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FUNDAMENTOS DA DANÇA DE HELENITA SÁ EARP APOSTILA DIDÁTICA Parte da tese de doutorado intitulada “Dança e Ciência: estudo acerca de Processos de Roteirização e Montagem Coreográfica baseados em Formas e Padrões de Organização Biológicos a partir dos Fundamentos da Dança de Helenita Sá Earp” de André Meyer submetida ao Programa de Pós-Graduação em Química Biológica na Área de Concentração em Educação, Difusão e Gestão em Biociências do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientador: Adalberto Vieyra Rio de Janeiro 2012

Fundamentos Da Dança de Helenita Sá Earp Apostila Didatica Editada

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  • FUNDAMENTOS DA DANA DE HELENITA S EARP APOSTILA DIDTICA

    Parte da tese de doutorado intitulada Dana e Cincia: estudo acerca de Processos de Roteirizao e Montagem Coreogrfica baseados em Formas e Padres de Organizao Biolgicos a partir dos Fundamentos da Dana de Helenita S Earp de Andr Meyer submetida ao Programa de Ps-Graduao em Qumica Biolgica na rea de Concentrao em Educao, Difuso e Gesto em Biocincias do Instituto de Bioqumica Mdica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientador: Adalberto Vieyra

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    1.4 FUNDAMENTOS DA DANA DE HELENITA S EARP

    As primeiras dcadas do sculo XX foram de enorme efervecncia social, filosfica, cientfica e artstica. Foi quando surgiu a psicanlise, a teoria da relatividade; foi o momento da revoluo russa e de duas grandes guerras; foi quando a arte, tanto na escultura, quanto na pintura, no teatro e na dana abandonaram o academicismo. As revolues cientficas ocorridas neste perodo promoveram transformaes em todas as artes. Na dana, levou quebra de ideologias acadmicas, regras e convenes, como tambm estimulou a autonomizao de seus meios de expresso.

    As tendncias modernistas presentes nos ideais de Isadora Duncan, nas concepes tericas de Rudolf Laban, juntamente com as contribuies de Emile Jacques Dalcroze;1 e as correntes de renovao que aconteciam na educao fsica, como o Mtodo Natural Frans de Herbert,2 ajudaram a despertar na professora Helenita S Earp,3 uma viso de dana como inerente

    1Emile Jacques Dalcroze (1869 - 1950) foi um msico suo que desenvolveu um trabalho sistemtico de educao musical baseado no movimento corporal e na escuta musical. Segundo Fonterrada, o sistema de Dalcroze parte da natureza motriz do sentido rtmico e da idia de que o conhecimento precisa ser afastado de seu carter usual de experincia intelectual para alojar-se no corpo do indivduo e transformar-se em experincia vivida (2008, p. 135), buscando trabalhar de forma ativa a escuta, a sensibilidade motora, o sentido rtmico e a expresso. Dessa forma, por meio de atividades que promovem a reao corporal a um estmulo sonoro, ou exploram o espao em diferentes direes, planos e trajetrias, que combinem, alternem ou dissociem movimentos, que estimulem a concentrao, a memria e a audio, pode-se vivenciar as estruturas da msica. Esse sistema chamado por Dalcroze de Rithmique. direcionado para a educao e busca a relao entre a pessoa e a msica, procurando desenvolver uma escuta consciente que parte do movimento corporal esttico ou em deslocamento. Desta forma, o sistema procura gerar a compreenso, a fruio, a conscientizao e a expresso musical nas pessoas. A msica deixa de ser um objeto externo pessoa e participa diretamente da criao do movimento pela pessoa. Metaforicamente o corpo expressa a msica e se transforma em ouvido, passando a ser a prpria msica. No momento em que isso ocorre, msica e movimento se integram na pessoa. 2Ver livro HRBERT, G. L ducation Physique, Virile et Morale par La Mthode Naturelle. Paris: Libraire Vuibert, 1936. 3Professora Emrita de Dana da UFRJ (1919 -). Introdutora da dana no ensino das universidades brasileiras em 1939. A edio do The Dance Encyclopedia de 1967 cita Sa Earp, Elenita, Brazilian teacher and choreographer, b. S. Paulo. Came to Rio de Janeiro to study at the national School of Physical Education, from which she graduated as professor. In 1943 [1951] had classes with Yat Malmgren; in 1955 [1955] studied under Mary Wigman, Rosalia Chladek, Sigurd Leeder, Anna Sokolow, and Harald Kreutzberg in Zurich. Since 1941

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    a todos,4 uma dana que promova a sabedoria, mais do que o acmulo de informaes, destrezas e habilidades, como comentado por Ana Clia de S Earp nos termos abaixo:

    Influenciada pelas tendncias modernistas do incio do sculo XX, Helenita S Earp pesquisou princpios e referenciais abertos numa interrelao de contedos com as cincias e a filosofia, com vista a viabilizar um conjunto de conhecimentos que no restringissem a dana quer a formas fixas de movimentao quer a metodologias fechadas de ensino. A pesquisa sobre esses fundamentos buscava fornecer pontos de apoio para a promoo de uma renovao constante das prticas corporais na dana.(2010, p. 1)

    Sua carreira comeou quando passou a lecionar no primeiro Curso Superior de Educao Fsica5 do pas, em 1939 (ilustrao 12), na Escola Nacional de Educao Fsica da Universidade do Brasil, hoje Escola de Educao Fsica e Desportos da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

    [1939] she is professor of dance at the Univ. of Brazil. In 1951 she visited the U.S. giving lecture-demonstrations in colleges. In 1954 [1941] she formed Grupo Dana Contempornea. The Company has presented many performances, some sponsored by the Rio Museum of Modern Ar Grifos meus com retificaes das datas que se encontram grafadas de forma errada nesta publicao. 4Assim como Helenita S Earp considera a dana como inerente a todos, Fayga Ostrower em sua obra Criatividade e Processos de Criao afirma: consideramos a criatividade um potencial inerente ao homem, e a realizao desse potencial uma de suas necessidades. E ainda, acrescenta: as potencialidades e os procesos criativos no se restringem, porm, arte. Pois, ver as artes como rea privilegiada do fazer humano, no lhe parece uma viso correta, porque o criar s pode ser visto num sentido global como agir integrado em um viver humano. De fato, criar e viver se interligam (1994, p. 5). Neste sentido, para Helenita S Earp, a dana csmica universal e a dana de cada homem se interligam como viver do cosmo e do homem. 5Criado em 1938, chamado Curso de Emergncia, promovido pelo Departamento de Educao Fsica e orientado didaticamente pela EsEFEx [Escola de Educao Fsica do Exrcito] no Rio de Janeir. Esse curso de emergncia foi criado para formar instrutores de educao fsica da sociedade civil, mas parte do corpo docente da ENEFD era formado por pessoas que o concluram. Assim, pressuposto que o curso de emergncia teve tambm como objetivo a formao de profissionais para atuar na docncia da ENEFD. (MALINA; AZEVEDO, 2004, p. 131).

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    Ilustrao 12: Helenita S Earp no incio de sua carreira

    No incio de sua entrada na escola, Helenita era solicitada realizar diversas apresentaes de coreografias, quase que semanalmente, em clubes, anfiteatros e ginsios. Nesta poca, o tempo destinado pratica da dana no currculo da educao fsica era pequeno e insuficiente para o pleno desenvolvimento do profissional de dana. Assim, com o objetivo de aprofundar a qualificao dos professores e dos coregrafos, passou a ministrar cursos de especializao lato sensu e simultaneamente criou o Grupo Dana.6

    6Hoje denominado Companhia de Dana Contempornea - UFRJ. A companhia representou artisticamente a universidade nos espaos onde a dana brasileira lugar de destaque. Na sua trajetria, acumula centenas de apresentaes entre eventos nacionais e internacionais, com vrias premiaes em significativos festivais no Brasil, onde destacam-se: as turns realizadas nos Estados Unidos, Portugal e Holanda em 1951 e 1959 respectivamente; demonstrao de Dana Contempornea no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1959; participao no I Festival de Escolas de Dana do Brasil na Universidade do Paran em Curitiba em 1962; no Congresso Mundial de Educao Fsica e Desportos em Madrid em 1965, alm de inmeras apresentaes em vrias capitais do pas pelo Plano de Ao do MEC em 1973. Sobre o reconhecimento da obra coreogrfica da professora Helenita, o professor Adalberto Vieyra em seu discurso proferido na solenidade de entrega do ttulo de Professor Emrito da UFRJ `a referida professora, ocorrido no Frum de Cincia e Cultura da UFRJ, no ano de 2000, comenta: Reconhecimento da singularidade e da relevncia de sua obra pode ser encontrado

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    Os cursos de especializao e as atividades realizadas no grupo de dana se tornaram uma espcie de ncleo de excelncia, sedimentando pesquisas sobre fundamentos do movimento e obras artsticas de qualidade na rea da dana,7 atividades estas que foram bem descritas por Ktya Gualter nos seguintes termos:

    como possibilitador dos laboratrios corporais, para concepo, investigao, experimentao e sedimentao das pesquisas e produes didticas, cientficas e artsticas na rea, caracterizando-o como o ponto de interseo entre o ensino de graduao e ps-graduao, num processo dinmico e interativo com a sociedade, atravs das apresentaes dos espetculos e palestras ilustradas. (2000, p. 28)

    nos quase 30 convites para apresentaes, conferncias e seminrios nos Estados Unidos, alm de muitos outros nos mais diferentes pases. As suas tuornes americanas foram sem dvida momentos de glria para nossa Universidade. Encantando, por exemplo, as platias e a crtica da asctica e fria Nova Inglaterra com suas master classes e com apresentaes primorosas de suas obras. Com o melodioso e elegaco lirismo do Amanhecer de Grieg, meridiano musical a ligar os fiordes e os bosques da Noruega com nossos rios e florestas. Com primorosas jias baseadas em nossa tradio e em nossas lendas como o Saci-Perer e o Batuque (de Frutuoso Viana), levantando as platias para a alegria e o aplauso. O pblico americano talvez percebeu que a encantadora figura vinda do Brasil tinha finalmente tornado realidade a proposta de Doris Humphrey em New Dance, o terceiro elemento de sua clebre trilogia de 1936 (...) Por isso, durante uma de suas viagens aos Estados Unidos, ela foi aclamada como a Martha Graham brasileira (2000, p. 4 e 5). interessante mencionar que esta srie de apresentaes, realizada pelo ento Grupo Dana da Universidade do Brasil, nos Estados Unidos em 1951, foi objeto de estudo de Otvio Tavares, em sua dissertao de mestrado e cujo artigo - Um intercambio quente no incio da guerra fria: um estudo de caso, se encontra disponvel em: . Acessado em: 13 jan. 2012. 7Entre 1941 e 1980, ministrou cursos de ps-graduao lato sensu na rea da dana no Brasil com durao de trs anos em tempo integral, recebendo alunos de vrios estados do Brasil, muitos deles j professores de outras universidades, bem como de academias de dana e outras instituies. Este fato contribuiu para que a Dana na UFRJ assumisse posies de liderana na formao de professores e disseminao da dana moderna educacional no pas. Neste sentido, foram seus alunos: Tonia Carrero, consagrada atriz do teatro brasileiro; Glria Futuro Marcos Dias, que foi sua colaborada por mais de 40 anos; Consuelos Rios e Lourdes Bastos, que se tornaram professoras da Escola Estadual Maria Olenewa; Myda Maria Sala Pacheco, que alm de docente na UFRJ, atuou na Universidade Gama Filho e na Escola Estadual Andr Mourais; Lenir Miguel de Lima (Universidade Federal de Gois), Vera Soares (Universidade Federal de Minas Gerais), Eni Corra (Universidade Federal do Par), Conceio Aparecida (Universidade Federal do Esprito Santo), Maria das Graas Ribeiro (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Georgete Hortale (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Marisa Braga (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), Valcir de Souza Rocha (Faculdades Integradas Castelo Branco) e Reidy Johnson que promoveram a disseminao dos Fudamentos da Dana de Helenita S Earp, na poca intitulado Sistema Universal de Dana (SUD), nos programas curriculares das disciplinas de dana em diferentes cursos superiores de Educao Fsica do pas.

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    Sua trajetria se realizou ao longo de aproximadamente seis dcadas em que lecionou e fez pesquisas na universidade. A construo de todo um arcabouo conceitual e metodolgico, presente em sua teoria de dana, se processou atravs de intensas prticas de movimento. Estas se caracterizavam pela investigao sobre princpios de combinao e de progresso do movimento, tipos e estruturas de aula de dana, estratgias de ensino; juntamente com a criao de coreografias, conforme pode-se ver a seguir (ilustrao 13):

    Ilustrao 13: foto da coreografia "O Santo Raul Machado" de 1943 8

    8So obras desta dcada, as coreografias citadas a seguir: 1) 1941: "Amanhecer de Grieg". Movimentao de cunho impressionista, com grande parte em movimentos ondulantes representando o crescente do amanhecer, "Sonata ao luar" com msica de Beethoven. Dana interpretativa com predominncia de movimentao leve, "Sonata Pattica" com msica de Beethoven. Dana interpretativa de gnero musical expressionista, 2) 1942: "Dana Grega". Srie de movimentos com base em estudos sobre as formas da Grcia clssica, 3) 1943: " Estudos de Czerny ". Pequenas composies coreogrficas, montadas para fixar temas como Transferncias, Locomoes, Voltas, Saltos, Quedas e Elevaes, "Ritmo Vivo". Coreografia planejada sobre sequncia em percusso, executada musicalmente ao vivo pelo Maestro Bosman, "Dana Dramtica". Coreografia executada sobre msica composta para o prprio Grupo, pelo Maestro Bosman, 3)1944: "Estudos de HeIter. Srie de pequenas composies de

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    Para dar uma maior estruturao criao e ao ensino da dana, Helenita buscou uma interrelao de contedos com as cincias e a filosofia, de modo que estas reas de conhecimento fornecessem subsdios para a instaurao de novos eixos de estudo e de compreenso da prpria dana, em suas especificidades, ressaltadas por Liana Cardoso na citao abaixo, onde se pode igualmente relacionar cincia e dana atravs de parmetros ligados medicina, fsica e matemtica.

    Ainda que, no incio de sua carreira, a dana estivesse encapsulada na cadeira de ginstica rtmica, disciplina curricular do curso de graduao em educao fsica, o desenvolvimento de um persistente trabalho de ensino e pesquisa, fez com que a professora Helenita, criasse as condies para que a dana se tornasse primeiramente uma disciplina autnoma (...) Segundo seu depoimento, a sua principal dificuldade na educao fsica decorria da incompreenso de colegas quanto s exigncias da especificidade e da identidade prpria da dana (...) Ela buscou auxlio para construir parmetros para a dana, tanto na medicina, em suas vrias especializaes, quanto na fsica e matemtica (...) este esforo intelectual, a torna precursora tambm na ousadia de ir alm de sua rea de conhecimento, para legitimar as bases de suas afirmaes tericas. (2000, p. 10) 9

    A pesquisa sobre estes fundamentos buscava fornecer pontos de apoio para a promoo de uma renovao constante das prticas corporais na

    movimento, com aproveitamento variado de jogos grupais e espaciais, 4)1945: " Estudos de Expresses". Estudo sobre movimentos interpretativos dos sentidos humanos,"O Santo Raul Machado" Dana interpretativa do poema de abordagem filosfica sobre o poeta, o sbio, o filsofo e o santo, " Suite Instrumental". Dana decorativa com acompanhamento instrumental de percusso e utilizao dos sons deste acompanhamento, La plus que lente" com msica de Debussy. Dana interpretativa com acompanhamento musical impressionista, 5) 1946: -"Quatro Gigantes da Alma". Dana interpretativa sobre tema de Myra e Lopez, com desenvolvimento de expresses de raiva, medo e dever, Complexo de inferioridade e superioridade ". Dana interpretativa dos limites extremos da condio humana, 6) 1948: "Tocata em si Menor de Bach". Coreografia tendo como tema a trajetria do homem em busca de um foco nico de luz, 6) 1949: "Concerto de Katchaturian". Dana interpretativa do clima musical, com grande e variado jogo de grupo e predominncia de movimentos no solo. 9Atravs de estudos com os professores doutores: Camilo Manuel Adub, Laureano Pontes Correa, Pio da Rocha e Flexa Ribeiro e com o professor Brochado da UFBA, durante o perodo que lecionou nesta universidade de 1961 a 1965, tendo neste perodo convivido com Rolf Gewleski, Angel Vianna e Klauss Vianna.

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    dana, como aponta Glria Futuro Marcos Dias10 na apostila manuscrita Fundamentos da Dana onde tcnica e criatividade se integram propiciando o desenvolvimento dinmico da linguagem corporal (1989, p. 1 e 2) e que foi comentado por Adalberto Vieyra 11 nos seguintes termos:

    Descobrir, no Universo material e espiritual em volta, as referncias dos fundamentos tcnicos da Dana. Conceitualizar, elaborar, integrar de maneira absolutamente didtica e clara, os parmetros que o Universo e o Homem compartilham: para o corpo, o espao, o movimento, a forma, o ritmo, a dinmica e o tempo. Sistematizar estes parmetros-mostrando infinitas combinaes numa obra nica e extraordinria. O Sistema Universal da Dana, mais tarde fora chamado de Fundamentos da Dana. (2000, p. 3)

    Como mencionamos anteriormente, esta pesquisa visava estruturar um conjunto de conhecimentos que no restringissem a dana quer a formas fixas de movimentao quer a metodologias fechadas de ensino, e, que foram se estabelecendo e sendo divulgadas como Sistema Universal de Dana, na perspectiva de um:

    (...) Um sistema aberto e que procure expressar a natureza total do homem no s para sua realizao mas como tambm para a melhoria da qualidade de sua ao, seja em qualquer aspecto que ela se d, no quer dizer que no seja evolvvel. Seria um absurdo achar que uma obra que procura propiciar o desenvolvimento do Homem Integral fique acabada em si mesma, contrariando o prprio princpio que apregoa, o princpio da criatividade, da liberdade e da evolvibilidade. Por isso, consideramos que uma organizao, para ser realmente eficaz, deve dar margem, fornecer na sua constituio, condies de sua prpria evoluo, fazendo jus prpria natureza humana. Procuramos dar a este sistema este carter, o carter de abertura a muitas descobertas. (EARP, 1975, p. 1, grifos meus)12

    10Em seu discurso ao receber o Ttulo de Professor Emrito da UFRJ, Helenita rendeu uma homenagem a professora Glria nas seguintes palavras (...) me submeti a uma rigorosa disciplina de estudos dirios sobre a dana tendo a professora Glria Futuro Marcos Dias como fiel colaboradora, de muitas dias e muitas noites mergulhadas nas insondveis maravilhas do estudo da potencializao potica do movimento. Logo reconheci que meu papel e minha misso na universidade era estruturar e organizar uma teoria de dana at ento pouco existente no pas.(EARP, 2000, p. 4) 11Em seu discurso proferido na Solenidade de Entrega de Ttulo de Professor Emrito da UFRJ ocorrida no Frum de Cincia e Cultura da UFRJ em 2000. 12Manuscrito da professora Helenita intitulado Sistema. Sem data definida.

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    Neste sentido, a professora Helenita ao adotar a forma de organizao da Teoria dos Sistemas,13 dialogava com a perspectiva epistemolgica vingente neste tempo, como foi caracterizado por Gualter na citao abaixo:

    Seguindo um raciocnio cientfico, definiu que as unidades do sistema de dana poderiam estar organizadas em parmetros, os quais identificou como: movimento, espao, forma, dinmica, tempo, e como fator essencial, o estudo dos movimentos do corpo (corpo). A partir desta identificao, estes parmetros podem estabelecer relaes entre si, gerando assim, infinitas possibilidades de combinaes de formas e movimentos. Alm de facilitar a compreenso destes elementos bsicos e de suas variaes, o estudo dos parmetros da dana (unidades do sistema) permitem a formulao de uma ao interdisciplinar visto que esses fatores relacionados dana possuem intersees com outras reas de conhecimento, principalmente, com as linguagens artsticas. (2000, p. 30 e 31)

    Maria Alice Motta, refletindo sobre os Fundamentos da Dana de Helenita S Earp, luz da Teoria das Estranhezas de Ued Maluf,14 demonstra que as propostas de Helenita, iniciadas no sculo XX, e que, absorveram em sua organizao, a terminologia da Teoria dos Sistemas,15 adentra o sculo

    13A teoria de sistemas, cujos primeiros enunciados datam de 1925, foi proposta em 1937 pelo bilogo Ludwig von Bertalanffy, tendo alcanado o seu auge de divulgao na dcada de 50. A pesquisa de Bertalanffy foi baseada numa viso diferente da presente no reducionismo positivista para criar uma unificao cientfica. A cincia do sculo XIX adotava a mecnica clssica como modelo do pensamento cientfico. Isso equivale a pensar nas coisas como mecanismos e sistemas fechados. A cincia de nossos dias adota o organismo vivo como modelo, o que equivale a pensar em sistemas abertos. Ver BERTALANFFY, Ludwig Von Teoria Geral dos Sistemas Petrpolis: Vozes;1975. Ver tambm CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida. So Paulo: Cultrix; 1997. 14Docente do Programa de Ps-Graduao em Psicologia da UFRJ, do Programa de Ps-Graduao em Cincia Ambiental e Programa de Ps-Graduao em Cincia da Arte, estes dois ltimos da UFF. A Teoria das Estranhezas foi reconhecida pela Capes (...) como um dos principais paradigmas que ampara o debate interdisciplinar no mbito do Mestrado em Cincia da Arte. (MALUF, 2002, p. 7) 15O uso da terminologia da Teoria dos Sistemas, no ento Sistema Universal de Dana - SUD, fica evidenciado nesta passagem do livro Dana na Arte-Educao: Tentativas, Encontros e Desencontros, da professora Celina Batalha, nas seguintes palavras: (...) a utilizao de um sistema de referncias cujos elementos de movimento corporal so organizados em unidades e diversificaes, desenvolve um processo criativo para a Dana em que o aluno domina os conhecimentos bsicos e sobre eles descobre possibilidades com seu prprio corpo. Com estes elementos, se torna capaz de analisar, julgar, avaliar e apreciar se suas descobertas so coerentes, a do professor e ou dos prprios alunos (EARP, Helenita; DIAS, Glria Futuro, apud, BATALHA, 1986, p. 98)

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    XXI, com firme vigor, em consonncia com as correntes que esto na linha de frente do pensamento contemporneo, justamente por possuir intrinsecamente:

    Uma lgica polivalente, diferente da lgica clssica, pois trabalha com o indeterminado e amensurvel; uma razo fenomenolgica; um arsenal de conceitos que no prope enquadramentos fixos e rgidos sua natureza; a imaginao e a intuio como processos presentes para sua eficincia; opera por princpios de investigao e anlise qualitativos, singulares e amensurveis; relaes onde as causas e os efeitos, seguindo a lgica polivalente, so respectivamente da ordem das intervenes e possibilidades (2007, p. 73)

    As consideraes acima enunciadas implicam, por sua vez em toda uma concepo do que seja a prpria dana, a criao e o movimento. Nessa perspectiva, as concepes de movimento para um corpo que tem ao, emoo, intuio, energia, expresso, comunicao, cultura, sensibilidade, criatividade, extrapolam uma viso segmentada de destrezas e habilidades motoras, exigindo que o processo de ensino e criao na dana seja dimensionado para absorver metodologias adequadas aquisao de novos conhecimentos.

    1.4.1 Princpios Filsficos

    Helenita S Earp freqentou os cursos do professor Huberto Rodhen,16 cujos ensinamentos foram fundamentais para o desenvolvimento de suas

    16Huberto Rohden (1893 - 1981) foi um filsofo, educador e telogo catarinense, radicado em So Paulo. Precursor do espiritualismo universalista, escreveu mais de 100 obras (ao final da vida, condensadas em 65 livros), onde franqueou leitura ecumnica de temticas espirituais e abordagem espiritualista de questes pertinentes Pedagogia, Cincia e Filosofia, enfatizando o autoconhecimento, auto-educao e a auto-realizao. Propositor da filosofia univrsica, por meio da qual defendia a harmonia csmica e a conexo do ser humano com o universo e florescimento da essncia divina do indivduo, reconhecendo que este deve assumir as conseqncias dos atos e buscar a reforma ntima.Trao marcante no pensamento de Huberto Rohden o estudo da metafsica fundamentado na anlise comparada de religies e filosofias espiritualistas do Ocidente e Oriente. Atualmente publicados pela Editora Martin Claret (So

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    concepes filosficas sobre a dana, como mostra Ricardo S Earp 17 nas seguintes palavras:

    Na filosofia univrsica do professor Rodhen, o sentido metafsico do princpio da unidade na diversidade reverbera numa dimenso racional, csmica e ontolgica inigualvel (...) Segundo o pensamento de Rodhen, o UNI-VERSO unidade na diversidade. Uno da essncia que se existencializa nos efeitos, UNO da realidade que se revela nas facticidades mltiplas (1992, p. 83)

    Com base nas idias de Rodhen, a dana, segundo Helenita, revela ser uma profunda unidade na mais vasta diversidade, o que a levou a dizer que a Dana una na sua essncia e diversa nas suas emanncias (EARP, 1975, p. 5; GUALTER, PEREIRA, 2000, p. 1, GARCIA, 2009, p. 63)18 Por este pressuposto compreende-se que todo fenmeno uma particularizao do infinito. Todas as formas vm do fluxo do infinito como particularizaes deste. Particularidades que em si mesmas esto permeadas pela presena da fonte infinita da qual emanam, onde todos os mltiplos flutuam, aparecem e desaparecem. Ento, o infinito, por sua vez, imanente e transcendente nas formas corporais, conforme declarado nas palavras abaixo:

    Paulo), seus livros foram tambm publicados pelas editoras: Vozes (Petrpolis), Unio Cultural (So Paulo), Globo (Porto Alegre), Freitas Bastos (Rio de Janeiro) e Fundao Alvorada (So Paulo), entre outras. Em meados do sculo XX, Huberto Rohden j abordava temas que s a partir do final daquele sculo comeariam a se tornar recorrentes na literatura espiritualista brasileira: a cidadania e a conscincia csmicas; a auto-educao como principal meio de auto-iluminao; a cosmocracia (autogoverno de acordo com a tica universal); a felicidade via exerccio contnuo do autoconhecimento e auto-realizao; a espiritualidade de cunho laico, temporal, ecumnico e universalista. Apesar de ser, como intelectual, o principal precursor brasileiro do espiritualismo universalista e de ter obras com boa distribuio e a preos populares, ainda pouco conhecido e divulgado, o papel pioneiro de Huberto Rohden no mbito do espiritualismo universalista. Disponvel em: Acessado em: 7 jan. 2012. 17Filho de Helenita, matemtico, Professor Associado da PUC-Rio. Ministrou aulas de Matemtica aplicada Dana nos Cursos de Especializao em Dana da UFRJ. Colaborou com as pesquisas de Helenita, sobre representaes matemticas do espao e da forma aplicadas dana. 18Espelhado na concepo de homem integral, em harmonia com o universo, professada pelo filsofo Huberto Rodhen; inspirada pelos pensamentos e as filosofias orientais, tais como as contidas no yoga do Bhagavad Gita.

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    A Dana a primeira manifestao do universo. O Uno ao se derramar em versos crea. o universo. A Unidade, a Qualidade gerando as quantidades. Os Valores gerando os fatos. A vibrao se concretizando em vrios vivos. A vibrao csmica se materializando. A Dana csmica surge da Potncia original inderivada para as diversas potencialidades que, num processo sem fim, define as diferentes formas de vida, os vivos. Tudo no universo tem. Dana. Tudo no universo est em dana. (...) No h ao que venha diretamente desta Causa primordial de todos os fenmenos que no esteja em Dana. O Universo est sempre sendo e produzindo a Dana csmica. Este o verdadeiro estado criador [creador], onde o infinito se materializa em infindveis finitos. (EARP, 2010, p. 63)19

    No Uno no existe movimento, mas de sua infinita Potencia creadora surge o primeiro movimento como vibrao luz e som que se manifesta numa estrutura bipolar, em outras palavras, do Uno surge o mltiplo, sendo este mltiplo estruturado numa bipolaridade complementar. O Uno se diversifica, criando polaridades e a busca das interaes o impulso do retorno ao prprio Uno, que sempre subjaz todas as coisas (ilustrao 14).

    Desta forma, a natureza dual intrnseca coisas manifestas, so concebidas pela Professora Helenita como o segundo prncpio filosfico da dana, que o Princpio da Bipolaridade Complementar,20 sendo este a base do Princpio do Ritmo tal como concebido por Earp nas palavras abaixo descritas:

    19Utilizou-se o termo creador no sentido tal como esclarecido pelo professor Huberto Rodhen em suas obras. Ver em RODHEN, Huberto. Educao do Homen Integral. So Paulo: Martin Claret, 2009, p. 11. 20Huberto Rodhen comenta que: A bipolaridade complementar do Cosmos, que permeia a Filosofia Chinesa do Tao Te King de Lao -Tse, simbolizada pelo antqussimo diagrama chins chamado tei-gi. Analisando a gnese deste smbolo, podemos dizer: O crculo incolor e vcuo representa a TESE do absoluto, Brahman, a Divindade, como o Puro Ser. Este crculo incolor e indefinido do Absoluto, evolve rumo aos relativos do Devir, aparecendo como positivo e negativo, Yang e Yin, masculino e feminino, cu e terra, o simples Ser de Brahman se tornou o Creador Brahma, iniciando o drama de evoluo: Estas duas antteses amadurecem na sntese, rumo a Tese Inicial, integrando-se nela e diluir-se na mesma, de maneira que a Tese Csmica, passando pelas Antteses Telricas, culmina na Sntese Cosmificada. E o que se d automaticamente no Cosmo Sideral, pode acontecer espontaneamente no Cosmo Hominal, pelo poder creador do livre arbtrio humano. (1987, p. 19 - 20)

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    O universo est em vibrao. Toda vibrao corresponde a uma distribuio bipolar determinada pela sua freqncia. Todas as manifestaes do universo se manifestam pelo princpio da bipolaridade. A relao interpolar gera uma disposio, um ritmo. Ritmo distribuio. (EARP; 1977, p. 4, grifos meus)

    Esta bipolaridade complementar permeia as concepes da natureza segundo as concepes da fsica contempornea, como no binmio contrao - expanso na teoria do big bang e da onda-partcula na mecnica quntica.

    Na hiptese da reconcentrao das partculas do Universo expandido haveria um intervalo de cerca de 1 bilho de anos para formao de novo ncleo de alta condensao - repetindo-se o processo de exploso centrpeta - Seria o Universo em sstole e distole, em inalao e exalao, em entropia e ectropia, em mar e vazante, em evoluo e involuo, um Ritmo Csmico em incessante revezamento de morte e ressurreio. (WHIPPLE, apud RODHEN, 1980)21

    O microcosmo e o macrocosmo so aspectos mltiplos de uma realidade nica. O homen um microcosmo feito imagem e semelhana do macrocosmo. No macrocosmo e no microcosmo as leis fundamentais so essencialmente as mesmas, desde o princpio da unidade na diversidade e o da bipolaridade complementar (RODHEN, 2008, p. 25).

    21Citao utilizada pela Professora Helenita em suas pesquisas sobre o Princpio do Ritmo. Ver: WHIPPLE, Fred Lawrence In: RODHEN, Huberto. Roteiro Csmico, So Paulo: Alvorada, 1980, sem pgina definida.

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    Ilustrao 14: apostila sobre Ritmo de Helenita S Earp

    Em seu pensamento, a relao entre movimento, ritmo, forma e dinmica que permite a estruturao da matria. Os estados da matria so determinados pela distribuio rtmica entre energia potencial e energia cintica. Assim concebido, existe o ritmo do espao-forma, o ritmo temporal, o ritmo da dinmica, etc. Um exemplo peculiar, elucidativo, sobre a definio do ritmo oferecido na qumica em variedades alotrpicas.22

    Quando a professora Helenita pensa no Princpio do Ritmo em termos sua universalidade, ela intenciona refletir sobre uma ontologia da dana, no sentido de que existe uma onipresena da dana em todas as coisas, como uma dana csmica, no apenas como uma linguagem artstica feita pelo homen e para o homen, mas sim, uma dana que inerente a toda natureza extra-hominal, conforme fica esclarecido nos termos: O Universo, desde os indeterminados movimentos do infinitamente pequeno - os tomos, at as grandes trajetrias dos corpos siderais uma grande sinfonia - sonora, plstica

    22Os tomos de carbono podem formar duas substncias diferentes: grafite e diamante. Essas duas substncias so constitudas exclusivamente de carbono, mas o que difere so as disposies espaciais. No diamante os tomos de carbono se distribuem segundo um cubo, no grafite segundo um prisma hexagonal. Disponvel em: Acessado em: 21 jul. 2011.

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    e cromtica. (EARP, 1992, p. 82 - 83) e mais detalhado por Elena Moraes Garcia nas seguintes palavras:

    Cada corpo tem sua potencialidade, pois o mltiplo possui diferentes estados de conscincia que definem a sua existncia em diferentes delimitaes, gerando arqutipos - formas arquetpicas. O ser humano potencialmente livre e essa liberdade o permite experimentar a relao entre fluxo e forma plenamente em decorrncia em seu estado mximo de conscincia, a natureza extra-hominal se encontra determinada pelo instinto. Assim, a dana na natureza extra-hominal segue a alo-determinao pelo instinto, conforme e de acordo com seus estados de semiconscincia (animal) e inconscincia (mineral). Deste modo, a natureza extra-hominal no pode modificar substancialmente o que est determinado. Neste caso, ela no participa como autodeterminante de sua dana, mas como reflexo da sabedoria, da vida universal. Entretanto, o homem que no determinado pelo seu ego condicionado, se abre para o seu ilimitado Eu, este homem atinge o estado superior de conscincia, o estado intuitivo, onde o Ilimitado, o Uno, se corporificam sem cessar numa relao bipolar e complementar entre fluxo e forma. (2009, p 64)23

    Portanto, perceber a dana em todas as formas e em todos os corpos compreender, sentir e saborear, uma atitude de integrao em todo e qualquer movimento especfico. Por isso que em todos os seus cursos, a professora Helenita enfatizava que : A dana intrnseca a todos os corpos. Todo universo est imbudo de dana. A potncia geradora de todos os corpos surge dana, plena de harmonia, de beleza e de fora. (EARP, 2011, p. 1)24

    Da que surge outra definio decorrente desta premissa utilizada pela Professora Helenita: Dana harmonia universal em movimento. (EARP,

    23Texto oriundo das apostilas datilografadas: a) Fundamentos Filosficos, Cientficos, Artsticos e Educacionais da Dana, b) Estudo do Movimento na Dana Parte II- Movimento Ritmo Forma Dinmica: relaes na Natureza, na Cincia e na Arte.Trabalho de Pesquisa de 1975. e c) Trabalho de Pesquisa de 1977 Ritmo, todas da professora Helenita S Earp, que foram digitalizadas e revistas na pesquisa desenvolvida no Projeto:Vida, Corpo, Movimento e Criao: fundamentos filosficos presentes nas concepes de dana de Helenita S Earp, contemplado com o auxlio financeiro APQ1: E - 26 /112.289/2008 do Edital Humanidades 2008 da Fundao de Amparo Pesquisa Carlos Chagas Filho FAPERJ. Coordenao geral, organizao e reviso da Professora Titular Elena Moraes Garcia - IFCH/UERJ. 24Idem nota anterior.

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    1980, p. 1)25 Neste contexto fica claro verificar que o objetivo essencial da dana segundo a professora Helenita de realizar a harmonia universal do movimento. A dana inerente a todos os seres deve ser realizada aqui e Agora, uma re-ligao constante do ser humano com o universo. um sentir, um pensar, um fazer em integrao. estar em conexo com tudo e com todos, viver na conscincia do princpio gerador de todas as coisas, expressar o belo em atitudes sem condicionamentos e pr-conceitos.

    Assim todas as formas devem estar permeadas de harmonia e todas as formas devem estar na harmonia universal, porque o todo esta sempre na parte como princpio vivificante e originador. E a parte est sempre no Todo como uma parcela de expresso da totalidade, o que liga a concepo de dana de Earp ao monismo.26

    Ento, para ampliar a capacidade de receptividade do ser hunamo harmonia do movimento, a professora Helenita enfatizava que qualquer movimento em qualquer processo de trabalho na dana, deve ser feito com integrao.27 Esta atitude de integrao propicia, ento, que o ser humano se abra para a Dana do Eterno, e assim, coloque as potencialidades do corpo em funo do Ser, dos talentos em funo da sua atitude criadora.

    Decorre da o terceiro princpio filosfico proposto por Helenita S Earp expresso em seus cursos atravs do enunciado: Dana a capacidade de transformar qualquer movimento do corpo em arte. (GARCIA, 2009, p. 63) Esta definio o prprio princpio criador. no EU CRIADOR que a dana

    25Conforme manuscrito da Palestra Coreografada O que Dana afinal? proferida pela professora Helenita no Hotel Glria no Rio de Janeiro em 1980. 26Concepo segundo a qual a realidade regida por um princpio fundamental nico que se manisfesta em todas as coisas. 27Ateno profunda na ao. Em minha dissertao de mestrado relacionei esta atitude de integrao na dana proposta pela Professora Helenita com o conceito bachelardiano de topofilia (amor pelo lugar) como uma cinesiofilia, nos seguintes termos: Este ato de amor ao movimento a chave para uma abertura corporal malevel de transmutao. Um estar presente, numa inteireza plena do psiquismo numa filiao amorosa com a ao exercida. (MEYER, 2004, p. 28).

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    emerge e desenha um universo vivo, e nessa vida universal que todos os corpos danam. (EARP, 2011. p. 1)28

    Como parte integrante do universo, o ser humano foi criado imagem e semelhana deste princpio da unidade na diversidade. O ser humano, quando se abre para o seu ilimitado Eu deixa de ser determinado pelo seu ego29 condicionado e se torna mais consciente e mais capaz para expressar espontaneamente e gloriosamente a harmonia alo-determinada da natureza.

    Desta forma, existem etapas de desenvolvimento da conscincia do ser humano em relao a percepo de si mesmo, do seu corpo e de seus movimentos. Como conseqncia disso surge uma grande variedade de vises do que seja a natureza da dana e de como pratic-la. Muitos s a vem em determinadas situaes da vida humana, como nos ritos religiosos, em festas e nos palcos. Todavia, quando o ser humano atinge um estado superior de conscincia, o estado intuitivo, ele passa a ver a dana de uma maneira mais ampla, ele passa a ver a dana como conjunto das expresses do universo. A dana est no seu prprio ser. Ela no est nas academias, nem em mtodos ou em rituais. Ela est no seu prprio ser e a partir desta conscincia, est em todas as coisas. (EARP, 2011. p. 7- 8)

    Esta viso coloca o conhecimento na dana em funo da fonte criadora, coloca a plasticidade externa em funo da virtude e todos os movimentos do corpo humano em funo da dana universal. Colocar-se

    28Texto oriundo das apostilas datilografadas: a) Fundamentos Filosficos, Cientficos, Artsticos e Educacionais da Dana, b) Estudo do Movimento na Dana Parte II- Movimento Ritmo Forma Dinmica: relaes na Natureza, na Cincia e na Arte.Trabalho de Pesquisa de 1975 e c) Trabalho de Pesquisa de 1977 Ritmo, todas da professora Helenita S Earp, que foram digitalizadas e revistas em 2011 na pesquisa desenvolvida no Projeto:Vida, Corpo, Movimento e Criao: fundamentos filosficos presentes nas concepes de dana de Helenita S Earp, contemplado com o auxlio financeiro APQ1: E - 26 /112.289/2008 do Edital Humanidades 2008 da Fundao de Amparo Pesquisa Carlos Chagas Filho FAPERJ. Coordenao geral, organizao e reviso da Professora Titular Elena Moraes Garcia - IFCH/UERJ. Demais citaes da professora Helenita grafadas nesta tese com data de 2011, referem-se a compilaes de textos diversos sem pgina definida. 29Por ego entende-se a conscincia identificada com o complexo corpo-mente, e portanto circunscrita e limitada a personalidade, e, por Eu a conscincia identificada com a alma numinosa, e, portanto identificada com a sua natureza divina. Cabe ao ser humano permear sua personalidade ego com a conscientizao do seu Eu profundo, e assim, agir de modo pleno, feliz e consequentemente, tico.

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    nesta dimenso fruto de uma coragem de ser, 30 e s na coragem de ser que podemos criar e transformar a ns mesmos e transformar nossos movimentos em dana. (Ibid., p 12)

    Neste contexto, no existe criatividade sem que haja liberdade. A criatividade uma abertura ao fluxo do infinito, transformando os canais de expresso. Isto significa que a dana em sua expresso artstica a capacidade do ser humano agir conforme seu ser intuitivo, isto , sua capacidade de revelar-se sem aprisionamentos e fixidez.

    Isto implica numa afirmao de identificao com a liberdade, no apenas uma liberdade externa para criar interessantes e belos movimentos fsicos, mas uma liberdade mais profunda, que se manifesta como harmonia na vida como um todo. (Ibid, p. 14)

    por isso que nos Fundamentos da Dana de Helenita S Earp, a atitude do sujeito determinante para que esta abertura possa acontecer. Todo indivduo deve buscar com sinceridade esse despertar e assim dinamizar essa dana que habita potencialmente em forma latente no seu ser. Isto corresponde a abrir o campo da corporeidade, e assim, vivificar as possibilidades tangveis do movimento, aprofundar seu campo cognitivo e afetivo, numa atitude de receptividade e de doao e de tal modo que no haja bloqueios e restries impeditivas. Valorizar foras e aes que impulsionam

    30Acerca desta premissa, Paul Tillich em seu livro A coragem de Ser A coragem como ato humano, como matria de avalizao, um conceito tico. Coragem como auto-afirmao do ser de alguem um conceito ontolgico. A coragem do ser o ato tico no qual o homen afirma seu prprio ser a despeito daqueles elementos de sua existncia que entram em conflito com sua auto-arfimao essencial. (1972, p. 3). Neste sentido, Rollo May enfatiza no seu livro A Coragem de Criar que A palavra coragem tem a mesma raiz que a palavra francesa coeur, que significa corao (...) torna possveis todas as virtudes psicolgicas. Sem ela os outros valores fenecem, transformando-se em arremedo da virtude. (1975, p. 11) Ver tambm o livro Educao para a sensibilidade de Jiddu Krishnamurti (1895 - 1986) filsofo e mstico indiano. Entre seus temas esto includos revoluo psicolgica, meditao, conhecimento, relaes humanas, a natureza da mente e a realizao de mudanas positivas na sociedade global. Constantemente ressaltou a necessidade de uma revoluo na psique de cada ser humano e enfatizou que tal revoluo no poderia ser levada a cabo por nenhuma entidade externa seja religiosa, poltica ou social. Disponvel em: Acessado em: 19 jan. 2012.

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    as suas aspiraes mais elevadas, retirar impurezas cerceadoras e fortalecer tendncias positivas que fortificam a vontade e ajudam a criar um campo vibracional, onde a beleza, harmonia e a verdade podem fluir de modo mais pleno, ento desta forma, a dana concebida como a capacidade de transformar qualquer movimento do corpo em arte implica numa potencializao integrada do intuir e do corporificar materializando-os em diversos nveis mentais, fsicos e emocionais.

    O princpio do Uno e do mltiplo faz a dana emergir como capacidade de transformar qualquer movimento do corpo em arte. O que define a dana em sua expresso artstica a capacidade do ser humano agir conforme seu ser intuitivo, isto , sua capacidade de revelar-se sem barreiras, sem fixidez. Manifestar este estado mais avanado da conscincia humana - o estado intuitivo. Viver a intuio na corporificao desvelar o que h de mais belo no universo, revelando os seus segredos, as suas particularidades na forma criada. Assim, intuir e corporificar integram o binmio tica e esttica, pois permitem a ecloso dos valores mais profundos da natureza humana, que assim podem ser materializados em diversos nveis mentais, fsicos e emocionais. (GARCIA, 2009, p. 65)

    Portanto, este tipo de viso da dana permite com que haja superao de oposies cegas e dogmatismos, isto , como revelao constante da criao e como agente de integrao ilimitada entre todas as aes. Esta viso de unidade na variedade na dana permite compreender que todas as formas e todas as tcnicas, em qualquer ao particular humana, possa ser vista de modo equnime. Estas passam a ser entendidas pelos princpios que se manifestam nas formas em movimento, e assim, com isso, resgata-se a viso do infinito imanente na concretude do movimento.

    A dana como linguagem artstica deve seguir esse princpio da dana universal, deve desenvolver as potencialidades do corpo de forma aberta, ampla e profunda, qualificando cada movimento da fisicalidade de modo integrado com a mente e emoo.

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    Todo este exposto acima, faz com que as concepes de dana da professora Helenita S Earp sejam um processo de autoeducao e de autorealizao, como evidenciado na seguinte passagem abaixo:

    (...) como expresso da beleza integrada ao ser bom, como manifestao da sua prpria essncia no fica restrita a mtodos, formas e habilidades motoras. Assim, transformar qualquer movimento do corpo em arte penetrar na conscincia profunda, envolvendo o mago da materialidade mais densa em sua potencialidade como criao. Transformada em atos mais purificados, manifestando e intensificando o movimento como condio de existncia num nvel de integrao com todas as especificidades. Portanto, este tipo de viso da dana permite com que haja superao de oposies cegas, dogmatismos e disputas egicas, isto , como revelao constante da criao e como agente de integrao ilimitada entre todas as aes. Logo, viver a dana enquanto princpio do Uno e do mltiplo a todo momento transcender concepes redutoras da dana, como por exemplo, v-la como mero objeto de entretenimento. Por conseguinte, neste estado de dimenso da dana, ela o meio que permite a penetrao na origem de todas as coisas, um processo de purificao, cujo objetivo mximo a autorealizao. A dana, como autorealizao, uma unio entre o ser bom e o ser belo (GARCIA, 2009, p. 66)

    O quarto princpio filosfico que norteia as concepes da professora Helenita o Princpio da Corporeidade entendido como campo de interaes31 e que est esta intimamente ligado ao conceito de Homem Integral de Huberto Rodhen, inspirado na Filosofia Vedanta.32

    31No Bhagavad Gita, o conceito de corpo asssim descrito: O corpo o que se chama de campo e o Eu que vive no corpo, o conhecedor do campo(Bhagavad Gita,13:1). 32A filosofia Vedanta originou-se dos Upanishads, textos que conformam a ltima parte dos Vedas, as mais antigas e importantes escrituras da India. A partir destas escrituras surgiram as bases filosficas de todos os sistemas de pensamento religioso hindu, tanto dualistas, dualistas qualificados e monistas. A Vedanta fundamenta-se em trs pontos:1. A natureza humana divina. 2. O objetivo de vida humana despertar e manifestar esta natureza divina. 3. A verdade universal, no sendo possesso exclusiva de nenhum credo, raa ou poca. Religio , portanto, a busca do auto conhecimento, a procura do Deus existente dentro de ns mesmos. Pode-se dizer que Vedanta filosofia, religio, psicologia e tica, todos integrados numa metafsica que satisfaz a razo, podendo ser compreendida e realizada intuitivamente por qualquer pessoa que pratique e experimente as disciplinas adequadas. Encoraja-nos a realizar o Deus que j temos dentro de ns atravs de certos mtodos chamados Yogas que so: JNANA; BHAKTI; KARMA YOGA e RAJA YOGA. Disponvel em: Acessado em: 15 jan. 2012.

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    Para compreender o Princpio da Corporeidade como campo de interao necessrio analisar a prpria natureza do ser humano, luz das consideraes acima e que foram absorvidas pela professora Helenita em seus Fundamentos da Dana.

    O homen pode ser compreendido, como constitudo do seu Ser 33 e de sua corporeidade. Essa compreenso, no entanto, tem que ser vista dentro de uma profunda unidade.

    Podemos fazer uma metfora do Ser como a luz branca, que ao passar por um prisma se polariza em muitas cores, assim o Ser luz enquanto ncleo essencial, o prisma a mente, e os raios so a multiplicidade das nossas aes no mundo. Se a mente, (o prisma), translucido toda a ao rica, plena, vivificada, em sua potencialidade. Para que a mente fique translcida importante no termos condicionamentos e idias rgidas, que criam todo um conjunto de crostas, de tal modo que os raios multifacetados se expressam com potencial mais frgil e menor vitalidade.

    Quanto mais pura, livre e aberta for a mente, mais fidedigna ser a conexo entre a pluralidade e sua origem, entre o Ser e o mltiplo. De tal modo que existe um contnuo "entre a luz e os seus raios" e nesse sentido os raios so apenas aspectos da luz ,34 em si mesmo, luz incolor. (EARP, 2011, p. 43 - 44)35

    O Ser no um composto, no uma soma de partes, o infinito, e portanto no est sujeito lei de causa e efeito. Se no tem incio nem fim, no

    33Entendido como Logos (terminologia dos neoplatnicos e de Joo Evangelista) ou Logosfera (terminologia herdada de Teilhard de Chardin e de Huberto Rohden), Eterno (terminologia dos profetas de Israel), Tao (terminologia do filsofo chins Lao -Ts, herdada pelo Zen), Pleroma (teminologia de Paulo de Tarso), Essncia, Ser, Realidade. 34Por luz, Agripina Encarnacin Alvarez Ferreita no Dicionrio de Imagens, Smbolos, Mitos - Termos e Conceitos Bachelardianos, define como: A luz tem uma dupla fonte. Vem do mundo celestial para iluminar e fazer resplandecer todas as coisas e da alma iluminante do ser humano quando purificado e liberto das impurezas que obscurecem o seu ser. (2008, p. 118) 35Ver nota 108.

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    est sujeito lei do tempo. Se no tem interao, no est sujeito lei do espao, se no tem distribuio no tem especificidade, no tem matria, no est sujeito lei do espao e forma. Se no tem intensidades, no est sujeito lei da dinmica. Se no tem diferenciao, no est sujeito lei da mobilidade, o Ser, portanto, imvel, imutvel e eterno. Ele no composto por nada, o causador de tudo e no causado por nada, portanto o fundador e fundamento de todas as coisas, como foram bem expressas nas seguintes palavras de Vivekananda:

    Todas as formas tm comeo e fim o Self por no ter forma, no est sujeito lei do comeo e do fim. Existe eternamente como o tempo infinito, o Self do ser humano tambm infinito. O Self deve a tudo permear, somente a forma est condicionada e limitada pelo espao, o que no tem forma, no pode ser aprisionada pelo espao (..) o Self atua por intermdio do corpo e da mente, nele sua ao visvel". ( 2007, p. 75)36

    A corporeidade se expressa como os raios multicores, em camadas vibratrias, como campos de expresses do Ser que imaterial. Os aspectos fsicos, mentais e emocionais, podem ser considerados como campos que envolvem o Ser. Envoltrios que velam e revelam o Ser. Os aglomerados surgem do contnuo que o prprio Ser como ondas e como ondas se desdobram do prprio oceano do Ser.

    Estes aglomerados em suas descontinuidades formam-se no Ser e pelo prprio Ser, no afetando o Ser-em-si. Porque se olharmos o aglomerado em si mesmo o prprio Ser, que est imanente quela situao especfica e, ao mesmo tempo, a transcende. Assim, a corporeidade em seus aspectos so delimitaes temporrias do Todo atemporal.

    36Swami Vivekananda (1863 1902) foi o principal discpulo do mstico do sculo XIX Sri Ramakrishna Paramahamsa e fundador da Ordem Ramakrishna. considerado uma figura chave na introduo da Vedanta e da Yoga no Ocidente, sobretudo na Europa e America. tambm creditado pelo crescimento da conscincia inter-religiosa. Disponvel em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Swami_Vivekananda.> Acessado em: 19 jan. 2012.

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    Por isso, uma das principais premissas da dana compreender que a corporeidade est em movimento. No h estaticidade na corporeidade. O corporificar um princpio eterno que se apresenta em corporeidades mltiplas que se transformam em cada instante, porque devir, porque no infinito no existe fixidez, sendo o fluxo incessante, a potncia em dnamo gerador, inesgotvel. (GARCIA, 2009, p. 67 - 68)

    Todos os fundamentos, estudos e processos da corporeidade devem estar associados causa fundante de todas as coisas, como detalhado abaixo:

    Pode-se ainda destacar como resultante do princpio do Uno e do mltiplo outro fundamento que se define como o princpio da corporeidade. Pois esta una e mltipla em si mesma, como decorrncia da intuio e da corporificao, do infinito e do finito. O princpio do uno imanente e transcendente ao corpo e esta imanncia que permite a todos os aspectos do corpo estarem integrados entre si. Por isso, a corporeidade em si mesma una e mltipla. A corporeidade deve ser conhecida e pesquisada como campo de manifestao do ser. Campo, este aqui, concebido numa viso orgnica, numa viso holstica entre seus aspectos. Deste modo, transcende-se a viso pluralista de abordar os fenmenos de forma isolada, sem uma viso do Uno. Tambm se transcende a viso pantesta, ou seja, uma viso que coloca no mesmo plano o infinito e o finito, contrariamente a viso monista, na qual o Uno tem a primazia sobre os versos, como fonte geradora dos vivos, assim como a concebe Huberto Rodhen em suas obras. O estado criador a fonte geradora dos fenmenos, enquanto causa primordial, em suma, o valor essencial sobre os fatos criados, sejam estes abordados segundo as diferentes ticas das diferentes cincias. (Ibid., p. 66)

    Do ponto de vista da corporeidade e da multiplicidade, existe a relao de causa e efeito, porque tudo que finito tem incio, meio e fim; portanto, tem movimento, espao, forma e tempo. A corporeidade material, por isso todas as qualidades, princpios e potencialidades, da dinmica, do movimento,da forma, do espao e do tempo so qualidades da matria. Neste sentido, a mente em seus aspectos cognitivos e emocionais estabelecem bipolaridades complementares conforme pode-se ver no diagrama a seguir (ilustrao 15).

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    Ser - Eu

    Zona da Intuio

    Fonte PereneCriao

    Vazio

    CorporeidadeFsica - Mental Emocional

    Campo de Interaes

    Canal de Manifestao

    Dimenso do EgoPersona Forma

    Corpo Sutil

    Mental Emocional

    Bipolaridades Complementares

    Repouso - Atividade

    Concentrao - DispersoLiberdade - Condicionamento

    Imaginao - Reproduo

    Anlise - Sntese

    Memorizao - ExtrapolaoAbstrao - Figurao

    Doao Receptividade

    Coragem Prudncia

    Ruptura - ContinuidadeSimplicidade - Complexidade

    Introverso - Extroverso

    Ilustrao 15: diagrama da corporeidade como campo de interaes formando bipolaridades complementares em seus aspectos mentais e emocionais

    Assim, a corporeidade se distribui entre energia e matria. As formas visveis no universo so o resultado das vibraes densas que se atraem entre si, por foras e afinidades, caracterizando diferentes temporalidades de sua existncia. Toda ao cria o que chamamos de memria, uma tendncia de se repetir enquanto delimitao e fora prpria.37 Atravs dos movimentos em

    37Esta caracterstica vem sendo descita nas neurocincias e cincias cognitivas por meme, termo cunhado em 1976 por Richard Dawkins no seu bestseller O Gene Egosta, para a memria o anlogo do gene na gentica, a sua unidade mnima. considerado como uma unidade de informao que se multiplica de crebro em crebro, ou entre locais onde a informao armazenada (como livros) e outros locais de armazenamento ou crebros. No que diz respeito sua funcionalidade, o meme considerado uma unidade de evoluo cultural que pode de alguma forma autopropagar-se. Os memes podem ser idias ou partes de idias, lnguas, sons, desenhos, capacidades, valores estticos e morais, ou qualquer outra coisa que possa ser aprendida facilmente e transmitida enquanto unidade autnoma. O estudo dos modelos evolutivos da transferncia de informao conhecido como memtica. Quando usado num contexto coloquial e no especializado, o termo meme pode significar apenas a transmisso de informao de uma mente para outra. Este uso aproxima o termo da analogia

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    seus nveis mentais, fsicos e emocionais, isto , as aes tendem a permanecer e se repetir enquanto potencialidades. Portanto, as escolhas e os estmulos que so dados ao complexo corpo-mente, modela o carter e a ndole da pessoa, como tambm o prprio corpo fsico.

    Quando este processo plenamente conscientizado, as escolhas so feitas em funo do amadureciemnto da psiqu e da sabedoria decorrente que envolve o contato do Eu-conhecedor com a realidade numinosa.38

    Neste sentido, a dana pode ser utilizada como um meio facilitador do autoconhecimento na medida em que fornecer estmulos a transformao criadora das possibilidades de expresso do corpo juntamente com o exerccio da plena ateno no movimento, tal como a compreende Earp no seguintes termos:

    (...) a dana precisa mergulhar nas potencialidades corporais, integrando nos seus diferentes processos, amplos aspectos mentais e emocionais. Compreender a fisicalidade humana em suas potencialidades transformar a inrcia em devir, revelando na forma sua potncia. Potncia esta causadora de toda ao, de toda transformao (...) para que a dana como linguagem artstica seja condio da plenitude. (EARP, 2011, p. 26 - 31)

    O corpo na acepo de Helenita S Earp no se estabelece apenas como a fisicalidade em sua natureza anatmica-fisiolgica visvel, mas

    da "linguagem como vrus", afastando-o do propsito original de Dawkins, que procurava definir os memes como replicadores de comportamentos. Ainda que tal possa surpreender alguns defensores da memtica, conceitos similares ao de meme antecedem em muito a proposta de Dawkins, ocorrendo por exemplo no ensino Sufi, segundo o qual os Muwakkals so considerados como entes autnomos e elementares que constroem o pensamento humano. Disponvel em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Meme.> Acessado em: 15 jan. 2012. 38

    Este processo pode ser descritos nos termos propostos pela noo de junguiana de individuao. O processo de individuao acontece atravs de uma sequncia de transformaes que vo se desenvolvendo no interior do indivduo medida que seu ego, j estruturado, desenvolvido, capaz de confrontar-se com uma outra natureza mais prospectiva e totalizante, que o Si-Mesmo (Self). (GIGLIO; GIGLIO, 2006, p. 151).

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    concebido como um campo malevel de expresso do Ser num continuum de interaes entre o indvduo, grupo e ambiente.

    Em funo destes princpios filosficos supracitados, no decorrer de sua pesquisa, a professora Helenita dedicou sua vida profissional ao ensino e pesquisa de dana, onde desenvolveu uma teoria na dana que integra aspectos da cincia, da arte e da educao. Nestes sentido, a referida pesquisadora elaborou um conjunto de pressupostos epistemolgicos e metodolgicos que norteiam a consistncia de suas propostas cujos contedos sero detalhados a diante nos prximos itens desta tese.

    1.4.2 Pressupostos epistemolgicos

    A dana, por sua natureza intrnseca como movimento integral, de acordo com as premissas presentes nos princpios filosficos acima expostos, possui um corpo de conhecimento amplo, envolvendo o conhecimento de vrios aspectos da corporeidade humana, tal como abaixo citado:

    Se no aspecto da fisicalidade, encontramo-la una e mltipla no universo, isto se d tambm no pensamento e na emoo. Pressupor estes diferentes aspectos compreend-la como condio necessria um corpo de conhecimento e s suas diferentes prxis. Por este motivo, a dana como linguagem artstica deve investigar e dar sustentao aos princpios que abordam a corporeidade de modo amplo e inesgotvel. Conhecimento este que deve dar suporte manifestao do fluxo na forma. Da ser necessrio buscar o Vazio como condio sine qua non de se criar o novo, estabelecendo eixos que resgatem o discernimento sem fixidez. Trata-se de um discernimento amplo, aberto e que estimula a desconstruo constante de um movimento particular. Investigao constante, uma espcie de pensamento originrio. (GARCIA, 2009, p. 67)

    O conhecimento da dana e sua cincia no fica assim vinculado a uma lgica linear do pensamento fisicalista, mas deve sim, abrir-se

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    concentrao sobre o princpios geradores das formas e de suas relaes intrnsecas. Nesta viso, a dana, como linguagem artstica, necessita de um corpo de conhecimentos que procure fundamentar-se por eixos abertos, inerente aos vrios aspectos da corporeidade.

    Esta epistemologia da dana deve procurar extrair princpios que possam dar suportes ao desenvolvimento da sensibilidade em interao com mltiplos aspectos mentais num desvelar irrestrito da fisicalidade. Desta forma, o conhecimento na dana se revela como um meio e, no como uma tcnica fechada enquanto receiturios de padres de movimentos. Isto implica numa cincia da dana a partir da viso de que a corporeidade una e mltipla e se apresenta simultaneamente como movimento, espao, forma, dinmica e tempo. Seguir este raciocnio cientfico consiste em definir e organizar princpios das aes corporais. (EARP, 2010, p. 2)

    Os Fundamentos da Dana de Helenita S Earp visam prover o intrprete, o professor e o coregrafo com contedos que geram eixos de conexes, interaes e transformaes recprocas do corpo como movimento-espao-forma-dinmica-tempo. Este modo de conhecer a dana pode facilitar com que se tenha um acesso no fragmentado entre diferentes processos de ensino e criao na dana e entre diferentes culturas corporais.

    Esta cincia da dana no pode deixar de envolver o conhecimento amplo das possibilidades corporais e sua devida prxis. Esta viso de dana exige uma viso correlata de como conhecer e qualificar a pesquisa do movimento junto com as cincias e a filosofia, como foi colocado por Celina Batalha nas seguintes palavras:

    No processo de aprendizagem em Dana, dever ento ser desenvolvida uma forma de trabalho que permita ao aluno descobrir novas possibilidades com o corpo e seus movimentos, atravs de uma viso cientfica e de dominio de informaes bsicas, e portanto, a Dana necessriamente no ficar restrita area artstica, porque

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    junto com as cincias e a filosofia, estabelecer uma linguagem com identidade comuns. (1986, p. 63)

    Dentro desta viso fica superada a dicotomia tcnica versus criatividade, como expresso nos termos abaixo:

    A dana enquanto linguagem artstica requer um aprofundamento no princpio da criao em potencial na natureza humana. Para tanto, necessrio que o conhecimento seja um facilitador das potencialidades corporais. Assim compreendido, o conhecimento apresenta-se no sentido de nortear e fornecer eixos de abertura de como o corpo pode se mostrar em suas mltiplas possibilidades de expresso. (EARP, 2010, p. 2)

    Isto significa que este processo prima pelo desenvolvimento das potencialidades de cada pessoa, de cada corporeidade, conforme as tendncias ou estados de conscincia nos quais cada um se encontra. Isto significa dar suportes adequados e compatveis com as capacidades do seu corpo fsico, de sua mente e de suas emoes.

    A corporeidade Una e mltipla pode ser olhada a partir de diferentes enfoques referenciais. Estes referenciais tambm tm o objetivo de diminuir a tendncia de construir o pensamento por dogmas, tornando absoluto o particular. A corporeidade, do ponto de vista de movimento, no seu aspecto de espao e de forma, de temporalidade e de dinmica torna-se, ento, o ncleo central de gerao do conhecimento na dana. (GARCIA, 2009, p. 67)

    por isto que a pesquisa destes aspectos da corporeidade so denominados Parmetros da Dana.39 Estes so concebidos como princpios geradores e diversificadores das aes corporais. Desta forma, os Parmetros

    39No Novo Dicionrio Aurlio da Lingua Portuquesa palavra parmetro descrita como varivel ou constante qual, numa relao determinada ou numa questo especfica, se atribui um papel particular e distinto das outras variveis ou constantes.(AURLIO, 1986, p. 1267) No contexto dos Fundamentos da Dana de Helenita S Earp, parmetro definido como referncial que abrange realidades qualitativas como quantitativos da corporeidade, portanto fica afastada a possibilidade de utiliz-lo num sentido limitado ou reducionista.

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    da Dana permitem simultaneamente, tanto a delimitao de especificidades da ao corporal, como tambem, a conexo destas especificidades em expanses ilimitadas.

    1.4.2.1 Parmetros da Dana

    Com o objetivo de investigar e estruturar cientificamente40 uma linguagem coerente, tendo como a base a noo de dana como arte corporal ampla, so estabelecidos os Parmetros da Dana: Movimento, Espao, Forma, Dinmica e Tempo. Cada parmetro por sua vez possue um conjunto de Agentes de Variao. Os Parmetros da Dana e seus Agentes de Variao se encontram em constante interao. So princpios norteadores capazes de induzir a diversificao das aes corporais, caracterstica esta bem evidenciada por Motta quando diz:

    (...) os parmetros so os fragmentos que compem o Mosaico da teoria (...) embora estes parmetros habitem toda uma sorte de eventos nas cincias, eles devero ser compreendidos como parmetros do corpo, inseridos num dado contexto como fatores

    40A viso de cincia utilizada nesta tese pode ser entendida tal como foi expressa na Declarao de Veneza, no Comunicado final do Colquio "A Cincia diante das Fronteiras do Conhecimento", organizado pela UNESCO, com a colaborao da Fundao Giorgio Cini (Veneza, 3 a 7 de maro de 1986) nos seguintes termos: O conhecimento cientfico, devido a seu prprio movimento interno, chegou aos limites em que pode comear o dilogo com outras formas de conhecimento. Neste sentido, reconhecendo as diferenas fundamentais entre a cincia e a tradio, constatamos no sua oposio, mas sua complementaridade. O encontro inesperado e enriquecedor entre a cincia e as diferentes tradies do mundo permite pensar no aparecimento de uma nova viso da humanidade, at mesmo num novo racionalismo, que poderia levar a uma nova perspectiva metafsica. Recusando qualquer projeto globalizante, qualquer sistema fechado de pensamento, qualquer nova utopia, reconhecemos ao mesmo tempo a urgncia de uma procura verdadeiramente transdisciplinar, de uma troca dinmica entre as cincias "exatas, as cincias "humanas", a arte e a tradio. Pode-se dizer que este enfoque transdisciplinar est inscrito em nosso prprio crebro, pela interao dinmica entre seus dois hemisfrios. O estudo conjunto da natureza e do imaginrio, do universo e do homem, poderia assim nos aproximar mais do real e nos permitir enfrentar melhor os diferentes desafios de nossa poca. Disponvel em: Acessado em: 15 jan. 2012.

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    variantes das aes deste mesmo corpo. Movimento, Espao, Forma e Tempo: cada um desses fragmentos expressa um conceito que o difere do outro e singulariza sua estrutura. Entretanto, como isomorfos no-triviais, cada qual sendo singular e plural em si mesmo, no pode ser visto elementarmente. Sua complexidade de fragmento s possivel no todo que constri (a teoria) e que tambm o constitui (...) apresentam-se como o plano de emergncia de algo, mobilizado situaes germinais. (2007, p. 88 89)

    O movimento ocorre no espao fsico, mental, emocional. Sendo possibilidade de interao, esta interao s pode se dar na diversidade, nas diferentes distruies da forma (Ritmo). As diferentes vibraes e densidades da matria so resultantes e condicionam as conexes da multiplicidade, a fim de que estas possam interagir entre si.

    O movimento, a nvel fsico, modifica a Unidade Anatmica Extensional. Esta a referncia inicial sobre a qual se estabelece o estudo das distribuies da forma. A forma s pode vista no instante. A durao define a transformao da forma. Seus desenhos se diversificam conforme a relao de permanncia e impermanncia em uma determinada situao em diferentes temporalidades. No pode haver movimento sem uma relao espao-tempo.

    Toda esta morfologia em movimento sustentada pela energia. A relao forma-energia so facetas da mesma realidade. A relao entre os diferentes estados sutis e densos da matria so fundamentais para o estudo da corporeidade. Assim, a estrutura de cada forma tem uma intensidade prpria, uma dinamognia.41 Assim todos os parmetros so intrnsecos estrutura da corporeidade. Os movimentos do corpo fsico se interconectam com a mente e as emoes, afetando-se mutuamente e definindo a

    41Esta dinamognia deve ser entendida como operadores e foras que engendram as formas. (BULCO, 2010, p 38) Utilizamos este conceito, no sentido de que a matria em movimento quem comanda a forma, onde a obra de arte regida pela dialtica da formao e da deformao, que se manifesta no intercambio estrutural da energia e da matria. (SOUZA, 1995, p. 60) Neste sentdio, a forma uma qualidade da matria e no uma essncia separada desta, como fica evidencia na anlise materiolgica da forma presente em Dagognet, que absorve em sua filosofia, os conceitos de imaginao e racionalismo material de Bachelard, como apontamos anteriormente na pgina 58.

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    personalidade humana que nada mais que instantes na durao da corporeidade.

    Desta forma, a qualidade com que realizamos os movimentos depende do grau de energia conscientizada na ao. A energia dinamizada pela relao entre atitude interior e exterior, pelo grau de conscientizao em cada ato, pela integrao em cada ato.

    O que exercitamos atravs da fisicalidade, atravs de todo esforo dado ao movimento, dado transformao da forma, dado transformao da energia, em cada situao do corpo e em cada durao do corpo no espao geram as condies de mudana. Abrem o campo da corporeidade. Os aspectos mltiplos da corporeidade so camadas de energias que devem ser mobilizados em conexes conscientes que vitalizam o colocam o corpo como um campo aberto para expresso do Ser.

    Desta forma, a corporeidade constituida por camadas de energia. Todo esforo que fazemos para desenvolvermos creadoramente42 o movimento, dando qualidade a nossa ao, transforma a forma e faz emergir a Forma Plena o Movimento Real. Aprofundar as potencialidades do corpo como um proceso de auto conhecimento, libera as energias contidas nos nossos msculos, no nosso sangue, na nossa respirao, nas nossas clulas, nas nossas batidas do corao, nos nossos nervos, nos nossos pensamentos e emoes, na relao com o outro e como o ambiente construdo e natural.

    Desta forma, esta concepo de dana, como manifestao da arte em movimento, em suas variadas e ilimitadas expresses requer o

    42Grafamos creadoramente em ateno a distino feita pelo professor Huberto Rodhen em seus livros, que advertia para a substituio feita da palavra latina crear pelo neologismo criar, pois crear a manifestao da essncia em uma forma de existncia e criar a manuteno e transformao de uma forma para outra. Ele discordava da supresso desta palavra feita pela revisao ortogrfica realizada em sua poca. Neste sentido, crear aqui entendido como integrao, a qualidade, a ateno profunda na ao.

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    desenvolvimento de um processo tcnico e pedaggico aberto que permita o eclodir das possibilidades corporais.

    Esta teoria do movimento na dana, como fluxo e forma, se organiza em redes e se apresentam como aspectos de entrada para o estabelecimento de conexes mltiplas na ao corporal (...) Desta maneira, as formas corporais, no se fecham em si mesmas, como nos mtodos de dana, mas esto mergulhadas em um dinamismo que permitem sempre um originar. (MEYER, 2004, p. 69 e 70)

    Neste sentido, os Fundamentos da Dana desenvolve noes e conceitos prprios que Colocam a prxis da dana no mbito de relaes setoriais abertas e especficas frente princpios-razes do movimento. (Ibid., 2004, p. 68) Os Parmetros e seus Agentes de Variao possibilitam estabelecer delimitaes sobre determinados aspectos da corporeidade. Neste sentido, possibilitam a delimitao de temas para investigao das especificidades corporais. Desta forma, os Parmetros e seus Agentes de Variao funcionam como pontos de apoio que definir relaes e focos de investigao na pesquisa do movimento.

    necessrio frisar que estes parmetros esto em constante interao no todo das relaes e trocas que se estabelecem entre seus aspectos constitutivos. Em virtude deste fato, estes permitem estabelecer pontos de entrada43 para o estabelecimento de conexes mltiplas na dana. Conhecimento este que no se fixa a cdigos e receiturios, mas que se apresenta como um conjunto de conceitos facilitadores para nortear eixos de explorao do corpo em movimento.

    Esta viso tende a gerar uma espcie de acesso s aes corporais que estimula a fluidez e a conexo entre diferentes tcnicas corporais, entre diferentes linguagens artsticas e entre diferentes reas do conhecimento. So

    43Utilizamos este termo no sentido estabelecido na Teoria das Estranhezas, como cada ponto se remete a cada um dos outros, de modo iterativo (MALUF, 2002, p. 77)

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    universais nos fenmenos, pois forma, funo, estrutura, arranjo e configurao so aspectos comuns das artes e cincias.Ainda que todos os parmetros estejam sempre e intimante ligados (ilustrao 16), como fica claro no raciocnio exposto anteriormente, a delimitao e sua organizao em separado um eficaz recurso didtico para o ensino e a criao na dana, pois permite a delimitao de aspectos do parmetro, para que estes possam ser aplicados na pesquisa do corpo em seus aspectos de movimento, espao, forma, dinmica e tempo, que passaremos a tratar a seguir.

    PARMETROS DA DANA: MOVIMENTO - ESPACO - FORMA - DINMICA - TEMPO E SEUS AGENTES DE VARIAO

    Partes e Segmentos do Corpo

    Cabea e Face Cintura Escapular e Ombro Membros Superiores Tronco e Coluna VertebralCintura Plvica e QuadrilMembros Inferiores

    Corpo como um TodoFamlias da Dana

    Transferncia Locomoo Volta - SaltoQueda - Elevao

    Movimentos Isolados Combinados das partes Entre partes Iguais e DiferentesEntre partes e Famlias da DanaEntre Famlias da Dana

    Em diferentes tipos de movimentode Rotaes Translao Nas relaes entre o Movimento Potenciale Movimento Liberado

    Em diferentes Desenhos Geomtricos Euclidianos e Topolgicos da Forma das partes e segmentos, no corpo como um todo, tanto no corpo individual como grupal

    Ponto LinhasRetas - Curvas Angulares Mistas e Transformaes PlanosVertical - Sagital Frontal Intermedirio Horizontale suas Interaes SuperfciesPlanaridades abertas e fehadas Polgonos Regulares Irregulares VolumesPoliedros Regulares IrregularesDeformaesGeomtricas Topolgicas

    Mantendo e VariandoReferenciais e Trajetrias no Espao

    DireesSentidosAfrente - Atrs Abaixo - Acima Direita - EsquerdaNveisVertical - Alto Alta Diagonal Intermedirio - Alto Linha Mdia Intermedirio - Baixo Baixa DiagonalBaixo

    Progresses

    Movimentos SegmentaresQuanto aos Nveis AtitudesNmero de Partes - Bases e Mudanas de Atitudes dos Membros Inferiores em diferentes graus de rotao (Interna Paralela - Externa) (De Flexionada para Estendida De Estendida pra Flexionada)Quanto as relaes entre Posies Bsicas e Iniciais Famlias da DanaQuanto a solicitao dos graus de dificuldade de execuo das Transferncias, Locomoes, Voltas, Saltos, Quedas e Elevaes

    Em diferentes Situaes do Corpo no Espao IndividualGrupal e Ambiental Natural e Construdo

    Em Suspenso - FlutuaoSubmerso - SustentaoBases de Sustentao Vertidas - InvertidasHorizontais - Mistas(P - Ajoelhada - Sentada - Deitada - Combinada)Contatos e apoios Entre partes e segmentosNo ambiente - Com objetos - Outros indivduos

    Posicionamentos

    Paralelismo PerpendicularismoObliqidade TangenciamentoCruzamento

    Relaes da Forma

    Instabilidade - Equilbrio Assimetria - SimetriaIrregularidade - RegularidadeComplexidade - SimplicidadeFragmentao - SnteseProximidade - Afastamento Profuso - Condensao Nivelamento - Aguamento Pequeno - Grande Largo - Estreito Convergncia - DivergnciaCentrfuga - CentrpetaRecolhimento - Expanso

    Solicitao e desenvolvimento das Habilidades Motoras Fora - Alongamento Flexibilidade Coordenao Agilidade - Ritmo Destreza

    Desenvolvimento dos Sentidos Corporais Tato - Olfato Paladar - Viso AudioPercepo Cinestsica e Cinesttica (Construo sensvel da Forma)

    Em diferentes Passagens da ForaConscientizao de pontos de energia no corpo e Variaes dinmicas Do Forte ao FracoCom Pequenos e Grandes Impulsos Com Entradas da Fora nas partese nas razes dos segmentos Acentos Modos de Execuo Conduzido OndulanteLanado - Pendular Percutido - Vibratrio

    Pulso Acento Tempos Fortes Fracos Andamentos Desenhos Rtmicos Regulares e Irregulares Valores de Pausa e Movimento

    Em diferentes distribuies

    do Tempo

    Parmetros do SomAltura TimbreIntensidade SonosferaSons internos do corpo Percusso CorporalSons OnomatopaicosSons da Natureza Rudos Sons de Objetos e Ambientes Elementos da Msica Ritmo Harmonia Melodia

    Ilustrao 16: Parmetros da Dana: Movimento, Espao, Forma, Dinmica e Tempo e Agentes de Variao 44

    44O termo Cinesttica foi criado por Helenita S Earp para indicar a intensificao da percepo cinestsica no ser que se move com plena integrao, o que proporciona uma conscientizao sensvel da forma no corpo em movimento. O termo Sonosfera foi cunhado por Suzana

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    1.4.2.1.1Parmetro Movimento

    importante ressaltar que os Fundamentos da Dana de Helenita S Earp no considera o movimento humano segundo apenas um conceito de fsica, quando o corpo, em um referencial de espao, muda suas posies em relao a uma medida de tempo. Nem que o estudo do movimento na dana deva ser reduzido a um somatrio de movimentos justapostos em seqncias (EARP, 2010, p. 3)

    Movimento mudana qualitativa e quantitativa, movimento s pode surgir na diversidade, na zona do imvel, no h movimento. Mas na conscincia do Imvel na mobilidade que a qualidade surge. Qualidade creao. (EARP, 1975, passim)

    J no plano da corporeidade, no existe imobilidade, tudo flui, como explicitado nas seguintes palavras:

    E nesta relao entre imobilidade e mobilidade, entre movimento potencial e movimento liberado, entre silncio e vibrao, entre o vazio e a forma, entre a Potncia e as potencialidades, entre o eterno e o temporal que o homem pode expressar a sua dana enquanto qualidade e quantidade, enquanto ser e devir. (GARCIA, 2009, p. 68)

    Neste sentido, a conscientizao da relao entre a unidade na multiplicidade que permite a integrao, e, neste estado que o movimento atinge a sua realidade mais pura, plena, intensa e bela. A professora Helenita

    Machado para designar o conjunto sonoro do corpo universal. Ver: RIBEIRO, Suzana Machado. O Imaginrio Infantil, Arte e Educao. In: Anais da Jornada de Pesquisadores em Cincias Humanas da UFRJ, 1995, p. 9, b) Msica e Jogos Dramticos como Alternativas de Constituio do Real. In: Anais da III Jornada de Pesquisadores em Cincias Humanas da UFRJ.1996, p. 18, c) Brincando com Msica na escola. In: Anais da V Jornada de Pesquisadores em Cincias Humanas da UFRJ,1999, p. 12.

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    chama este movimento de Movimento Real, como expresso de uma atitude e ato de amor ao movimento.

    Assim, no contexto dos Fundamentos da Dana de Helenita S Earp, os movimentos mentais,45 em especial, o discernimento, a ateno, a concentrao e a auto investigao favorecem a unipolarizao da mente juntamente com esvaziamento de clichs, propiciando a conscincia de integrao, como explicado abaixo:

    Essa concepo de dana requer veracidade de propsito. O discernimento deve sempre trazer a veracidade. A veracidade deve guiar os movimentos mentais. Experimentar e fazer a todo o momento aquilo que se pensa, sem dicotomias entre o sentir, o pensar e o agir. Sentimento de coragem, tolerncia, pacincia, perseverana, destemor, alegria, compreenso, simplicidade, desprendimento, tambm ajudam no florescimento desta integrao no movimento corporal. (EARP, 2011, p. 8)

    O conhecimento do corpo implica todo o desenvolvimento de possibilidades de movimento, bem como envolve a transformao e modificao destes pela criatividade, o que ocasiona o despertar da sensibilidade em conjuno com a cognio em seus aspectos de identificao, anlise, sntese, associao, memria, extrapolao, avaliao, entre outros.

    Neste sentido, os Fundamentos da Dana de Helenita S Earp abordam o movimento em dois Estados: Potencial e Liberado. Esses dois estados do movimento estimulam diferentes percepes na conscincia humana.

    O Movimento Potencial uma ao em busca de uma convergncia de foras na corporeidade, em busca de diminuir a disperso, e, assim, dinamizar a ateno na ao. O Movimento Potencial ajuda a conduzir a pessoa em um

    45Segundo o Swami Sivananda em seu livro O poder do pensamento pelo Yoga ele diz: Os pensamentos tem vida (...) quanto mais potentes mais depressa eles frutificam (...) O pensamento uma fora tremenda (...) as foras mentais sero renovadas proporo que os raios dispersos da mente forem agora sendo reunidos. (SIVANANDA, 1971, passim)

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    estado de concentrao. Contribui para uma intensificao da percepo cinestsica da forma, e, tambm pode, dependendo da atitude mental e emocional, promover o relaxamento psicossomtico e a meditao.

    O Movimento Liberado um movimento de exteriorizao e mudana, isto , de expanso, de contrao, disperso e aproximao. Relaciona as formas no espao mental, emocional e fsico, canalizando-os em sua organizao e reorganizao destas possibilidades.

    O Movimento Potencial e o Movimento Liberado, quando estimulados, e dinamizados, provocam diferentes estados na conscincia humana, assim como, sua relao na fisicalidade provoca uma maior riqueza na organizao do trabalho fsico criativo e na expresso coreogrfica.

    Na fisicalidade, o Movimento Potencial definido em funo da percepo visual onde a fora vital manifestada sem deslocamento de segmentos, em diferentes formas e situaes do corpo no espao. (EARP, 1975, p. 7)46 Se apresenta como a energia latente e circulante que atua constantemente, ocorrendo de modo pouco perceptvel sem mudana da trajetria aparente.

    Sua importncia fisiolgica (...) o desenvolvimento da fora isomtrica, do alongamento, do equilbrio esttico, da conscincia cinestsica e artisticamente, sua importncia est no embelezamento coreogrfico, proporcionando nuances entre o agir e o conter do movimento. (EARP, 1975, p. 7 - 8)

    O Movimento Liberado caracterizado pela mudana em trajetrias no espao. a expanso da energia contida no interior do corpo. Ocorre quando h deslocamento das partes e segmentos do corpo e do corpo como um todo em diferentes trajetrias e situaes no espao.

    46Citao oriunda da apostila Estudo do Movimento na Dana Parte II- Movimento Ritmo Forma Dinmica: relaes na Natureza, na Cincia e na Arte da professora Helenita que faz parte de um relatrio de pesquisa escrito em 1975.

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    Neste sentido, o estudo do movimento feito a partir das situaes oferecidas pelos movimentos bsicos do corpo.47 Estes se apresentam como situaes de originao. Isto pode ser compreendido nos seguintes termos:

    Assim, podemos propor como eixo de conhecimento, algo que parta do simples, que compreenda a dana a partir do simples. Este princpio bem conhecido: a dana qualidade em qualquer ato, ou seja, isto significa que ela deve ser compreendida nos movimentos mais simples do corpo. Da simplicidade podem-se criar prticas e relacion-las: do simples pode-se criar a complexidade. Entretanto, isto no implica que a compreenso do todo de uma dana se faa pela composio de vrios elementos. O todo intuio pura e profunda, expresso em ato, criao se revelando em forma. Portanto, preciso mudar o paradigma de que a dana um somatrio de movimentos agregados entre si, combinados entre si, gerando seqncias. (GARCIA, 2009, p. 67)

    Desta forma, a investigao dos movimentos bsicos do corpo, juntamente com a de seus Agentes de Variao so considerados essenciais para o desenvolvimento da linguagem corporal.

    Desta forma, a relao entre Movimento Potencial e Movimento Liberado remete a imagem o Princpio do Uno e do Mltiplo, isto , da relao entre mobilidade e imobilidade, entre o som e a pausa na Msica, e portanto, estabelece a base para a compreenso do Princpio do Ritmo.

    A forma do corpo humano possui possibilidades anatmicas que definem os movimentos bsicos. A pesquisa destes movimentos bsicos funciona como um eixo central de conhecimento da prxis da dana. Um

    47As partes e segmentos do corpo e suas articulaes comportam os movimentos bsicos da cabea, da cintura escapular e dos membros superiores, do tronco e seus segmentos - cervical, torxico, lombar, da cintura plvica e dos membros inferiores Para maiores informaes sugerimos a leitura de: a) DANGELO, Jos; FATTINI, Carlo. Anatomia Humana Sistmica e Segmentar. 3 ed. Revista.So Paulo, Atheneu, 2011. e b) SCHNKE, Michael. Prometheus Atlas de Anatomia: anatomia geral e aparelho locomotor / Michael Schnke, Erik Schulte, Udo Schumacher; com a colaborao de Jrgen Rude; ilustrado por Markus Voll e Karl Weske. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.

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    conhecimento que investiga o movimento na sua fisicalidade a partir de suas particularidades anatmicas e cinesiolgicas, como um:

    (...) prottipo bsico, em qualquer de uma de suas disposies, podendo se transmutar em inmeras genealogias motrizes para outras situaes derivativas, que podem se relacionar isomorficamente com outros movimentos, que por sua vez vo configurar novas situaes prototpicas, num processo ad infinitum em n agregados relacionais. (MEYER, 2004, p. 68 e 69)

    Neste sentido, para que os movimentos bsicos do corpo sejam mobilizados criadoramente so estabelecidos juntamente com os Estados do Movimento, os Tipos de Movimento, em seus aspectos temporais de sucessividade e simultaneidade, tal como abaixo esclarecido:

    O estudo do movimento corporal feito a partir de estados do movimento: em potencial e em liberado e tipos de movimento: de translao e de rotao. A conexo destes aspectos permite a elaborao de esquemas de composio de exerccios que se baseiam na execuo isolada e combinada entre os movimentos das articulaes de uma mesma parte do corpo e entre partes diferentes em relaes potenciais e liberadas tanto sucessivas como simultneas. (EARP, 2010, p. 3)

    Tais combinaes podem ser entre duas partes, entre trs partes, entre n-agregados relacionais. A investigao destes princpios de combinao dos movimentos bsicos permite estabelecer relaes infinitas.

    importante ressaltar que o movimento vai se expressar diferentemente, conforme a estrutura psicofsica de cada indviduo. No aspecto fsico, as estruturas sseas, com seus tamanhos, cavidades, encaixes, tendes e msculos; determinam diferentes graus de mobilidade, e assim, vo permitir uma maior ou menor amplitude do movimento. Para ilustrar este raciocnio, to caro professora Helenita, podemos verificar que determinadas pessoas

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    possuem mais facilidade para realizar movimentos dos membros inferiores nas rotaes externas, ao passo que outras, para realiz-los nas rotaes internas. Desta forma, ao se trabalhar as diferentes possibilidades das rotaes dos membros inferiores, prepara-se o corpo de maneira mais abrangente, e isso amplia o leque de opes para que cada pessoa possa se expressar e se movimentar bem conforme as suas caractersticas intrnsecas.

    Esse pensamento, alm de conter em si mesmo um aspecto filosfico importante, por no restringir e dogmatizar o movimento na prtica da dana padres e bitipos, tambm profundamente educacional, pois cria condies de se estabeler um trabalho corporal amplo e diversificado para todos. Permite tambm com que se tenha uma maior eficincia no trabalho muscular. A alm de ficar mais abrangente e diversificado, as sinergias musculares agonistas e antagonistas so estimuladas e trabalhadas de maneira mais harmoniosa. Isto tambm se revela como um eficaz recurso artstico. A dana contempornea explora as possibilidades artsticas de cada corpo. Esta mobilizao, ao enfocar as possibilidades de cada pessoa, dinamiza a pesquisa do movimento na dana como forma de arte, como uma explorao das singularidades que cada intrprete tem e possa trazer a cena. Este procedimento ajuda a estabelecer com que diferentes expressividades surjam e com isto, favorecam uma maior riqueza artstica ao jogo coreogrfico.

    A relao do Movimento Potencial e Movimento Liberado tambm promove uma explorao das diferentes habilidades motoras, tais como, fora, alongamento, flexibilidade, juntamente com o desenvolvimento de novas coordenaes motoras. As combinaes sucessivas e simultneas das partes entre si, entre si e entre Famlias da Dana - em associao com o uso de diferentes duraes e andamentos - tendem a auxiliar com que haja uma percepo de conexes que do suporte para o desenvolvimento da coordenao, da percepo cinestsica, e, desta percepo Cinesttica,48

    48Ver notas 107, 108 e 124.

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    isto , como uma conscientizao sensvel na construo da forma em suas nuances de harmonia e propores.

    A relao entre o Movimento Potencial e Movimento Liberado tambm fundamental para o desenvolvimento dos elementos de Progresso do Movimento Segmentar e das Famlias da Dana. Dependendo da velocidade da execuo, geralmente, a realizao dos movimentos em sucessividade mais fcil do que em simultaneidade. A relao do Movimento Potencial e Movimento Liberado tambm ajuda na diversificao do trabalho fsico com maior criatividade e na melhor explorao das isotonias e isometrias musculares, o que ocasiona uma melhor resposta em termos de desempenho no trabalho fsico. Em sntese, as diferentes relaes do Movimento Potencial e o do Movimento Liberado otimizam o trabalho fsico junto com a variao da forma.

    Esta relao entre estes dois Estados do Movimento tambm favorece a for