sendo o domínio social caracterizado pela ubiqüidade deregularidades empíricas, razão pela qual fica suprimida, a priori, a escolhahumana.

Em conseqüência, um traço fundamental da Economia novo-clássica, ain-da que não definido explicitamente por seus formuladores, é a representação dosistema econômico subjacente a suas hipóteses, a seus resultados e a suas

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leis. Se realmente a vida econômica para os novos-clássicos é caracterizadapela ausência do poder real de escolha, de subjetividade, pela repetição inces-sante do presente, etc., então, a crítica heterodoxa deve salientar não apenasmétodos, leis e resultados alternativos, mas, fundamentalmente, uma represen-tação mais realista do sistema econômico, que contemple a abertura do mundosocial, isto é, o fato de que, se o mundo social é produzido por sujeitos compoder real de escolha, então, o futuro, em geral, traz o “novo” como resultadodas ações, restituindo-se aos agentes a “competência” pela produção do sistemaeconômico. Se os críticos da Economia ortodoxa (aqui, em particular, da Eco-nomia novo-clássica) realmente devem se ater a uma ciência que subentendauma outra visão do que seja a vida econômica, então, são fundamentais para odesenvolvimento da Economia heterodoxa as perspectivas teóricas que bus-cam indagar sobre as características dos sistemas sociais, seu modo de fun-cionamento, seus elementos, bem como sobre sua articulação. E justamentenesse aspecto reside a vindicação da importância do realismo crítico, correnteda filosofia da ciência, para os debates entre os economistas heterodoxos. Oque segue é uma síntese do realismo crítico, sucedida da sua relevância, emparticular, para Keynes e para os pós-keynesianos (Lawson, 2003).

O realismo crítico e a crítica ontológica

O realismo crítico6 constitui-se fundamentalmente pela proposição de umaontologia (uma definição sobre o modo de ser, para os propósitos deste trabalho,do domínio social, em particular do econômico) sobre a qual a ciência(econômica) deve ser construída. Em outros termos, pode-se dizer que todaciência envolve um método e uma concepção de como são as leis científicas.Por outro lado, afirmar que leis têm determinada forma requer uma admissão,ainda que implícita, de que o objeto da ciência é de determinada natureza, demodo que pode ser conhecido à maneira requerida. A investigação sobre a natu-reza do objeto da ciência é designada, conforme afirmado, como ontologia.

O realismo crítico, por um lado, envolve “o desvelar” de qual mundo socialé pressuposto para que leis da ciência tenham a forma de regularidades empíricas,antiga demanda dos lógico-positivistas. Por outro, apresenta-se como umaontologia (tanto para o domínio natural quanto para o social) radicalmente opos-

6 Há muitos autores que vêm tratando do tema com variações, algumas vezes, substantivas.Salvo quando são dos outros autores, está-se aludindo basicamente aos escritos de TonyLawson (2003). Além disso, para uma síntese teórica do realismo crítico, ver Baert (1996).

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ta àquela pressuposta pelos mesmos. Na primeira dimensão — a crítica —, elese debruça sobre a vindicação de que leis da ciência têm a forma “uma vezevento x, então, evento y”, proposição interpretada da forma mais ampla: x podeser um ou mais eventos, enquanto a relação entre x e y pode ser determinísticaou probabilística. Se leis têm a forma de regularidades empíricas, então, a cau-sa dos fenômenos iguala-se à sucessão de eventos no tempo, motivo pelo qualo mundo (se se está tratando de leis da economia, pode-se dizer o sistemaeconômico) é entendido como um conjunto de eventos atomísticos, uma di-mensão plana na qual eventos ocorrem uns após os outros. No caso das ciênciasda sociedade, em particular a Economia, o acordo com a tese das regularidadesempíricas envolve ainda uma teoria social sobre o agir e a escolha humanos: seregularidades empíricas ocorrem na economia, isto é, se são válidas leis quepostulam determinada sucessão de eventos, então, os sujeitos devem agir paravalidar as leis. Sob condições x, os agentes necessariamente reagem com y, oque implica o compromisso com a tese de que os sujeitos são processadoresde estímulos, reproduzindo as regularidades empíricas que vigem no sistemaeconômico. Decorre disso, ainda por conta da admissão de leis como regularida-des empíricas, que o sistema econômico é imutável, já que os agentes jamaiso transformam, antes o ratificando pelas suas ações. Com isso, dá-se umaespécie de independência do sistema econômico frente aos agentes, que ape-nas reagem às condições por aquele postas.

Segundo Lawson (2003), o acordo com a tese das regularidades empíricasé generalizado na ciência econômica ortodoxa. Nesta, proposições da ciênciasó podem ser de dois tipos: ou são empíricas, ou são tautológicas. A rigor, ateoria consistiria na dedução de determinados resultados, uma vez estabelecidas(ao menos) uma lei geral (por exemplo, agentes maximizam sua utilidade) edeterminadas condições iniciais. Para se tomar a Economia novo-clássica, sen-do os agentes substantivamente racionais e valendo algumas condições iniciais(como a existência de informação imperfeita e aquelas já referidas, como marketclearing e a HER), a teoria deduz que, se os agentes são induzidos ao erro, porexemplo, sobre a inflação, haverá variação da oferta de trabalho numadeterminada direção; isto é, sob determinadas condições, deduzem-se, em baseslógico-dedutivas, o comportamento dos agentes e o resultado de sua interação.As teorias, “impregnadas” do empirismo do positivismo lógico, estão circunscri-tas a proposições tautológicas (deduções lógico-dedutivas) e empíricas (sobrecomportamentos dos agentes).7

7 Para maiores detalhes, ver Duayer, Medeiros e Painceira (2001).

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O realismo crítico apresenta uma ontologia em tudo oposta à subjacenteao positivismo lógico. Para o realismo crítico, o mundo social, em particular, éestruturado e não plano. A dimensão do empírico não pode esgotar o mundo. Háainda o domínio do efetivo (o dos eventos, independentemente de sua percep-ção) e o real, conjunto de estruturas, mecanismos, tendências e poderes so-ciais (transempíricos) generativos dos eventos. A especificidade dos sistemassociais reside em que os domínios da realidade não podem existir senão pelaação humana. Por outro lado, essa ação pressupõe a existência objetiva dessedomínio, razão pela qual o conjunto de mecanismos, estruturas, etc. pode serinterpretado como possuindo o poder de favorecer determinados fenômenos.Entretanto, dada a complexidade do mundo social, a existência de múltiplasforças torna o mundo aberto, isto é, sem resultados determinísticos, razão sufi-ciente para que se recuse a existência de regularidades empíricas. Leis na ciên-cia seriam proposições sobre o poder de determinados mecanismos e estrutu-ras causarem efeitos, que podem, ou não, se efetivar, já que a multiplicidade deforças pode cancelar determinados eventos.

Resulta dessa concepção que teorias da Economia não devem ser descar-tadas por testes empíricos. Se leis denotam a existência real de determinadasestruturas, não necessariamente estas se manifestam a todo tempo, já que aeconomia é compreendida como uma totalidade complexa, composta de tantosoutros complexos, muitas vezes antitéticos. O resultado da interação dessescomplexos é sempre indeterminado, ainda que seja possível à Economia desig-nar tendências. A reprodução desses complexos não pode ser independentedos atos humanos e de suas escolhas, amparadas nesses mesmos comple-xos. Para dar exemplos triviais, não pode haver troca sem um sistema monetá-rio, não pode haver produção sem relações de produção, bem como não se falana ausência de uma linguagem. Entretanto deve-se observar que a fala, a troca,a produção, etc. não são estabelecidas a priori, em razão de sua possibilidadedever-se à existência de determinados mecanismos e estruturas. Estes apenasas possibilitam, entretanto a escolha dos agentes é sempre real; isto é, emgeral, há sempre múltiplas possibilidades que se põem aos agentes. Suas esco-lhas, por sua vez, repercutem sobre a reprodução dos complexos sociais, moti-vo pelo qual podem transformá-los. Logo, a Economia é composta de açõeshumanas que reproduzem e transformam mecanismos, estruturas e podereseconômicos transempíricos; por outro lado, esses mesmos mecanismos, estru-turas e poderes são as condições reais das ações. Sua existência real nãoimplica uma economia estática, dada de uma vez por todas. Pelo contrário,como sua existência pressupõe a ação e a escolha humanas, então, sua repro-dução é sempre processual, com mutações ao longo do tempo, razão pela qual

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jamais o conhecimento do presente pode representar uma condição suficientepara previsões sobre o futuro econômico.

Os pós-keynesianos, Keynes e o realismocrítico

Por mais evidentes que sejam as relações entre o realismo crítico e aEconomia heterodoxa, é preciso explicitá-las. Em particular, tratar-se-á dos pós--keynesianos e do próprio Keynes, ainda que algumas das vindicações dosautores contemplados possam coincidir com as de outras correntes da Econo-mia heterodoxa.

Logo no primeiro capítulo da Teoria Geral, Keynes (1985), referindo-seaos dois postulados fundamentais da teoria clássica do emprego — (a) o salárioé igual ao produto marginal do trabalho e (b) a utilidade do salário, quando seemprega determinado volume de trabalho, é igual à desutilidade marginal dotrabalho —, questiona:

Será verdade que as categorias anteriores abrangem todo o problema,considerando que, de modo geral, a população raramente encontra tantoemprego quanto desejaria ao salário corrente? Deve-se, pois, admitir que,se fosse maior a procura de mão-de-obra, maior quantidade de trabalhoseria oferecida ao nível do salário nominal vigente. A escola clássica conciliaeste fenômeno com seu segundo postulado, argumentando que, se aprocura de mão-de-obra ao salário nominal vigente se acha satisfeita antesde estarem empregadas todas as pessoas desejosas de trabalhar emtroca dele, isso se deve a um acordo declarado ou tácito entre os operáriosde não trabalharem por menos, e que, se todos eles admitissem umaredução dos salários nominais, maior seria o volume de emprego atendido.Sendo este o caso, tal desemprego, embora aparentemente involuntário,não o seria estritamente falando, devendo incluir-se na categoria dodesemprego “voluntário”, em virtude dos efeitos dos contratos coletivosde trabalho, etc. (Keynes, 1985, p. 19).

Sob tal ótica, o desemprego involuntário não é um fenômeno típico daseconomias com propriedade privada. O desemprego só pode existir devido àdisposição dos trabalhadores de só trabalharem por um salário maior. Portanto,só pode ser desemprego voluntário.8 É justamente contra essa concepção queKeynes (1973) dirige suas críticas. Para a teoria clássica, empresários e traba-

8 É claro que a teoria clássica chega a esse resultado pressupondo preços e salários flexíveis.

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lhadores, ao decidirem, respectivamente, quanto investem e quanto oferecemde trabalho, estão olhando para a quantidade de bens que recebem em troca. Nocaso do trabalho, sua remuneração deve equivaler à desutilidade marginal dotrabalho. Com preços plenamente flexíveis, os salários sempre se ajustam deforma a se manterem no nível de equilíbrio, que preenche as condições para quehaja pleno emprego de fatores.

Então, a teoria clássica pressupõe uma economia na qual o nível de em-prego é definido no mercado de trabalho. Se o salário real está no nível deequilíbrio, então, oferta e demanda de trabalho são iguais, com conseqüenteequilíbrio no mercado de bens. Isto é, a um determinado salário real, os empre-sários contratam certa quantidade de mão-de-obra, gerando um nível de produ-ção que iguala oferta e demanda de bens. Como conciliar esse modo de operardescrito pela teoria clássica, que, salvo rigidez nos preços, resulta em equilíbrioe pleno emprego de fatores, com a constatação de que, nessa economia, asdecisões são tomadas de maneira não planejada? O modo de conciliar os doispassa pelo estabelecimento de uma economia que Keynes (1973) denominaempresarial neutra9, na qual as decisões são tomadas de forma privada, mas háum mecanismo que garante, no agregado, a equivalência entre o valor de trocadas rendas monetárias dos fatores de produção e a proporção da produçãoagregada relativa ao fator, no caso de ser esta uma economia que opere deforma centralizada, isto é, uma economia cooperativa. Destarte, haveria igual-dade entre a renda auferida pelos fatores de produção e os custos da produção.Portanto, a oferta agregada determinaria a demanda agregada. Para Keynes(1973), esse seria um caso limite da economia, que verdadeiramente funcionapor decisões privadas de empresários que investem determinada soma monetá-ria em busca, ao fim do processo, de uma soma maior de dinheiro. No entanto,“[…] a teoria clássica, como exemplificado na tradição do professor Ricardo atéMarshall e o professor Pigou, parece presumir que as condições para uma eco-nomia neutra são, em geral, substancialmente satisfeitas” (Keynes, 1973, p. 79).Com a premissa de que essas condições estão geralmente presentes, a econo-mia caracteriza-se pelo “axioma dos reais”, segundo o qual os agentes econômicostomam suas decisões com base em bens, descanso, esforço, etc., e a moedanão importa (Davidson, 2003, p. 18). Os valores efetivamente importantes sãoos reais, por exemplo, a taxa de juros real (determinada pela tecnologia) e ossalários reais (com base nestes, os trabalhadores tomam suas decisões de

9 E aqui se salienta novamente que, na concepção de Keynes, a Economia clássica é consti-tuída por aqueles autores que compreendem a economia como economia empresarial neutra.

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oferta de trabalho). A moeda, pois, é neutra. Políticas de demanda não têmefeitos reais, apenas nominais.

A crítica de Keynes (1973) às posições da teoria clássica necessaria-mente suscita indagações ontológicas, já que se dirige à visão de economiacompartilhada pela teoria clássica. Keynes pretende demonstrar a absurdidadedessa concepção, substituindo-a por uma outra forma de entendimento dessaeconomia. A autoridade da crítica adviria do caráter mais realista de suateorização.10 Esse caráter da crítica estaria indicado já quando Keynes (1973)aponta como ponto de partida da teoria clássica o entendimento da economiacomo empresarial neutra, na qual pressupostos válidos para um caso limite sãogeneralizados. Para Keynes, tal generalização não procede, visto que, na eco-nomia “em que vivemos” — a economia monetária de produção —, as deci-sões de produção são tomadas de forma privada, não havendo qualquer meca-nismo que garanta automaticamente a determinação da demanda agregada pelaoferta agregada. Portanto, o nível de produção não pode ser determinado nomercado de trabalho, mas através dos gastos que os capitalistas realizam, que,por sua vez, são uma função de suas expectativas em termos de possibilidadesde realização da produção e de obtenção, ao fim do processo, de uma somamonetária superior à inicial. O nível de produto é determinado pela demandaefetiva, cuja magnitude de forma alguma equivale, a priori, ao produto potencialde pleno emprego.

O princípio da demanda efetiva sustenta que o nível de emprego e rendada comunidade é determinado pelas decisões de gastos dos capitalistas,que (dado o estoque de equipamento) são tomadas a partir de avaliaçõesefetuadas isoladamente por cada empresário sobre as quantidades queantecipam vender a um determinado preço (de oferta). O conjunto dasdecisões de gasto determina em cada momento qual será o nível de rendada comunidade. Portanto o que os empresários estão decidindo gastaragora na produção de bens de consumo e de bens de investimento será arenda da comunidade (Almeida; Belluzzo, 2002, p. 65).

Nessa economia em que as decisões de produção têm de ser tomadaslevando em conta um futuro estatisticamente imprevisível (futuro aberto e incer-to), é perfeitamente inteligível a posição de reter moeda, ao invés de investir emativos reais, que resultaria em uma demanda efetiva inferior ao produto poten-cial (correspondente ao pleno emprego de fatores de produção). Logo, diante deum futuro incerto, os contratos emergem como redutores dessa incerteza, ser-vindo como base sobre a qual podem ser calculadas as rentabilidades futuras

10 Ao longo do texto, ficará mais clara a relação da crítica de Keynes à teoria clássica com areivindicação de um maior realismo nas construções teóricas keynesianas.

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(Carvalho, 1994, p. 42). E à moeda cabe o papel de unidade que possibilite oscálculos. Por conseguinte, no curto e no longo prazo, a moeda é essencial,diferentemente do que prescreve a teoria clássica (e, em particular, para a teorianovo-clássica). Keynes (1985) tentou estabelecer um vínculo entre o papel damoeda, a incerteza e o desemprego.11 Diante da incerteza, Keynes (1985) cita apossibilidade de se demandar moeda como reserva de valor, isto é, de os agen-tes exercerem sua preferência pela liquidez, que significa justamente a propen-são a reter ativos líquidos, sobretudo moeda. A demanda por segurança aumen-ta, na medida em que as expectativas com relação ao futuro se tornam piores.12

A preferência por liquidez tem um papel importante na determinação da taxa dejuros monetária, já que a demanda por moeda se altera em sua função. Porém,se a preferência pela liquidez altera a taxa de juros, ela pode repercutir tambémsobre o investimento e, portanto, sobre a demanda efetiva.

Desaparece, dessa maneira, a dicotomia clássica entre o lado real e omonetário (e a causa não reside na rigidez de preços). Os dois pólos estãorelacionados via taxa de juros e, em parte, pela preferência pela liquidez. Amoeda não é neutra, bem como a economia não tende, no longo prazo, para umestado de equilíbrio walrasiano. A moeda não constitui mero meio de circulaçãode mercadorias. Pelo contrário, numa economia monetária de produção, ela ser-ve como reserva de valor, devido ao fato de que o futuro não pode ser previsto,isto é, de que há incerteza (irredutível a risco). Logo, se à moeda é conferido umoutro papel, muda o significado da eficácia da política monetária. Na perspecti-va de Keynes, a política monetária expansiva busca fazer a riqueza deslocar-seda esfera financeira para a esfera real (Carvalho, 1994, p. 43). As variações noestoque de moeda têm efeitos sobre a taxa de juros dos ativos líquidos, produ-zindo mudanças nas carteiras dos investidores, que deslocarão parcela maiorde sua demanda para ativos reprodutíveis, com efeitos sobre a renda e o empre-go. A eficácia da política monetária dependerá do comportamento dos bancos(sua preferência pela liquidez), que, com o aumento de suas reservas, podemcomprar ativos do setor privado, consolidando a eficácia das políticas. Não há,

11 Em outros termos, pode-se afirmar que Keynes busca conectar o lado real e o lado finan-ceiro da economia.

12 “Preferência pela liquidez é sinônimo de propensão por reter ativos líquidos, especialmentea moeda. Keynes argumentou que o futuro econômico é incerto, no sentido que não podeser conhecido com antecedência nem ser estatisticamente prognosticado por meio detábulas de probabilidades. Quando as expectativas são pessimistas, os agentes deman-dam segurança no presente para enfrentar o futuro incerto. Keynes mostrou que a moedaé o ativo mais seguro, aquele capaz de acalmar nossas inquietudes em relação ao futurodesconhecido e imprevisível [...] quanto mais incerto é considerado o futuro, maior é apreferência pela liquidez no presente” (Sicsú, 1999, p. 93).

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nessa perspectiva, qualquer alusão à neutralidade da moeda, que só pode serrequerida numa economia centralizada ou numa economia com propriedade pri-vada, com um mecanismo de supressão da incerteza, mas não numa economiaempresarial.

Vê-se, pois, que o traço fundamental da economia empresarial diz respei-to ao caráter aberto do futuro e, portanto, à incerteza no que se refere aosacontecimentos que podem estar por vir. Desse modo, não há qualquer tendên-cia, seja no curto, seja no longo prazo, para um estado de equilíbrio walrasiano,no qual vale a neutralidade da moeda, a dicotomia monetário versus real, opleno emprego, etc. Nessas condições, correspondentes ao equilíbrio geralwalrasiano, não há a possibilidade de alguma função para moeda senão a demera facilitadora de trocas. Não há, pois, possibilidade de retenção de moedacomo comportamento derivado da incerteza com relação ao futuro. Em outraspalavras, os agentes podem prever, de forma razoavelmente acurada, osfenômenos futuros. No entanto, se isso ocorre, necessariamente distribuiçõesde probabilidade de eventos no presente constituem o guia adequado para aprevisão das distribuições de probabilidade para o futuro — esse é o axioma daergodicidade.

Em um mundo ergódico, as observações de uma especificação dedeterminada série temporal, isto é, dados históricos, são informações úteissobre a distribuição de probabilidades de um universo de especificaçõesque existe em qualquer ponto de tempo, como hoje; e esses dados são,ainda, informações úteis sobre a futura distribuição de probabilidades doseventos. Conseqüentemente, ao estudar cientificamente o passado comose tivesse sido gerado em condições ergódicas, os eventos presentes efuturos podem ser previstos em termos de probabilidade estatística.(Davidson, 2003, p. 22).

Com essas observações, retorna-se ao objetivo último do tópico: as rela-ções entre realismo crítico e Keynes e os pós-keynesianos. Numa economiacomo a concebida (ainda que implicitamente) pela teoria que Keynes (1973)denomina “clássica” (e, é claro, tais críticas valem para os economistas novos--clássicos), a ausência de incerteza leva a uma possibilidade de tratar o futuronos moldes do presente. Torna-se nítida a relação entre essa teoria e a tese dasregularidades empíricas. Num ambiente de incerteza, é claro que não valem leisque signifiquem conjunções constantes de eventos. Em outras palavras, umavez que o futuro é aberto, existem várias possibilidades que, na terminologiados realistas críticos, podem ser tomadas como tendências derivadas da parti-cular constituição estrutural da economia. O realismo crítico denomina retroduçãoo método segundo o qual, dos fenômenos observados, se descobrem condi-ções de possibilidades para que esses fenômenos existam; isto é, as estruturase os mecanismos que devem existir para que determinados comportamentos

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sejam observados. Keynes (1973), ao tratar de uma economia na qual predo-mina a incerteza, isto é, a imprevisibilidade ontológica de determinados fenô-menos, com todas as repercussões relativas a políticas econômicas, de algumaforma, está utilizando-se do método em questão, já que busca explicar qual a“racionalidade” do comportamento baseado na incerteza, isto é, quais mecanis-mos vigentes na economia (monetária de produção) possibilitam determinadotipo de comportamento (reter moeda como reserva de valor, em particular), que,por sua vez, repercute sobre o sistema econômico (a economia monetária deprodução) e sobre seus mecanismos e estruturas. Tal comportamento só é pos-sível numa economia monetária de produção, forma particular de estruturaçãoda economia, na qual, por conta de a produção social decorrer de ações priva-das movidas pelo lucro econômico, há incerteza relativa ao futuro, tendo comoconseqüência a preferência pela liquidez, a não-neutralidade da moeda, a possi-bilidade de desemprego, a realização de políticas de demanda bem-sucedidas,etc. Porém leis são sempre tendências. Tendências, vale repetir, são possibilida-des que decorrem da existência de certos mecanismos e poderes sociais,irredutíveis ao empírico, às suas formas de manifestação. A questão é que taismecanismos só se reproduzem pela atividade humana. Como esta não é prede-terminada, mudanças nas estruturas também são possíveis. Logo, a econo-mia — suas estruturas e poderes — deve ser entendida como um processodinâmico, com tendências, porém sem uma direção prévia, ou, pode-se assimdizer, sem teleologia (por exemplo, uma tendência ao estado de pleno emprego).

A tese de Shackle das decisões cruciais13 está em pleno acordo com anoção realista crítica de escolha humana. Para Shackle (Crocco, 2002), decisõescruciais envolvem a mudança das distribuições de probabilidade existentesdecorrentes da própria escolha, o que é perfeitamente compatível com a noçãode ação humana como reprodutora e/ou transformadora de estruturas sociais.Se o que objetivamente existe pressupõe a atividade humana, então, pelo poderreal de escolha, o existente tem caráter dinâmico — muda a todo tempo. Aeconomia não é estática, não tende a um ponto no qual estaciona, também nãopossui um futuro dado a priori. O futuro (que, para os realistas críticos, se cons-titui no modo como as estruturas serão reproduzidas e/ou transformadas) éproduto das escolhas realizadas pelos agentes econômicos. Com efeito, elalhes é endógena. Uma tendência ao pleno emprego, ao equilíbrio geral walrasianono longo prazo, implica uma economia exógena aos agentes, já que sua açãoapenas leva a um futuro que já está dado. A rigor, não há escolhas. E é por essarazão que essa concepção é inconciliável com uma economia empresarial, na

13 Para maiores detalhes, ver Davidson (1982).

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qual há incerteza quanto ao futuro. Se não existe incerteza com relação aofuturo, é porque é possível deduzi-lo a partir das distribuições de probabilidadedos eventos presentes, o que implica uma economia estática, isto é, com dis-tribuições de probabilidade que não mudam no tempo. Reforça-se o caráterexógeno da economia: a escolha humana não é efetiva, pois nada faz senãoreproduzir um futuro dado. Em particular, pós-keynesianos consideram a possi-bilidade de várias taxas de desemprego associadas a vários estados de expec-tativas e de preferência pela liquidez. Por outro lado, as políticas de demandabuscam alterar esses estados de expectativa, com possibilidade (ou não) desucesso. Não há qualquer determinismo, já que o futuro (incerto) resulta daobjetivação das ações humanas. Cada ponto associado às expectativas e àpreferência pela liquidez constitui uma possibilidade. É claro que o inversoocorre, por exemplo, com os defensores da taxa natural de desemprego, pois,nesse caso, necessariamente as ações humanas resultam nesse ponto, salvoerros de expectativas, que, se admitida a hipótese de expectativas racionais,não ocorrem com freqüência.14

Conclusão

Dessa forma, realismo crítico e Economia pós-keynesiana parecem terrelações importantes. Talvez, o maior mérito do realismo crítico seja o de explicitaras conseqüências ontológicas (ainda que implicitamente pressupostas) da for-ma como os economistas do mainstream tratam a economia, inclusive suascontradições. Por exemplo, a aceitação da tese das regularidades empíricas, ocaráter exógeno da economia e a necessidade, enquanto cientistas econômicos,de darem conta da escolha dos agentes. A partir da absurdidade desses pressu-postos, emerge o caráter propositivo do realismo crítico: leis como tendência,economia como conjunto de estruturas, mecanismos e poderes, agentes

14 “Na visão de Keynes e dos pós-keynesianos, é a presença da moeda desempenhando opapel do ativo mais seguro em uma economia com incerteza knightiana que pode explicara possibilidade de existência de diversos níveis de desemprego, cada um desses níveissendo capaz de persistir por longos períodos, até que haja uma modificação no estadoexpectacional da economia e/ou uma intervenção governamental. Diferentemente da eco-nomia novo-clássica, para Keynes e os pós-keynesianos não existe uma taxa única dedesemprego capaz de vigorar na ausência de erros expectacionais. A economia podealcançar infinitas posições de desemprego, cada uma correspondente a um estadoexpectacional que, por sua vez, está associado a um determinado estado de preferênciapela liquidez. A política monetária antidesemprego de inspiração keynesiana visa à altera-ção desses estados.” (Sicsú, 1997, p. 92).

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reprodutores das estruturas, futuro aberto, etc. Todos esses pontos parecemamparar uma visão de economia que considera o futuro incerto, um mundo nãoergódico, a existência de decisões cruciais e de preferência pela liquidez, anão-neutralidade da moeda no curto e no longo prazo, a inexistência dedicotomia entre o lado real e o monetário, a incerteza, etc. Logo, o debateentre pós-keynesianos e novos-clássicos naturalmente se desloca para o planoontológico. Neste, pós-keynesianos, críticos do irrealismo que caracteriza asteorias de inspiração neoclássica, podem sustentar (ontologicamente) suas pres-crições teóricas no realismo crítico, cujo foco reside em como caracterizar oobjeto das Ciências Sociais, inclusive Economia, isto é, que propriedades associedades (e economias) possuem para que possam se tornar objeto de nossoconhecimento. Em outras palavras, o objeto de análise reside na forma maisacurada de apreender, no pensamento, aspectos da realidade econômica, istoé, momentos do modo de funcionamento do sistema econômico. O movimentoinverso parece ser feito pelas teorias de inspiração neoclássica. A perguntafundamental dessa tradição seria: que características podemos imprimir aoobjeto para que ele se torne adequado às nossas teorias? Nesse particular, sãorelevantes as palavras de Carvalho (1994, p. 41):

O debate em torno da eficácia de instrumentos de política econômica sótem sentido quando se explicita o modelo de economia — seus agentes,seus móveis, suas regras — com que se trabalha. Não é possível derivarconclusões de validade geral sobre resultados ou implicações de políticasenão em relação a uma concepção definida de como é, na sua essência,a economia objeto da política econômica. A nova economia clássica, porexemplo, deriva seus polêmicos resultados não de características darealidade, cuja descrição é inevitavelmente ambígua, mas da forma peculiarcomo interpreta os postulados que definem uma determinada visão demundo e, em particular, de sua visão de que economias capitalistas podemser concebidas como sistemas de equilíbrio geral, onde a posição deequilíbrio existe, é única e estável.

Por fim, a passagem citada expressa que o debate Keynes e pós--keynesianos versus clássicos e novos-clássicos não pode escapar às indaga-ções ontológicas, isto é, às reflexões sobre o modo como é tratada a naturezado objeto — a própria vida econômica (suas estruturas, seus mecanismos, suasrelações, etc.) — fundamentalmente ligada a tomadas de posições no campodas políticas. Entretanto, assinalado o caráter ontológico da crítica keynesianaao mainstream da Economia — verdadeira ilustração de como as questõesontológicas estão presentes nos debates da Economia —, não resulta daí oesgotamento do debate no interior da tradição heterodoxa, caracterizado poruma diversidade de posições, que não constitui o tema deste trabalho.

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Economia política do moderno sistemamundial: as contribuiçõesde Wallerstein, Braudel

e Arrighi*

Wagner Leal Arienti** Professor do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)Felipe Amin Filomeno*** Mestre em Economia e Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Economia Política dos Sistemas-Mundo da UFSC

ResumoO primeiro objetivo do trabalho é modesto, o segundo é ambicioso. O objetivomodesto é apresentar as principais contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighipara a abordagem do moderno sistema mundial. O sistema capitalista mundialcomo unidade de análise e os conceitos de economia-mundo e sistema interestatalsão contribuições de Wallerstein. Fernand Braudel, além da contribuiçãometodológica da noção de longa duração, enriquece a análise com o esquematripartido, que permite a articulação diferenciada do capitalismo com a econo-mia de mercado e com as estruturas do cotidiano. O conceito de ciclo sistêmicode acumulação, proposto por Arrighi, permite analisar a história do sistema mun-dial com diferenças qualitativas ao longo do tempo. Uma tentativa de síntese daabordagem do moderno sistema mundial é apresentada no final do trabalho.Finalmente, o objetivo ambicioso é estimular análises críticas sobre o capitalis-mo contemporâneo baseadas nessa abordagem.

* Artigo recebido em dez. 2004 e aceito para publicação em jun. 2006.

** E-mail: [email protected]

*** E-mail: [email protected] Os autores agradecem a todos que participaram do grupo de estudo do Labor e da disci-

plina Capitalismo e História, da área de concentração Transformações do Capitalismo Contemporâneo, do Mestrado em Economia da UFSC. A contribuição de todos pode ser percebida ao longo do texto. Os erros e omissões porventura existentes também podem ser percebidos, mas são de responsabilidade dos autores.

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Palavras-chaveEconomia-mundo capitalista; sistema interestatal; ciclo sistêmico deacumulação.

AbstractThe paper has two aims, the first is modest and the other is ambitious. The firstobjective is to introduce the main contributions of Wallerstein, Braudel and Arrighiin the formation of the World-System Approach as a research program. Thenotion of world capitalist system as unit of analysis and world-economy andinter-state system as basic elements of world-system are all Wallerstein´scontributions (section 2 and 3). The tripartide scheme is a main contribution ofBraudel to world system analysis (section 4). Arrighi´s proposal to analyse thehistory of capitalism through the concept of systemic accumulation cycle is alsoa major contribution, section 5. A summing up of World-System Approach ispresented in the section 6. Finally, the ambitious aim is to stimulate both thestudy of critical theories of development and analysis on contemporary capitalismbased on World-System Approach.

Key wordsCapitalist world-economy; inter-state system; systemic accumulation cycle.

Classificação JEL: B25.

1 Introdução

A proposta deste trabalho é, ao mesmo tempo, modesta e ambiciosa.Modesta, porque tem o objetivo de fazer uma introdução da abordagem domoderno sistema mundial, com a apresentação dos principais elementosmetodológicos e teóricos orientadores das análises históricas da mesma. Ahipótese do trabalho é que as contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighipodem ser encadeadas para formar o núcleo duro dessa abordagem, encaradacomo um programa de pesquisa de teorias e análises críticas ao desenvolvimentodo capitalismo. O trabalho não tem a pretensão de fazer um histórico das

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proposições dos diversos autores que contribuíram para essa abordagem,1 nemrecapitular a controvérsia com o marxismo ortodoxo,2 como no debate entreprodutivistas e circulacionistas.3 Acredita-se que a seleção das contribuiçõesdesses autores seja um passo inicial para apresentar o potencial de análisedessa abordagem, não somente para análises históricas da formação do sistemacapitalista, como as dos autores selecionados, mas também para análises dodesenvolvimento contemporâneo. O destaque dado aos conceitos deve-se àproposição de que a abordagem do moderno sistema mundial tem um arcabouçoteórico-analítico para explicar tanto a acumulação primitiva e sua apropriaçãodesigual na formação da economia capitalista mundial quanto a acumulaçãodiferenciada do excedente nos ciclos de expansão capitalista, inclusive em suafase contemporânea. A proposta ambiciosa é que este trabalho incentive aretomada de estudos de teorias críticas do desenvolvimento capitalista e deformulação de análises históricas que lidem com o contemporâneo em umaperspectiva sistêmica e de longa duração. O conhecimento da abordagem dosistema capitalista mundial pode ser um primeiro passo.

Este trabalho vai na contramão do método de apresentação utilizado pelosautores resenhados. O objetivo deles era fazer uma análise da formação e dodesenvolvimento do capitalismo como sistema mundial. A apresentação deudestaque à análise histórica. O caráter inovador de suas análises estava em serorientado por novos métodos e conceitos sobre o capitalismo. Por exemplo, paraWallerstein (1979, p. 489), “[…] o teorizar não é uma atividade separada daanálise dos dados empíricos. As análises só podem ser feitas em termos deproposições e esquemas teóricos”. Braudel (1995, v. 1, p. 13) é avesso àteorização a priori e a seus conceitos orientadores, como o esquema tripartido;para ele, esse “[…] tornou-se o índice de referência de uma obra que eudeliberadamente concebera à margem da teoria, de todas as teorias,exclusivamente sob o signo da observação concreta e da história comparada”.Arrighi (1996, p. 37) considera que segue o método de Philip McMichael de“comparação incorporada”. Os conceitos propostos “não são presumidos, masconstruídos, factual e teoricamente”. Isso ilustra que as análises eram orientadaspor novos conceitos, que procuravam reunir consistentemente as evidências

1 Isso implicou fazer exclusões e cometer injustiças, principalmente sobre autores que deramcontribuições, primeiro, para a Teoria da Dependência e, posteriormente, para a análise dosistema-mundo. Dentre esses autores, devem ser destacados André Gunder Frank e RuiMauro Marini. Para um conhecimento das contribuições desses autores, ver Blomstrom eHettne (1985), Larrain (1989), Kay (1989), Palma (1978) e Santos (2000).

2 Essa crítica está em Brenner (1977).3 Uma discussão dessa controvérsia está em Blomstrom e Hettne (1985, cap. 8).

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em uma nova interpretação da história do capitalismo. O método de apresenta-ção era a análise histórica, sendo que os conceitos eram apresentados conjun-tamente com a análise e, por vezes, não explicitados. De acordo com o objetivodo presente trabalho, o método utilizado é o de apresentação dos principaisconceitos, a partir da contribuição dos autores, sem haver a intenção de reproduzira análise histórica.

As seções seguintes perseguem o modesto objetivo do trabalho. A seção2 apresenta a definição do sistema mundial como objeto de estudo da mudançasocial, como proposto originalmente por Wallerstein. Na seção 3, sãoapresentados os principais conceitos auxiliares que permitem a análise dofuncionamento da economia-mundo capitalista e do sistema interestatal,elementos que compõem o sistema mundial. A contribuição de Braudel é oesquema tripartido da economia, o qual é apresentado na seção 4. O conceitode ciclo sistêmico de acumulação, contribuição de Arrighi, é apresentado naseção 5. Uma tentativa de resumo e síntese da abordagem do sistema capitalistamundial é feita na seção 6.

2 A definição do sistema mundial como uni- dade de análise: a primeira contribuição de Wallerstein

Os conceitos de moderno sistema mundial, economia-mundo capitalista esistema interestatal surgem no bojo de uma nova abordagem sobre a história docapitalismo, que emergiu em meados dos anos 70 do século XX, com a publicaçãodo artigo seminal The Rise and Future Demise of the World Capitalist System:Concepts for Comparative Analysis4 e do volume The Modern World-SystemI: Capitalist Agriculture and the Origins of the European World-Economy inthe Sixteenth Century, ambos de autoria de Immanuel Wallerstein. 5

O objetivo declarado era analisar a mudança social em sua totalidade.Essa pretensão implicava definir um sistema social que superasse a dicotomia

4 Republicado em Wallerstein (2000).5 Wallerstein (1979) utiliza essas noções na análise histórica da origem do capitalismo euro-

peu, embora apresente-as, rapidamente, em um pequeno capítulo introdutório. Posteriormen-te, elas foram expostas com maior clareza em Wallerstein (1991), especialmente no Capítulo10, The Inventions of Time Space Realities: Towards an Understanding of ourHistorical System (p. 135-148), e no Capítulo 17, Historical System as Complex System(p. 229-236).

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fatores internos e externos na explicação de sua dinâmica. Centro e periferiadeveriam ser conceitos dentro de um mesmo sistema. Em uma análise sistêmica,os elementos estão em interdepedência, não havendo sentido em considerarelementos autônomos, de um lado, e elementos dependentes, de outro. Essaera uma crítica à Teoria da Dependência que a unidade de análise proposta porWallerstein (1979) procurou superar.

Na análise de Wallerstein (1979), o foco é a formação histórica do sistemacapitalista a partir da expansão do capitalismo europeu no século XVI, comintegração de novos territórios como partes de seu sistema. Como primeiracontribuição, será vista a definição do sistema-mundo capitalista como unidadede análise; como segunda contribuição, a teoria do desenvolvimento desigualque orienta a análise histórica.

Os sistemas sociais são sistemas históricos complexos. São complexospor consistirem em múltiplas estruturas: cada um deles representa uma redeintegrada de processos econômicos, políticos e culturais, que, de um lado, têmdinâmica própria e potencial de diferenciação e, de outro, relações entre processose estruturas que os mantêm unidos. Wallerstein (1979) inova ao propor que ocaráter orgânico que permite unidade a esses processos e estruturas é a divisãodo trabalho, que, no capitalismo, ultrapassa barreiras locais dadas pelas estruturasculturais e barreiras nacionais dadas pelas estruturas políticas.6

Seguindo na caracterização de sua unidade de análise, Wallerstein (1991)define que os sistemas sociais podem ser de dois tipos: minissistemas ousistemas-mundo. Os minissistemas dizem respeito a economias tribaisintegradas através da reciprocidade e que envolvem uma única divisão de trabalhoefetiva, uma única entidade política e uma única cultura. Para Wallerstein (1991,cap.17), os minissistemas que existiram até agora foram absorvidos pelaexpansão de sistemas-mundo. Atualmente, portanto, os únicos sistemas sociaispossíveis são os sistemas-mundo. Um sistema-mundo, como qualquer sistemasocial, é definido como uma unidade espaço-temporal, cujo horizonte espacial éco-extensivo a uma divisão de trabalho que possibilita a reprodução materialdesse “mundo”. Sua dinâmica é movida por forças internas, e sua expansãoabsorve áreas externas e integra-as ao organismo em expansão. Sua abrangênciaespacial, determinada pela sua base econômica-material, engloba uma ou maisentidades políticas e comporta múltiplos sistemas culturais. No caso queinteressa, o sistema-mundo capitalista reúne uma economia-mundo capitalistae um conjunto de Estados nacionais em um sistema interestatal com múltiplasculturas.

6 A tipologia de Wallerstein assemelha-se aos três modos básicos de organização econômicapropostos por Karl Polanyi (2000) — recíproco, redistributivo e de mercado —, quecorrespondem, respectivamente, a minissistemas, impérios-mundo e economias-mundo.

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A auto-reprodução material e a larga abrangência espacial fazem esse tipode sistema social parecer, em si, um “mundo”, no sentido de que é maior do quea jurisdição territorial de um Estado nacional, daí o nome “sistema-mundo”. Éum “mundo” no sentido de que tem sua reprodução material viabilizada dentro deseus próprios limites, mas, no início da sua expansão, como no caso docapitalismo, era apenas um fragmento do universo que ocupava uma parte doglobo. A relevância da definição do sistema-mundo como unidade de análiseestá em sua referência para interpretar o capitalismo histórico como um sistemasurgido na Europa, a partir do longo século XVI, que expandiu sua organizaçãosocial do trabalho para as demais regiões geográficas e as integrou em suaeconomia.

Nesse ponto, apresenta-se, de forma mais clara, a crítica de Wallerstein(1979) às abordagens que utilizam o Estado nacional (ou a economia nacional)como unidade de análise. Como se viu, ele propôs que a unidade de análiseutilizada deve abranger toda uma divisão de trabalho. Na história da expansãodo capitalismo, os interesses de acumulação organizaram uma divisão mundialdo trabalho, superando uma divisão local do trabalho típica das economias detrocas não sistemáticas. O comércio comandado pelo interesse do capital nãodeve ser visto como comércio internacional unindo economias nacionaisautônomas, que soberanamente decidem ter mais ou menos comércio com outraseconomias nacionais, mas, sim, como comércio mundial que organiza umadivisão mundial do trabalho de acordo com os interesses capitalistas de lucromonopolista e acumulação incessante de capital e que, com essa forçaunificadora, reúne regiões com política e cultura diferenciadas. Logo, a unidadede análise apropriada para a compreensão das transformações do mundo modernoé o sistema-mundo (o moderno sistema-mundo, como será visto adiante), istoé, um sistema complexo, com múltiplas estruturas, mas com uma unidadeorgânica determinada pela divisão de trabalho organizada por interessescapitalistas, e histórico, que ocorreu a partir da modernidade do longo séculoXVI e que passou por vários ciclos e mudanças qualitativas.

Afirmou-se, acima, que um sistema-mundo pode abranger uma ou maisentidades políticas, podendo transcender suas fronteiras. Nesse sentido,Wallerstein (1991) divide os sistemas-mundo em dois tipos: impérios-mundo eeconomias-mundo. Os impérios-mundo envolvem dois ou mais gruposculturalmente distintos, que dependem de um sistema de governo único, vinculadoà elite de um centro, que mantém limites geopolíticos específicos, dentro dosquais controla a divisão do trabalho e estabelece a apropriação forçada deexcedente, através de uma redistribuição de tributos feita por burocracia eexército extensos.

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Uma economia-mundo, ao contrário, é constituída por uma divisão de tra-balho integrada através do mercado e não por uma entidade política central.Nesse tipo de sistema social, duas ou mais regiões cultural e politicamentedistintas são interdependentes economicamente. Assim, há uma unidadeeconômica dada pela divisão do trabalho, por isso uma economia-mundo, e nãohá uma unidade política central, por isso não é um império-mundo e sim umsistema interestatal, como se verá adiante.

As economias-mundo, segundo a análise de Wallerstein (1979), tendiam,historicamente, a ser dominadas por uma única unidade política e a serincorporadas em impérios-mundo. A economia-mundo capitalista, no entanto,apresentou-se como uma força superior a essa tendência. “Os impérios políticossão meios primitivos de dominação econômica.” (Wallerstein, 1979, p. 3). “Oque faz o capitalismo é oferecer uma fonte alternativa e mais lucrativa deapropriação do excedente (ao menos mais lucrativa no longo prazo).” (Wallerstein,1979, p. 25). Estão aí postos novos conceitos para Wallerstein fazer sua análisehistórica da mudança social no capitalismo. O moderno sistema-mundo é, pordefinição do autor, uma economia-mundo capitalista combinada com múltiplosEstados nacionais, que, juntos, formam o sistema interestatal.

3 A economia-mundo capitalista e o sistema interestatal: a segunda contribuição de Wallerstein

Como colocado acima, o capitalismo expandiu-se territorialmente paraintegrar novas áreas sob seu domínio. Essa expansão realizou-se por meio decapitais respaldados pelos Estados nacionais. Paralelamente à formação daeconomia-mundo capitalista, havia também a manutenção e o acirramento darivalidade entre os Estados nacionais, não mais movidos apenas pela pilhagemou pela conquista territorial para arrecadação de tributos, como era esperado naexpansão de um império, mas para apoiar os seus capitais, organizar uma divisãodo trabalho mais ampla, garantir condições de monopólio para seus capitais e,com isso, gerar maiores rendas e arrecadar tributos. A economia-mundo capitalistae o sistema interestatal formaram o moderno sistema mundial. Os conceitosque enriquecem a análise da formação histórica das duas faces do sistemamundial serão vistos nas próximas subseções.7

7 Essas subseções seguem os conceitos destacados por Goldfrank (2000).

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3.1 A economia-mundo capitalista

O caráter que dá unidade à economia-mundo é, como visto acima, a divisãomundial do trabalho. Tem-se, assim, uma noção de divisão social do trabalhoque se importa não apenas com seu caráter funcional, mas também com suadimensão espacial. Essa extensão da análise aplica-se, inclusive, à distribuiçãoregional do produto que é gerado por essa divisão do trabalho. A teoria marxistaexplica a distribuição desigual do produto do trabalho entre classes sociais. Aabordagem do moderno sistema mundial capitalista estende essa preocupaçãoda divisão do produto para a distribuição desigual entre as regiões que participamda produção mundial. Há, assim, na produção e na distribuição do excedente dosistema-mundo capitalista, desigualdades sociais e regionais que se entrecruzam.Paralelamente à divisão social do trabalho, há também uma divisão mundial dotrabalho, com assimetrias na distribuição do excedente e, por isso, definindouma divisão axial do trabalho com capitais, concentrados espacialmente emregiões, conceituadas como centrais, como se verá a seguir, e apoiados porEstados nacionais, que absorvem o excedente não só gerado pelos seustrabalhadores, como na explicação marxista, mas também parcela do excedentegerado pelos trabalhadores concentrados em outras regiões, conceituadas comoperiféricas.

Novos conceitos são necessários para dar mais conteúdo para a divisãosocial e axial do trabalho que domina a economia-mundo capitalista, os quaissão apresentados a seguir.

As cadeias de mercadorias

Geralmente, estão relacionadas ao comércio de longa distância, que englobavárias regiões e perpassa fronteiras de territórios de Estados nacionais. Sãocadeias produtivas e comerciais que compõem a produção de mercadorias,desde a extração de suas matérias-primas — em geral, feita nas regiões deperiferia — até sua transformação em produtos de alto valor agregado,normalmente realizada no centro (a estrutura centro-periferia será apresentada aseguir).

Uma cadeia mercantil engloba as diversas etapas dos processos produtivoe comercial necessárias para a colocação de um produto final no mercado. Ovalor de uma dada mercadoria é gerado pelo trabalho realizado nos diversoselos da cadeia, como esperado em qualquer teoria do valor trabalho. A novidadeda análise está em considerar que a distribuição do valor não é feita de formaeqüitativa com o valor trabalho gerado em cada elo. Alguns capitalistas que

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controlam determinada etapa do processo produtivo e comercial recorrem a meiosdiversos para absorver o valor gerado em outros segmentos. A situação demonopólio em algum segmento da cadeia de mercadorias é um modo tradicionalde obter uma proporção mais larga do valor. Esse monopólio pode ocorrer porcausa de alguma vantagem tecnológica ou organizacional, tal como formuladopor Schumpeter (1982), ou graças a alguma restrição politicamente forçada daconcorrência.

O que se costuma chamar de mercantilismo, para Wallerstein (1979) foi oresultado da ação de capitalistas locais que usaram estruturas estatais paraorganizar o comércio de longa distância e, como corolário, formar uma divisãodo trabalho entre várias regiões da economia-mundo capitalista em expansão.Isso envolvia integrar novas regiões produtoras e consumidoras às cadeiasmercantis por eles lideradas, de modo a absorver grande parte do excedentegerado nessa cadeia. Para ter essa liderança, era necessário minar rivaiseconomicamente mais fortes, situados em outros Estados e que poderiam serconcorrentes. Era necessário estabelecer monopólios para garantir lucrosextraordinários, e, para isso, contaram com o apoio dos seus Estados nacionais.Em geral, os Estados nacionais, em busca de maior poder frente a seus cidadãose a outros Estados, procuraram garantir, para suas burguesias locais, o controlesobre as etapas mais rentáveis das cadeias de mercadorias (o que se relaciona,especialmente, com os conceitos de hegemonia e imperialismo expostos a seguir).

A relação centro-periferia

Baseia-se numa divisão axial do trabalho entre as várias regiões daeconomia-mundo capitalista, onde são desenvolvidas as etapas das cadeiasmercantis. Essa divisão do trabalho entre regiões é manipulada pelos Estadosnacionais mais fortes, de modo a garantir aos seus capitalistas locais o controlesobre as etapas dos processos produtivo e comercial que proporcionam a maiorabsorção do excedente gerado em uma cadeia mercantil. Essa assimetria nocontrole das atividades produtivas e comerciais entre burguesias nacionais écontinuamente reproduzida, na medida em que passa a operar uma força centrípetade concentração do excedente nas mãos da burguesia do centro, através demecanismos de troca desigual (explicados adiante), que tende a dar continuidadeà diferenciação entre as regiões. Vista dessa forma, a distribuição do excedentegerado numa cadeia mercantil é determinada não apenas pela distribuição desigualde vantagens econômicas (isto é, dotação desigual de fatores, diferençastecnológicas e organizacionais, como normalmente é tratado na teoria de comérciointernacional), mas, principalmente, pela relação de forças em que se confrontam

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as burguesias nacionais e seus respectivos Estados. O conceito centro-perife-ria explica a transferência de excedente gerado pela produção de determinadasatividades para outras atividades que fazem parte da cadeia mercantil e estãoconcentrados em uma dada região. Os capitais utilizam vários expedientesmonopolistas, sejam econômicos e/ou políticos, como o apoio de seu Estadonacional, para garantir a absorção da maior parte do valor gerado na cadeiamercantil.

Centro e periferia devem ser vistos mais como conceitos da economia--mundo capitalista do que como regiões geográficas, isto é, só têm significadoem uma análise sistêmica. Como um processo da economia-mundo capitalista,a divisão mundial do trabalho e a distribuição desigual do excedente geramatividades centrais e periféricas conforme a capacidade de a aliança capital eEstado absorver excedentes dos vários elos das cadeias mercantis, por meioseconômicos e extra-econômicos. Historicamente, capitalistas e Estadosorganizam o processo de produção mundial entre várias regiões geográficas, deforma que haja uma concentração de atividades monopolistas em determinadaregiões, tornando-as regiões centrais (que podem coincidir com territórios deEstados nacionais), e atividades sem condições de escapar da concorrência deseus competidores e da troca desigual dos monopolistas em outras regiões,tornando-as regiões periféricas (da mesma forma, podendo coincidir com territóriosnacionais ou mesmo continentais).8

A semiperiferia

A relação centro-periferia não é dicotômica; expressa, sim, um processocontínuo de atividades em elos da cadeia de mercadorias, que, conforme osmecanismos econômicos e políticos disponíveis, são capazes de absorver (oude transferir) valor das (ou para) atividades dos demais elos. Regiões queparticipam das cadeias mundiais de mercadorias podem ter, simultânea eparalelamente, atividades centrais e periféricas, ou atividades que absorvemvalor de atividades periféricas, de um lado, e transferem valor para atividadescentrais, de outro. Amplia-se, assim, a classificação que se pode fazer de zonasgeográficas da produção mundial, como os territórios dos Estados nacionais,

8 Para uma boa descrição da evolução e da diferenciação da noção de periferia, como propos-to por Prebisch, e sua nova conceituação na abordagem do sistema mundial, ver Wallerstein(1987).

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que podem ser classificadas, nesse continuum, como zonas centrais,semiperiféricas e periféricas.9

A troca desigual

Diz respeito aos mecanismos da divisão de trabalho entre centro e periferia,que resultam na transferência sistemática de excedente de atividades produtivasperiféricas para atividades centrais, gerando uma distribuição desigual do valorda produção mundial, o que provoca, por sua vez, uma diferenciação entre asunidades do sistema interestatal, na medida em que Estados nacionais sebeneficiam do maior excedente apropriado por suas burguesias locais, aoconcentrarem atividades centrais no seu território nacional.

Mecanismos econômicos e extra-econômicos são utilizados pelasburguesias e por seus Estados nacionais para distorcer o mercado a seu favor,através da manutenção de relações monopolistas. O capitalismo tem-se utilizadode vários meios para transferir excedente gerado na atividade periférica, ondeprevalece uma taxa de lucro baixa, para os capitais monopolistas, onde prevaleceuma taxa de lucro extraordinária dada pela troca desigual. Isso significa que oscapitalistas utilizam o mercado para fazer a circulação de mercadorias, masevitam que o mesmo os levem a uma concorrência e a uma troca pelo valorcorrespondente ao gerado exclusivamente pela sua participação produtiva nacadeia mercantil. Eles utilizam o mercado para fazer a troca desigual e paraabsorver o excedente gerado pelo trabalho em outros elos da cadeia de produçãode mercadorias. Para que a troca desigual não seja esporádica, como podeacontecer no mercado, os capitalistas têm que garantir seu monopólio de formamais protegida e duradoura em alianças com o Estado. Por isso, Arrighi (1996, p.25) coloca que, para desvendar os segredos do capitalismo histórico, é precisoentender não apenas o que se passa na esfera ruidosa e transparente da“economia de mercado”, mas também no “domicílio oculto”, onde o dono dodinheiro, isto é, o capitalista, se encontra com o dono do poder político.

9 Arrighi (1997) fez uma análise, classificando Estados nacionais nas categorias centro,semiperiferia e periferia. O interessante de sua análise está em mostrar como, em termosindividuais, Estados-nação podem mudar de classificação, se, nas várias cadeias de merca-dorias em que participam, concentrarem mais atividades centrais do que periféricas e, comesse movimento, se deslocarem, ao longo do tempo, de periferia para semiperiferia e parao centro. O estudo também mostra que esses deslocamentos individuais são raros e que hápersistente gap separando essas categorias ao longo do período 1938-83.

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A acumulação de capital

É o conceito marxista de utilização do excedente, que está na formamonetária, em capital, para voltar ao início do processo de geração de valor emais-valia de forma ampliada. A dinâmica do capitalismo está baseada, como étradicionalmente colocado pela análise marxista, na incessante acumulação decapital. Cabe mencionar que os autores da análise do sistema-mundo, comoWallerstein e Arrighi, utilizam mais o termo “excedente” do que “mais-valia”.Muito mais do que uma preferência semântica, está a opção em destacar que oexcedente, que é trabalho não pago ao trabalhador, é centralizado peloscapitalistas não apenas na relação capital-trabalho direta na produção tipicamentecapitalista, o que seria a mais-valia, mas de várias formas e por vários meiospelos capitalistas, o que inclui a troca desigual.

Na análise do moderno sistema mundial, o conceito de acumulação decapital é fundamental para dar o caráter capitalista à economia-mundo que estavaem formação a partir do século XVI, mas que ainda não se baseavapredominantemente na relação social de produção capitalista. Como colocadoacima, a acumulação de capital é considerada na sua forma mais geral e nãoespecializada, isto é, D - D’, como um valor procurando a sua multiplicação.

Como um processo que ocorre em escala mundial, a acumulação de capitaldeve ser entendida conjuntamente com a divisão desigual do excedente entrecentro e periferia. Envolve a apropriação do excedente extraído dos trabalhadorese dos produtores diretos do centro e da periferia, mas há também umatransferência de excedente da periferia para o centro, o que implica,historicamente, uma acumulação de capital mais concentrada no centro do quena periferia, de um lado, e uma maior exploração dos trabalhadores da periferiaem relação aos trabalhadores do centro, de outro. Isso permite entender apossibilidade de desenvolvimento desigual, porém combinado, entre centro eperiferia. Permite também entender não somente conflitos competitivos entreclasses, como previsto na teoria marxista, mas também entre regiões e entreEstados-nação, como proposto nessa visão de economia-mundo capitalista.

3.2 O sistema interestatal

Como colocado acima, o moderno sistema mundial é formado por umaeconomia-mundo capitalista combinada com múltiplas entidades políticas,formadas, principalmente, por Estados nacionais juridicamente soberanos. Osistema interestatal indica que não há nenhum Estado nacional com poder parafazer uma centralização política e estabelecer um império-mundo. Todavia cabe

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um importante papel para os Estados nacionais, em aliança com os capitaisbaseados em seu território, ao interferirem na divisão axial do trabalho daeconomia-mundo capitalista, com o intuito de trazerem atividades centrais parao seu domínio. Com uma concentração maior do excedente mundial em suasfronteiras, o Estado nacional pode garantir a reprodução de sua burocracia e deseus interesses políticos com a tributação sobre parte do excedente internalizado.

O sistema de Estados nacionais que atuam na economia-mundo capitalistatambém tem forças assimétricas, que permitem que Estados nacionais individuaisutilizem mecanismos políticos, diplomáticos e militares para concentrarematividades centrais captadoras da maior parte do excedente da produção mundialpara seus territórios. Estados com força para concentrar atividades centrais emseu território são também Estados com força no balanço de poder do sistemainterestatal e com influência na organização da economia mundial. As políticasestatais podem, portanto, afetar a relação centro-periferia da economia-mundo,mas a capacidade de um Estado individual está restringida pelo balanço deforças do sistema interestatal, em que, historicamente, há momentos dehegemonia de um Estado central e, em outros, rivalidade e disputa entre eles(Wallerstein, 1987, p. 554).

O sistema interestatal também precisa de conceitos adicionais para melhorexplicar seu funcionamento.

O imperialismo

Refere-se à dominação de regiões periféricas, onde as estruturas estataissão fracas ou inexistentes (Estados, colônias ou áreas externas), por parte deEstados centrais mais fortes. Decorre disso que, embora Estado nacional serefira comumente a jurisdições politicamente independentes, há uma diferençaentre a soberania de facto (real, limitada e relativa) e a soberania de jure (teórica)de um determinado Estado. Imperialismo abrange os vários meios econômicos,políticos e militares nas relações interestatais que promovem a transferência deexcedente para as regiões centrais.

A hegemonia

Para Wallerstein (1984, p. 38-39, apud Arrighi; Silver, 2001),

[...] a hegemonia no sistema interestatal refere-se à situação em que arivalidade permanente entre as chamadas grandes potências é tãodesequilibrada, que uma potência é realmente primus inter pares, ou seja,uma potência pode impor suas regras e desejos [...] nas arenas econômica,política, militar, diplomática e até cultural.

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Como esperado, na utilização do conceito gramsciano de hegemonia para arelação interestatal, a hegemonia de um Estado nacional deve garantir umarelação assimétrica entre centro e periferia, de tal forma que, de um lado, nãohaja contestações violentas nem por parte dos rivais do centro, nem pelosEstados periféricos e, de outro, que haja uma perspectiva, real ou ilusória, demelhoria por parte dos seus membros dentro da organização vigente do sistema.

Nas análises históricas feitas por Wallerstein (1979) e, principalmente, porArrighi (1996), as hegemonias têm uma dimensão temporal restrita. Seusurgimento é tipicamente precedido por guerras mundiais, e seu declínio estágeralmente associado ao aumento da luta de classes no seu interior, à difusãode suas vantagens técnicas e, por fim, ao aumento da rivalidade entre aspotências nacionais centrais e a uma disputa pela hegemonia. Há, historicamente,um processo cíclico de transição de hegemonias.

A luta de classes

É o conflito entre as classes sociais, tradicionalmente “trabalhadores” e“capitalistas”, decorrente da oposição de interesses econômicos e políticos. Éconsiderada pelo marxismo a principal força motriz da história e encarada, naabordagem do sistema-mundo, como um processo que ocorre em escala global,abrangendo toda a economia-mundo e atravessando os limites dos Estadosnacionais. A noção de economia-mundo capitalista abre espaço para umainterpretação mais ampla da luta de classes, não só ao considerá-la em escalamundial, mas ampliando-a para além de conflitos entre capitalistas e trabalhadoresassalariados dentro de uma jurisdição política, como o Estado nacional. Porexemplo, a idéia de que, numa cadeia mercantil, as partes mais rentáveis doprocesso produtivo e comercial se concentram nas mãos de uma burguesiaestrangeira, vinculada ao centro, coloca o capitalista da periferia numa situaçãode dualidade e o trabalhador em uma situação de superexploração10. O capitalistaem atividade periférica e integrado ao sistema mundial é, ao mesmo tempo,explorador e explorado, na medida em que parte do excedente que ele extrai deseus trabalhadores é transferida aos capitalistas do centro. Para garantir umataxa de lucro compatível com a sua sobrevivência no sistema, deve recorrer àsuperexploração dos seus trabalhadores, mesmo quando estão em uma relaçãode produção tipicamente capitalista.

10 A superexploração é um conceito formulado por Marini (2000), que pode ser aplicadoapropriadamente na abordagem do sistema mundial, apesar de Wallerstein, Braudel eArrighi não utilizarem esse conceito explicitamente.

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4 O esquema tripartido do sistema capitalista: a contribuição de Braudel

A abordagem do moderno sistema mundial incorpora o método da longaduração proposto por Braudel (1958) como referência para suas análises quetinham não só hipóteses inovadoras de interpretação histórica, mas, sobretudo,pretensões globalizantes e estruturantes no sentido de articular determinaçõesde várias estruturas na explicação da história do sistema.11 Cada estrutura temseu próprio tempo e, se se considerar que o sistema é complexo, devem-serespeitar as continuidades de estruturas em meio a mudanças de outrasestruturas. Nesse sentido, a longa duração é a dimensão temporal adequadapara análises da mudança em sistemas históricos complexos. Se os autoresda abordagem conseguem aplicar com êxito tal método, isso é uma questão emaberto, mas o método da longa duração é uma referência.

Fernand Braudel, um historiador já famoso pelas inovações da Escola dosAnnales e pelo método da longa duração, deu uma contribuição à abordagem,ao incluir o conceito de economia-mundo, como proposto por Wallerstein, naanálise do terceiro volume de Civilização Material, Economia e Capitalismo(Braudel, 1995). Sua contribuição conceitual, à qual se dará mais destaque maisadiante, está na forma de sintetizar o caráter heterogêneo do capitalismo histórico,ao propor analisar as diferenças regionais com um esquema tripartido. Braudel(1985) divide a vida econômica, no capitalismo, em três conjuntos de atividades,em três “andares”. A camada inferior dessa estrutura tripartida é denominada“vida material” e se refere às atividades cotidianas, rotineiras, habituais einconscientes, em que a relação do homem com as coisas é orientada pelo seuvalor de uso, não pelo seu valor de troca. O andar subseqüente é chamado de“economia de mercado” e diz respeito à vida econômica em si, às trocas rotineiras(e não apenas às trocas esporádicas), à produção para o mercado (e nãosimplesmente à troca de excedente do auto-consumo) e à relação entre pessoase coisas baseada no valor de troca. Braudel (1985) distingue dois níveis da“economia de mercado”: um inferior, composto por mercados, lojas e vendedores

11 Fernand Braudel, historiador com contribuições para a Escola dos Annales, propôs ométodo da longa duração para analisar as descontinuidades e as descontinuidades quefazem a mudança lenta das estruturas sociais. Wallerstein (1979), de forma não revelada,e Arrighi (1996), de forma explícita e elogiosa, utilizam o método da longa duração em suasinterpretações da mudança social no capitalismo histórico. Para uma rápida e boa análiseda Escola dos Annales e do papel de Braudel como historiador dessa escola, ver Burke(1997), Reis (2000) e coletânea de artigos em Lopes (2003). Sobre o método de longaduração, ver Rojas (2001).

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ambulantes; e um superior, formado por feiras e bolsas, onde o volumetransacionado e a complexidade institucional são maiores. Esse andar é marcadopela transparência das trocas e pela concorrência entre os agentes.

Entretanto, há processos no sistema capitalista que não cabem incluir na“economia de mercado”, pois se baseiam numa forma específica de conduzir osjogos da troca, em que mecanismos de mercado e extramercado são utilizadospara obter a maior parte do excedente. Esses processos e essa forma de conduzi--los dizem respeito à camada superior da estrutura tripartida, ocupada pelo queBraudel (1995) chamou, especificamente, de capitalismo. Constitui uma esferade circulação diferenciada, que fica no topo da hierarquia das trocas. É onde seencontram as trocas desiguais, em que a concorrência (característica essencialda “economia de mercado”) tem um reduzido lugar. Nesse sentido, Braudel (1985)distingue dois tipos de troca:

[...] uma troca terra-a-terra, concorrencial, pela sua transparência; outra,superior, sofisticada, dominante. Não são os mesmos mecanismos, nemos mesmos agentes, que regem estes dois tipos de atividade, e, aliás, nãoé o primeiro, mas, sim, o segundo que constitui a esfera do capitalismo(Braudel, 1985, p. 67).

Nesse momento, cabe apresentar a crítica de Caillé (1989) a Braudel (1995),pois permite uma melhor compreensão do esquema tripartido. Não se deveentender a “economia de mercado” braudeliana como experiência histórica domodelo de circulação simples de mercadoria de Marx, na fórmula M - D - M. Emtermos conceituais, a referência é a fórmula D - M - D’ de Marx tanto para a“economia de mercado” quanto para o “capitalismo” de Braudel (1995). Caillé(1989) faz uma crítica e uma interpretação de Braudel (1995), exigindo dirimirambigüidades que a retórica braudeliana por vezes permite. Nessa interpretação,o esquema tripartido de Braudel refere-se ao capitalismo histórico e pode serútil para analisar a formação e o desenvolvimento do capitalismo. As esferas de“economia de mercado” e “capitalismo” são estruturas de uma economia onde aprodução é predominantemente de mercadorias, a troca nos mercados ésistemática, e o trabalho também é predominantemente assalariado; trata-se,portanto, do modo de produção capitalista.

[...] se o “pequeno produtor” realmente se submete à contabilização deinputs ou outputs, é porque ele já está sistematicamente orientado para omercado, do qual depende para a sobrevivência ou o qual conta tornarlocal de seu enriquecimento. Nesses casos, a fórmula M - D - M torna-seinadequada para ele. Não a simples mercadoria, mas realmente o dinheiroque está na origem do processo e que constitui sua finalidade no mínimoimediata. Grande ou pequeno, dir-se-ia que ele já se tornou capitalista,mesmo que ainda continue sendo para si mesmo seu único assalariado?Isso não é conceitualmente insustentável. Mas há uma repugnância em

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colocar-se debaixo do mesmo rótulo de capitalista o artesãozinho de aldeiae o grande capitalista de indústria. Aliás, é essa repugnância que confere àdistinção braudeliana do mercado e do capital o mais claro de sua afirmativacategórica. (Caillé, 1989, p. 127).

Caillé orienta a leitura de Braudel (1985) para a análise histórica do modode produção capitalista e não apenas para uma leitura da história da relaçãoentre estruturas capitalistas e pré-capitalistas, embora esta última modalidadepossa ser utilizada para interpretar períodos de afirmação e expansão docapitalismo como sistema histórico, como no caso da relação entre o capitalismocomercial e a escravidão. A orientação de Caillé é que a contribuição do esquematripartido enriquece a análise principalmente do sistema capitalista em seusperíodos de ampliação e difusão da relação social capitalista, como no períodocontemporâneo. Acatada essa orientação, a leitura de Braudel (1985) pode ficarmais rica, ao se procurar a explicação para o caráter diferenciador do capitalismo,no sentido marxiano de modo de produção, nas relações em que as estratégiasda esfera capitalista dominam as demais esferas da economia de mercado e davida material, no sentido braudeliano. Na análise do capitalismo histórico, ointeresse é explicar as diferentes estruturas que o modo de produção capitalistaproduz ao longo de sua formação, de sua consolidação e do seu desenvolvimentohistórico. Como a preocupação é explicar o capitalismo histórico e seudesenvolvimento diferenciado nas várias regiões, as relações entre as estruturasda vida material, da “economia de mercado” e do capitalismo permitem conceituaras diferenças espaciais e históricas do capitalismo como modo de produção.

Na explicação do desenvolvimento desigual do capitalismo histórico, Braudelinsiste no caráter diferenciador da estrutura superior do capitalismo. Afinal,considerar o artesãozinho que produz para o mercado e o grande capitalista daindústria como igualmente capitalistas impediria de perceber seus diferentespotenciais de acumulação e suas diferenças efetivas. Na busca dessadiferenciação, Braudel (1995) identifica o capital pela sua dinâmica de acumulaçãoe não pela sua forma concreta. Assim, ele identificou o grande capital pela suaflexibilidade, por suas várias especializações e pelas múltiplas formas de acumulare expandir.

Permitam-me identificar aquilo que me parece ser um aspecto essencial dahistória geral do capitalismo: sua flexibilidade ilimitada, sua capacidade demudança e de adaptação. Se há, segundo creio, uma certa unidade nocapitalismo, da Itália do século XIII até o Ocidente dos dias atuais, é aí,acima de tudo, que essa unidade deve ser situada e observada. (Braudelapud Arrighi, 1996, p. 4).

A flexibilidade e a mobilidade levaram o capital a assumir especializaçõesem determinados períodos, dada a possibilidade de auferir lucros extraordináriosna atividade. Mas Braudel sempre ressaltou que a especialização na forma

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industrial não foi “[...] o desabrochamento final, que teria dado ao capitalismosua ‘verdadeira’ identidade” (Braudel apud Arrighi, 1996, p. 4), mas uma de suasmúltiplas formas, que, por sua vez, se apresentou de forma concentrada noperíodo imediato pós-revolução industrial. O capital industrial permite a geraçãode mais-valia relativa, mas pode-se questionar se consegue reter esse excedente,se estiver em condições de concorrência e outros capitais estiverem emcondições monopolistas. Braudel percebeu que capitalismo e “economia demercado” tiveram várias relações e formas ao longo da história do capitalismohistórico.

O erro seria imaginar o capitalismo como um desenvolvimento por fasesem saltos sucessivos: capitalismo mercantil, capitalismo industrial,capitalismo financeiro. [...] O leque mercantil, industrial, bancário, isto é, acoexistência de várias formas de capitalismo, abre-se já em Florença noséculo XIII, em Amsterdam no século XVII, em Londres já antes do séculoXVIII. No princípio do século XIX, o maquinismo decerto fez da produçãoindustrial um setor de grande lucro, e o capitalismo aderiu, portanto,maciçamente. Mas não ficará estacionado aí [...].Por outro lado, a despeitode tudo o que se tem dito do capitalismo liberal e concorrencial dos séculosXIX e XX, o monopólio não perdeu seus direitos. Simplesmente assumiuoutras formas, toda uma série de outras formas, desde os trusts e asholdings até as famosas multinacionais americanas, que, durante os anos60, triplicaram o número de filiais no estrangeiro. (Braudel, 1995, v. 3,p. 577).

Não só na diferenciação entre capitalismo e “economia de mercado”, masnas relações entre essas duas esferas, é que Braudel (1995) esteve interessado,principalmente no Volume 3 de Civilização Material, Economia e Capitalismo.Essa camada superior é a força organizadora e dinâmica do sistema, queprospera, manipula e extrai excedentes dos andares inferiores:

[...] acima e não abaixo da vasta superfície dos mercados, ergueram-sehierarquias sociais ativas: falseiam a troca em proveito próprio, fazemvacilar a ordem estabelecida; voluntária e até involuntariamente, criamanomalias, turbulências [...]. Foi assim que grupos de atores privilegiadosentraram em circuitos e cálculos que a maioria das pessoas ignora (Braudel,1995, p. 12).

Na esfera capitalista, a concorrência é contornada através de instrumentoseconômicos, quando é possível impor o monopólio pelas próprias forças demercado, e não econômicos (o monopólio legal, o privilégio, a coerção militar, adiplomacia), colocados normalmente, pelo Estado, à disposição do capitalista.“O capitalismo só triunfa quando se identifica com o Estado, quando é o Estado.”(Braudel, 1985, p. 70). O capitalismo é, nesse sentido, o contra-mercado, ondeo monopólio — e todo esforço para prolongar essa situação temporária — e atroca desigual são possibilitados pelo amparo do Estado e permitem aos

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capitalistas auferirem o lucro extraordinário que buscam incessantemente. Atroca pelo valor é típica da esfera da “economia de mercado” braudeliana, ondea concorrência uniformiza e reduz a taxa de lucro. Para uma análise do capitalismohistórico, torna-se necessário incorporar conceitos que iluminem as diferençasnas estruturas concretas do capitalismo.

A aliança entre capital e Estado permitiu que o monopólio e os lucrosextraordinários não fossem uma condição esporádica ou temporária, comoinúmeras vezes ocorre na esfera das “economias de mercado”. Essa aliança seconsolidou, primeiramente, na Europa e em várias experiências de Estadosnacionais na rivalidade européia. A esfera superior do capitalismo, com a aliançacapital e Estado que se realizou na Europa, a partir do século XVI, transformou--se no “monstruoso modelador da história mundial” (Braudel apud Arrighi, 1996,p. 11). Braudel (1995) escreveu o terceiro volume de Civilização Material,Economia e Capitalismo sob influência da proposição de Wallerstein para aeconomia-mundo, como ele próprio reconhece.12 Mas sua análise históricamanteve-se atenta às relações entre as três camadas da economia capitalista.Sua contribuição à abordagem do sistema mundial está em analisar a expansãodo sistema capitalista tanto em um movimento de expansão horizontal deconquistas de novos territórios e mercados e de colocá-los sob domínio dacamada capitalista quanto em um movimento de integração vertical, ao dominaros demais andares da vida econômica, mas com diferenças na articulação entreeles, o que permite a diferença regional e o caráter heterogêneo do capitalismohistórico.

5 Os ciclos sistêmicos de acumulação: a contribuição de Arrighi

Arrighi, assim como Wallerstein e Braudel, estava interessado em apresentaruma descrição e uma interpretação das estruturas de longa duração do capitalismohistórico. Contudo, ao realizar estudos nesse sentido, percebeu que o processode formação e expansão do capitalismo histórico não se deu por uma trajetórialinear dentro de estruturas imutáveis e relações permanentes. Há uma dinâmicacom continuidades de estruturas e de relações — daí a longa duração — e

12 “As considerações que se seguem neste capítulo (Cap.: ‘As divisões do espaço e do tempona Europa’, seção: Espaço e economias: as economias-mundos) vão de encontro às tesesde I. Wallerstein (1979), embora nem sempre eu esteja de acordo com ele.” (Braudel, 1995,v. 3, cap. 1, p. 589, nota 5).

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descontinuidades com inovações nas estruturas e com novas relações entreelas — daí a mudança. Ao longo da história do capitalismo, houve mudançassistêmicas, caracterizadas por processos de reorganização radical do modernosistema-mundo, que alteraram substantivamente a natureza dos integrantes dosistema, sua maneira de se relacionar uns com os outros e o modo como osistema funciona e se reproduz (Arrighi; Silver, 2001, p. 30).

No entanto, uma característica essencial do capitalismo permaneceu nasmudanças, que, por isso, foram analisadas como mudanças cíclicas. Para Braudele Arrighi, o capital tem flexibilidade ilimitada, com ampla capacidade de mudançae de adaptação. A dinâmica cíclica do capitalismo histórico, embora se apresente,a cada época, sob formas concretas aparentemente mais complexas ousofisticadas, em diferentes tempos e lugares, possui uma lógica subjacente erepete essencialmente as mesmas contradições sistêmicas do capitalismo, quesão resolvidas apenas temporal e parcialmente. Essa interação entre os aspectosessenciais do capitalismo histórico, que se reproduzem, e suas formas concretas,que se transformam, é comentada por Arrighi da seguinte forma:

[...] os ciclos sistêmicos de acumulação [...] apontam para uma continuidadefundamental nos processos mundiais de acumulação de capital nos temposmodernos. Mas também constituem rupturas fundamentais nas estratégiase estruturas que moldaram esses processos ao longo dos séculos (Arrighi,1996, p. 8).

Na proposição de Arrighi (1996), a expansão do moderno sistema-mundoaté suas dimensões atuais deve ser compreendida através de uma série dereorganizações fundamentais que o colocaram em diferentes etapas dedesenvolvimento. Foi ao procurar as semelhanças e as diferenças entre cadauma dessas etapas, seguindo a abordagem do sistema mundial e a perspectivada longa duração (considerada por ele o único arcabouço temporal adequadopara seu trabalho), que Arrighi (1996) percebeu que, em cada uma delas, umdeterminado bloco ou comunidade de agentes governamentais e empresariais,ou, como colocado anteriormente, uma dada aliança capital e Estado, erahegemônico no sistema-mundo. Esse bloco exercia sua hegemonia através deinovações nas estruturas existentes e de novas estratégias de combinação deestruturas, mediante as quais promoviam, organizavam e regulavam a expansãoda economia-mundo capitalista. Arrighi (1996) denominou esse conjuntoespecífico de inovações e estratégias que conquistaram a liderança do sistema--mundo “regime de acumulação em escala mundial” e percebeu que cada umdesses regimes apresentava um comportamento cíclico.

Esse autor procurou compreender os processos de mudança sistêmica,com reorganização radical do sistema-mundo, como transições hegemônicas,definidas como momentos de mudança no agente principal dos processos

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mundiais de acumulação de capital e das estruturas político-econômicas emque tais processos estão baseados. Para interpretar essa trajetória histórica,Arrighi (1996) propôs o conceito de ciclos sistêmicos de acumulação: ciclosde ascensão e queda de hegemonias políticas e dos respectivos regimes deacumulação de capital e poder que lhes são subjacentes, intervalados por períodosde transições sistêmicas. Trata-se, portanto, de um novo conceito proposto naabordagem para analisar a dinâmica e a mudança de dinâmica da economia--mundo capitalista e da hegemonia no sistema interestatal.

Em cada estágio do capitalismo histórico, um determinado Estadohegemônico e os agentes capitalistas a ele relacionados (“complexos particularesde órgãos governamentais e empresariais” ou aliança capital e Estado) estão naliderança do “andar superior” da economia. O Estado hegemônico lidera o sistemainterestatal, e seus agentes capitalistas lideram as principais cadeias demercadorias, tornam-se os líderes dos processos sistêmicos de acumulação decapital e poder na escala do sistema-mundo. Esses agentes hegemônicosgovernamentais e empresariais possuem estratégias combinadas de acumulaçãode capital em escala global, de concentração do excedente em novas atividadescentrais, de constituição de novos centros e novas periferias e de novahegemonia no sistema interestatal. Assim, o ciclo sistêmico de acumulação é ociclo de vida desses agentes, de suas estruturas e estratégias que constroem,transformam e caracterizam cada estágio do desenvolvimento capitalista.

Arrighi (1996, p. 10) coloca que o principal objetivo do conceito de ciclossistêmicos de acumulação é descrever e elucidar a formação, a consolidação ea desintegração desses sucessivos regimes pelos quais a economia capitalistamundial se expandiu desde o “longo” século XVI até a atualidade. Os ciclosapresentam caráter “sistêmico”, pois dizem respeito a um modo dedesenvolvimento do moderno sistema-mundo em um determinado período. Issosignifica, seguindo a definição de moderno sistema-mundo, que abarca tanto osprocessos de transição e consolidação de hegemonias de um Estado nacionalsobre o sistema interestatal quanto as transformações de larga escala nosprocessos de acumulação de capital ocorridas na economia-mundo capitalista.

O conceito de ciclos sistêmicos de acumulação orienta a descrição daascensão e queda das hegemonias e dos regimes de acumulação. Orienta tambéma análise da alternância entre fases de expansão material e expansão financeiradentro de um mesmo ciclo. Para Arrighi (1996), o conceito de ciclo sistêmico deacumulação é superior ao ciclo de Kondratieff na explicação da dinâmica dosistema mundial capitalista. Os ciclos de Kondratieff são constatações empíricas,que expressam a alternância de períodos mais refreados e mais intensos dacompetição intercapitalista, mas nada relacionam com o regime de acumulaçãoorganizado pela potência estatal hegemônica para orientar o sistema mundial.

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Cada ciclo sistêmico de acumulação constitui-se de uma fase inicial, deexpansão material, seguida de uma fase final, de expansão financeira. Nas fasesde expansão material, os capitalistas usam seu capital monetário para moveruma crescente massa de produtos (o que inclui força de trabalho e outros fatoresde produção transformados em mercadoria), esperando, através da posteriorcomercialização dos produtos finais (realização da mais-valia), ampliar aindamais a liquidez de que dispunham quando converteram seu capital monetárioem mercadorias, antes de iniciar propriamente a produção e o comércio. Nessafase, a introdução de inovações no processo de acumulação e no sistemainterestatal pelos novos agentes hegemônicos faz com que as atividadesprodutivas e comerciais proporcionem, em relação às demais atividadeseconômicas, maior lucratividade, ou seja, apresentem maior potencial enquantomeios para a valorização do capital. O investimento produtivo é o meio capaz degarantir aos capitalistas a reprodução de seu capital a taxas de lucroextraordinárias. A acumulação de capital dá-se predominantemente sob a formaprodutiva.

De acordo com Wallerstein (1984, apud Arrighi; Silver, 2001), durante asexpansões do sistema-mundo ocorre a disseminação da capacidade tecnológicavia imitação entre nações e empresas rivais, que procuram seguir a mesma viade desenvolvimento do bloco hegemônico, minando, paulatinamente, sua posiçãoprivilegiada nos processos mundiais de acumulação de capital. Além disso, odesenvolvimento econômico, cujos benefícios se concentram, primordialmente,no centro da economia-mundo capitalista, durante as expansões materiais, causauma elevação furtiva da renda real das camadas trabalhadoras e dos quadrosdirigentes situados na nação hegemônica, em detrimento das taxas de lucrodas empresas capitalistas a ela vinculadas. Configura-se, com o tempo, umasuperacumulação de capital no âmbito do comércio e da produção, de um lado,e uma diminuição do retorno sobre o capital investido nessas atividades, deoutro. Arrighi faz referência a esse processo: “Enquanto uma parte desse capitalexcedente não era empurrada para fora [do processo produtivo e comercial], ataxa global de lucro tendia a cair, e a concorrência entre os locais e os ramos denegócios — bem como dentro de cada um deles — se intensificava” (Arrighi,1996, p. 232).

Após certo tempo de expansão material, a superacumulação de capitaisconcretiza-se, isto é, a acumulação de capital é muito superior à que pode serinvestida com lucro, no comércio e na produção, nas estruturas vigentes doregime de acumulação mundial. As organizações e os indivíduos capitalistasreagem a essa situação, retendo, em forma líquida (monetária), uma proporçãocrescente de seus rendimentos, aumentando a disponibilidade de capitalcirculante em nível mundial. Cria-se uma massa de liquidez excessivamente

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abundante. A mudança de percepção por parte dos agentes capitalistashegemônicos faz com que o capital-mercadoria (M) — capital investido numadada combinação de insumo-produto, visando ao lucro — passe a reconverter--se em capital-dinheiro (D) — capital monetário. Arrighi (1996) denomina essemomento crise sinalizadora do ciclo sistêmico de acumulação. O capital deixaprogressivamente a rigidez, a concretude, a perda de flexibilidade, em direçãoà liquidez, à liberdade de escolha, à flexibilidade. Quando os agentes capitalistaspercebem que o comércio de moedas, a especulação e as operações de crédito,especialmente com os Estados que disputam o capital circulante, podemproporcionar maior capacidade de reprodução a seu estoque de capital, elespassam a desviar, em volumes crescentes, seus excedentes para os mercadosfinanceiros.

Os ciclos sistêmicos de acumulação podem ser sumarizados com autilização da formulação marxista DMD’: a fase de expansão material é umafase DM, enquanto a fase de expansão financeira é uma fase MD’. Nas fases deexpansão financeira, observa-se não só o deslocamento de capital da formaprodutiva para a forma financeira, mas também se constata uma abreviação dafórmula DMD’ para DD’: o capital passa a prescindir do processo produtivo parase reproduzir, concentrando as atividades centrais, isto é, aquelas que geramuma maior transferência de valor para seus capitais, na valorização na esferafinanceira.

A fase de expansão financeira indica que as bases materiais do regime deacumulação de capital e poder do Estado hegemônico encontram-se esgotadas,isto é, não proporcionam mais expectativas de lucros extraordinários nas suasestruturas produtivas. Um volume crescente de capital, na sua forma líquida emais flexível, vai procurar sua valorização na esfera financeira. É um período decrise hegemônica, de transformação estrutural do moderno sistema de Estadosnacionais soberanos, de surgimento de novos regimes de acumulação, de novosmodos de governo, de reorganização do sistema-mundo sob nova liderança,durante o qual são lançadas as bases para a superação da crise financeira epara o início de um novo ciclo sistêmico de acumulação, com transformaçõesnas estruturas de produção e nas formas de hegemonia política. Essa é a criseterminal de um dado ciclo sistêmico de acumulação.

O conceito de ciclo sistêmico de acumulação permitiu que Arrighi (1996)propusesse uma periodização do capitalismo histórico. Tais ciclos sãoidentificados pelas suas potências hegemônicas, e cada um apresenta umafase de expansão material e financeira. Para uma visualização dos ciclossistêmicos, ver Arrighi (1996, p. 219). O primeiro ciclo é o genovês e abrange olongo século XVI, isto é, de cerca de 1450 a 1630. O segundo ciclo é o holandês,aproximadamente de 1630 a 1780. O terceiro ciclo é o britânico, alcançando o

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período de 1780 a 1930. O quarto ciclo sistêmico é o norte-americano, com osEstados Unidos como potência hegemônica e tendo como primeira fase o períodode 1930-45 até a década de 70. Em sua análise histórica, Arrighi (1996) identifica,na década de 70, a crise sinalizadora do ciclo norte-americano, o que indicariaque, a partir, daí o capitalismo mundial orientado pela hegemonia norte-americanaestaria na sua fase de expansão financeira e de declínio do ciclo sistêmico.Sem entrar na controvérsia da análise histórica de considerar que o ciclo norte--americano está na fase descendente — ver as críticas de Fiori (1996) e Gowan(2002) —, ressalta-se apenas a contribuição do conceito de ciclo sistêmico deacumulação para a abordagem do sistema capitalista mundial e para ainterpretação da história e das fases com mudanças qualitativas do capitalismomundial.

6 Uma tentativa de síntese da abordagem do moderno sistema mundial

Em uma tentativa de síntese da abordagem do moderno sistema mundial,com todos os problemas de uma síntese, podem-se não só resumir ascontribuições dos três autores, mas, sobretudo, destacar o encadeamento desuas contribuições. Apesar de os autores se preocuparem em fazer uma análisehistórica do sistema capitalista, eles construíram um objeto de estudo epropuseram conceitos orientadores da análise que constituem a própria ontologia,no sentido de visão de mundo, da abordagem do sistema-mundo. A contribuiçãopioneira de Wallerstein foi a de superar a dicotomia fatores internos e externospresentes nas análises das sociedades nacionais e, da mesma forma, superaras diferenças entre capitalismo central, como autônomo, e capitalismo periférico,como dependente. A proposição de um sistema mundial baseado em uma divisãodo trabalho que une as diversas atividades espalhadas, espacialmente, em umaeconomia-mundo e uma distribuição desigual do excedente entre atividadescentrais e periféricas, com concentração também diferenciada em regiões,permitiu uma análise sistêmica do capitalismo histórico. Essa proposição deanalisar o desenvolvimento desigual do capitalismo através da formação deestruturas dentro do sistema baseadas na troca desigual, no monopólio geradorde lucros extraordinários e na transferência do excedente suscitou críticas demarxistas ortodoxos sobre a falta de atenção às características do modo deprodução capitalista e da luta de classes como central na mudança social.Essa é a controvérsia entre marxistas ortodoxos (ou abordagem do modo deprodução) e marxistas heterodoxos, ecléticos ou indisciplinados, ou mesmo

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não marxistas, que formam a abordagem do sistema mundial. Essa controvér-sia entre “produtivistas” e “circulacionistas” criou um rico debate, que exigiunovos conceitos e novos argumentos. As contribuições de Braudel e Arrighireforçaram o potencial de análise e coerência da abordagem do sistema-mundo,mas não resolveram a controvérsia. Wallerstein (2001), por sua vez, argumentaque a abordagem do moderno sistema mundial é uma análise do capitalismohistórico, com suas múltiplas estruturas e relações ao longo do tempo e nãomais uma teoria sobre o capitalismo como modo de produção.

Braudel contribuiu conceitualmente para a abordagem, ao destacar o caráterdiferenciador do capitalismo histórico na expansão de seu domínio territorial.Ao fazer uma análise baseada em um esquema tripartido, Braudel (1995) permitiudiferentes combinações das três esferas, embora sempre sob o domínio dacamada capitalista. Paralelamente à expansão horizontal da economia-mundocapitalista, houve também a integração vertical entre as esferas “capitalismo”,“economia de mercado” e “vida material”. Considera-se que essa visão de Braudelpermite analisar a expansão diferenciada do grande capital monopolista paravárias regiões e a sua integração com a “economia de mercado” e com a “vidamaterial”, que estão, por sua vez,mais ligadas à cultura local do que o capitalcosmopolita e flexível. O capital expandiu a economia-mundo capitalista paravárias regiões, mas, longe de uma ação uniformizadora, gerou diferenças regionaistanto pela distribuição espacial de atividades centrais e periféricas quanto pelasvárias formas de integração entre as três esferas. Braudel defende a idéia deque o esquema tripartido é útil para analisar o capitalismo histórico não apenasnos seus primórdios, mas também no contemporâneo.

Arrighi (1996) renovou a abordagem do moderno sistema mundial em OLongo Século XX. Como colocado por ele mesmo, sua análise concentrou-sena camada superior, onde “[...] o dono do dinheiro encontra-se com o dono, nãoda força de trabalho, mas do poder político” (Arrighi, 1996, p. 25). Como colocadoanteriormente, a expansão do capitalismo tem padrões de repetição e de evolução.Os ciclos sistêmicos de acumulação permitem entender a trajetória do capitalismoem evolução devido à passagem de um regime de acumulação comandado poruma dada aliança capital e Estado para um novo regime liderado por uma novaaliança capital e Estado, que rivaliza e contesta a hegemonia anterior. Permitementender também os padrões recorrentes nas fases de expansão material daprosperidade dos ciclos sistêmicos de acumulação e nas fases de expansãofinanceira, no longo declínio do ciclo e da hegemonia. O capitalismo como sistemaexpandiu suas fronteiras até atingir a globalização, mas essa expansão não foiapenas em extensão, houve mudanças qualitativas. Dentro da permanente relaçãocapitalista que dá unidade à história do longo período, houve mudanças de regimede acumulação, de políticas de hegemonia, de formas de contestação e

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rivalidades, de promessas de prosperidade e de políticas para lidar com ascrises cíclicas.

Por fim, uma rápida pergunta e apenas uma indicação de resposta. Por quea abordagem do sistema mundial é tão marginal, em termos de discussãoacadêmica e de divulgação para o grande público, entre os programas de pesquisaque são referências para a análise do capitalismo contemporâneo e da condiçãoperiférica de algumas economias e Estados nacionais? As seções anterioresmostraram que se acredita no realismo de sua ontologia, na inovação e naconsistência de seu arcabouço metodológico e teórico, na preocupação emconstruir conceitos para orientar a análise histórica e, principalmente, no poderanalítico de suas hipóteses, o que não significa concordar com algumas desuas previsões13. A resposta pode ser que a hegemonia política, sempre presenteno ciclo sistêmico de acumulação, estabeleceu também uma hegemoniaacadêmica. Não cabe mais discutir a economia política do desenvolvimento edo subdesenvolvimento, do centro e da periferia como unidades interdependentesde um mesmo sistema, mas, sim, receitar e adotar a política econômica dahegemonia da hora. Por isso, incentivar análises baseadas na abordagem domoderno sistema mundial é uma objetivo ambicioso.

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13 Refere-se à previsão de fim do capitalismo contido em Wallerstein e Hopkins (1996).

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Novos arranjos institucionais na renovaçãoda política industrial brasileira*

Jackson De Toni** Economista, Técnico em Planejamento licenciado da Secretaria Estadual do Planejamento e Gestão do RS e Coordenador Técnico da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI)

ResumoO Governo Federal brasileiro lançou as Diretrizes de Política Industrial,Tecnológica e de Comércio Exterior em 2003. A política industrial, em umcontexto de forte restrição fiscal, internacionalização econômica e privatizaçãodos instrumentos de atuação direta do Estado nacional no aparelho produtivo,exigiu elaborada e inédita engenharia institucional. A criação de uma agênciaespecífica foi aprovada pelo Congresso Nacional no final de 2004: a AgênciaBrasileira de Desenvolvimento Industrial. Com natureza jurídica híbrida e funçõescoordenadoras centrais, a solução inovou em relação às experiências anterioresde política industrial. Este artigo analisa esse processo à luz da trajetória dasquestões teóricas que envolvem a política industrial, da conjuntura econômicaatual e dos desafios institucionais para a nova política.

Palavras-chavePolítica industrial; políticas públicas; industrialização.

AbstractIn 2003, the Brazilian government announced the Guidelines for Industrial,Technological and Trade Policies. The purpose of these guidelines was to developa new set of industrial policies that were supposed to be implemented in acontext of strong fiscal restriction, economic internationalization and privatization

* Artigo recebido em jul. 2006 e aceito para publicação em 31. out. 2006.

** E-mail: [email protected].

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of the instruments of intervention of the national State in the productive sector.The implementation of these new Guidelines demanded a new institutionenvironment; therefore, by the end of 2004, the National Congress approved thecreation of the Brazilian Agency of Industrial Development. With a hybrid juridicalnature and central coordinating functions this institutional solution innovates ascompared to the previous experiences of industrial policies. The purpose of thisarticle is to describe and analyze this process in the context of the theoreticaltrajectory that involves the industrial policy, in the current economic conjunctureand the institutional challenges for the new policies.

Key wordsIndustrial policy; public policy; industrialization.

Classificação JEL: L98.

A política industrial, um tema aberto

A possibilidade de realização da política industrial concebida como políticapública não é um debate novo na teoria econômica, muito menos conclusivo.Smith e Ricardo, fundadores da economia clássica, ao trabalharem com osconceitos de “divisão do trabalho” e “especialização produtiva”, conceitosque foram aperfeiçoados com a análise de Marx sobre o processo de concentraçãofabril e a manufatura em larga escala, já colocavam em cena argumentos parauma política industrial. A noção de que as economias externas (que dependemdo tamanho do mercado) são complementares às economias internas (de escala)pode justificar, por exemplo, a intervenção da “mão visível” do Estado paraestimular “ambientes” favoráveis à industrialização. Modernamente, aspolíticas industriais visam: (a) compensar ou minorar as falhas de mercado naotimização das principais variáveis econômicas (políticas mais clássicas); (b)recuperar o atraso econômico em regiões deprimidas; ou (c) aumentar a

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competitividade das empresas via capacidade de inovação1, esta última abor-dagem organiza as políticas públicas mais modernas.

A reconciliação dos interesses de mercado com os interesses públicos,decorrência das falhas de funcionamento do livre mecanismo de preços, seriaviabilizada através de um conjunto de decisões de política econômica, mudandoos preços relativos de setores industriais específicos. Assim, uma série demedidas, por exemplo, nos subsídios a segmentos industriais, isenções tributá-rias ou diluição do risco privado, poderiam, eventualmente, corrigir imperfeiçõesresultantes das decisões privadas. Problemas de assimetria no acesso a infor-mações, externalidades inerentes a certos tipos de negócios e condições natu-rais de monopólio são alguns exemplos que oportunizam a intervenção gover-namental. Embora, como lembra Castro (2002), o Estado tenha suas próprias“falhas” (captura dos órgãos públicos pelo interesse privado, decisões baseadasno clientelismo ou pela tecnocracia, etc.) ao intervir no mercado, muitas vezes,superiores àquelas que deveria teoricamente corrigir. É preciso dizer tambémque o mercado não possui atributos naturais vinculados ao desenvolvimentocrescente ou de bem-estar. Essa visão do mercado como locus do equilíbrio eda otimização de fatores decorre de uma visão particular e quase idílica deorganização, o mercado competitivo neoclássico, inviável no mundo contempo-râneo. As “falhas” do mercado, antes de anomalias, seriam, portanto, atributosintrínsecos à sua própria funcionalidade.2

Uma outra vertente das políticas industriais reconhece em referênciashistóricas e comparativas a inspiração para a adoção de medidas que produzamrapidamente os resultados esperados. Essa estratégia, na tentativa de produzir“saltos históricos”, recoloca como tema central a viabilidade de adaptação demodelos desenvolvidos em economias mais avançadas. Os “atalhos históricos”clássicos já conhecidos e estudados, como o Japão, Cingapura, a Coréia do Sule, mais recentemente, a China, parecem demonstrar que, em todo exemplohistórico, há condições peculiares, mas também condições mais universais de

1 O conceito de “inovação” é trabalhado neste texto como a melhoria de produtos, processosprodutivos ou serviços que são parte da estrutura econômica e resultam de trabalhopermanente e intensivo de pesquisa e desenvolvimento realizado pelas firmas, normalmenteatravés da percepção de oportunidades do mercado, parcerias em redes de cooperação eperspectivas de retorno econômico. Conforme a conhecida definição schumpeteriana,inovação não se confunde com “invenção”, esta última mais vinculada às pesquisas científicae acadêmica (Schumpeter, 1982).

2 As “falhas” de mercado mais comuns assinaladas pela literatura que legitimariam a intervençãodo Estado e a alteração “dirigida” dos preços relativos seriam a assimetria de informação,as estruturas de mercado ou condutas não competitivas, os direitos de propriedade mal--definidos e os problemas decorrentes da ação coletiva.

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política industrial. Alguns traços característicos de economias avançadassimplesmente não se reproduzem sustentavelmente em economias atrasadas,porque não dependem exclusivamente dos automatismos do mercado.3

Outra forma de entender a política industrial é colocada por Chang (1994),em termos de “custos de transação” e “falhas de coordenação”. No conceitoclássico de custos de produção, devem-se considerar os custos nem sempretangíveis das transações econômicas, derivados da racionalidade limitada dosatores e da incerteza de mercado. A definição de direitos de propriedade implicacustos de transação; os custos de obtenção de informação também. A decisãoeconômica deveria ponderar sobre qual é a melhor relação benefício/custo,comparando-se os custos de transação na alocação de recursos via mercadocom aqueles gerados pela intervenção estatal. Caberia ao Estado minorar oscustos de transação, garantindo estabilidade econômica; por exemplo,estimulando o adensamento de cadeias produtivas, onde a escala mínima deoperação não tenha sido atingida, impulsionando o sistema educacional ouconstruindo regras e espaços formais para a pactuação de consensos sociais.Como assinala Chang (1994), a coordenação ex post do mercado pode serineficiente, pois falhas de coordenação que envolvem certos ativos (tecnologia)geram uma redução líquida no montante de recursos disponíveis para todo osistema.

A prospecção das fronteiras tecnológicas, por exemplo, nas políticas queenvolvem o uso e a difusão de nanotecnologia requer algum tipo de coordenaçãoextramercado, capaz de sincronizar ex ante as possibilidades de êxito, diantedos riscos que os cenários de incerteza costumam carregar. No jogo de mercado,essa coordenação ocorre ex post, punindo os fracassos e recompensando osvitoriosos, integrando milhares de decisões privadas. Os investimentos eminovação são quase especulativos, simplesmente porque é impossível apropriarcom segurança todos os custos envolvidos nos resultados incertos e nasexternalidades geradas pela pesquisa básica e aplicada.

O debate sobre a aplicabilidade de direitos de propriedade, a discussãosobre patentes, por exemplo, ainda não resolveu totalmente esse imbróglio.Atribuir ao setor privado a responsabilidade pela expansão do setor traria comoresultado o subinvestimento, dado que o mercado é incapaz de apropriar todosos custos e de capturar todos os benefícios. O mercado de tecnologia étipicamente imperfeito; daí, inclusive, a maior flexibilidade que a Organização

3 Há vários casos, citados por Alem, Barros e Giambiagi (2002) — o da Intel, na Costa Rica; oda empresa Saint Gobain, na Índia; o programa irlandês de encadeamentos; o programa demodernização industrial em Cingapura —, cujo maior traço comum é a competênciagovernamental na coordenação de atores heterogêneos, públicos e privados.

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Mundial do Comércio (OMC) tem adotado nos casos de subsídios (renúnciafiscal, doações, fundos, crédito, etc.).

O que a história dos casos de sucesso parece demonstrar exatamente é agrande capacidade de coordenação estatal e não estatal (grandes empresas)em áreas sensíveis (como o são aquelas da economia do conhecimento), cujacapacidade de articulação prévia de decisões interdependentes foi fator-chavepara explicar o rápido crescimento das últimas décadas.

Em economias com estruturas industriais mais modernas e já consolidadas,ainda que atrasadas em relação aos países líderes, um conjunto de políticasindustriais, baseadas na capacidade de inovação, tem surgido. Nessaseconomias,

[...] não se trata de corrigir sinais de mercado (preços), para que osagentes privados reencontrem (como na visão centrada no combate àsfalhas de mercado) a assignação ótima dos recursos existentes naeconomia [...] [mas] a capacidade para introduzir variações — seja nosprodutos levados ao mercado, seja na própria forma de inserção nomercado. Desponta assim, como objetivo, um novo tipo de mudança(Castro, 2002, p. 262).

Nessa perspectiva, caberia ao Estado garantir algum tipo de proteçãotemporária e localizada às empresas, para cultivar capacidade de inovação,que, de outra forma — expostas às imperfeições do mecanismos de preços —,não resultaria em aproveitamento de todo o potencial existente nos recursosprodutivos disponíveis. Nessa vertente de políticas, ganham relevância maioraquelas que souberem desenvolver o potencial de diversidade de processos,ritmos e enfoques empresariais. É por isso que os formuladores devem trabalharsimultaneamente em diversos planos, fiscal, tributário, marcos regulatórios,desenvolvimento de pessoas, parcerias público-privadas, etc., num ciclo semfim de decisões interconexas. Se antes o foco das políticas era estimular grandesplataformas de produção industrial padronizáveis, comercializáveis no mercadoexterno, a baixo custo e preço competitivo, agora se trata de estimular novosnichos, novos mercados, com maior liderança dinâmica, para empresasintensivas em conhecimento.

Nesses comentários sobre aspectos mais teóricos da política industrial,fica evidente que aqueles instrumentos clássicos de intervenção não são maispossíveis: crédito subsidiado, criação de estatais, proteção cambial, etc. Umaprimeira e razoável explicação para isso é a reduzida poupança fiscal destinadaao investimento direto estatal no parque produtivo; nem a sociedadecontemporânea chancelaria essa escolha política diante de outras prioridadesrelacionadas ao provimento de serviços tipicamente públicos e essenciais. Alémdas atuais restrições fiscais, a integração econômica irreversível ao padrão

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mundial de competição comercial mudou completamente a configuração dosinstrumentos clássicos, porque os atuais parâmetros que regulam a concorrên-cia global nos segmentos de maior valor agregado, geração de renda4 e criaçãode novos postos de trabalho (no Setor Terciário, por exemplo), se localizam,cada vez mais, em segmentos de conhecimento técnico intensivo, bens indus-triais padronizados, com arranjos de governança produtiva mais privados ouparaestatais. As categorias centrais, atualmente, parecem organizar-se emtorno dos conceitos de coordenação de atores (criação de sinergias), seletividadee horizontalidade dos instrumentos regulatórios (novas institucionalidades) emodernização dos incentivos para os setores mais sensíveis, particularmenteas áreas estratégicas e portadoras de futuro (redução de risco).

Ou seja, a formulação mais moderna de política industrial passou a serpresidida por uma concepção mais sistêmica; mais do que aumentar a rendamédia ou alavancar esta ou aquela indústria ou firma, ela visa incrementar aprodutividade das empresas, das cadeias produtivas inteiras e do próprio País(Cassiolato, 1996). Trata-se, portanto, de trabalhar a empresa em suatotalidade e integralidade, com todo o seu potencial e não só para os setoreshigh-tech, mas também para a grande massa heterogênea de empresas quecompõem o tecido industrial brasileiro, conforme propugnam Castro e Avila(2004)5.

A política industrial brasileira

No Brasil, o peso da indústria, de fato, só ganhou relevância na fase queiniciou após a Segunda Guerra Mundial. As intervenções do Estado no períodoprecedente limitaram-se a casos pontuais de governos locais ou regionais,particularmente no provimento de infra-estrutura básica (transportes) parainiciativas localizadas de enclaves empresariais voltados ao mercado externo,quando a atividade econômica estava ainda concentrada em poucos centros

4 Renda que inclui salários, pois as firmas que inovam e diferenciam produto remuneram seustrabalhadores 23% a mais do que as firmas que não o diferenciam e têm produtividademenor, isto é, uma política de incentivos com seletividade, critério e transparência tende aproduzir efeitos positivos sobre os salários (Bahia, 2005).

5 No texto citado, apresentado em janeiro de 2004, os autores chegam a propor a criação deuma agência brasileira de desenvolvimento industrial (ou atribuir funções àquela propostapelo Governo Federal em novembro de 2003), para supervisionar a execução de Planos deDesenvolvimento Industriais — uma ampliação do conceito de Programas de DesenvolvimentoTecnológico e Industrial (PDTI) e PDTAs do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

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urbanos, o modelo primário exportador já havia entrado em crise na década de30 do século XX, e a demanda interna estava atrelada ao comportamento darenda gerada pelas vendas externas. Apesar dos estímulos provocados pelaPrimeira Guerra Mundial e de eventuais apoios governamentais, a incipienteindústria nacional dependia, basicamente, dos ciclos externos (Suzigan, 1988).A política de proteção à indústria nacional iniciada na década de 50 prolongou--se até o período mais recente dos anos 80 e já é bem conhecida: desvalorizaçãocambial, restrições tarifárias às importações, estímulos fiscais aos exportadores,socialização dos prejuízos, etc.6

O evento mais significativo de planejamento industrial, no período quevai do pós-guerra até o fim do regime militar, com certeza, foi a elaboraçãodo Plano de Metas (1956-61) no Governo Kubitschek (Governo JK). Pelo menostrês fatores fizeram desse processo um ponto notável: (a) estabilidadeinstitucional e contexto democrático favorecendo a participação; (b) amploconsenso sobre o tema do desenvolvimento nacional; e (c) acertos de políticasexterna e interna viabilizando recursos econômicos. O Governo JK notabilizou--se pelo sincretismo político, garantindo a permanência de uma coalizão partidária,durante todo o mandato, que começava no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)de João Goulart, e o controle do Ministério do Trabalho, passando pelo PartidoSocial Democrático (PSD) dele mesmo, com fortes vínculos rurais, até o apoioparlamentar da União Democrática Nacional (UDN). Essa estratégia políticaflexível, por vezes dúbia, apoiada na fragilidade da estrutura partidária, garantiuviabilidade para o Plano. Juscelino Kubitschek optou por montar uma rede deórgãos paralelos à Administração Direta, com base na avaliação de que executaruma reforma administrativa seria custoso demais (Lafer, 1997). A capacidadede governo repousava, basicamente, na natureza ágil e flexível da estruturaadministrativa (as “ilhas de eficácia”), na autonomia financeira e orçamentáriados órgãos envolvidos na execução das metas setoriais e na neutralização dainterferência parlamentar no processo.7

6 O ciclo de substituição de importações praticamente já havia sucumbido nas sucessivascrises de estabilização dos anos 80. Na verdade, a fase mais intensa de substituição deimportações esgotou-se nos anos 60, por vários motivos: crescimento do processoinflacionário que acontece em períodos de rápida industrialização, baixa relação entreinvestimentos e geração de emprego, rápida expansão do gasto público e estagnação daprodutividade agrícola. Além disso, a cada onda do ciclo substitutivo, produziam-sedesequilíbrios na balança comercial, crise cambial e novos gargalos (Tavares, 1974).

7 A notável construção institucional-burocrática de Juscelino Kubitschek, que produziu resultadosefetivos na política econômica, foi detalhada por Nunes (1999).

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A base industrial mais dinâmica (automobilística, de material elétrico, pe-trolífera, metalúrgica, siderúrgica, química, de papel e celulose) iniciou sua con-solidação nessa época, quando os setores tradicionais (alimentação, bebidas,vestuário, mobiliário, etc.) já estavam implantados. Cabe destacar a criaçãodo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) em 1952, que passoua investir em praticamente todos os setores da indústria de transformação,incluindo a infra-estrutura de transportes e energia. Assim, o Brasil terminouos anos 60 com uma forte, diversificada e complexa base industrial, tanto debens de consumo duráveis como de bens de capital.

Durante os governos militares (1964-84), a política industrial assumiu oviés da intervenção direta do Estado no setor produtivo, aprofundando eradicalizando práticas políticas já existentes no período varguista.8 A prioridadeao combate à inflação, um conjunto de reformas institucionais e regulatórias(tributária, trabalhista e financeira, sobretudo) e a disponibilidade de fundosexternos resultaram em taxas de crescimento muito altas na primeira metadedos anos 70. Foi a época dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND) — o IPND é de 1972-74, e o II PND, de 1975-79 (Brasil, 1971; 1974) —, com elevaçãoda demanda por bens duráveis (cresceu, em média, 23% ao ano), ancorada naforte expansão do crédito e do mercado de capitais para segmentos de maiorrenda, envolvidos em forte propaganda nacionalista.9 O II PND foi, praticamente,a última tentativa de planejamento industrial convencional. Cabe mencionar,ainda, por zelo ao registro histórico, o pioneirismo do Programa Nacional deDesenvolvimento Científico e Tecnológico (PNDCT), criado por decreto-lei, emjulho de 1969, sob a liderança de Reis Velloso e restabelecido em janeiro de1991, para dar apoio financeiro a programas e projetos prioritários dedesenvolvimento científico e tecnológico nacionais. O principal instrumento dapolítica foi a criação de um fundo público (o FNDCT), que começou a operar em

8 Para exemplificar, a Fábrica Nacional de Motores foi inaugurada em 1943, no Rio de Janeiro;o primeiro alto forno da CSN começou a operar em 1946; e a Petrobrás foi criada em 1953;todas empresas estatais.

9 Desde a década de 30, pode-se dizer que a orientação predominante da política industrial foidesenvolvimentista, nacionalista e basicamente estatal. Schneider (1994), analisando ocomportamento da burocracia pública durante os megaprojetos dos anos 70, afirma que umdos traços marcantes do período foi a rápida circulação de quadros burocráticos, o queenfraqueceu a lealdade para com as organizações e aumentou a dependência de laçospessoais. Ele explica que, apesar do quadro de fraca institucionalidade, o País construiu umparque industrial de porte considerável, exatamente porque as carreiras e a alta mobilidadede burocratas tecnicamente bem preparados permitiram acesso aos decisores políticos eaos grupos de pressão. A explicação é verdadeira, ainda que limitada; obviamente, outrosfatores históricos e macroeconômicos devem completar o entendimento sobre o tema.

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1971, sob a direção da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), criada em1967 como empresa pública, hoje vinculada ao MCT. Até hoje, todos os recur-sos dos fundos setoriais — única fonte de dinheiro estável para ciência e tecnologiaprevista em lei no País — estão alocados dentro do FNDCT.

O Brasil chegou ao final do século XX com um parque industrial sólido,embora atrasado em relação à mudança do paradigma metal-mecânico e químicopara o paradigma da economia do conhecimento (microeletrônica, software,semicondutores, etc.). Alguns instrumentos de política industrial utilizados nopassado tornaram-se inoperantes, especialmente aqueles referentes à proteçãopela via da política comercial (tarifas e cotas) e de forte integração para trás,conforme alertou Nassif (2000). Segundo esse autor, as políticas substitutivasde importações — mesmo se competitivas — podem não ser razoáveis, serestringirem o comércio intra-industrial (ou intrafirmas), tendência crescentena economia globalizada.

O grande dilema na trajetória do desenvolvimento econômico do Brasiltem sido, pelo menos durante as últimas duas décadas, a relação entrecrescimento e estabilidade macroeconômica. Nos países menos desenvolvidos,mesmo naqueles de faixa média de renda como o Brasil (que tem uma dasmaiores desigualdades sociais), as políticas de corte keynesiano predominaramno pós-guerra até os anos 70. No caso do Brasil, como se sabe, um“keynesianismo tortuoso”, sustentado pela concentração de renda e por quasenenhuma proteção social ou serviços públicos universais. Se a inflação deixoude ser um obstáculo ao crescimento com estabilidade em meados dos anos 90,não se pode dizer o mesmo da situação fiscal e externa. A manutenção detaxas reais de juros passou a incorporar definitivamente a política monetária,e a valorização cambial persistiu até o final da década. A crise asiática, nessemesmo período, provocou forte retração de investimentos externos diretos(IED)10. O câmbio flutuante adotado praticamente por todos os países quesofreram ataques especulativos foi medida imposta pelas circunstâncias, porémcom graves efeitos colaterais. A flexibilização do câmbio que se seguiu conduziuà adoção da política de metas inflacionárias, fazendo da política monetáriapraticamente a única estratégia para o controle inflacionário pela redução dademanda agregada.

10 A recessão mundial do início dos anos 80, a crise financeira de 1987 e a instabilidademonetária na América Latina concentraram os IED nos países da Organização de Cooperaçãoe Desenvolvimento Econômico (OCDE); a participação dos países em desenvolvimentodespencou para 14% em 1989. Nos anos 90, o cenário mudou: foi desregulamentado omercado acionário e de capitais, a política cambial tornou-se flutuante, as privatizaçõesofertavam ativos subvalorizados, novos fundos e títulos proliferaram e facilitaram a retomadados IED.

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A conclusão mais importante do quadro macroeconômico recente é a gran-de limitação para desenvolver políticas públicas que estimulem a demanda. Averdade é que a combinação da âncora cambial no início da fase de estabiliza-ção, a aceleração da abertura comercial, o encolhimento de diversas cadeiasprodutivas nacionais, juros altos e aumento da carga tributária criaram um qua-dro perverso para políticas industriais no sentido mais convencional. Essa linhade raciocínio não deve diminuir ou desconstituir o esforço de manutenção daestabilidade de preços levado a cabo pela política econômica desde o PlanoReal. Ao contrário, as experiências das décadas de 80 e 90 geraram um consen-so sobre a impossibilidade de sustentar investimentos e ganhos reais decompetitividade em ambientes de instabilidade monetária e cambial. Alerta-se,entretanto, que a estabilidade monetária, por si mesma, é condição necessária,porém claramente insuficiente, para o crescimento sustentável, inclusive dosetor industrial.

A memória coletiva de política industrial lembrada pelos atores envolvidosé fortemente influenciada pelas políticas desenvolvidas nos anos 50 e 70(Salerno, 2004). Esse imaginário coletivo tem como referência uma época emque a criação de capacidade física para o processo de substituição de importaçõesera o centro das prioridades do grande investimento estatal do período. Proteçãoexterna via política cambial, reserva de mercado, atuação direta de grandesempresas estatais e um grande número de incentivos (fiscais e de crédito)foram os fatores mais importantes na consolidação do parque industrial brasileirona fase “desenvolvimentista”. O lado positivo foi uma grande base industrialdiversificada, particularmente nos setores de menor conteúdo tecnológico. Olado “ruim”, decorrente da própria política de proteção e de substituição deimportações, foi a baixa competitividade internacional, a fraca inserção emsetores de alta tecnologia e de conhecimento intensivo e um brutalendividamento público. Outros fatores intervenientes, como a mudança deparadigma tecnológico em vários setores industriais, uma cultura poucoempreendedora e dependente de benesses estatais em grande parte doempresariado, as restrições da política cambial e a fragilidade da políticagovernamental (que oscilou entre a desnacionalização pura e a proteçãoburocrática), contribuíram para a baixa competitividade externa da indústriabrasileira. Além disso, uma série de instrumentos e incentivos para conquistarmercados específicos para o desenvolvimento industrial, como as áreas deserviços, marketing, design, logística, política de marcas e patentes, pesquisae desenvolvimento, por exemplo, estiveram deslocados da agendagovernamental.

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A política industrial do Governo Lula

As bases da política industrial do Governo Lula foram divulgadas em junhode 2003, através do texto Roteiro para Agenda de Desenvolvimento (s. d.)11,ainda rudimentar, praticamente mapeando os principais pontos. Logo depois(em novembro de 2003), um grupo de trabalho específico produziu o documentochamado Diretrizes de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior(2003)12, tratado aqui simplesmente como Diretrizes. A Política Industrial,Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) foi anunciada publicamente somenteem março do ano seguinte, em solenidade na Confederação Nacional daIndústria, em Brasília, com a presença do Presidente da República e de váriosministros da área. O documento é simples e direto, apresenta umacaracterização conceitual da política industrial, define suas característicasbásicas e detalha mais a implementação de programas e ações.13

O Governo Federal desenvolveu ainda duas outras ações relevantes quese relacionam com a retomada do debate nacional sobre política industrial. Aprimeira delas é a iniciativa do Conselho de Desenvolvimento Econômico eSocial (CDES)14, que instituiu um grupo de trabalho, em 2003, intitulado

11 Disponível em:<http://www.federativo.bndes.gov.br/destaques/planorc_estudos.htm>.12 O documento está assinado pela Casa Civil da Presidência da República, pelo Ministério do

Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), pelo Ministério da Fazenda, peloMinistério do Planejamento, pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, pelo Instituto de PesquisaAplicada, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, pela Financiadorade Estudos e Projetos e pela Agência de Promoção das Exportações. Disponível em:<www.federativo.bndes.gov.br>.

13 Um ano após esse evento, a Confederação Nacional da Indústria lançou o Mapa Estratégicoda Indústria — 2007-2015 (CNI, 2005), com total convergência às propostas do GovernoLula. No Capítulo 2, Ambientes Institucional e Regulatório, a ênfase é colocada emaspectos convencionais da melhoria do ambiente de investimentos e da produção de benspúblicos ou meritórios: defesa da concorrência, propriedade intelectual, redução da cargatributária, adequação da legislação trabalhista, segurança jurídica dos contratos, segurançapública, saneamento, educação, etc. Naturalmente, o documento não enfatiza o papelregulador e coordenador do Estado na PITCE; ele reflete o alto grau de coesão doempresariado e a inegável modernização metodológica no planejamento estratégico dosetor, portanto, contribui para qualificar o debate com as agências governamentais.

14 Criado em 1º de janeiro de 2003, pela Medida Provisória nº 103, já convertida na Lei nº10.683, em 28 de maio de 2003, com o objetivo de cumprir o papel de articulador entregoverno e sociedade, para viabilização do processo de concertação nacional, tem comofunção assessorar o Presidente da República na formulação de políticas e diretrizesespecíficas. Além dos 12 representantes do Governo Federal, o CDES é integrado por 90membros da sociedade. Outros países adotam estruturas semelhantes: Espanha, Itália,Alemanha e Holanda são exemplos. Disponível em:<http://www.cdes.gov.br>.

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Fundamentos Estratégicos do Desenvolvimento. Os resultados ainda estão sendodebatidos no Conselho, mas já apontam a necessidade de uma “agenda nacionalde desenvolvimento”, identificando uma visão de futuro, valores orientadorese âmbitos problemáticos a serem enfrentados. A outra iniciativa é o projetochamado Brasil em 3 Tempos (2006), elaborado pelo Núcleo de AssuntosEstratégicos (NAE), vinculado à Presidência da República. O projeto,simplificadamente, pretende identificar quais seriam os objetivos estratégicosnacionais de longo prazo, apontar as soluções e subsidiar o processo de pactosocial (ou concertação social).15 Tais iniciativas, embora ainda tímidas emrelação aos seus próprios objetivos, contribuem para fomentar o debate e odiálogo entre os atores com capacidade de formulação estratégica nos setorespúblico e privado.

O texto Diretrizes (2003) estabelece, inicialmente, que a estabilizaçãodas variáveis macroeconômicas, a redução das taxas de juros, a retomada doscréditos interno e externo e a redução do Risco-Brasil são “aspectos centraispara a retomada do investimento privado e do crescimento econômico”(p. 01). Entre as iniciativas que cabem ao Governo estariam: (a) oaprimoramento dos diversos marcos regulatórios dos setores de infra-estrutura;(b) as medidas de “isonomia competitiva”, como as desonerações tributáriaspara exportações, dos bens de capital e do custo do crédito: e (c) a viabilizaçãodos instrumentos para a expansão do comércio exterior, objetivando a reduçãoda razão dívida/exportações e, logo, a vulnerabilidade externa.

O foco da política industrial é a criação de condições para o aumento dacompetitividade sistêmica, definida como aumento da eficiência econômica emelhoria da competição no comércio internacional. Outra sinalização importanteé o link estabelecido com a política de infra-estrutura e de desenvolvimentoregional, este último abordado como fator-chave para a integração físico--econômica do território, aspecto particularmente importante num país queainda concentra quase metade do seu Produto Interno bruto (PIB) em menos de3% do seu território. Para coordenar o conjunto de ações, a PITCE previa tambéma criação de uma agência executiva e de uma instância de diálogo permanentecom a sociedade civil, como um conselho ou câmara colegiada, sob coordenaçãodo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.16

15 Para maiores informações, ver <www.presidencia.gov.br/secom/nae/>.16 Uma das inspirações para a agência é o papel que o Centro de Gestão e Estudos Estraté-

gicos (CGEE) tem desempenhado em relação às políticas de ciência e tecnologia desenvol-vidas pelo MCT. Ele nasceu no bojo da Conferência Nacional de C&T realizada em 2001,envolvendo os setores público e privado, fundado por 262 pesquisadores, empresários egestores públicos. Estrutura-se legalmente como organização social e tem contrato degestão com o MCT. A agência, entretanto, deveria ter papel mais executivo.

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O documento Diretrizes (2003), ao abordar quais seriam as funções dapolítica industrial, inequivocamente coloca no centro das atenções o tema dainovação como elemento-chave para o crescimento da competitividade.17 Osprincipais instrumentos da política respondem a essa premissa: direcionamentodos fundos públicos para projetos com conteúdo de inovação tecnológica (é ocaso dos Fundos Setoriais (FNDCT-MCT)), criação de marcos regulatóriosadequados (como é o caso da Lei de Inovação ou do projeto de lei que dispõesobre a proteção da propriedade intelectual de topografias de circuitosintegrados)18 e reorganização das linhas de crédito de bancos oficiais (o FUNTEC--BNDES, por exemplo). Daí decorrem repetidas sinalizações para a importânciado estímulo aos novos processos para a conjuntura mundial que demandaprodutos de baixo custo, diferenciados e com qualidade, e para a necessidadede estimular pesquisa e desenvolvimento (P&D). O texto constata que a indústriabrasileira não se modernizou, nem aumentou sua competitividade, nos anos90, para ampliar sua base exportadora (a participação na corrente de comércioteria caído de 1,39% para 0,79%). A baixa qualidade da pauta exportadora(produtos de baixo conteúdo tecnológico, preços instáveis e baixo dinamismoda demanda externa) também é registrada para lembrar que há um grandepotencial de crescimento em setores específicos. Tais setores, nomeados pelodocumento como “opções estratégicas”, foram priorizados, porque são áreasrepresentativas dos novos negócios associados à “economia do conhecimento”(tecnologia da informação, semicondutores, fármacos, software) e a bens decapital, mas, sobretudo, porque representam elevados déficits na balançacomercial.

Outros setores, nominados “portadores de futuro”, são escolhidos porquerepresentam janelas de oportunidade de médio e longo prazos, como ananotecnologia ou a biotecnologia.19 Nesta parte introdutória, ainda é impor-

17 Em recente estudo, o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) demonstrou queas empresas que inovam e diferenciam produto têm probabilidade 16% maior de exportarem(De Negri; Salerno, Org., 2005). Num país em que menos de 2% das empresas inovam, apauta de exportação é dominada por commodities e produtos de baixa tecnologia e quasenão há pesquisa no setor privado, essa constatação adquire dramaticidade evidente.

18 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-06/2004/Lei/L10.973.htm>e em <http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/Projetos/PL/pl1787.htm>.

19 A priorização de setores “estratégicos” não é propriamente novidade do atual Governo. Em1988 (Decreto Lei nº 2.433, de 19.05.88, e Decreto Lei nº 2.434, de 19.05.88), o GovernoSarney já promovia uma reforma tarifária para proteger alguns setores (informática), criandoos Programas Setoriais Integrados e os Programas de Desenvolvimento TecnológicoIndustrial. No Governo Collor, o eixo da política industrial deslocou-se definitivamente dapreocupação em expandir a capacidade produtiva para o tema da competitividade

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tante assinalar que o documento observa a importância de constituir grandesgrupos empresariais, com inserção internacional, capazes de liderar o processode modernização industrial nacional.20 Além disso, registra que a construção deespaços de negociação permanente com todos os atores envolvidos é umaexigência da própria natureza das políticas públicas que trabalham com ainovação, com redes permanentes de cooperação e construção coletiva doconhecimento.

Uma síntese das características gerais da PITCE seria a orientação paraaumentar a capacidade de inovação das empresas, particularmente naquelascadeias produtivas e nos setores voltados para exportação. Seus quesitosprincipais são: (a) estímulo à competitividade voltada para o mercado externoe geração de saldos superavitários na balança comercial; (b) abordagem seletivade cadeias produtivas e setores específicos com alto conteúdo tecnológico(abordagem vertical); (c) combinação de incentivos fiscais e tributários parasetores específicos e medidas regulamentadoras, segurança jurídica doscontratos e melhoria do ambiente de negócios (abordagem horizontal); e (d)contribuição para o desenvolvimento regional.

Seguindo essas diretrizes gerais, as linhas de ação definidas pela PITCE(Diretrizes..., 2003) são as apresentadas a seguir.

Inovação e desenvolvimento tecnológico

A proposta é consolidar um sistema nacional de inovação capaz de articularorganicamente empresas, universidades e centros de pesquisa. A estratégiapassa por: recomposição da base legal; garantia de fluxos orçamentários e dosetor privado; reestruturação dos institutos de pesquisa; organização deconferências periódicas sobre temas estratégicos (produzir consenso nacional);e aumento da transparência do processo decisório governamental. Principais

(Guimarães, 1996). A atual política, entretanto, escolheu os mesmos fins e mudoucompletamente os meios: não se trata mais de isenções fiscais, mas de um conjuntoarticulado de medidas centradas no crédito, no fomento de P&D e na melhoria do ambienteinstitucional e da governança.

20 Apesar da relativa imprecisão sobre meios e instrumentos para promover essa diretriz, ficaevidente que os exemplos da Petrobrás, da Gerdau, da CVRD, da Embraer e da Marcopoloproduziram transbordamentos com ganhos de aprendizagem, especialização e escala queultrapassaram muito seus mercados específicos. Somente em setembro de 2005, o BNDES,após mudar seu estatuto, aprovou a primeira operação (a Friboi, que comprou a SwiftArmour argentina, num empréstimo de US$ 80 milhões). A avaliação de desempenho estácondicionada ao incremento das exportações líquidas da empresa beneficiada.

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ações atualmente em curso nessa linha: (a) a Lei de Inovação, que aprofunda arelação entre institutos de pesquisas e empresas privadas, foi aprovada peloCongresso Nacional em 11.11.04 — atualmente o Governo Federal debate aregulamentação dos incentivos previstos na Lei —; (b) a reestruturação doInstituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), para agilizar a concessão demarcas e patentes21; (c) modernização e implantação de laboratórios (MetrologiaQuímica, Metrologia de Materiais) para pesquisa em áreas estratégicas, como oCentro de Nanociência e Nanotecnologia em estudo; e (d) apoio às Empresas deBase Tecnológica (EBTs), com o desenvolvimento do setor de venture capital(capital de risco) — há vários estudos em andamento no Governo Federal.22

Inserção externa

Propõem-se a ampliação sustentada das exportações e a ampliação dabase exportadora, pela incorporação de novos produtos, empresas e negócios.A gama de ações é variada, desde a desoneração tributária até a criação decentros logísticos no exterior, passando pela consolidação de marca associadaao País nos mercados compradores. O documento governamental faz referênciaparticular ao dinamismo de agronegócio, onde o Brasil já lidera as exportaçõesem diversos mercados. Principais ações atualmente em curso nessa linha: (a)desenvolvimento do Programa Brasil Exportador, coordenado pelo Ministério doDesenvolvimento, Indústria e Comércio; simplificação e modernização do Serviçode Informação para Comércio Exterior (Sicomex) (sistema gerencial); difusãode informações, defesa comercial e acesso a novos mercados; (b) criação decentros de distribuição e logística no exterior, inaugurado o primeiro em Miami(Flórida, EUA), com previsão dos próximos em Frankfurt, Emirados Árabes,

21 Segundo a Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI) e a Associação Brasileirados Agentes da Propriedade Industrial (ABAPI), há 500.000 pedidos de registro de marcase 24.000 pedidos de registros de patentes aguardando aprovação do INPI. No Brasil, aespera para obtenção de marca é de quatro anos e a de patente chega a sete anos,enquanto, no plano internacional, os prazos são de um e três anos respectivamente.Disponível em: <http://www.jornaldaciencia.org.br>. Acesso em: 19 mar. 2004.

22 Esse segmento é pouco desenvolvido no Brasil; em 1994, a Comissão de Valores Mobiliários(CVM) autorizou os Fundos de Investimentos em Empresas Emergentes (FIEE), mas aparticipação no PIB não passou de 0,002%, quando, nas economias mais desenvolvidas,o setor chegou até a 1,3% do PIB. Algumas iniciativas pioneiras merecem destaque: oPrograma Criatec, do BNDES/Finep, em fase de reestruturação, que trabalha com seedcapital (capital semente); e o Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (PAPE), daFinep. Há grande potencial para o setor, articulando fundos de pensão, reformulação demarcos legais e participação de fundos públicos.

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China, Polônia e África do Sul, sendo que a Agência de Promoção de Exporta-ções (Apex), organização não estatal, coordena a implantação dos centros23; e(c) reforço da imagem do Brasil no exterior e prospecção de novos mercados,ação articulada com o Ministério das Relações Exteriores.

Modernização industrial

Esse tema é tratado a partir de três abordagens combinadas. A primeiradelas orienta a ação governamental para ações de capacitação produtiva. Asegunda é a prioridade para arranjos produtivos locais em direção aoadensamento do tecido produtivo. A terceira é a orientação para evitar aatomização empresarial, atuando de forma concentrada espacialmente.Principais ações atualmente em curso nessa linha: (a) programas de incentivoà modernização de equipamentos, como o Modermaq, do BNDES, criado emsetembro de 2004, tendo financiado R$ 2,3 bilhões em mais de 5.000 operaçõesaté dezembro de 2005 — o BNDES reduziu em 80% o valor do spread desseprograma —; (b) incentivos tributários para importação de bens de capital semsimilar nacional, tendo ocorrido, até março de 2005, redução do Imposto deImportação para 335 produtos, incluindo as áreas de informática etelecomunicações; (c) apoio aos arranjos produtivos locais (APLs), focado emextensão empresarial para exportação — Projeto Extensão Industrial Exportadora(Peiex) do MDIC —, certificação de consórcios, incentivo tecnológico (via fundossetoriais da Finep24); e (d) fundos constitucionais para o desenvolvimento regionalgerenciados pelo Ministério da Integração Nacional, para a Região Centro-Oeste(operados pelo Banco do Brasil), para a Região Norte (operados pelo Banco daAmazônia) e para a Região Nordeste (operados pelo Banco do Nordeste).

23 Maiores informações podem ser encontradas em <www.apexbrasil.com.br/>.24 Em 2004, os recursos dos fundos setoriais vinculados às prioridades da política industrial

atingiram o percentual de 60%, estimativa que ultrapassou 70% em 2005. Os fundossetoriais remontam às experiências do final dos anos 60; foram implantados em 1999, comfontes vinculadas e permanentes de recursos destinados à inovação e ao financiamentode longo prazo (com taxas sobre empresas privatizadas). Recentemente, o MCT reformulouo modelo de gestão para focar as prioridades governamentais e evitar duplicidade deiniciativas. Em 2005, estimou-se um investimento de R$ 722 milhões em 15 fundos. A esserespeito, consultar artigo de Valéria Bastos (2003) .

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Capacidade e escala produtiva

O objetivo aqui é atacar especificamente o problema de limitação dacapacidade instalada dos setores mais intensivos em capital, cujo gap entre adecisão de investimento e a retomada da produção é relativamente longo.Colocam-se os problemas das fontes de financiamento, da mudança do perfildas garantias, da promoção de consórcios e de novos arranjos competitivos edo estímulo à fusão de empresas. Principais ações atualmente em curso nessalinha: (a) desoneração tributária, através de ampliação do prazo de arrecadaçãoe redução do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) e depreciação ace-lerada para bens de capital, modernização portuária (Programa Reporto),desoneração de impostos federais para empresas exportadoras, incentivosfiscais à inovação (dedução das despesas no Imposto de Renda); (b) medidasde incentivo ao investimento, à poupança e ao crédito, através de estímulo aocrédito consignado e ao microcrédito, estudo sobre a criação de um “cadastropositivo”, novos instrumentos de crédito para a agroindústria, inclusão bancária(contas simplificadas); (c) melhoria do marco legal, através de nova Lei deFalências (Lei nº 11.101), reforma do Código de Processo Civil, reforma doSistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (em estudo)25, parcerias público--privadas (Lei nº 11.079), aprimoramento das agências reguladoras (Projeto deLei nº 3.337/04), Lei de Inovações (Lei nº 10.973), reforma do mercado deresseguros (em estudo); (d) melhoria do ambiente de negócios, através deprojeto de lei para simplificação de registro e fechamento de empresas, emconsulta pública no site da Presidência da República durante o mês de junho;26

(e) diversos projetos na área de infra-estrutura portuária, de transportes, energiae telecomunicações; e (f) criação de uma “sala do investidor”, ligada diretamenteà Presidência da República, para coordenar institucionalmente a atração deinvestimentos nacionais e externos.

25 Uma política de defesa da concorrência compatível com políticas industriais de raiz neo--schumpeteriana é viável, desde que não se encare, por exemplo, o estímulo à cooperaçãointerempresarial para aprendizagem coletiva como abdicação do controle sobre condutasnocivas anticoncorrenciais. Na área de P&D, talvez seja necessária a criação de “zonasde exceção” para setores industriais prioritários, com regras mais flexíveis de prevençãoe controle.

26 O Banco Mundial, em estudo intitulado Doing Business in 2004 — disponível em<http://www.doingbusiness.org/Main/DoingBusiness2004.aspx> —, demonstrou que, emmédia, se gastam 150 dias para abrir uma empresa no Brasil. Além disso, outros fatores,como a regulamentação trabalhista, a eficiência do Judiciário, o acesso ao crédito e oprocesso de falência, contribuem para a baixa eficiência empresarial no País.

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Opções estratégicas

As opções estratégicas foram escolhidas pelo potencial de dinamismo,pela capacidade de atração de investimentos, pelas novas oportunidades denegócios, intensivas em inovação, pelo adensamento do tecido produtivo e porapresentarem vantagens comparativas dinâmicas. Nesses requisitos, estão ossetores de semicondutores, software, fármacos e medicamentos e bens decapital. Sinaliza-se a clara relação entre essas prioridades e as políticas públicassetoriais, como são as políticas de saúde relacionadas com o tema dos fármacos.A pesquisa agropecuária é lembrada como causa central da competitividade doagronegócio como exemplo de conexão entre o investimento em P&D e o impactoem políticas públicas. As principais ações atualmente em curso nessa linhareferem-se a incentivos ao setor de semicondutores (a balança comercial, nessesetor, apresenta déficit de US$ 6 bilhões/ano), software (BNDES), bens decapital (Modermaq e Finame, do BNDES) e fármacos (Profarma do BNDES).Além dos setores ditos “estratégicos”, a política sinaliza os setores “portadoresde futuros”, cuja realidade na cadeia produtiva ainda é precária e que apresentamas maiores tendências de alteração de processos e produtos. São eles: ananotecnologia e a biotecnologia. Em relação à biotecnologia, as ações estãoconcentradas na implantação do Centro de Biotecnologia da Amazônia, em fasede implantação, na criação de um fórum de Competitividade no Governo Federal,na modernização dos marcos legais (Lei de Biossegurança) e no programabrasileiro de biocombustíveis (biodiesel), dentro do quadro internacional,estimulado pelo protocolo de Quioto. Relacionada ao desenvolvimento dananotecnologia, o Governo Federal vem atuando na criação de um sistemanacional de P&D. Através dos fundos setoriais da Finep, já foram alocadosrecursos para fortalecer a pesquisa básica, as redes de pesquisa e odesenvolvimento de projeto, para a criação do laboratório nacional de micro enanotecnologia.27

27 A escolha de setores e os instrumentos propostos não devem se confundir com a opçãopolêmica e criticável conhecida como “escolha dos vencedores” (Alem; Barros; Giambiagi,2002). No caso da PITCE, os incentivos são de natureza creditícia ou em P&D; não háqualquer tentativa de reeditar as “reservas de mercado” dos anos 80, ou uma política desubsídios que seria insustentável no âmbito da OMC. Além disso, o critério-chave deelegibilidade, além da escala e do potencial de inovação, é a redução seletiva dos déficitsna balança de pagamentos.

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Um novo arranjo institucional

O escopo da proposta de política industrial apresentado pelo GovernoFederal, capaz de associar ações horizontais (ou transversais) com açõesverticais (industrial targeting), exige uma ampla coalizão de forças políticaspara ser executado. Como toda coalizão supõe convergência de interessesmateriais e uma compreensão comum de uma visão de futuro, o papel doGoverno é crítico. O Estado deve ser capaz de estimular a formação dessacoalizão e de garantir sua virtuosidade, isto é, fazer a mediação entre interessesparticulares potencialmente divergentes — de setores que perdem e de outrosque ganham — e constituir, afinal, os interesses nacionais de um projeto dedesenvolvimento mobilizador.28 Esse poder de arbitragem terá mais eficiênciaquanto mais flexibilidade possuírem os instrumentos disponíveis (de políticaeconômica, por exemplo) e quanto maior for a capacidade de análise estratégicapara a percepção das janelas de oportunidade que estão se abrindo e fechandona economia globalizada.

Essa forma de intervenção supõe, grosso modo, um padrão mais indiretoe complexo de atuação, por vezes mais sutil, afinal de contas, quem investe egera renda e emprego é o capital privado. A interação de múltiplos atores emcenários de grande incerteza requer persistência e perseverança, como lembraGadelha (2001). A criação de uma organização pequena, focada e enxuta, dotipo “agência”, tenta responder exatamente a esses requerimentos. Combinadacom uma arena de diálogo sistemático, onde o exercício do lobby é legítimo etransparente, a arquitetura institucional completa-se com os atores sociais, quetêm, inclusive, amparo na experiência internacional.29

28 O exemplo coreano é paradigmático, o sucesso da política industrial na década de 60 tevecomo fator-chave a grande articulação entre as instituições encarregadas da políticaeconômica de curto e longo prazos sob coordenação governamental direta, comodemonstrou a Professora do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Alice Amsden(1989), especialista em economias asiáticas. Ainda sobre o debate do tamanho do Estado,perguntada sobre as recentes crises cambiais nos países asiáticos e em Taiwan (outroexemplo de sucesso), a Professora Amsden, respondeu: “Em Taiwan não houve crise.Não tinha como acontecer: o Governo garante os empréstimos e controla o mercadofinanceiro. Os próprios bancos são estatais. Os taiwaneses têm quatro tipos de empresasestatais de diferentes origens: japonesa, porque foram invadidos pelos japoneses; chinesa,porque importaram as indústrias da China continental; os militares têm um grande parqueindustrial; e indústrias privadas falidas, que foram encampadas pelo governo”(Carta Capital,1998).

29 Os lobbies são manifestações de pluralismo em sociedades democráticas e, em muitospaíses, são regulamentados por dispositivos constitucionais; nesse contexto (e só aqui!),são formas legítimas de pressão. A esse respeito, ver Graziano (1997).

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Uma das primeiras dificuldades de formulação da política industrial numcenário onde o Estado interventor não é mais viável e o Estado regulador aindanão se consolidou não é, paradoxalmente, a ausência crônica de fontes definanciamento. O primeiro e mais grave problema reside na construção decapacidade de governo30 para gestar a política nessa nova conjuntura,radicalmente diferente do ciclo desenvolvimentista dos anos 60, quando asolução mais simples teria sido elaborar um clássico plano de desenvolvimento,resolvendo problemas de pesquisa operacional e programação econômica, quemsabe, encomendado pelo Presidente da República ao Ministro do Planejamentoou ao IPEA.

A capacidade de governo nessa área sempre foi difusa, precária e ineficaz,objeto de intermináveis conflitos entre capitães da indústria, burocratasfazendários e desenvolvimentistas. A administração dos instrumentos de políticaindustrial sempre foi partilhada de modo caótico e descoordenado entre váriosministérios. Para exemplificar e ilustrar o problema, havia, no passado recente(até meados dos anos 90), uma divisão de funções entre o então MDIC, queadministrava a política de incentivos, o INPI e o Instituto Nacional de Metrologia,Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), administrando a política detransferência de tecnologia e a normatização, o Ministério da Fazenda cuidandoda política de comércio exterior — através da Carteira de Comércio Exterior(Cacex) — e do controle de preços — através da Comissão Interministerial dePreços (CIP). Em 1985, a política de tecnologia passou para o MCT, o Ministériodo Interior administrava os incentivos regionais, e o BNDES vinculava-se àSecretaria do Planejamento da Presidência da República, que ainda não eraMinistério.

A superposição anárquica das várias reformas administrativas — quasetodas inconclusas — mudou constantemente o lugar institucional dosinstrumentos de política industrial. O que parece ser constante é o despreparodas agências governamentais envolvidas, pela falta de quadros e de inteligênciaestratégica, pela carência material, pela confusão do quadro legal e, finalmente,pela baixa autoridade política. Durante o Governo Sarney, conforme Rua eAguiar (1995), na segunda metade dos anos 80, a multiplicidade das agênciasburocráticas envolvidas e os conflitos gerados produziram, de forma ambígua,a política industrial.

30 O conceito de “capacidade de governo” é aquele derivado de Matus (2000), um conjunto dehabilidade e perícia da direção das organizações que depende do grau de governabilidadee da exigência em recursos imposta pela natureza do seu projeto de governo.

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[A] [...] esta fragmentação de poder, de natureza organizacional,acrescentava-se a multiplicidade de objetivos, freqüentemente conflitantes,entre as agências burocráticas. De fato, o MIC assumia como seu objetivoprimeiro incentivar a indústria, tendo que desembolsar, para tanto,volumosos recursos financeiros. Este curso de ação, todavia, contrariavaa prioridade do MF, de controle do meio circulante e de redução do déficitpúblico. Já o MME insistia em restringir quaisquer projetos de abertura domercado que não estabelecessem claras garantias de incentivo à indústrianacional, pois temia que as empresas estatais fossem prejudicadas pelacompetição externa descontrolada (Rua; Aguiar, 1995, p. 255).

A dificuldade de construir consensos e de impor coerência ao conjunto dasdecisões, indicando a ausência de um espaço institucional de caráter político,com regras claras para resolver os conflitos de opinião, foi o traço marcante dapolítica industrial nos primeiros governos pós-regime militar, os de Sarney eCollor. Entre as causas dessa dificuldade estão a completa ausência de pactuaçãocom os setores populares e a baixa participação da comunidade científica.Bom exemplo desse quadro lamentável foi o último plano de política industrialapós o Plano Nacional de Desenvolvimento, a Política Industrial e de ComércioExterior (PICE), divulgada em 26 de junho de 1990, ancorada na exposiçãoprogressiva da economia à competição internacional.31 Durante o Governo Collor,a formulação dos diversos planos da política industrial32 ficou subordinadapraticamente ao Ministério da Economia e aos escalões burocráticos, excluindo,por exemplo, a participação da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e daCentral Única dos Trabalhadores (CUT). Nos dois governos de Fernando HenriqueCardoso (entre 1995 e 2002), a elaboração da política industrial ficou totalmentesubordinada aos objetivos da política de estabilidade monetária, apesar dasiniciativas marginais de incremento das exportações e de apoio ao sistema deciência e tenologia, como já foi abordado anteriormente.

A política atualmente em vigor começou a ser elaborada em 2003, com aformação do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) no âmbito da Câmara dePolítica Econômica (uma das várias câmaras do Conselho de Governo ligadasdiretamente à Presidência da República). O GTI, coordenado pelo Ministério doDesenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, elaborou o documento Diretrizes(2003) e sugeriu a criação de uma agência nacional para coordenar o conjunto

31 Para aprofundar a análise institucional da formulação e da execução da política industrialnos anos 80 e 90, consultar Guimarães (1996).

32 Programa de Apoio à Capacitação Tecnológica da Indústria Brasileira (PACTI, 1990), ProgramaBrasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP, 1990) e o Programa de CompetitividadeIndustrial (PICE, 1991).

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amplo e complexo das medidas horizontais e verticais propostas pela política.Deve-se ressaltar que o Ministério da Fazenda protagonizou o trabalho deelaboração com o mesmo empenho e compromisso que os demais ministérios.Esse detalhe é importante, porque há no senso comum do debate sobre políticaindustrial um viés de raciocínio que associa sempre a implementação de talpolítica com incentivos e benefícios, muitas vezes cartoriais e injustificáveis,lesivos ao erário público e, por isso mesmo, com enorme resistência e atéoposição da área fazendária. Este não parece ser o caso da PITCE, que resultoude intenso processo de pactuação de pelo menos sete Ministérios (doDesenvolvimento, da Fazenda, da Ciência e Tecnologia, do Trabalho e Emprego,da Saúde, da Integração Nacional, da Casa Civil, além do BNDES, do IPEA eda Apex).

Desde o início, o conceito que presidiu a construção institucional daproposta foi a necessidade de articulação e coordenação dos vários projetos eações propostas, sabendo-se já que a experiência histórica de dispersão e defragmentação das várias organizações federais explica, em parte, a quase--totalidade dos insucessos nessa área. Além disso, parte do fracasso vem daexistência de estruturas burocráticas fracas, o que produz o que Schneider(1994) chamou de “capitalismo político”: Segundo esse autor,

Essa dependência do Estado e da volatilidade de suas políticas mobilizatodos os atores políticos no sentido de procurar influenciar a burocraciaeconômica. Os capitalistas se mobilizam naturalmente para influenciaras decisões que mais os afetam. Os políticos e outros atores políticosreconhecem que as funções normais de um legislativo fraco (ou mesmoas funções tradicionais de um Estado liberal) são menos relevantes queos enormes poderes arbitrários nas mãos da burocracia econômica.Esses atores buscam o poder nessa burocracia e assim politizam aadministração, o que por sua vez torna mais provável que as políticassejam temporárias e negociáveis (Schneider, 1994, p. 347-348).

A busca de sinergia e de efeitos horizontais capazes de unificar e de darpotência à ação governamental, priorizando áreas, hierarquizando elementosde um sistema a ser consolidado, criando ambientes institucionais para geraçãode consensos duradouros (dentro do Governo e com o setor privado), enfim,evitando a volatilidade das regras, foi internalizada como categoria básicapara construir uma nova política pública para a indústria brasileira.

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Criação da Agência Brasileira de Desenvolvi-mento Industrial (ABDI)

A ABDI foi criada por lei aprovada no Congresso Nacional brasileiro, em 30de dezembro de 2004 (Lei nº 11.080), e regulamentada por decreto presidencialem 24 de janeiro de 2005 (Decreto nº 5.352). Textualmente, a Lei estabeleceque a finalidade da Agência é promover a execução de políticas dedesenvolvimento industrial em sentido amplo, especialmente os programasque contribuam para a geração de empregos, em consonância com as políticasde comércio exterior e de ciência e tecnologia. A ABDI define-se juridicamentecomo um “serviço social autônomo”,33 pessoa jurídica de direito privado semfins lucrativos, de interesse coletivo e de utilidade pública, com regime decontratação funcional baseado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

A estrutura da Agência é simplificada: uma Diretoria Executiva com trêsdiretores, com funções técnicas específicas, um Diretor de Inovação (gestão dainovação e desenvolvimento), um de Desenvolvimento Industrial (complexosprodutivos e desenvolvimento produtivo local) e um Diretor-Presidente. OConselho Deliberativo é composto por 15 membros com representação deentidades da indústria (sete) e do Governo (oito) e um Conselho Fiscal. Entreos representantes da sociedade civil, encontra-se a Central Única dosTrabalhadores. Os representantes do Poder Executivo são o MDIC, a Casa Civilda Presidência da Republica, o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Ministérioda Fazenda, o Ministério do Planejamento, o Ministério da Integração Nacional,o BNDES e o IPEA. Pelo setor privado, estão presentes a Confederação Nacionalda Indústria, a Agência de Promoção de Exportações do Brasil (Apex-Brasil),serviço social autônomo, a Confederação Nacional do Comércio (CNC), o ServiçoBrasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a Central Única dosTrabalhadores, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI)e a Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos

33 Essa figura jurídica foi criada na vigência da Constituição de 1946, quando não havianormas específicas sobre a Administração Indireta, daí a dificuldade na definição da suanatureza jurídica e do seu enquadramento legal entre as entidades da AdministraçãoIndireta. Naquela circunstância, o Governo Federal agiu muito mais para fomentar a iniciativaprivada através da subvenção compulsória do que para repassar a prestação de umserviço público. É uma atividade privada de interesse público. Isso significa que aparticipação do Estado no ato de criação ocorreu para incentivar a iniciativa privada, pormeio de subvenção garantida através da instituição compulsória de contribuições parafiscaisdestinadas especificamente a essa finalidade.

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Inovadores (Anprotec). A previsão inicial é de um corpo técnico especializadoem torno de 50 a 60 funcionários definidos em seleção pública.

Os diretores são nomeados pelo Presidente da República, para o exercíciode um mandato de quatro anos. Um dos aspectos que merecem destaque é aobrigatoriedade legal de firmar um “contrato de gestão” entre a Agência e oministério responsável, no caso o Ministério do Desenvolvimento, Indústria eComércio Exterior, com acompanhamento do Ministério do Planejamento. Nocontrato de gestão, deverão constar metas, objetivos, prazos e responsabi-lidades para a avaliação dos recursos públicos eventualmente repassados. Alémdisso, o decreto regulamentador prevê que o contrato de gestão explicite oscritérios objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizados pelos órgãossupervisores e controladores. Outro instrumento de controle é a obrigatoriedadede análise das contas anuais pelo Tribunal de Contas da União (TCU), órgãovinculado ao Poder Legislativo, que também deverá fiscalizar o cumprimentodo contrato de gestão, determinando medidas corretivas, quando for o caso.

A Agência é financiada pelo adicional de contribuição social que incidesobre os gastos de pessoal das empresas e é recolhido pelo Ministério daPrevidência Social, assim como nos demais serviços sociais autônomos, alémde receber verbas orçamentárias da União mediante condições fixadas nocontrato de gestão.34

Em abril de 2005, a ABDI realizou o seu primeiro planejamento estratégico,estabelecendo como visão de futuro a “[...] mudança do patamar da Indústriapela inovação e diferenciação de produtos e serviços, com inserção ereconhecimento nos principais mercados do mundo” (ABDI, 2005).35 As restriçõesidentificadas para o alcance da visão de futuro localizam-se nos âmbitostemáticos da educação, na carga tributária, na infra-estrutura, no financiamentopara a atividade produtiva e nos marcos regulatórios.

Os macrobjetivos propostos são: (a) o fortalecimento e a expansão dabase industrial, implicando os desafios do fortalecimento das cadeiasprodutivas, da estrutura regional (APLs), a inserção internacional ativa e oapoio às ações estratégicas e portadoras de futuro (PITCE); (b) o aumento dacapacidade inovadora das empresas, implicando os desafios de incentivarprocessos de inovação, desenvolver ambiente inovador e instrumentos depesquisa, desenvolvimento e inovação (P, D&I), realizar prospecção tecnológica

34 A repartição das receitas a essas entidades (Sebrae, Apex, etc.) é regulada pela LeiFederal nº 8.029, de 1990.

35 O workshop realizado em abril de 2005 (ABDI, 2005) contou com a participação de 41organizações públicas e privadas e gerou 296 projetos e/ou iniciativas em todos os âmbitosda PITCE.

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e acompanhar os projetos de inovação. A cada desafio sinalizado correspondemprogramas de ação específicos. Por exemplo, o desafio de estimular edesenvolver atividades de P, D&I em micro e pequenas empresas (MPEs)será trabalhado por um programa de fomento (P, D&I nas MPEs), envolvendoações em relação a compras externas, compras governamentais, financiamento,proteção à propriedade intelectual, encomendas e instrumentos fiscais, a partirde várias parcerias entre os setores público e privado. O plano estratégicoprevê a execução de 11 grandes programas. Atualmente, a Agência estádetalhando a estratégia de implementação dos programas, bem como aspectostáticos e operacionais relacionados. Cabe registrar que uma das funções maisestratégicas da Agência, que é estabelecer a articulação permanente entretodos os atores envolvidos na execução da PITCE, foi formalizada pelo planoestratégico no Programa 10 (Articulação com o Ambiente Externo). Segundo oenunciado

[...] a articulação institucional é fundamental na consolidação dosobjetivos da ABDI e na implementação da PITCE. Essa articulação deveráprivilegiar a parceria, a concertação de interesses públicos e privadose a consistência e viabilidade técnica e institucional dos programas eprojetos [...] (ABDI, 2005, p. 50).

Uma das ações finalísticas da agência é exatamente construir e desenvolvero diálogo com o setor privado, os empresários e os trabalhadores, atuando quasecomo “órgão executivo” do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial(CNDI), com as agências de desenvolvimento regionais e internacionais eespecialmente com os Ministérios da Administração Direta da União.

Um espaço privilegiado para a articulação institucional da ABDI são os“fóruns de competitividade”, criados no governo de Fernando Henrique Cardosoe coordenados pelo MDIC, retomando um conceito antigo das “câmarassetoriais”. Os “fóruns” são organizados com base no conceito de cadeiaprodutiva, o que permite visualizar todos os elos e gargalos do negócio. Omecanismo funciona como sistematizador e organizador das demandasempresariais e dos trabalhadores, hierarquizando prioridades e definindoconsensos. Os critérios para seleção das prioridades consideram os ganhos decompetitividade, o aumento do nível de emprego, ocupação e renda e adesconcentração produtiva. Os projetos finais são encaminhados à Câmara dePolítica de Desenvolvimento Econômico; atualmente, estão em operação 15“fóruns”, em vários estágios de funcionamento e organização.36 A seguir,apresenta-se um diagrama que esquematiza as principais relações institucionaisda Agência (Figura 1).

36 Para mais informações, consultar o documento Brasil (2004).

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Criação do Conselho Nacional de Desenvol-vimento Industrial

A criação de um conselho capaz de articular o debate entre o setor industriale as autoridades públicas não é nova. Nos anos 40 e 50, durante o Plano deMetas, diversos conselhos e grupos executivos tiveram natureza e funçãosemelhante, alguns, inclusive, obtiveram sucesso em suas atribuições. NoGoverno Sarney, por exemplo, foi criado o Conselho de DesenvolvimentoIndustrial (Decreto nº 96.056, de 19.05.88), com colegiado interministerial,porém sem representação dos trabalhadores e com participação empresarial

FONTE: AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL — ABDI.FONTE: Plano de Desenvolvimento Industrial, Tecnológico e de Comércio Exte-FONTE: rior — horizonte 2008, Brasília, 2005. (Workshop, mimeo).

Figura 1

Modelo institucional

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pequena. Mais recentemente, o próprio setor empresarial propôs a criação deum conselho para debater o desenvolvimento industrial (IEDI, 2000).37 O atualconselho é vinculado diretamente à Presidência da República e presidido peloMinistro do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio Exterior e tem comoatribuição a proposição de políticas nacionais e medidas específicas destinadasa promover o desenvolvimento industrial do País. A grande maioria das medidasde desoneração tributária sobre investimentos, exportações ou bens de capitalencaminhadas ao Congresso Nacional em 2004 e 2005, na forma de projetos delei ou de medidas provisórias, foram debatidas nesse conselho.38

O CNDI é composto por 13 ministros, pelo Presidente do BNDES e por 14representantes da sociedade civil, empresários e trabalhadores. As primeirasatividades iniciaram, informalmente, em abril de 2004, realizando cinco reuniõesaté a data de instalação oficial, no dia 17 de fevereiro de 2005. O regimentointerno do Conselho prevê reuniões bimensais e enuncia expressamente quecabe ao CNDI propor medidas para o desenvolvimento do País e acompanhar eavaliar as medidas da PITCE. A natureza de participação colegiadainterministerial e a participação de personalidades representativas do setorempresarial e dos trabalhadores conferem ao Conselho uma natureza político--corporativa fundamental para legitimar as ações governamentais.

Conclusões

A formulação da política industrial brasileira quase sempre foi umsubproduto marginal da política macroeconômica. A sua constituição como objetode pesquisa e política pública específica veio só depois que se consolidou aindústria básica no País. Até mais ou menos meados dos anos 70, a políticaindustrial não passava de um conjunto de subsídios desordenados e marcos

37 O IEDI propôs um conselho bem menor, com nove membros e com representação dosgovernos estaduais. Os objetivos seriam “[...] constituir um locus de discussão empresarial,independentemente de associações de classe e de setores de atuação das suas empresase contribuir para o estabelecimento da cooperação e de iniciativas coordenadas entre osetor público e o setor privado [...] encaminhar propostas de desenvolvimento industrial eacompanhar e avaliar a execução das políticas na perspectiva empresarial “ (IEDI, 2000,p. 7).

38 São exemplos ocorridos em 2004 e 2005: Programa Reporto, depreciação acelerada debens de capital, plataforma de exportações, lei complementar para microempreendedores,diminuição do IPI, programa “PC Conectado”, etc.; muitas medidas ainda tramitavam noLegislativo nacional, no momento em que este artigo foi escrito, junho de 2005.

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legais insuficientes, muitos deles estimulando distorções e ineficiências, políti-cas setoriais muito localizadas e quase sempre cartoriais e de proteção à expo-sição competitiva dos mercados externos. O cenário transformou-se, como setentou descrever ao longo do texto, num ambiente de alta exposição externa,abertura financeira, mudança do paradigma tecnológico e gerencial e, sobretu-do, alteração brutal nas condições de intervenção do Estado nacional, da inter-venção desenvolvimentista para a regulação sob a égide da globalização.

A atual política industrial do Governo Lula, anunciada em março de 2004,parece repetir diretrizes e instrumentos presentes em outros planos dos anos90, com ênfase, por exemplo, no aumento da competitividade das empresas,no mercado externo ou na melhoria de qualidade da força de trabalho, e nissonão há demérito, antes o contrário. Entretanto há pelo menos três conceitosessencialmente diferentes: (a) a sinergia buscada entre política industrial, emsenso estrito (seja ela vertical, seja horizontal), com a política de comércioexterior e a política tecnológica, (b) o foco na inovação e, particularmente, (c) aconstrução de um novo instrumento de coordenação e construção de consensos,a ABDI e o CNDI. Não será preciso refletir em demasia para perceber que aestabilidade relativa da economia brasileira (mesmo com as altas taxas dejuros reais) e as condições externas favoráveis também diferenciam omomentum atual das experiências anteriores.

Embora a ABDI tenha a função de executar a PITCE, efetivamente tende ase construir como um centro de policy-making da política industrial, na medidaem que poderá reunir um conjunto de quadros técnicos altamente qualificado.Não se trata de estabelecer novamente uma competição entre agentesburocráticos, insulados em centros de excelência, com os decisores políticos,os ministérios ou o Legislativo, mas de tentar uma nova arquitetura funcional,capaz de vencer a fragmentação e a entropia organizacional sistemática doEstado brasileiro.39

Poder-se-ia objetar que há um risco de “descolamento” da performanceda Agência com o centro de decisão política do Governo, de autonomia burocráticaou mesmo de “captura” por interesses setoriais ou singulares de segmentosindustriais eventualmente credores de medidas governamentais. Há váriosargumentos para negar essa possibilidade. O primeiro é a própria constituição

39 Um grupo burocrático pode assumir funções políticas, se possuir os pré-requisitos deformular intenções políticas, ajustar suas intenções a procedimentos governamentais,competir pelo preenchimento de cargos governamentais, ocupar posições centrais noGoverno, possuir qualificação para comando ou gerenciamento de atividadesgovernamentais e capacidade de controlar a implementação das decisões públicas (Peters,1981).

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da Agência e sua natureza jurídico-institucional. A ABDI não é uma agênciareguladora, autônoma e independente do Governo; o mandato dos seusdirigentes é revogável a qualquer tempo pelo Presidente, assim como osrepresentantes governamentais no Conselho Deliberativo. Além disso, a Agênciasurgiu como parte de uma política industrial já concebida e desenhada peloGoverno na suas principais diretrizes e ações, isto é, com foco estratégico jádesenhado. A política da Agência está subordinada também a duas Câmaras doConselho de Governo, à Câmara de Políticas de Desenvolvimento Econômico(CPDE) e à Câmara de Política Econômica (CPE). A criação de uma agênciacoordenadora e executiva representa uma inovação institucionalqualitativamente superior em relação às experiências passadas, em que pesea necessária avaliação e o monitoramento de sua operação efetiva nos próximosanos.

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Liberalização comercial e desigualdadesalarial na indústria brasileira — 1981-02*

Marina Silva da Cunha** Professora Adjunta do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Doutora em Economia Aplicada pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo

ResumoNeste trabalho, é apresentada uma análise empírica dos impactos da liberalizaçãocomercial sobre a desigualdade salarial brasileira, considerando--se, em especial, os diferentes níveis de qualificação (anos de escolaridade)dos trabalhadores da indústria de transformação. Os dados abrangem o período1981-02 e têm como base as informações das PNADs do IBGE. Encontram-seevidências de que, a partir da abertura comercial, ocorreu uma redução da desi-gualdade salarial na indústria de transformação e no salário real médio. Porémtal redução da desigualdade salarial mostra-se pouco expressiva. Também éobservada uma diminuição da desigualdade salarial entre os níveis educacio-nais, durante o período de abertura comercial. Por fim, é possível verificar-seuma relação estatisticamente significativa entre a redução da desigualdadesalarial entre trabalhadores qualificados e menos qualificados e a liberalizaçãocomercial.

Palavras-chaveLiberalização comercial; indústria; desigualdade salarial.

AbstractIn This work is presented an empirical analysis of the impacts of the tradeliberalization on the Brazilian wage inequality, considering, in special, the different

* Artigo recebido em dez. 2005 e aceito para publicação em dez. 2006.

** E-mail: [email protected]

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levels of skill (years of schooling), of the workers of the industry. The data includethe period 1981-2002 and have as base the information of the PNADs of theIBGE. This work finds evidences of that from the trade opening occurred a reductionof the wage inequality in the industry and of the average real salary. However,such reduction of the wage inequality reveals little expressive. Also a reductionof wage inequality is observed between the educational levels during the periodof trade opening. Finally, it is possible verify a relation statistically significantbetween the reduction of the wage inequality between skilled and unskilled workersand the trade liberalization.

Key wordsTrade liberalization; industry; wage inequality.

Classificação JEL: J31.

1 Introdução

Nas últimas décadas do século XX, diversos países em desenvolvimentopassaram por processos de liberalização comercial. Evidências empíricas têmsugerido que essas reformas estão associadas a um aumento da eficiência e daprodutividade nas economias desses países. Entretanto inexiste consenso emrelação ao impacto da liberalização comercial sobre a desigualdade salarial.Experiências como a observada no México apontam uma coincidência cronoló-gica entre as reformas de liberalização comercial e as ampliações dos prêmiossalariais pagos a trabalhadores qualificados e da desigualdade salarial. Taisobservações frustram aqueles que esperavam que a abertura externa pudesseconcorrer para a redução da desigualdade e da pobreza nos países em desen-volvimento (Attanasio; Goldberg; Pavenik, 2003). Em diversos países da Améri-ca Latina e do Caribe, esse processo também tem levado a um aumento nosdiferenciais salariais entre trabalhadores menos e mais qualificados, paralela-mente a um crescimento da desigualdade salarial (Taylor; Vos, 2001).

No entanto, no Brasil, alguns trabalhos indicam um aumento dos diferen-ciais salariais entre trabalhadores menos qualificados e qualificados, mas acom-panhado por uma relativa estabilidade da desigualdade (Barros; Corseuil; Cury,2000; Green; Dickerson; Arbache, 2001; Arbache; Dickerson; Green, 2004). Nes-

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se sentido, o Brasil tem-se constituído em um caso atípico, justificando a rele-vância de novas pesquisas dentro do tema. Buscando contribuir para essa dis-cussão, o objetivo deste trabalho é realizar uma investigação empírica dosimpactos da liberalização comercial na desigualdade salarial brasileira, emespecial entre os trabalhadores com diferentes níveis de qualificação. Em parti-cular, examina-se a desigualdade salarial na indústria de transformação, setormais dinâmico da economia e que sofreu, de maneira intensa, os impactos dasreformas comerciais.

A análise é realizada em três etapas. Inicialmente, apresenta-se uma bre-ve revisão teórica e empírica acerca do tema, fundamentada na teoria de co-mércio internacional que pressupõe que uma maior abertura comercial de paí-ses em desenvolvimento provocaria redução da desigualdade salarial entre tra-balhadores com maior e menor qualificação. Em seguida, é caracterizada a de-sigualdade salarial interindustrial brasileira. Por fim, analisa-se o comportamen-to da desigualdade salarial entre trabalhadores qualificados e menos qualifica-dos. Dessa forma, procuram-se responder três questões ao longo do trabalho.Primeiro, se ocorreu uma redução da desigualdade salarial após o início daabertura comercial na indústria brasileira; segundo, se o comportamento da de-sigualdade salarial está associado a uma queda ou a um aumento da desigual-dade salarial entre trabalhadores com maior e menor qualificação; e, terceiro, seexiste alguma relação entre a liberalização comercial e a desigualdade salarialdesses trabalhadores.

2 Aspectos teóricos e empíricos

Conforme o teorema de Hecksher-Ohlin, um país tende a exportar bensque são intensivos no fator de produção abundante, dado este apresentar relati-vamente menor custo que o fator mais escasso. Assim, países com o fatorcapital mais abundante dever-se-iam concentrar na produção de bens intensi-vos em capital, enquanto os com fartura do fator trabalho se concentrariam nosintensivos em mão-de-obra.

O teorema de Stolper-Samuelson, que generaliza o modelo de Hecksher--Ohlin, foi a primeira formulação teórica a explicar os efeitos da liberalizaçãocomercial sobre a distribuição de renda entre os países. Segundo tal teorema,os efeitos da liberalização comercial para o mercado de trabalho de paísesdesenvolvidos e em desenvolvimento seriam diferentes. Nos primeiros, haveriaum aumento das exportações dos bens intensivos em mão-de-obra qualificada,provocando um aumento da dispersão salarial; nos segundos, ocorreria um

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aumento das exportações de produtos intensivos em mão-de-obra com baixaqualificação, acarretando uma redução da dispersão salarial.

A combinação dos dois teoremas, denominada HOS, indica que, nospaíses em desenvolvimento, o aumento das trocas internacionais, propiciadopor uma mudança na política comercial, conduziria a uma alta nos preços rela-tivos dos produtos intensivos em mão-de-obra com baixa qualificação e, porconseguinte, a uma elevação dos salários relativos dos trabalhadores de menorqualificação. De outro lado, o salário relativo da mão-de-obra qualificada diminui-ria, já que o país ampliaria a importação de bens intensivos nesse fator deprodução. Como resultado final, a liberalização comercial melhoraria os indica-dores de desigualdade de renda em um país em desenvolvimento.

As predições do teorema HOS encontraram suporte empírico em paísesque passaram por um processo de liberalização comercial nas décadas de 60 e70, tais como os Tigres Asiáticos (Coréia do Sul, Cingapura, Taiwan e HongKong), conforme Wood (1997). Por sua vez, a crescente abertura econômicados EUA tem sido apontada como uma das causas do aumento da sua desi-gualdade salarial nas últimas décadas, dado que a elevação da competiçãofrente aos países com salários menores tem reduzido a demanda por trabalha-dores menos qualificados nos EUA e, conseqüentemente, provocado reduçãosalarial no País (Feenstra; Gordon, 1996).

No entanto, experiências recentes de países em desenvolvimento não têmobtido resultados tão favoráveis para o teorema HOS. No México, por exemplo,Hanson e Harrison (1999) concluíram que o processo de abertura econômicaampliou o diferencial salarial entre os trabalhadores menos qualificados e osqualificados. Segundo eles, o Governo mexicano decidiu abrir a economia doPaís em 1985 e, nos três anos seguintes, reduziu a maioria das barreiras comer-ciais.1 Concomitantemente, porém, o diferencial salarial aumentou, depois deduas décadas com uma tendência de queda. Os autores explicam esse fatoargumentando que o México dispõe de uma intermediária abundância de traba-lhadores qualificados na comparação com o resto do mundo. Assim, antes daabertura comercial, os setores com trabalhadores menos qualificados eram pro-tegidos pelas barreiras comerciais, e a redução das mesmas afetou mais queproporcionalmente esses trabalhadores, expondo-os à competição de paísescomo a China.

Como mostram Beyer, Rojas e Vergara (1999), o início do processo deabertura econômica do Chile ocorreu no ano de 1973, com a queda do governo

1 Em 1985, a tarifa média para a importação era de 23,5%, e 92,2% da produção nacionalpossuíam licença-importação. Já em 1987, esses percentuais estavam em 11,8% e 25,4%respectivamente.

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socialista do Presidente Allende e o começo do governo militar. Naquele ano, atarifa média de importação era igual a 105%, variando de 0% até 750%. Por suavez, ao final da década de 70, a tarifa média estava em 10%. Nesse período,ocorreu um aumento da desigualdade salarial no Chile, em função da reduçãodos preços relativos dos produtos intensivos em trabalho ou dos setores comtrabalhadores menos qualificados, o que, para os autores, se mostrou inconsis-tente com o previsto pelo modelo HOS.

A Colômbia, onde o processo de abertura comercial teve início no final dadécada de 70 e ganhou intensidade no começo dos anos 80, também experi-mentou um aumento dos prêmios salariais para os trabalhadores mais qualifica-dos. Segundo Attanasio, Goldberg e Pavenik (2003), a ampliação dos prêmiossalariais esteve associada, de um lado, às mudanças tecnológicas intensivasem trabalho qualificado e, de outro, à redução das barreiras tarifárias nos setoresintensivos em trabalho menos qualificado. Dessa forma, a liberalização comer-cial teria tido um efeito limitado na distribuição salarial. Segundo os autores, oprocesso de abertura afetou o setor informal do País, que se expandiu nesseperíodo, contribuindo para o aumento da desigualdade salarial observada.

Dessa forma, os resultados observados na América Latina parecem nãoestar de acordo com o postulado pelo teorema HOS, ou seja, a liberalizaçãocomercial surge associada a um aumento tanto dos diferenciais salariais entreos trabalhadores qualificados e os menos qualificados quanto da desigualdadesalarial.

É importante ressaltar que alguns autores fornecem algumas possíveisexplicações para o fato de várias experiências de abertura comercial de econo-mias latino-americanas não seguirem as predições do teorema HOS. Davis (1996),por exemplo, formulou um modelo no qual o aumento dos prêmios salariais paraos trabalhadores mais qualificados, em países em desenvolvimento, é explica-do pelo fato de que, embora tais países não tenham abundância em termosmundiais do fator de produção trabalho qualificado, eles possuem uma abundân-cia local ou relativa desse fator de produção, como sugerem, para o México,Hanson e Harrison (1999). Outras explicações, segundo Wood (1997), seriam aentrada de países como a China no mercado mundial, reduzindo a demanda pormão-de-obra menos qualificada nos países em desenvolvimento, e a geração ea disseminação de novas tecnologias com viés contra trabalhadores menosqualificados.

No Brasil, o processo de abertura comercial teve início a partir do final dosanos 80 e foi acompanhado por uma maior flexibilização no mercado de trabalhoe por reformas no setor financeiro. Em 1988 e 1989, foram diminuídas as tarifasmais excessivas e cancelados alguns regimes especiais. A partir de 1990, deforma gradual, as barreiras não tarifárias e todos os regimes especiais, com

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exceção dos da Zona Franca de Manaus e da indústria de computadores, tam-bém foram postos abaixo. Em 1994, a política tarifária subordinou-se ao objetivode estabilização do nível dos preços. Com isso, as alíquotas de vários produtoscom participação importante no nível de preços internos foram reduzidas. Se-guindo o mesmo propósito, foi antecipada, para setembro de 1994, a TarifaExterna Comum do Mercosul, prevista para o início de 1995. Conforme Moreirae Correa (1998), a experiência brasileira pode ser comparada com a da Coréiado Sul, onde o processo de liberalização ocorreu em cinco anos (1979-83) e foimais intenso no final do período, mas foi mais rápida que a do Chile,onde a redução das barreiras tarifárias e não tarifárias foi mais uniforme(1973-78).

Para Green, Dickerson e Arbache (2001), que analisaram a desigualdadesalarial na economia brasileira, no período 1981-99, após a abertura comercialocorreu um aumento da demanda por trabalhadores qualificados e, conseqüen-temente, um aumento dos prêmios salariais por eles recebidos. No entanto,esse trabalho apontou uma relativa estabilidade da desigualdade salarial no Bra-sil. Tal resultado foi corroborado por Barros, Corseuil e Cury (2000), que mostra-ram que, ao longo do período 1977-99, a desigualdade de renda foi “surpreen-dentemente” estável, uma vez que o nível de desigualdade, em 1999, era seme-lhante ao observado no final da década de 70, apesar de algumas oscilações aolongo do período.

3 Descrição dos dados

Este trabalho tem como base a População Economicamente Ativa (PEA)da indústria de transformação, e são utilizados os dados das Pesquisas Nacio-nais por Amostra de Domicílios (PNADs) publicadas pelo IBGE no período1981-02. No ano de 1981, existiam 47.488.526 pessoas economicamente ativasno Brasil, conforme a Tabela 1.2 Dessas, um total de 45.465.410 pessoas esta-vam ocupadas, sendo 6.810.647 na indústria de transformação, o correspon-dente a 14,98% da PEA total ocupada, conforme o Gráfico 1.

2 São consideradas pessoas economicamente ativas as que tinham trabalho durante todo ouparte do período da pesquisa, as pessoas que não exerceram o trabalho remunerado quetinham no período especificado por motivo de férias, licença, greve, etc. e aquelas quetomaram alguma providência efetiva de procura de trabalho na semana de referência daPNAD.

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Tabela 1 Evolução da população e da amostra, após a aplicação cumulativa das restrições,

no Brasil — 1981-2002

PEA PESSOAS OCUPADAS ANOS População

(1) Amostra População

(1) Amostra

1981 47 488 526 187 450 45 465 410 178 854

1982 49 884 736 202 932 47 925 851 194 426

1983 50 940 700 203 724 48 466 493 193 231

1984 52 443 112 206 344 50 208 765 196 921

1985 55 636 014 215 691 53 760 739 208 121

1986 56 816 215 119 023 55 435 973 115 964

1987 59 542 958 126 743 57 409 975 122 023

1988 61 047 954 127 282 58 728 534 122 095

1989 62 513 176 129 084 60 621 934 124 885

1990 61 915 995 132 400 59 673 644 127 386

1992 69 969 210 151 081 65 395 491 140 605

1993 70 965 378 152 915 66 569 757 142 559

1995 74 138 441 161 512 69 628 608 151 118

1996 73 120 101 155 900 68 040 206 144 294

1997 64 907 667 142 865 59 503 139 130 290

1998 76 885 732 166 745 69 963 113 151 002

1999 79 315 287 173 634 71 676 219 155 953

2001 83 243 239 184 821 75 458 172 166 913

2002 86 055 645 192 049 78 179 622 173 506

(continua)

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Tabela 1 Evolução da população e da amostra, após a aplicação cumulativa das restrições,

no Brasil — 1981-2002

INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO

INFORMAÇÃO DECLARADA

ANOS População

(1) Amostra População

(1) Amostra

1981 6 810 647 25 345 5 028 688 18 723

1982 7 029 497 27 029 5 113 629 19 731

1983 6 774 786 25 581 5 049 137 18 947

1984 7 136 181 26 643 5 376 680 19 933

1985 7 906 948 28 951 5 924 118 21 561

1986 8 986 445 17 345 6 560 521 12 541

1987 9 005 076 17 631 6 563 332 12 744

1988 8 985 990 17 162 6 486 339 12 245

1989 9 647 143 18 243 7 158 414 13 377

1990 8 913 506 17 724 6 381 947 12 662

1992 8 376 998 17 409 6 898 960 14 322

1993 8 539 323 17 617 7 129 454 14 713

1995 8 548 400 17 791 7 042 345 14 611

1996 8 407 147 17 033 7 018 971 14 173

1997 7 161 822 15 073 5 853 118 12 306

1998 8 230 597 16 940 6 918 752 14 187

1999 8 278 798 17 337 6 956 500 14 555

2001 9 300 279 19 357 7 922 885 16 485

2002 10 568 997 22 282 9 010 276 18 949

FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS — PNAD 1981/1990, 1992/1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de Janeiro, IBGE, 1983/1993, 1997/1999, 2002/2003.

(1) A estimativa da população é obtida, utilizando-se o fator de expansão disponibilizado pelo IBGE.

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O nível de ocupação da indústria de transformação em relação à PEA totalreduziu-se na década de 90, em comparação com a de 80, apresentando sinaisde recuperação apenas em 1999. No Brasil, contrariando as recomendações depolíticas macroeconômicas, o processo de liberalização comercial foi acompa-nhado por um movimento de apreciação cambial, em especial a partir daimplantação do Plano Real, no início de 1999. A valorização da moeda nacionaldeixou o setor produtivo doméstico exposto à competição com os produtosimportados mais baratos, embora, conforme Moreira e Correa (1998), esse com-portamento do câmbio tenha possibilitado um progresso tecnológico à industrialocal, dado que ampliou o acesso dos produtores nacionais aos bens de capitale aos insumos internacionais, combinado com um processo de concentração eespecialização da indústria brasileira. Após 1999, com a desvalorização cam-bial, os produtores industriais nacionais ficaram mais competitivos, o que favo-receu o setor e gerou alguma recuperação dos postos de trabalho.

Participação do pessoal ocupado na indústria de transformação, em relação à PEA total ocupada, e taxa de desemprego no Brasil — 1981-2002

0,0

2,0

4,0

6,0

8,0

10,0

12,0

14,0

16,0

18,0

1981 1983 1985 1987 1989 1992 1995 1997 1999 2002

(%)

Ocupação da Indústria

Desemprego

Gráfico 1

Legenda:

0,0

FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS — PNAD 1981/ /1990, 1992/1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de Janeiro, IBGE, 1983/1993, 1997/1999, 2002/2003.

Ocupação na indústria de transformação

Taxa de desemprego

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168 Marina Silva da Cunha

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 159-188, jul. 2007

Ainda no Gráfico 1, nota-se, como esperado, a correlação negativa entre ataxa de desemprego para a economia brasileira e a ocupação na indústria, con-firmando a importância do setor para a geração de postos de trabalho em toda aeconomia.3

Buscando uniformizar as informações de forma a permitir uma análiseadequada do tema, as próximas seções têm como base as pessoas com infor-mações declaradas sobre anos de escolaridade, idade, sexo, setor de atividade,filiação a sindicato, carteira de trabalho, região e condição da ocupação doconta-própria e dos empregados com rendimento positivo e com idade entre 18e 65 anos. Dessa forma, em 2002, existiam 9.010.276 pessoas ocupadas naindústria de transformação brasileira com informações declaradas, conforme aTabela 1. A seguir, analisar-se-á o comportamento da desigualdade salarialnesse setor.

4 Evolução da desigualdade salarial

Conforme a Tabela 2, no período 1981-02, ocorreu uma redução no salárioreal médio da indústria da transformação brasileira, que apresentou uma taxade variação negativa igual a 38,09%, caindo de R$ 961,82 em 1981 paraR$ 595,44 em 2002.4 Subdividindo-se esse período em duas fases, antes edepois do início do processo de abertura comercial, nota-se que, tanto noprimeiro período, 1981-87, quanto no subseqüente, 1988-02, os salários médiostiveram tendência de queda.

Porém tal uniformidade de tendência nos dois subperíodos não é observa-da nos índices de desigualdade salarial.5 Eles aumentaram no primeiro período,mas inverteram essa tendência no segundo. Deve-se ressaltar que os resulta-dos para 1988-02, além de captarem os reflexos das medidas de implementaçãodo processo de liberalização comercial, também espelham, em especial,a estabilização econômica obtida com o Plano Real.

No período, o Índice de Gini apresentou uma variação negativa de 0,47%, eo Índice T de Theil, uma variação positiva de 7,17%, o que corrobora os resultadosde trabalhos anteriores que realizaram uma análise para toda a economia brasilei-ra, indicando poucas modificações na desigualdade salarial da indústria brasileira.

3 A taxa de desemprego foi obtida nas PNADs, assim como a diferença percentual entre a PEAcom 10 anos ou mais e a PEA com 10 anos ou mais ocupada na semana de referência.

4 Neste trabalho, para se obterem os valores reais, foi utilizado o deflator para rendimentos dasPNADs, com base em setembro de 2002, disponibilizado no site <http://www.ipea.gov.br>.

5 O cálculo das medidas de desigualdade segue Hoffmann (1998).

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Complementando a análise da desigualdade salarial, pode-se obter o des-vio-padrão dos diferenciais salariais entre os setores industriais, o qual fornecea dispersão salarial na indústria.6 Esse indicador sugere, conforme exposto no

6 Segue-se a metodologia de Haisken-DeNew e Schmidt (1997), utilizando como variáveldependente o salário real por hora trabalhada e como variáveis independentes a escolarida-de, a experiência, o gênero, a região, a região metropolitana, o sindicato, a carteira detrabalho, o ramo industrial e a condição da ocupação. Foram considerados 17 setoresindustriais.

Tabela 2

Salário real médio, Índices de Gini e T de Theil e taxa de variação na indústria de transformação, no Brasil — 1981-2002

DISCRIMINAÇÃO SALÁRIO (R$) ÍNDICE DE GINI ÍNDICE T

1981 961,82 0,497 0,469 1982 925,45 0,497 0,469 1983 758,80 0,502 0,484 1984 747,98 0,507 0,494 1985 832,71 0,507 0,497 1986 1 117,58 0,490 0,457 1987 861,82 0,503 0,484 1988 872,82 0,533 0,552 1989 836,07 0,545 0,608 1990 734,20 0,507 0,488 1992 669,18 0,496 0,481 1993 670,13 0,525 0,644 1995 768,33 0,499 0,496 1996 746,97 0,482 0,439 1997 738,97 0,495 0,483 1998 736,53 0,488 0,479 1999 657,78 0,474 0,454 2001 630,28 0,474 0,471 2002 595,44 0,495 0,503

Taxa de variação (%) 1981-87 -10,40 1,18 3,20 1988-02 -31,78 -7,28 -8,96 1981-02 -38,09 -0,47 7,17

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Gráfico 2, que, ao longo das duas últimas décadas, a dispersão salarial naindústria se reduziu no Brasil, embora de forma não contínua. No entanto, pode--se notar que, a partir do início da abertura comercial, a queda aparenta ter sidomais acentuada, principalmente após o Plano Real.

Dessa forma, a primeira pergunta levantada ao final da Introdução já podeser respondida afirmativamente, uma vez que as informações sugerem umaredução da desigualdade salarial concomitante com o período da liberalizaçãocomercial brasileira, com uma variação negativa dos Índices de Gini e Tde Theil, no período 1988-02, respectivamente, de 7,28 e 8,96, conforme aTabela 2. Ademais, nota-se também uma redução dos diferenciais salariaisinterindustriais mais intensa nesse período.

Resta agora verificar se essa redução da desigualdade salarial esteveassociada a uma redução da desigualdade entre os trabalhadores de maior emenor qualificação, bem como a sua relação com a liberalização comercial.

Desvio-padrão dos diferenciais salariais no Brasil — 1981-2002

0,08

0,10

0,12

0,14

0,16

0,18

0,20

0,22

0,24

0,26

1981 1983 1985 1987 1989 1992 1995 1997 1999 2002

Gráfico 2

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0,00

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5 Desigualdade educacional e liberalização comercial

Para analisar a evolução da desigualdade entre trabalhadores qualificadose menos qualificados, optou-se por utilizar os anos de escolaridade formal decada indivíduo como proxy para qualificação. Dessa forma, as pessoas ocupa-das na indústria de transformação foram subdivididas em seis níveis educacio-nais7. Inicialmente, é apresentada a composição do mercado de trabalho segun-do esses níveis educacionais. Posteriormente, é analisada a desigualdade entretrabalhadores mais e menos qualificados, através da análise da evolução dosrespectivos salários médios reais, das estimativas dos prêmios salariais e dosdesvios-padrão entre os níveis educacionais, obtidos através da metodologiade Haisken-DeNew e Schmidt (1997) aplicada às dummies educacionais, e,também, por meio da decomposição do índice de desigualdade T de Theil.

Em seguida, a estratégia empírica para testar a relação entre a desigualda-de salarial e a liberalização comercial é estimar regressões salariais agrupandotodos os anos da amostra, incluindo variáveis que refletem o comportamento daabertura comercial: uma variável binária que assume valor igual a um a partir de1988, denominada abertura, e a tarifa legal média para as importações.8 Seguin-do o modelo HOS para países em desenvolvimento, a tarifa legal média deveriaestar associada positivamente aos salários médios dos trabalhadores mais qua-lificados e negativamente aos salários médios daqueles menos qualificados.

Na Tabela 3, pode-se observar a composição da ocupação do mercado detrabalho em função dos seis níveis educacionais, ao longo do período 1981-02.O fato mais relevante apontado pela análise dessas informações é o aumentoda ocupação das pessoas mais qualificadas em detrimento daquelas menosqualificadas, sugerindo um aumento da demanda por trabalhadores mais qualifi-cados. Uma consequência desses resultados foi o aumento na média de anosde estudo, que passou de 5,75 em 1981 para 7,55 em 2002.

7 A saber: nível 1, referente a analfabeto ou com menos de um ano de estudo; nível 2, referentea alguma educação elementar (um a três anos de estudo); nível 3, referente à educaçãoelementar completa ou ensino fundamental incompleto (quatro a sete anos de estudo); nível4, referente a fundamental completo ou médio incompleto (oito a 10 anos de estudos); nível5, referente a ensino médio completo ou superior incompleto (11 a 14 anos de estudos); nível6, referente a superior completo ou mais (15 anos ou mais de estudos).

8 A tarifa legal foi obtida no site do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) —<http://www.ipea.gov.br>. Essa tarifa legal começou a reduzir-se a partir do ano de 1988,quando foi de 26,4% para 9,4% em 2002.

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No entanto, para o período subseqüente a 1987, tal elevação foi observadapara as pessoas com ensino fundamental completo ou médio incompleto (nível4) e ensino médio completo ou superior incompleto (nível 5). Para as pessoascom o curso superior completo ou mais (nível 6), ocorreu uma redução de 6,47%,com algumas oscilações ao longo do período.

Deve-se notar que, conforme indica o Gráfico 3, após 1988, houve umaumento das pessoas ocupadas, em termos absolutos, em quase todos osníveis educacionais, com exceção dos níveis menos qualificados (níveis 1 e 2).

Tabela 3

Participação percentual de cada grupo educacional no total das pessoas ocupadas na indústria de transformação, no Brasil — 1981-2002

DISCRIMI-NAÇÃO

NÍVEL 1 NÍVEL 2 NÍVEL 3 NÍVEL 4 NÍVEL 5 NÍVEL 6 MÉDIA DOS

ANOS DE ESTUDO

1981 9,02 18,56 41,51 14,49 12,31 4,11 5,75 1982 9,84 17,80 41,00 14,60 12,86 3,89 5,75 1983 8,95 17,14 41,03 15,19 13,19 4,49 5,90 1984 8,62 16,57 40,48 16,15 13,18 4,99 6,02 1985 8,16 16,07 41,16 16,11 14,09 4,42 6,06 1986 7,38 14,71 41,06 17,96 14,17 4,73 6,27 1987 8,28 14,86 39,89 16,97 14,73 5,28 6,28 1988 7,40 14,25 39,39 17,21 15,78 5,34 6,46 1989 7,95 13,69 40,57 18,10 15,22 4,48 6,35 1990 7,57 13,74 39,60 17,32 16,31 5,46 6,40 1992 8,55 14,68 39,21 17,90 15,13 4,52 6,21 1993 7,48 13,33 40,61 18,25 15,86 4,47 6,36 1995 7,02 12,59 39,64 19,22 16,64 4,90 6,55 1996 6,93 11,49 38,20 21,04 18,23 4,11 6,68 1997 6,16 11,31 35,31 21,04 20,79 5,39 7,03 1998 6,12 10,98 35,78 21,08 20,97 5,07 7,01 1999 5,92 10,08 34,94 21,48 23,04 4,55 7,14 2001 5,79 9,29 31,68 21,61 27,18 4,45 7,42 2002 5,15 9,44 31,21 20,97 28,24 4,99 7,54

Taxa de va- riação (%)

1981-87 -8,26 -19,96 -3,90 17,15 19,64 28,40 9,22 1988-02 -30,40 -33,75 -20,78 21,87 78,93 -6,47 16,78 1981-02 -42,96 -49,13 -24,82 44,76 129,42 21,42 31,12

FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS — PNAD 1981/1990, 1992/ /1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de Janeiro, IBGE, 1983/1993, 1997/1999, 2002/2003.

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Contudo, para os níveis 3 e 6, essa elevação não foi suficiente para acompa-nhar a expansão da ocupação na indústria, o que resultou na taxa de variaçãonegativa observada na Tabela 3.

Ao longo desse período, os salários médios correspondentes a cadanível educacional sofreram uma redução do seu poder aquisitivo, conforme oGráfico 4, com os salários médios reais a valores de setembro de 2002 e pornível educacional. Considerando-se a taxa de variação, as pessoas com ensinomédio completo ou superior incompleto (nível 5) foram as que tiveram as maio-res perdas (-59,04%) ao longo de todo o período, seguidas por aquelas comensino fundamental completo ou médio incompleto (nível 4), elementar comple-

Número de pessoas ocupadas na indústria de transformação, por grupo educacional, no Brasil — 1981-2002

0

1 000 000

2 000 000

3 000 000

4 000 000

5 000 000

6 000 000

7 000 000

8 000 000

9 000 000

10 000 000

1981 1983 1985 1987 1989 1992 1995 1997 1999 2002

Nível 1 Nível 2 Nível 3 Nível 4

Nível 5 Nível 6

Gráfico 3

Legenda:

FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS — PNAD 1981/1990, 1992/1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de Janeiro, IBGE, 1983/1993, 1997/1999, 2002/2003.

Pessoas

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Salários médios reais, por grupo educacional, na indústria da transformação, no Brasil — 1981-2002

0,0

500,0

1 000,0

1 500,0

2 000,0

2 500,0

3 000,0

3 500,0

4 000,0

4 500,0

5 000,0

1981 1983 1985 1987 1989 1992 1995 1997 1999 2002

Nível 1 Nível 2 Nível 3

Nível 4 Nível 5 Nível 6

(R$)

Gráfico 4

Legenda:

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NOTA: Os dados têm como base set./02 = 100.

to9 ou fundamental incompleto (nível 3) e elementar incompleto (nível 2), cujastaxas foram, respectivamente, -49,16%, -46,13% e -45,27%.

9 Por educação elementar, entendem-se os quatro primeiros anos do ensino fundamental.

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Por outro lado, as pessoas analfabetas ou com menos de um ano de instruçãoforam as que obtiveram uma menor perda em seus ganhos reais, com uma taxade variação de -35,85%. Uma possível explicação para esse ganho relativo dostrabalhadores menos qualificados pode estar no fato de que seus salários jáestavam em um patamar muito baixo, o que não permitiu, por razões atéinstitucionais, uma redução ainda maior ao longo do período. As pessoaspertencentes ao nível 6, com superior completo ou mais, também tiveram umaperda relativamente menor (-43,27%). Esses resultados sugerem uma reduçãoda desigualdade entre o nível menos qualificado (nível 1) e os demais, comopode ser visualizado no Gráfico 4.

Conforme a Tabela 4, a redução do salário real em todos os níveis educa-cionais é também captada através da estimativa dos prêmios salariais em rela-ção ao nível 1 (analfabetos ou com menos de um ano de estudo).10 As estimati-vas tanto sem controles quanto com controles (as variáveis incluídas nas equa-ções, além do nível de escolaridade, são experiência, gênero, região, regiãometropolitana, sindicato, carteira de trabalho, ramo industrial e condição da ocu-pação) sugerem que as pessoas com nível superior completo ou mais (nível 6)estiveram entre as que menos perderam durante o período 1981-02, em relaçãoàquelas do nível 1, corroborando as informações anteriores, sendo que as taxasde variação mostram que essas mudanças ocorreram durante a abertura co-mercial. Deve-se salientar que os prêmios salariais por níveis educacionais,com a inclusão de variáveis individuais ou controles, são mais confiáveis, jáque estão sendo comparados trabalhadores com características semelhantes.Quanto maior a importância dessas variáveis na explicação dos diferenciaissalariais, maior será a diferença entre as estimativas com e sem os controles.

A dispersão entre esses diferenciais pode ser melhor visualizada atravésdas estimativas dos desvios-padrão entre os níveis educacionais, também seme com a inclusão de controles, dispostas no Gráfico 5, as quais mostram tam-bém uma redução nas duas séries. Pode-se notar que o nível dessesdesvios-padrão se aproxima na década de 90, o que sugere uma importânciarelativa maior da variável educação em detrimento das demais, tanto na expli-cação dos diferenciais salariais quanto na queda na desigualdade salarial.

10 Os coeficientes das variáveis binárias estão apresentados como a diferença percentualentre o salário esperado na categoria tomada como base (nível 1) e o salário da categoriapara o qual aquela variável binária assume valor um. Por exemplo, se o coeficienteda variável binária associada à variável nível 2 for b, então, a diferença percentual nosalário esperado da variável nível 2 em relação à nível 1 (tomada como base) será igual a100[exp(b) - 1]%.

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Tabela 4 Prêmios salariais em relação às pessoas analfabetas ou com menos de um ano de estudo

(nível 1) na indústria de transformação, no Brasil — 1981-2002 (%)

SEM CONTROLE DISCRIMINAÇÃO

Nível 2 Nível 3 Nível 4 Nível 5 Nível 6

1981 64,1 118,9 166,1 346,5 888,7

1982 64,4 131,9 203,8 395,7 1 336,3

1983 79,4 140,1 187,1 404,4 1 357,2

1984 66,1 123,8 178,3 379,7 1 269,6

1985 69,4 131,5 186,8 397,0 1 370,3

1986 58,1 104,1 151,2 324,0 1 094,5

1987 76,3 130,7 186,7 397,5 1 257,6

1988 82,6 138,4 204,0 415,0 1 565,8

1989 54,1 102,3 146,6 312,3 1 160,2

1990 80,8 134,2 186,6 388,4 1 264,5

1992 40,0 80,3 129,5 249,0 833,2

1993 45,0 84,8 133,3 268,1 996,9

1995 38,4 75,5 119,8 231,1 948,1

1996 28,0 60,0 103,4 206,4 715,2

1997 23,6 58,0 95,0 191,4 657,6

1998 31,0 60,5 93,3 195,9 807,5

1999 20,4 54,4 86,0 168,8 749,2

2001 23,5 61,4 90,8 163,5 845,8

2002 31,0 68,9 94,7 171,8 857,5

Taxa de variação (%)

1981-87 19,0 10,0 12,4 14,7 41,5

1988-02 -62,5 -50,2 -53,6 -58,6 -45,2

1981-02 -51,7 -42,0 -43,0 -50,4 -3,5

(continua)

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Tabela 4 Prêmios salariais em relação às pessoas analfabetas ou com menos de um ano de estudo

(nível 1) na indústria de transformação, no Brasil — 1981-2002 (%)

COM CONTROLE DISCRIMINAÇÃO

Nível 2 Nível 3 Nível 4 Nível 5 Nível 6

1981 29,1 74,5 154,3 328,3 799,8

1982 28,6 77,0 168,9 347,4 920,8

1983 38,5 84,6 160,8 355,2 940,7

1984 28,2 70,4 149,6 335,5 917,3

1985 34,9 80,0 158,8 346,1 969,2

1986 30,3 72,3 147,5 318,2 902,9

1987 42,3 82,4 157,6 335,9 942,0

1988 40,2 81,3 162,7 346,4 1 071,7

1989 34,0 81,1 154,5 350,4 1 076,0

1990 44,3 87,6 162,1 347,1 1 010,9

1992 17,2 48,7 100,6 209,5 598,0

1993 24,9 57,0 119,4 243,8 752,1

1995 20,9 53,6 104,3 225,9 764,1

1996 15,2 46,0 96,5 205,1 609,6

1997 12,1 41,9 92,0 193,7 562,1

1998 17,9 44,5 88,8 197,8 648,7

1999 12,1 41,6 84,9 176,2 636,3

2001 15,5 46,6 87,6 172,5 704,0

2002 23,3 53,1 92,3 175,1 693,1

Taxa de variação (%)

1981-87 45,2 10,6 2,2 2,3 17,8

1988-02 -42,1 -34,6 -43,3 -49,5 -35,3

1981-02 -20,1 -28,7 -40,2 -46,7 -13,3

FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS — PNAD 1981/1990, 1992/1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de Janeiro, IBGE, 1983/1993, 997/1999, 2002/2003

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Por fim, o índice de desigualdade T de Theil foi decomposto em uma por-ção que mostra a desigualdade intragrupos e outra com a desigualdade entregrupos educacionais, conforme o Gráfico 6 e a Tabela 5.

A desigualdade intragrupos mostra sinais de queda apenas no segundoperíodo, o que resultou em uma taxa de variação positiva de 12,74% ao longo detodo o período. O aumento da desigualdade intragrupos pode ser explicado pelaelevação da desigualdade dentro dos grupos dos trabalhadores mais qualifica-dos dos níveis 5 e 6, que apresentaram um aumento da desigualdade, ao longodo período, de 12,65% e 56,05% respectivamente. Os demais grupos tiveramuma redução da desigualdade. A fonte desse aumento de desigualdade foge aoescopo deste trabalho, que tem como foco a desigualdade entre grupos, e deveser buscada entre os demais determinantes salariais, tais como: sexo, cor,posição na ocupação, região, etc.

Desvio-padrão entre os níveis educacionais, com e sem controle no Brasil — 1981-2002

0,45

0,50

0,55

0,60

0,65

0,70

0,75

0,80

0,85

1981 1983 1985 1987 1989 1992 1995 1997 1999 2002

Com controles Sem controles

Gráfico 5

Legenda:

FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS — PNAD 1981/1990, 1992/1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de Janeiro, IBGE, 1983/1993, 1997/1999, 2002, 2003.

Com controle Sem controle

0,00

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Desigualdade intragrupos e entre grupos educacionais no Brasil — 1981-2002

0,3

10,3

20,3

30,3

40,3

50,3

60,3

70,3

1981 1983 1985 1987 1989 1992 1995 1997 1999 2002

Desigualdade intragrupos

Desigualdade entre grupos

Gráfico 6

FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS — PNAD 1981/1990, 1992/1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de Janeiro, IBGE, 1983/1993, 1997/1999, 2002/2003.

0,0

Legenda:

(%)

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Tabela 5

Índice de desigualdade, por nível educacional, intragrupos e entre grupos, no Brasil — 1981-2002

DISCRIMINAÇÃO NÍVEL 1 NÍVEL 2 NÍVEL 3 NÍVEL 4 NÍVEL 5 NÍVEL 6

1981 0,292 0,231 0,261 0,296 0,316 0,199

1982 0,362 0,240 0,258 0,334 0,302 0,215

1983 0,350 0,261 0,248 0,305 0,322 0,252

1984 0,368 0,288 0,275 0,313 0,313 0,237

1985 0,347 0,265 0,247 0,299 0,343 0,256

1986 0,318 0,250 0,251 0,321 0,305 0,217

1987 0,348 0,257 0,254 0,305 0,295 0,253

1988 0,362 0,275 0,282 0,304 0,355 0,271

1989 0,366 0,339 0,347 0,378 0,465 0,382

1990 0,348 0,268 0,245 0,308 0,315 0,251

1992 0,325 0,279 0,265 0,304 0,367 0,307

1993 0,321 0,298 0,287 0,295 0,360 0,709

1995 0,284 0,238 0,250 0,264 0,314 0,312

1996 0,314 0,263 0,268 0,283 0,324 0,281

1997 0,280 0,247 0,254 0,269 0,321 0,321

1998 0,259 0,256 0,228 0,247 0,315 0,320

1999 0,240 0,222 0,220 0,259 0,367 0,279

2001 0,258 0,211 0,204 0,258 0,326 0,340

2002 0,267 0,239 0,239 0,262 0,355 0,310

Taxa de variação (%)

1981-87 19,15 11,23 -2,81 2,87 -6,44 27,52

1988-02 -26,39 -13,15 -15,17 -13,79 0,09 14,59

1981-02 -8,67 3,41 -8,56 -11,44 12,65 56,05

(continua)

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181Liberalização comercial e desigualdade salarial na indústria brasileira — 1981-02

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Tabela 5

Índice de desigualdade, por nível educacional, intragrupos e entre grupos, no Brasil — 1981-2002

INTRAGRUPOS ENTRE GRUPOS DISCRIMINAÇÃO

Índice % Índice %

1981 0,264 56,37 0,205 43,63

1982 0,274 58,46 0,195 41,54

1983 0,277 57,31 0,207 42,69

1984 0,285 57,73 0,209 42,27

1985 0,283 57,01 0,214 42,99

1986 0,270 59,16 0,186 40,84

1987 0,274 56,65 0,210 43,35

1988 0,302 54,63 0,251 45,37

1989 0,388 63,73 0,221 36,27

1990 0,278 56,95 0,210 43,05

1992 0,306 63,70 0,175 36,30

1993 0,399 62,05 0,244 37,95

1995 0,281 56,67 0,215 43,33

1996 0,289 65,86 0,150 34,14

1997 0,290 59,96 0,194 40,04

1998 0,278 58,00 0,201 42,00

1999 0,283 62,40 0,171 37,60

2001 0,282 59,97 0,189 40,03

2002 0,298 59,30 0,205 40,70

Taxa de variação (%)

1981-87 3,72 0,51 2,52 -0,66

1988-02 -1,17 8,55 -18,33 -10,29

1981-02 12,74 5,20 -0,03 -6,72

FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS — PNAD 1981//1990, 1992/1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de Janeiro, IBGE, 1983/1993, 1997/1999, 2002/2003.

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Pode-se observar que a desigualdade entre grupos educacionais caiu apartir do início do processo de abertura comercial (-18,3%.), mas, como noprimeiro período ocorreu uma elevação da desigualdade (2,5%), durante todo operíodo observa-se uma redução de apenas 0,03%. Em relação à desigualdadetotal, a desigualdade entre grupos caiu de 43,63% em 1981 para 40,70% em2002, atingindo o menor nível em 1996, cujo valor foi igual a 34,14%. Nota-se,no entanto, que essa queda já vinha ocorrendo antes do início do processo deabertura comercial, porém foi mais intensa nesse período.

Dessa forma, analisando as diferentes abordagens adotadas (a análisedos salários médios, dos prêmios salariais, dos desvios padrões e da decompo-sição do Índice T de Theil), pode-se dizer que ocorreu uma redução da desigual-dade salarial entre trabalhadores qualificados e menos qualificados durante oprocesso de abertura comercial, embora essa queda já viesse acontecendo, noperíodo anterior, de forma menos intensa.

Assim, resta ainda se verificar se a redução da desigualdade salarial este-ve associada à liberalização comercial. Considerando-se a metodologia propos-ta, as estimativas obtidas estão expostas na Tabela 6. Foram estimados cincomodelos: o primeiro não incluiu nenhuma proxy para a abertura comercial; osegundo incluiu a variável binária; o terceiro, a tarifa legal média; o quarto e oquinto, a interação dessas duas variáveis com os níveis educacionais. A tarifalegal média está associada positivamente à variável dependente log do salárioreal por hora trabalhada, e a variável binária, negativamente, ambas indicandouma redução do salário real por hora trabalhada após a abertura comercial.

Além disso, quando se analisa o impacto dessa variável por nível educa-cional, observa-se uma relação inversa para o nível menos qualificado, indican-do que ocorreu um aumento do salário relativo para esse nível educacional,como já constatado anteriormente, sugerindo que a abertura comercial pode terafetado diferentemente os níveis educacionais e provocado uma redução dadesigualdade salarial entre os grupos educacionais.

Deve-se notar que, no Brasil, houve apenas um aumento relativo dos salá-rios dos trabalhadores menos qualificados (nível 1), o que justifica os resultadosobtidos. Em termos absolutos, observou-se uma redução salarial em todos osníveis educacionais analisados.

Assim, os resultados não rejeitam a presença de uma relação entre a aber-tura comercial e a desigualdade entre trabalhadores mais e menos qualificados.Portanto, a terceira questão apresentada no início deste trabalho pode ser res-pondida afirmativamente, ou seja, a abertura comercial parece ter reduzido,embora de forma não acentuada, a desigualdade salarial entre trabalhadoresqualificados e menos qualificados na indústria brasileira.

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Tabela 6

Equações de salários estimadas para as pessoas ocupadas na indústria de transformação, no Brasil — 1981-2002

DISCRIMINAÇÃO MODELO I MODELO II MODELO III

Intercepto ............................. -1,363 -1,568 -1,276 Experiência .......................... 0,052 0,053 0,053 (Experiência)2 ....................... -0,001 -0,001 -0,001 Educação Nível 2 ................................... 0,241 0,246 0,247 Nível 3 ................................... 0,511 0,528 0,536 Nível 4 ................................... 0,825 0,857 0,871 Nível 5 ................................... 1,286 1,328 1,341 Nível 6 ................................... 2,214 2,247 2,260 Gênero (masculino) ............. 0,433 0,431 0,431 Posição na ocupação Conta-própria ......................... (1) -0,011 (1) -0,005 0,065 Carteira assinada ................. 0,278 0,259 0,275 Região Metropolitana........... 0,159 0,146 0,140 Regiões Nordeste ................................ 0,246 0,263 0,271 Sudeste ................................. 0,485 0,477 0,474 Sul ......................................... 0,402 0,403 0,405 Centro-Oeste ......................... 0,262 0,243 0,236 Abertura ................................ -0,205 Tarifa ..................................... 0,011 Nível 1 × abertura ................ Nível 2 × abertura ................ Nível 3 × abertura ................ Nível 4 × abertura ................ Nível 5 × abertura ................ Nível 6 × abertura ................ Nível 1 × tarifa ..................... Nível 2 × tarifa ..................... Nível 3 × tarifa ..................... Nível 4 × tarifa ..................... Nível 5 × tarifa ..................... Nível 6 × tarifa ..................... R2 ........................................... 0,319 0,322 0,326 N ............................................ 262.657 262.657 262.657

(continua)

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Tabela 6

Equações de salários estimadas para as pessoas ocupadas na indústria de transformação, no Brasil — 1981-2002

DISCRIMINAÇÃO MODELO IV MODELO V

Intercepto ............................. -1,401 -1,245 Experiência .......................... 0,054 0,053 (Experiência)2 ....................... -0,001 -0,001 Educação Nível 2 ................................... 0,305 0,080 Nível 3 ................................... 0,636 0,262 Nível 4 ................................... 1,030 0,468 Nível 5 ................................... 1,582 0,763 Nível 6 ................................... 2,454 1,745 Gênero (masculino) ............. 0,429 0,429 Posição na ocupação Conta-própria ......................... 0,066 (1) -0,005 Carteira assinada ................. 0,272 0,257 Região Metropolitana........... 0,138 0,144 Regiões Nordeste ................................ 0,264 0,256 Sudeste ................................. 0,477 0,480 Sul ......................................... 0,408 0,406 Centro-Oeste ......................... 0,239 0,246 Abertura ................................ Tarifa ..................................... Nível 1 × abertura ................ (1) 0,019 Nível 2 × abertura ................ -0,088 Nível 3 × abertura ................ -0,175 Nível 4 × abertura ................ -0,268 Nível 5 × abertura ................ -0,386 Nível 6 × abertura ................ -0,329 Nível 1 × tarifa ..................... -0,006 Nível 2 × tarifa ..................... 0,002 Nível 3 × tarifa ..................... 0,007 Nível 4 × tarifa ..................... 0,014 Nível 5 × tarifa ..................... 0,024 Nível 6 × tarifa ..................... 0,020 R2 ........................................... 0,328 0,324 N ............................................ 262.657 262.657

FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS — PNAD 1981/1990, 1992/1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de Janeiro, IBGE, 1983/1993, 1997/1999, 2002/2003.

NOTA: As regressões incluíram também variáveis binárias para cada setor industrial. (1) Coeficientes não estatisticamente significativos a um nível de 5%.

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6 Considerações finais

Neste trabalho, investigaram-se os efeitos da liberalização comercialocorrida no Brasil, a partir do final dos anos 80, sobre a desigualdade salarial naindústria de transformação, notadamente entre trabalhadores qualificados emenos qualificados. O objetivo foi testar a validade do que preconiza o teoremaHOS para a experiência brasileira de abertura comercial. Segundo esse teorema,em países em desenvolvimento, uma abertura comercial diminui a desigualda-de entre os trabalhadores menos qualificados e os qualificados.

Inicialmente, verificou-se que, a partir da abertura comercial, ocorreu umaredução tanto da desigualdade salarial quanto do salário real médio na indústriade transformação. Em seguida, mostrou-se que a desigualdade salarial entre osníveis educacionais também diminuiu durante o período de abertura comercial.Por fim, encontrou-se uma relação estatisticamente significativa entre a redu-ção da desigualdade salarial entre trabalhadores qualificados e menos qualifica-dos e a liberalização comercial, de acordo com o teorema HOS.

No entanto, esses resultados merecem algumas ressalvas. Pelo teoremaHOS, a redução da desigualdade salarial entre trabalhadores com maior e me-nor qualificação ocorreria devido ao aumento relativo dos salários dos trabalha-dores menos qualificados, decorrente do aumento da demanda por esses traba-lhadores. Porém, no Brasil, observou-se apenas um aumento relativo dos salá-rios dos trabalhadores do primeiro nível educacional — os analfabetos ou commenos de um ano de escolaridade — em um cenário em que, em termos abso-lutos, houve redução do salário real médio em todos os níveis educacionais. Defato, o nível de ocupação dos trabalhadores menos qualificados caiu, sugerindoque a demanda por eles se tenha reduzido também, ao contrário do que postulao teorema HOS. Não obstante, esse fato está de acordo com outras experiên-cias internacionais, tais como a do México, a do Chile e a da Colômbia, mas,nesses países, foi notado aumento da desigualdade.

Dessa forma, os resultados deste trabalho sugerem que o Brasil é umcaso especial, pois, mesmo com um aumento da demanda dos trabalhadoresqualificados na indústria brasileira, ocorreu uma redução da desigualdade, aindaque pouco expressiva.

Assim, longe de serem definitivos, esses resultados demonstram que aabertura econômica teve um impacto significativo no comportamento da desi-gualdade entre os trabalhadores menos qualificados e qualificados, mas tam-bém que outros fatores devem ter contribuído para esse comportamento, taiscomo os planos econômicos, a desregulamentação dos mercados, as inova-ções tecnológicas, etc. O estudo desses fatores constitui-se em um desafiopara trabalhos futuros.

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186 Marina Silva da Cunha

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187Liberalização comercial e desigualdade salarial na indústria brasileira — 1981-02

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PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS — PNAD 1981//1990,1992/1993, 1995/1999, 2001/2002. Rio de Janeiro, IBGE, 1983/1993, 1997//1999, 2002/2003.

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O padrão de localização e de difusão damão-de-obra na Região Sul

do Brasil (1991-00)*

Jandir Ferrera de Lima** Ph.D. em Desenvolvimento Regional pela Université du Québec (UQAC), no Canadá, Professor Adjunto do Curso de Economia na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste)/Campus de Toledo e Pesquisador do Grupo de Estudos em Desenvolvimento Regional e Agronegócio (Gepec)Lucir Reinaldo Alves*** Bacharel em Ciências Econômicas pela Unioeste/ /Campus de Toledo, Mestrando em Desenvolvimento Regional na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e Pesquisador Associado do GepecMoacir Piffer**** Doutorando em Desenvolvimento Regional na Unisc, Mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Professor Assistente do Curso de Economia na Unioeste/Campus de Toledo e Pesquisador do GepecCarlos Alberto Piacenti***** Doutorando em Economia Aplicada na Universidade Federal de Viçosa (UFV), Professor Assistente do Colegiado de Economia na Unioeste/Campus de Toledo e Pesquisador do Gepec

ResumoO objetivo deste artigo é analisar a localização da mão-de-obra nas atividadesprodutivas das mesorregiões da Região Sul do Brasil, no período de 1991 a2000. Para isso, utilizou-se o método de análise regional através das medidasde especialização e localização. Os resultados apontaram uma concentraçãodas atividades secundárias e terciárias nas mesorregiões com maior densidadepopulacional. Outrossim, verificou-se que a dinâmica da Região está pautada

* Artigo recebido em 25 ago. 2005 e aceito para publicação em 31 out. 2006.

** E-mail: [email protected];[email protected]

*** E-mail: [email protected]

**** E-mail: [email protected]

***** E-mail: [email protected]

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nas atividades secundárias e terciárias, com destaque para o comércio e para osetor público.

Palavras-chaveAnálise regional; economia regional; difusão espacial.

AbstractThe objective of this paper was analyzing the localization of the handwork in theproductive activities of the regions of the South region of Brazil, in the periodfrom 1991 to 2000. For this, the method of regional analysis was used, throughthe measures of specialization and localization. The results had pointed aconcentration of the secondary and tertiary activities in the regions with biggerpopulation density. Moreover, it was verified that the dynamics of the region isleashed in the secondary and tertiary activities with prominence for the commerceand public sector.

Key wordsRegional analysis; regional economy; spatial diffusion.

Classificação JEL: O18, R10, R12.

1 Introdução

O objetivo deste artigo é analisar o padrão de localização da mão-de-obrae a dinâmica regional das atividades produtivas nas mesorregiões dos Estadosdo Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, no período de 1991 a2000. A Região Sul do Brasil é um “terreno fértil” para esse tipo de análise,dadas as suas características de ocupação e desenvolvimento econômico. Issosem contar que sua fronteira agrícola se esgotou no final dos anos 70, caracte-rizando uma transformação mais intensiva do seu espaço.

No Paraná, por exemplo, de 1920 a 1960, ocorreram duas frentes deexpansão da fronteira agrícola: ao norte, a expansão cafeeira, a partir de

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São Paulo; a oeste/sudoeste, a migração originária do extremo sul do Brasil,organizada na pequena propriedade e na produção de grãos (milho, soja e trigo)e carnes (suínos e frangos). Esses dois fluxos migratórios consolidaram aocupação espacial do Estado e definiram seu perfil primário-exportador. Porém,a partir dos anos 70, o Paraná passou por um processo de modernização agrí-cola intenso, transformando-se em um dos principais exportadores de grãos doPaís. Nesse processo, desenvolveu-se a agroindústria, bem como um modernocomplexo metal-mecânico centrado na Região Metropolitana de Curitiba. Taistransformações tecnológicas e econômicas causaram profundas mudanças naestrutura espacial do Estado, o que acabou consolidando grandes centros, comoCuritiba e Londrina, e centros secundários, como Foz do Iguaçu, Cascavel,Maringá, Guarapuava e Ponta Grossa (IPARDES, 1996).

Já Santa Catarina teve uma formação marcada por um grande contingentede imigrantes de origem européia (alemães e italianos). As características des-ses imigrantes possibilitaram a formação de empreendimentos industriais noEstado. Atualmente, sua economia baseia-se na atividade industrial, noextrativismo de minérios e na agropecuária (Lima, 2004a).

No caso do Rio Grande do Sul, os imigrantes alemães e italianos chega-ram no século XIX. Como em Santa Catarina, a conquista do espaço territorial eos fluxos migratórios estimularam mudanças no perfil da economia do Estado,tanto que a Região Metropolitana de Porto Alegre e a Nordeste Sul-Rio-Grandense,que receberam uma boa parte dos imigrantes, formam o eixo básico de indus-trialização do Estado. Esse eixo tornou-se vital para as transformaçõeseconômicas do Rio Grande do Sul no século XX. Dentre estas, podem-se citar adiversificação agrícola (arroz, soja, milho e trigo), a produção metal-mecânica(autopeças e siderurgia), as indústrias calçadista e agroalimentar e o pólopetroquímico, que acabaram substituindo a agropecuária como atividadeeconômica de maior relevância (Lagemann, 1998).

Inicialmente com base primário-exportadora, a economia da Região Sul doBrasil desenvolveu, nas últimas décadas, um importante parque industrial, cujoscentros polarizadores se encontram nas áreas metropolitanas das Cidades dePorto Alegre (Rio Grande do Sul) e Curitiba (Paraná). Nesse sentido, este estudovem contribuir para a compreensão da dinâmica das atividades produtivas noespaço dessa região. De certa forma, é uma análise alternativa do perfil locacionaldo emprego e de sua distribuição nas atividades que compõem a estrutura pro-dutiva. Assim, ela será uma base de informações sobre a dinâmica econômicado emprego da Região Sul do Brasil.

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2 O padrão de localização: elementos teóricos e metodológicos

Para analisar a dinâmica regional, é preciso conhecer a estrutura setorial--produtiva e verificar a dinâmica da localização dessa estrutura no decorrer dotempo, que traz impacto ao seu padrão de crescimento e de desenvolvimentoeconômico. Nesse tipo de análise, a região está relacionada à idéia de que áreasgeográficas podem estar ligadas como um conjunto único, em virtude de suascaracterísticas. Essas características podem ser estruturas de produção,padrões de consumo, distribuição da força de trabalho e elementos culturais,sociais e políticos.

Por isso, esta análise tem a mesorregião geográfica como objeto de estu-do, pois ela é conceituada como a área individualizada em uma unidade daFederação, apresentando formas de organização do espaço definidas pelas se-guintes dimensões: as características sociais e a localização das atividadesprodutivas como elementos de articulação espacial. Esses elementos sãoconstruídos num processo histórico e na dinâmica regional das atividades pro-dutivas. Eles dão à mesorregião uma identidade regional (Piacenti et al., 2002).

Essas características não se formam ao acaso, pois nelas impactam aorganização do espaço, que, por sua vez, reflete a estrutura de produção(agropecuária, industrial, de extrativismo e prestação de serviços). É nesse sen-tido que esta análise busca compreender, através dos métodos de análiseregional, o comportamento das atividades produtivas e como elas influenciama dinâmica regional. De acordo com Rippel e Lima (1999), os critérios conside-rados na análise da região tornam-se mais amplos, em virtude da inserção daestrutura produtiva na economia nacional, com todas as suas relações e impac-tos no crescimento econômico.

Nesse sentido, Paviani (1994) argumenta que, ao analisar uma região, se develevar em consideração, além do fator demográfico, os fatores históricos e geográfi-cos, pois estes assumem características importantes no processo e são instru-mentos de articulação das sub-regiões especializadas num espaço econômico.Mesmo com essa articulação, as regiões são heterogêneas: elas possuem dinâmi-cas diferentes quanto a tamanho, função, posição espacial relativa, hierarquia, etc.No entanto, a atração do pólo regional pode ser entendida como uma síntese do seuentorno de crescimento. Nessa linha de pensamento, a teoria da centralidade, tantona versão de Christaller (1966) como na de Lösch (1954), afirma que as cidades,enquanto centros regionais, são essencialmente prestadoras de serviços para aspopulações do seu entorno. Elas são espacializadas dentro de um padrão hierárqui-co, a partir dos bens que têm a oferecer.

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Segundo Christaller (1966), a organização do espaço regional dá-se atra-vés de uma hierarquia dos lugares e está representada na Figura 1.

No modelo de Christaller (1966), o sistema da hierarquia é composto porum conjunto espacial, que engloba populações urbanas, comércio e produçãode bens e serviços. Assim, as regiões pouco representativas e as cidades pe-quenas disponibilizam serviços mais simples, servindo a uma população maisrestrita. Nas regiões-pólo, os serviços são mais sofisticados, e a zona deabrangência é maior. Para Christaller (1966), existem três características bási-cas nesse sistema: há uma relação comercial entre as hierarquias, sendo asregiões periféricas subordinadas abastecidas pela região central; há uma redede transporte que interliga os centros subordinados, complementando o merca-do; e há um papel administrativo dos centros, que faz com que um determina-do grupo de centros subordinados formem uma região de atuação do pólo. Issoconstitui um hexágono composto por cidades maiores (maior hierarquia) e me-nores (menor hierarquia), ou seja, os pontos maiores e os menores apresenta-dos na Figura 1 respectivamente. Dessa forma, Christaller (1966) demonstrauma distribuição regular das funções entre todos os níveis de cidades e regiões,constituindo uma hierarquia formada por uma junção entre a hierarquia urbana ea dos serviços.

Ressalta-se que existe diferença entre os modelos de Christaller e de Lösch.O primeiro destaca que existe um número fixo de centros subordinados a cadacentro. Já para o segundo, o número de centros subordinados é variável, confor-me mostra a Figura 2.

Segundo Lösch (1954), os fatores comerciais, de transporte e administra-tivo também fazem parte do modelo. No entanto, o número de centros que aregião-pólo vai “dominar” não é fixo, logo, não forma um hexágono. Assim, asfunções de cada cidade, no espaço regional, são distintas. Os maiores níveispossuem mais funções que os níveis menores, ou seja, para Lösch, há umadistribuição irregular das funções de cada cidade e, conseqüentemente, decada região.

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einaldo Alves; M

oacir Piffer; C

arlos Alberto P

iacenti

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, Porto A

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Figura 1

FONTE: HAGGETT, P. L'analyse spatiale en géographie humaine. Paris: Armand Colin, 1973.

Hierarquia de centralidade de Christaller

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Figura 2

FONTE: HAGGETT, P. L'analyse spatiale en géographie humaine. Paris: Armand Colin, 1973.Legenda: A - Setores ricos e pobres na cidade. B - Distribuição das grandes cidades. C - Distribuição dos centros dentro de um setor.

Hierarquia de centralidade de Lösch

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Benko (1999) complementa, afirmando que, no modelo de Lösch (1954), oespaço regional se divide em áreas de mercado por tipos de produto. O seumodelo agrega os fatores da distância, da produção em grande escala e daconcorrência. Para Lösch (1954), os produtores de um determinado setor delimi-tam seu raio de atuação comercial em função da distância. Quanto mais distan-te for um centro, maiores os custos de transporte. Assim, quando se chega aolimite máximo dos custos de transporte, atinge-se a área extrema de atuaçãocomercial. Nessa mesma linha, segue a análise de Krugman (1991). Para ele, apolarização crescente é o resultado da interação entre baixos custos de trans-porte e de relações interindustriais de cooperação e concorrência em regiõesespecíficas. Por isso, as regiões periféricas aliam custos expressivos de trans-porte com uma relação de dependência nas atividades de transformação eserviços. Isso faz com que as regiões periféricas tenham um custo maior deprodução e distribuição aliado a problemas com retorno de escala. Portanto,custos moderados de produção associados a retornos de escala e custos deserviços pouco significativos geram tendências à concentração geográfica dosagentes econômicos e, conseqüentemente, no padrão de localização dasatividades produtivas e na organização espacial da economia.

2.1 O instrumental e o quadro da análise

O período de análise inicia em 1991 e termina em 2000, sendo os anos--pólo a base de comparação. Para a análise dos dados, serão utilizadas medi-das de especialização e de localização. Conforme Haddad (1989), Piacenti eLima (2002) e Costa (2002), essas medidas são úteis para o conhecimento dospadrões do crescimento econômico dos estados e de suas mesorregiões. Deve--se salientar que a análise desses indicadores tem uma outra vantagem: elapermite a comparação de regiões com tamanhos diferentes. Nesse aspecto,Pumain e Saint-Julien (1997), ao analisarem a localização no espaço, chamamde “efeito tamanho” as perturbações introduzidas nos estudos comparativospelas disparidades de dimensões das regiões. Assim, um coeficiente de corre-lação será sempre elevado e positivo. A solução para evitar que o “efeito tama-nho” prejudique a análise consiste em comparar não os valores brutos, mas osvalores relativos. Por isso, os indicadores de análise regional são ferramentascômodas para o tratamento de variáveis distribuídas em unidades espaciais detamanhos diferentes. No geral, eles dão uma medida da importância relativa deuma modalidade ou de uma categoria numa região, comparando o seu “peso” ousua participação nas demais regiões.

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A variável a ser utilizada no modelo de análise regional será a mão-de-obraocupada por atividades produtivas. Pode-se pressupor que as atividades produ-tivas mais dinâmicas empregam mais mão-de-obra no decorrer do tempo. Poroutro lado, a ocupação da mão-de-obra reflete-se na geração e na distribuiçãoda renda regional, o que estimula o consumo e, conseqüentemente, a dinâmicada região. Os dados sobre a mão-de-obra foram coletados dos CensosDemográficos da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),escolha que se deu pela confiabilidade dos mesmos (Anu. Estat. Brasil, 1993;IBGE, 2003; 2005).

Com a definição da variável a ser utilizada, as atividades serão agrupadasda seguinte forma: agropecuária, indústria de transformação (minerais não-me-tálicos, madeira, couros, têxteis, vestuário, produtos alimentares, metalúrgica,dentre outras), indústria de construção civil, outras atividades industriais (extraçãomineral e serviços industriais de utilidade pública), transportes e comunicações,comércio, serviços e setor público.

Para o cálculo das medidas de especialização e localização, as informa-ções serão organizadas em uma matriz que relaciona a distribuição das atividadesprodutivas no espaço. No presente estudo, utilizar-se-á a mão-de-obra ocupadapor atividades produtivas como variável-base. As colunas mostram a distribui-ção da mão-de-obra entre as mesorregiões, e as linhas, a distribuição da mão--de-obra por atividade de cada uma das mesorregiões. Assim, definem-se asseguintes variáveis:

= mão-de-obra na atividade produtiva i da mesorregião j

= mão-de-obra na atividade produtiva i de todas as mesorregiões

= mão-de-obra em todas as atividades produtivas da mesorregião j

= mão-de-obra em todas as atividades produtivas e todas as mesorregiões

∑∑i j

ijMO

(2)

(3)

(4)

∑i

ijMO

∑j

ijMO

∑j

ijMO (1)

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A partir das equações (1), (2), (3) e (4), organizou-se o Quadro 1, queapresenta as medidas de localização, especialização e associação. As medidasde localização — quociente locacional (QL), coeficiente de localização (CL) ecoeficiente de associação geográfica (Cag) — são de natureza setorial e preo-cupam-se com a localização das atividades produtivas entre as mesorregiões,ou seja, procuram identificar padrões de concentração ou dispersão da mão-de--obra num determinado período. Já as medidas de especialização concentram--se na análise da estrutura produtiva de cada mesorregião, objetivando analisaro grau de especialização das economias mesorregionais num determinado perí-odo. Dentre essas medidas, utilizar-se-á o coeficiente de especialização (CE).

O quociente locacional é utilizado para comparar a participação percentualda mão-de-obra de uma mesorregião com a da Região Sul do Brasil. Ele podeser analisado a partir de ramos específicos ou no seu conjunto. A importânciada mesorregião no contexto do universo regional, em relação ao ramo de atividadeestudado, é demonstrada quando QL > 1. Nesse caso, há representatividade doramo em um município específico. Além disso, é um consenso na análise regio-nal que os valores iguais ou maiores que a unidade indicam os ramos de atividadeque são de exportação, ou seja, os ramos básicos (exógenos) (Haddad, 1989;Costa, 2002; Souza, 2005). Ao contrário, quando QL < 1, as atividades são nãobásicas ou endógenas. Assim, são também localizados, através desse quoci-ente, os ramos de atividade exógenos e os endógenos. Ressalta-se que o setoragropecuário é básico (de exportação) por definição, conforme estudosde North (1956), retomados por Haddad (1989), Piffer (1999) e Pedralli et al.(2004).

Vollet e Dion (2001), analisando a contribuição potencial da concepção dossetores básicos e não básicos, afirmam que os setores básicos de uma regiãorepresentam o motor da economia regional. Historicamente, em um primeiromomento, eles são os responsáveis pelo quadro de crescimento regional, mas,num segundo momento, as atividades terciárias atraem “rendas exógenas”, oque difere da análise clássica de North (1956). Os autores insistem também nopapel das populações para estimular um mecanismo de crescimento econômicoregional. Esse crescimento distingue as regiões que possuem setores dominan-tes das regiões que possuem setores fracos, determinando a forma dehierarquização do espaço econômico. Essa contribuição a respeito da visãoclássica da base de exportação renova as possibilidades de análise do papeldas atividades de exportação nos espaços econômicos.

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Quadro 1

Descrição das medidas de localização, especialização e associação geográfica

INDICADORES EQUAÇÕES INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

Quociente locacional (QL) ∑ ∑∑

∑=

i jij

iij

jijij

MOMO

MOMO

QL

QL > 1 = significativo (básico/exportação)

0,50 < QL < 0,99 = médio QL < 0,49 = fraco

Coeficiente de localização (CL)

2

∑ ∑∑∑∑

=j i j

iji

ijj

ijij MOMOMOMO

CL

Próximo a 0 = dispersão significativa Próximo a 1 = concentração significativa

Coeficiente de especialização (CE)

2

∑ ∑∑∑∑

=i i j

ijj

iji

ijij MOMOMOMO

CE

Próximo a 0 = diversificação significativa Próximo a 1 = especialização significativa

Coeficiente de associação geográfica (Cag)

2

∑ ∑∑

=j

ksetor

iijij

isetor

iijij

ik

MOMOMOMO

Cag

0,7745 < Cag = fraca associação 0,5162 < Cag < 0,2582 = associação média

0,2581 < Cag < 0,0001 = associação significativa

FONTE: LIMA, J. Ferrera de et al. A localização e as mudanças da distribuição setorial do PIB nos estados da Região Sul (1970-1998). In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 2004, Cuiabá. Anais... Cuiabá: SOBER, 2004a. 1 CD-ROM. PIACENTI, C. A. et al. Análise regional dos municípios lindeiros ao lago da Usina Hidroelétrica de Itaipu. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS REGIONAIS E URBANOS, 2, 2002, São Paulo. Anais... São Paulo: ABER, 2002. 1 CD-ROM.

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Já o objetivo do coeficiente de localização é relacionar a distribuiçãopercentual da mão-de-obra numa dada atividade produtiva entre as mesorregiõescom a distribuição percentual da mão-de-obra do Estado como um todo. Se ocoeficiente de localização for igual a zero, significa que a atividade produtiva iestará distribuída regionalmente da mesma forma que o conjunto de todas asatividades produtivas. Se for igual a um, demonstrará que a atividade produtivai apresenta um padrão de concentração regional mais intenso do que o conjuntode todas as atividades produtivas.

Já o coeficiente de especialização é uma medida regional. As medidasregionais concentram-se na estrutura produtiva de cada mesorregião, fornecen-do informações sobre o nível de especialização da economia num período. Atra-vés do coeficiente de especialização, compara-se a economia de uma mesorregiãocom a economia do Estado como um todo. Para resultados iguais a zero, amesorregião tem composição idêntica à do Estado. Em contrapartida, coeficien-tes iguais ou próximos a um demonstram um elevado grau de especializaçãoligado a uma determinada atividade produtiva, ou uma estrutura de mão-de-obratotalmente diversa da estrutura de mão-de-obra estadual.

Já o coeficiente de associação geográfica apura a equivalência demão-de-obra entre dois setores, demonstrando a associação geográfica entreduas atividades produtivas (i e k). Assim, compara-se a distribuição percentualda mão-de-obra entre as mesorregiões. Seus valores variam de zero a um. Valo-res próximos a zero indicam que a atividade produtiva i está distribuídamesorregionalmente, da mesma forma que a atividade produtiva k, mostrandoque os padrões locacionais das duas atividades produtivas estão associadasde forma mais significativa. Valores próximos a um representam uma fracaassociação.

No caso da associação geográfica, vale lembrar os estudos de Furtado(1987). Para ele, a importância e o impacto de um ramo industrial dão-se pelasua capacidade de associar-se e de gerar os encadeamentos produtivosestimuladores dos processos de crescimento e desenvolvimento econômico.Essa capacidade é demonstrada pela crescente ocupação de mão-de-obra epelo adensamento de determinadas empresas, ou seja, as economias de aglo-meração, que caracterizam as vantagens que as empresas auferem ao estarempróximas uma das outras. Nessa mesma linha, Dumais, Malo e Raefflet (2005)assinalam que a dinâmica econômica, e com ela o desenvolvimento, se estrutu-ra em torno de dois elementos essenciais: as empresas, com suas potencialidadese limites, e o Estado, com suas estratégias de intervenção, planejamento edesenvolvimento. No caso das empresas, os estudos do seu perfil aglomerativo,da sua capacidade de associação no conjunto do ramo de atividade e da suacapacidade competitiva são elementos essenciais de inserção no mercado

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globalizado e na expansão a longo prazo. No caso da intervenção estatal, oconhecimento dos elementos mencionados é a diretiva básica para o planejamentodo desenvolvimento econômico regional. Nesse sentido, é necessário analisaronde se localizam os ramos produtivos mais significativos, seu perfilaglomerativo/associativo e a sua capacidade de alocar mão-de-obra nos setoresmais competitivos. Para isso, a análise regional proposta neste artigo forneceum quadro do padrão de localização e do efeito alocação da vantagem compe-titiva nas mesorregiões do Sul do Brasil, fornecendo subsídios às políticas públi-cas de emprego e renda.

2.2 Quadro de análise

A partir dos resultados do QL, é possível identificar as atividades produti-vas básicas e não básicas, ou seja, aquelas que possuem atividades de expor-tação, ou não. No entanto, resta saber se essas atividades produtivas são res-ponsáveis pelo crescimento econômico das mesorregiões. Para isso, é neces-sário analisar a variação e o deslocamento da mão-de-obra ocupada no períodoestudado entre as atividades básicas e as não básicas. Assim, utilizando-se amatriz da distribuição espacial da mão-de-obra por atividades produtivas,chega-se à equação a seguir.

Onde:

VLT = variação líquida total da mão-de-obra (MO);

Ano 1 = 1991;

Ano 2 = 2000;

MO = mão-de-obra ocupada por atividades produtivas.

A VLT indica a diferença entre o valor real da mão-de-obra entre o início(1991) e o fim do período (2000). Quando seu valor é positivo, significa que háum incremento relativo da ocupação mesorregional de mão-de-obra face àocupação estadual. Ao contrário, quando o valor da VLT é negativo, representa

−= ∑∑∑∑ 1

12112 Ano

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uma perda de posição relativa. Com isso, a magnitude do valor positivo demons-tra o “peso” significativo da atividade produtiva na dinâmica da mão-de-obra, nasmesorregiões. Dessa forma, se as atividades produtivas básicas têm os valorespositivos mais significativos, o que corresponde a uma estrutura de exportaçãodinâmica, então, os fatores exógenos são os responsáveis pelo crescimentoeconômico mesorregional.

Vale lembrar que a VLT é a diferença entre a parcela regional e a parcelaestrutural. A primeira refere-se aos fatores diferenciais ou locais, ou seja, refletea especialização regional de uma determinada atividade produtiva (endógena).A segunda representa os fatores estruturais, ou seja, reflete a composiçãoregional da ocupação (exógena). A dinâmica acarretada pelos fatores estrutu-rais demonstra que a mesorregião acompanha o dinamismo da Região Sul doBrasil. Quando a Região avança no crescimento econômico, a mesorregião acom-panha-a de forma significativa. Os fatores diferenciais representam a autonomiada dinâmica da mesorregião, que cresce indiferente aos movimentos da Região.A diferença entre a composição regional e a estrutural recebe o nome de efeitototal, ou seja, variação líquida total.

3 A localização e a especialização da mão-de-obra ocupada na Região Sul do Brasil

A seguir, são apresentados os resultados obtidos com a aplicação dametodologia de análise regional, através das medidas de especialização e loca-lização. Na Figura 3, verificam-se as atividades produtivas que apresentarammaiores possibilidades para atividades de exportação, através dos indicadoresdo quociente locacional.

Nota-se, pela Figura 3, algumas particularidades nos estados da RegiãoSul do Brasil. No caso dos três estados, as atividades primárias são as maisdifusas. Porém, no Paraná, a agropecuária é a atividade produtiva mais signifi-cativa, cabendo às mesorregiões Noroeste-PR, Centro-Ocidental-PR,Norte-Pioneiro, Oeste-PR, Sudeste-PR, Sudoeste-PR e Centro-Sul os maioresvalores. O inverso dá-se nas mesorregiões com maior urbanização, que é ocaso da Norte-Central-PR, da Centro-Oriental-PR e da Metropolitana de Curitiba.No entanto, outras atividades produtivas destacam-se no Estado, as atividadesindustriais concentrando a mão-de-obra ocupada fundamentalmente entreas mesorregiões Norte-Central e Metropolitana de Curitiba. A mesorregiãoOeste destaca-se na atividade de outras atividades industriais. As atividades

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comércio e serviços apresentam localização significativa nas mesorregiõesOeste, Norte-Central e Metropolitana de Curitiba, em 1991 e 2000. Isso pode serexplicado, em parte, por essas três mesorregiões serem formadas pelas princi-pais metrópoles do Estado, por terem um adensamento populacional maisexpressivo e por apresentarem características particulares no Setor Secundá-rio. No caso da Norte-Central e da Metropolitana de Curitiba, o parque de trans-formação é especializado nos ramos metal-mecânico, agroindústria de grãos etransformações intermediárias. Na Oeste-PR, a agroindústria de grãos, carnes eembutidos é a mais importante. Em ambos os casos, há forte dependência dainfra-estrutura de transportes e serviços superiores, em função do seu perfilbásico (exógeno).

Outra particularidade ocorre no Estado de Santa Catarina. A atividade daagropecuária não é significativa na maioria das mesorregiões. Nessa atividadeprodutiva, a ocupação da mão-de-obra destaca-se apenas nas mesorregiõesOeste e Serrana. Nas demais, predominam as atividades produtivas de trans-porte e comunicação, da indústria da construção civil, de comércio e serviços.A mesorregião Grande Florianópolis é significativa na maioria das atividadesprodutivas analisadas. De acordo com o IPEA (2000), essa mesorregião tem-sebeneficiado de sua condição de capital administrativa e pólo turístico nacional etem constituído uma atividade terciária mais complexa, passando a acumularvantagens locacionais, com indicativos para atividades de alta tecnologia. Poroutro lado, a particularidade de Santa Catarina é a homogeneização do padrãode localização. No caso da indústria de transformação, as mesorregiões Vale doItajaí, Norte-SC, Grande Florianópolis e Sul-SC integram-se ao corredor indus-trial que começa na Norte-Central-PR. Em especial, na Vale do Itajaí e naNorte-SC, localizam-se as indústrias dinâmicas. Nas mesorregiões Oeste-SC,Serrana-SC e Sul-SC, estão localizadas as indústrias tradicionais e as não tra-dicionais. Num estudo elaborado por Lima (2004), as mesorregiões Oeste-SC eOeste-PR surgem como emergentes, em função das características do seuparque agroindustrial e do papel das cooperativas na infra-estrutura de transfor-mação. Comparando-se os resultados dessa pesquisa com os resultados destaanálise, nota-se que há convergência no tocante ao papel periférico que umgrupo de regiões vem assumindo — no caso, a Norte-Pioneiro-PR, a Sudoeste--PR, a Centro-Sul-PR, a Noroeste-RS, a Centro-Ocidental-RS e a Sudoeste--RS —, as quais vêm ficando cada vez mais periféricas em relação à dinâmicadas mesorregiões localizadas à leste da Região Sul do Brasil. Com exceção dasmesorregiões Norte-Central-PR, Oeste-SC e Oeste-PR, as mesorregiões dointerior estão acentuando sua dependência do Setor Primário e das atividadesindustriais complementares, de baixo valor agregado.

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Figura 3 Quociente locacional da mão-de-obra ocupada nas mesorregiões dos Estados do Paraná, de Santa Catarina

e do Rio Grande do Sul — 1991 e 2000

a) agropecuária b) indústria de transformação

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Figura 3

Quociente locacional da mão-de-obra ocupada nas mesorregiões dos Estados do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul — 1991 e 2000

c) indústria de construção civil d) outras atividades industriais

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Figura 3

Quociente locacional da mão-de-obra ocupada nas mesorregiões dos Estados do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul — 1991 e 2000

e) transporte e comunicação f) comércio

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Figura 3

Quociente locacional da mão-de-obra ocupada nas mesorregiões dos Estados do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul — 1991 e 2000

g) serviços h) setor público

1991 2000 1991 2000

Mesorregiões

Paraná 1 - Noroeste 2 - Centro-Ocidental 3 - Norte-Central 4 - Norte Pioneiro 5 - Centro-Oriental 6 - Oeste 7 - Sudoeste 8 - Centro-Sul

9 - Sudeste 10 - Metropolitana de Curitiba Santa Catarina 11 - Oeste Catarinense 12 - Norte Catarinense 13 - Serrana 14 - Vale do Itajaí 15 - Grande Florianópolis 16 - Sul-Catarinense

Rio Grande do Sul 17 - Noroeste 18 - Nordeste 19 - Centro-Ocidental 20 - Centro-Oriental 21 - Metropolitana 22 - Sudoeste 23 - Sudeste

FONTE: Resultados da pesquisa.

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Níveis de Quociente Locacional

Significativo/Básico Médio/Não Básico Fraco/Não Básico

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No Rio Grande do Sul, as mesorregiões Noroeste, Centro-Ocidental, Cen-tro-Oriental e Sudeste são as que apresentam os maiores valores de localiza-ção da mão-de-obra no Setor Primário. Na atividade da indústria de transforma-ção, somente as mesorregiões Nordeste, Centro-Oriental e Metropolitana apre-sentam localização significativa. As demais atividades produtivas concentram--se nas mesorregiões Centro-Ocidental, Metropolitana, Sudoeste e Sudeste. Nocaso da Noroeste-RS, o valor significativo do QL nas outras atividades indus-triais apresenta uma particularidade: a base industrial dessa mesorregião estálocalizada em Passo Fundo, Ijuí, Santa Rosa e Panambi. Assim, apesar daexpressão regional da estrutura de transformação, as plantas de transformaçãosão geograficamente concentradas no interior das mesorregiões. O mesmo ocorrenas mesorregiões Oeste-SC e Oeste-PR, onde os Municípios de Chapecó (SC),Maravilha (SC), Toledo (PR), Cascavel (PR), Medianeira (PR) e Palotina (PR)possuem as maiores plantas de transformação agroindustrial.

Cabe ressaltar que os resultados do quociente de localização convergemtambém para o estudo de Souza (2005) elaborado para o Rio Grande do Sul.Apesar de apresentar uma desagregação setorial e espacial mais ampla que autilizada neste artigo, no seu conjunto, os resultados apresentaram o mesmopadrão locacional das atividades produtivas.

Um fato que chama atenção na Figura 3 é a formação de um corredor deocupação da mão-de-obra da indústria de transformação, notando-se que o mesmoliga as mesorregiões Noroeste-PR, Norte-PR, Centro-Oriental-PR com asmesorregiões catarinenses e gaúchas situadas no litoral. A ocupação da mão--de-obra na indústria de transformação encontra-se bem difusa nesse corredor,mas pouco representativa na Sudoeste gaúcha. Por outro lado, as outras atividadesindustriais encontram-se espacialmente melhor distribuídas pelo território. Já aindústria da construção civil distribui-se nas mesorregiões de maior densidadepopulacional.

Nos Gráficos 1, 2 e 3, observam-se os coeficientes de localização dasatividades produtivas em destaque das mesorregiões dos Estados do Paraná,de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul respectivamente.

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Coeficiente de localização (CL ) da mão-de-obra ocupada nas mesorregiões do Estado do Paraná — 1991 e 2000

FONTE: Resultados da pesquisa.

Legenda:

Atividades produtivas

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Gráfico 2

Coeficiente de localização (CL ) da mão-de-obra ocupada nas mesorregiões do Estado de Santa Catarina — 1991 e 2000

FONTE: Resultados da pesquisa.

Atividades produtivas

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1991 2000Legenda:

FONTE: Resultados da pesquisa.

Atividades produtivas

Gráfico 3

Coeficiente de localização (CL ) da mão-de-obra ocupada nas mesorregiões do Estado do Rio Grande do Sul — 1991 e 2000

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Nota-se, pelo coeficiente de localização, que o Estado do Paraná possuía,em 1991, a melhor distribuição da mão-de-obra nas atividades de serviços, setorpúblico, indústria de construção, comércio e em outras atividades industriais. Asatividades da agropecuária e de transporte e comunicação estavam mais con-centradas. Já no ano 2000, as atividades que apresentavam uma distribuiçãomais significativa eram a indústria de transformação, a indústria de construção,o comércio, os serviços e o setor público. As atividades da agropecuária e detransporte e comunicação continuavam sendo as mais concentradas, mas nota--se que a atividade produtiva de outras atividades industriais teve seu coeficien-te de concentração elevado nesse período. No geral, a ocupação da mão-de--obra na atividade do setor público é a mais distribuída, e a atividade agropecuária,a mais concentrada. O quociente de localização apontou a formação de umcorredor industrial ligando as mesorregiões Norte-Central-PR, Centro-Oriental--PR, Metropolitana de Curitiba e a emergência da Oeste-PR, o que atesta que aespacialização do emprego industrial tem convergido para essas regiões.

No caso das atividades agropecuárias, elas possuem um perfil particularno Paraná: o peso considerável das pequenas propriedades e das cooperativasde transformação agropecuária na economia do Estado. No caso dasmesorregiões Oeste-PR, Sudoeste-PR, Norte-Central-PR, Norte-Pioneiro-PR eCentro-Ocidental-PR, as pequenas e as médias propriedades, integradas com aagroindústria capitaneada pelas cooperativas, têm um papel preponderantena economia local, isso sem contar a sua capacidade de ocupação damão-de-obra.

No Estado de Santa Catarina, as atividades produtivas que apresentaramuma concentração regional da mão-de-obra ocupada mais intensa nos anos de1991 e 2000 foram: outras atividades industriais, agropecuária, indústria de trans-formação e setor público. As atividades de transporte e comunicação, comércioe serviços foram as que apresentaram um coeficiente de distribuição mais ele-vado. No período analisado, outras atividades industriais foram as mais concen-tradas, e as atividades do transporte e comunicação, as mais distribuídas. Nes-se caso, a análise regional confirmou os resultados dos estudos feitos por Lima(2004). O Estado de Santa Catarina caminha para uma maior espacialização doSetor Secundário ao longo do seu território. É certo que a especialização dasduas regiões divergem, mas ambas estão convergindo para o mesmo “peso”locacional no emprego industrial. Assim, Santa Catarina é o estado da RegiãoSul do Brasil que mais se tem beneficiado da dinâmica econômica dosúltimos anos.

No Rio Grande do Sul, a atividade agropecuária foi a mais concentrada, eas atividades industriais, as mais distribuídas. As atividades de serviços, co-mércio, indústria da construção e setor público também apresentaram uma dis-

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213O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00)

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007

tribuição significativa no período analisado. No geral, as atividades secundáriasapresentaram uma tendência à descentralização. No caso do RS, esse é umsinal positivo. Na análise feita por Lima (2004), a tendência à descentralizaçãobeneficiava a mesorregião Centro-Oriental-RS. Nesse caso, a difusão espacialdas atividades produtivas segue uma tendência de expansão a partir da perife-ria mais próxima a Porto Alegre. Enquanto, no Paraná, o processo de difusão sedá por percolação, o RS apresenta uma tendência a incorporar mesorregiões naárea de influência direta da metrópole estadual. Para isso, é necessário que osserviços e o comércio se propaguem no espaço regional, como apontaram osresultados do quociente locacional e do coeficiente de localização, tendênciaque só poderá ser confirmada por estudos futuros.

No Gráfico 4, são apresentados o coeficiente de especialização — ou seja,o comportamento da especialização das mesorregiões em relação ao Estado —e também o coeficiente de reestruturação.

Pelo Gráfico 4, observa-se que as mesorregiões Sudoeste e Sudeste doParaná (PR7 e PR9) apresentavam um grau de especialização da mão-de-obraocupada mais intenso que as demais, ou seja, estão com um grau de especia-lização em atividades ligadas a uma ou mais atividades produtivas mais eleva-do. No ano 2000, as mesmas mesorregiões apresentaram essas característi-cas. As mesorregiões Norte-Central, Centro-Oriental e Oeste foram as que apre-sentaram o menor CE, ou seja, uma diversificação mais significativa.

No Estado de Santa Catarina, tanto em 1991 quanto em 2000, asmesorregiões Oeste-Catarinense e Grande Florianópolis (SC1 e SC5) foram asque apresentaram os maiores valores no coeficiente de especialização da mão--de-obra ocupada. As mesorregiões Serrana (SC3) e Sul-Catarinense (SC6) eramas mais diversificadas em 1991 e 2000.

No Rio Grande do Sul, as mesorregiões Noroeste (RS1) e Centro-Oriental(RS4) eram as mais especializadas, e as mesorregiões Centro-Ocidental (RS3)e Sudeste (RS7), as mais diversificadas.

Pelo Quadro 2, é possível verificar como foi o comportamento da associa-ção geográfica entre as atividades produtivas em destaque.

Nesse sentido, observou-se que, no Paraná, nos anos de 1991 e 2000, asatividades agropecuárias obtiveram uma associação média com as demaisatividades produtivas. As outras atividades apresentaram associação significa-tiva tanto em 1991 quanto em 2000. Nota-se que houve uma interação entre asatividades urbanas (do Secundário e do Terciário) no período analisado. Essasatividades foram as mais representativas na absorção da mão-de-obra entre asmesorregiões deste último estado.

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21

4Jandir F

errera de Lima; Lucir R

einaldo Alves; M

oacir Piffer; C

arlos Alberto P

iacenti

Ensaios F

EE

, Porto A

legre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007

0,00

0,05

0,10

0,15

0,20

0,25

0,30

PR1PR2PR3PR4PR5PR6PR7PR8PR9PR10

SC1SC2SC3SC4SC5SC6RS1RS2RS3RS4RS5RS6RS7

1991 2000

CE

Gráfico 4

Coeficiente de especialização (CE ) da mão-de-obra ocupada das mesorregiões dos Estados do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul — 1991 e 2000

Legenda:

FONTE: Resultados da pesquisa.NOTA: PR1 - Noroeste; PR2 - Centro-Ocidental; PR3 - Norte-Central; PR4 - Norte-Pioneiro; PR5 - Centro-Oriental; PR6 - Oeste; PR7 - Sudoeste; PR8 - Centro-Sul; PR9 - Sudeste; PR10 - Metropolitana de Curitiba; SC1 - Oeste catarinense; SC2 - Norte catarinense; SC3 - Serrana; SC4 - Vale do Itajaí; SC5 - Grande Florianópolis; SC6 - Sul-Catarinense; RS1 - Noroeste;RS2 - Nordeste; RS3 - Centro-Ocidental; RS4 - Centro-Oriental; RS5 - Metropolitana; RS6 - Sudoeste; e RS7 - Sudeste.

MesorregiãoMesorregiões

corte Catarinense;

FONTE: Resultados da pesquisa.NOTA: PR1 - Noroeste; PR2 - Centro-Ocidental; PR3 - Norte-Central; PR4 - Norte-Pioneiro; PR5 -Centro-Oriental;PR6 - Oeste; PR7 - Sudoeste; PR8 - Centro-Sul; PR9 - Sudeste; PR10 - Metropolitana de Curitiba; SC1 - OesteCatarinense; SC2 - Norte Catarinense; SC3 - Serrana; SC4 - Vale do Itajaí; SC5 - Grande Florianópolis; SC6 - Sul--Catarinense; RS1 - Noroeste; RS2 - Nordeste; RS3 - Centro-Ocidental; RS4 - Centro-Oriental; RS5 - Metropolitana;RS6 - Sudoeste; e RS7 - Sudeste.

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21

5O

padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na R

egião Sul do B

rasil (1991-00)

Ensaios F

EE

, Porto A

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Quadro 2 Coeficiente de associação geográfica, por atividades produtivas, da Região Sul do Brasil — 1991 e 2000

a) Paraná

AGROPE-CUÁRIA

INDÚSTRIA DE TRANS-FORMAÇÃO

INDÚSTRIA DA CONS-TRUÇÃO

CIVIL

OUTRAS ATIVIDADES INDUSTRIAIS

TRANSPOR-TE E COMU-

NICAÇÃO COMÉRCIO SERVIÇOS SETOR

PÚBLICO DISCRIMINAÇÃO

1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000

Agropecuária ♦ ♦

Indústria de transformação

♦ ♦

Indústria da cons- trução civil

♦ ♦

Outras atividades industriais

♦ ♦

Transporte e comunicação

♦ ♦

Comércio ♦ ♦

Serviços ♦ ♦

Setor público ♦ ♦

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21

6Jandir F

errera de Lima; Lucir R

einaldo Alves; M

oacir Piffer; C

arlos Alberto P

iacenti

Ensaios F

EE

, Porto A

legre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007

Quadro 2 Coeficiente de associação geográfica, por atividades produtivas, da Região Sul do Brasil — 1991 e 2000

b) Santa Catarina

AGROPE-CUÁRIA

INDÚSTRIA DE TRANS-FORMAÇÃO

INDÚSTRIA DE CONS-TRUÇÃO

CIVIL

OUTRAS ATIVIDADES INDUSTRIAIS

TRANSPORTEE COMU-NICAÇÃO

COMÉRCIO SERVIÇOS SETOR PÚBLICO DISCRIMINAÇÃO

1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000

Agropecuária ♦ ♦ Indústria de transformação ♦ ♦

Indústria de construção civil ♦ ♦

Outras atividades industriais ♦ ♦

Transporte e comunicação ♦ ♦

Comércio ♦ ♦

Serviços ♦ ♦

Setor público ♦ ♦

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21

7O

padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na R

egião Sul do B

rasil (1991-00)

Ensaios F

EE

, Porto A

legre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007

Quadro 2 Coeficiente de associação geográfica, por atividades produtivas, da Região Sul do Brasil — 1991 e 2000

c) Rio Grande do Sul

AGROPE-CUÁRIA

INDÚSTRIA DE TRANS-FORMAÇÃO

INDÚSTRIA DE CONS-TRUÇÃO

CIVIL

OUTRAS ATIVIDADES INDUSTRIAIS

TRANSPOR-TE E COMU-

NICAÇÃO COMÉRCIO SERVIÇOS SETOR

PÚBLICO DISCRIMINAÇÃO

1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000 1991 2000

Agropecuária ♦ ♦

Indústria de transformação

♦ ♦

Indústria de cons-trução civil

♦ ♦

Outras atividades industriais

♦ ♦

Transporte e comunicação

♦ ♦

Comércio ♦ ♦

Serviços ♦ ♦

Setor público ♦ ♦ Legenda: Associação significativa Associação média Fraca associação ♦ Associação total FONTE: Resultado da pesquisa.

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218 Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007

Com relação ao Estado de Santa Catarina, observou-se que as atividadesdo setor público, de serviços e de comércio foram as que mais obtiveram asso-ciação significativa com as demais atividades produtivas. Verificou-se que aagropecuária e outras atividades industriais não alcançaram associação signifi-cativa com nenhuma outra atividade produtiva.

No Estado do Rio Grande do Sul, com exceção da agropecuária e daindústria de transformação, as demais atividades produtivas apresentaram as-sociação expressiva no período analisado. A indústria de transformação asso-ciou-se significativamente com as outras atividades industriais, com a indústriade construção civil, com transporte e comunicação e com serviços. Já a atividadeagropecuária não obteve associação significativa com nenhuma atividade pro-dutiva. No caso do Setor Secundário gaúcho, isso demonstra que ele necessita,cada vez mais, de atividades complementares, em especial de uma estruturade compra e venda (distribuição) bem difusa no território.

4 A variação total da mão-de-obra ocupada nas atividades produtivas, na Região Sul do Brasil

A análise da variação total da mão-de-obra ocupada auxilia na compreen-são da dinâmica das atividades produtivas, ao indicar as que são responsáveispor essa dinâmica. Na Figura 4, verifica-se o resultado da variação líquida totalpositiva das mesorregiões em análise.

Através da VLT (Figura 4), verificam-se as atividades produtivas que maisse dinamizaram no período: as atividades do comércio e do setor público. Essasatividades apresentaram os valores mais significativos para todas asmesorregiões da Região Sul do Brasil.

No Estado do Paraná, as mesorregiões Metropolitana de Curitiba, Norte--Central e Oeste apresentaram os maiores valores para a VLT, agregando maismão-de-obra no período de 1991 a 2000. No Estado de Santa Catarina, asmesorregiões Grande Florianópolis e Vale do Itajaí foram as que mais agrega-ram mão-de-obra. No Rio Grande do Sul, as mesorregiões Metropolitana de Por-to Alegre e Noroeste Sul-Rio-Grandense foram as mais representativas na ab-sorção de mão-de-obra.

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219O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00)

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007

0 67,72 km

0 67,72 km

Transp. e Comum.

Comércio

Serviços

Setor Público

Agropecuária

Ind. de transf.

Ind. Const. Civil

Outras Ativ. Ind.

Figura 4 Variação líquida total positiva da mão-de-obra ocupada nas mesorregiões dos Estados do Paraná,

de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul — 1991-00

FONTE: Resultados da pesquisa.

Noroeste Paranaense

Norte-Central Paranaense

Centro-Ocidental Paranaense

Norte-Pioneiro Paranaense

Centro-Oriental Paranaense

Oeste Paranaense

Sudoeste Paranaense

Centro-Sul Paranaense

Sudeste Paranaense

Metrop. de Curitiba

Oeste Catarinense

Norte Catarinense

Serrana Catarinense

Vale do Itajaí

Grande Florianópolis

Sul Catarinense

Noroeste Riograndense

Nordeste Riograndense

Sudoeste Riograndense

Centro-Ocidental Riograndense

Centro-Oriental Riograndense

Metropolitana de Porto Alegre

Sudeste Riograndense

VLT ≤ 4.999

9.999 ≤ VLT ≤ 5.000

14.999 ≤ VLT ≤ 10.000

15.000 ≤ VLT

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220 Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007

A Figura 4 confirma a formação do corredor de transformação industrialentre a Norte-Central e as mesorregiões do litoral. Nota-se a emergência dealgumas mesorregiões, dentre elas, a Oeste Paranaense, a Centro-Oriental doRS e a Oeste-Catarinense. A particularidade na confrontação desses resultadosé que o dinamismo da distribuição espacial do emprego confirma um processode difusão particular: a formação de um corredor e a percolação.

5 À guisa de conclusão

O objetivo deste artigo foi analisar o padrão de localização da mão-de-obrae a dinâmica regional das atividades produtivas das mesorregiões dos Estadosdo Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul no período de 1991 a 2000.

Com a aplicação dos métodos de análise regional, por meio doscoeficientes de localização e especialização, verificou-se que a atividade daagropecuária é mais distribuída entre as mesorregiões da Região Sul do Brasil.As demais atividades, secundárias e terciárias, concentram-se principalmentenum corredor que se inicia na mesorregião Norte-Central Paranaense, passandopela Centro-Oriental Paranaense e pelas outras mesorregiões litorâneas daRegião Sul do Brasil. Outrossim, a mesorregião Oeste Paranaense também sedestaca nessas atividades produtivas e é a única que se localiza fora do“corredor”.

A análise da variação total da mão-de-obra mostrou, através da variaçãolíquida total, que as atividades produtivas que mais se dinamizaram nasmesorregiões da Região Sul do Brasil foram as do comércio, do setor público, dotransporte e comunicação, da indústria da construção civil e da indústria datransformação. Esses dados confirmam os demais coeficientes de análiseregional, ao mostrarem que a dinâmica econômica da Região Sul do Brasil estápautada nas atividades secundárias e terciárias.

No contexto das atividades da indústria de transformação, no Rio Grandedo Sul, os resultados da análise convergem para os estudos de Souza (2005).Nesses estudos, o padrão de localização industrial do RS orienta-se pela fontede matérias-primas e dá-se pelas atividades básicas (exportação). Por isso,elas demandam uma estrutura de serviços e comércio capaz de lhes dar sus-tentação, o que favorece uma maior associação geográfica entre as atividadessecundárias e as terciárias ao longo do território.

Por fim, os resultados desta análise apontam algumas particularidades. Aprimeira é a reestruturação espacial, que se mostrou como mais um processode reorganização do espaço econômico. Nessa reorganização, não há nenhuma

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221O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00)

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007

garantia de que os espaços periféricos vão avançar, tanto que apenas asmesorregiões Oeste-PR, Norte-Central-PR, Oeste-SC e Centro-Oriental-RS con-seguiram emergir numa região de dinamismo fortemente concentrado nas áreasmetropolitanas. A segunda particularidade é a questão da especialização ou dadiversificação econômica. O fortalecimento da especialização não garante umpeso significativo na localização do emprego, tanto que o nível de dinamismodas mesorregiões é diferente, apesar de apresentarem o mesmo nível de espe-cialização. Assim, para uma mesorregião, é mais interessante aproveitar osmovimentos do espaço regional para avançar em atividades dinâmicas ligadasàs suas vantagens comparativas. A terceira e última particularidade é a existên-cia de um fenômeno de difusão espacial deveras interessante na Região Sul doBrasil, confirmando os estudos de Lima (2004): a existência de um corredor e deum processo de percolação. Nesse caso, apesar de as mesorregiões avança-rem no crescimento da ocupação da mão-de-obra, seu dinamismo não é sufici-ente para garantir sua inserção num corredor de transformação que começa namesorregião Norte-Central-PR, passa pela mesorregião Centro-Oriental-PR eintegra todas as mesorregiões litorâneas até o extremo sul do Brasil. Fora docorredor, a exceção fica por conta da Oeste-SC e da Oeste-PR, que se mostramcada vez mais emergentes.

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222 Jandir Ferrera de Lima; Lucir Reinaldo Alves; Moacir Piffer; Carlos Alberto Piacenti

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223O padrão de localização e de difusão da mão-de-obra na Região Sul do Brasil (1991-00)

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Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 189-224, jul. 2007

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225As Leis de Kaldor na economia gaúcha: 1980-00

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007

As Leis de Kaldor na economia gaúcha:1980-00*

Luciano Moraes Braga** Mestre em Economia e Tecnologista do IBGE

Adalmir Antonio Marquetti*** Doutor em Economia e Professor do PPGE-PUCRS

ResumoEste trabalho testa as Leis de Kaldor para o Rio Grande do Sul no período 1980--00. Kaldor considera a indústria como o setor-chave do crescimento econômico,devido à presença de retornos crescentes de escala no mesmo, o que não severificaria nos demais setores. Os resultados foram consistentes com seusargumentos. O próprio desempenho diferenciado entre as regiões é explicadopela desigualdade do crescimento industrial e não por diferenças exógenas nadotação de recursos. Os resultados mostram evidências de que as Leis deKaldor se verificaram no Rio Grande do Sul, no período em estudo. A validadede suas proposições no contexto regional de uma economia em desenvolvimento,num período de grandes transformações, mostra a relevância de fomentar aprodução industrial nas regiões de menor renda, para promover seu crescimentoeconômico.

Palavras-chaveLeis de Kaldor; indústria; Rio Grande do Sul.

AbstractThis paper tests Kaldor´s Law to Rio Grande do Sul for the period 1980-00.Kaldor considers the industry as the engine of economic growth due to thepresence of increasing returns to scale in this sector. The same is not true for

* Artigo recebido em 07 dez. 2005 e aceito para publicação em out. 2006.

**E-mail: [email protected]

***E-mail: [email protected]

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226 Luciano Moraes Braga; Adalmir Antonio Marquetti

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007

other economic sectors. In this conception, the unequal development betweenregions is explained by diverse industrial growth between them. The empiricalresults are consistent with Kaldor´s Law. The validity of his propositions in theregional context in a developing economy shows the relevance of fomenting theindustrial production in low income regions to promote their economic growth.

Key wordsKaldorís Laws; increasing returns; Rio Grande do Sul.

Classificação JEL: O11, R11.

1 Introdução

As linhas de crédito para o financiamento da reconversão produtiva dasáreas de menor industrialização da economia gaúcha são evidências de que adistribuição espacial da atividade industrial no Estado é concentrada. Ajustificativa para a oferta de crédito encontra-se no pressuposto de que aindustrialização é fundamental para o crescimento das regiões com menor rendaper capita.

Essa realidade inspira a utilização do referencial proposto por NicholasKaldor para a compreensão do processo de crescimento econômico. Seguindo atradição keynesiana, a proposta de Kaldor assume que a explicação para asdiferentes taxas de crescimento entre regiões decorre de fatores de demanda.No centro da questão, está o papel desempenhado pelas atividades com retornoscrescentes de escala. Mais especificamente, o setor industrial é consideradopor Kaldor o “motor” do crescimento econômico, por apresentar tais retornos.Thirlwall (1983, p. 341) considera que a divisão entre regiões caracterizadaspela predominância de atividades primárias e regiões mais industrializadas trazimplicações para o crescimento e para o processo de desenvolvimento daeconomia como um todo, justamente em função dos retornos crescentes noSetor Secundário. O conjunto de fatos estilizados apresentados por Kaldor ganhoustatus de lei na generalização proposta por Thirlwall.

Neste trabalho, são testadas, na economia gaúcha, as relaçõesevidenciadas nas Leis de Kaldor, no período 1980-00. Nesse período, a economiagaúcha interrompeu uma trajetória na qual o aumento da produção industrial era

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227As Leis de Kaldor na economia gaúcha: 1980-00

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007

acompanhado pelo aumento do nível de emprego e da produtividade da indús-tria. A instabilidade da década de 80 acabou por se refletir em estagnação tantona produção industrial quanto no nível de emprego. O processo de abertura e desobrevalorização cambial nos anos 90, ao intensificar o processo concorrencial,levou à falência as empresas de menor produtividade e capacidade financeira,bem como estimulou o aumento da produtividade por parte das demais. O resultadofrente ao pequeno aumento da produção foi a redução do nível de empregoindustrial. Nesse contexto, as Leis de Kaldor mostraram-se adequadas para aanálise do processo de crescimento econômico no âmbito regional de umaeconomia em desenvolvimento, cuja distribuição da atividade industrial não éhomogênea em seu território.

Os resultados revelaram a importância do crescimento do setor industrialpara o aumento da produção e da produtividade da economia gaúcha no períodoem estudo, especialmente naquelas regiões formadas por municípiosrelativamente mais desenvolvidos. Além desta breve Introdução, este artigoapresenta uma revisão do debate em torno das proposições iniciais de Kaldor.Após, segue uma seção na qual serão apresentados os testes empíricos paraas especificações das Leis de Kaldor. As Considerações finais sãoapresentadas na última seção, com a síntese dos principais pontos discutidos.

2 O processo de causação acumulativa e o crescimento econômico

Preocupado com o baixo crescimento da economia britânica, NicholasKaldor (1994) apresentou, em 1966, um estudo empírico relacionando as diferentestaxas de crescimento de 12 economias capitalistas avançadas1 no período 1953//54-1963/64. As evidências empíricas encontradas no estudo da performancedos países passaram a ser reconhecidas como Leis de Crescimento de Kaldor.Thirlwall (1983, p. 345) discute um catálogo de proposições que representam omodelo de Kaldor sobre as diferentes taxas de crescimento das economiasavançadas, apresentando-o na forma de “leis”, descritas a seguir. 2

1 Os países considerados no estudo são o Japão, a Itália, a Alemanha Ocidental, a Áustria, aFrança, a Dinamarca, a Holanda, a Bélgica, a Noruega, o Canadá, o Reino Unido e osEstados Unidos.

2 As mesmas proposições aparecem em McCombie e Thirlwall (1994, p. 164-166).

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“Primeira Lei de Kaldor: existe uma forte relação entre a taxa de cresci-mento da produção na indústria de transformação e a taxa de crescimento doPIB” 3 (Thirlwall, 1983, p. 347).

Pode-se testar como a variação da produção industrial influi na taxa decrescimento da produção total utilizando uma regressão na qual a taxa decrescimento dos demais setores depende da taxa de crescimento do setormanufatureiro. Ou seja,

onde nmg é a taxa de crescimento dos demais setores da economia, mq é ataxa de crescimento da produção de manufaturas, somadas a um termo de erroε que atenda às hipóteses do modelo clássico de regressão linear.

Essa relação é explicada pela existência de economias de escala, ouretornos crescentes, que provocam o aumento da produtividade em resposta aocrescimento da produção total. Kaldor procurou evidenciar empiricamente essaexplicação, dando origem a mais uma lei. Thirlwall define a “Segunda Lei deKaldor: existe uma forte e positiva relação entre a taxa de crescimento daprodutividade na indústria de transformação e o crescimento da produção nessaindústria” 4 (1983, p. 350).

Na especificação de Kaldor5, a lei é escrita como

(1)

onde p é a taxa de crescimento exponencial de produtividade, q é a taxa decrescimento exponencial da produção, a é a taxa autônoma de crescimento daprodutividade, e o coeficiente b é chamado de Coeficiente de Verdoorn. O subscritom indica que os dados se referem ao setor de manufaturas.

Existe um problema na especificação da equação 2, porque, por definição,

(2)

(3)

onde e é a taxa de crescimento do emprego.

3 No original: “Kaldor’s first law: there exists a strong relation between the growth of manufacturingoutput and the growth of GDP” (Thirlwall, 1983, p. 347).

4 No original: “Kaldor’s second law: there is a strong positive relation between the rate of growthof productivity in manufacturing industry and the growth of manufacturing output” (Thirlwall,1983, p. 350).

5 Essa relação empírica é conhecida como Lei de Kaldor–Verdoorn, porque já havia sidodemonstrada em Verdoorn (1949).

εβα ++= mnm qg

ε++= mm bqap

mmm eqp −=

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Desse modo, q aparece nos dois lados da equação, o que caracteriza umacorrelação espúria entre p e q. O problema é evitado com uma nova especificação,preferida por Kaldor, para a Lei de Verdoorn. Substituindo a taxa de crescimentoexponencial de produtividade na equação 2 pela equação 3, chega-se a

uqbae mm ++= ** (4)

sendo bb −= 1* e aa −=*

O que deve ser testado é se *b é, do ponto de vista estatístico,significativamente diferente de 1, ou, de forma equivalente, se b ésignificativamente diferente de zero. As duas especificações devem conduzir àmesma conclusão.

Segundo McCombie e De Ridder (1984, p. 268), a importância da Lei deKaldor-Verdoorn é que ela fundamenta um modelo de causação circular eacumulativa do crescimento econômico, tal qual o apresentado por Myrdal (1960,p. 28). Kaldor (1989, p. 315) assegura ser o processo de causação circularacumulativa essencial para a compreensão das diversas tendências dedesenvolvimento entre as regiões. O crescimento da demanda por produtosindustriais é um fator importante na determinação do crescimento das economias.Primeiramente, porque quanto maior for a taxa de crescimento do setor industrial,maior será a taxa de crescimento do total da produção na economia. Em segundolugar, porque quanto maior for a taxa de crescimento da produção industrial,maior será a taxa de crescimento da produtividade nesse setor. Mais do queisso, o crescimento da produção industrial também influencia o aumento daprodutividade nos demais setores da economia. Fortalecendo esse argumento,o autor criou mais uma generalização empírica, que passou a ser reconhecidacomo a Terceira Lei:

Terceira Lei de Kaldor: quanto maior o crescimento da produção da indústriade transformação, maior a taxa de transferência de trabalhadores dosdemais setores para este setor. Assim, a produtividade total é positivamenterelacionada com o crescimento da produção e do emprego na indústria detransformação e negativamente associada com o crescimento do empregonos demais setores (Thirlwall, 1983, p. 354).6

6 No original: “Kaldor’s third law: The faster the growth of manufacturing output, the faster therate of labour transference from nonmanufacturing to manufacturing, so that overall productivitygrowth is positively related to the growth of output and employment in manufacturing andnegatively associated with the growth of employment outside manufactoring” (Thirlwall, 1983,p. 354).

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A transmissão do aumento da produtividade do setor de manufaturas paraos demais setores pode ser captada na especificação proposta por Mamgain(1999, p. 298) e reproduzida na equação 7.

εγβα +−+= nmmnm eqp (7)

onde o subscrito nm representa os demais setores da economia, exceto o setorde manufatura, que é representado pelo subscrito m.

As proposições de Kaldor sobre os determinantes do crescimentoeconômico podem ser testadas para as regiões que compõem um país.7 De ummodo geral, os trabalhos que testaram as Leis de Kaldor em economias regionaiscomprovaram a capacidade destas em associar o crescimento da produção eda produtividade nas regiões dos países pesquisados com o crescimento desuas produções industriais.8 Neste artigo, pretende-se utilizar esse referencialpara acompanhar o desempenho das regiões de uma economia emdesenvolvimento9, num período de grandes transformações econômicas e sociaisno capitalismo mundial.

3 Os testes para as Leis de Kaldor no Rio Grande do Sul

Nesta seção, são realizados os testes para as Leis de Kaldor na economiagaúcha, no período 1980-00. Inicialmente, são necessários alguns comentáriossobre a estrutura e o desempenho da indústria do Rio Grande do Sul nesseperíodo.

7 O próprio Kaldor (1989, p. 311-312, grifo do autor) apresenta essa possibilidade: “A primeiraquestão que precisa ser considerada é o que causa diferença nas taxas regionais decrescimento — se o termo regional é aplicado para diferentes países (ou mesmo grupos depaíses) ou diferentes áreas dentro de um mesmo país. Evidentemente, as duas questõesnão são idênticas; mas até certo ponto. Eu estou certo de que seria esclarecedor considerarcomo se assim fossem e aplicar a mesma técnica analítica para as duas”. No original: “Theprimary question that needs to be considered is what causes these differences in regionalgrowth rates — whether the term regional is applied to different countries (or even groups ofcountries) or different areas within the same country. The two questions are not, of course,identical; but up to a point, I am sure that it would be illuminating consider them as if they were,and apply the same analytical technique to both” (Kaldor, 1989, p. 311-312, grifo do autor).

8 São exemplos de testes para economias regionais os trabalhos de McCombie e De Rider(1984), Hildreth (1988-89), Harris e Lau (1998) e León-Ledesma (2000).

9 São exemplos de testes para economias em desenvolvimento os trabalhos de Feijó eCarvalho (1997), Felipe (1998), Mamgain (1999) e Wells e Thirlwall (2003).

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A economia gaúcha carateriza-se por apresentar um forte vínculo entre asatividades industriais e a agropecuária. A fabricação de produtos alimentícios ebebidas representava quase 15% do Valor da Transformação Industrial (VTI) noano 2000.10 Da mesma forma, a atividade coureiro-calçadista representou cercade 13% do VTI. Esses dois setores são os maiores empregadores de mão-de--obra industrial no Rio Grande do Sul e ajudam a caracterizar a indústria gaúchacomo intensiva em mão-de-obra. Por outro lado, na atividade de preparação decouros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados, queapresenta o maior número de pessoas ocupadas, a produtividade do trabalho édas mais baixas.

Deve-se também destacar a forte integração da economia gaúcha com aeconomia brasileira, especialmente a da Região Sudeste. Ao mesmo tempo,existe uma articulação com o mercado internacional, pois o Rio Grande do Sulpossui um segmento exportador formado por setores agroindustriais. Com essacaracterística, fica evidente que a ocorrência de taxas câmbio sobrevalorizadassão uma importante restrição ao crescimento econômico do Estado. Esse foi ocaso do período imediatamente posterior ao lançamento do Plano Real, no qualo câmbio se manteve sobrevalorizado, e as taxas de crescimento da economiagaúcha foram baixas (Alonso, 2003, p. 100).

Como componente da economia brasileira, a economia gaúcha acompanhouas linhas gerais do processo de crescimento no qual estava inserida. O períodocompreendido por este estudo caracterizou-se pela redução nas taxas decrescimento tanto da economia nacional como da gaúcha. Simultaneamente,ocorreu uma queda na participação da indústria na geração do produto e doemprego, a qual ocorreu de maneira mais intensa na economia brasileira do quena gaúcha.11

No período 1980-00, a indústria gaúcha enfrentou uma situação adversa,tendo mantido como uma de suas características fundamentais o forte vínculocom o complexo agroindustrial. As mudanças tecnológicas que ocorreram noperíodo e o reduzido crescimento fizeram com que o número de trabalhadoresempregados em 2000 fosse menor do que o de 1980.12 Apesar das inovaçõestecnológicas, a indústria gaúcha manteve sua característica de ser intensivaem mão-de-obra.

10 Dados da Pesquisa Industrial Anual (2000).11 Esse movimento veio ao encontro da tendência evidenciada na trajetória das economias

desenvolvidas (Bonelli; Gonçalves, 1998).12 A desverticalização da produção pode ter propiciado um aumento da produção industrial,

com aumento do emprego no setor serviços. A base de dados utilizada neste estudo nãopermite avaliar esse efeito. No entanto, Feijó e Carvalho (1997, p. 254) não consideram queesse efeito seja responsável pelo aumento da produtividade na indústria.

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É nesse cenário que os testes para as Leis de Kaldor podem contribuirpara uma melhor compreensão do desempenho da indústria e de seus reflexosnas taxas de crescimento da produção e da produtividade na economia gaúcha.

3.1 Banco de dados

Para testar o conjunto de fatos estilizados sugeridos por Kaldor sobre osdeterminantes do crescimento de uma economia são necessárias informaçõessobre o PIB da região e sobre o número de pessoas ocupadas, discriminadaspor setor de atividade econômica.13 Na construção do banco de dados, o primeiropasso foi tornar as informações homogêneas geograficamente, pois o númerode municípios, ao longo do período em estudo, mais que dobrou. A soluçãoencontrada foi reagrupar os novos municípios aos seus municípios de origem.Desse modo, foram obtidas informações para um total de 136 Áreas MínimasComparáveis (AMC).14

Como medida do PIB municipal, em 1980 foi utilizada a renda interna dosmunicípios calculada por Maia Neto (1986). O PIB de 1980, a preços constantesdo ano 2000, foi distribuído de acordo com a participação dos municípios nacomposição da renda do Rio Grande do Sul, mantidas as respectivas estruturasdas rendas internas municipais. As séries do PIB do Rio Grande do Sul foramencadeadas, considerando-se a diferença entre os dois valores para o ano de1985 e reproduzindo-se essa diferença relativa no valor do PIB de 1980. A partirdos valores do PIB por regiões, foram calculadas as taxas geométricas decrescimento.

Os dados referentes ao número de pessoas ocupadas foram obtidos dosresultados das amostras dos Censos Demográficos de 1980 e de 2000,compatibilizando-se os conceitos de ocupação. Desse modo, foi possível calcularas taxas geométricas de crescimento, por setor de atividade, do total de pessoasocupadas no Rio Grande do Sul, no período 1980-00.

A Tabela 1 apresenta as estatísticas descritivas das taxas de crescimentodas variáveis em estudo. Observa-se que a indústria apresentou médias maiselevadas e maior desvio-padrão nas taxas de crescimento do produto e do emprego

13 A substituição de trabalho por capital na estrutura produtiva pode incorrer em resultadosviesados, e, por isso, alguns autores incluíram estimativas sobre o estoque de capital emseus trabalhos. Ver, por exemplo, McCombie e De Ridder (1984), Harris e Lau (1998) eLeon-Ledesma (2000).

14 Os municípios que compõem cada uma das Áreas Mínimas Comparáveis e a base dedados utilizada estão disponíveis mediante solicitação.

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233As Leis de Kaldor na economia gaúcha: 1980-00

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007

do que os demais setores. Esse é um primeiro indicador de que as Leis deKaldor se verificaram no Rio Grande do Sul, no período em estudo. Contudoparcela significativa das AMC apresentou taxas negativas de crescimento doproduto industrial. Ou seja, as médias mais elevadas para o setor industrialpodem estar associadas a um grupo mais restrito de AMC, o que justifica autilização de variáveis dummy, para testar as variações nos coeficientes daprimeira lei.

Tabela 1

Estatísticas descritivas das taxas de crescimento de variáveis selecionadas nas AMC do Rio Grande do Sul — 1980-00

(%)

PIB EMPREGO

DISCRIMINAÇÃO Total Indústria

Demais Setores

Total Indústria Demais Setores

Média ...................... 1,67 2,57 1,35 1,67 2,81 1,53 Mediana .................. 1,19 3,06 1,23 1,20 2,68 1,27 Desvio-padrão ........ 2,51 6,73 1,73 2,50 2,53 1,41

FONTE: MAIA NETO, Adalberto A. (Coord.). Renda interna municipal RS 1939- -1980. Porto Alegre: FEE, 1986.

FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA — FEE. Produto Interno Bruto (PIB) e Produto Interno Bruto per capita, a preços de mercado, dos municípios do Rio Grande do Sul: 2000. Porto Alegre: FEE, 2000. Disponível em: <http://www.fee.rs.gov.br>. Acesso em: 14 maio 2003. IBGE. Censo Demográfico 1980: dados gerais: famílias: migração: instru-ção: fecundidade: mortalidade: Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE, 1982. (IX Recenseamento Geral do Brasil,1980, v. 1, t. 4, n. 22). IBGE. Censo Demográfico 2000: microdados da amostra. Rio de Janei-ro, [s. d.].

3.2 A importância do crescimento da produção industrial para o crescimento econômico dos municípios

A Figura 1 apresenta a dispersão das taxas geométricas de crescimentodo PIB e da produção industrial no período 1980-00. A AMC formada peloMunicípio de Triunfo, com crescimento do PIB de 21,79% a.a. e da produçãoindustrial de 38,76% a.a., apresenta comportamento diferenciado das demais,

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muito provavelmente em decorrência da implantação do Pólo Petroquímico. Umavariável dummy foi acrescentada na análise para evitar a influência dessa AMCnos resultados estimados.

O teste de White comprovou a presença de heteroscedasticidade, o queera esperado, na medida em que foram utilizados dados de corte temporal e queas AMC são diferentes quanto ao tamanho e ao comportamento das variáveisanalisadas. A Tabela 2 apresenta as regressões, obtidas já comheteroscedasticidade corrigida pelo método de White, para a Primeira Lei deKaldor.

Como visto anteriormente, uma das críticas à regressão na formaespecificada por Kaldor foi o fato de relacionar a variação de uma parte com avariação do todo. Todas as regressões relacionaram a taxa de crescimento dosdemais setores com a taxa de crescimento do setor manufatureiro.15

A regressão 1 confirma que a taxa de crescimento do setor industrial mantémrelação positiva e significativa estatisticamente a 5% com o crescimento doPIB. A regressão 2 separa os efeitos da AMC que inclui Triunfo com a utilizaçãode uma variável dummy (DTRI). O coeficiente de declividade reduziu-se emmagnitude, significando que o incremento da produção industrial teve um efeitomenor sobre o aumento da produção total das demais AMC.

Vale lembrar que a interpretação de Kaldor foi além da relação evidenciada,ao afirmar que o crescimento do PIB é mais elevado onde o incremento daindústria frente ao dos demais setores for maior (Kaldor, 1994, p. 284). Ou seja,as economias com maiores taxas de crescimento seriam aquelas em que aindústria estaria aumentando a sua participação, como seguramente foi o casode Triunfo. Porém essa interpretação não está completa. Como apontam Feijó eCarvalho (2002, p. 61), a influência do incremento da produção de um setor nocrescimento do PIB é determinada pela taxa de crescimento e pelo peso dessesetor, sendo que o impacto é dado pelo produto desses dois fatores.

Nesse sentido, uma variável dummy foi empregada para verificar os efeitossobre as Leis de Kaldor quando são separadas as AMC menos desenvolvidasdas mais desenvolvidas. O critério utilizado para separar as AMC foi ordená-lasem função do PIB per capita, nos dois períodos. Assim, foram consideradosmenos desenvolvidos os municípios que pertenciam ao primeiro quartil em 1980e permaneceram nessa posição, no ano 2000.

15 Como assinalam Wells e Thirwall (2003), para considerar a indústria como o “motor docrescimento”, é necessário que o mesmo exercício seja realizado para os demais setores.No entanto, nem todos os autores que trabalharam o tema realizaram os testes para osdemais setores, o que também não foi feito neste trabalho.

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5A

s Leis de Kaldor na econom

ia gaúcha: 1980-00

Ensaios F

EE

, Porto A

legre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007

-5

0

5

10

15

20

25

-15 -5 5 15 25 35

Dispersão das taxas geométricas de crescimento do PIB e da produção industrial nas 136 regiões do Rio Grande do Sul – 1980-00

FONTE: MAIA NETO, Adalberto A. (Coord.). Renda interna municipal RS 1939-1980. Porto Alegre: FEE, 1986. FUN- DAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA — FEE. Produto Interno Bruto (PIB) e Produto Interno Bruto per capita , a preços de mercado, dos municípios do Rio Grande o Sul: 2000. Porto Alegre: FEE, 2000. Disponível em: <http://www.fee.rs.gov.br>. Acesso em: 14 maio 2003. IBGE. Censo Demográfico 1980: dados gerais: famílias: migração: instrução: fecundidade: mortalidade: Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE, 1982. (IX Recenseamento Geral do Brasil, 1980, v. 1, t . 4, n. 22). IBGE. Censo Demográfico 2000: microdados da amostra. Rio de Janeiro, [s. d.].

PIB (%)

Indústria de

transformação (%)

Figura 1

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Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 225-248, jul. 2007

Tabela 2 Resultados das regressões para a Primeira Lei de Kaldor aplicadas

para as 136 AMC do Rio Grande do Sul — 1980-00

DISCRIMINAÇÃO REGRESSÃO 1 REGRESSÃO 2 REGRESSÃO 3

α ......................................... 1,13 1,17 0,90 (1) (8,40) (1) (9,08) (1) (7,70)

β...........................................

0,09

0,06

0,05 (1) (2,93) (1) (2,87) (1) (2,72) DTRI ....................................... - 5,61 6,02 - (1) (7,55) (1) (8,22) DAD ........................................ - - 2,12 - - (1) (4,80)

DAD* β ................................. - - - 2R ........................................

0,12

0,18

0,35

2R .......................................

0,11

0,16

0,34 White (F-stat) ……………….… 7,74 1,55 2,26 DW …………………….………. 1,79 1,84 2,02 Reset (F-stat) ……………….… 5,32 0,45 0,37

n ............................................ 136 136 136

DISCRIMINAÇÃO REGRESSÃO 4 REGRESSÃO 5

α ............................................ 1,09 0,91 (1) (7,61) (1) (7,74)

β .......................................... 0,04 0,05

(1) (1,92) (1) (2,50) DTRI ....................................... 6,29 6,12 (1) (8,15) (1) (8,12) DAD ........................................ - 1,95

- (1) (4,22)

DAD* β ................................ 0,33 0,06

(1) (2,42) (1) (0,95) 2R

....................................... 0,26 0,35 2R

....................................... 0,24 0,33 White (F-stat) …………….…... 2,45 2,31 DW ………………………….…. 1,86 2,01 Reset (F-stat) …………………. 8,09 0,48 n ............................................ 136 136

FONTE DE DADOS BRUTOS: MAIA NETO, Adalberto A. (Coord.). Renda interna municipal RS 1939- FONTE DE DADOS BRUTOS-1980. Porto Alegre: FEE, 1986.

IBGE. Censo Demográfico 2000: microdados da amostra. Rio de Janeiro, [s. d.]. FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA — FEE. Produto Interno Bruto (PIB) e Produto Interno Bruto per capita, a preços de mercado, dos municípios do Rio Grande do Sul: 2000. Porto Alegre: FEE, 2000. Disponível em: <http://fee.rs.gov.br>. Acesso em: 14 maio 2003. IBGE. Censo Demográfico 1980: dados gerais: famílias: migração: instru-ção: fecundidade: mortalidade: Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE, 1982. (IX Recenseamento Geral do Brasil, 1980, v. 1, t. 4, n. 22).

(1) Estatísticas t.

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Na regressão 3, portanto, utiliza-se uma variável qualitativa para testar osefeitos do grau de desenvolvimento dos municípios nos resultados obtidos. Umavariável dummy foi empregada para as AMC mais desenvolvidas, chamada deDAD.

Os coeficientes de intercepto e de declividade para a variável dummy sãoestatisticamente significativos a 5%. Isso indica que o resultado para as AMCmais desenvolvidas é diferente daquele para as AMC menos desenvolvidas.Mais importante, a relação entre a taxa de crescimento da indústria e a taxa decrescimento do PIB dos demais setores nas AMC de maior desenvolvimento émais intensa.

Dado que o coeficiente encontrado para o crescimento do setor industrialcontinua significativo e inferior à unidade, a conclusão de Kaldor é válida paraas AMC mais desenvolvidas do Rio Grande do Sul.

A especificidade da indústria gaúcha tem de ser ressaltada na interpretaçãodos resultados. Sua trajetória no período em estudo indica um processo deadaptação frente aos desequilíbrios que a economia nacional enfrentou na décadade 80 e à abertura econômica da década de 90. O resultado foi um menorcrescimento da indústria de transformação frente aos demais setores. Contudoas evidências de ocorrências similares às previstas na Primeira Lei indicamque, nas AMC nas quais a produção industrial cresceu acima dos demais setores,houve um melhor desempenho econômico.

3.3 O aumento da produção industrial e os efeitos sobre a produtividade e o emprego no setor

Uma primeira aproximação da Segunda Lei de Kaldor pode ser obtida navisualização das Figuras 2 e 3. Na Figura 2, estão relacionadas as taxas decrescimento da indústria de transformação nas AMC do Rio Grande do Sul,entre 1980 e 2000, e as taxas de crescimento do emprego naquele setor. Assimcomo em Pieper (2001), uma linha com inclinação igual a um e intercepto zerofoi adicionada para representar a hipótese de retornos constantes de escala,caso em que o emprego e a produção cresceriam com a mesma taxa. A estimativapor regressão local mostra a presença de retornos crescentes, pois, em média,nas regiões em que a produção industrial cresceu, o emprego cresceu a taxasmenores. Esse resultado é similar ao obtido por Pieper (2001).

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238 Luciano Moraes Braga; Adalmir Antonio Marquetti

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Figura 2

Relação entre a taxa de crescimento do produto industrial (gX) e a taxa de crescimento do emprego na indústria (gN)

do Rio Grande do Sul – 1980-00

FONTE: MAIA NETO, Adalberto A. (Coord.). Renda interna municipal RS 1939-1980. Porto Alegre: FEE, 1986. FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA — FEE. Produto Interno Bruto (PIB) e Produto Interno Bruto per capita, a preços de mercado, dos municípios do Rio Gran- de do Sul: 2000. Porto Alegre: FEE, 2000. Disponível em: <http://www.fee.rs.gov.br>. Acesso em: 14 maio 2003. IBGE. Censo Demográfico 1980: dados gerais: famílias: migração: instrução: fecundidade: mortalidade: Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE, 1982. (IX Recenseamento Geral do Brasil, 1980, v. 1, t. 4, n. 22). IBGE. Censo Demográfico 2000: microdados da amostra. Rio de Janeiro, [s. d.].

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FONTE: MAIA NETO, Adalberto A. (Coord.). Renda interna municipal RS 1939-1980. Porto Alegre: FEE, 1986. FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA — FEE. Produto Interno Bruto (PIB) e Produto Interno Bruto per capita , a preços de mercado, dos municípios do Rio Grande d0o Sul: 2000. Porto Alegre: FEE, 2000. Disponível em: <http://www.fee.rs.gov.br>. Acesso em: 14 maio 2003.

Figura 3

(%)

(%)

Dispersão das taxas geométricas de crescimento da indústria de transformação e da produtividade da indústria do Rio Grande do Sul — 1980-00

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A Figura 3 mostra a relação entre as taxas anuais de crescimento da in-dústria de transformação e a sua produtividade. A visualização indica que háuma relação positiva entre as variáveis. As duas regiões com comportamentodiferenciado são compostas pelos Municípios de Triunfo e Dona Francisca, cujastaxas de crescimento da indústria foram muito influenciadas pela respectivaimplantação do Pólo Petroquímico e de uma usina hidroelétrica. Outra regiãoque se destaca das demais é aquela formada pelo Município de Herval, comtaxas muito negativas, tanto para o crescimento da indústria quanto para aevolução da produtividade.

Seguindo as especificações de Kaldor (1994), considera-se a taxa de cres-cimento da produção industrial uma variável independente, determinada pelademanda, e a taxa de crescimento da produtividade industrial, uma variáveldependente. Utilizando-se essa especificação, foram estimadas as equações 2e 4, cujos resultados estão apresentados, respectivamente, nas regressões 6e 7.

Como esperado, uma regressão é praticamente o reflexo da outra. Osresultados são similares aos encontrados na literatura e sugerem que ocrescimento da produtividade industrial está associado ao aumento da produçãodesse setor (Tabela 3).

É preciso lembrar que, no período em estudo, a economia gaúcha enfrentousituações distintas, como as altas taxas de inflação da década de 80 e o processode abertura econômica, empreendido mais intensamente ao longo da década de90. Ainda que as mudanças ocorridas não tenham alterado substancialmente operfil da indústria gaúcha, a redução do emprego industrial é evidenciada pelaspesquisas que tratam do assunto. Marca-se, assim, uma ruptura com o padrãode crescimento que vigorava até o final da década de 70, quando o crescimentoda produção industrial era acompanhado pelo crescimento do emprego industrial.Esse movimento estava de acordo com as proposições de Kaldor (1994), umavez que o rápido crescimento da demanda agregada proporcionava ao setorindustrial os ganhos de economias de escala e os aumentos da produção, doemprego e da produtividade do trabalho (Feijó; Carvalho, 1997, p. 261).

Ao longo dos anos 80, a produção industrial, o emprego e a produtividademantiveram-se basicamente constantes. Foi a partir dos anos 90 que aprodutividade industrial passou a aumentar. Apesar da redução no nível deemprego, Carvalho e Feijó (2000, p. 246) apontam que, mesmo sob o novopadrão industrial, os aumentos da produtividade na indústria brasileira estãomais associados à variação na produção do que à variação do emprego.

Portanto, verificam-se evidências de que o aumento da produção industriallevou à expansão da produtividade, mesmo em um período no qual a indústriateve crescimento econômico reduzido.

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Tabela 3

Resultados das regressões para a Segunda Lei de Kaldor aplicadas para as AMC do Rio Grande do Sul — 1980-00

DISCRIMINAÇÃO REGRESSÃO 6 REGRESSÃO 7

α ............................... -2,30 (1) (-9,06)

2,29 (1) (10,99)

β ............................. 0,78 (1) (18,87)

0,20 (1) (5,53)

2R ............................ 0,73 0,19 2R ............................ 0,73 0,18

F ............................. 356,06 30,83

n .............................. 134 133

FONTE DOS DADOS BRUTOS: MAIA NETO, Adalberto A. (Coord.). Renda inter- na municipal RS 1939-1980. Porto Alegre: FEE, 1986.

FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA — FEE. Produto Interno Bruto (PIB) e Produto In-terno Bruto per capita, a preços de mercado, dos municípios do Rio Grande do Sul: 2000. Porto Alegre: FEE, 2000. Disponível em: <http://fee.rs.gov.br>. Acesso em: 14 maio 2003. IBGE. Censo Demográfico 2000: microdados da amostra. Rio de Janeiro, [s. d.]. IBGE. Censo Demográfico 1980: dados gerais: famílias: migração: instrução: fecundidade: morta-lidade: Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE,1982. (IX Recenseamento Geral do Brasil, 1980,v. 1, t. 4, n. 22).

NOTA: Na regressão da produtividade pelo crescimento da indústria, foram suprimidas as regiões formadas pelos Municípios de Triunfo e Dona Francisca. Além dessas duas, na regressão do emprego na indústria pela produção industrial, também foi retirada a região formada pelo Município de Herval. (1) Estatísticas t.

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3.4 O incremento da produção industrial e o aumento da produtividade nos demais setores

A terceira Lei de Kaldor considera que a produtividade da economia comoum todo crescerá à medida que a produção industrial aumentar. Isso ocorreriapor força do acréscimo na produtividade da indústria que o crescimento daprodução industrial propicia e, também, porque a transferência de trabalhadorespara esse setor aumenta a produtividade dos remanescentes nos demais setores.Espera-se, portanto, que a produtividade da economia como um todo estejapositivamente relacionada com o aumento da produção industrial e negativamenterelacionada com o do emprego nos demais setores.

A Tabela 4 apresenta os resultados para a Terceira Lei de Kaldor segundo aespecificação proposta por Mamgain (1999). Os coeficientes estimados possuemo sinal esperado e são estatisticamente significativos a 5%. A produtividadedos demais setores da economia foi relacionada positivamente com o crescimentoda produção industrial e negativamente com o crescimento do emprego fora dosetor manufatureiro.

No entanto, não existem evidências de que a indústria tenha absorvidomão-de-obra dos demais setores. Ao contrário, há indicações de que é o setorserviços que tem aumentado sua participação no total de pessoas ocupadastanto no Rio Grande do Sul quanto no Brasil. Assim, a validade da Terceira Leideve ser recebida com ressalvas, pois não se pode afirmar que a produtividadedos demais setores tenha aumentado devido ao emprego, na indústria, de recursossubutilizados nos demais setores. Pode-se apenas considerar a validade daTerceira Lei como mais um indicativo de que o aumento na produção industrial,induzido pelo aumento da demanda, torna a economia mais produtiva.

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Tabela 4 Resultados da regressão para a Terceira Lei de Kaldor,

na especificação proposta por Mamgain para as AMC do Rio Grande do Sul — 1980-00

DISCRIMINAÇÃO REGRESSÃO 8 α .................................................................... 0,43

(1) (2,31) β ................................................................ 0,07

(1) (2,39) γ ................................................................ -0,50

(1) (-5,59) 2R ............................................................... 0,23 2R .............................................................. 0,22

F ................................................................ 19,84 n ................................................................ 136

FONTE DOS DADOS BRUTOS: MAIA NETO, Adalberto A. (Coord.). Renda inter-FONTE DOS DADOS BRUTO na municipal RS 1939-1980. Porto Alegre: FEE, FONTE DOS DADOS BRUTOS: 1986. IBGE. Censo Demográfico 2000: microda-FONTE DOS DADOS BRUTOS: dos da amostra. Rio de Janeiro, [s. d.]. FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Censo Demográfico 1980: dados gerais: FONTE DOS DADOS BRUTOS: famílias: migração: instrução: fecundidade: mortali-FONTE DOS DADOS BRUTOS: dade: Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE,FONTE DOS DADOS BRUTOS: 1982. (IX Recenseamento Geral do Brasil, 1980,FONTE DOS DADOS BRUTOS: v. 1, t. 4, n. 22).

FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA — FEE. Produto Interno Bruto (PIB) e Produto In-terno Bruto per capita, a preços de mercado, dos municípios do Rio Grande do Sul: 2000. Porto Alegre: FEE, 2000. Disponível em: <http://fee.rs.gov.br>. Acesso em: 14 maio 2003.

(1) Estatísticas t.

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4 Considerações finais

O período escolhido para os testes realizados neste trabalho pode serconsiderado como um ponto de inflexão na trajetória da economia brasileira.Ainda que contenha suas especificidades, a economia gaúcha tambéminterrompeu uma trajetória na qual o aumento da produção industrial eraacompanhado pelo aumento no nível de emprego e na produtividade da indústria.A instabilidade da década de 80 acabou por resultar em estagnação tanto naprodução industrial quanto no nível de emprego. Nos anos 90, houve um aumentoda produtividade, ao mesmo tempo em que o nível de emprego industrial sofreuredução. Nesse contexto, as leis de Kaldor (1994) foram utilizadas para explicara trajetória de crescimento da produção e da produtividade na economia gaúcha.

Os testes para a Primeira Lei apontaram a existência de uma relação entreos crescimentos da produção industrial e do PIB dos demais setores no período1980-00. No entanto, separando-se as AMC em dois grupos, de acordo com ograu de desenvolvimento, percebe-se que a validade da Primeira Lei se restringeao grupo formado pelas regiões mais desenvolvidas. Ou seja, a importância daindústria como “motor” do crescimento econômico dar-se-ia mais intensamentenas regiões em que o setor industrial já compunha uma parcela relevante desuas rendas.

A Segunda Lei de Kaldor (1975, p. 891; 1994) põe em evidência o papelrelevante da demanda por produtos industriais no aumento da competitividade edo próprio crescimento de uma economia. Uma vez verificado que o crescimentoda produção proporciona um acréscimo da produtividade na indústria — o testerealizado neste trabalho apontou nesse sentido —, abre-se a possibilidade deum círculo virtuoso de crescimento da produção industrial e, pelos efeitosdescritos na Primeira Lei, do conjunto da economia gaúcha. A questão relevante,cuja resposta foge ao escopo deste estudo, seria como expandir a demandaagregada, o que proporcionaria o espalhamento dos efeitos do aumento daprodução industrial para o restante da economia.

Os testes para a Terceira Lei indicaram que o aumento da produção industrialeleva a produtividade dos demais setores da economia. No entanto, há que seter ressalvas quanto à validade, para a economia gaúcha, no período 1980-00,do argumento original de Kaldor. No período em estudo, o nível de empregoindustrial sofreu redução, e, portanto, não teria sido por aproveitar mão-de-obrasubempregada nos demais setores que se explicaria a validade da Terceira Lei.Ainda assim, uma vez mais, a relevância do aumento da produção industrialficou evidenciada.

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Portanto, os testes para as Leis de Kaldor (1994, p. 303) revelaram indíciosde validade das hipóteses, ressaltando a importância do aumento da produçãoindustrial para o crescimento econômico das AMC do Rio Grande do Sul noperíodo 1980-00. No entanto, muito ainda deve ser feito, no sentido de elucidaros determinantes do crescimento econômico dos municípios gaúchos. A novasérie de dados para todos os municípios brasileiros, a partir de 1999, poderá serutilizada em estudos posteriores, bem como o mesmo referencial poderá sertestado para os estados. Por hora, pode-se considerar como desejável o estímuloà produção industrial, de maneira equilibrada, em todo o território do Rio Grandedo Sul.

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249A estrutura produtiva da economia brasileira na década de 90:...

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A estrutura produtiva da economiabrasileira na década de 90: o comércioexterior como uma lente privilegiada

de análise*

Wellington Pereira** Economista pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), Mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Membro do Grupo de Estudos em Economia Industrial (Geein) e Analista do Banco de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE)

ResumoAs transformações por que passou a economia brasileira na última décadativeram forte destaque nos debates acadêmico e político. Abertura comercial efinanceira, sobrevalorização e desvalorização cambial e estabilização monetáriaforam alguns dos diversos fatores que deram impulso às discussões. Os anos90 foram marcados pela reversão do saldo comercial favorável, após mais de10 anos de grandes superávits. A partir de 1994, as exportações passaram aser muito inferiores às importações, conseqüência e reforço das diversasalterações na dinâmica, na estrutura e na competitividade do parque produtivonacional, mas também de mudanças agressivas na política econômica, comforte abertura comercial e apreciação cambial. Ancorado nesse contexto, estetrabalho apresenta o comércio exterior como uma lente que possibilita ver astransformações dos vários segmentos produtivos, no que cabe às fragilidades eàs eficiências do País. Assim, o artigo traz elementos caracterizadores da relaçãodo comércio exterior com a estrutura produtiva brasileira na década de 90.

* Este artigo apresenta resultados de pesquisa realizada com o apoio financeiro da Funda-ção de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) no âmbito do Grupo de Es-tudos em Economia Industrial (<http://geein.fclar.unesp.br>).Artigo recebido em 28 mar. 2005 e aceito para publicação em out. 2006.

** O autor agradece a João Furtado, Rogério Gomes, Ionara Costa e Eduardo Strachmann porcolaborações importantes, isentando-os de possíveis equívocos presentes no trabalho.Registra, também, as contribuições feitas por dois pareceristas anônimos.E-mail: [email protected]

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Palavras-chaveComércio exterior; abertura comercial; estrutura produtiva.

AbstractThe transformations on the Brazilian economy in the nineties had strongprominence on the academic and political scenario. Commercial and financialopening, both overvaluation and depreciation on the exchange rate and monetarystabilization were factors that boosted some of the debates. The nineties weremarked by the reversion of the positive trade balance after more than ten yearswith surplus. After that 1994, the total value of exports turned out to be lowerthan the imports, as consequence and reinforcement of several alterations inthe dynamics, in the structure and in the competitiveness of the national productivepark, in addition to forceful changes in the economic policy with strong tradeopening and valorization of the exchange rate. Settled in this context, this workpresents the foreign trade as an instrument, which enables us to seetransformations on some productive segments as to the country frailties andefficiency. Thus, this paper raises some possible elements, which demonstratethe relationship between foreign commerce and the Brazilian productive structureduring the nineties.

Key wordsForeign trade; trade opening; productive structure.

Classificação JEL: F14; F41; L60.

1 Introdução

A vulnerabilidade externa1 da economia brasileira tem sido motivo de grandepolêmica no País, e, no âmbito desse debate, o papel do comércio exterior é

1 Pode-se definir sumariamente a vulnerabilidade externa como um fator indicativo de o quantoum país pode ser capaz de responder a choques exógenos no que se refere à dependênciade capitais estrangeiros, para o fechamento de seu balanço de pagamentos (com ou sem

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central. O aumento da dependência de capitais externos para fechamento dascontas do balanço de pagamentos e para a manutenção de uma taxa de câmbiorelativamente estável tem contribuído para que a busca por soluções para asfragilidades macroeconômicas do País passe pelo crescimento do seu superávitcomercial.

O processo de abertura ajudou a intensificar a dependência brasileira deprodutos importados. O cenário macroeconômico da segunda metade da décadade 90, com condições que possibilitaram a apreciação da taxa de câmbio e aqueda expressiva das tarifas nominais de importação,2 auxiliou para que ascompras externas crescessem muito acima das vendas. Esse quadro geroucrescentes déficits comerciais, os quais se somaram aos já elevados déficitsde serviços, fortalecendo a enorme dependência brasileira por capitais externos.

Primeiramente, este artigo traz, de forma resumida, o acalorado debateque foi estabelecido, no decorrer dos anos 90, acerca das diversastransformações por que passou a economia brasileira. A abertura comercial apartir do final da década de 80 e o processo de estabilização da moeda em 1994foram as principais bases para as discussões estabelecidas. Muitos consideramos resultados advindos desses processos como positivos, enquanto outrosapregoam que tais mudanças ocorreram de forma equivocada, trazendo umaprofundamento das fragilidades produtivas nacionais. Contudo há aqueles quedetêm uma postura mais moderada acerca das conseqüências da políticaeconômica adotada.

Em seguida, é feito um exame dos fluxos comerciais brasileiros, partindo--se do seguinte princípio: o comércio exterior é uma lente que possibilita enxergartanto as eficiências como as fragilidades produtivas dos vários setores. Dessaforma, procura-se realçar os aspectos positivos e negativos da evolução dasexportações e das importações do Brasil nos anos 90. A análise permite observara estrutura produtiva de maneira amplificada, pois as compras e as vendasexternas, em certo sentido, são um reflexo e um pedaço importante do “mapa”expandido da produção. Ao se observar o comércio exterior de um país, visualiza--se, concomitantemente, o perfil de sua produção (assim como sua dependênciade importações de insumos e bens finais). Pode-se saber, a partir daí, quais sãoas principais atividades em que esse país apresenta maiores (ou menores)

importantes oscilações em sua taxa de câmbio real). Quanto menor for sua independênciapara lidar com as alterações dos fluxos de capitais (entrada e saída do país), maior será asua vulnerabilidade externa, fazendo com que o país busque divisas através de outraspossíveis formas, entre elas, via aumento das exportações.

2 Ressalva-se que esse processo não foi automático somente via mercado, mas tambémresultado das opções adotadas pela política econômica do período.

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potencialidades (competitividade), gerando impactos positivos (ou negativos)nos seus fluxos comerciais com o resto do mundo.

2 A reestruturação produtiva recente e os reflexos no comércio exterior brasileiro: uma revisão do debate

A década de 90 foi um período de intensas transformações na economiabrasileira. Um aspecto relevante nesse período coube ao processo de aberturacomercial (e financeira), pautado no quadro internacional de liberalização. Essecenário, em grande parte, agiu como uma fonte indutora das mudanças quevieram alterar o modo de atuação das políticas nacionais nos âmbitos macro emicroeconômico.

O debate acadêmico e dos policy makers desse período discutiu os efeitoscausados pelas diversas mudanças por que passou a economia brasileira,especialmente a abertura comercial e o processo de estabilização monetária(Plano Real) com âncora cambial. Nesse contexto, duas visões contrapõem-secom mais relevância e destaque. Uma visão mais crítica (Coutinho, 1997; Coutinho,1997a ; Laplane; Sarti, 1997; Laplane; Sarti, 1999; Gonçalves, 2000; Gonçalves,2001; IEDI, 2000; IEDI, 2000a;) acredita que a abertura e os seus efeitos forammuito prejudiciais para a economia brasileira, fazendo com que esta últimaocupasse um lugar cada vez mais inferior na hierarquia mundial. A outra correntede autores, que defendem uma visão otimista (Moreira; Correa, 1997; Moreira,1999; Moreira, 1999a; Rossi Júnior; Ferreira, 1999; Pinheiro; Moreira, 2000;Markwald, 2001), acredita que a abertura comercial e seus efeitos foram muitobenéficos para o País, renovando a inserção brasileira no contexto internacional.

Porém, entre essas duas visões, surge uma intermediária (Castro, 1996;Barros; Goldenstein, 1997; Barros; Goldenstein, 1997a; Castro, 1999; Miranda;2001), a qual concorda que, apesar dos possíveis resultados positivos com oprocesso de abertura comercial, o País certamente teria, num primeiro momento,sérios problemas a enfrentar com a apreciação cambial. Entretanto essaperspectiva discorda dos otimistas, que acreditam nos efeitos benéficos deuma abertura total da economia ao capital internacional sem nenhuma políticaque equilibre os desvios ocasionados, que prejudicam o desempenho da economiadoméstica. A posição moderada (ou intermediária) defende, assim, para umsegundo momento, a elaboração de políticas que abrandem o desempenhonegativo ocorrido no primeiro estágio.

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A postura adotada neste trabalho é que as “visões” otimista e crítica nãoesgotam por completo a realidade, a qual fornece evidências de apoio a ambas.Essas visões apresentam importantes contribuições, sem dúvida, mas tambémlacunas e eventuais equívocos, principalmente pelo fato de cada uma delasseguir uma linha única de argumentação, a despeito de fatos óbvios em outradireção. Contudo nem sempre os portadores de uma postura intermediáriaconseguiram conjugar os problemas apontados pelos críticos com as soluçõesdesignadas por otimistas de forma conjunta e equilibrada.

Um ponto adicional deve ser indicado: o peso do aspecto conjuntural dasmudanças das políticas macroeconômicas sobre o debate. Em grande parte, ascontrovérsias foram contagiadas pelos humores despertados na época(principalmente, pós-Plano Real), o que contribuiu para que o cerne dasdiscussões estabelecidas se restringisse aos fatos do momento, sem umareflexão mais apurada das implicações de médio e longo prazos.

2.1 Desenvolvimento e principais pontos do debate

Segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI)3

(2000), a abertura, no início dos anos 90, ocorreu de forma abrupta, acarretandofortes prejuízos à economia brasileira. Foi, sobretudo, a extinção de barreirasnão tarifárias, desde o início da década de 90, que delineou o processo deabertura (Markwald, 2001). A isso veio se somar, em 1994, a implantação doPlano Real, que estabilizou a economia via apreciação cambial. As quedas dastarifas nominais de importação já haviam sido iniciadas no final dos anos 80,mas foi em 1994-1995 que elas foram fortemente reduzidas, prejudicandosobremaneira o saldo do balanço de pagamentos (Coutinho, 1997).

Para Coutinho (1997), houve dois resultados bastante desfavoráveis noprocesso descrito acima: a desindustrialização de alguns setores e adesnacionalização de frações da indústria brasileira. O termo desindustrializaçãotalvez seja inadequado para retratar a reorganização do parque produtivo nacional,isto porque houve muito mais um processo de reposicionamento (Castro, 1999)e modernização de empresas de variados setores (Bielchowsky, 1998). Por umlado, o mercado exigia que as firmas se adequassem a um cenário deconcorrência mais acirrado, fazendo com que elas estabelecessem planos de

3 O IEDI é um órgão privado de estudos sobre a indústria e o desenvolvimento nacionais querepresenta cerca de 45 empresários de grandes empresas brasileiras.

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focalização de atividades ou mesmo de redução do tamanho das plantas(downsizing). Por outro lado, a possibilidade de importações mais baratas, graçasao câmbio apreciado, tornou-se um caminho para que as empresas pudessem,em uma parte, melhor equiparar seus processos produtivos e, em outra, aproveitarmelhores canais internacionais de fornecimento de insumos/componentes.

Entretanto, para Coutinho (1997) e Laplane e Sarti (1999), a estabilizaçãoobtida através do aumento das importações contribuiu para a fragilização departes da indústria nacional e, conseqüentemente, para o desaquecimento dediversos setores da economia. Assim, de acordo com a visão mais crítica doprocesso, a reestruturação produtiva não estaria ensejando um círculo virtuosoe as bases de um crescimento econômico sustentado, como era aguardadopelos gestores da política econômica (Laplane; Sarti, 1999).

Já a corrente de postura mais otimista alegou que o novo cenário atuoupositivamente para a renovação da inserção internacional brasileira no contextoeconômico mundial, com maior competitividade e produtividade (Barros;Goldenstein, 1997; Pinheiro; Moreira, 2000). O caminho mais fácil para uso dosrecursos, ganhos de escala e especialização associados à abertura, passavainexoravelmente pelo crescimento das importações (Moreira, 1999a). Osdefensores da abertura comercial afirmam que a queda das barreiras comerciaisaumentou o acesso a insumos de melhor qualidade, e o aumento da competiçãoforçou a indústria nacional a aprimorar seus produtos e seus métodos de produção(Rossi Jr.; Ferreira, 1999). Além dos sinais positivos nesse sentido, que podemser encontrados ao se enfocarem setores ou frações da economia expostas àabertura (Markwald, 2001), e passada já uma década de seu início, pode-sever uma melhora importante também em setores antes protegidos (Markwald;Puga, 2002).

Um problema de grande importância foi realçado por Castro (1999), aotratar do desempenho produtivo no regime caracterizado como de stop and go,no período pós-fase inicial da estabilização. Com o cenário macroeconomi-camente travado e as empresas lutando por maiores competitividades, surgiaum fato novo e relevante: a preocupação competitiva das empresas começavaa ganhar caráter endógeno. Segundo Castro (1999), os produtores instaladoslocalmente estavam mais preocupados em disputar mercado com seusconcorrentes locais do que com as importações. As compras externas, muitasvezes, eram utilizadas por eles como arma no processo concorrencial.

O lado mais cético do debate considera que os investimentos provenientesdo processo de abertura econômica não contribuíram de forma relevante para oaumento das exportações brasileiras, mas, sim, na maior parte dos casos, paraa elevação do coeficiente de importação do País (Coutinho, 1997; IEDI, 2000;Laplane; Sarti, 1997). Para Coutinho (1997), ocorreu uma “especialização

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regressiva” da estrutura produtiva brasileira. A “opção dos investidoresestrangeiros, e consentida pelos gestores de política econômica interna”, nãofoi a de investirem em complexos industriais mais sofisticados, com elevadaagregação de valor e maior dinamismo tecnológico, mas, sim, na produção deprodutos de baixo valor agregado e de commodities, provocando, segundo oautor, um retrocesso local inegável em setores industriais mais intensivos emtecnologia. Em decorrência disso, o País teria passado a exportar produtos debaixo valor agregado e com tecnologia relativamente simples e a importarprodutos com maior valor agregado e maior conteúdo tecnológico.

Contudo, para Moreira (1999), a abertura provocou mudanças positivas, eos aspectos negativos que ainda se apresentam na estrutura econômica doPaís são vestígios do antigo sistema de “substituição de importações” da décadade 70. No tocante às empresas estrangeiras que atuam no mercado brasileiro,há uma forte defesa do argumento de que elas proporcionariam vantagens àeconomia local pelo fato de restabelecerem as ligações com o comércio mundial(Moreira, 1999). Com o reforço proveniente da entrada de outras empresasestrangeiras, as exportações brasileiras beneficiar-se-iam de facilidades de acessoà tecnologia. Nesse sentido, os impactos positivos sobre o progresso técnico,derivado do acesso, a menores custos, a bens de capital de fronteira e dosmaiores incentivos gerados pela concorrência dos importados, parecem tergarantido, para aquele autor, um saldo claramente positivo em termos de estímuloao crescimento econômico (Moreira; Correa, 1997).

Apesar de o crescimento da produtividade média, nos anos 90, dos setoresindustriais ter sido maior do que o dos setores agrícolas, Gonçalves (2000)considera que houve uma “reprimarização”4 do padrão de comércio internacionalbrasileiro. Contudo Piccinini e Puga (2001) argumentam que as perdas comerciaisbrasileiras, na segunda metade da década de 90, estiveram fortemente marcadaspela queda das compras mundiais de produtos agrícolas e pelas dificuldades definanciamento. O comércio exterior brasileiro apresentou uma forte retração em1998 e 1999, devido ao impacto nos preços dos produtos básicos, que caíram30% no período 1997-99. A queda na demanda mundial de importantes itens da

4 Houve aumento da competitividade dos produtos agrícolas brasileiros no cenário internacio-nal, nos anos 90, com aumento de participação das exportações brasileiras desses produ-tos em relação ao total. Por outro lado, os produtos manufaturados mostram aumento naprimeira metade da década, mas declínio na outra fase. Assim, para Gonçalves (2000), osdados indicam a reprimarização da segunda metade dos anos 90, o que parece ser umareversão de tendência de longo prazo, isto é, o que se esperava que iria ocorrer — expan-são superior dos produtos industrializados — não foi verificado. Isso se deve ao fato de que,entre 1980 e 1998, as taxas de crescimento das exportações de manufaturados esemimanufaturados foram as mais elevadas.

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pauta de exportação brasileira, juntamente com a interrupção dos créditos parao comércio exterior, adiou os efeitos da depreciação cambial de 1999 para 2000(Piccinini; Puga, 2001). Além disso, Veiga (2002) considera que há um viésantiexportador5 na estrutura produtiva brasileira, que dificulta a expansão dasexportações do País. Além disso, a partir da análise do desempenho das cadeiasprodutivas na década de 90, Haguenauer et al. (2001) concluíram que os setoresmais competitivos antes da abertura comercial permaneceram sendo os mesmosao longo dos anos 90 e, geralmente, estão entre aqueles ligados à disponibilidadede recursos naturais.

Há um importante fator que é apontado pela literatura relacionada à aberturacomercial (sobretudo pela visão intermediária): a questão dos “dois tempos”.Num primeiro momento, é necessário que a economia local importe o suficientepara que possa reestruturar seu parque industrial, o que explicaria os resultadosnegativos da balança comercial. Num segundo momento, quando não serianecessário importar todo tipo de bem, o País poderia chegar até mesmo a umasituação de exportador de produtos antes importados (Barros; Goldenstein, 1997;Miranda, 2001).

Muitos dos fatos ocorridos posteriormente ao momento em que essesescritos foram elaborados derrocaram alguns dos argumentos acimamencionados, seja de crítica, seja de elogio à abertura. Por um lado, o comérciode alta tecnologia foi um fator que chamou atenção na década passada. Apesarde as importações de produtos com elevado conteúdo tecnológico terem crescido,as exportações desses produtos também apresentaram aumentos significativos(Furtado et al., 2001; Sarti; Sabattini, 2003; Gomes; Carvalho; Rodrigues, 2004).Por outro lado, também foram marcantes as importações brasileiras de produtoscom menor valor agregado, nem sempre revelando deficiências ou fragilidadescompetitivas setoriais, mas, sim, estratégias dos grandes oligopólios que seaproveitaram das condições proporcionadas pelo cenário macroeconômico(Domingues, 1999; Lupatini, 2000).

Os autores que têm uma postura otimista e, em alguns casos, moderada,em conjunto, procuram mostrar que os caminhos trilhados pela economia brasileiraforam dolorosos, mas necessários. Um dos principais argumentos é que os

5 “A existência de um viés antiexportador decorrente da política comercial pode ser avaliadapela comparação entre os incentivos à produção para o mercado interno e os que se aplicamà produção para a exportação: o viés antiexportador existe em uma dada economia quandoos incentivos às vendas domésticas superam os estímulos à exportação. [...] Além da políticacomercial e das variáveis a ela associadas tradicionalmente consideradas, ao se avaliar oviés antiexportador presente em uma economia — a estrutura de proteção e de incenti-vos —, há um extenso conjunto de outros fatores que podem inibir significativamente adisposição empresarial para exportar e competir no mercado externo.” (Veiga, 2002, p. 2-3).

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impactos imediatos dão respaldo a resultados futuros positivos na economiabrasileira, incluídos aí os investimentos em setores não comercializáveis (infra--estrutura por exemplo). A maior diferença entre a visão moderada e a otimista éque a primeira propõe planos de ação para o médio e o longo prazo, ou seja,políticas que possam reverter o quadro negativo inicial. Já a segunda visão (deviés liberalizante) acredita ser necessário deixar o mercado delinear os contornose os caminhos a serem seguidos pela economia, pois só assim ela encontrariao equilíbrio e uma maior competitividade.

Por outro lado, a visão crítica condena os instrumentos utilizados pelosgestores da política econômica com o objetivo de alcançar a estabilidade depreços. Ademais, tal corrente adota que, na busca por esse objetivo, a esferafinanceira recebeu, permanentemente, um tratamento diferenciado, em detrimentoda atividade produtiva, que sofreu sérios danos, com fortes impactos sobre oconjunto da economia brasileira.

3 O comércio exterior do Brasil na década de 90: uma lente para o exame das trans- formações do parque produtivo nacional

O padrão de comércio é utilizado neste trabalho como uma lente que permiteenxergar os aspectos intrínsecos à estrutura produtiva de um país. Partindodesse princípio, esta parte do trabalho tem por objetivo apresentar uma análiseabrangente do comércio exterior brasileiro, das alterações nos fluxos comerciaise, assim, do padrão produtivo ao longo da década de 90. Em conjunto eparalelamente ao debate apresentado anteriormente sobre as transformaçõesrecentes da economia brasileira, este item procura mostrar as fragilidades e aseficiências do comércio exterior brasileiro. Para isso, mapeia os fluxos comerciaisde uma maneira ampla, ou seja, tanto para os setores que têm gerado impactosnegativos sobre a balança comercial brasileira, como para aqueles que vêmtendo uma boa competitividade internacional.

Além do comportamento da balança comercial, é importante frisar que háoutros elementos que também propiciam condições para a definição desegmentos produtivos como competitivos ou frágeis e que podem minimizarresultados obtidos através da análise do comércio internacional somente. Podemocorrer situações em que nem sempre os sinais apresentados pelo saldo dabalança de comércio se mostrarão apropriados para a definição de quaissegmentos são, efetivamente, os mais dinâmicos vis-à-vis aos demais.Problemas advindos de flutuações cambiais tenderão, por exemplo, a alterar o

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quadro de definição do grau de competitividade dos diversos segmentos nasrelações de trocas internacionais.6

A definição de competitividade deve abarcar fatores de ordem empresarial,estrutural e sistêmica7 (Ferraz; Kupfer; Haguenauer, 1997). No caso dos doisúltimos conjuntos de elementos, as empresas conseguem ter pouco ou nenhumcontrole sobre a tomada de decisões. Tal feito pode causar alterações no caráterdinâmico das relações comerciais de determinados segmentos com o exterior.Outro indicador que pode aferir a competitividade setorial (ou por produto) é oíndice de vantagem comparativa revelada (VCR). Esse instrumento demonstraquanta vantagem um país ou uma região detém nas exportações com relaçãoao comportamento de outros países ou das exportações mundiais.8

6 Pode ocorrer que um processo de apreciação cambial faça com que setores que vinhamapresentando um bom desempenho no comércio internacional se tornem menos competiti-vos frente aos seus concorrentes externos. Contudo é importante ressaltar que há muitossegmentos nos quais o Brasil detém competitividade (por exemplo, os agroindustriais) e quetendem a continuar a ser assim, apesar de alterações macroeconômicas como a descrita.Em alguns casos, numa escala menor que a porventura apresentada por outros. Sem dúvi-da, uma alteração cambial que favoreça as exportações fará com que os dados estatísticosdemonstrem uma margem maior de eficiência em relação ao comportamento a ser apresen-tado por setores (ou produtos) que não detinham um grau de competitividade prévio, ouconstruído ao longo do tempo.

7 Fatores determinantes de competitividade, segundo Ferraz, Kupfer e Haguenauer (1997),são de três tipos: empresariais, que se trata daqueles sobre os quais a empresa detémpoder de decisão e controle (inovação, recursos humanos, gestão e produção); estrutu-rais, que contemplam elementos que vão além da alçada da empresa no processoconcorrencial, de forma que sua capacidade decisória é limitada por influências extramercado,sejam públicas, sejam privadas, que acabam por impor condições sobre a dinâmica deconcorrência; e sistêmicos, que “[...] são aqueles que constituem externalidades strictusensu para a empresa produtiva, sobre os quais a empresa detém escassa ou nenhumapossibilidade de intervir, constituindo parâmetros do processo decisório” (p. 12). Contem-plam os fatores sistêmicos elementos de ordem: (a) macroeconômica, (b) político-institucionais,(c) legais-regulatórios, (d) infra-estruturais, (e) sociais e (f) internacionais.

8 Bela Balassa desenvolveu o primeiro índice VCR em 1965,

onde

VCRi = (Xij/Xi)/(Xwj/Xw)

VCRi = indicador de vantagem comparativa revelada do produto (setor i);

Xij = valor das exportações do país do produto (setor j);

Xi = valor total das exportações do país;

Xwj = valor das exportações mundiais do produto (setor j);

Xw = valor total das exportações mundiais.

Waquil e Barbosa (2001) utilizaram esse índice para observar os impactos das transações a serem estabelecidas, no âmbito da ALCA, para produtos agrícolas. Maiores detalhes, ver Balassa (1989).

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Apesar de o exame do comércio exterior num determinado ponto do tempotrazer uma informação estática, do momento, é importante ressaltar que essesresultados refletem a tomada de decisões das estratégias competitivas dasfirmas. São as empresas que definem a dinâmica e o perfil comercial de umpaís. A formação da capacitação industrial ao longo de um determinado períodorepresenta um aspecto de ordem estrutural que se refletirá no grau decompetitividade do comércio setorial. No entanto, a variação de certos fatoresdeterminantes do comportamento da pauta comercial (reflexos de mudanças deordem empresarial, estrutural e sistêmica) pode fazer com que haja alteraçõesno grau de competitividade internacional de alguns segmentos.

3.1 Procedimentos e conceitos adotados

Na análise realizada, foram utilizados os arquivos contendo os fluxoscomerciais internacionais da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Essesarquivos são subdivididos por capítulos (conjuntos amplos de produtos), os quaistêm quatro níveis de subdivisão, do nível mais agregado da Nomenclatura Comumdo Mercosul (NCM2) até o mais desagregado, respondendo pelos própriosprodutos (NCM8). O procedimento inicial foi verificar os saldos acumulados detodos os grupos de produtos contemplados pela Secex (capítulos ou NCM2)referentes ao período 1994-999. Apesar de a abertura comercial ter-se iniciadono final da década de 80, foi só a partir de 1994 que houve uma reversão dosaldo comercial positivo do Brasil.

Verificou-se que, de 92 capítulos, 55 foram deficitários, e somente 37,superavitários, quando acumulados os resultados para todo o período 1994-99.O déficit acumulado naqueles 55 capítulos foi de US$ 167 bilhões, enquanto osuperávit dos demais 37 capítulos foi de US$ 149 bilhões, resultando em saldonegativo acumulado de US$ 18 bilhões, no período 1994-99.

Ocorreu um agravamento dos déficits em setores que eram problemáticos10

antes mesmo do processo de abertura comercial (por exemplo, os segmentosreferentes à eletrônica, à metal-mecânica e à química). A maior quantidade de

9 Esse período foi selecionado, devido ao fato de que ele é marcado por um conjunto impor-tante de mudanças com impactos significativos nos fluxos de comércio exterior e em todaa economia brasileira: estabilização da moeda via apreciação cambial em 1994 (Plano Real)e início de um período marcado por fortes déficits e pequenas desvalorizações em 1995 e1996 e uma outra, muito mais forte, no início de 1999.

10 No sentido de serem possuidores de deficiências, que, muitas vezes, estavam camufladaspor mecanismos restritivos que protegiam parcelas da indústria local da concorrênciaestrangeira.

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capítulos deficitários poderia não ser um agravamento da situação, se, entretais capítulos, não houvesse uma ampla maioria de setores que possuem elevadovalor agregado, ou maior conteúdo tecnológico, em detrimento do comportamentoverificado pelo lado daqueles segmentos nos quais o Brasil é superavitário (Quadro1). A maior parte desses capítulos refere-se a setores menos intensivostecnologicamente ou com menores valores agregados. A exceção mais claracabe ao capítulo de aeronaves e aparelhos espaciais, que teve um ótimodesempenho comercial na década de 90.

Dado o cenário acima, procurou-se, inicialmente, confrontar os segmentosmais competitivos, ou “vencedores”, com aqueles mais deficientes, ou“perdedores”, na balança comercial brasileira, na década de 90. Para isso, foramselecionados os 10 capítulos mais superavitários e os 10 mais deficitários, noperíodo 1994-99. Por último, apresenta-se uma caracterização do comércio exteriorbrasileiro por origens e destinos dos fluxos comerciais.

O critério de seleção e corte de, especificamente, 10 capítulos para cadacaso abordado foi ponderado, sobretudo, pelo lado dos segmentos “perdedores”.Como será possível ver mais adiante, o peso do conjunto de somente 10 capítulos(no caso dos deficitários) nas importações totais brasileiras foi superior a 60%

Quadro 1

Os 10 capítulos mais superavitários e os 10 mais deficitários da RVCM2 no Brasil — 1994-99

DEFICITÁRIOS

SUPERAVITÁRIOS

Combustíveis minerais (27) Ferro fundido (72) Máquinas e aparelhos elétricos (85) Minérios (26) Reatores nucleares, caldeiras e má- Café e chás (09) quinas (84) Produtos químicos orgânicos (29) Resíduos e desperdícios da indústria alimentar (23) Instrumentos e aparelhos de ótica (90) Açúcares e produtos de confeitaria (17) Cereais (10) Calçados, polainas, etc. (64) Veículos automóveis (87) Sementes e frutos oleaginosos (12) Plásticos e suas obras (39) Fumo, etc. (24) Adubos e fertilizantes (31) Madeira, carvão vegetal e obras de madeira (44) Produtos farmacêuticos (30) Preparações de produtos hortículas (20)

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Secex.

NOTA: Os números entre parênteses referem-se ao código (a dois dígitos) de cada capítulo.

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durante todo o período destacado para exame11 (Tabela 4). Pelo lado darepresentatividade nas exportações dos “vencedores” (Tabela 2), a participaçãopercentual alternou-se entre 38,5% e 45,8% — o que não deixou de ser um valorrazoável para análise. E, para que houvesse uma similaridade na quantidadeescolhida de capítulos para cada grupo, optou-se por trabalhar com 10 tambémneste último caso — apesar de uma participação relativa inferior a 50% sobre ototal das exportações brasileiras.

A metodologia para a análise das estatísticas comerciais utiliza trêsconceitos adotados por Furtado et al. (2001): valores médios, níveis tecnológicose blocos de países. O valor médio é definido pela razão entre o valor da transaçãoem dólares FOB (free on board) e seu peso em quilogramas (Tabela 1). Adota-seuma hipótese utilizada em numerosos estudos, segundo a qual produtos commaior conteúdo tecnológico possuem valor médio mais elevado.12

Os três níveis tecnológicos — alta, média e baixa tecnologia — resultamde um processo composto por duas etapas: (a) a reclassificação dos produtosna nomenclatura NCM em 12 categorias Commodity Trade Pattern (CTP); (b) oreagrupamento das categorias anteriores, de acordo com os valores médios dasexportações brasileiras de 1999, em três níveis tecnológicos.

Por fim, os países e as regiões do globo foram agrupados em 10 diferentesblocos, com o intuito de qualificar e analisar os fluxos de comércio do Brasilmediante suas origens e destinos: Área de Livre Comércio da América do Norte(ALCAN); União Européia (UE); Japão e New Industrialized Countries (NICs) —Taiwan, Cingapura, Hong Kong e Coréia do Sul —; Mercado Comum do Sul(Mercosul); América Latina e Caribe; restante da Europa; restante da Ásia; Áfricae Oriente Médio. Os quatro primeiros blocos foram denominados paísesdesenvolvidos (PD), e os seis últimos, classificados como países emdesenvolvimento (PED), como adotado pela literatura recente.13

11 O ano de 1991 foi uma exceção no período examinado, apresentando uma participação de40,6%.

12 “Sabe-se, porém, que tal indicador pode, incidentalmente, não representar exatamente oque se deseja, como nas transações envolvendo produtos cuja escassez — e não aintensidade tecnológica — torna seus valores médios elevados (pedras e metais precio-sos, como pérolas, diamantes, ouro e platina, dentre outros). Vale lembrar que, ao longo dotempo, a difusão e o aprimoramento do processo produtivo tendem a reduzir os valoresmédios dos produtos inovadores, freqüentemente de maior conteúdo tecnológico, enquan-to outros produtos antes inexistentes passam a ser incorporados como inovações maisrecentes.” (Furtado et al., 2001, p. 7-9).

13 Os grupos NICs foram considerados entre os países desenvolvidos, devido ao seu pro-gresso econômico e às similaridades com o comércio exterior realizado pela UE, pelaALCAN e pelo Japão.

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Tabela 1

Classificação do padrão de comércio de mercadorias e valores médios das exportações no Brasil — 1999

CÓDIGOS ABREVIA-

TURAS CATEGORIAS DE PRODUTOS VALORES MÉDIOS

(US$)

224 IIP&D Indústrias intensivas em P&D ...................... 7,48 223 FE Fornecedores especializados ...................... 5,65 221 IIT Indústrias intensivas em trabalho ................ 2,13 213 IIRM Indústrias intensivas em recursos minerais 0,76 222 IIE Indústrias intensivas em escala .................. 0,57 110 PPA Produtos primários agrícolas ...................... 0,53 211 IA Indústrias de agroalimentos ......................... 0,35 212 IIORA Indústrias intensivas em outros recursos

agrícolas....................................................... 0,25 214 IIRE Indústrias intensivas em recursos ener-

géticos ......................................................... 0,11 130 PPE Produtos primários energéticos ................... 0,08 120 PPM Produtos primários minerais ........................ 0,02

FONTE: FURTADO, J. et al. Balanço de pagamentos tecnológico e propriedade intelectual. In: Indicadores de Ciência e Tecnologia e Inovação — 2001. São Paulo: Fapesp, 2002.

Tabela 2

Fluxos comerciais e participação percentual dos 10 capítulos mais superavitários no comércio global brasileiro — 1989-99

a) valor (US$ bilhões)

FLUXOS COMERCIAIS 1989 1990 1991 1992 1993

Exportações ........ 15,54 14,25 14,15 14,93 16,05

Importações ........ 0,80 0,78 1,28 0,79 0,70

FLUXOS COMERCIAIS

1994 1995 1996 1997 1998 1999

Exportações ........ 18,06 18,88 20,15 22,27 20,80 18,49

Importações ........ 1,02 1,61 1,70 2,15 1,58 1,19

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Tabela 2

Fluxos comerciais e participação percentual dos 10 capítulos mais superavitários no comércio global brasileiro — 1989-99

b) participação percentual

FLUXOS COMERCIAIS 1989 1990 1991 1992 1993

Exportações ........ 45,2 45,4 44,8 41,5 41,6

Importações ........ 4,4 3,8 2,6 3,8 2,8

FLUXOS COMERCIAIS

1994 1995 1996 1997 1998 1999

Exportações ........ 41,5 40,6 42,2 42,0 40,7 38,5

Importações ........ 3,1 3,2 3,2 3,5 2,6 2,4

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Secex.

Tabela 3

Participação percentual dos níveis tecnológicos nas exportações e nas importações dos 10 capítulos mais superavitários

no comércio global brasileiro — 1989-99

a) exportações

NÍVEIS TECNOLÓGICOS 1989 1990 1991 1992 1993

Média tecnologia ............... 84,3 81,4 79,7 83,0 84,6

Baixa tecnologia ................ 15,7 18,6 20,3 17,0 15,4

TOTAL ............................... 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 NÍVEIS TECNOLÓGICOS 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Média tecnologia ............... 86,2 85,5 85,4 86,3 83,3 84,1

Baixa tecnologia ................ 13,8 14,5 14,6 13,7 16,7 15,9

TOTAL ............................... 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

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Tabela 3

Participação percentual dos níveis tecnológicos nas exportações e nas importações dos 10 capítulos mais superavitários

no comércio global brasileiro — 1989-99

b) importações

NÍVEIS TECNOLÓGICOS 1989 1990 1991 1992 1993

Média tecnologia ............... 49,8 52,1 48,4 63,1 65,2

Baixa tecnologia ................ 50,2 47,9 51,6 36,9 34,8

TOTAL .............................. 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 NÍVEIS TECNOLÓGICOS 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Média tecnologia ............... 71,3 73,5 77,5 81,0 83,6 73,7

Baixa tecnologia ................ 28,7 26,5 22,5 19,0 16,4 26,3

TOTAL .............................. 100,0 100,0 100,0 100,0 100 ,0 100 ,0

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Secex.

Tabela 4

Fluxos comerciais e participação percentual dos 10 capítulos mais deficitários no comércio global brasileiro — 1989-99

a) valor (US$ bilhões)

FLUXOS COMERCIAIS 1989 1990 1991 1992 1993

Exportações ............ 8,60 7,27 7,23 9,08 9,95

Importações ............ 11,94 14,45 20,08 14,88 18,21

FLUXOS COMERCIAIS 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Exportações ............ 10,99 10,87 11,48 13,78 13,80 12,15

Importações ............ 23,57 33,93 36,71 43,02 40,46 35,54

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Tabela 4

Fluxos comerciais e participação percentual dos 10 capítulos mais deficitários no comércio global brasileiro — 1989-99

b) participação percentual

FLUXOS COMERCIAIS 1989 1990 1991 1992 1993

Exportações ............ 25,0 23,2 22,9 25,2 25,8

Importações ............ 65,4 69,9 40,6 72,4 72,1

FLUXOS COMERCIAIS 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Exportações ............ 25,2 23,4 24,0 26,0 27,0 25,3

Importações ............ 71,3 68,1 68,9 69,9 70,3 72,2

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Secex.

Segmentos “vencedores”

Na análise do desempenho do comércio exterior dos segmentos“vencedores”, foram escolhidos os grupos de produtos que registraram saldo nabalança comercial favorável ao Brasil. Os setores “vencedores” selecionadossão os 10 capítulos mais superavitários no período compreendido entre 1994 e1999. Esses conjuntos de produtos são aqueles que, destacadamente, têm umamaior visibilidade em relação às suas eficiências, por serem os mais competitivosinternacionalmente. Há alguns setores que, mesmo antes da abertura comercial,no início dos anos 90, já eram destaque em termos de desempenho comercial(por exemplo, os setores de minérios, café e ferro fundido).

Ao se examinarem as participações dos produtos “vencedores” nasexportações e nas importações brasileiras, verifica-se a forte disparidade queocorre entre os fluxos comerciais diversos. Os capítulos selecionados para análisesão amplamente representativos das exportações brasileiras. A diferençaexistente entre os fluxos de compras e vendas é bastante elevada, tanto nocomeço como no final da década de 90 (Tabela 2). Entretanto, em 1999, aparticipação nos fluxos de comércio desses 10 capítulos, tomados de formaagregada, caiu, em relação a 1989, tanto no total nas exportações (-14,82%)quanto nas importações (-45,45%), demonstrando uma queda das importaçõesbastante superior àquela ocorrida nas exportações.

Uma parte desse resultado pode ser explicada pelo aumento e peladiversificação da gama de produtos exportados e importados. Quando se

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examina a pauta comercial (exportações e importações) de 1989 e 1999, nota--se que houve um aumento muito significativo da quantidade e da variedade debens comercializados. O forte crescimento das exportações e das importaçõesbrasileiras não ocorreu somente em termos nominais, mas houve também umaalteração no âmbito qualitativo dos fluxos comerciais.14

Outro fator importante e que deve ser destacado se refere ao efeito docâmbio no período. Apesar de as exportações e as importações desse conjuntode segmentos terem crescido com relação a 1989 (cerca de 19% nas vendas e49% nas compras, em valor), houve uma redução em termos de participaçãopercentual no comércio global do País. Contudo ocorreu aumento da corrente decomércio (exportações somadas às importações) para esse conjunto demercadorias (em menor proporção do que a ampliação da corrente de comércioagregada do País), e tudo indica que o efeito câmbio contribuiu para o favorávelestímulo às importações de itens inseridos nesses segmentos.

20

50

80

110

140

170

200

1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Câmbio Exportações Importações

FONTE: Ipeadata.FONTE: Secex.NOTA: Os dados têm como base 1999 = 100.

Legenda:

Gráfico 1

Evolução das exportações e das importações dos 10 capítulos mais superávitários e da taxa de câmbio

real efetiva no Brasil — 1989-99(%)

14 Em 1999, houve cerca de 2.000 produtos exportados e 2.500 itens importados que nãotiveram registro na pauta comercial global de 1989.

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No exame das participações dos três níveis tecnológicos nos fluxoscomerciais, pode-se ver que a categoria média tecnologia respondeu pela amplamaioria das exportações dos 10 capítulos escolhidos para o estudo, e a debaixo conteúdo tecnológico apresentou participações percentuais quepraticamente não variaram entre 1989 e 1999 (Tabela 3).

Durante toda a década de 90, o peso da categoria média tecnologiaprevaleceu sobre o das demais. O grupo de produtos (no âmbito dos capítulosselecionados) que define a baixa tecnologia respondeu por cerca de 50% dofluxo de importações em 1989, mas teve seu percentual reduzido à metade em1999. No entanto, foi somente a partir de 1994 que a média tecnologia ultrapassoua casa dos 70%, chegando no final do período destacado com quase três quartosdo total das importações efetuadas pelo conjunto dos 10 capítulos.

A liberalização comercial, somada à apreciação cambial, ocorrida a partirde 1994, parece ter criado incentivos para que as empresas expandissem suasimportações de produtos que, porventura, apresentassem melhores condiçõesde compra no exterior. Esse deve ter sido o caso das importações de produtosde média tecnologia, que cresceram em detrimento das importações dos debaixa tecnologia.

Segmentos “perdedores”

Dentre os 10 segmentos mais deficitários selecionados, há casos nos quaiso País tem gargalos na cadeia produtiva. A ampla maioria dos capítuloscontemplados nesse conjunto de deficitários diz respeito a segmentos que detêmalto valor agregado, ou seja, correspondem a produtos que incorporam um maiorgrau de industrialização, e boa parte deles responde por elevados valores médios(indicativos de alto conteúdo tecnológico) e de participação nas importaçõestotais do País.

As importações dos 10 capítulos mais deficitários vinham crescendo antesmesmo de 1994-95, mas foi a partir daí que o boom se tornou evidente. Aimplantação do Plano Real e, concomitantemente, a apreciação cambial criaramum ambiente, um momento, propício para que os diversos setores aproveitassemas vantagens que o quadro macroeconômico oferecia.

Nem sempre o crescimento das importações é sinônimo de reestruturaçãoprodutiva ou de elevação da demanda de insumos produtivos, mas, por vezes,trata-se apenas de aquisição de bens de consumo duráveis. Exemplo disso foio surto de importações referentes ao capítulo 87 (veículos automóveis), em1994 e 1995, o que levou o Governo a restringir as compras externas.

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Os dados da Tabela 4 atestam que a participação dos 10 segmentos maisdeficitários nas importações brasileiras foi fortemente elevada no decorrer dosanos 90. A participação desses conjuntos de produtos no total das exportaçõesfoi bem menor que a verificada para as importações. Ainda que tenha ocorridoalguma oscilação pelo lado da participação das compras do exterior (de 65,4%para 72,2%), isso não alterou significativamente a participação das vendasexternas no total — ao redor de 25%.

Enquanto as exportações desses produtos cresceram 41,28% entre 1989e 1999, as importações responderam por um aumento avassalador de 197,65%no mesmo período, ou de 260,3%, se se tomar o ano de pico (1997). Entre 1995e 1999, as importações dos 10 capítulos mais deficitários corresponderam aovalor equivalente a três vezes as suas exportações.

A análise por nível tecnológico dos fluxos comerciais desses capítulosrevelou que as categorias de alta e média tecnologia detiveram a maior parceladas vendas externas, oscilando em níveis acima de 90% no decorrer do períodoexaminado (Tabela 5).

Tabela 5

Participação percentual dos níveis tecnológicos nas exportações e nas importações dos 10 capítulos mais deficitários no comércio global brasileiro — 1989-99

a) exportações

NÍVEIS TECNOLÓGICOS 1989 1990 1991 1992 1993

Alta tecnologia ............... 39,3 43,0 45,7 39,7 41,7

Média tecnologia ............ 50,8 47,6 48,3 53,9 51,8

Baixa tecnologia ............ 9,9 9,4 6,0 6,4 6,5

TOTAL ........................... 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 NÍVEIS

TECNOLÓGICOS 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Alta tecnologia ............... 42,9 46,2 46,0 43,4 41,6 46,5

Média tecnologia ............ 49,9 50,0 50,3 54,3 55,9 50,2

Baixa tecnologia ............ 7,2 3,8 3,7 2,3 2,6 3,3

TOTAL ........................... 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

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Já no caso das importações, os segmentos de alta tecnologia predominaramem relação aos das demais categorias. Além disso, esse nível tecnológico tevesua participação elevada no decorrer dos anos 90, em detrimento dos produtosde baixa e média tecnologia. No caso desta última categoria, verifica-se umamaior oscilação em suas participações relativas, com quedas alternadas porcrescimentos. Tal efeito não foi registrado para os produtos de baixa tecnologia,que apresentaram uma tendência mais definida de queda de seu peso percentual.15

O conjunto de dados dá indícios de uma elevação da dependência tecnológicado País por produtos mais sofisticados.

Tabela 5

Participação percentual dos níveis tecnológicos nas exportações e nas importações dos 10 capítulos mais deficitários no comércio global brasileiro — 1989-99

b) importações

NÍVEIS TECNOLÓGICOS 1989 1990 1991 1992 1993

Alta tecnologia ............... 37,8 38,9 26,4 37,6 37,0

Média tecnologia ............ 25,1 24,0 25,3 29,7 35,2

Baixa tecnologia ............ 37,1 37,1 48,3 32,7 27,9

TOTAL ........................... 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

NÍVEIS TECNOLÓGICOS 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Alta tecnologia ............... 42,0 43,1 45,9 48,7 49,8 54,0

Média tecnologia ............ 37,8 40,5 35,3 34,9 37,5 30,2

Baixa tecnologia ............ 20,2 16,4 18,8 16,4 12,7 15,8

TOTAL ........................... 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Secex.

15 A queda de participação percentual da categoria baixa tecnologia, em grande medida,ocorreu devido à queda da dependência de produtos primários energéticos (petróleo), quese reduziu ao longo da década de 90.

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3.2 Comércio exterior brasileiro segundo origem e destino dos fluxos

O exame dos valores médios dos fluxos comerciais brasileiros totaiscorrobora o pressuposto básico de que as importações apresentam valoresmédios superiores aos das exportações e reflete o fato de que o Brasil aindadepende, sobretudo, dos países mais desenvolvidos, para adquirir produtos commaior conteúdo tecnológico (mais dinâmicos em termos de crescimento demercado e de novos avanços tecnológicos).

O comportamento dos valores médios do comércio realizado com os blocoseconômicos União Européia, Área de Livre Comércio da América do Norte eMercosul é representativo para o estabelecimento de três tipos de comportamento(Tabela 6):

a) os valores médios de exportação para a União Européia foram (em todoo período) bem menores que os de importação;

b) os valores médios das exportações para o Mercosul foram superioresaos de importação (com exceção dos três anos iniciais da série16);

c) na comparação dos valores médios das exportações com osapresentados pelas importações da ALCAN, verificou-se uma alteraçãode comportamento, uma vez que o valor médio das vendas externascrescia até meados dos anos 90, contudo, a partir de 1992 e, maisfortemente, de 1994, começou a apresentar quedas, conduzindo avalores próximos daqueles verificados no início da série. Em outraspalavras, a maior integração internacional do País com esse bloco nãofoi acompanhada por um aprofundamento da densidade tecnológica desuas vendas externas.17

Já a alteração do comportamento dos valores médios dos fluxos deimportações brasileiras provenientes da ALCAN pode ser explicada,simultaneamente, a partir das perspectivas macro e microeconômica. Assim, oprocesso de abertura comercial iniciado a partir de 1990 e amplamente fortalecidocom a apreciação cambial e a implantação do programa de estabilização damoeda (Plano Real) criou um ambiente propício — macroeconomicamente —para que as empresas aumentassem suas compras externas.18 Dessa forma,

16 Registra-se o fato de que, nesse período, o processo de liberalização ainda estava numestágio inicial e havia uma recessão econômica pronunciada no País.

17 Considera-se, mais uma vez, a relação positiva entre maiores valores médios com maiorconteúdo tecnológico dos produtos. Ver nota de rodapé 12.

18 Verifique-se a evolução da taxa de câmbio real entre 1989 e 1999 no Gráfico 1. Podem-seobservar, assim, o período de maior apreciação e, posteriormente, o crescimento da taxa

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deu-se um impulso — microeconômico — ao ambiente empresarial brasileiro(muitas vezes, fortemente conectado, via relações intrafirma, principalmente,ao pólo econômico norte-americano) no sentido de esse usufruir dos mecanismosfacilitadores das exportações advindas dos EUA, favorecendo, assim, além daaquisição de bens de consumo, um miniciclo de modernização, por meio dacompra de bens de capital e/ou da entrada de novas tecnologias estadunidenses.19

Esse comportamento foi reforçado pelo apresentado pela União Européia nassuas vendas para o Brasil.

de câmbio real, apontando o processo de desvalorização, com efeitos sobre a evoluçãodas exportações e das importações.

19 O trabalho de Bielchowsky (1998) contribui para essa contextualização.

Tabela 6

Valores médios, por origem e destino, do comércio exterior brasileiro — 1989-99

a) exportações (US$/kg)

BLOCOS ECONÔMICOS 1989 1990 1991 1992 1993

União Européia .................. 0,18 0,15 0,15 0,16 0,17 ALCAN .............................. 0,43 0,41 0,48 0,58 0,57 Mercosul ........................... 0,21 0,24 0,36 0,61 0,58 América Latina e Caribe .... 0,39 0,37 0,34 0,51 0,64 NICs .................................. 0,14 0,12 0,12 0,12 0,12 Restante da Europa .......... 0,14 0,14 0,13 0,18 0,19 Restante da Ásia ............... 0,21 0,17 0,14 0,15 0,16 África .................................. 0,27 0,27 0,25 0,27 0,24 Japão ................................ 0,09 0,08 0,08 0,08 0,08 Oriente Médio ..................... 0,26 0,23 0,20 0,21 0,18

Total .................................. 0,21 0,19 0,18 0,21 0,23

BLOCOS ECONÔMICOS 1994 1995 1996 1997 1998 1999

União Européia .................. 0,18 0,18 0,18 0,18 0,17 0,17 ALCAN .............................. 0,55 0,46 0,41 0,44 0,44 0,44 Mercosul ........................... 0,58 0,59 0,64 0,75 0,78 0,68 América Latina e Caribe .... 0,61 0,73 0,66 0,84 0,69 0,56 NICs .................................. 0,16 0,16 0,14 0,15 0,11 0,12 Restante da Europa .......... 0,24 0,22 0,21 0,20 0,12 0,13 Restante da Ásia ............... 0,17 0,18 0,17 0,15 0,12 0,10 África ................................. 0,28 0,24 0,24 0,23 0,23 0,18 Japão ................................ 0,10 0,12 0,11 0,11 0,07 0,08 Oriente Médio .................... 0,16 0,17 0,17 0,16 0,20 0,17 Total .................................. 0,25 0,24 0,24 0,25 0,22 0,21

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Os demais grupos de países acabaram por se encaixar em um ou outrodos casos citados acima. Destarte, é interessante frisar que todos os blocosque agregam países desenvolvidos seguiram a tendência de evolução dos valoresmédios registrados para a UE. Inserem-se nesse caso os países integrantesdos blocos restante da Ásia e restante da Europa. Já os países emdesenvolvimento, tais como os do Oriente Médio, da África e da América Latinae Caribe, seguiram a linha apresentada pelo comércio realizado entre Brasil eMercosul.

Tabela 6

Valores médios, por origem e destino, do comércio exterior brasileiro — 1989-99

b) importações (US$/kg)

BLOCOS ECONÔMICOS 1989 1990 1991 1992 1993

União Européia ................ 0,98 1,35 1,04 1,47 1,47 ALCAN ............................. 0,37 0,47 0,24 0,38 0,43 Mercosul ........................... 0,51 0,44 0,33 0,33 0,26 América Latina e Caribe ... 0,33 0,26 0,18 0,23 0,25 NICs ................................. 2,40 3,25 2,66 3,39 8,38 Restante da Europa ......... 0,31 0,28 0,17 0,28 0,31 Restante da Ásia .............. 0,14 0,14 0,17 0,16 0,26 África ................................ 0,11 0,11 0,10 0,12 0,15 Japão ............................... 2,13 3,04 0,68 1,36 3,48 Oriente Médio ................... 0,09 0,09 0,09 0,09 0,09 Total ................................. 0,27 0,26 0,20 0,28 0,33

BLOCOS ECONÔMICOS 1994 1995 1996 1997 1998 1999

União Européia ................ 1,90 1,98 1,97 1,99 2,38 2,62 ALCAN ............................. 0,53 0,61 0,73 0,78 0,85 0,85 Mercosul ........................... 0,29 0,33 0,37 0,37 0,44 0,38 América Latina e Caribe ... 0,23 0,24 0,21 0,21 0,23 0,22 NICs ................................. 3,56 5,49 6,27 4,78 2,76 4,13 Restante da Europa ......... 0,32 0,38 0,47 0,47 0,61 0,44 Restante da Ásia .............. 0,32 0,46 0,49 0,53 0,45 0,30 África ................................ 0,15 0,18 0,14 0,13 0,13 0,15 Japão ............................... 3,70 3,83 3,07 4,16 4,64 4,70 Oriente Médio ................... 0,09 0,10 0,10 0,11 0,12 0,13 Total ................................. 0,40 0,51 0,50 0,53 0,62 0,55

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Secex.

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A soma das participações desses três blocos mais importantes (UniãoEuropéia, ALCAN e Mercosul) destaca-se vis-à-vis à dos demais no decorrer detoda a década. Assim, tanto nas importações como nas exportações, a UniãoEuropéia, a ALCAN e o Mercosul tiveram um amplo destaque, com a liderançana participação relativa alternando-se entre a UE e ALCAN, por diferençaspequenas, durante todo o período selecionado (Tabela 7).

Tabela 7

Estrutura percentual, por origem e destino dos fluxos comerciais, do comércio exterior global brasileiro — 1989-99

a) exportações

BLOCOS ECONÔMICOS 1989 1990 1991 1992 1993

União Européia ................. 32,0 32,5 32,2 30,3 26,5

ALCAN .............................. 27,9 27,4 23,7 23,5 24,1

Mercosul ........................... 4,0 4,2 7,3 11,4 14,0

América Latina e Caribe ... 6,8 6,5 7,6 8,5 9,2

NICs .................................. 4,3 4,8 5,7 4,6 4,5

Restante da Europa .......... 3,5 3,3 2,4 2,0 2,1

Restante da Ásia .............. 8,1 7,2 6,4 6,7 7,7

África ................................ 2,8 3,2 3,3 3,1 2,9

Japão ................................ 7,1 7,5 8,1 6,4 6,0

Oriente Médio ................... 3,5 3,4 3,5 3,6 3,2

TOTAL .............................. 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

BLOCOS ECONÔMICOS 1994 1995 1996 1997 1998 1999

União Européia ................. 28,0 27,8 26,9 27,4 28,8 28,5

ALCAN .............................. 23,9 20,7 21,7 20,2 22,1 25,6

Mercosul ........................... 13,6 13,2 15,3 17,1 17,4 14,1

América Latina e Caribe ... 8,7 9,1 8,0 9,4 9,0 8,0

NICs .................................. 4,0 4,2 4,2 3,6 2,8 3,4

Restante da Europa .......... 2,2 2,6 3,0 2,4 2,5 2,3

Restante da Ásia .............. 8,2 9,6 8,5 8,6 6,7 7,6

África ................................ 3,1 3,4 3,2 2,9 3,2 2,8

Japão ................................ 5,9 6,7 6,4 5,8 4,3 4,6

Oriente Médio ................... 2,5 2,8 2,8 2,8 3,2 3,1

TOTAL .............................. 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

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Tabela 7

Estrutura percentual, por origem e destino dos fluxos comerciais, do comércio exterior global brasileiro — 1989-99

b) importações

BLOCOS ECONÔMICOS 1989 1990 1991 1992 1993

União Européia ................. 22,8 22,8 19,5 24,0 23,5 ALCAN .............................. 24,8 24,1 23,9 28,0 24,1 Mercosul ........................... 12,0 11,2 11,7 11,0 13,4 América Latina e Caribe ... 6,6 6,8 9,4 7,2 5,3 NICs .................................. 1,5 1,4 1,4 2,1 4,1 Restante da Europa .......... 4,6 3,9 3,6 3,5 3,3 Restante da Ásia .............. 1,5 1,9 2,8 2,5 5,2 África ................................. 2,9 2,8 5,5 2,5 4,6 Japão ................................ 6,6 6,1 4,3 5,6 7,6 Oriente Médio ................... 16,8 19,1 17,9 13,7 9,0 TOTAL .............................. 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

BLOCOS ECONÔMICOS 1994 1995 1996 1997 1998 1999

União Européia ................. 27,1 27,9 26,5 26,6 29,2 30,5 ALCAN .............................. 23,7 24,8 26,1 27,3 27,3 27,0 Mercosul ........................... 13,9 13,9 15,5 15,8 16,4 13,7 América Latina e Caribe ... 5,3 5,5 5,1 4,7 3,9 4,8 NICs .................................. 4,6 5,8 4,9 4,7 4,1 4,2 Restante da Europa .......... 3,1 3,1 2,8 2,7 2,9 2,7 Restante da Ásia .............. 5,4 5,9 6,5 5,7 5,3 5,1 África ................................. 3,2 2,4 3,2 3,4 3,2 4,5 Japão ................................ 7,3 6,7 5,2 5,9 5,7 5,2 Oriente Médio ................... 6,4 4,1 4,2 3,2 2,2 2,2 TOTAL .............................. 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Secex.

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Tabela 8

Participação percentual dos níveis tecnológicos, por blocos econômicos, nos fluxos comerciais globais brasileiros — 1989 e 1999

EXPORTAÇÕES

Alta Tecnologia Média

Tecnologia Baixa Tecnologia

BLOCOS ECONÔMICOS

1989 1999 1989 1999 1989 1999

União Européia ..................... 8,3 11,6 81,5 78,6 10,1 9,9 ALCAN ................................. 22,9 27,6 66,7 67,1 10,4 5,4 Mercosul ............................... 18,1 24,0 68,3 72,7 13,7 3,3 América Latina e Caribe ....... 19,7 29,8 73,6 65,1 6,7 5,1 NICs ..................................... 6,3 7,7 82,5 80,0 11,2 12,3 Restante da Europa ............. 4,1 12,2 85,2 70,0 10,7 17,8 Restante da Ásia .................. 4,3 4,6 78,8 63,6 16,8 31,8 África .................................... 14,3 9,0 77,1 81,3 8,6 9,8 Japão .................................... 2,0 2,3 74,5 76,2 23,5 21,5 Oriente Médio ....................... 12,2 2,1 81,5 88,3 6,3 9,6 TOTAL ................................. 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

(continua)

Entre 1989 e 1992, o Oriente Médio manteve-se na frente do Mercosul, noque tange ao seu peso nas importações locais. Porém essa relação foi fortementerevertida em favor do Mercosul, no decorrer dos demais anos, sobretudo pelaqueda da participação das importações (em grande medida, petróleo) do OrienteMédio. Deve-se destacar que esse bloco passou efetivamente a existir comregras comerciais diferenciadas entre os países integrantes somente a partir de1995, o que também teve influência em seu ganho de participação.

Ao se desagregarem as exportações do Brasil para cada bloco econômico,segundo o conteúdo tecnológico e referente aos anos de 1989 e 1999, pode-sever, por um lado, que os bens com média tecnologia detiveram as maioresparticipações percentuais para as várias regiões, a despeito de a participaçãodos de alta tecnologia ter evoluído positivamente para todos os grupos de países,com exceção da África e do Oriente Médio. Por outro lado, ao se analisaremseparadamente as importações, torna-se claro que a categoria alta tecnologia,além de ser a principal para a maior parte dos grupos de países e para os maisimportantes, ganhou também participação em todos esses grupos, masprincipalmente no dos países mais desenvolvidos (Tabela 8).

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Tabela 8

Participação percentual dos níveis tecnológicos, por blocos econômicos, nos fluxos comerciais globais brasileiros — 1989 e 1999

IMPORTAÇÕES

Alta Tecnologia Média

Tecnologia Baixa Tecnologia

BLOCOS ECONÔMICOS

1989 1999 1989 1999 1989 1999

União Européia ..................... 45,1 58,0 51,3 38,6 3,6 3,4 ALCAN ................................. 46,1 57,5 39,8 35,7 14,1 6,8 Mercosul ............................... 9,6 10,5 87,9 77,2 2,6 12,4 América Latina e Caribe ....... 6,0 6,6 53,1 37,6 40,9 55,8 NICs ..................................... 43,6 54,0 56,0 43,8 0,4 2,2 Restante da Europa ............. 34,3 43,6 50,9 43,3 14,8 13,1 Restante da Ásia .................. 6,3 34,5 39,5 45,7 54,2 19,9 África .................................... 0,4 0,6 16,2 15,6 83,4 83,9 Japão .................................... 61,2 60,3 35,5 38,8 3,3 0,9 Oriente Médio ....................... 0,3 4,4 1,0 8,3 98,8 87,3 TOTAL ................................. 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Secex.

A evolução positiva da participação do nível de alta tecnologia nasexportações simboliza avanços no que tange às relações comerciais do País.Entretanto esses pesos ainda são baixos relativamente aos fluxos de médiatecnologia.

Na análise das compras externas brasileiras, os valores médios referentesà categoria de alta tecnologia fornecem um indício: o fortalecimento dadependência do País de produtos com maior conteúdo tecnológico enviadospelos mais desenvolvidos.

Entretanto a evolução positiva das exportações de alta tecnologia parapraticamente todos os blocos econômicos, sobretudo os formados por paísesdesenvolvidos, permite sugerir que há um elemento contrário, em parte, à hipótesede especialização regressiva de Coutinho (1997). Essa hipótese sugere que osinvestimentos diretos estrangeiros se concentram na produção de produtos debaixo conteúdo tecnológico, em commodities. Em decorrência, o País tornar-se--ia, crescentemente, exportador de produtos de baixo valor agregado e importadorde produtos com maior conteúdo tecnológico (maior valor agregado), não havendoprevisão de mudanças dessa situação no futuro (Coutinho, 1997).

Contudo o volume nominal das exportações da categoria alta tecnologiacontinua a ser inferior ao das importações (Furtado et al., 2001; Gomes; Carvalho;

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Rodrigues, 2004). Isso não deixa de ser um fator que pode contestar a posiçãodos autores otimistas, ao apontarem que os impactos negativos iniciais, emtermos de comércio exterior, seriam fortemente compensados posteriormente,tanto no âmbito da produção interna como no da geração de impactos positivos(qualitativo e quantitativo) sobre as contas externas do País. Registra-se que areversão dos saldos negativos da balança comercial brasileira se deu somenteapós o término da década de 90, em 2001. Resposta tardia aos efeitos geradospela desvalorização em 1999.

Além disso, os anos 90 foram marcados pelo forte aumento do déficit,principalmente para aqueles blocos econômicos em que a participação deprodutos de alta tecnologia nas compras externas brasileiras é elevada (comoUE, ALCAN, NICs e Japão).

4 Considerações finais

O objetivo principal deste trabalho é retratar o desempenho do comércioexterior brasileiro nos anos 90 e apresentá-lo como uma ferramenta (lente) capazde indicar aspectos tanto das fragilidades quanto das eficiências produtivassetoriais. O comportamento dos resultados obtidos através da balança comercialsofre influências de vários fatores, que refletem questões de competitividadesetorial por exemplo. É nesse sentido que o retrato dos fluxos comerciaisapresenta, num certo momento, os efeitos da competitividade formada ao longodo tempo pelas empresas, cuja demonstração será refletida através do comércioque realizam com o restante do mundo.

A deficiência estrutural da balança comercial do Brasil em diversos setoresnos quais há ainda certo grau de ineficiência, ou mesmo incapacidade produtiva,foi agravada a partir da segunda metade da década de 90. Os crescentes saldosnegativos em conta corrente, agravados também pelo aumento expressivo dasimportações de bens e serviços, foram um dos fatores que aumentaramsobremaneira a vulnerabilidade externa brasileira no período.

Não obstante terem sido conquistados superávits comerciais nos anosrecentes, esse fato não indica que as restrições que afetam o parque produtivonacional já foram superadas com vigor. Existem setores na economia brasileiraque têm sido, estruturalmente, deficitários. E foram esses segmentos que impul-sionaram, sobremaneira, as importações no período abordado no trabalho, nocontexto favorável de abertura proporcionado pelo câmbio apreciado. Esse cenáriocomeçou a ter condições de ser alterado a partir de 1999, com a desvalorizaçãocambial.

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As mudanças ocorridas na última década geraram diversas alterações napauta comercial brasileira, algumas positivas, outras negativas. Ao mesmo tempoem que se passou a exportar uma quantidade maior de produtos com elevadoconteúdo tecnológico, também aumentaram as importações desses itens, masnuma velocidade muito superior à das exportações.

Pela análise da evolução dos valores médios, pode-se considerar que hámuitos fatores negativos a serem superados no que cabe às relações comerciaisdo Brasil com o mundo desenvolvido ou tecnologicamente mais avançado. Osdados estatísticos mostram a necessidade de um avanço tecnológico do comércioexterior brasileiro para uma reversão desse quadro desfavorável. Apesar dosefeitos positivos que as exportações de commodities ou de produtos agroindus-triais possam gerar para o desempenho da balança comercial brasileira, na grandemaioria das vezes o desempenho da economia agroexportadora estácondicionado aos desmandos de grandes pólos consumidores (demanda) e dodesempenho instável de seus preços relativos (oferta). Não só é importantepara o País ser dinâmico nos fluxos comerciais da agroindústria, como tambémmelhorar seu desempenho em âmbito mundial, com crescentes agregações devalor. Contudo uma atenção especial ao desempenho produtivo de setores maisfrágeis, mesmo com vistas a um incremento exportador, pode ser importantepara uma alteração da inserção nacional na rede da dinâmica produtivainternacional. Para tanto, é preciso atenção especial, por parte do interesseprivado e público, em relação às deficiências estruturais que agravam as relaçõesde troca do País.

Apesar das diversas deficiências, o parque produtivo do País conta comuma gama de setores competitivos internacionalmente e de outros que têmcapacidade para se tornarem mais dinâmicos, o que demonstra o conjunto e acomplexidade da estrutura produtiva brasileira. Porém, muitas vezes, o grau dasfragilidades de segmentos mais “fracos” tende a superar os ganhos advindosdaqueles que são mais “fortes”. Assim, o uso de instrumentos que possamcontornar eficientemente esses problemas pode gerar ganhos positivos para aindústria nacional e para o dinamismo das exportações brasileiras.

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AnexoDescrição e níveis tecnológicos contemplados em cada caso dos Capítulos

da Nomenclatura Comum do Mercosul

CÓDIGOS DESCRIÇÃO CATEGORIAS

1 Animais vivos MTec

2 Carnes e miudezas comestíveis MTec

3 Peixes e crustáceos, moluscos e outros invertebrados aquáticos MTec

4

Leite e laticínios; ovos de aves; mel natural; produtos comestí-veis de origem animal, não especificados nem compreendidos em outros capítulos MTec

5

Outros produtos de origem animal não especificados nem com-preendidos em outros capítulos MTec

6 Plantas vivas e produtos de floricultura MTec

7 Produtos hortículas, plantas, raízes e tubérculos comestíveis MTec

8 Frutas; cascas de cítricos e de melões MTec

9 Café, chá, mate e especiarias MTec

10 Cereais MTec

11

Produtos da indústria de moagem; malte; amidos e féculas; inu-lina; glúten de trigo MTec

12

Sementes e frutos oleaginosos; grãos, sementes e frutos diver-sos; plantas industriais ou medicinais; palha e forragens MTec

13 Gomas, resinas e outros sucos e extratos vegetais MTec

14

Matérias para entrançar e outros produtos de origem vegetal não especificados nem compreendidos em outros capítulos MTec

15

Gorduras e óleos animais ou vegetais; produtos da sua disso-ciação; gorduras alimentares elaboradas; ceras de origem ani-mal ou vegetal MTec

16

Preparações de carne, de peixes ou de crustáceos, de molus-cos ou de outros invertebrados aquáticos MTec

17 Açúcares e produtos de confeitaria MTec

18 Cacau e suas preparações MTec

19

Preparações à base de cereais, farinhas, amidos, féculas ou de leite; produtos de pastelaria MTec

20

Preparações de produtos hortícolas, de frutas ou de outras par-tes de plantas MTec

21 Preparações alimentícias diversas MTec

22 Bebidas, líquidos alcoólicos e vinagres MTec

23

Resíduos e desperdícios das indústrias alimentares; alimentos preparados para animais MTec

24 Fumo (tabaco) e seus sucedâneos manufaturados MTec

MTec 25

Sal; enxofre; terras e pedras; gesso, cal e cimento BTec

(continua)

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280 Wellington Pereira

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Descrição e níveis tecnológicos contemplados em cada caso dos Capítulos da Nomenclatura Comum do Mercosul

CÓDIGOS DESCRIÇÃO CATEGORIAS

26 Minérios, escórias e cinzas BTec

27

Combustíveis minerais, óleos minerais e produtos da sua desti-lação; matérias betuminosas; ceras minerais BTec

MTec 28

Produtos químicos inorgânicos; compostos inorgânicos ou orgânicos BTec

ATec 29

Produtos químicos orgânicos MTec

30 Produtos farmacêuticos ATec MTec 31

Adubos ou fertilizantes Btec

ATec 32

Extratos tanantes e tintoriais; taninos e seus derivados; pig-mentos e outras matérias corantes; tintas e vernizes; másti-ques; tintas de escrever MTec

33

Óleos essenciais e resinóides; produtos de perfumaria ou de toucador preparados e preparações cosméticas ATec

ATec MTec

34

Sabões, agentes orgânicos de superfície, preparações para la-vagem, preparações lubrificantes, ceras artificiais, ceras prepa-radas, produtos de conservação e limpeza, velas e artigos se-melhantes, massas ou pastas para modelar, ceras para dentis-tas e composições para dentistas à base de gesso

Btec

35

Matérias albuminóides; produtos à base de amidos ou de fécu-las modificados; colas; enzimas MTec

ATec 36

Pólvoras e explosivos; artigos de pirotecnia; fósforos; ligas pi-rofóricas; matérias inflamáveis MTec

ATec 37

Produtos para fotografia e cinematografia MTec

ATec 38

Produtos diversos das indústrias químicas MTec

39 Plásticos e suas obras MTec

40 Borracha e suas obras MTec

41 Peles, exceto a peleteria (peles com pêlo), e couros MTec

42 Obras de couro; artigos de correeiro ou de seleiro; artigos MTec

43

Peleteria (peles com pêlo) e suas obras; peleteria (peles com pêlo) artificial MTec

44 Madeira, carvão vegetal e obras de madeira MTec

45 Cortiça e suas obras MTec

46 Obras de espartaria ou de cestaria MTec

47 Pastas de madeira ou de outras matérias fibrosas celulósica MTec

48

Papel e cartão; obras de pasta de celulose, de papel ou de cartão MTec

(continua)

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281A estrutura produtiva da economia brasileira na década de 90:...

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 28, n. 1, p. 249-286, jul. 2007

Descrição e níveis tecnológicos contemplados em cada caso dos Capítulos da Nomenclatura Comum do Mercosul

CÓDIGOS DESCRIÇÃO CATEGORIAS

49 Livros, jornais, gravuras e outros produtos das indústrias MTec

50 Seda MTec

51 Lã e pêlos finos ou grosseiros; fios e tecidos de crina MTec

52 Algodão MTec

53

Outras fibras têxteis vegetais; fios de papel e tecido de fios de papel MTec

54 Filamentos sintéticos ou artificiais MTec

55 Fibras sintéticas ou artificiais descontínuas MTec

56 Pastas (ouates), feltros e falsos tecidos; fios especiais MTec

57

Tapetes e outros revestimentos para pavimentos, de matérias têxteis MTec

58

Tecidos especiais; tecidos tufados; rendas; tapeçarias; passa-manarias; bordados MTec

59

Tecidos impregnados, revestidos, recobertos ou estratificados; artigos para usos técnicos de matérias têxteis MTec

60 Tecidos de malha MTec

61 Vestuário e seus acessórios, de malha MTec

62 Vestuário e seus acessórios, exceto de malha MTec

63

Outros artefatos têxteis confeccionados; sortidos; artefatos de matérias têxteis, calçados, chapéus e artefatos de uso seme-lhante, usados; trapos MTec

64 Calçados, polainas e artefatos semelhantes e suas partes MTec

65 Chapéus e artefatos de uso semelhante e suas partes MTec

66

Guarda-chuvas, sombrinhas, guarda-sóis, bengalas, bengalas- -assentos, chicotes e suas partes MTec

67

Penas e penugem preparadas e suas obras; flores artificiais; obras de cabelo MTec

68

Obras de pedra, gesso, cimento, amianto, mica ou de matérias semelhantes MTec

69 Produtos cerâmicos MTec

70 Vidro e suas obras MTec

MTec 71

Pérolas naturais ou cultivadas, pedras preciosas ou semipre-ciosas e semelhantes, metais preciosos, metais folheados ou chapeados de metais preciosos e suas obras; bijuterias; moe-das

Btec

72 Ferro fundido, ferro e aço MTec

73 Obras de ferro fundido, ferro ou aço MTec

74 Cobre e suas obras MTec

MTec 75

Níquel e suas obras BTec

(continua)

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Descrição e níveis tecnológicos contemplados em cada caso dos Capítulos da Nomenclatura Comum do Mercosul

CÓDIGOS DESCRIÇÃO CATEGORIAS

76 Alumínio e suas obras MTec

78 Chumbo e suas obras MTec

79 Zinco e suas obras MTec

80 Estanho e suas obras MTec 81

Outros metais comuns; ceramais (cermets); obras dessas ma-térias MTec

82 Ferramentas, artefatos de cutelaria e talheres e suas partes MTec

83 Obras diversas de metais comuns MTec

ATec 84

Reatores nucleares, caldeiras, máquinas, aparelhos e instru-mentos mecânicos e suas partes MTec

ATec 85

Máquinas, aparelhos e materiais elétricos, e suas partes; aparelhos de gravação ou de reprodução de som, aparelhos de gravação ou de reprodução de imagens e de som em tele-visão e suas partes e acessórios

MTec

ATec 86

Veículos e material para vias férreas ou semelhantes MTec

MTec 87

Veículos e material para vias férreas ou semelhantes e suas partes; aparelhos mecânicos (incluídos os eletromecânicos) de sinalização para vias de comunicação

BTec

88 Aeronaves e aparelhos espaciais e suas partes ATec

89 Embarcações e estruturas flutuantes MTec

ATec 90

Instrumentos e aparelhos de óptica, fotografia ou cinemato-grafia, medida, controle ou de precisão; instrumentos e apa-relhos médico-cirúrgicos; suas partes e acessórios

MTec

91 Aparelhos de relojoaria e suas partes MTec

92 Instrumentos musicais, suas partes e acessórios MTec

93 Armas e munições, suas partes e acessórios MTec BTec

94

Móveis; mobiliário médico-cirúrgico; colchões, almofadas e semelhantes; aparelhos de iluminação não especificados nem compreendidos em outros capítulos; anúncios, cartazes ou tabuletas e placas indicadoras luminosos e artigos seme-lhantes; construções pré-fabricadas

MTec

95

Brinquedos, jogos, artigos para divertimento ou para esporte, suas partes e acessórios MTec

96 Obras diversas MTec

97 Objetos de arte, de coleção e antiguidades MTec BTec

99 Outros -

FONTE: Secex. NOTA: MTec significa média tecnologia; BTec, baixa tecnologia; e ATec, alta tecnologia.

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Focalização de políticas públicas:uma discussão sobre osmétodos de avaliaçãoda população-alvo*

Ana Lucia Cosenza Faria** Mestre pela Escola Nacional de Ciências Estatís- ticas (ENCE) do IBGE e Tecnologista do Centro de Análises de Sistemas Navais (Casnav)Carmem Aparecida Feijó*** PhD pela University College London, Professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Pesquisadora do CNPqDenise Britz do Nascimento Silva**** PhD pela Universidade de Southampton, Estatística do IBGE e Professora da ENCE-IBGE

ResumoEste texto discute métodos estatísticos e os seus custos associados para iden-tificar a população-alvo de políticas públicas e mostra como a escolha do méto-do estatístico para a focalização da política social é importante para a eficáciada sua implementação. Também discute os problemas operacionais, os tipos decustos e os possíveis erros a serem identificados na focalização, apresentauma medida de desempenho e os diversos métodos estatísticos de focalização,dentre os quais destaca a adequação do Teste de Elegibilidade Multidimensional.

Palavras-chaveFocalização de políticas sociais; métodos de focalização; custo dafocalização.

* Artigo recebido em mar. 2006 e aceito para publicação em out. 2006.

** E-mail: [email protected]

*** E-mail: [email protected]

**** E-mail: [email protected] As autoras agradecem as contribuições dos pareceristas anônimos. Erros e imprecisões que porventura persistam continuam sendo de responsabilidade das mesmas.

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AbstractWe discuss in this paper statistical methods and their associated costs to themto identify the target population to social policies. We show that the choice of thestatistical method to focus the social policy is quite important to guarantee ahigh degree of success of the policy. The paper discusses the operationalproblems, the type of costs and the possible errors in the identification of thetarget population. It presents a measure of efficiency of the targeting processapplied to all methods.

Key wordsTargeting of social policies; methods to choose target population; costs ontargeting.

Classificação JEL: I3, I32.

1 Introdução

É consenso entre cientistas sociais que mecanismos de transferência derenda representam um importante instrumento de política pública no combate àdesigualdade e à pobreza. No entanto, o debate contemporâneo sobre comoprogredir no processo de redução da imensa desigualdade de renda e riqueza noBrasil tem, em grande medida, dividido opiniões entre aqueles que defendempolíticas sociais universais e aqueles que defendem políticas focalizadas —ver, por exemplo, o dossiê Gasto Público Social no Brasil em Econômica(2003). Kerstenetzky (2005) avança nessa discussão, argumentando que afocalização per se não deve ser associada automaticamente à justiça social decaráter residual, nem tampouco a universalização à garantia de direitos sociais.São métodos alternativos e, muitas vezes, complementares de uma noção dejustiça social que precisa ser previamente definida.1 Dessa forma, pode-se ar-

1 Nesse sentido, a autora propõe que políticas focalizadas sejam utilizadas como um instru-mento, mesmo dentro de uma concepção mais espessa de justiça social, das seguintesmaneiras: (a) na busca do foco, para solucionar um problema previamente especificado, emtermos da eficiência do gasto social (ou seja, dada uma quantidade de recursos, determi-nar qual deveria ser a prioridade dos gastos, com base no conhecimento sobre a realidade

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gumentar que, em uma sociedade desigual como a do Brasil, algumas políticasfocalizadas são importantes para a efetividade de direitos ditos universais, que,na prática, ainda se encontram distantes da realidade do País.

As políticas sociais, no Brasil, têm caminhado na direção da focalizaçãodos gastos. Draibe (2005) identifica que, a partir de meados da década de 90,um novo ciclo de mudanças alterou a fisionomia do sistema brasileiro de proteçãosocial. Em meio às restrições fiscais que acompanharam o programa de estabi-lização e as reformas pró-mercado, foram realizadas reformas em programasuniversais (educação e saúde), nos de emprego e renda (previdência social,programas de capacitação e inserção produtiva) e nos voltados para a pobreza(assistência social, programas de combate à pobreza e subsídios monetáriosàs famílias).

No que se refere à assistência social e aos programas de combate à po-breza, a autora destaca a instituição, em 1993, da Lei Orgânica de AssistênciaSocial (LOAS). Por força dessa Lei, teve início o novo programa de transferên-cia monetária aos idosos carentes e às pessoas portadoras de deficiência físi-ca. Paralelamente, implantou-se outra frente de ação, voltada ao combate àpobreza, com o Programa Comunidade Solidária, que, mais tarde, recebeu adenominação de Comunidade Ativa e passou a coordenar, em parceria com oServiço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), progra-mas de desenvolvimento local nos municípios mais carentes. Nessa mesmaépoca, foi iniciado outro programa, em 2000, o Projeto Alvorada (Plano de Apoioaos Estados de Menor Desenvolvimento Humano).

Ainda de acordo com Draibe (2005), no ano 2000, foi aprovado o Fundo deCombate à Pobreza, e, nos anos seguintes à aprovação, foram criados os Pro-gramas Bolsa-Alimentação (na área de saúde), Agente Jovem (na Secretaria deAssistência Social) e, pouco mais tarde, o Auxílio-Gás (2002), que se uniramaos anteriores Bolsa-Escola, de 1998, Programa de Erradicação do TrabalhoInfantil (PETI), de 1995, e a outros programas de transferência de rendapreexistentes.

Atualmente, o Brasil conta com diversos programas focalizados nostrês níveis do Governo.2 Os principais programas de transferência de renda doGoverno Federal são: o Bolsa-Família (que unificou os programas Bolsa-Esco-

demográfica, social e territorial do País); ou (b) como ação reparatória, para restituir adeterminadas categorias direitos perdidos como resultado de injustiças passadas, o queimplica que, sob esse aspecto, a focalização cumpriria o papel de complementar as políticaspúblicas universais.

2 Uma descrição da evolução dos programas de renda mínima no Brasil pode ser encontradaem Amaral e Ramos (1999).

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la, Bolsa-Alimentação, Cartão-Alimentação e Auxílio-Gás), o Benefício de Pres-tação Continuada (BPC) e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil.3

Propõe-se, neste texto, a realização de uma discussão sobre métodosestatísticos para a identificação da população-alvo de políticas-públicas. Comose pode ver a seguir, a identificação não é tarefa trivial, e os métodos estatísti-cos disponíveis devem ser avaliados de acordo com os objetivos das políticase com os custos na identificação da população-alvo. Não se pretende ser exaus-tivo na exploração dos métodos estatísticos de focalização, mas, ao discuti--los, podem-se identificar as vantagens e as desvantagens de cada um. O objetivogeral deste trabalho é mostrar como a escolha do método estatístico para afocalização é importante para a eficácia na aplicação da política social. Paratanto, o texto divide-se em quatro seções, além desta Introdução. Na seção 2,discutem-se os problemas operacionais da focalização, os seus custos e umamedida de seu desempenho. Na seção 3, identificam-se os métodos estatísti-cos de focalização. Na seção 4, faz-se uma breve descrição dos métodos esta-tísticos empregados para traçar linhas de pobreza, e, na última, apresentam-seum resumo da discussão e a conclusão.

2 Benefícios e custos da focalização e medi- da de desempenho

Um dos principais argumentos em favor da focalização das políticas decombate à pobreza está relacionado à eficiência dos gastos sociais, ou seja,quanto mais preciso for o método utilizado para alcançar os pobres, menor seráo desperdício, e menores serão os custos envolvidos para se chegar ao objetivodesejado. Entretanto os potenciais beneficiários das políticas públicas não sãoreceptores passivos, mas, sim, agentes ativos, que pensam, escolhem, ageme reagem em resposta a políticas direcionadas ao alívio da pobreza. Ou seja, ao

3 O Bolsa-Família é um programa de transferência de renda destinado às famílias em situaçãode pobreza, com renda per capita de até R$ 100,00 mensais. O Benefício de PrestaçãoContinuada fornece um salário mínimo mensal a idosos (pessoas com mais de 65 anos) e apessoas portadoras de deficiência física incapacitadas para o trabalho, desde que a rendafamiliar mensal per capita dos beneficiários seja inferior a um quarto do salário mínimo. O PETIé um programa de transferência de renda para famílias com crianças envolvidas em trabalhoprecoce. A família recebe mensalmente R$ 25,00 por criança (para municípios com menos de250.000 habitantes) ou R$ 40,00 por criança (para municípios com mais de 250.000 habitan-tes). O objetivo principal do Programa é manter as crianças e os adolescentes na escola,através da complementação da renda familiar (Brasil, 2005).

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realizar a focalização, é necessário considerar que as respostas de todos osatores envolvidos no processo podem influenciar nos seus custos (Sen, 1995).

Uma forma simples de explicar a motivação principal para a utilização dafocalização como ferramenta de alívio à pobreza é admitir, em um primeiro mo-mento, a hipótese de que seja possível discriminar exatamente quem é pobre equem não é pobre.4

Considerando-se que haja interesse em maximizar a redução da pobrezana presença de um orçamento limitado e também o custo de oportunidade, issosignifica que, diante de um orçamento fixo5, deve ser decidido qual número debeneficiários será coberto pelo programa e qual será o nível de transferência.Assim, a argumentação básica é que, nessas circunstâncias, as transferênciasfocalizadas para domicílios pobres possuem um retorno potencial, ou seja, aquantidade de orçamento transferido para os domicílios que mais precisam podeser aumentada (Coady; Grosh; Hoddinott, 2004).

A título de ilustração dessa motivação (a eficiência das transferências), éapresentada a Figura 1, que representa o esquema básico de uma situação naqual o orçamento para o programa de transferência é fixado e é suficiente ape-nas para eliminar a pobreza das pessoas que se encontram abaixo da linha depobreza, representada, na Figura 1, pela letra Z.

Supõe-se que existam dados de pesquisas domiciliares sobre a renda (ousobre o consumo) dos domicílios antes e depois de a transferência de renda serrealizada e que esses dados sejam dispostos na Figura 1, ordenando os domi-cílios da menor para a maior renda. No eixo das abscissas, encontra-se a orde-nação dos domicílios segundo sua renda inicial, e, no eixo das ordenadas, arenda final após a transferência. As rendas máxima e mínima estimadas com osdados da pesquisa são representadas pelos pontos R

imáx e R

imin respectiva-

mente. A reta definida pelos pontos Rimin e D, correspondente à bissetriz, repre-

senta o fato de que, antes da transferência, a renda inicial é igual à renda final.O esquema ótimo de transferência no sentido da eficiência da focalização éaquele para o qual todos os pobres, e somente os pobres, recebem a transferên-cia. E, além disso, o nível de transferência para cada domicílio pobre é igual àdistância da renda do domicílio, antes da transferência, até a linha de pobreza

4 Tal hipótese nunca é exatamente alcançada, devido a diversos fatores, dentre os quais sedestacam a subjetividade inerente à escolha do ponto de corte que discrimina pobres denão-pobres e o fato de que os indivíduos podem mudar de categoria, tornando-se pobres oudeixando de sê-lo.

5 Aqui está sendo considerado apenas o orçamento para realizar as transferências, e não oorçamento total, que certamente deve incluir os custos de gerenciamento e distribuição dosbenefícios.

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Renda antes da tranferência

Ren

da a

pós

a tr

ansf

erên

cia

Rimin Rimáx

Z

z

Z

C

B A

D

E

(distância da bissetriz até a reta Z para os domicílios com renda antes da trans-ferência menor que Z). Dessa forma, o programa seria capaz de elevar todos osdomicílios acima da linha de pobreza. E todos os domicílios não pobres teriamrenda final igual à renda inicial. O orçamento do programa é representado pelaárea definida pelos pontos Z, A e R

imin e seria o mínimo necessário para elimi-

nar a pobreza.Ao contrário, se o programa transferir a mesma renda a todos os

domicílios (pobres e não pobres), o orçamento não é mais suficiente para elimi-nar a pobreza, por duas razões: domicílios não pobres receberiam transferên-cias, e alguns domicílios pobres receberiam transferências superiores à suadistância da linha de pobreza. O resultado de uma transferência fixa para todosos domicílios é representado, na Figura 1, pela reta definida pelos pontos C e E.

Figura 1

Eficiência da focalização na transferência de renda com orçamento fixo

FONTE: COADY, A.; GROSH, M.; HODDINOTT, J. Targeting of transfers in developing countries: review of lessons and experience. [S. l.]: Banco Mundial, 2004.

Rimin

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Como resultado dessas ineficiências, o impacto sobre a pobreza, quandoas transferências são iguais para todos os domicílios, é menor que o impactosob o esquema ótimo. A perda em eficiência é representada, na Figura 1, pelaárea definida pelos pontos Z, C e B e mostra o nível de pobreza que permaneceapós a realização das transferências iguais para todos os domicílios. O vaza-mento6 é representado pela área definida pelos pontos B, A, D e E, que, para umorçamento fixo, é igual à área definida pelos pontos Z, C e B (Coady; Grosh;Hoddinott, 2004).

Entretanto deve-se levar em conta que existem custos diretos e indiretosrelacionados a programas de focalização. Isso significa que parte do orçamentodo programa deve ser utilizada para cobrir esses custos. Exatamente por isso, énecessário conhecer a natureza desses custos, para que seja possível alcan-çar os melhores resultados possíveis.

2.1 Custos da focalização

A literatura sobre o tema da focalização dos gastos públicos, de acordocom Coady, Grosh e Hoddinott (2004), identifica, pelo menos, cinco tipos decustos: os de incentivo, os sociais, os administrativos, os relacionados àsustentabilidade política e à qualidade de serviços e os custos privados.

Os custos de incentivo são também conhecidos como indiretos. Ocorremporque o critério de elegibilidade pode induzir as pessoas dos domicílios a mo-dificarem seus comportamentos, de forma a se tornarem beneficiárias. Os exem-plos são: diminuir o trabalho remunerado para tornar-se beneficiário, consumirbens para diminuir a renda, migrar para locais eleitos para receber as transferên-cias (no caso de focalização geográfica) ou declarar rendas irreais. Há, também,efeitos indiretos positivos, como, por exemplo, quando existem condicionantes,as pessoas podem modificar seu comportamento e manter as crianças na es-cola ou freqüentar postos de saúde.

Os problemas relacionados ao incentivo adverso ao trabalho são conside-rados menos importantes nos países em desenvolvimento do que nos paísesda Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Osmétodos de identificação da população-alvo utilizados nos países em desenvol-vimento não exigem comprovação de renda e tampouco realizam o cruzamentode informações de diversas fontes, de forma que não há um incentivo a deixar

6 O vazamento em um programa representa a quantidade de domicílios e/ou pessoas incluídosque não preenchem os requisitos necessários para tal.

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de receber renda através do trabalho, para receber o benefício. Além disso, osbenefícios, em geral, são valores baixos, o que implica que aqueles que possu-em alguma chance de conseguir renda através do trabalho irão manter um forteincentivo para procurar ganhos adicionais, quando tiverem essa escolha.

Os custos sociais referem-se ao fato de que qualquer sistema de identifi-cação da população-alvo que requeira identificação das pessoas como pobrestende a possuir alguns efeitos sobre o seu respeito a si próprias e também sobreo respeito dos outros em relação aos beneficiários. As pessoas podem sentir-seestigmatizadas (Coady; Grosh; Hoddinott, 2004; Sen, 1995).

Todos os métodos para focalização, exceto os que utilizam auto-seleção,envolvem custos administrativos, já que é necessário realizar a discriminaçãodos domicílios, trabalho que, em geral, é realizado por funcionários do Governo.Há o problema de se invadir a privacidade das pessoas, além do custo de inves-tigar as pessoas. Sen (1995) alerta adicionalmente sobre a possibilidade decorrupção, sempre que for delegado a funcionários o controle de escolher quemserá beneficiário.

De uma forma geral, os custos envolvidos na obtenção de informaçõespara realizar a focalização aumentam conforme aumenta a sua precisão. Porexemplo, aproveitar informações de pesquisas domiciliares para construir ma-pas de pobreza possui custo administrativo menor do que construir um cadastrode beneficiários no qual a renda precisa ser comprovada e verificada com autilização de diversas fontes de informação alternativas.

Como existem custos administrativos, estes incidem sobre o orçamentoinicial, e, conseqüentemente, menos recursos estarão disponíveis para osbeneficiários. Entretanto é possível que, com a realização de uma boa focalização,o número de beneficiários e o custo administrativo diminuam em termos absolu-tos ou como parte do custo total pelo seguinte motivo: um programa bem foca-lizado pode servir a um número menor de pessoas. Portanto, os custos envolvi-dos no procedimento de distribuição e os custos administrativos em geral po-dem diminuir, permitindo, assim, um valor maior de benefício por beneficiário.

Os beneficiários de programas de alívio à pobreza possuem, em geral,baixo poder de reivindicação e podem perder a força para sustentar os progra-mas e manter a qualidade dos serviços oferecidos (Sen, 1995). Esses seriamos custos relacionados à sustentabilidade política e à qualidade dos serviços.Nesse caso, os benefícios oferecidos exclusivamente aos pobres podem tor-nar-se benefícios pobres (Salm, 2003).

Entretanto, apesar do risco de diminuição do suporte político por razõesdiversas, a eficiência da focalização, assegurando que somente os que maisprecisam receberão os benefícios, pode aumentar o suporte político por aque-les que enxergam benefícios indiretos advindos da redução da pobreza, tais

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como: sentimento de justiça social, diminuição de mendigos, diminuição dacriminalidade ou redução de impostos (Coady; Grosh; Hoddinott, 2004).

Por fim, os indivíduos podem ter custos para se inscreverem no programa,como obtenção de certificados necessários para a inscrição, carteira de identi-dade, comprovante de residência ou de invalidez e transporte aos locais deinscrição. Esses são os custos privados. Esses custos precisam ser avaliados,em particular quando o método de focalização utilizado é a auto-seleção, ouquando existem contrapartidas para o recebimento do benefício.

A importância relativa dos custos descritos anteriormente depende dosmétodos de focalização e também do ambiente social e político. Por exemplo, éprovável que os custos administrativos sejam mais importantes, quando a ava-liação individual ou domiciliar é utilizada. Os custos de incentivo são provavel-mente menos importantes, quando a focalização categórica é utilizada. Os cus-tos privados são, em geral, mais importantes, quando a auto-seleção é utiliza-da. A natureza e a importância dos custos sociais podem diferir muito, depen-dendo da forma de seleção inerente ao programa, porém, o fundamental é quetodos esses custos sejam considerados na avaliação da efetividade dafocalização de programas.

2.2 Uma medida de desempenho da focalização

Na prática, os gerenciadores dos programas sociais não possuem informa-ção perfeita sobre quem é pobre, porque essa informação é difícil e consometempo e recursos para ser produzida. Portanto, considerando que a elegibilidadedo programa é baseada em informação imperfeita, é inevitável a presença dealgum erro de inclusão (também conhecido na literatura como vazamento ouerro do tipo II, consiste em identificar como pobres pessoas que não o são eadmiti-las no programa) e/ou de exclusão (erro de cobertura ou erro tipo I, con-siste em identificar como não-pobres pessoas que são pobres e não admiti-lasno programa).

Legovini (1999) descreve três critérios para a avaliação do método defocalização: a eficiência da focalização, o vazamento do programa e os custosadministrativos envolvidos. Caso os recursos do programa fossem ilimitados,tais erros poderiam ser minimizados através da coleta de informação adicional.Entretanto, em um mundo de recursos limitados, os formuladores de políticas eos gerenciadores dos programas precisam saber se tais custos são justificadospela real melhoria na focalização. Além disso, os governantes e a sociedadeprecisam conhecer o quão efetiva é uma dada intervenção focalizada. Isso re-quer uma medida de desempenho da focalização.

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Uma abordagem comum para avaliar o desempenho da focalização deinstrumentos alternativos de transferência é comparar as taxas de erro de co-bertura (ou exclusão) e de vazamento (erro de inclusão), ou seja, comparar aproporção de domicílios pobres não incluídos no programa e a proporção dosdomicílios não pobres incluídos no mesmo.

É importante notar que, qualquer que seja o método estatístico escolhidopara identificar a população pobre, ou seja, o método de focalização, ele estásujeito a esses dois tipos de erro, análogos aos erros do tipo I e do tipo II dainferência estatística e conhecidos na literatura como erros de focalização,conforme o esquema do Quadro1 (Cornia; Stewart, 1995).

Quadro 1

Decisão sobre a inclusão ou a exclusão de indivíduos em um programa social

SITUAÇÃO AÇÃO

Pobre Não Pobre

Incluir no programa Decisão correta Erro tipo II

Excluir do programa Erro tipo I Decisão correta

Um método de focalização é dito eficiente, quando diminui o erro do tipo I,isto é, minimiza a probabilidade de excluir indivíduos que deveriam ser incluí-dos. O vazamento relaciona-se ao erro do tipo II, que é a probabilidade de incluirpessoas que deveriam ser excluídas.

O ponto de equilíbrio desejado entre o custo de vazamento e os custosadministrativos deve ser avaliado, assim como a possibilidade de que progra-mas com um certo nível de vazamento possuam uma capacidade maior de semanterem que programas sem nenhum vazamento, devido ao suportepopulacional maior.7

Em um primeiro momento, pode-se entender como óbvio que os benefíciosdevem ser reduzidos conforme a renda aumenta. Entretanto algumas experiên-cias mostram que a possibilidade de perder os benefícios conforme a rendaaumenta pode representar um incentivo adverso ao trabalho. Além disso, aoreduzir o número de beneficiários, a focalização reduz o suporte político para acobrança de impostos e para a redistribuição (De Donder; Hindriks, 1998).

7 Ver custos relacionados à sustentabilidade política e à qualidade dos serviços na seção 2.1.

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De uma forma geral, é desejado que a focalização seja realizada de manei-ra a minimizar os dois tipos de erros citados. À medida que o programa seexpande, a tendência é diminuir o erro do tipo I e aumentar o erro do tipo II. Oinverso ocorreria com uma redução do programa. A maneira de reduzir os doistipos de erros é melhorar a capacidade de discriminação, o que, por sua vez,aumenta os custos administrativos do programa (Anuatti Neto; Fernandes; Pazello,2000).

A título de exemplo, é apresentada uma situação na qual existem 100domicílios e uma linha de pobreza que implica que 40 destes sejam classifica-dos como pobres. Decide-se, portanto, oferecer benefícios a 40 domicílios. En-tretanto, como o critério de focalização é imperfeito, após se selecionarem os 40domicílios para receber o benefício, verifica-se que, de fato, 30 são pobres (têmrenda domiciliar per capita abaixo da linha de pobreza) e 10 não o são (têmrenda domiciliar per capita acima da linha de pobreza). Tanto os 30 domicíliospobres incluídos no programa quanto os 50 domicílios não pobres excluídos sãoconsiderados como sucesso na focalização. Os 10 domicílios pobres excluídossão considerados erros de exclusão (erro tipo I), e os 10 domicílios não pobresincluídos são erros de inclusão (erro tipo II). Portanto, o número de pobres exclu-ídos é igual a 10, e o número total de pobres é igual a 40, resultando em umataxa de falha na cobertura de 25%. Além disso, o número de não-pobres incluí-dos é igual a 10, e o número total de incluídos é igual a 40, resultando em umataxa de vazamento também igual a 25%. O Quadro 2 resume essa situação.

Quadro 2

Cálculo para a inclusão ou a exclusão de indivíduos em um programa social

SITUAÇÃO AÇÃO

Pobre Não pobre Total

Incluir no programa 30 (decisão correta) 10 (erro do tipo II) 40

Excluir do programa 10 (erro do tipo I) 50 (decisão correta) 60

TOTAL 40 60 100

Considerando que se deseja minimizar os dois tipos possíveis de erros defocalização — excluir do programa domicílios que deveriam ser incluídos (errodo tipo I) e incluir domicílios que não deveriam ser incluídos (erro do tipo II) —,Anuatti Neto, Fernandes e Pazello (2000) sugerem o seguinte indicador defocalização:

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IF = [PI - PE] + (1+ ) [NPE - NPI]Sendo:

IF o indicador de focalização; o fator de ponderação (0 < α < 1);P

I a proporção de domicílios pobres devidamente incluídos no programa;

PE a proporção de domicílios pobres indevidamente excluídos no progra-

ma;NPE

a proporção de domicílios não pobres devidamente excluídos do pro- grama;

NPI a

proporção de domicílios não pobres indevidamente incluídos do pro-

grama.Trata-se de ajustar um modelo para estimar a probabilidade de um domicí-

lio ser pobre, segundo características familiares e domiciliares. O indicador écalculado considerando que são incluídos no programa os domicílios para osquais as probabilidades estimadas pelo modelo ( ) são maiores ou iguais ao

ponto de corte, definido por , sendo que POB é o número

de pobres e NPOB é o número de não-pobres, ambos segundo a linha de pobre-za. Escolhe-se e calcula-se a proporção de domicílios pobres incluídos e aproporção de domicílios não pobres incluídos.

Observa-se que o indicador possui as seguintes propriedades:a) varia no intervalo [-1, 1], sendo que, quanto mais próximo de um,

melhor será a focalização e que, se IF for igual a um, a focalizaçãoserá perfeita;

b) o termo [PI - P

E] representa a eficiência no alcance da política;

c) o termo [NPE - NPI] representa uma medida do vazamento do progra-ma;

d) é um fator que pondera esses dois critérios, ou seja, é a pondera-ção que permite escolher priorizar a eficiência do programa ou o contro-le do vazamento.

Uma deficiência desse indicador é não considerar a intensidade da pobre-za, ou seja, a exclusão do programa de um domicílio pobre com renda próximaà linha de pobreza produz o mesmo impacto no indicador proposto que a exclu-são de outra família mais pobre. E a inclusão de um domicílio não pobre comrenda próxima à linha de pobreza produz o mesmo impacto no indicador que ainclusão de um domicílio rico.

Entretanto é possível considerar a intensidade da pobreza realizando-seuma ponderação baseada na distância entre a renda domiciliar per capita e a

ααα

ip̂

POBNPOB

POB

)1(

)1(

ααα

−+−

αα

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linha de pobreza, conforme sugerido por Anuatti Neto, Fernandes e Pazello (2000,p. 4). Quanto maior for a distância, maior será o peso.

A construção do indicador de focalização pressupõe a escolha de ummétodo para se estimar quem é elegível ao programa social. Como se vê nasseções a seguir, há distintas formas de se identificar a população-alvo de bene-fícios sociais, de acordo com a disponibilidade de informações estatísticas ecom os objetivos dos programas. Pode-se dizer que parte do sucesso das polí-ticas focalizadas depende da escolha do método de focalização.

3 Métodos de focalização de políticas públicas

Nesta seção, são apresentadas as características dos métodos comumenteutilizados para definir o público-alvo de políticas públicas de transferênciade renda: Método Categórico, Método de Auto-Seleção, Teste de RendaVerificada, Teste de Renda Não Verificada e Teste de ElegibilidadeMultidimensional.

3.1 Método Categórico

Esse método de focalização consiste em fornecer benefícios a todos osindivíduos de uma determinada área geográfica e/ou de um grupo vulnerável.Essa focalização requer conhecimento da distribuição geográfica da incidência,da profundidade ou da gravidade da pobreza (ou outro indicador de interesse).Comunidades podem ser ordenadas de acordo com o indicador desejado, e osprogramas podem ser destinados aos escores que representem as localidadesmais pobres. O mecanismo só funciona bem, quando existe alta concentraçãode pobreza (bolsões de pobreza, como favelas urbanas ou áreas rurais especí-ficas). Nesses casos, o método é eficiente, tem pouco vazamento, e o custoadministrativo é baixo. À medida que o programa se expande a comunidadescom altas percentagens de não-pobres, a eficiência da focalização declina, e ovazamento aumenta. Os resultados também dependem da escolha da unidadegeográfica (comunidade, município, região, etc.); quanto menor é a unidade,mais fácil torna-se alcançar bons resultados.

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O método pode ser utilizado em conjunto com outros, para localizar áreasprioritárias.8 Um problema desse método é que ele pode induzir a migração depessoas de áreas não focalizadas para áreas focalizadas (Legovini, 1999). Ou-tro problema estaria relacionado à focalização repetida, na qual as transferên-cias privilegiariam sempre as comunidades ou municípios mais miseráveis. Essasituação pode introduzir um incentivo perverso para os pobres, se o governantelocal tender a manter um grupo de pobres cativos, para justificar o acesso anovos recursos no futuro. Nesse caso, quanto mais dinheiro for destinado aospobres, menos dinheiro chegará a eles (Neri, 2003).

Similarmente, a focalização em determinados grupos de risco (crianças,idosos, lactantes) requer conhecimento da distribuição demográfica da pobreza.Grupos com grande incidência de pobreza acima da média do País podem serselecionados como alvos dos programas em conjunto com a focalização geo-gráfica, para melhorar tanto a eficiência da focalização quanto os níveis devazamento.

3.2 Método de Auto-Seleção

Esse método de focalização possui baixo custo administrativo e, em ge-ral, baixo vazamento, já que, muitas vezes, apenas indivíduos com rendas muitobaixas se dispõem a incorrer no custo de participação, que inclui o tempo deespera para receber o benefício, filas e, em alguns casos, a baixa qualidade doproduto oferecido. O método é conveniente para ajustar a cobertura rapidamen-te, em períodos de crise. Entretanto o nível de eficiência na focalização não éclaro e precisa ser estimado caso a caso.9

9 Dois exemplos de utilização desse método na América Latina são: (a) o Programa Trabajar, naArgentina, criado em 1996, cujo objetivo é financiar mão-de-obra para projetos comunitáriosdirigidos à população desocupada, abaixo da linha de pobreza adotada no País e que nãoreceba Seguro-Desemprego; e (b) o Programa de Empleo Mínimo (PEM), criado em 1974, e oPrograma de Ocupación para Jefes de Hogar (POJH), criado em 1982, no Chile, ambosinstituídos como paliativos ao desemprego durante o governo militar do Chile, que foramextintos em 1988. Um estudo de caso sobre esses dois programas apontando diferenças departicipação em cada um, por sexo, pode ser visto em OIT (2001).

8 Dois exemplos disso são: o mapa de pobreza realizado pelo Banco Mundial utilizando osdados do censo na Nicarágua, e o Programa de Educación Salud y Alimentación (Progresa)2002/2003, realizado, no México, para as áreas urbanas (Castañeda, 2003a).

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10 Austrália, Canadá, Tchecoslováquia, França, Islândia, Itália, Japão, Nova Zelândia, Polônia,Portugal, Eslovênia, Espanha e Estados Unidos.

11 Para uma descrição dos métodos de focalização utilizados, em diversos programas, nospaíses em desenvolvimento, ver Coady, Grosh e Hoddinott (2004, p. 27-31).

3.3 Teste de Renda Verificada (Means-Tested)

Esse método consiste em fornecer benefícios aos domicílios com rendaabaixo de um determinado valor estabelecido como referência. Como requer acoleta e a verificação da informação sobre a renda domiciliar, implica custosadministrativos mais altos que os dos Métodos Categóricos e de Auto-Seleção.

O método é utilizado tanto em países desenvolvidos da OCDE10, para for-necer benefícios a famílias com crianças, quanto em economias menos desen-volvidas da América Latina, do Leste Europeu e da Europa Central, para trans-ferência de renda.11 Idealmente, para utilizar esse método, seriam necessários acomprovação de renda através de documentação formal e cruzamentos cominformações de diversas fontes.

Segundo Lindert e De la Briere (2004), exemplos de utilização desse méto-do são encontrados nos programas US Food Stamps e US TANF, utilizados nosEstados Unidos. Para esses autores, esses programas apresentam bons resul-tados, isto é, grande parte dos benefícios (80% e 66% respectivamente) éfornecida aos 20% mais pobres. Entretanto os custos administrativos são altos,a inscrição é realizada por demanda, e as principais falhas na implemantaçãodo método, nesse país, são a falta de um banco de dados nacional específico ea falha na cobertura. Os autores estimam que apenas a metade das pessoaselegíveis recebe o benefício, porque muitas não se inscrevem.

3.4 Teste de Renda Não Verificada

Esse teste consiste em tornar elegível a população que se encontra abai-xo de um determinado nível de renda, conforme declaração do interessado. Comonão há qualquer tipo de verificação sobre a renda declarada, os indivíduos têmum incentivo a declarar rendas inferiores para se tornarem beneficiários. A esseproblema devem ser acrescentados outros na coleta de dados sobre a renda.Em países com uma proporção muito grande de pessoas trabalhando no setorinformal, ou na agricultura, como é o caso do Brasil, a renda proveniente deatividades dessa natureza pode variar muito ao longo do ano. Porém aautodeclaração de renda é o que vem sendo utilizado no Brasil, desde 2001,

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para cadastrar todas as pessoas potencialmente beneficiárias de programassociais de renda mínima do Governo Federal.

No caso brasileiro, a renda declarada é informada no Cadastro Único(CadUnico), criado pelo Decreto nº 3.787, de 24 de outubro de 2001. Até então,o público-alvo de cada programa era determinado separadamente, também atra-vés de teste de renda não verificada.12 A criação do CadUnico13 e do número deidentificação social (NIS) melhorou a eficiência e reduziu os custos administra-tivos, e, sendo que os dados foram coletados por autodeclaração, diversos pro-gramas sociais passaram a utilizá-los para determinar a elegibilidade.14

3.5 Teste de Elegibilidade Multidimensional (Proxy Means Test)

Esse método identifica a população pobre com base em característicasindividuais ou domiciliares correlacionadas com a renda. É um método maisbarato que o Teste de Renda Verificada e menos sujeito a desvios relacionadosa declarações falsas sobre a renda do que o Teste de Renda Não Verificada. Eleconsiste na coleta de dados sobre poucas variáveis correlacionadas com arenda para a construção de indicadores, através de censos ou pesquisas domi-ciliares. É desejável que tais variáveis sejam de fácil observação e de difícilmanipulação. As pesquisas domiciliares apropriadas são aquelas que investi-

12 Os dados sobre a renda não são verificados por nenhuma forma de documentação ou porcruzamentos. Por exemplo, embora seja possível realizar isso com o atual questionário doCadUnico, as rendas declaradas não são comparadas com as informações de consumo,nem com as características domiciliares, para se verificarem as inconsistências.

13 O Programa Bolsa-Escola (atualmente incorporado ao Programa Bolsa-Família) utilizouo CadUnico em conjunto com o Sistema Bolsa-Escola (Sibes) para selecionar seusbeneficiários. Outros programas que utilizaram o CadUnico foram: o Bolsa-Alimentação, oAuxílio-Gás e o PETI, este último mantendo um critério adicional próprio para a elegibilidade.

14 As principais informações sobre as famílias presentes no cadastro são: características dodomicílio (número de cômodos, tipo de construção, tratamento da água, esgoto e lixo),composição familiar (número de membros, existência de gestantes, idosos, mães amamen-tando e deficientes físicos), qualificação escolar dos membros da família, qualificaçãoprofissional e situação no mercado de trabalho, rendimentos e despesas familiares (alu-guel, transporte, alimentação e outros). Porém a renda é a única variável coletada noquestionário do CadUnico, que é, de fato, utilizada para determinar a elegibilidade damaioria dos benefícios. O CadUnico possui cinco perguntas sobre a renda: renda proveni-ente do trabalho, benefícios de aposentadorias, seguro-desemprego, pensão alimentícia eoutras rendas. A informação sobre renda proveniente de atividades de agricultura tambémé coletada e incluída no cálculo da elegibilidade (De La Brière; Lindert, 2003).

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gam características variadas sobre as pessoas, tais como emprego e educa-ção, e características domiciliares, bem como as pesquisas de orçamentosdomiciliares.15

Os indicadores são construídos aplicando-se métodos de modelagem es-tatística — como, por exemplo, análise de regressão e análise de componentesprincipais — aos dados de pesquisas domiciliares. Esses indicadores, após aponderação apropriada, são utilizados para classificar um domicílio ou um indi-víduo na população como pobre ou não-pobre. Trata-se, portanto, de construirum indicador a partir de características observáveis dos potenciais candidatos,utilizando dados coletados através de pesquisas domiciliares.16

Castañeda (2003) sugere três passos para o desenho de um programa queutilize o Teste de Elegibilidade Multidimensional:

a) determinação de variáveis e pesos do indicador, aplicando-se técnicasestatísticas a dados coletados a partir de pesquisas domiciliares;

b) combinação de duas abordagens com utilização de mapas de pobreza,para determinar áreas prioritárias, porém permitindo a inscrição de po-bres de áreas não selecionadas; e

c) avaliação individual e/ou domiciliar dos pontos de pobreza através deentrevistas às famílias; calcula-se o indicador construído e compara-sea pontuação da família entrevistada com os limites predeterminados.

Uma decisão importante para a utilização desse método é a da formacomo construir o cadastro para a seleção de beneficiários. Esse cadastro deveser atualizado, considerando que algumas variáveis podem perder o poder deprever a pobreza ou de discriminar pobres de não-pobres.

O Teste de Elegibilidade Multidimensional, diferentemente dos demais,necessita de cálculos estatísticos. Uma das principais vantagens em utilizarcálculos estatísticos é tornar o procedimento replicável, isto é, a utilização doTeste de Elegibilidade Multidimensional torna possível que domicílios seme-lhantes (pelo menos considerando as variáveis escolhidas) recebam o mesmotratamento ou decisão, mesmo se avaliados por membros diferentes do grupoem dias diferentes e de diferentes formas. Constitui-se, portanto, em ferramenta

15 No Brasil, poderiam ser sugeridas como pesquisas particularmente úteis a PesquisaNacional por Amostra de Domicílios (PNAD) ou a Pesquisa de Orçamentos Fami-liares (POF).

16 Melhores estimativas podem ser alcançadas através da estimação separada por região oupor áreas — urbana ou rural. Esse método foi adotado em vários países da América Latina,como, por exemplo, Chile (Ficha de Caracterización Socioeconómica (CAS)), Costa Rica,Colômbia (Sistema de Seleción de Beneficiários de Sistemas Sociales (Sisben)) e México(Progresa) (Legovini, 1999). Outros países da América Latina que estão desenvolvendosistemas de focalização utilizando o Teste de Elegibilidade Multidimensional são Argentina,Equador, Jamaica, Honduras e Nicarágua.

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importante para evitar a corrupção ou a politização do programa. Os custosadministrativos são, em princípio, menores que os necessários para implementaro Teste de Renda Verificada, e, além disso, como não exige comprovação derenda, esse procedimento é menos suscetível aos incentivos adversos ao tra-balho que o Teste de Renda Verificada propicia.

A desvantagem desse método é não considerar algumas circunstânciasespeciais do domicílio, pois é recomendado que se utilizem relativamente pou-cas variáveis sobre os domicílios, de forma a assegurar a validade e facilitar ainterpretação dos métodos estatísticos empregados na população-alvo. Alémdisso, ele é, em geral, desenhado para funcionar bem em média, mas não paracategorizar cada domicílio. De qualquer forma, independentemente de quão boaseja a fórmula estatística, se os pobres não se registrarem para o programa,haverá grandes erros de exclusão. Portanto, esforços devem ser empreendidospara que o programa, de fato, alcance os pobres.17

Uma aplicação desse método a partir do ajuste de um modelo de regres-são logística utilizando os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Do-micílios 2003 identificou como fatores associados à condição de pobreza: oarranjo familiar, o número de crianças no domicílio, a escolaridade e a idade dapessoa de referência, a densidade de moradores por cômodo e a razão de de-pendência, além de características físicas do domicílio (Faria, 2006).

4 Linhas de pobreza e de indigência

Complementam os esforços de identificação da população-alvo de políti-cas sociais as estimativas de linha de pobreza e de linhas de indigência. Esseé o procedimento utilizado no Brasil para estimar a quantidade de pessoas edomicílios em condição de pobreza. Consiste em determinar valores mínimos,per capita, de renda familiar; abaixo desses valores, as pessoas são considera-das pobres ou indigentes. Embora existam pontos importantes de consenso,entre vários especialistas, no que diz respeito ao conceito de pobreza, a esco-lha da abordagem metodológica para a construção da linha de pobreza podeconduzir a estimativas diferentes sobre as quantidades de pobres e de indigen-tes. Os valores conhecidos como linhas de pobreza são, em geral, determina-dos de uma das três maneiras a seguir:

17 Uma aplicação desse método no Brasil, utilizando os dados da PNAD 1998, é encontradano trabalho de Anuatti Neto, Fernandes e Pazello (2000).

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a) linhas de pobreza arbitrária - discriminam a população pobre da nãopobre através de um valor arbitrário. Um exemplo de linha de pobrezaarbitrária é a adotada pelo Banco Mundial, que define como pobres aspessoas com renda abaixo de US$ 2 ao dia e como extremamentepobres as pessoas com renda abaixo US$ 1 ao dia. No Brasil, o exem-plo é a utilização do valor de meio salário mínimo mensal, como linhade pobreza, e, como linha de indigência, a fronteira de um quarto dosalário mínimo mensal;

b) linhas de pobreza absoluta - são calculadas com base no consumoobservado das famílias, considerando-se as necessidades nutricionaisbásicas necessárias para a sobrevivência. Combinando pesquisas so-bre o consumo das famílias da Pesquisa de Orçamento Familiar de1987-1988 e 1995-1996 e do Estudo Nacional da Despesa Familiar(Endef)18 de 1974-75, Rocha (2003) elaborou linhas de pobreza absolu-ta, diferenciadas para 23 regiões. Com as informações sobre consumoe preços por região, definiu uma cesta básica de alimentos e o seucusto. Foram consideradas indigentes as pessoas cuja renda familiarper capita mensal era inferior ao custo da cesta; e foram consideradaspobres as pessoas com renda familiar per capita mensal inferior aocusto da cesta básica, acrescido do custo de determinadas despesasnão alimentares, como transporte e moradia. As linhas de pobreza ab-soluta baseadas no consumo observado de cada região constituem umexemplo de utilização do Método Categórico;

c) linhas de pobreza relativa - mais empregadas em países desenvolvi-dos, consideram como valor de referência a renda média, a renda me-diana ou os percentis de renda da população.

Atualmente, observa-se um crescente interesse pela identificação da po-pulação mais carente, considerando-se o caráter multidimensional da pobreza,isto é, levando-se em conta, além da renda, outras características das pessoase dos domicílios que indiquem situações de vulnerabilidade de determinadosgrupos sociais.19 Essa tendência é observada nos diversos países da AméricaLatina que utilizam o Teste de Elegibilidade Multidimensional para definir o públi-co-alvo beneficiário de políticas públicas dirigidas à população sob risco depobreza.

18 Detalhes sobre a taxa de adequação de energia como indicador do estado nutricionaldas famílias e a utilização do Endef podem ser encontrados em Vasconcellos (2001).

19 Para uma descrição detalhada sobre os conceitos e a elaboração de linhas de pobrezaabsoluta, ver Rocha (2003).

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5 Resumo e conclusão

No Brasil, tem-se observado uma tendência crescente a se ampliarem osgastos sociais focalizados. A adoção de políticas sociais focalizadas demandaum controle sistemático sobre a população-alvo, sob pena de o gasto perder seufoco. Políticas sociais mal dimensionadas podem não estar atingindo apenas opúblico-alvo e podem excluir os que deveriam ser atingidos. Falhas naimplementação e no controle dos programas sociais geram ineficiência no gastoe deslocam recursos de outros investimentos públicos. Investimentos em áreascomo educação, que habilita os indivíduos a saírem da pobreza, e em infra--estrutura, que contribui para o crescimento econômico e a geração de empre-gos, por exemplo, têm sido sistematicamente penalizados, no Brasil, nos últi-mos anos, tornando ainda mais relevante a discussão sobre a eficiência dafocalização das políticas sociais, o que inclui a discussão sobre os métodos defocalização.

Como todos os métodos de focalização para a identificação da população--alvo de benefícios sociais apresentam problemas operacionais, torna-se impor-tante conhecer as principais características de cada método, seus custos ebenefícios e utilizar uma medida de desempenho para auxiliar na avaliação dasua efetividade. Nesse sentido, este artigo descreveu os custos e os benefíciosenvolvidos nos diferentes métodos de focalização de políticas públicas, sendopossível observar que, qualquer que seja o método empregado, ele estará sujei-to a dois tipos de erro. Supondo que há interesse em minimizar esses dois tiposde erro, propôs-se uma medida de desempenho da focalização.

Observou-se neste texto, ainda, que há uma tendência crescente no mun-do de uso do Teste de Elegibilidade Multidimensional como método de focalização.Esse método consiste em investigar qual a população sob risco, com base emcaracterísticas individuais ou domiciliares correlacionadas à renda, utilizandoinformação de pesquisas domiciliares. Assim, a experiência internacional defocalização aponta no sentido de que, após as famílias serem entrevistadas eregistradas, a elegibilidade para o programa seja determinada através da aplica-ção do Teste de Elegibilidade Multidimensional aos dados coletados (De La Brière;Lindert, 2003). Podem-se acrescentar, ainda, quatro recomendações a seremconsideradas, para desenvolver e/ou melhorar um sistema de focalização exis-tente:

a) inclusão máxima dos pobres com acesso universal e contínuo à inscri-ção, para que qualquer família que considere necessitar do benefíciopossa se inscrever a qualquer momento, ainda que esteja sujeita àavaliação para recebê-lo;

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b) eficiência dos custos, ou seja, empreender esforços para minimizar oscustos de entrevistas domiciliares, através de mecanismos auxiliarescomo focalização geográfica e auto-seleção;

c) alcance das famílias pobres, isto é, fazer com que as famílias carentessaibam que são potenciais beneficiárias do programa e evitar o vaza-mento aos não-pobres; e

d) transparência, tanto no cadastramento das famílias quanto na elegibili-dade daquelas que entrarão no programa.

No Brasil, muito se tem avançado nos métodos para focalização, principal-mente a partir da criação do CadUnico. No entanto, seguindo a experiência inter-nacional e considerando a disponibilidade de boa base de dados estatísti-cos oriundos de pesquisas domiciliares produzidas pelo órgão oficial de estatís-tica — o IBGE —, pode-se sugerir o emprego sistemático do Teste de Elegibili-dade Multidimensional aos dados coletados, o que certamente significaria umavanço metodológico importante nas estimativas de população-alvo para políti-cas sociais.

Por fim, deve-se ressaltar que o grau de sucesso na operacionalização depolíticas sociais focalizadas depende, em grande medida, da escolha adequadados métodos de focalização e da correta avaliação dos custos envolvidos nes-sa escolha. Nesse sentido, essa etapa do trabalho deve merecer especial aten-ção e debate.

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