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Os fundamentos do currículo
Carlos Eduardo Paulino
Os problemas relacionados com o currículo não são, é claro, os únicos a
resolver quando se faz uma reforma educacional; esta também deve contemplar
muitos outros fatores igualmente determinantes, em maior ou menor medida, do
grau de sucesso ou fracasso do empreendimento. A importância crucial das
questões curriculares, no entanto – não só na etapa de planejamento, mas também
na fase de execução –, converte-as em um dos pilares fundamentais de qualquer
reforma educacional. De fato, no currículo, concretiza-se e toma corpo uma série de
princípios de índoles diversas – ideológicos, pedagógicos, psicopedagógicos – que,
em conjunto, mostram a orientação geral do sistema educacional. Entre outras
coisas, a elaboração de um projeto curricular pressupõe a tradução de tais princípios
em normas de ação, em prescrições educativas, para elaborar um instrumento útil e
eficaz na prática pedagógica. O currículo é um elo entre a declaração de princípios
gerais e sua tradução operacional, entre a teoria educacional e a prática
pedagógica, entre o planejamento e a ação, entre o que é prescrito e o que
realmente sucede nas salas de aula. É lógico, portanto, que a elaboração do
currículo ocupe um lugar central nos planos de reforma educacional e que
frequentemente ele seja considerado como ponto de referências para guiar outras
atuações (por exemplo, formação inicial e permanente do corpo docente,
organização dos centros de ensino, confecção de materiais didáticos etc.) e
assegurar, em última instância, a coerência das mesmas.
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Nas páginas seguintes, exporemos os fundamentos e as opções básicas
subjacentes ao modelo de currículo proposto. Na medida em que o currículo traduz
e concretiza a orientação geral do sistema educacional, o primeiro ponto explicita e
justifica brevemente o conceito de educação, bem como suas relações e vinculações
com outros conceitos próximos, sobretudo os de desenvolvimento, cultura e
escolarização. Para situar o currículo no contexto da escolarização, é necessário
precisar o que se entende por currículo, determinar suas funções e identificar seus
elementos principais, pois o significado e a extensão do termo variam muito
conforme os autores e orientações teóricas; esse é o objetivo do segundo ponto. No
terceiro, são consideradas as fontes do currículo, isto é, o tipo de informação que se
deve considerar na sua elaboração. Em grande parte, essas informações são
específicas para cada currículo, pois variam em função do lugar e do momento (as
informações originadas na sociologia da educação, por exemplo) ou do nível
educacional e da idade dos alunos (como as informações originadas na natureza e
estrutura do conteúdo da aprendizagem). Existe, entretanto, um conjunto de
informações, provenientes da análise psicológica dos processos de desenvolvimento
e aprendizagem, que são relativamente gerais e, pois, merecem um tratamento
específico numa proposta de modelo curricular que abranja todo o ensino
obrigatório; por isso, no quarto ponto, são analisadas separadamente as
contribuições da psicologia no currículo. No quinto e último pontos, a exposição dos
fundamentos da proposta é encerrada com argumentos a favor de um modelo de
currículo aberto e flexível, cujos vários níveis de concretização possibilitem
potencializar ao máximo sua utilização e eficácia.
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DESENVOLVIMENTO, CULTURA,
EDUCAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO
Provavelmente não haverá divergências entre os profissionais da
educação se afirmarmos que sua finalidade primordial é promover o crescimento dos
seres humanos. Mas com certeza elas surgirão no momento de definir e explicar em
que consiste o crescimento educativo e, sobretudo, de decidir as ações pedagógicas
mais adequadas para promovê-lo. A disjuntiva básica ocorre entre aqueles que o
fundamentam como o resultado de um processo de desenvolvimento, em grande
parte interno a pessoa, e os que o concebem mais como o resultado de um
processo de aprendizagem, em grande parte externo à pessoa.
Na verdade, o crescimento pessoal e social, intrínseco à ideia de
educação, pode vincular-se alternadamente tanto ao processo de desenvolvimento
como ao de aprendizagem. Por um lado, uma pessoa educada é uma pessoa que se
desenvolveu, que evoluiu, no sentido forte do termo, desde níveis inferiores, de
adaptabilidade ao meio físico e social até níveis superiores. Por outro, como lembra
acertadamente Calfee (1981), uma pessoa educada é a que assimilou, que
interiorizou, em suma, que aprendeu, o conjunto de conceitos, explicações,
habilidades, práticas e valores que caracterizam uma cultura determinada, sendo
capaz de interagir de forma adaptada com o ambiente físico e social no seio da
mesma. A opção por uma das duas interpretações do crescimento educacional é
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importante, porque propõe ações pedagógicas diferentes que se plasmam no
currículo.
Embora antiga, a controvérsia foi incentivada, nas décadas de 1960 e
1970, pelo auge do enfoque cognitivo-evolutivo inspirado na teoria genética de J.
Piaget e por suas aplicações ao campo da educação sugeridas por alguns dos seus
partidários. Kohlberg, por exemplo, num trabalho clássico publicado em 1968 sob o
título de “Early Education: a cognitive developmental view”, formulava a tese de que
os aprendizados específicos promovidos por muitos programas pré-escolares,
apesar de parecerem positivos à primeira vista – isto é, apesar de se poder
constatar uma aprendizagem efetiva nas crianças –, provavelmente repercutem
escassa ou nulamente sobre seu desenvolvimento a médio e longo prazos. Segundo
Kohlberg, a exposição das crianças pré-escolares a situações não específicas de
aprendizagem, como as que sugerem a teoria genética de Piaget (com profusão de
conflitos cognitivos, manuseio direto de objetivos, etc.), situações que põem em jogo
as operações básicas da inteligência e da competência operacional, são mais
apropriadas para induzir ou provocar efeitos positivos a médio e longo prazo sobre o
crescimento educativo.
Nessa interpretação do enfoque cognitivo-evolutivo, o crescimento que a
ação pedagógica deve potencializar é visto mais como o progresso que segue as
linhas naturais do desenvolvimento que o que depende de aprendizagens
específicas. De fato, a tese de Kohlberg faz parte de uma tradição de pensamento
segundo o qual os esforços para ensinar conteúdos ou habilidades específicas são,
até certo ponto, fúteis. O que importa é a competência cognitiva geral e reforçá-la é
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a única coisa que a educação pode e deve fazer, submetida às leis gerais do
desenvolvimento; no caso concreto que estamos tratando, sobre as leis gerais do
desenvolvimento operatório.
Os anos 1970 foram pródigos em currículos e programas para a pré-
escola e para o ensino básico (Kamii, 1970; Lawson, 1975; Karplus, 1979)
inspirados no enfoque cognitivo-evolutivo, que parte do princípio de que a finalidade
última da educação formal é promover o maior avanço possível dos alunos na
sequência evolutiva das etapas operatórias ( em nível pré-escolar, a operatividade
concreta; no ensino básico, a operatividade formal). Chegar a ser educado, como
frisa D. Kuhn (1979), equipara-se, assim, a atingir o nível mais elevado numa
sequência de etapas evolutivas.
As teorias estruturais do desenvolvimento (a de Piaget é a mais
conhecida, mas algo semelhante ocorre com as de Werner, Kohlberg e outras)
postulam direções e níveis universais do desenvolvimento que podem ser adotados
com fins educativos, isto é, que podem ser tomados como modelo do que deve ser o
crescimento pessoal promovido pela educação formal. Essa colocação encontra-se
explicitamente formulada no artigo programático de Kohlberg e Mayer publicado em
1972 com o significativo título de “Development as the aim of education”. Segundo
os autores, a psicologia do desenvolvimento constitui o “único” ponto de partida
aceitável para formular metas educacionais, porque elimina “o incômodo problema
da pluralidade de valores”; a sequência de etapas do desenvolvimento permite
estabelecer fins educativos “livres de valoração” na medida em que representam
uma progressão que ocorre “de maneira natural”. Acrescente-se que esta forma de
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proceder com frequência é considerada um antídoto à função reprodutora e
conservadora da educação formal (Delval, 1983), que enfatiza aprendizagens
específicas.
Do ponto de vista da alternativa que interpreta o crescimento educativo
como resultado de aprendizagens específicas, critica-se o enfoque cognitivo-
evolutivo e denuncia-se o caráter circular de seus argumentos: se as aprendizagens
específicas introduzissem modificações nos universais do desenvolvimento cognitivo
(as estruturas operatórias), estes deixariam de ser universais; o que os define como
tais é precisamente sua relativa impermeabilidade à influência de fatores ambientais
específicos. Bereiter (1970), numa réplica à tese de Kohlberg e à colocação
cognitivo-evolutiva em geral, acusa-o de cometer um erro “de categoria”, que
consiste em identificar o crescimento educativo com as mudanças das pessoas
relacionadas ao desenvolvimento dos universais cognitivos e, portanto, pouco
influenciáveis pela ação educacional direta.
O enfoque de Kohlberg argumenta Bereiter, identifica o crescimento
educacional com mudanças naturais: segundo a teoria genética, é inexorável –
desde que não ocorram transtornos graves ou fortes carências de estimulação
ambiental – que os seres humanos progridam da etapa sensorial-motora para a das
operações concretas e desta para a etapa das operações formais. Assim, se
estivermos interessados, por exemplo, em promover a educação pré-escolar, será
absurdo propor a meta de que as crianças atinjam a etapa das operações concretas,
pois elas a atingirão de qualquer forma, sem necessidade de ajudas específicas, já
que se trata de um dos universais do desenvolvimento cognitivo. Se quisermos
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melhorar a capacidade intelectual dos pré-escolares e, em geral, promover seu
crescimento educativo, devemos canalizar mais os esforços para aprendizagens que
possam ocorrer ou não em função de sua participação em determinados tipos de
experiências. O crescimento educativo refere-se, em primeiro lugar, às mudanças
das pessoas manifestamente suscetíveis de ser provocadas ou facilitadas mediante
uma ação pedagógica direta.
O argumento tem adquirido força nos últimos anos, mesmo entre
partidários da tradição da teoria genética. Assim, por exemplo, Eleanor Duckworth,
discípula de Piaget, que participou da elaboração de um interessante programa de
ensino de ciências – o African Primary Science Program –, retomou a polêmica em
sugestivo trabalho intitulado “Ou lhes ensinamos cedo demais e não podem
aprendê-lo ou demasiado tarde e já sabem: o dilema de aplicar Piaget” (Duckworth,
1979). A tese da autora é que configura um falso dilema. Afirma que o problema
reside no fato de que se comete um erro com relação ao quid da educação; às
vezes, e buscando a justificativa na teoria de Piaget, afirma-se que a educação deve
consistir apenas em promover a aquisição de estruturas cognitivas. Segundo a teoria
de Piaget, contudo, essas mudanças seriam as únicas com as quais a educação não
teria de preocupar-se, pois, deixando as crianças seguirem seu próprio ritmo e
garantido-lhes uma quantidade suficiente de experiências não-específicas, essas
aquisições se produzem com a mesma naturalidade com que se aprende a caminhar
ou falar. Para Duckworth, o quid da educação não está no favorecimento do
desenvolvimento natural, mas na promoção do maior número possível de
conhecimentos – tanto em amplitude como em profundidade –, levando em
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consideração as potencialidades intelectuais do aluno, pois não adquirirá estes
conhecimentos sem uma ação pedagógica direta.
Em resumo, a controvérsia na interpretação do crescimento educativo é
colocada nos seguintes termos: enquanto o enfoque cognitivo-evolutivo considera
que a meta primordial da educação deve ser promover, facilitar ou, no máximo,
acelerar os processos naturais e universais do conhecimento, o enfoque alternativo
considera que a educação deve ser orientada mais à promoção e facilitação das
mudanças que dependem da exposição a situações específicas de aprendizagem.
Em minha opinião, ambas as posturas contem parte de verdade, porém
traduzem igualmente uma maneira incorreta de entender as relações entre
aprendizagem e desenvolvimento, que deve ser superada. Nos dois casos, os
processos de desenvolvimento e de aprendizagem são considerados quase
independentes; atribuem-se quase que exclusivamente os primeiros a uma dinâmica
interna da pessoa e os segundos, a uma pressão externa. A diferença reside na
ênfase dada, mas nas duas posturas pressupõe-se que a única relação entre eles é
de tipo hierárquico: a aprendizagem subordina-se ao desenvolvimento, ou o
desenvolvimento subordina-se à aprendizagem.
A ideia de que existem processos evolutivos e processos de
aprendizagem quimicamente puros deve, no entanto, ser rejeitada, porque contradiz
algumas contribuições recentes da pesquisa psicológica. As pesquisas
antropológicas e transculturais têm manifestado, segundo Scribner e Cole (1973), “a
universalidade das capacidades cognitivas básicas” (a capacidade de generalizar,
recordar, formar conceitos, raciocinar logicamente, etc.) em todos os grupos culturais
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estudados. As mesmas pesquisas (Cole et al, 1971; Cole e Scribner, 1974),
entretanto, ressaltam diferenças na maneira de utilizar essas capacidades em
situações concretas de resolução de problemas; e, o que é mais interessante,
mostram que essas diferenças estão relacionadas com os tipos de experiências
educacionais. Tudo parece sugerir que existem alguns universais cognitivos, porém
o fato de serem efetivamente postos em prática depende da natureza dos
aprendizados específicos propiciados pelas experiências educativas.
A partir dessa constatação, inspirando-se fortemente, por um lado, nos
trabalhos pioneiros de Vygotsky, Luria e Leontiev, e, por outro, na pesquisa
antropológica, surgiu uma nova proposta (Cole, 1981a; 1981b) que supera a
controvérsia descrita e reconcilia em um esquema explicativo integrador os
processos de desenvolvimento individual e o aprendizado da experiência humana
culturalmente organizada (o que denominamos de aprendizagens específicas). O
conceito de educação subjacente ao modelo de currículo proposto é tributário dessa
proposição, cuja ideia básica consiste na rejeição da tradicional separação entre o
indivíduo e a sociedade, que costuma ser introduzida pela análise psicológica.
Nessa ótica, todos os processos psicológicos que configuram o
crescimento de uma pessoa – tanto os habitualmente considerados evolutivos como
os atribuídos, também habitualmente, a aprendizagens específicas – são fruto da
interação constante que mantém com um meio ambiente culturalmente organizado.
A interação do ser humano com seu meio está intermediada pela cultura desde o
próprio momento do nascimento, sendo os pais, os educadores, os adultos e, em
geral, os outros seres humanos os principais agentes mediadores. Graças às suas
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múltiplas oportunidades de estabelecer relações interpessoais com os agentes
mediadores, o ser humano pode desenvolver os processos psicológicos superiores –
sua competência cognitiva –, porém tais processos sempre aparecem em primeiro
lugar na vida de uma pessoa no plano da relação interpessoal e, consequentemente,
sofrem a mediação dos padrões culturais dominantes. O crescimento pessoal é o
processo pelo qual o ser humano torna sua a cultura do grupo social ao qual
pertence, de tal forma que, neste processo, o desenvolvimento da competência
cognitiva está fortemente vinculado ao tipo de aprendizagens específicas e, em
geral, ao tipo de práticas sociais dominantes.
Para evitar mal-entendidos vamos precisar rapidamente que o conceito de
Cultura é utilizado aqui em um sentido muito amplo, próximo ao da antropologia
cultural. A Cultura, de acordo com Cole e Wakai (1984, p. 6-7), englobam múltiplos
aspectos: conceitos, explicações, raciocínios, linguagem, ideologia, costumes,
valores, crenças, sentimentos, interesses, atitudes, pautas de comportamento, tipos
de organização familiar, profissional, econômica, social, tecnológica, tipos de hábitat,
etc. No decorrer da sua história, os grupos sociais encontraram numerosas
dificuldades e geraram respostas coletivas para poder superá-las; a experiência
assim acumulada configura sua Cultura.
Chegamos, assim, ao conceito de Educação, que desempenha um papel
central no esquema explicativo, porque permite compreender como se articulam
num todo unitário a Cultura e o desenvolvimento individual. Os grupos sociais
ajudaram seus membros a assimilar as experiências culturalmente organizadas e a
converter-se, por sua vez, em membros ativos e em agentes de criação cultural, ou,
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o que é a mesma coisa, favorecem seu desenvolvimento pessoa no seio da Cultura
do grupo, fazendo-os participar de um conjunto de atividades que, consideradas
globalmente, constituem o que chamamos de Educação.
Assim, a Educação designa o conjunto de atividades mediante as quais
um grupo assegura que seus membros adquiram a experiência social historicamente
acumulada e culturalmente organizada. Recordemos novamente que os
instrumentos cognitivos de natureza simbólica e seus usos, os processos
psicológicos superiores, fazem parte desta experiência. As atividades educativas
adotam diferentes modos de organização social conforme o volume e também ao
conteúdo concreto do conhecimento cultural.
No caso das sociedades primitivas, por exemplo, com um escasso nível
de desenvolvimento científico e tecnológico, como algumas tribos de caçadores ou
de pescadores estudadas pelos antropólogos, as atividades educativas não
costumam diferenciar-se das atividades habituais dos adultos. A aquisição das
pautas culturais pela criança – conhecimentos, conceitos, habilidades, valores,
costumes, etc. – é feita através de sua participação, na medida do possível, das
atividades dos adultos, ou simplesmente por observação e imitação. No outro
extremo, encontramos as atividades educativas típicas das sociedades com maior
nível de desenvolvimento científico e tecnológico, que apresentam uma organização
social muito mais complexa: são atividades nitidamente diferenciadas das atividades
habituais dos adultos, correspondem a intenções próprias e geralmente são
efetuadas em instituições especificamente habilitadas para esse fim (as escolas e
outros centros educacionais). O conceito de escolarização (Schooling) designa esta
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subcategoria de atividades educativas em cujo contexto, por outro lado, a questão
do currículo do ensino obrigatório adquire plena significação.
Nas páginas seguintes, nos referiremos exclusivamente à escolarização,
mas não devemos esquecer que as atividades educativas dessa natureza não são
de forma alguma as únicas presentes em nossa sociedade. Com elas, encontramos
outras atividades educativas igualmente importantes (na educação familiar, na
educação extra-escolar, na educação impulsionada pelos meios de comunicação
social etc.), que também deveriam ser consideradas na análise holística do
fenômeno educativo.
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O
CONCEITO DE CURRÍCULO
Que papel desempenha o currículo nas atividades educativas escolares?
Que elementos inclui? Em definitivo, que é o currículo? Esta pergunta é realmente
difícil de responder, pois, na prática, cada especialista tem sua própria definição com
nuanças diferenciais. Evitaremos o debate sobre que é o currículo, limitando-nos a
precisar o que se entende por currículo na proposta e aceitando que existem outras
concepções diferentes da que aqui se contempla, porém sem polemizar. O caminho
que leva à formulação de uma proposta curricular é mais o fruto de uma série de
decisões sucessivas que o resultado da aplicação de alguns princípios firmemente
estabelecidos e unanimemente aceitos. Consequentemente, o que importa é
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justificar e argumentar sobre a solidez das decisões que vamos tomando e,
sobretudo, velar pela coerência do conjunto.
O caminho mais direto para precisar o que entendemos por currículo
consiste em interrogar-nos sobre as funções que ele deve desempenhar e, para
identificá-las, convém recordar e ampliar o que dissemos anteriormente a propósito
da natureza das atividades educativas escolares. Esta modalidade de educação
surge quando a simples participação nas atividades habituais dos adultos, bem
como sua observação e imitação, não são suficientes para assegurar aos novos
membros do grupo um crescimento pessoal adequado. As atividades educativas
escolares correspondem à ideia de que existem certos aspectos do crescimento
pessoal, considerados importantes no âmbito da cultura do grupo, que não poderão
ser realizados satisfatoriamente ou que não ocorrerão de forma alguma, a menos
que seja fornecida uma ajuda específica, que sejam exercidas atividades de ensino
especialmente pensadas para esse fim. São atividades que correspondem a uma
finalidade e são executadas de acordo com um plano de ação determinado, isto é,
estão a serviço de um projeto educacional. A primeira função do currículo, sua razão
de ser, é a de explicitar o projeto – as intenções e o plano de ação – que preside as
atividades educativas escolares.
Enquanto projeto, o currículo é um guia para os encarregados de seu
desenvolvimento, um instrumento útil para orientar a prática pedagógica, uma ajuda
para o professor. Por esta função, não pode limitar-se a enunciar uma série de
intenções, princípios e orientações gerais que, por excessivamente distantes da
realidade das salas de aula, sejam de escassa ou nula ajuda para os professores. O
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currículo deve levar em conta as condições reais nas quais o projeto vai ser
realizado, situando-se justamente entre as intenções, princípios e orientações gerais
e a prática pedagógica. É função do currículo evitar o hiato entre os dois extremos;
disso depende, em grande parte, sua utilidade e eficácia como instrumento para
orientar a ação dos professores. O currículo, entretanto, não deve suplantar a
iniciativa e a responsabilidade dos professores, convertendo-os em meros
instrumentos de execução de um plano prévia e minuciosamente estabelecido. Por
ser um projeto, o currículo não pode contemplar os múltiplos fatores presentes em
cada uma das situações particulares no qual será executado.
Os componentes do currículo, os elementos que ele contempla para
cumprir com êxito suas funções, podem agrupar-se em quatro objetivos:
1º Proporciona informações sobre o que ensinar. Este objetivo inclui dois
temas: conteúdos ( termo que designa aqui em sua acepção mais ampla, o que
chamamos de “a experiência social culturalmente aceita”: conceito, sistemas
explicativos, habilidades, normas, valores, etc.) e objetivos (os processos de
crescimento pessoal que se deseja provocar, favorecer ou facilitar mediante o
ensino).
2º Proporciona informações sobre quando ensinar, sobre a maneira de
ordenar e dar sequência aos conteúdos e objetivos. A educação formal abrange,
com efeito, conteúdos complexos e inter-relacionados e pretende incidir sobre
diversos aspectos do crescimento pessoal do aluno, sendo necessário, portanto,
optar por uma determinada sequência de ação.
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3º Proporciona informações sobre como ensinar, isto é, sobre a maneira
de estruturar as atividades de ensino/aprendizagem das quais participarão os
alunos, a fim de atingir os objetivos propostos em relação com os conteúdos
selecionados.
4º Proporciona informações sobre que, como e quando avaliar. Na
medida em que o projeto corresponde a certas intenções, a avaliação é um
elemento indispensável que assegura se a ação pedagógica responde
adequadamente às mesmas e introduz as correções oportunas em caso contrário.
Os quatro objetivos estão relacionados entre si e condicionam-se
mutuamente, pois tratam de diferentes aspectos de um mesmo projeto: enquanto o
primeiro (que ensinar?) explicita as intenções, os três restantes (quando ensinar?,
como ensinar?, que, como e quando avaliar?) referem-se mais ao plano de ação a
ser seguido de acordo com elas. Um dos problemas intrínsecos na elaboração do
currículo reside em decidir como concretizar esses diferentes elementos – mais
tarde veremos que são várias as alternativas possíveis – e em assegurar a
coerência de todos eles.
Em resumo, entendemos o currículo como o projeto que preside as
atividades educativas escolares, define suas intenções e proporciona guias de ação
adequadas e úteis para os professores, que são diretamente responsáveis pela sua
execução. Para isso, o currículo proporciona informações concretas sobre que
ensinar, quando ensinar, como ensinar e que, como e quando avaliar. Em princípio,
esta colocação está próxima da defendida por autores como Stenhouse, para quem
“Um currículo é uma tentativa de comunicar os princípios e características essenciais
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de um propósito educativo, de tal forma que permaneça aberto à discussão crítica e
possa ser efetivamente transladado à prática” (1984, p. 29). Antes de continuar, no
entanto, convém esclarecer uma nuança com relação à extensão do currículo.
Para alguns autores, entre os quais Stenhouse, o currículo inclui tanto a
descrição do projeto educativo quanto a análise empírica do que realmente sucede
nas salas de aula, quando o projeto é concretizado; isto explica, por exemplo, que
para Stenhouse o currículo deva abranger, além dos componentes mencionados,
uma série de princípios para o estudo empírico da sua aplicação. É óbvio que
existem dois aspectos relacionados com o currículo, o Projeto ou Desenho Curricular
e sua aplicação, e que ambos estão intimamente ligados. Mas, a nosso ver, o
problema reside no fato de que, definida dessa maneira ampla, o currículo termina
abrangendo a totalidade de elementos da educação formal, perdendo assim seu
caráter específico e também sua operacionalidade. Por outro lado, resulta difícil
admitir que a análise empírica daquilo que realmente acontece nas salas de aula
possa ser reduzida ao desenvolvimento ou aplicação do currículo, a menos que no
mesmo sejam incluídos absolutamente todos os fatores que, de uma forma ou de
outra, incidam sobre a realidade escolar!
A seguir, e para frisar o caráter de projeto do currículo, manteremos a
diferença entre Projeto e Desenho Curricular e Desenvolvimento ou Aplicação do
Currículo como duas fases da ação educativa que se alimentam mutuamente, porém
não se confundem.
Uma última precisão terminológica sobre os conceitos de instrução e de
currículo para terminar este item de considerações gerais. O termo “instrução”
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habitualmente é utilizado, em sentido amplo, como sinônimo de “educação formal” e
de “escolarização”; e, em sentido estrito, para referir-se aos componentes de
metodologia do ensino, tanto em sua vertente de projeto como de execução efetiva
(Laska, 1984). O termo “currículo” às vezes também é utilizado (por exemplo,
Johnson, 1967; Novak, 1982) em sentido muito mais limitado, para referir-se apenas
aos objetivos e conteúdos da educação formal. Assim, nossa maneira de entender o
Projeto Curricular inclui tanto aspectos curriculares em sentido estrito (objetivo e
conteúdos), como aspectos de instrução (relativos à como ensinar).
AS FONTES DO CURRÍCULO
O primeiro elo da complexa cadeia de inevitáveis problemas a enfrentar e
resolver no processo de elaboração de um Projeto Curricular refere-se às suas
fontes. Onde buscar a informação necessária para definir as intenções – objetivos e
conteúdos – e o plano de ação a seguir na educação escolar? Tradicionalmente, as
respostas consistiram em dar prioridade a uma das possíveis fontes de informação
em relação a todas as outras, seguindo modas mais ou menos passageiras ou
adotando pontos de vista reducionistas, sem perceber que a complexidade e
heterogeneidade de fatores que desembocam no Projeto Curricular obrigam
necessariamente a levar em conta ao mesmo tempo informações de origem e
natureza diferentes.
Já em 1949, em obra clássica sobre o tema, R. Tyler ressalta, no tocante
aos pontos suscetíveis de proporcionar informação para selecionar “sabiamente” os
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objetivos – a afirmação que se pode estender a todo o currículo –, que existe forte
discrepância entre três posturas defendidas respectivamente pelos “progressistas”,
pelos “essencialistas” e pelos “sociólogos”. Os primeiros destacam a importância de
estudar a criança a fim de descobrir seus interesses, seus problemas, seus
propósitos e suas necessidades, sendo esta a informação básica para selecionar os
objetivos. Os “essencialistas”, por seu lado, consideram que os objetivos devem ser
extraídos de uma análise da estrutura interna dos conteúdos do ensino, das áreas
de conhecimento. Por último, os “sociólogos” tendem a situar a fonte de informação
principal para selecionar os objetivos na análise da sociedade, dos seus problemas,
necessidades e características. Não é fácil vislumbrar por trás dessas posturas
outras tantas alternativas ainda atuais que dão primazia respectivamente à análise
psicológica, à análise da estrutura interna das disciplinas e à análise sociológica,
como fontes do currículo.
O ponto de vista de Tyler sobre as fontes dos objetivos educativos é o de
que as três proporcionam informações necessárias, mas nenhuma delas sozinha é
suficiente. Essa perspectiva é igualmente válida para o Projeto Curricular em seu
conjunto. A análise sociológica permite, entre outras coisas, determinar as formas
culturais ou conteúdo – conhecimentos, valores, habilidades, normas, etc. – que o
aluno deve assimilar para tornar-se um membro ativo da sociedade e ao mesmo
tempo um agente de criação cultural; também permite garantir que não ocorra uma
ruptura entre a atividade escolar do aluno e sua atividade extra-escolar. A análise
psicológica contribui com informações relativas aos fatores e processos que
intervêm no crescimento pessoal do aluno, ajudando assim a planejar com mais
eficácia a ação pedagógica. A análise epistemológica das disciplinas contribui para
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separar os conhecimentos essenciais dos secundários, para buscar sua estrutura
interna e as relações entre eles, e suas propostas são decisivas para estabelecer
sequências de atividades de aprendizagem que facilitem ao máximo a assimilação
significativa.
As essas três fontes do currículo devemos acrescentar uma quarta: a
própria experiência pedagógica. Um Projeto Curricular não surge do nada – e muito
menos no caso do ensino obrigatório –, mas parte de uma prática pedagógica que
aspira a transformar e melhorar. Para isso, oferece novos pontos de vistas e
alternativas, mas também integra as experiências bem-sucedidas. Por outro lado,
como projeto educacional que é, o Projeto Curricular contrasta com a prática
pedagógica e tem de estar permanentemente aberto às modificações e correções
derivadas desse contraste. O desenvolvimento do currículo, retomando a distinção
anterior, é uma das fontes – talvez a principal – do processo de elaboração, revisão
e contínuo enriquecimento do Projeto Curricular.
PSICOLOGIA E CURRÍCULO
Embora, como vimos, seja absolutamente imprescindível utilizar
informações provenientes de diferentes fontes na elaboração do currículo, as que
derivam da análise psicológica têm, a nosso ver, um tratamento especial. Em
primeiro lugar, porque, ao referir-se aos processos subjacentes ao crescimento
pessoal sua pertinência está em grande parte assegurada sejam quais forem o nível
educacional correspondente ao Projeto Curricular e as intenções concretas que o
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mesmo perseguir. Em segundo lugar, porque incidem em maior ou menor medida
sobre os quatro blocos de componentes principais do currículo. Com efeito, as
informações proporcionadas pela análise psicológica são úteis para selecionar
objetivos e conteúdos, para estabelecer sequências de aprendizagem que propiciem
ao máximo a assimilação significativa dos conteúdos e a consecução dos objetivos,
para tomar decisões com respeito à maneira de ensinar e, naturalmente, para avaliar
se forem atingidos os aprendizados prescritos na extensão e profundidade
desejadas.
A questão das contribuições da psicologia com relação ao currículo e, em
geral, à educação escolar é muito complexa e não pode ser abordada aqui com o
detalhamento que exigiria um tratamento correto. Nosso objetivo, muito menos
ambicioso, consiste em ressaltar alguns aportes de particular interesse para a
elaboração do Projeto Curricular e que, em qualquer caso, impregnam o modelo
proposto. Assim, esclarecemos que o que vem a seguir não passa de uma seleção
e, como tal, incompleta. A seleção não afeta apenas o volume de contribuições
potenciais, mas também sua orientação. No momento atual, a psicologia da
educação ainda não dispõe de um marco teórico unificado e coerente que permita
dar conta dos múltiplos e complexos aspectos implicados nos processos de
crescimento pessoal e da influência exercida sobre eles pelas atividades educativas
escolares. Ainda não dispomos de uma teoria compreensiva da instrução com base
empírica e teórica o suficiente para ser utilizada como fonte única de informação.
Temos, porém, múltiplos dados e teorias que proporcionam informações parciais
pertinentes. O problema reside em que fequentemente esses aportes não são fáceis
21
de integrar, pois correspondem a concepções diferentes do funcionamento
psicológico.
Ante esse estado de coisas, a alternativa consiste em fugir tanto do
ecletismo fácil, no qual podem ser justificadas práticas pedagógicas contraditórias,
quanto do excessivo purismo que, ao centrar-se numa única teoria psicológica,
ignore contribuições substantivas e pertinentes da pesquisa psicoeducativa
contemporânea. Nosso marco de referência concreto é um conjunto de teorias e
explicações que, embora discrepantes em numerosos pontos de importância,
consagram uma série de princípios comuns ou, pelo menos, não-contraditórios.
Estes princípios são os que devem ser mantidos no Projeto Curricular.
Grosso modo, o marco de referências está delimitado pelo que podemos
denominar de enfoques cognitivos em sentido amplo. Entre eles parecem-nos
particularmente importantes a teoria genética de J. Piaget e de seus colaboradores
da Escola de Genebra, tanto no tocante à concepção dos processos de mudança
como nas formulações estruturais clássicas do desenvolvimento operatório e as
recentes elaborações em torno das estratégias cognitivas e procedimentos de
resolução de problemas; a teoria da atividade nas formulações de Vygotsky, Luria e
Leontiev e em seus desenvolvidos posteriores (Wertsch, Forman, Cazden),
particularmente no que se refere à maneira de entender as relações entre
aprendizagem e desenvolvimento e a importância atribuída aos processos de
relação interpessoal; a prolongação dessas teses nas propostas da psicologia
cultural, enunciada nos trabalhos de M. Cole e colaboradores do Laboratory of
Comparative Human Cognition da Universidade da Califórnia, que integra os
22
conceitos de desenvolvimento, aprendizagem, cultura e educação em um esquema
explicativo unificador; a teoria da aprendizagem verbal significativa de D. P. Ausubel
e seu prolongamento na teoria da assimilação de R. E. Mayer, especialmente
orientadas para explicar o aprendizado de blocos de conhecimento altamente
estruturados; as teorias dos esquemas (Anderson, Norman, Rumelhart, Minsky) que,
inspiradas nos principais do enfoque de processamento humano da informação,
postulam que o conhecimento prévio, organizado em unidades significativas e
funcionais, é um fator decisivo na realização de novos aprendizados; e a teoria da
elaboração de M. D. Merrill e Ch. M. Reigeluth, interessante tentativa de construir
uma teoria global da instrução, ainda inacabada, porém muito sugestiva e útil para
os aspectos centrais do Projeto Curricular, como seleção e organização de
conteúdos.
Os princípios básicos partilhados ou não-contraditórios entre si desses
enfoques, que a seguir enunciaremos de maneira muito sucinta e um tanto
categórica por razões de brevidade, não são prescrições educativas em sentido
estrito, mas princípios gerais, idéias-força, que impregnam todo o Projeto Curricular
e encontram um reflexo na maneira de entender a concretização de seus elementos,
nas decisões relativas à sua estrutura formal e nas sugestões relativas ao seu
desenvolvimento e aplicação.
1. A repercussão das experiências educativas formais sobre o
crescimento pessoal do aluno está fortemente condicionada, entre outros fatores,
pelo seu nível de desenvolvimento operatório. A psicologia genética tem estudado
este desenvolvimento (cf. Piaget e Inhelder, 1969; Delval, 1983; Coll e Gillieron,
23
1985) e ressaltou a existência de etapas que, com pequenas flutuações nas
margens de idade, são relativamente universais em sua ordem de aparecimento. A
cada um dos grandes estágios de desenvolvimento (sensório-motor: 0-2 anos
aproximadamente; intuitivo ou pré-sensório-operatório: 2-6/7 anos
aproximadamente; operatório concreto: 7-10/11 anos aproximadamente; operatório
formal: 11-14/15 anos aproximadamente) corresponde uma forma de organização
mental, uma estrutura intelectual, que se traduz em algumas determinadas
possibilidades de raciocínio e de aprendizagem a partir da experiência. O Projeto
Curricular deve levar em conta essas possibilidades, não só no tocante à seleção
dos objetivos e dos conteúdos, mas também na maneira de planejar as atividades
de aprendizagem a fim de ajustá-las às peculiaridades de funcionamento da
organização mental do aluno.
2. A repercussão das experiências educativas formais sobre o
crescimento pessoal do aluno também está condicionada pelos conhecimentos
prévios pertinentes com os quais inicia sua participação nas mesmas (Ausubel,
1977; Reif e Heller, 1982). Por sua vez, esses conhecimentos podem ser resultado
de experiências educacionais anteriores – escolares ou não – ou de aprendizagem
espontâneas; também podem estar mais ou menos ajustados às exigências das
novas situações de aprendizagem e ser mais ou menos corretos. Em qualquer caso,
não existe nenhuma dúvida de que o aluno que inicia uma nova aprendizagem
escolar o faz a partir dos conceitos, concepções, representações e conhecimentos
que construiu em sua experiência prévia, utilizando-os como instrumentos de leitura
e interpretação que condicionam o resultado da aprendizagem. É preciso considerar
de forma muito especial esse princípio no estabelecimento de sequências de
24
aprendizagem, porém ele também possui implicações para a metodologia do ensino
e para a avaliação.
3. Levar em consideração o nível do aluno na elaboração e aplicação do
Projeto Curricular exige levar em consideração simultaneamente a dois aspectos
mencionados. Aquilo que um aluno é capaz de fazer e aprender em um determinado
momento – expoente do seu nível de crescimento pessoal – depende tanto do
estágio de desenvolvimento operatório em que se encontra quanto do conjunto de
conhecimento que construiu em suas experiências prévias de aprendizagem. As
atividades educativas escolares têm como finalidade última promover o crescimento
pessoal do aluno nesta dupla vertente mediante a assimilação e a aprendizagem da
experiência social culturalmente organizada: conhecimentos, habilidades, valores,
normas, etc.
4. Deve-se estabelecer uma diferença entre o que o aluno é capaz de
fazer e de aprender sozinho – fruto dos fatores apontados – e o que é capaz de
fazer e aprender com a ajuda e a participação de outras pessoas, observando-as,
imitando-as, seguindo suas instruções ou colaborando com elas. A distância entre
esses dois pontos, que Vygotsky chama de zona de desenvolvimento proximal
porque está situada entre o nível de desenvolvimento efetivo e o nível de
desenvolvimento potencial (Vygotsky, 1977; 1979), delimita a margem de incidência
da ação educativa. Com efeito, o que a princípio o aluno só é capaz de aprender
com a ajuda dos demais, posteriormente poderá fazer ou aprender sozinho.
Desenvolvimento, aprendizagem e ensino são três elementos relacionados entre si:
o nível de desenvolvimento efetivo condiciona os possíveis aprendizados que o
aluno pode realizar graças ao ensino, porém este, por sua vez, pode chegar a
25
modificar o nível de desenvolvimento efetivo do aluno mediante as aprendizagens
que promove. Assim, o ensino eficaz é o que parte do nível de desenvolvimento do
aluno, não para se acomodar a ele, mas para fazê-lo progredir através da sua zona
de desenvolvimento proximal, para ampliá-la e gerar, eventualmente, novas zonas
de desenvolvimento proximal. Em seguida, veremos alguns requisitos que as
aprendizagens escolares devem cumprir para causar esse impacto sobre o
crescimento pessoal do aluno.
5. A questão primordial não reside em se a aprendizagem escolar deve
dar prioridade aos conteúdos ou os processos, ao contrário do que sugere a
polêmica sobre o uso, mas em assegurar-se de que a mesma seja significativa. A
distinção entre aprendizagem significativa e aprendizagem repetitiva, evidenciada no
marco de uma tentativa de construir uma teoria da aprendizagem escolar (Ausubel,
1968; 1973) refere-se ao vínculo entre o novo material de aprendizagem e os
conhecimentos prévios do aluno: se o novo material de aprendizagem se relacionar
de forma substantiva e não arbitrária com o que o aluno já sabe, isto é, se for
assimilado à sua estrutura cognoscitiva, estaremos diante de uma aprendizagem
significativa; se, ao contrário, o aluno se limitar a memorizá-lo sem estabelecer
relações com seus conhecimentos prévios, estaremos diante de uma aprendizagem
repetitiva, memorística ou mecânica.
Ao realizar de aprendizagens significativas, o aluno constrói a realidade
atribuindo-lhe significados. A repercussão da aprendizagem escolar sobre o
crescimento pessoal do aluno é maior quanto mais significativa ela for, quanto mais
significativa permitir-lhe construir. Assim, o realmente importante é que a
aprendizagem escolar – de conceitos, processos, valores – seja significativa.
26
Devemos salientar o destacado papel desempenhado pelo conhecimento
prévio do aluno na aprendizagem significativa. Efetivamente, “o fator mais
importante que influi sobre a aprendizagem é a quantidade, clareza e organização
dos conhecimentos que o aluno já possui. Estes conhecimentos já presentes (no
momento de iniciar a aprendizagem), constituídos por fatos, conceitos, relações,
teorias e outros dados de origem não perceptiva, dos quais o aluno pode dispor a
qualquer momento, constituem sua estrutura cognoscitiva” (Ausubel e Robinson,
citados por Novak, 1982).
6. Para a aprendizagem ser significativa, duas condições devem ser
cumpridas. Em primeiro lugar, o conteúdo deve ser potencialmente significativo,
tanto do ponto de vista da sua estrutura interna (significativamente lógica: não deve
ser arbitrário nem confuso), como do ponto de vista da sua possível assimilação
(significatividade psicológica: na estrutura cognoscitiva do aluno deve haver
elementos pertinentes e relacionáveis). Em segundo lugar, deve-se ter uma atitude
favorável para aprender significativamente, ou seja, o aluno deve estar motivado
para relacionar o que aprende com o que já sabe. Este segundo requisito é um
chamado de atenção sobre o papel decisivo dos aspectos motivacionais. Embora o
material de aprendizagem seja potencialmente significativo, lógica e
psicologicamente, se o aluno estiver predisposto a memorizá-lo pela repetição (com
frequência isto requer menos esforço e é mais simples!), os resultados carecerão de
significado e terão escasso valor educativo. Da mesma forma, o maior ou menor
grau de significatividade da aprendizagem dependerá em grande parte da força
desta tendência a aprender significativamente: o aluno pode contentar-se em
adquirir conhecimentos vagos ou difusos ou, ao contrário, pode esforçar-se por
27
construir significados precisos; pode conformar-se com estabelecer uma relação
exata ou pode tratar de integrar o novo material de aprendizagem com o maior
número possível de elementos da sua estrutura cognoscitiva. Não devemos
esquecer, porém, que, inversamente, a motivação favorável para aprender
significativamente não serve para nada se não for cumprida a condição de que o
conteúdo de aprendizagem seja potencialmente significativo na dupla vertente lógica
e psicológica.
7. A significatividade de aprendizagem está vinculada muito diretamente à
sua funcionalidade. A educação escolar deve sempre ocupar-se de que os
conhecimentos adquiridos – conceitos, habilidades, valores, normas, etc – sejam
funcionais, isto é, possam ser efetivamente utilizados quando as circunstâncias nas
quais o aluno se encontrar assim o exigirem. Quanto mais numerosas e complexas
forem às relações estabelecidas entre o novo conteúdo da aprendizagem e os
elementos da estrutura cognoscitiva, quanto mais profunda for sua assimilação, em
suma, quanto maior for o grau de significatividade de aprendizagem realizada, maior
será também a sua funcionalidade, pois poderá relacionar-se com um leque mais
amplo de novas situações e de novos conteúdos.
8. O processo mediante o qual a aprendizagem significativa ocorre requer
uma intensa atividade do aluno, que deve estabelecer relações entre o novo
conteúdo e os elementos já disponíveis em sua estrutura cognoscitiva; julgar e
decidir a maior pertinência dos mesmos; matizá-las, reformulá-los, ampliá-los ou
diferenciá-los em função das novas informações, etc. É evidente que a natureza
dessa atividade é fundamentalmente interna e não deve ser identificada com a
simples manipulação ou exploração de objetos e de situações; este último tipo de
28
atividade é um meio que pode ser utilizado na educação escolar – e um meio
privilegiado em determinadas situações e em determinados momentos evolutivos –
para estimular a atividade cognitiva interna diretamente implicada na aprendizagem
significativa. Portanto, não devemos identificar a aprendizagem por descoberta com
a aprendizagem significativa. A descoberta como método de ensino, como maneira
de propor as atividades escolares, não passa de uma das vias possíveis para levar à
aprendizagem significativa, porém não é a única e nem sempre consegue o seu
propósito.
9. O papel habitualmente atribuído à memória na aprendizagem escolar
deve ser reconsiderado. É preciso distinguir a memorização mecânica e repetitiva,
que tem escasso ou nulo interesse para a aprendizagem significativa, da
memorização compreensiva, que, ao contrário, é um ingrediente fundamental da
mesma. A memória não é apenas a recordação do que foi aprendido, mas a base a
partir da qual novas aprendizagens são abordadas (Norman, 1985; Chi, 1985).
Quanto mais rica for à estrutura cognoscitiva do aluno – em elementos e relações –,
maior será a possibilidade de que ele possa construir novos significados, isto é,
maior será sua capacidade de aprendizagem significativa. Memorização
compreensiva, funcionalidade do conhecimento e aprendizagem significativa são os
três vértices de um mesmo triângulo.
10. Aprender a aprender. Sem dúvida, o objetivo mais ambicioso e ao
mesmo tempo irrenunciável da educação escolar equivale a ser capaz de realizar
aprendizagens significativas sozinha em ampla gama de situações e circunstâncias.
Esse objetivo recorda a importância da aquisição de estratégias cognitivas de
exploração e descoberta, bem como de planejamento e regulação da própria
29
atividade, na aprendizagem escolar. Essas estratégias, porém, após sua aquisição,
integram-se à estrutura cognoscitiva do aluno, e sua significatividade e
funcionalidade estão em função da riqueza da mesma, dos elementos que a
configuram e da rede de relações que as liga. Em outras palavras, a aquisição dos
processos ou estratégias subjacentes ao objetivo de aprender a aprender não pode
contrapor-se à aquisição de outros conteúdos (fatos, conceitos ou valores). Quanto
maior for à riqueza da estrutura cognoscitiva – quanto mais coisas forem conhecidas
significativamente – tanto maior será a funcionalidade dessas estratégias nas novas
situações de aprendizagem.
11. A estrutura cognoscitiva do aluno, cujo papel central na realização de
aprendizagens significativas foi ressaltado anteriormente, pode ser concebida, como
um conjunto de esquemas de conhecimento (Anderson, 1977; Merrill et al, 1981;
Hewson e Posner, 1984). Os esquemas são “um conjunto organizado de
conhecimento [...], podem conter tanto conhecimento como regras para utilizá-lo,
podem estar compostos de referências a outros esquemas [...], podem ser
específicos [...] ou gerais” (Norman, 1985, p. 75-6). “Os esquemas são estruturas na
memória aplicáveis a objetos, situações, acontecimentos, sequências de
acontecimentos, ações e sequências de ações.”
Um esquema de conhecimento pode ser mais ou menos rico em
informações e detalhes, ter um grau de organização e de coerência interna variável
e ser mais ou menos válido, isto é, mais ou menos adequado à realidade. Os
diferentes esquemas de conhecimento que formam a estrutura cognoscitiva podem
manter relações de extensão e complexidade diversas entre si. Todas as funções
atribuídas à estrutura cognoscitiva do aluno na realização de aprendizagens
30
implicam diretamente os esquemas de conhecimento: a nova informação adquirida é
armazenada na memória mediante sua incorporação e assimilação a um ou mais
esquemas; a lembrança das aprendizagens anteriores é modificada pela construção
de novos esquemas: assim, a memória é construtiva; os esquemas podem distorcer
a nova informação forçando-a a acomodar-se às suas exigências; os esquemas
permitem fazer inferências em situações novas; os esquemas integram
conhecimentos puramente conceituais com habilidades, valores, atitudes, etc.;
aprender a avaliar e a modificar os próprios esquemas de conhecimento é um dos
componentes essenciais do aprender a aprender (cf. Gagné e Dick, 1983).
12. A modificação dos esquemas de conhecimento do aluno – revisão,
enriquecimento, diferenciação, construção e coordenação progressiva – é o objetivo
da educação escolar. Inspirando-se no modelo de equilibração das estruturas
cognitivas de Piaget (1975), podemos caracterizar a modificação dos esquemas de
conhecimento no contexto da educação escolar como um processo de equilíbrio
inicial/desequilíbrio/reequilíbrio posterior (Coll, 1983b).
O primeiro passo para conseguir que o aluno realize uma aprendizagem
significativa consiste em romper o equilíbrio inicial de seus esquemas com relação
ao novo conteúdo de aprendizagem. Se a tarefa for totalmente alheia ou estiver
excessivamente distante dos esquemas do aluno, este não poderá atribuir-lhe
significação alguma e o processo de ensino/aprendizagem ficará bloqueado. Se,
apesar disso, forçarmos a situação, o resultado mais provável é uma aprendizagem
puramente repetitiva. Ao contrário, quando a tarefa levantar resistências mínimas ou
for interpretada em sua totalidade – correta ou incorretamente – com os esquemas
disponíveis, a aprendizagem também resultará bloqueada. A exigência de romper o
31
equilíbrio inicial do aluno nos leva a questões-chaves da metodologia de ensino:
estabelecimento de uma defasagem adequada entre a tarefa de aprendizagem e os
esquemas do aluno; utilização de incentivos motivacionais que favoreçam, um
desequilíbrio ótimo; apresentação da tarefa de maneira adequada; tomada de
consciência do desequilíbrio e suas causas como motivação intrínseca para superá-
lo, etc.
Não é suficiente, no entanto, conseguir que o aluno se desequilibre,
assuma consciência disso e esteja motivado para superar o estado de desequilíbrio.
Este não passa do primeiro passo para a aprendizagem significativa. Para que ela
se conclua, ele também deve poder reequilibrar-se modificando adequadamente
seus esquemas ou construindo novos. Por certo, a reequilibração não é automática
nem necessária no caso dos esquemas de conhecimento, mas pode produzir-se ou
não e ter maior ou menor alcance conforme a natureza das atividades de
aprendizagem, em suma, segundo o grau e o tipo de ajuda pedagógica.
13. A visão de conjunto resultante desta rápida síntese de algumas
contribuições da análise psicológica – no capítulo 3, ela será ampliada para outros
aspectos no contexto da problemática dos métodos de ensino – situa a atividade
mental construtiva do aluno na base dos processos de crescimento pessoal que a
educação escolar tenta promover. Uma interpretação construtivista da aprendizagem
escolar, sem dúvida incompatível com uma concepção do ensino entendido como
pura transmissão de conhecimentos, exige uma interpretação igualmente
construtivista da intervenção pedagógica, cuja ideia diretriz consiste em criar as
condições adequadas para que os esquemas de conhecimento inevitavelmente
construídos pelo aluno no decorrer das suas experiências sejam os mais corretos e
32
ricos possíveis. Entretanto, como frisa acertadamente Resnick (1983), uma
concepção construtivista da intervenção pedagógica não renuncia a formular
prescrições concretas para o ensino nem a planejar cuidadosamente as atividades
de ensino/aprendizagem. Uma concepção dessa natureza também se impõe às
questões tradicionais do Projeto Curricular: objetivos, conteúdos, estabelecimento de
sequências de aprendizagem, métodos de ensino, avaliação, etc. Essas questões,
contudo, adquirem uma dimensão diferente quando abordadas sob a ótica
construtivista.
OUTRAS OPÇÕES PRÉVIAS NO PROCESSO DE
ELABORAÇÃO DO PROJETO CURRICULAR
Antes de abordar diretamente a concretização dos componentes do
Projeto Curricular à luz da concepção construtivista da aprendizagem escolar e da
intervenção pedagógica, é necessário ainda propor e resolver algumas questões
prévias. Em primeiro lugar, coloca-se o problema da respectiva responsabilidade da
administração e dos professores na elaboração do currículo, com uma série de
posturas que oscilam entre dois extremos: uma concepção centralizadora no qual o
currículo estabelece com minúcias os objetivos, conteúdos, materiais didáticos e
métodos que os professores vão utilizar em cada área de ensino; e uma concepção
absolutamente descentralizadora, na qual essa responsabilidade recai sobre os
professores ou equipe de professores de cada instituição. A primeira postura
corresponde à ideia de unificar e homogeneizar ao máximo o currículo para toda a
população escolar e, consequentemente, desenvolvê-lo como uma aplicação fiel do
33
Projeto Curricular. A segunda postura, ao contrário, renuncia ao propósito de unificar
e homogeneizar o currículo em benefício de melhor adequação e maior respeito às
características de cada contexto educativo particular, concebendo o Projeto
Curricular como algo indissociável do desenvolvimento do currículo.
À margem da respectiva responsabilidade da administração e dos
professores nas questões curriculares, as duas posturas mencionadas também
refletem dois modelos opostos de currículo, respectivamente qualificados como
“fechado” e “aberto”. A descrição de Wickens (1974) dos sistemas educacionais
típicos de ambas as naturezas, embora a nosso ver excessivamente esquemática e
caricatural, pode ajudar-nos a ressaltar essas duas maneiras de entender o que é o
currículo.
Segundo Wickens, num sistema educacional fechado, os objetivos,
conteúdos e estratégias são previamente determinados, de maneira que o ensino é
idêntico para todos os alunos e as variações em função do contexto são mínimas.
Estruturado como um processo linear e acumulativo, o ensino assuma a forma de
sequências fixas de instrução. Em geral, os objetivos são definidos em termos de
comportamentos observáveis dos alunos e os conteúdos são organizados em
função das disciplinas tradicionais do conhecimento, sem buscar conexões ou inter-
relações entre eles. Num sistema fechado, atribui-se grande importância ao
resultado da aprendizagem, cujo nível é determinado pelos critérios de
comportamento que os objetivos estabelecem. O progresso do aprendizado do aluno
se traduz num processo de hierarquia das sequências de instrução planejadas. A
única individualização possível do ensino refere-se ao ritmo de aprendizagem, mas
34
os conteúdos, os objetivos e a metodologia didática são invariáveis. Por último, a
elaboração do programa e sua aplicação estão a cargo de pessoas diferentes.
No outro extremo, os sistemas educacionais abertos concedem grande
importância às diferenças individuais e ao contexto social, cultural e geográfico no
qual o programa é aplicado. Propõem a interação permanente entre o sistema e seu
entorno, integrando as influências externas ao próprio desenvolvimento do programa
educacional, aberto a um contínuo processo de revisão e reorganização. Aqui não
se enfatiza o resultado do aprendizado, mas seu processo. Os objetivos estão
definidos em termos gerais para permitir sucessivas modificações do programa; e a
avaliação centra-se na observação do processo de aprendizagem a fim de
determinar o nível de compreensão do conteúdo e a utilização do conhecimento em
situações novas. Rompe-se também com a divisão tradicional entre disciplinas e são
incentivadas atividades de aprendizagem que colocam em jogo conhecimentos
interdisciplinares. É óbvio que, num sistema educativo com estas características,
não existe separação estrita entre quem elabora o programa e quem o aplica: o
professor realiza simultaneamente ambas as funções.
A nosso ver, a descrição de Wickens é um tanto maniqueísta, além de
esquemática e caricatural, pois tende a atribuir todas as características com
conotações positivas aos sistemas abertos, reservando para os sistemas fechados
as de conotações negativas. Apesar disso, porque acreditamos que,
convenientemente depurada e despojada de suas conotações pejorativas, de fato
cobre duas concepções diferentes sobre como deve ser o currículo escolar: a que
tenta unificar e detalhar ao máximo sua aplicação e a que deixa ampla margem de
iniciativa ao professor que o aplicará; em outros termos, a que praticamente
35
identifica currículo e programação e a que concebe o currículo como um instrumento
para a programação.
Os currículos detalhados e “fechados” por certo oferecem a vantagem da
comodidade para o professor, que pode aplicá-los sem excessivos problemas,
limitando-se a seguir passo a passo as instruções; em compensação, apresentam a
dificuldade insuperável de não se adaptarem às características particulares dos
diferentes contextos de aplicação, bem como de serem impermeáveis às
contribuições corretoras e enriquecedoras da experiência pedagógica dos
professores. Os currículos “abertos”, ao contrário, oferecem a dupla vantagem de
garantir o respeito aos diferentes contextos de aplicação e de comprometer
criativamente o professor no desempenho da sua atividade profissional; em
contrapartida, tornam mais difícil conseguir uma relativa homogeneidade no currículo
para toda a população escolar, que pode ser desejável no caso do ensino
obrigatório; e, sobretudo, exige dos professores, pois lhes reserva a tarefa de
elaborar suas próprias programações.
A concepção construtivista da aprendizagem escolar e da intervenção
pedagógica que assumimos anteriormente, bem como o princípio de ajustar a ação
educativa às necessidades específicas dos alunos e às características do contexto,
apóiam claramente o modelo de currículo aberto. Essa opinião, porém, é matizada
pelas seguintes considerações. Em primeiro lugar, a preocupação de torná-lo
acessível à maioria dos professores e facilitar seu uso com instrumento de
programação deve complementar o caráter aberto do currículo. Em segundo lugar,
as experiências derivadas do ensino obrigatório aconselham a definir os
36
aprendizados mínimos que essa obrigatoriedade inclui e velar para que estejam ao
alcance de toda a população escolar.
A solução proposta consiste em estabelecer três níveis sucessivos de
concretização no Projeto Curricular. O primeiro nível tem um grau mínimo de
abertura e estipula, para cada área curricular, os objetivos finais, os núcleos de
conteúdo, as orientações didáticas e as orientações para avaliação. O segundo dá
sequência aos núcleos de conteúdo que figuram no primeiro. Por último, o terceiro
nível oferece exemplos de programações a partir dos dois anteriores, em função de
diferentes pressupostos. Antes, porém, de detalhar o modelo de currículo proposto,
convém retomar o problema dos componentes e revisar as diferentes alternativas
em conflito na maneira de defini-los para poder decidir a respeito.
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