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Fundamentos Da Teologia Escatológica- Edson Lopes

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  • FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA ESCATOLGICA

  • EDSON PEREIRA LOPES

    FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA ESCATOLGICA

    MCSo Paulo

  • Copyright 2013 por Edson Pereira Lopes Publicado por Editora Mundo Cristo

    Os textos das referncias bblicas foram extrados da Nova Verso Internacional (NVI), da Biblica, Inc., salvo indicao especfica.

    Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19/2/1998.

    E expressamente proibida a reproduo total ou parcial deste livro, por quaisquer meios (eletrnicos, mecnicos, fotogrficos, gravao e outros), sem prvia autorizao, por escrito, da editora.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Lopes, EdsonFundamentos da teologia escatolgica / Edson Lopes. So Paulo: Mundo Cristo, 2013. (Coleo teologia brasileira)

    Bibliografia.

    1. Bblia Teologia 2. Escatologia Ensino bblico I. Ttulo.

    12-06724 CDD-236

    ndice para catlogo sistemtico:1. Teologia escatolgica : Ensino bblico : Cristianismo 236

    Categoria: Teologia

    Publicado no Brasil com todos os direitos reservados por:Editora Mundo CristoRua Antnio Carlos Tacconi, 79, So Paulo, SP, Brasil, CEP 04810-020Telefone: (11) 2127-4147www.mundocristao.com.br

    Ia edio: fevereiro de 2013

  • S u m r i o

    Agradecimentos 7Prefcio 9Introduo 15

    Captulo 1

    Conceito e panorama da escatologia na histria da Igreja 21

    Captulo 2

    As correntes milenaristas: fundamentos e crenas 57

    Captulo 3

    Temas escatolgicos 91

    Consideraes finais 167Bibliografia 173Bibliografia de consulta sugerida 181Sobre o autor 183

  • A g r a d e c i m e n t o s

    A Deus, sustentador da minha vida e razo do meu viver. minha esposa Nvea, fiel companheira e incentivadora dos

    meus estudos.Aos meus filhos, Tales e Taila, bnos em minha vida. Que

    Deus continue a tortalec-los na realizao de sua obra.Aos meus pais, meus primeiros educadores.A minha famlia, irmo e irms.A amada Igreja Presbiteriana do Brasil.Aos professores, funcionrios e alunos da Escola Superior de

    Teologia, aos quais Deus me incumbiu de liderar como seu diretor nos ltimos anos.

    Aos professores e pastores Antnio Mspoli e Lindberg Morais, amigos na luta pelos estudos da teologia e da cincia da religio.

    Ao Geraldo Azevedo, amigo mais chegado que irmo.A todos que colaboraram direta e indiretamente, meus sinceros

    agradecimentos.

  • P r e f c i o

    COM grande satisfaAo que apresento ao pblico leitor esta obra hoje to necessria nas escolas de teologia, diante da ausncia de livros sobre escatologia que sejam simultaneamente simples e profundos, claros e precisos, acessveis e densos. E assim o livro do professor Edson Lopes, catedrtico de teologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, homem comprometido com as letras teolgicas e sempre preocupado com o bom andamento da educao teolgica no Brasil.

    Este breve manual de escatologia ser de grande prstimo para professores e alunos, e mesmo para aqueles que queiram dedicar tempo ampliao de seu conhecimento acerca dos consensos e das controvrsias doutrinrias no mbito da escatologia. Muitas vezes, esse tema esquecido ou relegado aos apndices, como se a ltima hora (he eschate ora) de que fala a Bblia (ljo 2.18) fosse o ltimo instante da aula de encerramento do curso de teologia sistemtica, no o alerta para vigiar e orar, o qual lana a escatologia para a vanguarda das preocupaes de todo cristo que procura levar a srio as convocaes das Escrituras.

    Neste livro o leitor encontrar uma exposio realizada com esmero dos temas centrais da escatologia: o destino final da humanidade, a vida aps a morte, o paraso e o inferno, a ressurreio dos mortos, o juzo final, o retorno de Cristo, o estado intermedirio

  • 10 I Fundamentos da teologia escatolgica

    etc. Alm disso, ter contato com detalhes das grandes controvrsias sobre as profecias bblicas acerca dos acontecimentos que antecedero o glorioso Dia do Senhor. As posies milenarista e amilenarista so apresentadas com propriedade, e o leitor dispor de subsdios para uma reflexo cuidadosa sobre os temas, o que lhe permitir chegar a suas prprias concluses.

    Se a teologia costuma ser um campo frtil para as divergncias, muito mais ainda este seu captulo especfico ao qual denominamos escatologia. Cabe aqui lembrarmos, antes de tudo, daquela orientao segura e sbia muitas vezes atribuda a Agostinho de Hipona (354-430), possivelmente o mais notvel entre os pensadores cristos de todos os tempos: No essencial, a unidade; no secundrio, a liberdade; e em tudo reine o amor.

    No fcil escrever sobre escatologia. E um empreendimento que s os mais corajosos e competentes professores de teologia se arriscam a empreender. O termo em si j problemtico por remeter a uma ambigidade embaraosa, constrangedora, pois pode designar o nobilssimo estudo teolgico das ltimas coisas, do grego eschaton, como pode tambm designar o estudo dos excrementos (do grego skatos), muito necessrio no mbito da zoologia, da zootecnia e da botnica, mas, sem dvida, pouco atraente, pelo menos para a maioria dos telogos. Essa ambigidade no acontece na lngua inglesa, em que possvel distinguir eschatology de scatology, sem muita ginstica, ao contrrio do que acontece em nosso vernculo. Isso no necessariamente uma indicao de que boa parte da teologia produzida no Brasil tresanda ou tem origem pouco nobre. No h dvida de que muita coisa que passa por teologia no Brasil no cheira bem e tem procedncia questionvel, mas esse nem sempre o caso, pela misericrdia de Deus.

    O fato que a maioria dos estudantes de teologia no se d conta da enorme importncia que tem a disciplina, apesar dos alertas cie grandes telogos, como Jrgen Moltmann, apropriadamente citado por Edson Lopes. A escatologia fala da esperana crist, e o cristo no pode viver sem esperana. Em ICorntios 13.13,

  • Prefcio I 11

    o apstolo Paulo faz um conhecido alerta acerca do valor da es- perana, mas muitos a confundem com a , sem compreender seu verdadeiro papel. O conceito de esperana frequentemente aparece, no imaginrio cristo, como sinnimo de f, sem distino. Trata-se, contudo, de um srio equvoco. A esperana tem contedo prprio e representa uma dinmica particular da vida crist cotidiana e devocional. E precisamente no mbito da escatologia que identifico uma reflexo terica acerca do contedo da esperana crist.

    H de se acrescentar ainda o fato de que as consideraes es- catolgicas podem e devem servir tambm para uma reavaliao da teologia em sua totalidade. E quase como se a escatologia, em geral o ltimo captulo dos compndios de teologia sistemtica, representasse um convite para retornar ao incio do livro e comear o estudo novamente, uma vez que, luz do estudo das ltimas coisas, cada doutrina crist pode ser pensada sob uma nova e iluminadora perspectiva.

    Em outras palavras, a escatologia no um detalhe. Antes, uma questo central e crucial na dinmica do pensamento cristo. Em todo o tempo, deve-se manter em mente que h aplicabilidade para as doutrinas escatolgicas (enquanto contedo da esperana) para o aqui e agora, para a edificao e para a piedade.

    Posso afirmar que esta nova introduo escatologia crist, produzida por Edson Lopes, uma obra elementar que exala o aroma da pesquisa aprumada, associada ao perfume convidativo de uma didtica de quem mestre no assunto, de quem sabe o que ensinar. Ela ser de grande prstimo aos cursos de graduao em teologia, pois representa o tipo de material didtico claro, conciso e preciso que tanto faz falta a professores e alunos.

    Parabenizo o reverendo, professor e doutor Edson Pereira Lopes por esta publicao. Parabenizo-o tambm por sua vocao crist, que o levou a pr de lado suas pesquisas em nvel de ps-graduao para produzir esta obra de auxlio formao bsica; justamente ele,

  • que to ocupado com seu trabalho acadmico frente da Escola Superior de Teologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

    Desejo ao leitor uma boa leitura. Desejo-lhe igualmente um bom tempo de estudo, uma vez que este livro serve tambm como obra de referncia, e muito provvel que seja adotado daqui para a frente como livro-texto nos cursos de escatologia de todas as escolas de teologia brasileiras.

    12 | Fundamentos da teologia escatolgica

    Dr. Ricardo Quadros Gouva

  • Na realidade, a escatologia idntica doutrina da esperana crist, que abrange tanto aquilo que se espera como o ato de esperar, suscitado por esse objeto. O Cristianismo total e visceralmente escatologia, no s moda de apndice [...]. De fato, a f crist vive da Ressurreio do Cristo crucificado e se estende em direo s promessas do retorno universal e glorioso de Cristo.

    Jrgen Moltmann, Teologia da esperana

  • I n t r o d u o

    Um dos assuntos sempre presentes nas discusses sobre religio refere-se escatologia.1 Para entender a atualidade desta reflexo, enquanto escrevamos este texto tivemos a oportunidade de ler uma notcia largamente divulgada nos meios de comunicao: a de que o grupo cristo evanglico norte-americano Family Radio havia comprado dezenas de outdoors nas principais cidades dos Estados Unidos e do Canad para anunciar que o dia do juzo final seria em 21 de maio de 2011. Aps estudar a Bblia e calcular que nesse dia o dilvio vivenciado por No completaria sete mil anos, Harold Camping, presidente do Family Radio, chegou concluso de que o fim do mundo estava com data marcada.2

    Nas mais diferentes pocas da histria humana, o retorno a essa temtica3 se deve a diversos fatores. Entre os cristos, podemos apontar que um deles a compreenso crist de que a Igreja sempre se considerou militante, conforme se v nestas palavras de Paulo:

    1 Uma discusso que trata da escatologia das religies pode ser encontrada no texto de Antonio Manzatto, J. Dcio Passos e Sylvia Villac, De esperana em esperana: escatologia, p. 25-46.2 "Evanglicos americanos anunciam fim do mundo para dia 21 de maio. Folha.com. Disponvel em: . Acesso em: 9 fev. 2012.3 Prova de que este tema est sempre presente na histria humana a reportagem O fim do mundo, publicada na revista A venturas na Histria em janeiro de 2011.

  • 16 | Fundamentos da teologia escatolgica

    Finalmente, fortaleam-se no Senhor e no seu forte poder. Vistam toda a armadura de Deus, para poderem ficar firmes contra as ciladas do Diabo, pois a nossa luta no contra seres humanos, mas contra os poderes e autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as foras espirituais do mal nas regies celestiais.

    Efsios 6.10-12

    Observamos que, antes de concluir seus ensinos igreja em Efeso, Paulo pretende explicitar que os cristos devem se fortalecer na fora e no poder divinos e vestir a armadura deixada pelo prprio Deus a fim de enfrentarem as ciladas de Satans, considerando que a luta de todos os cristos no contra homens, mas contra as foras espirituais do mal nas regies celestiais. William Hendriksen, em seu comentrio a Efsios, assinala: a igreja tem um inimigo infernal empenhado em sua destruio [...]>4 Essas palavras corroboram o princpio de que, vendo-se a Igreja dessa maneira, isto , como um campo permanente e sem trgua de batalha, depreende-se que ela deve se manter em guarda e disposta a lutar por Cristo.

    Infere-se, portanto, que, na concepo de Hendriksen, a salvao5 , por um lado, produto da graa soberana de Deus e, por outro, a recompensa prometida ao esforo humano. Assinalamos com isso que no h antinomia na relao graa divina e responsabilidade humana,6 pois de responsabilidade do homem vestir-se com a armadura de Deus e, ao mesmo tempo, estar plenamente consciente de que foi o Deus Trino quem forjou as peas dessa armadura e as deu ao seu povo. Da a afirmao de Hendriksen: Em

    4 Comentrio do Novo Testamento: exposio de Efsios, p. 336.5 Relativamente salvao pela graa, cf.: Edson Pereira Lopes, Fundamentos da teologia da salvao.6 Para aprofundamento dessa discusso, sugerimos a leitura de A evangelizao e a soberania de Deus, de James Innell Pagker.

  • Introduo I 17

    sequer um momento o homem capaz de us-las com eficincia seno pelo poder de Deus".'

    Sendo assim, fica claro que Paulo tem em mente conscientizar a Igreja de Cristo de que ela est no meio de uma batalha espiritual e luta no contra homens frgeis, mas contra a hoste supramundana inumervel de espritos malignos: o diabo mesmo e todos os demnios sob seu controle.8 Um pouco mais adiante Hendriksen afirma: O termo regies celestiais uma referncia a os governantes mundiais destas trevas com quem os crentes devem contender.9

    Com o mesmo pensamento, Joo Calvino assinala em seu comentrio de Efsios:

    O apstolo pe diante dos efsios o perigo, expressando-lhes a natureza do inimigo, o que ele ilustra fazendo o uso de comparao: no contra carne e sangue. Sua inteno fazer-nos ver que nossas dificuldades so maiores do que se tivssemos que lutar contra os homens. Ali resistimos fora humana, espada contra espada, o homem contende com o homem, a ora rebatida pela fora, e habilidade contra habilidade; mas, aqui, o caso muitssimo diferente, porquanto nossos inimigos so em tal proporo, que no h poder humano capaz de resistir [...] (grifo do autor).10

    Portanto, a discusso em torno da escatologia est relacionada com o pensamento cristo de que a Igreja est nesta batalha e almeja a vinda de Cristo para que esse embate termine. Quando isso ocorrer, a Igreja deixar de ser militante para ser triunfante.11

    I Comentrio do Novo Testamento: exposio de Efsios, p. 336.8 Idem, p. 339.9 Idem, p. 340.10 Efsios, p. 188-189.II Em seu captulo 17, a Segunda confisso helvtica (elaborada em 1562 porHeinrich Bullinger, publicada em 1566 por Frederico III da Pala tina e adotada por igrejas reformadas de pases como Sua, Frana, Esccia, Hungria e Polnia, entre outros) faz distino entre a igreja militante e a igreja triunfante. A primeira

  • Enquanto estiver na condio de Igreja militante,12 em plena batalha, ela sofrer grandes investidas de Satans, o que resultar em profundas lutas e angstias experimentadas em todos os tempos pelos mais diversos cristos das mais diferentes pocas. Por isso lembramos que, em meio a tal cenrio de batalha, a Igreja de Cristo deve se revestir das armas disponibilizadas por Deus e permanecer convicta de que essas provaes, lutas e angstias no se comparam herana eterna que est por vir, conforme afirma o apstolo Pedro:

    [...] ele nos regenerou para uma esperana viva, por meio da ressurreio de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma herana que jamais poder perecer, macular-se ou perder o seu valor. Herana guardada nos cus para vocs que, mediante a f, so protegidos pelo poder de Deus at chegar a salvao prestes a ser revelada no ltimo tempo. Nisso vocs exultam, ainda que agora, por um pouco de tempo, devam ser entristecidos por todo tipo de provao. Assim acontece para que fique comprovado que a f que vocs tm, muito mais valiosa do que o ouro que perece, mesmo que refinado pelo fogo, genuna e resultar em louvor, glria e honra, quando Jesus Cristo for revelado.

    IPedro 1.3-7

    Nessas palavras percebemos que uma das preocupaes de Pedro era lembrar aos cristos dispersos no Ponto, na Galcia, na Capado- cia, na provncia da sia e na Bitnia os quais viviam sob diversas

    aquela que ainda milita na terra e luta contra a carne, o pecado, a morte, o mundo e o Diaho, que c o prncipe deste mundo. A igreja triunfante a que exulta diante de Deus, tendo vencido a carne, o mundo e o Diabo. Disponvel em: . Acesso em: 9 mar. 2012.12 Antes da Segunda confisso helvdca, Joo Calvino, em sua obra A instituio da religio crist, com publicao definitiva em 1559, assinalou o termo igreja militante ao referir-se s vrias revoltas que afligem a Igreja na terra.

    18 | Fundamentos da teologia escatolgica

  • Introduo I 19

    provaes que sua f deveria estar firmada na herana guardada1 nos cus, herana essa que eles haveriam de receber aps o curto, mas necessrio, momento de sofrimento. Em funo disso, com renovada esperana no que haveriam de usufruir na glria eterna, deveriam bendizer a Deus, mesmo em situaes adversas.

    Infere-se da que uma das formas para se superar as angstias e os sofrimentos causados pela batalha em que est a Igreja militante conhecer o que nos aguarda no futuro. Vale relembrar estas palavras de Pedro:

    Nisso vocs exultam, ainda que agora, por um pouco de tempo, devam ser entristecidos por todo tipo de provao.

    1 Pedro 1.6

    Portanto, quando estudamos a respeito dos contedos da escatologia no procuramos apenas conhecimento terico ou pressupostos teolgicos. Em vez disso, buscamos consolo em meio a nossas provaes e somos fortalecidos em nossa f, que se manifesta numa viva esperana, da qual companheira inseparvel.14 Ou seja, a escatologia no deve ser tratada como um rol de conjecturas ou hipteses humanas, mas como uma temtica que antes de se preocupar com questes que envolvem as principais variaes milenaristas, como o pr-milenarismo histrico, o pr-milenarismo dispensacionalista, o ps-inilenarismo e o amilenarismo15 tem como princpio oferecer consolo e esperana aos cristos de todas as pocas.

    Foi com esse pensamento que Joo Calvino delineou sua abordagem acerca da ressurreio final e que JrgenMoltmann (1926-) escreveu sua Teologia da esperana, na qual discorre a respeito dos fundamentos e as conseqncias de uma escatologia crist. Molt- mann registra:

    13 John H. Ellitt, Um lar para quem no tem casa, p. 162-163.14 Jrgen Moltmann, Teologia da esperana, p. 35.15 Para detalhes sobre as variaes das correntes que debatem o milnio, sugerimos Milnio, de Robert G. ClOUSE.

  • Do comeo ao fim, e no apenas no eplogo, o Cristianismo escatologia, esperana, olhar e andar para a frente e, por causa disso, tambm revolucionar e transformar o presente. O esca- tolgico no um dos elementos da Cristandade, mas o agente da f crist em si, a chave qual tudo est ajustado [...]. Por isso, escatologia no pode realmente ser apenas uma parte da doutrina crist. Antes, a perspectiva escatolgica caracterstica de toda a proclamao crist, de cada existncia crist e de toda a Igreja.10

    Est explcita a relevncia desse estudo para a Igreja crist no s em tempos de outrora, mas para os cristos de todas as pocas. Portanto, a escatologia no deve ser uma doutrina evitada, esquecida e solapada pelos cristos (sobretudo com o argumento de que se trata de um assunto complexo e repleto de imprecises). Pelo contrrio, devemos ter em mente que ela o alicerce da nossa esperana e um forte estmulo para a busca da santidade, nas palavras de Russell Shedd, que acrescenta: A esperana motiva o cristo a elevar seus alvos e a escolher os seus objetivos, luz do futuro glorioso que Deus promete aos que o amam. A escatologia deve ser o maior incentivo para se viver de modo digno do Senhor17.

    Cumpre-nos, portanto, adentrar o tema, crendo que isso nos far exultar e bendizer a Deus, mesmo que tenhamos de passar por tribulaes, haja vista que, na atual circunstncia, estamos na condio de Igreja militante.

    20 | Fundamentos da teologia escatolgica

    16 Teologia da esperana, p. 30.17 A escatologia e a influncia do futuro no dia a dia do cristo, p. 5.

  • C a p t u l o 1

    C o n c e i t o e p a n o r a m a d a e s c a t o l o g i a n a h i s t r i a d a I g r e j a

    Aps as palavras introdutrias, cumpre-nos buscar o conceito de escatologia e apresentar um panorama dessa doutrina, com o objetivo de verificar as correntes milenaristas, a saber, pr-milenarismo histrico, pr-milenarismo dispensacionalista, ps-milenarismo e amilena- rismo que prevaleceram em determinados momentos da histria e explicitar sua relevncia para a maneira de atuar (modus operandis) da Igreja quando esta se inclinava para uma dessas correntes.

    Dito isso, trabalhemos o conceito de escatologia.

    Conceito de escatologia

    A palavra escatologia se fundamenta em diversos textos das Escrituras, tais como:

    Nos ltimos dias o monte do templo do Senhor ser estabelecido como o principal; ser elevado acima das colinas, e todas as naes correro para ele.

    Isaas 2.2

    Nos ltimos dias acontecer que o monte do templo do Senhor ser estabelecido como o principal [...].

    Miqueias 4.1

  • 22 | Fundamentos da teologia escatolgica

    conhecido antes da criao do mundo, revelado nestes ltimos tempos em favor de vocs.

    1 Pedro 1.20

    Filhinhos, esta a ltima hora e, assim como vocs ouviram que o anticristo est vindo, j agora muitos anticristos tm surgido.

    IJoo 2.18

    Destacamos que as expresses ltimos dias, ltimos tempos e ltima hora provm das palavras gregas schaton e schata, traduzidas por ltimo.1 Em juno com logos,2 palavra, temos que a escatologia a doutrina das ltimas coisas.3 Segundo Berkhof, a escatologia nos mostra que a histria do mundo e da raa humana chegaro a sua consumao.4

    Manzatto, Passos e Villac5 mencionam uma interessante diferena entre os termos schaton e schata: schaton denota a busca de um sentido ltimo para todas as coisas, enquanto schata indica a pergunta pelas coisas derradeiras. Assim, percebemos que, se a escatologia estiver fundamentada na schata, sua nfase recair nas discusses tericas a respeito das ltimas coisas que ho de ocorrer no mundo. Talvez essa seja a razo de a Igreja de hoje, em geral, pouco se preocupar com o estudo da escatologia. E, quando existente, esse estudo parece lidar apenas com especulaes sobre os fins dos tempos, a morte e a ressurreio, entre outros assuntos, sem contudo apresentar nenhuma ligao com a vida prtica do cristo.

    1 Kent E. Brower, Escatologia. In: T. Desmond Alexander e Brian S. Rosner, Novo dicionrio de teologia bblica, p. 726.2 Timteo Carriker, Escatologia. In: Fernando Bortolleto Filho (Org.), Dicionrio brasileiro de teologia, p. 359-362.3 F. F. Brljce, Escatologia. In: Walter A. Elwell, Enciclopdia histrico-teolgica da igreja crist, v. 2, p. 34-4 Teologia sistemtica, p. 672.5 De esperana em esperana: escatologia, p. 25.

  • Conceito e panorama da escatologia na histria da Igreja I 23

    Todavia, quando rememoramos que o ensino da escatologia provm ou deveria prover de schaton, percebemos a relevncia dessa doutrina para a vida prtica dos fiis, justamente porque, entendida a partir desse termo grego, no tenciona, a priori, fazer perguntas acerca das coisas ltimas ou com coisas relativas somente ao futuro, e sim em buscar um sentido ltimo para todas as coisas.

    Trata-se de uma preocupao que envolve a vida prtica, isto , agimos pensando no futuro, com a conscincia de que devemos lutar por um mundo melhor, no qual o reino de Deus seja implantado e por isso lemos na orao do Pai-nosso: venha o teu Reino. Segundo Lloyd-Jones, esse reino j est presente nos coraes que se submetem a Cristo; porm, chegar o dia em que o reinado cie Jesus se estabeler sobre a face da terra. Trata-se da convico escatolgica que ora pelo sucesso do evangelho em sua amplitude e poder, e tal orao indica que estamos

    [...] esperando e apressando a vinda do Dia de Deus [...]. Isso significa que deveramos viver na antecipao do dia em que todo o pecado, a maldade, o erro e tudo quanto faz oposio a Deus finalmente ser desarraigado. Significa que deveramos sentir no corao anelo pelos dias quando nosso Senhor tiver de retornar ao mundo, quando ento todos quantos se opem a Ele sero lanados no lago de fogo, quando os reinos deste mundo tornar-se-o o reino de nosso Deus e do Seu Cristo.6

    Na prtica, isso implica que o sentido dado ao futuro est relacionado ao sentido que damos ao presente. Em outras palavras, os fins derradeiros direcionam, em ltima instncia, os fins imediatos do dia a dia, assim como todos os meios que planejamos para que se realizem. Portanto, os valores que assumimos como absolutos condicionam nossas aes presentes e os grandes planos que

    6 Estudos no Sermo do Monte, p. 349.

  • desejamos realizar e as ltimas esperanas escatolgicas situam-se num plano transcendente que alimenta sem cessar a nossa rotina, as nossas criaes e as nossas crises.7

    Sob essa perspectiva que Moltmann critica a Igreja, visto que, na concepo dele, toda pregao e mensagem crists tm uma orientao escatolgica (a qual tambm essencial existncia crist e totalidade da Igreja), pois no pretendem iluminar a realidade que a est, mas a realidade que vir. No querem produzir no esprito uma imagem da realidade atual, mas levar a realidade atual a transformar-se naquilo que est prometido e esperado.8 No mesmo contexto, vale ressaltar as palavras de Moltmann ao tratar da escatologia como esperana:

    Essa esperana toma a igreja crist perpetuamente inquieta em meio s sociedades humanas, que querem se estabilizar como cidade permanente. Ela faz da comunidade crist uma fonte de impulsos sempre novos para a realizao do direito, da liberdade e da humanidade aqui mesmo, luz do futuro predito e que vir [...]. Sempre que isto acontece, o cristianismo se encontra em sua verdade e testemunha do futuro de Cristo.q

    Est claro, portanto, que a escatologia no deve apenas propiciar discusses tericas a respeito do futuro. Em vez disso, deve impulsionar a Igreja de Cristo a ser uma fonte crist preocupada no s com o futuro ou com o conhecimento da realidade do mundo, mas com a transformao da sociedade naquilo que deve ser para a glria de Deus.

    7 Antonio Manzatto, J. Dcio Passos e Sylvia Villac, De esperana em esperana: escatologia, p. 43.8 Teologia da esperana, p. 30.9 Idem, p. 37.

    24 | Fundamentos da teologia escatolgica

  • Conceito e panorama da escatologia na historia da Igreja ! 25

    Dito isso, bom lembrarmos que o contedo debatido nos estudos escatolgicos costuma ser dividido em escatologia individual,10 que tem como foco os seres humanos e como temas correlatos a morte fsica, a imortalidade da alma, o estado intermedirio e a ressurreio do corpo,11 e escatologia geral,12 que engloba acontecimentos a irromperem sobre o mundo, a histria e a humanidade no fim dos tempos. Entre esses acontecimentos esto a segunda vinda de Cristo em glria, o juzo final e o estado ltimo de todas as coisas.1'

    Compreendido o termo escatologia, damos prosseguimento ao nosso estudo, tendo em mente o panorama histrico dessa doutrina.

    Panorama histrico da escatologia

    No estudo da escatologia importante entender as expresses apocalptica judaica e apocalptica crist. Essas nomenclaturas tm sua origem no fato de que muitos estudiosos da Bblia explicam que o cristianismo primitivo e mesmo o prprio Jesus foi profundamente influenciado pela apocalptica judaica a ponto de ser este o ambiente vivencial do surgimento no somente de Marcos 13, mas tambm de toda a teologia do Novo Testamento.14

    Para esses estudiosos, nos primeiros anos da Igreja crist e logo a seguir, com os primeiros pais da Igreja15 h uma nfase nos textos do livro de Daniel e do Apocalipse de Joo, que formam a mensagem apocalptica, cujas razes esto na apocalptica

    10 Tambm denominada escatologia da pessoa por Renold ]. Blank, em Escatologia da pessoa: vida, morte e ressurreio (Escatologia I).11 Anthony Hoekema, A Bblia e o futuro: a doutrina bblica das ltimas coisas, p. 8.12 Tambm denominada escatologia do mundo por Renold J. Blank, em Escatologia do mundo: o projeto csmico de Deus (Escatologia II).13 Jrgen Moltmann, Teologia da esperana, p. 29.14 Augustus Nicodemus Gomes Lopes, O sermo escatolgico de Jesus: anlise da influncia da apocalptica judaica nos escritos do Novo Testamento, Fides Reformata, p. 2.15 Este termo pode ser mais bem compreendido na obra Fundamentos da teologia da educao crist, de Edson Pereira Lopes.

  • 26 I Fundamentos da teologia escatolgica

    judaica, no perodo entre o Antigo e o Novo Testamentos.16 Essas mensagens podem ser entendidas como orientaes para tempos difceis.17 Elas aparecem em tempos de perseguio, angstia e profundos males causados ao povo de Deus e tm como objetivo responder aos questionamentos dos cristos com relao ao sofri- mento e ao problema do mal, bem como a encorajar os irmos nos momentos difceis. Nessa definio pode-se inserir tanto a mensagem apocalptica judaica quanto a crist.

    As mensagens apocalpticas judaicas18

    ofereciam a esperana de um mundo novo e melhor e pediam pacincia e resistncia aos sofredores. So tpicos de perodos de desespero, tristeza e sofrimento. Eles surgem depois do exlio para tentar harmonizar as profecias bblicas no cumpridas (como as da restaurao de Israel, em Ezequiel) com a realidade da demora da chegada to esperada do reino de Deus. No toa que a maioria deles foi produzida quando Israel sofria debaixo do jugo romano.19

    Um dos temas caractersticos da apocalptica judaica diz respeito ao fato de que, no fim dos tempos, Deus haveria de vindicar Israel. E com base nesse princpio que notamos uma profunda diferena entre a apocalptica judaica20 e a apocalptica crist, justamente porque no estudo da mensagem escatolgica de Jesus no h uma preocupao nacionalista como a que se v na apocalptica judaica com a restaurao de Israel. Pela compreenso judaica, o Messias seria um guerreiro que conduziria triunfalmente

    16 Sobre mensagem apocalptica crist, v. John Joseph Collins, A imaginao apocalptica: uma introduo literatura apocalptica judaica.17 George Eldon Ladd, O Apocalipse. In: Teologia do Novo Testamento, p. 828.18 Idem, p. 13.19 Idem, p. 3-4.20 Sobre as caractersticas da apocalptica judaica, v. Renold J. Blank, Escatologia do mundo, p. 49-56.

  • Conceito e panorama da escatologia na histria da Igreja ! 27

    a nao de Israel a uma posio gloriosa entre as naes,21 mas, em vez disso, o que se v nos escritos bblicos do Novo Testamen- to no um futuro promissor para os israelitas, conforme afirma Lucas 21.24: Cairo pela espada e sero levados como prisioneiros para todas as naes. Jerusalm ser pisada pelos gentios, at que os tempos deles se cumpram.

    Notamos aqui uma interessante distino entre a apocalptica judaica e a apocalptica crist: enquanto a primeira se preocupa com a nao israelita, a segunda substitui Israel pelos eleitos, quer judeus, quer gentios. H que se reconhecer que alguns contedos so comuns tanto mensagem apocalptica judaica quanto apocalptica crist, tambm denominada escatolgica. Entretanto, no podemos negar que a mensagem escatolgica da apocalptica crist sublinha a centralidade na pessoa de Jesus, como o Cristo e Messias que haveria de vir em cumprimento promessa feita desde a queda do homem, isto , o descendente da mulher que esmagaria a cabea da serpente.

    Disso inferimos que existe certo exagero na afirmao de que Cristo jamais trouxe qualquer ensino indito em seus sermes es- catolgicos, ou seja, que seu pensamento e toda a teologia do Novo Testamento se fundamentaram na reproduo das crenas apocalpticas produzidas no judasmo tardio.22 O mximo que pode ocorrer que haja uma questo crtica da descontinuidade e continuidade entre Jesus e o judasmo dos seus dias.23

    Devemos ter em conta ainda que apesar de os eruditos tratarem o livro de Apocalipse como um tpico exemplo do gnero de literatura apocalptica, classificando-o no mesmo gnero de

    21 Augustus Nicodemus Gomes Lopes, O sermo escatolgico de Jesus: anlise da influncia da apocalptica judaica nos escritos do Novo Testamento, Fides Reformata, p. 8.22 William Klassen, The eschatology of Jesus: is apocalyptic really the mother of Christian theology? In: Loren L. JOHNS (Ed.), Apocalypticism and Millennialism: Shaping a Believers Church Eschatology for the Twenty-First Century, p. 75.21 Idem, p. 78.

  • 28 | Fundamentos da teologia escatolgica

    Enoque e Baruque, entre outros no podemos esquecer que a apocalptica judaica trabalha com o fundamento de que o Cristo ainda no veio, mas vir, enquanto a apocalptica crist explicita que Cristo j veio e que aguardamos o desfecho de toda a histria da redeno em sua segunda vinda. Este parece ser o entendimento de Ladd: H, contudo, algumas diferenas entre o Apocalipse e os apocalipses judaicos, a mais importante das quais a sua conscincia de estar dentro [...] da histria da redeno.24

    Percebemos esse princpio uma vez que na mensagem escatolgica da apocalptica crist tambm nos deparamos com a expectativa de que o mundo dentro de pouco tempo chegaria ao fim; a vinda do Messias significava que o fim comeara e a sua ressurreio era o primeiro ato do cenrio escatolgico.2 Na concepo de Clouse,26 o apstolo Joo empregou em seu Apocalipse (composto num perodo de perseguio) a linguagem das mensagens apocalpticas para explicar a era crist. Por esse motivo, o termo Filho do Homem, usado em Daniel, foi apresentado como Cristo e as frmulas numerolgicas foram reafirmadas. Isso significa reconhecer que a apocalptica crist foi marcada pelas expectativas de salvao das apocalpticas judaicas,27 salvaguardado o exagero e as distines anteriormente descritas.

    Merece destaque o fato de a mensagem escatolgica que ensina a esperana viva na interveno direta e imediata de Deus para inverter a histria e vencer o mal com o bem sempre trouxe profundo consolo no s aos judeus, mas tambm serviu aos cristos sofredores de grandes perseguies pelo Imprio Romano e nos mais diferentes perodos da histria da Igreja. Essa mensagem sofreu muitas variaes e percebemos sua influncia entre os primeiros cristos, principalmente quando estes evidenciavam suas

    24 O Apocalipse. In: Teologia do Novo Testamento, p. 828.25 Wayne A. Meeks, Os primeiros cristos urbanos, p. 349.26 Milnio, Conceitos do. In: Walter A. Elwell, Enciclopdia histrico-teolgica da igreja crist, v. 2, p. 520.27 Brian E. Daley, Origens da escatologia crist, p. 19.

  • Conceito e panorama da escatologia na histria da Igreja I 29

    expectativas milenaristas,28 isto , quanto aos acontecimentos que resultariam na segunda vinda de Cristo. Nos trs primeiros sculos da era crist, encontramos nas obras de Papias (60-130), Irineu de Lio (115-203), Justino Mrtir (100-165) e Tertuliano (160-220), entre outros pais da Igreja,2g as razes do que hoje denominamos pr-milenarismo.30

    Brustolin31 assinala que os cristos da Antiguidade se fundamentavam nas seguintes crenas a respeito do milnio: a segunda vinda em glria e poder; a primeira ressurreio, apenas para os justos; o juzo universal; o reino messinico de mil anos; a segunda ressurreio, ou ressurreio geral, de todos os homens e mulheres; o juzo final; e o prmio ou a sano definitiva. A partir do que dissemos anteriormente, percebemos que a primeira ressurreio concedida apenas aos justos, os quais se assentaro com Cristo para participar do julgamento. Em seguida, ser inaugurado o reino de mil anos. Terminado esse perodo, Satans ser derrotado para sempre. Com base nisso, observamos que os primeiros cristos se encaixam numa concepo pr-milenarista.

    Parece-nos que, no perodo antigo da Igreja crist, a concepo literal de um reinado de Cristo por mil anos conduziu muitos cristos daquele perodo a se pautarem em profecias que datavam a implantao do reino de Deus sobre a terra. Essas discusses chegaram ao extremo em fins do sculo 2 e incio do sculo 3. Na sia Menor, Montano e suas profetisas, Priscila e Maximila, apregoaram a vinda iminente do Parclito prometido por Jesus, em Joo 16.32 Segundo eles, o mundo presente daria lugar ao reino de Deus. O pai da Igreja Hiplito de Roma registrou, no sculo 3, que um bispo na Sria

    2S Renold J. Blank, Escatologia Jo mundo, p. 70.29 Para compreenso do termo pais da Igreja, indicamos a obra de ChristopherAlan Hall, Lendo as Escrituras com os pais da Igreja, p. 61-66.30 W. ]. Grier, em O maior de todos os acontecimentos (p. 18-25), assinala que aafirmao de que prevalecia o pr-milenarismo entre boa parte dos pais da Igrejano condiz com a realidade.31 Quando Cristo vem..., p. 38-39.32 Para aprofundamento, v. Eusbio de Cesareia, Histria eclesistica, p. 172-176.

  • 30 I Fundamentos da teologia escatolgica

    havia persuadido muitos cristos a irem para o deserto ao encontro de Cristo, com suas esposas e seus filhos; esses grupos vagaram pelas montanhas e ao longo das estradas e pouco faltou para que os governos ordenassem que fossem presos como salteadores.

    Na regio do Ponto, outro bispo, homem piedoso e humilde, mas demasiado confiante em suas vises, teve trs sonhos e ps-se a profetizar: Sabeis, irmos, que o juzo se realizar dentro de um ano, e, caso no acontea o que vos digo, no deis mais f s Escrituras, mas procedais como bem quiserdes. Ora, nada do previsto se verificou; o bispo se viu confuso, os irmos se escandalizaram, as virgens se casaram e os que haviam vendido seus campos foram obrigados a mendigar.33

    Entretanto, importante notar que, em razo da hermenutica alegrica34 das Escrituras por parte de Orgenes (185-253) que ensinava a manifestao do reino dentro da alma do crente,35 mais do que no mundo e com a converso do imperador Constanti- no, o cristianismo deixa de ser perseguido e torna-se religio oficial do imprio, introduzindo-se uma nova concepo do milnio, o amilenarismo. Na viso de Santo Agostinho (354-430), o milnio refere-se Igreja (onde Cristo reinava com seus santos) como reino de Deus, e a era presente, antes do retorno de Jesus, constitui a era da tribulao descrita no Novo Testamento.36

    Agostinho considera a era atual como o milnio: o governo e reinado de Cristo por mil anos, perodo durante o qual Satans acorrentado, o anticristo aparece, e Satans solto para uma temporada de tentao das naes.37 Portanto, as declaraes no livro de Apocalipse no so literais, e a vitria na luta do bem contra o mal j havia se realizado, pois Deus triunfara mediante

    33 Leomar Antonio Brljstolin, Quando Cristo vem..., p. 41.34 Para aprofundamento sobre hermenutica, v. A Bblia e seus intrpretes, de Au- gustus Nicodemus Gomes Lopes.35 Roger Olson, Histria das controvrsias na teologia crist, p. 491.36 Idem, p. 486, 507.37 Idem, p. 486.

  • Conceito e panorama da escatologia na histria da Igreja 31

    a cruz e a ressurreio de Cristo. Disso conclumos que, na viso agostiniana, o momento atual caracteriza a era da tribulao, que teve incio com a morte de Cristo e cessar em sua segunda vinda.38 Essa compreenso do milnio teve grande aceitao na Igreja e prevaleceu por quase toda a Idade Mdia.39

    E bom afirmar que, embora o amilenarismo fosse a corrente oficial da Igreja uma vez que a vasta maioria de telogos cristos e lderes eclesisticos desde o pai da igreja Agostinho foram amilenaristas40 , o pr-milenarismo continuava a ser sustentado41 por certos grupos de contracultura, associados geralmente a seus lderes carismticos e a revoltas desencadeadas por diversas razes.42 No sculo 10, com o incio do novo milnio, a questo do fim intensificou-se. Escritores e pregadores medievais chegaram a julgar que no ano 1000 o anticristo seria solto no mundo e em seguida viria o juzo final.

    Joaquim di Fiore (1130-1202) afirmou ter recebido uma iluminao que lhe permitiu compreender de maneira nova as Escrituras. Em sua concepo, o mundo se dividia em trs idades: a do Pai, a da revelao do Filho e a do Esprito Santo, esta caracterizada por um entendimento mais profundo e espiritual das Escrituras. Seria esta a era definitiva guiada pelo evangelho.43 Fato que a histria eclesistica sempre nos mostra o surgimento dos movimentos milenaristas no seio da Igreja crist. Assim, nos sculos 14 e 16, em razo da crescente desordem na Igreja (tais como a transferncia dos papas para Avinho e o grande cisma do Ocidente cristo), as discusses em torno do fim do mundo voltaram tona.

    38 Idem.39 Robert G. Clouse, Milnio, Conceitos do. In: W. A. Elwell, Enciclopdia hist- rico-teolgica da igreja crist, p. 520.411 Roger Olson, Histria das controvrsias na teologia crist, p. 507.41 Renold ]. Blank, Escatologia do mundo, p. 71.42 Robert G. Clouse, Milnio, Conceitos do. In: W. A. Elwell, Enciclopdia hist- rico-teolgica da igreja crist, p. 520.43 Leomar Antonio Brustolin, Quando Cristo vem..., p. 42.

  • 32 | Fundamentos da teologia escatolgica

    Uma prova da ocorrncia de discusses desse tipo foi a revo- luo dos hussitas taboritas, que neste livro merece destaque por explicitar que a opo por seguir determinada corrente acerca do milnio possui implicaes para as atitudes e decises do cotidiano.

    Em meados do sculo 14, uma dessas revoltas, talvez o mais importante conflito do fim da Idade Mdia, ocorreu na Bomia,44 a partir do julgamento de John Huss. Com os preparativos para a morte de Huss, a Bomia levantou-se unnime em revolta, primeiramente contra a traio do imperador e a injustia do Concilio de Constana, e extensivamente contra a Igreja e o imprio, gerando, assim, possivelmente a primeira revoluo nacional na histria ocidental.

    Aps a morte de Huss, decretada pelo Concilio de Constana em 1415, 452 nobres de todas as partes da Bomia e da Morvia se uniram em um congresso em carter de emergncia em resposta condenao de Huss pelo Concilio. Esses nobres se recusaram a reconhecer os decretos do Concilio de Constana e obedecer ao novo papa, a menos que ele fosse um homem de qualidade moral e agisse de acordo com a vontade de Deus. As decises desse grupo passaram a ser tomadas em reunies na Universidade de Praga, e estabeleceu-se a livre pregao em seus territrios.

    Com a permisso do Concilio de Constana, Sigismund, imperador austro-hngaro que mantinha a Bomia sob seu poder, organizou um exrcito para invadir a Bomia. Em 1419, o rei Wenceslau tentou restaurar o Concilio para que os membros continuassem seus ofcios na Igreja e na Universidade; isso deixou a populao revoltosa fora da praa da cidade. Tal atitude levou os oponentes a atirar pedras; sob a liderana de Joo Zizka, invadiram a praa da cidade, pegaram o burgomestre e os membros do Conselho e

    44 Para mais detalhes a respeito dos taboritas, v. Edson Pereira Lopes, O milenaris- mo dos taboritas na Bomia do sculo XV e sua influncia no pensamento de Joo Ams Comenius, Revista de Cincias da Religio: Histria e Sociedade, p. 32-58.

  • Conceito e panorama da escatologia na histria da Igreja I 33

    lanaram-nos pela janela, dando incio primeira Defenestrao de Praga e marcando o comeo da guerra aberta.

    Aps a morte de Huss, os hussitas dividiram-se em dois grupos, os taboritas radicais e apocalpticos e os utraquistas. Observamos que entre os taboritas o pr-milenarismo no havia cessado; pelo contrrio, estava mais vivo do que nunca. Esse grupo assim se denominava por aluso ao monte Tabor (Mt 28.16-20). O Tabor foi o monte onde Baraque e Dbora juntaram os anfitries que aniquilaram Ssera, imortalizado em um dos grandes poemas da Bblia. Foi o monte da transfigurao de Cristo. Os taboritas acreditavam ainda que o monte das Oliveiras era o local onde Cristo pregou o conhecido sermo proftico, registrado em trs evangelhos; e, por fim, onde Cristo ascendeu ao cu. Para os taboritas, a referncia ao monte Tabor trazia consigo todo um simbolismo de vitria e de grandes realizaes religiosas.45

    Sigismund obteve do papa Joo XXIII a declarao de cruzada contra os hussitas, desencadeada em cinco diferentes momentos histricos. Suas tropas foram at Praga, mas foram derrotadas pelos taboritas, comandados por Joo Zizka. Esse fato, ocorrido em 1420, chamou a ateno do papa e de Sigismund, os quais, em 1421, prepararam um exrcito de cem mil homens, que tambm foram derrotados. Na batalha, Zizka perdeu o nico olho com o qual enxergava, mas continuou na luta, e novamente as foras do imperador foram derrotadas pelos taboritas.41'

    O segredo do sucesso dos taboritas consistia em dois princpios. Um deles que, com a Bblia nas mos, iniciaram uma revoluo militar contra o estabelecimento da igreja papal, vencendo pelo menos cinco cruzadas. O outro era sua cosmoviso milenarista. Eles tinham como proposta religiosa a vida crist nos moldes da Igreja primitiva, em que as pessoas vendiam seus bens e

    45 Edson Pereira Lopes, O milenarismo dos taboritas na Bomia do sculo XV e sua influncia no pensamento de Joo Ams Comenius, Revista de Cincias da Religio: Histria e Sociedade, p. 38-39.46 Idem, p. 40.

  • 34 | Fundamentos da teologia escatolgica

    depositavam os valores aos ps dos apstolos. Da mesma maneira, os taboritas vendiam suas propriedades e colocavam seu dinheiro e suas joias diante da comunidade, e a riqueza acumulada era dis- tribuda igualmente para todos os cidados. Tambm promoviam grandes ajuntamentos, nos quais a eucaristia se tornava um ma- cio agpe, numa festa do amor presidida pelos lderes militares ou religiosos.47

    Um manifesto datado em 1419 exortava os fiis a fugirem para os lugares santos onde o Senhor reapareceria. Exprimia-se assim:

    Carssimos irmos em Deus! Sabei que se aproxima j o tempo do maior tormento. Ei-lo que chega: est s portas esse tempo anunciado por Cristo em seus evangelhos e por seus apstolos em suas epstolas, pelos profetas e por So Joo no Apocalipse. Nesse tempo, Deus, o Senhor, ordena a seus eleitos pela voz de Isaas (cap. 51) fugir de entre os maus [...]. Mas para onde devem fugir os eleitos de Deus? Para as cidades fortificadas que Deus suscitou no tempo do maior tormento, para que nelas seus eleitos se abriguem.48

    De modo semelhante, Brezova, comentado por Delumeau, demonstra a proposta milenarista dos taboritas ao citar:

    Nessa cristandade, enquanto durar a Igreja primitiva, restaro apenas cinco cidades corporais e materiais para onde os fiis sero obrigados a fugir no tempo da vingana. Pois, fora dessas cinco cidades, no podero alcanar a libertao e a salvao [...] ningum ser mantido parte dos golpes do Senhor, a no ser nas assembleias das montanhas e das grutas rochosas onde os fiis esto agora reunidos. Quem ler ou ouvir pregar a palavra de Deus, l onde dito: Ento, vs que estais na terra dos judeus, fugi para as montanhas, se no deixar as cidades,

    47 Idem, p. 43.48 Jean Delumeau, Mil anos de felicidade: uma histria do paraso, p. 100.

  • Conceito e panorama da escatologia na histria da Igreja ! 35

    burgos e aldeias para ir s montanhas onde esto reunidos os irmos fiis, pecar mortalmente contra o mandamento de Cristo e ser punido; perecer juntamente com essas cidades, burgos e aldeias, a no ser nas assembleias das montanhas. Somente os fiis reunidos nessas montanhas constituem o corpo junto ao qual se renem as guias; somente eles so os exrcitos enviados por Deus atravs do mundo para causar esses flagelos, realizar essas vinganas sobre as naes, destruir e queimar suas cidades, burgos, aldeias, fortalezas e castelos. Eles devero julgar toda lngua que resistir a eles.49

    Havia a crena de que o anticristo reunia suas tropas dentro do prprio reino e tambm em seu exterior para esmagar os leais servidores de Deus. Por essa razo, os fiis eram exortados a abandonar seus cajados e a pegar armas, pois no podiam esperar de braos cruzados, mas preparar o caminho para a volta de Jesus, lutando contra o anticristo e seus sequazes.50

    Um cntico milenarista51 convidava de maneira significativa vigilncia, j que o Senhor em breve desceria terra:

    Vigia, chama sem descanso,Tu que conheces a verdade,Monta a guarda [...]. Toma o vinho, a gua, o po,Pois se aproxima tua hora E deles ters necessidade [...].Anuncia o dia em que vir teu Senhor,Anuncia seu grande poder.Em breve ele descer terra E te ordena que retornes tua casa [...].

    411 Idem, p. 103.50 Edson Pereira Lopes, O milenarismo dos taboritas na Bomia do sculo XV e sua influncia no pensamento de Joo Ams Comenius, Revista de Cincias da Religio: Histria e Sociedade, p. 42.51 Jean Delumeau, Mil anos de felicidade: uma histria do paraso, p. 99.

  • 36 | Fundamentos da teologia escatolgica

    A verdade governar,A mentira ser vencida eternamente.Homem, presta bem ateno,Guarda isto na memria.

    Alguns militantes taboritas chegaram a anunciar a segunda vinda de Cristo para o ano 1420, conforme se pode verificar na Crnica hussita, do universitrio praguense Loureno de Brezova (1370-1436):

    [Por volta de 1419-20] alguns padres [...] taboritas anunciaram a nova vinda de Cristo. Por ocasio desse evento, diziam, todos os maus e os adversrios da verdade devero perecer e ser exterminados, e os bons sero conservados. Os referidos padres pregavam [...]. Suas prdicas amedrontavam o povo, conclamando todos e cada um que quisesse salvar-se da clera de Deus todo-poderoso (que, na opinio deles, devia se manifestar em breve no mundo inteiro) a abandonar cidades, fortalezas, aldeias e burgos, tal como Lot abandonou Sodoma, e a buscar regio nas cinco cidades. Justificavam como parte da preparao para a vinda do Reino que era dever da fraternidade dos santos encharcarem suas espadas com o sangue dos malfeitores, lavando as mos, literalmente, com sangue.2

    Nessa Crnica hussita, Brezova declarou que no deveria haver piedade dos taboritas para com os pecadores e que os fiis deveriam derramar o sangue dos adversrios de Cristo. O autor afirmou:

    O tempo da vingana no mais aquele da graa e da piedade pedidas a Deus; e por isso nenhuma piedade deve ser mostrada aos maus e aos adversrios de Deus. Nesse tempo presente de vingana, no se deve, em relao aos adversrios da lei

    52 Idem, p. 100.

  • Conceito e panorama da escatologia na histria da Igreja I 37

    de Deus, imitar Cristo em sua doura, sua magnitude e sua misericrdia, mas apenas em seu zelo, seu furor, sua crueldade e sua justa maneira de retribuir. Nesse tempo de vingana maldito todo fiel que no quiser, ele prprio, com sua espada, derramar o sangue dos adversrios da lei de Cristo. Cada fiel deve lavar suas mos no sangue dos inimigos de Cristo. Pois bem-aventurado aquele que retribua filha miservel do mesmo modo que ela prpria nos retribuiu. Cada sacerdote de Cristo, nesse tempo da vingana, tem o direito e o dever de combater em pessoa pela lei comum, de ferir e matar todos os pecadores e de usar sua espada e outras armas e instrumentos de combate. Enquanto durar a Igreja militante, desde o tempo presente da vingana [que se situa] bem antes do dia do juzo final, todas as cidades, todas as aldeias, cidadelas, fortalezas e burgos e todas as casas devem ser destrudas e queimadas como Sodoma, porque nem o Senhor nem nenhum homem bom nelas entraro.53

    A partir desse tempo de vingana, a comuna e a cidade de Praga deveriam, assim como a Babilnia, ser destrudas e queimadas pelos fiis. Todo senhor, pequeno nobre, burgus ou campons que, admoestado pelos fiis sobre o ponto dos quatro decretos, no aderir a eles fisicamente e com sua presena, ser, como Sat e o drago, despedaado e morto. E os fiis confiscaro seus bens, todos os bens temporais dos adversrios da lei de Cristo devem ser tomados, destrudos e queimados. Todos os camponeses forados a pagar dvidas anuais aos adversrios da lei de Cristo devem destruir esses adversrios e reduzi-los a nada, arruinando seus bens como os dos inimigos.54

    O princpio consistia na crena fundamentada na certeza de que aps a destruio dos pecadores, semelhana de Sodoma e

    53 Idem, p. 102.54 Edson Pereira Lopes, O milenarismo dos taboritas na Bomia do sculo XV e sua influncia no pensamento de Joo Ams Comenius, Revista de Cincias da Religio: Histria e Sociedade, p. 34.

  • 38 S Fundamentos da teologia escatolgica

    Gomorra,55 Cristo apareceria no alto de uma montanha, possivelmente o monte Tabor, e celebraria a vinda do Reino com um grande banquete messinico para todos os crentes vitoriosos. Os eleitos ressuscitariam imediatamente em seu prprio corpo, bem antes da segunda ressurreio, que seria geral. Com eles, Cristo desceria do cu e viveria corporalmente na terra, aos olhos de todos. E nas montanhas corporais haveria um grande banquete, um festim ao qual Cristo estaria com os convivas e rejeitaria o mal nas trevas exteriores. Ele tambm exterminaria com fogo e pedras todos os que estivessem fora das montanhas, como o fez outrora no dilvio com todos os que estavam fora da arca de No.56

    Comentando a respeito do milenarismo dos taboritas, Gonzlez afirma:

    Ao que parece estas doutrinas se baseavam no comeo em um milenarismo exagerado. O fim estava s portas. Ento Jesus Cristo castigaria os mpios, e exaltaria os eleitos. Nos ltimos dias, espera do fim, era tarefa destes eleitos empunhar a espada e preparar o caminho do Senhor. No havia motivo para ter misericrdia daqueles que de qualquer forma o Juiz Supremo iria condenar ao fogo eterno. Por isto todos os que agora se opunham vontade de Deus deveriam ser destrudos pelas milcias crists. Quando chegasse a hora final Deus restauraria o paraso. Acreditavam que no Reino todos os sacramentos e ritos seriam dispensados, substitudos pela presena real de Cristo e do Esprito Santo; todas as leis seriam abolidas; os eleitos jamais morreriam; e as mulheres iriam parir crianas sem dor.1'

    Percebemos que a concepo milenarista, a expectativa da vinda de Cristo e a implantao da justia e da paz na terra por Cristo foram o incentivo e a motivao para as diversas vitrias dos rebeldes

    55 Jean Delumeau, Mil anos de felicidade: uma histria do paraso, p. 127.56 Idem, p. 104.s' A era dos sonhos frustrados, p. 11 7.

  • Conceito e panorama da escatologia na histria da Igreja ! 39

    bomios durante as cruzadas comandadas por Sigismund e apoiadas pelo papa e pelos hussitas-utraquistas alemes. Justo Gonzlez atesta nossa interpretao quando afirma: Outro fato significativo que a expectao escatolgica levou os taboritas a tomar atitudes concretas, e contribuiu para seus repetidos triunfos sobre os invasores [utraquistas] alemes.5S

    Por conseguinte, os hussitas taboritas do sculo 15 comprovam que o pr-milenarismo apocalptico permanecia vivo entre os cristos, apesar de o pensamento agostiniano do amilenarismo prevalecer na oficialmente Igreja. Ressaltamos que a escolha desses movimentos por esta ou aquela corrente do milnio resultava em certas atitudes e prticas.59 No se tratava apenas de mera concepo teolgica, mas de uma cosmoviso que buscaria transformar a realidade baseando-se na expectativa da vinda de Cristo. Fato que tais movimentos partiam de uma determinada realidade concreta que deveria ser transformada para que resultasse em novo sentido para a vida e para o mundo.60 o que confirmam Man- zatto, Passos e Villac: [...] escatologia no se reduz a um discurso sobre as coisas futuras e [...] como sero essas coisas [...], mas provoca as pessoas responsabilidade, a tomar atitudes diante de sua realidade.61

    importante mencionarmos isso porque frequentemente se diz que essa expectativa leva as pessoas ao conformismo, ou que tais crenas so apenas compensaes fantasiosas para as privaes da vida real; porm, na verdade, a histria relata diversos casos que provam o contrrio. De fato, muita coisa depende do contedo concreto dessa expectativa e da maneira como ela se relaciona com o tempo presente.62 Ela no oferece fantasias de

    58 Idem, p. 117.1' Heher Carlos de Campos, A posio escatolgica como fator determinante do envolvimento poltico e social, Fides Reformata, p. 3.60 Wayne A. Meeks, Os primeiros cristos urbanos, p. 352.61 De esperana em esperana: escatologia, p. 12.52 Justo L. Gonzlez, A era dos sonhos frustrados, p. 119.

  • 40 I Fundamentos da teologia escatolgica

    renovao, mas sim um quadro abrangente do que est errado e de como a vida deve ser novamente organizada. Quando essas ideias so bem-sucedidas, podem ocorrer modificaes duradouras nos relacionamentos sociais, assim como o estabelecimento de novas instituies.63 com esse pensamento que Moltmann apresenta a compreenso dos estudos escatolgicos como eficaz fonte mobili- zadora e revolucionria da histria.64

    No traado de um panorama da histria da escatologia, tambm no se pode esquecer a rebelio de Mnster, ocorrida em 1534. Jan Matthys, um padeiro de Haarlem, na Holanda,65 assumiu o controle da comunidade, autodenominou-se Enoque66 e iniciou um perodo de represso que visava a purificar a cidade, com rebatismos forados; alm disso, confiscou propriedades e chegou at a executar um ferreiro considerado seu amigo.67 Matthys, que justificava suas atitudes como sendo a preparao do caminho para a segunda vinda de Cristo, declarou que Mnster era a nova Jerusalm68 e conclamou todos os cristos fiis a se reunirem naquela cidade. Foi grande a luta para conter Matthys e seus seguidores, e, segundo Clouse,69 esse episdio e o fato de o pr-milenarismo ter sido mal compreendido por parte de muitos cristos (conforme vimos anteriormente) talvez tenham levado os reformadores protestantes a reafirmarem o amlenarismo agostiniano.70 Devemos ter

    63 Wayne A. Meeks, Os primeiros cristos urbanos, p. 352.64 Teologia da esperana, p. 29-30.65 Alderi Souza de Matos, A expectativa do fim da histria do cristianismo.66 A literatura referente a Enoque pode ser encontrada em lEnoque, texto considerado no exatamente uma obra, mas uma grande coleo de escritos apocalpticos. A publicao do Livro de Enoque, no incio do sculo 19, foi um grande estmulo ao estudo moderno da literatura apocaltica. Para conhecimento, v. John Joseph Collins, A imaginao apocalptica: uma introduo literatura apocalptica judaica, p. 75-131.67 Alderi Souza de Matos, A expectativa do fim da histria do cristianismo, p. 1.68 Idem.69 Milnio, Conceitos do. In: Walter A. Elwell, Enciclopdia histrico-teolgica da igreja crist, p. 521.70 Leomar Antonio Brustolin, Quando Cristo vem..., p. 43.

  • Conceito e panorama da escatologia na histria da Igreja I 41

    em mente que cada uma das trs tradies protestantes do sculo 16 (luterana, calvinista e anglicana) tinha o apoio do Estado, e, portanto, o amilenarismo parecia ser a melhor escolha dentre as correntes do milnio.

    Considerando ainda a questo da no aceitao do pr-milenarismo demonstrado pelos taboritas e por Matthys, no nos esqueamos de que Martinho Lutero (1483-1546), por exemplo, jamais admitiu que um cristo pegasse em armas; antes, exortava a todos que vivessem em paz. Portanto, no se tratava apenas de acomodao poltica, como Clouse parece defender, e sim de adeso pessoal ideia de que a Igreja j estava no milnio e enfrentava a tribulao, que seria mais intensa quando estivesse prxima a segunda vinda de Cristo, a qual Lutero acreditava que ocorreria durante sua prpria vida ou logo depois de sua morte.71 Vale ressaltar que os reformadores em geral, entre eles Lutero, defendiam o pensamento de que o ministrio do papado era o anticristo.'2

    No incio da Reforma, a crena de que a Igreja j passava pelo perodo da tribulao (entendimento diretamente relacionado ao amilenarismo) recebeu destaque.73 Seguindo o pensamento de Agostinho, Joo Calvino (1509-1564) via o milnio como o cumprimento do governo e reino de Deus por intermdio da Igreja.74 Ainda que haja uma discusso interessante e nem sempre consigamos identificar o real posicionamento de Calvino a respeito do milnio exceto que no era pr-milenarista, uma vez que ele mesmo afirmou: Mas pouco depois surgiram os quiliastas,7 que limitaram o reino de Cristo ao trmino de mil anos, mas este desvario to

    71 Roger OlsN, Histria das controvrsias na teologia crist, p. 487.72 Idem.73 Para mais detalhes acerca do posicionamento dos reformadores a respeito do milnio, v. W. ]. Grier, O maior de todos os acontecimentos, p. 26, 28.74 Roger Olson, Histria das controvrsias na teologia crist, p. 487.75 Os termos milenismo e milenarismo so sinnimos procedentes da palavra latina millenium, mil anos. Ambas as palavras so equivalentes a quiliasmo", termo oriundo do grego quilioi, mil. Para mais esclarecimentos, v. Loren L. Johns (Ed.), Apocalypticism and millennialism, p. 9.

  • 42 | Fundamentos da teologia escatolgica

    pueril que no merece e nem precisa de refutao70 , relevante observarmos que alguns telogos o enquadram como ps-milena- rista77 e outros o classificam como amilenarista.78

    Adotando uma viso dinmica da histria, na qual Deus age soberanamente para cumprir seus propsitos, Calvino d a enten- der que para ele o reino de Deus est progressivamente rolando adiante, esmagando os outros reinos mundanos, at que alcance seu estado ltimo na glria.79 Sendo assim, podemos afirmar que Calvino no concebia uma concepo pr-milenarista, uma vez que no cria num perodo de mil anos literais. Ele deixa explci- to que o nmero mil de Apocalipse 20.4 no trata da beatitude da Igreja, mas somente das vrias revoltas que at ento afligiam a Igreja militante na terra.80 O reformador faz uma severa crtica aos pr-milenaristas, quando afirma:

    No mais, toda a Escritura clama a uma s voz que nem a felicidade dos eleitos, nem o suplcio dos rprobos tero fim [...]. Os que assinam aos filhos de Deus mil anos para que usufruam da herana da vida futura no se do conta de quo grande afronta fazem a Cristo e a seu reino. Pois se no sero revestidos de imortalidade, segue-se que tampouco o prprio Cristo, em cuja glria ho de ser transformados, foi recebido na glria imortal. Se a bem-aventurana deles h de ter um fim qualquer, segue-se que o reino de Cristo, em cuja solidez aquela se apoia, temporrio. Finalmente, ou so ignorantssimos de todas as coisas divinas, ou, com oblqua malignidade, pretendem desfazer totalmente a graa de Deus e a virtude Cristo [...].81

    76 A instituio da religio crist, p. 448.77 Gary North, A confisso milenarista de Calvino.78 W. Gary Crampton, Calvino sobre as ltimas coisas.79 Idem.80 A instituio da religio crist, p. 448.81 Idem, p. 449.

  • Conceito e panorama da escatologia na historia da Igreja I 43

    Entretanto, apesar das duras exortaes de Calvino, h calvi- nistas que aderem noo do pr-milenarismo, entre os quais o telogo Johann Heinrich Alsted (1588-1638), que afirmava que o livro de Apocalipse no deveria ser interpretado de forma figurada ou alegrica, e sim como um reino literal de Deus, a ser estabelecido na terra antes do juzo final.

    Por acreditar num reino literal de Deus a ser estabelecido na terra antes do juzo final, Alsted centra sua ateno na reforma da sociedade e, assim, escreve Triumphus Biblicns, em que considera a educao como um meio que realiza, no mundo, a vontade de Deus, colocando-se, ento, como um projeto de reforma da humanidade. Em sua Encyclopedia omnum scientiarum, Alsted delineia um modelo de ensino baseado em alguns pressupostos de natureza terica: Deus fundamento e princpio de todo saber, e quem realiza o processo de ensino o professor e os livros, sejam estes antigos ou modernos, excludos obviamente os herticos ou privados de orientao metdica. Ao comentar a organizao escolar de Alsted, Cambi afirma:

    No nvel da organizao escolar, da qual trata no Systema mnemonicum, ele distingue as escolas elementares, chamadas tambm vernculas, das escolas superiores, divididas em demi- cae (necessria a todos) e accademicae (ou universidades). As escolas superiores, urbanas e no rurais, masculinas e no femininas, acolhem os meninos dos sete anos em diante e se articulam, depois de um ano de latim, em trs classes de gramtica e outras trs classes de filosofia que preparam para os estudos universitrios. Estes ltimos estruturam-se em quatro binios, que tendem para uma especializao cada vez maior, embora mantendo uma notvel abertura cultural.82

    82 Histria da pedagogia, p. 282-283.

  • 44 j Fundamentos da teologia escatolgica

    Alsted rene, em alto grau, todas as qualidades de mestre e pesquisador e trata de assuntos pedaggicos, tendo a teologia e a filosofia como referncias para a organizao escolar. Ele esteve empenhado em compendiar metodicamente todas as cincias num livro que denominou Enclyclopaedia por sinal, a primeira enci- clopdia na acepo moderna do termo: compe-se de 35 livros distribudos em sete volumes, compreendendo desde teologia, medicina e direito at disciplinas curiosas, como a tabacologia e a arte de filosofar em banquetes.83

    Especificamente sobre a questo do milnio, Alsted escreveu De mille annis Apocalypticis, datada de 1627, na qual assinalou suas concepes pr-milenaristas e predisse o advento do reinado milenar para 1694-84 Tendo em mente o contexto dessa obra e o perodo em que vivia esse pastor calvinista, compreensvel identificar sua preferncia por essa corrente do milnio, uma vez que eram tempos de calamidade, em que se desdobrava a Guerra dos Trinta Anos, sendo o pr-milenarismo ento em voga. Prova disso so os escritos de Joo Ams Comenius, considerado o pai da pedagogia moderna, que viveu no sculo 17.85 Comenius foi discpulo de Alsted e, segundo Lopes,86 em determinado momento de sua vida se rendeu contrariando suas prprias crenas moravianas s profecias pr-milenaristas de Kotter e Poniatowska, os quais profetizaram um perodo de paz, riqueza e glria para a Morvia. Comenius acreditava que Jesus Cristo voltaria terra para consolar e salvar todas as pessoas, estabeleceria seu reinado por mil anos, pondo fim injustia, e ento a vitria divina livraria todos do poder do mal.87

    S3 Edson Pereira Lopes, A inter-relao da teologia com a pedagogia no pensamento de Comenius, p. 46-47.84 Idem, p. 185.85 Para mais detalhes acerca do pensamento de Joo Ams Comenius, indicamosO conceito teolgico-pedaggico na Didtica magna de Comenius e A inter-relao da teologia com a pedagogia no pensamento de Comenius, obras de Edson Pereira Lopes.86 A inter-relao da teologia com a pedagogia no pensamento de Comenius, p. 185-186.87 Sook Jong Lee, The Relationship of John Amos Comenius' Theology to His Educa- tional Ideas, p. 150.

  • Conceito e panorama da escatologia na histria da Igreja I 45

    As obras desses homens tiveram importante impacto sobre alguns puritanos ingleses do sculo 17, visto que estes enfrentaram intransigncia governamental oposta s suas vises da Igreja e do Estado. Porm, os puritanos extremistas contriburam para que muitos relutassem em abraar vises pr-milenaristas.

    Durante a Revoluo Puritana, seus escritos serviram para encorajar outros a esperarem o estabelecimento do reino milenar na Inglaterra.88 Entretanto, com a queda de Oliver CromwelF e a restaurao da monarquia da famlia Stuart, o pr-milenarismo entrou em declnio. Assumiu seu lugar o ps-milenarismo, ensina- do principalmente por Jonathan Edwards (1703-1758), que enfatizava o papel da Amrica do Norte em estabelecer na terra as condies milenares.90 Segundo Matos, Edwards, no contexto do Primeiro Grande Despertamento, do qual foi um dos principais personagens, anteviu uma era de contnuo avano do evangelho at que, por volta do ano 2000, surgisse o milnio, um perodo de paz, notvel conhecimento, santidade e prosperidade geral.91 H de se compreender que se tratava do perodo entre os sculos 17 e 18, em que vigorava o Iluminismo e encorajava-se o progresso e o profundo otimismo. Isso parece ter convencido muitos protestantes a acreditar num milnio que traria paz e prosperidade para a Igreja, implantado com os esforos da prpria Igreja, auxiliada por Deus.92

    Matos9 ainda assinala que a maior contribuio de Edwards foi o entendimento de que essas circunstncias resultariam de uma combinao da atuao do Esprito Santo com o uso de instru

    88 Robert G. Clouse, Milnio, Conceitos do. In: Walter A. Elwell, Enciclopdia histrico-teolgica da igreja crist, p. 521.89 Para conhecimento, v. Martin N. Dreher, A igreja latino-americana no contexto mundial, p. 113-119.90 Robert G. Clouse, Milnio, Conceitos do. In: Walter A. Elwell, Enciclopdia histrico-teolgica da igreja crist, p. 521.91 A expectativa do fim da histria do cristianismo, p. 2.92 Idem, p. 1.93 Idem, p. 2.

  • 46 | Fundamentos da teologia escatolgica

    mentos como a pregao do evangelho e o cultivo dos meios ordinrios de graa. Para Edwards, essa viso ps-milenarista era um incentivo necessrio para sustentar os melhores esforos da Igreja, visto que essa proposta do milnio abarca uma viso otimista da histria e do reino de Deus.94 Samuel Hopkins, discpulo de Edwards, publicou em 1793 um tratado sobre o milnio, no qual enfatizou o ativismo social e deixou explcito que a grande maioria dos seres humanos se converteria a Deus.

    Com pensamento semelhante, o avivalista Charles G. Finney (1792-1875) levou s ltimas conseqncias os pressupostos de Edwards. Na concepo de Finney, o avivamento no era uma manifestao sobrenatural somente, mas resultava do uso apropriado de certas tcnicas, s quais denominou novas medidas.95

    O contnuo progresso da nao norte-americana e a ocorrncia de novo avivamento em 1858 intensificou as esperanas ps-mile- naristas, que eram expressas nos termos mais triunfalistas possveis. Mas, com a Guerra Civil (1861-1865) e os problemas gerados pela industrializao, o entusiasmo ps-milenarista entrou em declnio. O cenrio estava preparado para o retorno do pr-milenarismo.

    Devemos ter em conta que diversos movimentos de natureza fortemente apocalptica comearam a aparecer na primeira metade do sculo 19. Exemplo disso foi o surgimento dos mr- mons e seu profeta Joseph Smith, que esperava pelo fim antes de sua morte.90 Outro lder influente desse momento histrico foi William Miller, que concluiu que Cristo voltaria em 1843 ou 1844. Alm destes, um grupo liderado por James White e Ellen G. White concluiu que Miller estava certo quanto data, mas errado quanto ao local. Para esse grupo, no dia 22 de outubro de 1844 Cristo de fato purificou o santurio segundo a profecia de Daniel 8.14, mas o santurio estava no cu, no na terra. Cristo no teria aparecido na terra em virtude da no observncia do

    94 Roger Olson, Histria das controvrsias na teologia crist, p. 506.95 Alderi Souza de Matos, A expectativa do fim da histria do cristianismo, p. 2.96 Leomar Antonio Brustolin, Quando Cristo vem..., p. 45.

  • Conceito e panorama da escatologia na historia da Igreia 1 47

    sbado por parte da Igreja, e assim surgiu a Igreja Adventista do Stimo Dia,07 que influenciou o surgimento das Testemunhas de Jeov, instituio fundada por Charles Russell, morto em 1916. Adepto tambm de clculos para determinar a data do fim de todas as coisas, Russell afirmou que sua gerao no passaria sem ter visto o reino de Deus e profetizou o ano de 1874 como ocasio da vinda de Cristo.98

    Ness contexto, o pr-milenarismo torna-se novamente popular. Entretanto, por causa do interesse redobrado pelo destino dos judeus, essa abordagem do milnio passou a ser denominado pr- -milenarismo dispensacionalista, que se distinguia do pr-milenarismo histrico por dividir a histria em diversas eras ou dispensaes e entender que Deus tem dois planos completamente distintos atuando na histria: um para os judeus e outro para a Igreja. Assim, a partir desse momento, temos o pr-milenarismo histrico e o pr-milenarismo dispensacionalista, distino mantida at os dias atuais.

    Um dos propagadores do pr-milenarismo dispensacionalista foi Edward Irving, ministro da Igreja da Esccia, o qual publicou considervel nmero de obras a respeito das profecias bblicas. Sua exposio escatolgica do milnio encontrou apoio entre os Irmos de Plymouth e levou muitas pessoas daquele grupo a se tornarem mestres entusiastas do pr-milenarismo dispensacionalista. Uma dessas pessoas foi John Nelson Darby (1800-1882), que se tornou um dos principais expositores do dispensacionalismo e teve muitos seguidores, dentre eles Cyrus I. Scofield, um dos mais conhecidos no Brasil e cuja verso bblica (Bblia Anotada) contm anotaes e explicaes com base na perspectiva dispensacionalista. Por fim, destacamos ainda que, alm dos lderes citados, J. Dwight Pentecost e Dwight L. Moody tambm ensinam as Escrituras sob a ptica dispensacionalista.

    97 Alderi Souza de Matos, A expectativa do fim da histria do cristianismo, p. 2.58 Leomar Antonio BruSTlin, Quando Cristo vem..., p. 45.

  • 48 I Fundamentos da teologia escatolgica

    Na Igreja crist atual, deparamo-nos com a presena das quatro correntes do milnio: pr-milenarismo histrico; pr-milenarismo dispensacionalista, ps-milenarismo e amilenarismo, e, conforme vimos, em certos momentos uma corrente destaca-se entre as outras.

    Analisado o conceito de escatologia e compreendido que seu estudo perpassa os mais diferentes perodos da histria humana, antes de entrarmos nas discusses a respeito do milnio devemos verificar o que as Escrituras nos ensinam a respeito do objeto de nossa reflexo. Primeiramente, vamos identificar o que o Antigo Testamento tem a nos dizer acerca da escatologia e em seguida faremos o mesmo com o Novo Testamento.

    Escatologia no Antigo Tfistamento

    Como afirmamos, a Bblia como um todo um livro escatolgico," e, por conseguinte, temos de iniciar esta parte do estudo rememorando o Antigo Testamento. Num primeiro momento, lembramos que a escatologia evidente quando estudamos alguns temas: A vinda do redentor, a compreenso de Deus como Rei, a promessa da nova aliana... Assim, a partir do texto de Gnesis 3.15 iniciamos nossa discusso: Porei inimizade entre voc e a mulher, entre a sua descendncia e o descendente dela; este lhe ferir a cabea, e voc lhe ferir o calcanhar.

    No entendimento dessa passagem necessrio lembrar que a Bblia interpreta a si mesma. Assim, o Novo Testamento identifica a serpente com Satans: Em breve o Deus da paz esmagar Satans debaixo dos ps de vocs [...] (Rm 16.20). Em Apocalipse 12.9, lemos: O grande drago foi lanado fora. Ele a antiga serpente chamada Diabo ou Satans, que engana o mundo todo. Ele e os seus anjos foram lanados terra. Em Apocalipse 20.2, l-se: Ele prendeu o drago, a antiga serpente, que o Diabo, Satans, e o acorrentou por mil anos.

    99 Leandro Antonio Lima, Razo da esperana: teologia para hoje, p. 543.

  • Conceito e panorama da escatologia na historia da Igreja I 49

    Ressaltamos a expectativa futura da vinda daquele que esmaga- ria a cabea da serpente. Ele desferiria um golpe mortal na cabea de Satans, enquanto o mximo que a serpente poderia fazer, ou mesmo seria permitida a fazer, seria dar uma mordida no calcanhar deste descendente masculino.100 Na compreenso de Kaiser Jr.,101 Eva parece ter compreendido que Caim seria o descendente responsvel por esmagar a cabea da serpente, por isso afirmou: Com o auxlio do Senhor, tive um filho homem (Gn 4.1). Entretanto, apesar da esperana de Eva, tal concepo se caracterizou como um equvoco de sua parte. Porm, destacamos que tal esperana e expectativa permearam toda a histria bblica veterotestamen- tria. Alm disso, poderamos dizer que, nesta passagem, Deus revela resumidamente todo o seu propsito salvfico para com o seu povo. A histria da salvao ulterior um desdobramento do contedo desta promessa-me 102 ou protoevangelium (primeiro evangelho).103 Hoekema afirma: a partir deste ponto, tudo na revelao do Antigo Testamento olha para a frente, aponta para a frente, e ansiosamente aguarda o redentor prometido.104

    Com a progresso da revelao, Deus fez saber que esse descendente surgiria de Abrao, uma vez que, por intermdio da descendncia desse homem, todos os povos da terra seriam abenoados: e, por meio dela, todos os povos da terra sero abenoados, porque voc me obedeceu (Gn 22.18).105 Em Gnesis 49.9-10, o redentor apresentando como pertencente tribo de Jud: Jud um leo novo. [...] O cetro no se apartar de Jud, nem o basto de comando de seus descendentes, at que venha aquele a quem ele pertence, e a ele as naes obedecero. Ao se referir a Jesus, o

    100 Walter C. Kaiser Jr., Teologia do Antigo Testamento, p. 81.101 Idem.102 Anthony Hoekema, A Bblia e o futuro, p. 11.103 Derek KlDNER, Gnesis, p. 66.104 A Bblia e o futuro, p. 11.105 V. tb. Gnesis 26.4; 28.14.

  • apstolo Joo afirma: Eis que o Leo da tribo de Jud, a Raiz de Davi, venceu para abrir o livro e os seus sete selos (Ap 5.5).

    Anos mais tarde, aps o estabelecimento da monarquia, o povo de Deus reconheceu trs ministrios106 a serem exercidos pelo des- cendente que esmagaria a cabea da serpente: profeta, sacerdote e rei. O redentor deveria ser um grande profeta: O Senhor, o seu Deus, levantar do meio de seus prprios irmos um profeta como eu; ouam-no (Dt 18.15). Ele deveria ser um eterno sacerdote: O Senhor jurou e no se arrepender: Tu s sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque (SI 110.4). Tambm em Salmos, lemos que o redentor deveria ser rei: O Senhor est tua direita; ele esmagar reis no dia da sua ira. Julgar as naes, amontoando os mortos e esmagando governantes em toda a extenso da terra (110.5-6). No livro de Zacarias, lemos: Alegre-se muito, cidade de Sio! Exulte, Jerusalm! Eis que o seu rei vem a voc [...]. Ele destruir [...]. Ele proclamar paz s naes e dominar [...] at os confins da terra (9.9-10).

    O descendente da mulher foi denominado Emanuel, isto , a presena do Deus forte e poderoso estaria com o povo de Israel: [...] ele ser chamado Maravilhoso Conselheiro, Deus Poderoso [...]. Ele estender o seu domnio e haver paz sem fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reino estabelecido e mantido com justia e retido [...] (Is 9.6-7). O descendente tambm visto como um filho de homem: Em minha viso noite, vi algum semelhante a um filho de homem, vindo com as nuvens dos cus [...]. Ele recebeu autoridade, glria e o reino; todos os povos, naes e homens de todas as lnguas o adoraram. Seu domnio um domnio eterno [...] (Dn 7.13-14).

    Diante do exposto e das diversas referncias vinda do redentor em vrios textos das Escrituras, observamos que a expectativa de Israel foi se aguando a respeito da vinda de algum que

    50 I Fundamentos da teologia escatolgica

    106 Anthony Hoekema, A Bblia e o futuro, p. 11.

  • Conceito e panorama da escatologia na histria da Igreja ! 51

    os libertaria.10' O remanescente fiel seria resgatado e receberia o derramamento do Esprito: E depois disso, derramarei do meu Esprito sobre todos os povos [...] (J1 2.28).

    Acerca do derramamento do Esprito, vale lembrar que tambm essa ao gerava uma expectativa nos crentes do Antigo Testamento, sobretudo quando pensavam na aliana, a exemplo do que diz Jeremias:

    Eles sero meu povo, e eu serei o seu Deus. Darei a eles um s pensamento e uma s conduta, para que me temam durante toda a sua vida, para o seu prprio bem e o de seus filhos e descendentes. Farei com eles uma aliana permanente: Jamais deixarei de fazer o bem a eles, e farei com que me temam de corao, para que jamais se desviem de mim. Terei alegria em fazer-lhes o bem, e os plantarei firmemente nesta terra de todo o meu corao e de toda a minha alma. Sim, o que farei.

    Jeremias 32.38-41

    E relevante destacarmos o sermo pregado por Spurgeon,108 intitulado A perseverana na santidade, no qual aponta princpios que provavelmente estavam na mente dos primeiros ouvintes da mensagem de Jeremias. Aps demonstrar, por meio do profeta, a corrupo, o desvio espiritual do povo de Jud e, consequentemente, a quebra da aliana, Deus explicita que outro pacto seria estabelecido com o remanescente fiel. Essa nova aliana contrastaria com a que fora anteriormente selada com Israel quando loi chamado para fora do Egito. Naquele primeiro acordo, eles se rebelaram e desobedeceram ao Senhor. No segundo, porm, Deus promete estabelecer com eles uma aliana eterna, fundamentada na graa de Jav. Agora, Deus no somente os amaria, como tambm cada um deles provaria do amor e da bondade divinos

    107 Leandro Antonio Lima, Razo da esperana, p. 546.108 A perseverana na santidade.

  • 52 Fundamentos da teologia escatolgica

    por meio das bnos derramadas pelo Senhor, da a expresso bblica jamais deixarei de lhes fazer o bem. Alm disso, com a nova aliana, no haveria a possibilidade de apostasia, uma vez que o Senhor colocaria temor no corao dos homens para que nunca se apartassem dele.

    Essas eram as expectativas escatolgicas que motivavam os crentes do Antigo Testamento a permanecerem fiis a Deus, isto , eles aguardavam um redentor referido de maneiras diversas e por meio de vrias figuras que deveria vir em algum tempo futuro, para redimir seu povo,109 apesar de este viver em grande sofrimento. Por isso Hoekema afirma que a escatologia surgiu quando o povo teve de aprender, em meio a grande sofrimento, a confiar em Deus, pela f somente, como o nico fundamento firme da vida.110

    Disso inferimos que a fidelidade do verdadeiro Israel s foi possvel por causa da esperana escatolgica quanto vinda do redentor, descendente da mulher que esmagaria a cabea da serpente. E o que diz Hoekema: [...] a f do crente veterotestamentrio era completamente escatolgica. Ele aguardava a interveno de Deus na histria, tanto no futuro prximo como no distante. Foi, na verdade, esta f-esperana que concedeu ao santo do Antigo Testamento a coragem necessria para percorrer o caminho posto perante ele.111

    Essa esperana escatolgica foi cumprida no Novo Testamento com a primeira vinda de Cristo,112 e outra expectativa ento surgiu: a esperana pela segunda vinda de Jesus, como veremos a seguir.

    Escatologia no Novo Testamento

    Na passagem do Antigo para o Novo Testamento, percebemos que as coisas prometidas por Deus com relao ao redentor se

    109 Anthony Hoekema, A Bblia e o futuro, p. 13.110 Idem, p. 10.111 Idem, p. 20.112 Idem, p. 22.

  • Conceito e panorama da escatologia na histria da Igreja I 53

    cumpriram, pelo menos em parte. Dizemos em parte porque algumas dessas profecias s sero cumpridas no estado pleno da exaltao de Jesus, o Cristo, o qual os escritores do Novo Testamento afirmaram ser o redentor prometido pelos profetas do Antigo Testamento. Portanto, ao falar em escatologia no Novo Testamento podemos abordar o que j se cumpriu e o que ainda acontecer. Por conseguinte, fala-se de uma escatologia inaugurada113 e de uma escatologia no realizada, resultando assim na tenso j- -ainda-no.114 Trata-se das bnos que os cristos j usufruem no presente e das que ainda desfrutaro em sua plenitude aps a vinda do reino de Deus.

    Partindo da tenso j-ainda-no, verificamos que o Novo Testamento assinala o acontecimento do evento escatolgico predito no Antigo Testamento. A vinda de Jesus interpretada como cumprimento das profecias feitas desde Gnesis 3.15, que predizia que o descendente da mulher esmagaria a cabea da serpente. Na comparao entre textos dos dois Testamentos, percebemos claramente tal princpio. Em Isaas, o redentor identificado como Emanuel (7.14). O evangelista Mateus chama Jesus de Emanuel (1.23). No livro do profeta Miqueias, somos informados que o redentor nasceria na cidade de Belm (5.2). Ainda o evangelista Mateus, sabedor dessa profecia, assinala o local do nascimento de Jesus: Belm (2.4-6). Oseias revela que o Messias teria de fugir para o Egito (1.11). Mateus mostra a fuga de Jos e Maria com Jesus para o Egito (1.14-15). Quanto morte do salvador, o salmo 22 nos avisa de que os soldados lanariam sortes pelas vestes de Jesus (v. 18). Em Marcos encontramos o cumprimento desta profecia (15.24).

    113 Charles H. Dodd utiliza o termo escatologia realizada. Cf. Gary M. Burge, Escatologia realizada, Enciclopdia histrico-teolgica da igreja crist, v. 2, p. 39-40.114 Augustus Nicodemus Gomes Lopes, O sermo escatolgico de Jesus: anlise da influncia da apocalptica judaica nos escritos do Novo Testamento, Fides Reformata, p. 6.

  • 54 | Fundamentos da teologia escatolgica

    So vrias as profecias que se cumpriram em Cristo: ele entrou triunfalmente em Jerusalm (Zc 9.9; Mt 21.4-5); foi vendido por trinta moedas de prata (Zc 11.12; Mt 26.15); foi pregado na cruz (Zc 12.10; 19.34); no teve nenhum osso quebrado quando de sua morte (SI 34-20; Jo 19.33); ressuscitou (SI 16.10; At 2.24-32). A escatologia do Novo Testamento, portanto, olha para trs, para a vinda de Cristo, que tinha sido predita pelos profetas do Antigo Testamento, e afirma: ns estamos agora nos ltimos dias [...].115

    Por outro lado, havia plena convico por parte dos escritores neotestamentrios da necessidade de olhar para a frente, para uma consumao final ainda por vir, e por isso tambm diz: o ltimo dia ainda est chegando; a era final ainda no chegou [...] escatologia verdadeira, portanto, ocupa-se sempre com a expectao do Cristo que j foi revelado e que aparecer segunda vez [...] para salvar aqueles que esto ansiosamente esperando por ele.116 Nessa escatologia por vir ou no realizada, deparamo-nos com temticas tais como: a ressurreio do corpo; a segunda vinda de Cristo; o juzo final; o novo cu e a nova terra, entre outras. Esses assuntos sero detalhados nos captulos 3 e 4 deste livro.

    Tendo compreendido o conceito de escatologia, vislumbrado o panorama histrico da escatologia, verificado que esse estudo baseia-se tanto no Antigo quanto no Novo Testamentos e esclarecido a tenso j-ainda-no, importante conhecer mais de perto a proposta de cada corrente a respeito do milnio. E o que faremos no prximo captulo.

    Rhviso e aproveitamento do captulo 1

    1. Qual o significado do termo escatologia?

    115 Anthony Hoekema, A Bblia e o futuro: a doutrina bblica das ltimas coisas, p. 30.116 Idem, p. 31-32.

  • Conceito e panorama da escatologia na histria da Igreia I 55

    2. Qual a relevncia dos estudos da escatologia para a igreja atual.7

    3. Como podemos explicar a tenso j-ainda-no na escatologia bblica?

    4. Comente as pocas em que prevaleceram as propostas do pr-milenarismo, do ps-milenarismo e do amilenarismol

    5. Quais os principais defensores de cada uma dessas correntes acerca do milnio?

  • C a p t u l o 2

    A s c o r r e n t e s m i l e n a r i s t a s : f u n d a m e n t o s e c r e n a s

    Aps termos tratado do conceito de escatologia e demonstrado um breve panorama da histria dessa linha de estudo, nossa preocupao agora ser com as crenas e os fundamentos das correntes milenaristas, as quais se pautam no nico texto bblico que fala a respeito do assunto:

    Ele prendeu o drago, a antiga serpente, que o Diabo, Satans, e o acorrentou por mil anos; lanou-o no Abismo, fechou-o e ps um selo sobre ele, para assim impedi-lo de enganar as naes, at que terminassem os mil anos. Depois disso, necessrio que ele seja solto por um pouco de tempo.

    Apocalipse 20.2-3

    Princpios fundamentais do pr-milenarismo histrico

    O pr-milenarismo histrico ensina que a volta de Cristo no apenas ser visvel, pessoal e gloriosa ao mundo, como tambm est prxima.1 Entretanto, antes dela devero ocorrer acontecimentos tais como a evangelizao de todas as naes, a converso de Israel,

    1 Louis Berkhof, Teologia sistemtica, p. 715.

  • 58 | Fundamentos da teologia escatolgica

    a grande apostasia e a revelao do homem da iniqidade. Ser um perodo de grande tormento e intensa angstia, diferente de qual- quer coisa que tenha acontecido na terra. Poder incluir fenmenos csmicos, perseguio e profundo sofrimento. Na concepo de Erickson, os pr-milenaristas diferem se a Igreja cie Jesus estar presente na terra durante a tribulao ou se Deus a remover da terra imediatamente antes da grande tribulao.2 Dessas posies surgem o ps-tribulacionismo e o pr-tribidacionismo.}

    O ps-tribulacionista acredita que a Igreja permanecer na terra durante a tribulao, ainda que seja protegida de alguns dos aspectos mais severos desse perodo, ao final do qual ser levada s nuvens para se encontrar com o Senhor, que vir pelos ares.4 O pr- -tribulacionista assinala que a Igreja ser arrebatada antes da grande tribulao.^ Erickson ainda explicita outras diferenas entre os dois grupos. Uma dessas questes refere-se vinda de Cristo. O ps-tri- bulacionista a v como uma vinda nica, ao final da tribulao. O pr-tribulacionista compreende que ela se dar em duas fases. Uma vinda para a Igreja no incio da tribulao e uma vinda com os santos no final da tormenta. Ressalte-se ainda que, geralmente, o pr-tribulacionista tende ao pr-milenarismo dispensacionalista (como veremos adiante) porque, na discusso acerca do milnio, foca-se na nao israelita, diferentemente do ps-tribulacionista, que pouco se atm nao de Israel.0

    Passadas essas coisas, ocorrer a segunda vinda de Cristo, acompanhada por vrios eventos cataclsmicos impostos Igreja, a Israel e ao mundo como um todo.7 Acontecer ento a primeira ressurreio, que s poder ser literal isto , fsica e abranger

    2 Escatologia: a polmica em torno do milnio, p. 113.3 Para aprofundar o estudo acerca do ps-tribulacionismo, do pr-tribulacionismo e ainda do mesotribulacionismo, v. J. Dwight Pentecost, Manual de escatologia, p. 190-239.4 J. Dwight Pentecost, Manual de escatologia, p. 190.5 Idem, p. 217.6 MillardJ. Erickson, Escatologia, p. 114.7 C. A. Blaising e Darrel L. Block (Eds.), O milnio, p. 174.

  • AS CORRENTES M1LENARISTAS: FUNDAMENTOS E CRENAS 1 59

    os apstolos e os mrtires, bem como os santos/fiis (os falecidos sero ressuscitados, e os que estiverem vivos sero arrebatados e transformados), aos quais foi prometido poder para julgar e reinar. Observa-se, aqui, um princpio relevante e que certamente evitar algumas confuses quanto aos que reinaro com Cristo segundo a concepo pr-milenarista.

    George Ladd sublinha o fato de alguns comentaristas acreditarem que essa ressurreio se limita aos mrtires da tribulao. Segundo Ladd, os mrtires recebem meno especial; entretanto, na concepo do autor, alm deles todos os santos de Deus so partcipes do reino de Deus. Tambm se deve considerar a nfase pr-milenarista na