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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA Saúde Suplementar no Brasil

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA

Saúde Suplementar

no Brasil

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Sandro Leal Alves

FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA

Saúde Suplementar

no Brasil

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© Funenseg. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros, sem autorização por escrito da Fundação Escola Nacional de Seguros – Funenseg.

1ª edição: Novembro, 2015

FUNDAÇÃO ESCOLA NACIONAL DE SEGUROS – FUNENSEGRua Senador Dantas, 74 – Térreo, 2º, 3º, 4º e 14º andaresCEP 20031-205 – Rio de Janeiro/RJ – BrasilTels.: (21) 3380-1000 / Fax: (21) 3380-1546Internet: www.funenseg.org.brE-mail: [email protected]

Coordenação editorial | Centro de Pesquisa e Economia do Seguro / Coordenadoria de Publicações

Edição | Vera de Souza e Mariana Santiago

Produção gráfica | Hercules Rabello

Projeto gráfico, capa e diagramação | Grifo Design

Revisão | Monica Teixeira Dantas Savini

Virginia Thomé – CRB-7/3242Responsável pela elaboração da ficha catalográfica

A482f Alves, Sandro Leal Fundamentos, regulação e desafios da saúde suplementar no Brasil / Sandro Leal Alves. -- Rio de Janeiro : Funenseg, 2015. 192 p. ; 26 cm

ISBN nº 978-85-7052-578-9.

1. Saúde suplementar – Brasil. 2. Plano de saúde – Brasil. I. Título.

0015-1570 CDU 368.4(81)

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Agradecimentos

A ideia de escrever um livro sobre os fundamentos, a regulação e os desafios da saúde suplementar surgiu já faz algum tempo. Felizmente o projeto tomou forma e deco-lou graças ao incentivo da diretora executiva da CNseg, Solange Beatriz Palheiro

Mendes, a quem agradeço imensamente, e que viu a construção do trabalho desde suas primeiras linhas.

Meus sinceros agradecimentos ao presidente da FenaSaúde Marcio Serôa de Araujo Corio-lano e ao diretor-executivo José Cechin com quem tive a honra de compartilhar os enten-dimentos e enfrentar os desafios deste complexo e apaixonante setor econômico, muitos deles desenvolvidos ao longo deste livro. A convivência em um setor tão intenso, e a esti-mulante troca de experiências, ao longo dos anos, sem dúvida foram fundamentais para a construção deste trabalho.

Escrever um livro é um exercício que se inicia na monografia, ainda no curso de graduação e se aprimora na dissertação de mestrado. A organização das ideias e o gosto pela escrita devem se unir ao rigor das proposições, das hipóteses até se chegar à conclusão. Tive a honra de ser orientado pelo Prof. José L. Carvalho que mesmo estando momentaneamente fora do país enviou críticas, comentários e sugestões que ajudaram a tornar o texto mais leve, sem perder de vista os fundamentos econômicos.

Também agradeço ao professor do Departamento de Planejamento e Análise Econômica da EAESP/FGV Gesner Oliveira e ao professor e chefe do departamento de economia da PUC-SP Roland Saldanha pela leitura atenta e pelo debate promovido com o grupo de eco-nomia e regulação da FGV/SP que muito acrescentaram, em especial nas questões de regu-lação e defesa da concorrência que muito interessam ao setor.

Ao Prof. Claudio R. Contador, diretor do Centro de Pesquisa e Economia do Seguro da Escola Nacional de Seguros e colega no conselho editorial da Revista Cadernos de Seguro e da Revista Brasileira de Risco e Seguro, meus agradecimentos por acreditar no projeto desde o primeiro dia. E também por ampliar o debate na forma de seminário de pesquisa.

Agradeço às contribuições recebidas de diversos colegas de diferentes formações aca-dêmicas e profissionais, em especial a Lauro Faria, Natália Oliveira, César Serra, Leandro Fonseca, William Moreira Neto, César Neves, Eduardo Fraga, Angélica Carlini, Maria Tere-za Pasinato, Thompson Santos e Maria Stella Gregori. Agradeço os comentários de Vera Sampaio, Juliana Portella, Mônica Costa, Álvaro Almeida e Ana Bertani, dedicada equipe de especialistas da FenaSaúde, em especial a Sandro Diniz pela valiosa ajuda na organização

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dos dados, e a Marlene Almeida e Cássia Mello. E aos colegas da Escola Nacional de Segu-ros pelo ótimo trabalho de produção.

Contando com o apoio de profissionais de primeiríssima linha, acredito que o trabalho pos-sa ser útil para esclarecer questões que mais afligem os operadores da saúde suplementar bem como estudantes que almejam conhecer melhor o funcionamento deste setor. O conhe-cimento da técnica e dos fundamentos ajuda a desmistificar dogmas ainda reinantes. Erros e omissões são de responsabilidade exclusiva do autor.

Agradeço e dedico este livro a Beth, Lucas, João e Rafael Covre Alves.

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PREFÁCIO ............................................................................................................................. 15

APRESENTAÇÃO .................................................................................................................. 17

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 19

CAPÍTULO 1 – COMO FUNCIONA A SAÚDE SUPLEMENTAR ............................................ 21

1.1 A Dimensão Econômica e Social da Saúde Suplementar ..................................... 21

1.1.1 Melhoria do capital humano – saúde e produtividade da população ............ 22

1.1.2 Estímulo à geração de renda ao longo da cadeia produtiva ........................ 25

1.1.3 Estímulo à formação de poupança ................................................................ 28

1.1.4 Melhoria da eficiência econômica ................................................................. 29

1.2 Histórico e Surgimento dos Planos de Saúde ........................................................ 30

1.3 Saúde Pública e Saúde Privada ............................................................................... 31

1.3.1 A divisão entre Estado e Mercado na saúde ................................................ 31

1.4 Fundamentos Técnicos – Mutualismo, Faixas Etárias e Precificação ..................... 42

1.4.1 Plano de Saúde é Seguro .............................................................................. 42

1.4.2 Formação dos Preços e Precificação ............................................................ 47

1.4.3 Custos e Faixas Etárias .................................................................................. 49

1.4.4 Fatores que Influenciam o Preço ................................................................... 54

1.5 Instituições Setoriais ................................................................................................ 55

1.6 Categorias de Produtos e Operadoras ................................................................... 59

1.6.1 Tipo de Contratação: Planos Individuais, Coletivos Empresariais e Coletivos por Adesão .................................................................................. 59

1.6.2 Segmentação Assistencial – Médico-Hospitalar e Odontológico .................. 61

Sumário

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1.6.3 Modalidades de Operadoras ......................................................................... 63

1.6.4 Estrutura do Setor ........................................................................................... 65

CAPÍTULO 2 – REGULAÇÃO SETORIAL: TEORIA E PRÁTICA ............................................ 67

2.1 Falhas de Mercado e Falhas de Governo ................................................................ 68

2.2 Regulação Prudencial .............................................................................................. 72

2.3 Regulação Assistencial – Coberturas, Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde e Qualidade ........................................................................... 76

2.3.1 Revisão do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde ............................... 77

2.3.2 Avaliação da Qualidade de Operadoras ........................................................ 78

2.3.3 Avaliação da Qualidade de Prestadores ........................................................ 78

2.4 Regulação Econômica de Preços e Reajustes ........................................................ 80

2.5 Histórico e Marco Legal ........................................................................................... 82

2.5.1 Primeira Fase – As normas do CONSU (1999) e o início da ANS ................. 88

2.5.2 Segunda Fase – de 2004 a 2010 ................................................................... 91

2.5.3 Terceira Fase – De 2010 a 2012 .................................................................... 96

2.5.4 Quarta Fase – de 2012 a 2015 ..................................................................... 100

2.5.5 Quinta Fase – de 2015 em diante ................................................................ 102

CAPÍTULO 3 – QUESTÕES ATUAIS .................................................................................... 109

3.1 Outras Tendências e Movimentos do Mercado ..................................................... 109

3.1.1 Regulação, Economias de Escala e Concentração .................................... 109

3.1.2 Verticalização e abertura ao capital estrangeiro ........................................... 113

3.2 Distorções e Falhas Competitivas no Mercado de Prestadores e Insumos ......... 118

3.2.1 A questão das Órteses e Próteses e Materiais Especiais (OPME) e os Dispositivos Médicos Implantáveis ...................................................... 118

3.2.2 Judicialização: o encontro da economia e do direito .................................. 129

3.2.3 Práticas Anticoncorrenciais de Cooperativas de Especialidades Médicas ......................................................................... 134

3.2.4 O Impacto na Inflação Médica (ou Variação dos Custos Médico-Hospitalares) ........................................... 137

3.2.5 Um retrato da situação financeira do setor .................................................. 143

3.2.6 Eficiência e a Relação Risco x Retorno ........................................................ 153

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CAPÍTULO 4 – DESAFIOS DEMOGRÁFICOS E EPIDEMIOLÓGICOS ............................... 159

CAPÍTULO 5 – COMBINANDO REGULAÇÃO COM INCENTIVOS .................................... 169

5.1 Franquias e Coparticipações fortalecendo o Consumidor e preservando o Sistema ................................................................................................................ 169

5.2 Transparência de preços, custos e resultados assistenciais ................................ 172

5.3 ATS – Avaliação de Tecnologias da Saúde e sua correta indicação ..................... 172

5.4 Análise de Impacto Regulatório – Por que a regulação gera custos .................... 177

5.5 Reforma nos modelos de pagamento – O objetivo é a saúde .............................. 179

5.6 Saúde, Previdência e Assistência ao Idoso – De olho no futuro sem descuidar do presente ........................................................................................... 182

REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 185

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Figuras

Figura 1. Quadro Institucional da Saúde no Brasil ...................................................... 41

Figura 2. Modelo de Seguro Saúde Tradicional .......................................................... 43

Figura 3. Modelo de Planos de Saúde ........................................................................ 44

Figura 4. Regulação da Saúde Suplementar .............................................................. 57

Figura 5. Eixos da Regulação ...................................................................................... 85

Figura 6. Cronologia das mudanças nas regras de reajuste dos planos individuais antigos (2004) ............................................................................. 92

Figura 7. Ações judiciais para obtenção de medicamentos e dispositivos médicos (2013) ........................................................................................... 133

Figura 8. Dinâmica da VCMH na saúde .................................................................... 138

Figura 9. Desenho do estudo .................................................................................... 144

Figura 10. Como as tecnologias devem ser incorporadas? ....................................... 175

Figura 11. Análise de Impacto Regulatório – políticas regulatórias baseadas em evidências ............................................................................................ 179

Gráficos

Gráfico 1. Saúde (Expectativa de Vida) e Renda Per Capita em Países Selecionados .............................................................................. 23

Gráfico 2. Despesa em saúde no Brasil – Público, Privado e PIB (%) ......................... 39

Gráfico 3. Gasto total com saúde no Brasil: público e privado (% e R$ bilhões) – 2014 ................................................................................ 40

Gráfico 4. Custo e idade – Curva quase U (Distribuição dos gastos médios por pessoa, 2009) ................................... 48

Gráfico 5. Taxa % de internações hospitalares SUS 2014 ............................................ 49

Gráfico 6. Custo assistencial médio por beneficiário segundo a faixa etária (7 faixas etárias) ............................................................................................ 50

Listas

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Gráfico 7. Custo assistencial médio por beneficiário segundo a faixa etária (10 faixas etárias) .......................................................................................... 51

Gráfico 8. Evolução de beneficiários nos últimos dez anos por tipo de contratação .............................................................................................. 60

Gráfico 9. Evolução de beneficiários nos últimos dez anos por modalidade .............. 65

Gráfico 10. Margens sobre OPME ................................................................................ 122

Gráfico 11. Variação da despesa assistencial per capita na saúde suplementar e IPCA – Brasil (2001-2014) ........................................................................ 139

Gráfico 12. Despesa assistencial, beneficiários e IPCA (taxa acumulada – Jun/07-Jun/14) ............................................................. 140

Gráfico 13. Variação do gasto em saúde per capita e CPI (Consumer Price Index) – EUA (1960-2014) .................................... 141

Gráfico 14. Evolução das aplicações financeiras (CDI) vs. ROE Saúde Suplementar ...................................................................... 148

Gráfico 15. Risco X Retorno (Sinistralidade – MH) ....................................................... 157

Gráfico 16. Projeção da população Brasileira .............................................................. 162

Gráfico 17. Projeção da população Brasileira .............................................................. 164

Gráfico 18. Brasil: razão de dependência populacional – 2000/2060 .......................... 165

Gráfico 19. Principais causas de mortes no Brasil (2010) ............................................ 166

Gráfico 20. Pirâmide etária do percentual de beneficiários de planos de assistência médico-hospitalar por tipo de contratação do plano e sexo (Brasil – Março/2015) ...................................................................... 168

Gráfico 21. Renda e consumo privado, Brasil 2008 ..................................................... 183

Gráfico 22. Evolução da taxa de desemprego e rendimento médio real (Mar/2002 – Mai/2015) ................................................................................ 184

Quadro

Quadro 1. Principais diferenças entre Odontologia e Medicina ................................... 63

Tabelas

Tabela 1. Produção assistencial e taxa Per Capita 2013 (Saúde Suplementar e SUS) ........................................................................ 24

Tabela 2. Operadoras de planos de saúde (Dez/2014) .............................................. 25

Tabela 3. Típica estrutura da demonstração de resultados de uma operadora de planos de saúde ...................................................................................... 26

Tabela 4. Receitas, despesas assistenciais e sinistralidade (2014) ............................ 27

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Tabela 5. Estabelecimentos de saúde por atendimento a planos privados de saúde (Brasil – Março/2015) ................................................................... 28

Tabela 6. Receita e despesa da saúde suplementar e outros ramos de seguro – 2014 .......................................................................................... 29

Tabela 7. Relação público/privado nos gastos com saúde em países selecionados ............................................................................... 37

Tabela 8. Estrutura do mercado de saúde suplementar em 2014 .............................. 66

Tabela 9. Produção normativa ao longo do tempo ..................................................... 86

Tabela 10. Liquidações extrajudiciais decretadas ......................................................... 86

Tabela 11. Histórico dos reajustes do plano individual, IPCA e variação da despesa assistencial Per Capita ............................................................. 87

Tabela 12. Liquidações extrajudiciais decretadas ......................................................... 90

Tabela 13. Operadoras que sofreram intervenções da ANS por segmento ............... 109

Tabela 14. Composição de receitas e despesas hospitalares .................................... 122

Tabela 15. Tendências de Crescimento de Custos em Diversos Países – 2014 ......... 142

Tabela 16. Descrição da amostra por operadoras, beneficiários e dados econômicos .................................................................................. 145

Tabela 17. Indicadores operacionais ........................................................................... 146

Tabela 18. Indicadores de rentabilidade ...................................................................... 147

Tabela 19. Índice de liquidez ........................................................................................ 149

Tabela 20. Indicadores de estrutura de capital ............................................................ 150

Tabela 21. Amostra por modalidade ............................................................................ 151

Tabela 22. Sinistralidade das operadoras solventes e insolventes ............................. 151

Tabela 23. Patrimônio líquido – Receita e despesa assistencial (Insolventes) ........... 152

Tabela 24. Estudos sobre impacto da tecnologia nos custos da saúde .................... 173

Tabela 25. Taxa de ressonância nuclear magnética, tomografia computadorizada e consultas médicas – Brasil e países selecionados OCDE ..................... 174

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Prefácio

Para enfrentar os desafios que se enfileiram diante do cenário de maior longevidade, conquista social da maior importância, e dos custos assistenciais e da regulação cres-centes, a saúde suplementar precisa, sobretudo, ser conhecida. Mas não bastam os

noticiários, artigos e reportagens sempre presentes nos principais veículos de comunicação. A saúde suplementar precisa ser conhecida em seus fundamentos, seus conceitos, sua dinâmica própria e arcabouço regulatório peculiar. Essa não é tarefa fácil, mas crucial para que a sociedade possa avaliar em profundidade um setor com grande contribuição para a geração de riqueza no país, para a inovação tecnológica na cadeia de prestação de serviços médicos, e, que, definitivamente, consolidou contribuição para a proteção e bem-estar de milhões de beneficiários, garantindo-lhes o acesso de qualidade a tratamentos e serviços de saúde, e, atualmente, produzindo mais de um bilhão de procedimentos médicos anuais. Não é por outra razão senão a intenção de dar visibilidade a essa contribuição do setor, que a comunicação e a produção científica sistemáticas vêm ocupando lugar de destaque, e devem ser mais estimuladas ainda.

A obra de Sandro Leal Alves vem suprir uma lacuna existente na literatura sobre a saúde suplementar, ao percorrer todas as dimensões do setor, com rigor científico alicerçado nos fundamentos securitários, mas sem excessos de economês. Contribui também, decisiva-mente, para desconstruir mitos midiáticos de forma didática. O livro aborda de forma am-pla as restrições – normativas e concorrenciais – que desafiam as Operadoras Privadas de Saúde para o exercício da adequada gestão do acesso e dos custos, da urgente redução de desperdícios e más-condutas, e aponta claramente para a necessidade de que sejam debatidos os problemas estruturais do setor. Problemas que vão desde falhas do próprio ar-cabouço regulatório, passando por desequilíbrios presentes na organização e dinâmica da cadeia produtiva e de distribuição de insumos, até o imperativo evidente de que a demanda por novas incorporações ao Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde seja compatibilizada à disposição e capacidade de pagamento da sociedade.

O livro teve êxito na sua concepção, portanto, ao abordar os principais aspectos da atividade de forma compreensiva, lançando luz sobre cada um deles e acenando seriamente com os desafios que devem ser enfrentados para a sustentabilidade do setor. Enfim, um remédio indispensável contra a ideologia, o preconceito e o desconhecimento. Passa a ser leitura recomendada tanto para aqueles que operam no dia a dia do setor de saúde privada, quanto para jornalistas, estudiosos, acadêmicos, reguladores e magistrados.

Marcio Serôa de Araujo CoriolanoPresidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar

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Apresentação

E m 2004 a Escola publicou a dissertação de mestrado de Sandro Leal Alves sob o título “Análise Econômica da Regulamentação e do Setor de Planos e Seguros de Saúde no Brasil”, trabalho que quantificava os efeitos da assimetria de informação

do setor de saúde suplementar e que tive o prazer de participar da banca. Este seria o embrião de uma pesquisa que conquistou o primeiro lugar no Prêmio Seae de Regulação Econômica do Ministério da Fazenda em 2007. De lá pra cá, o setor cresceu, e muito. E Sandro continuou conciliando sua atividade profissional com intensa produção acadêmica na área da saúde suplementar divulgando diversos estudos e artigos nas publicações da casa, tanto na Revista Brasileira de Risco e Seguro (RBRS) quanto na revista Cadernos de Seguro, de cujo conselho editorial o autor também é integrante.

Este livro vem de certa forma organizar e consolidar cerca de 15 anos de estudos dedicados ao setor de saúde suplementar e que, com qualidade acadêmica aliada à experiência de profissional atuante no setor, muito acrescenta ao acervo técnico-científico da Escola.

Ele trata de aspectos econômicos importantes do setor de saúde suplementar e mostra como a estrutura de incentivos pode produzir distorções e falhas no comportamento dos agentes econômicos. Também aborda a regulação setorial, tanto sob o aspecto evolutivo e histórico como técnico, chamando a atenção para as tensões existentes entre falhas de mercado e falhas de governo.

O texto convida o leitor a refletir sobre os desafios de uma mudança demográfica acelerada e seus impactos sobre a saúde. Algumas soluções também são abordadas como meios de compatibilizar os desejos e necessidades da população com sua capacidade de pagamen-to. A avaliação criteriosa da incorporação das tecnologias na saúde e a análise de impacto regulatório certamente continuarão presentes na agenda de pesquisas e debates do setor.

Após anos de intenso crescimento e regulação do setor, a profissionalização dos ope-radores é indiscutível e o processo contínuo de formação e aperfeiçoamento será muito beneficiado com essa obra. É com prazer que a Escola Nacional de Seguros lança este livro destinado a servir como referência de leitura e incentivo a novas pesquisas na saúde suplementar. É um livro destinado também a se tornar um clássico na literatura técnica do setor de saúde no Brasil.

Prof. Claudio R. Contador, PhD.Escola Nacional de Seguros

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Introdução

O objetivo de escrever um livro trazendo os fundamentos, regulação e os desafios da saúde suplementar é essencialmente estimular o debate de ideias e a reflexão sobre este importante segmento da economia e da sociedade. O debate ainda é concen-

trado em poucos pesquisadores. É importante estimular o debate em outras áreas de pes-quisa, como a economia, além das demais. Por tratar-se de um setor complexo, dinâmico, com muitos conflitos de interesse e assimetrias informacionais e com amplo alcance social, muitas áreas do conhecimento são convidadas a se debruçar sobre as questões essenciais do setor, os desafios, a regulação e as propostas que possam garantir a sustentabilidade econômica do sistema preservando a qualidade da prestação dos serviços.

Primeiramente, no capítulo 1, buscou-se, correndo o risco da obviedade, ressaltar a im-portância da atividade em termos econômicos e sociais, muitas vezes esquecida ou in-compreendida. Abordamos a melhoria do capital humano, a geração de renda ao longo da cadeia produtiva, a formação de poupança e a melhoria da eficiência econômica como sendo os insumos oferecidos pelo setor para o desenvolvimento econômico e social. Em seguida, como não poderia deixar de ser, é importante situar o desenvolvimento do setor historicamente, assim como a divisão entre o setor público e o setor privado. Procuramos mostrar que o plano ou seguro de saúde funciona sob os mesmos fundamentos do seguro, em termos atuariais e econômicos. A regulação, por sua vez, trouxe restrições que deman-daram modificações no sistema para adaptação a uma realidade de ampla repercussão social. A formação dos custos e preços do setor é analisada à luz dos fundamentos téc-nicos, mostrando os desvios da saúde suplementar em relação aos conceitos tradicionais de funcionamento do mercado de seguros. Antes de adentrar no campo da regulação pro-priamente dita, buscou-se situar o setor em relação às modalidades de operadoras, tipo de contratação e segmentação assistencial, além das instituições setoriais.

O segundo capítulo é dedicado à regulação, tanto teoricamente, abordando as situações de falhas de mercado em que a intervenção do Estado na economia e na saúde suplementar é recomendada, quanto na prática, abordando a evolução histórica da regulação. O ditado popular que diz que “A teoria, na prática, é outra”, se mostra de profunda convergência com a realidade do setor. Nesta seção também são abordadas as falhas de governo, a regula-ção prudencial, assistencial e a regulação econômica de preços e reajustes. Em seguida à abordagem teórica, é apresentada a evolução da regulação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), segmentada de acordo com as mudanças na gestão da agência. Esta abordagem metodológica mostrou-se consistente com o objetivo de ressaltar as mudanças na regulação. Não foi objetivo analisar pormenorizadamente cada regulação, mas apenas situá-las dentro do contexto histórico.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL20

O terceiro capítulo se dedica às questões atuais, ao menos aquelas que o autor julgou mais relevantes. A verticalização, a concentração de mercado e a concorrência são temas abor-dados. No mercado de insumos, são aprofundadas as falhas competitivas no mercado de insumos, as práticas anticoncorrenciais de cooperativas de especialidades, a judicialização crescente no setor e, ao final, o impacto na variação dos custos médico-hospitalares. Este capítulo mostra como as operadoras estão absorvendo os desafios a partir de avaliação econômico-financeira e também pelo enfoque da eficiência e da relação risco/retorno.

O quarto capítulo serve para dar certo sentido de urgência na busca pelo equacionamento das distorções diante do processo de envelhecimento populacional e de transição epide-miológica. O quinto capítulo resume algumas das possíveis soluções que podem ser imple-mentadas para corrigir incentivos inadequados que atuam nas diversas formas no setor de saúde suplementar. Neste sentido, a transparência de custos e preços, aliada a um compor-tamento mais “empoderado” dos consumidores são abordados, assim como a necessidade de revisão dos processos de incorporação de tecnologias na saúde suplementar, a necessi-dade de mecanismos para implementação regular da Análise de Impacto Regulatório, refor-ma dos modelos de pagamentos e a criação de novos produtos.

Por fim, este não é um trabalho eminentemente acadêmico, preocupado com demonstrações matemáticas e provas de axiomas. Tampouco é uma análise meramente descritiva da regula-mentação setorial, pois aborda com ênfase os aspectos relevantes sempre que necessário.

O trabalho fica, portanto, no meio termo, tal como programado, e pretende contribuir tanto para os acadêmicos interessados no setor de saúde suplementar, quanto para os operado-res da saúde suplementar além dos operadores do direito, do poder judiciário, do legislativo ou dos meios de comunicação que desejem aprofundar-se em alguns dos fundamentos que regem o setor, sua regulação ou seus desafios.

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21

CAPÍTULO 1

1.1 A Dimensão Econômica e Social da Saúde Suplementar

S egundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar1, no ano de 2014 o setor de saúde suplementar respondeu pela cobertura de 50,7 milhões de brasileiros be-neficiários de planos médico-hospitalares e 21,2 milhões de beneficiários de planos

exclusivamente odontológicos, totalizando 71,9 milhões de beneficiários. Isto significa que 25,8%2 da população brasileira é atualmente coberta pelo setor. Em 2000, essa taxa de cobertura era de 18,2%.²

Pesquisas oficiais como a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2013 do IBGE mostram que 72,1% das pessoas que possuem plano de saúde o avaliam como bom ou muito bom. Já pesquisas de opinião como IBOPE confirmam que trata-se de um setor altamente valorizado pela sociedade brasileira. Os planos de saúde foram apontados como o terceiro maior de-sejo dos brasileiros, perdendo apenas para os itens educação e casa própria.3

Quanto à avaliação dos serviços prestados, de 1.600 beneficiários entrevistados, 1.200 (75%) disseram estar “satisfeitos ou muito satisfeitos” com os serviços, enquanto 288 (18%) afirmaram estar “mais ou menos satisfeitos” e 112 (7%) disseram se sentir “pouco ou nada satisfeitos” quanto a seus planos ou seguro de saúde. E 86% das pessoas ouvidas preten-dem “com certeza” ou “provavelmente” permanecer com o plano já contratado.4 Diversas outras pesquisas confirmam esta avaliação, o que não quer dizer que não há problemas e distorções neste segmento. Muitas vezes a incompreensão5 aliada às motivações ideológi-cas contrárias ao setor privado na área da saúde produzem grande impacto na mídia exigin-do um esforço extraordinário por parte do setor para mostrar suas qualidades.

1 ANS (Sistema Tabnet). Consulta realizada em 11 de maio de 2015. www.ans.gov.br.2 Taxa de cobertura dos planos de assistência médica.3 Como exemplo, o Ibope Inteligência ouviu, entre abril e maio de 2015, 3,2 mil pessoas entre beneficiários e não beneficiários em oito regiões metropolitanas do país (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Porto Alegre, Brasília e Manaus). Em uma escala de 0 a 5, a nota média dada aos planos de saúde foi de 3,9. 4 http://documents.scribd.com.s3.amazonaws.com/docs/120sv90xds4jnlz2.pdf.5 Veja por exemplo Alves, Sandro Leal (2014).

Como funciona a Saúde Suplementar

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL22

Trata-se, como veremos ao longo do livro, de um setor de grande relevância para as famílias e empresas que contratam os planos, para a ampla cadeia produtiva, formada, à montante, pela indústria de fármacos, materiais, equipamentos, P&D, e, à jusante, financiada pelas operadoras e que participam os médicos, dentistas, hospitais, laboratórios, e outros setores que se vinculam naturalmente a esses planos.

A discussão sobre saúde suplementar no Brasil costuma chamar a atenção pela importância e a relevância econômica do setor, mas as impressionantes marcas de geração de renda, emprego e desenvolvimento tecnológico não podem ofuscar a relevância social do setor. A rigor, é tarefa difícil estabelecer fronteiras entre o campo econômico e o campo social da saúde na medida em que as relações são dinâmicas e interconectadas. Há de fato efeito multiplicador na economia da saúde que merece ser vista tanto como sistema de proteção social e prestação de melhorias na qualidade de vida das pessoas como também setor econômico que contribui para a geração de emprego, renda e inovação ao longo de extensa cadeia produtiva. Desta forma, o setor de saúde suplementar contribui de forma decisiva para a economia, e para o bem-estar da sociedade, de pelo menos quatro maneiras:

1.1.1 MELHORIA DO CAPITAL HUMANO – SAÚDE E PRODUTIVIDADE DA POPULAÇÃO

A relação entre saúde e desenvolvimento pode ser entendida como de natureza recípro-ca e inter-relacionada. Inicialmente, saúde e desenvolvimento atuam reciprocamente com efeitos em ambas as direções, se retroalimentando, como demonstram alguns estudos. Por exemplo: Bloom, D, Canning, D, and Sevilla, J (2001)6 chegam à conclusão de que um ano a mais na expectativa de vida gera, mantidos os outros efeitos constantes, quatro pon-tos percentuais adicionais no crescimento do produto interno bruto.

Sob este enfoque, o capital-saúde é compreendido como parte integrante do que é conhe-cido como capital humano, assim como a educação.7 Maiores investimentos em capital hu-mano, como saúde e educação, produzem efeitos positivos sobre o produto e sobre a renda pelo vaso comunicante da produtividade. Quando esses investimentos são feitos de forma mais eficiente, há ganhos de produtividade que repercutem por outros setores da economia (spill over effects). Pessoas saudáveis produzem mais e melhor e este efeito se estende ao desenvolvimento do país.

Este seria um primeiro efeito, ainda que indireto, da saúde suplementar sobre a economia em geral. Parece plausível, considerando que mais de 70 milhões de brasileiros recorrem ao sistema suplementar para buscar proteção à saúde (2015), apesar de indiretos, os efeitos positivos são significativos.

6 Bloom, D, Canning, D and Sevilla, J (2001).7 Versão resumida do modelo de Grossman de demanda por saúde pode ser encontrata em Alves, Sandro Leal (2004).

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CAPÍTULO 1 | COMO FUNCIONA A SAÚDE SUPLEMENTAR 23

A associação positiva entre a expectativa de vida, uma proxy geralmente utilizada para qualidade da saúde, e a renda per capita fica clara observando o Gráfico 1 apresentado a seguir. Por outro lado, na medida em que as sociedades evoluem e a renda aumenta, a demanda por serviços de saúde cresce ainda mais, revelando o interesse e a dispo-sição dos indivíduos em melhorar a qualidade e a expectativa de vida. Para cada 1% de aumento na renda, as despesas com saúde aumentam em 1,6%, mantidas inalteradas as demais variáveis.

GRÁFICO 1 – SAÚDE (EXPECTATIVA DE VIDA) E RENDA PER CAPITA EM PAÍSES SELECIONADOS

Renda per capita, PPP vs Expectativa de vida ao nascer (anos) para países do G20

Rend

a pe

r cap

ita, P

PP(p

arid

ade

de p

oder

de

com

pra

em d

ólar

es)

Expectativa de vida ao nascer (anos)

Japão

BrasilÁfrica do Sul

Índia

Estados Unidos

60.000

50.000

40.000

30.000

20.000

10.000

–50 55 60 65 70 75 80 85 90

Fontes: WHO, World Bank. GDP é o Gross Domestic Product (equivalente no Brasil ao Produto Nacional Bruto), medido em Paridade de Poder de Compra (PPP). Obs.: G20 com exceção da Argentina e UE.

Em contrapartida ao recebimento das mensalidades, a produção assistencial do setor foi de mais de um bilhão de procedimentos em 2013, para usar o dado mais recente. Interessante notar que o item mais frequente são os exames complementares e o menos frequente são as internações.8

8 Há razões claras para este comportamento. As pessoas adquirem o plano de saúde para se protegerem essencialmente do grande risco, que são eventos raros, porém de alto impacto financeiro, como as internações. Nos demais procedimentos, parte é fruto da ação do próprio indivíduo e parte de influência de terceiros. Este assunto será abordado com profundidade adiante.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL24

TABELA 1 – PRODUÇÃO ASSISTENCIAL E TAXA PER CAPITA 2013 (SAÚDE SUPLEMENTAR E SUS)

Item assistencial

Saúde Suplementar SUS

Quantidade (milhões)

Per capita1 Quantidade (milhões)

Per capita1

Total2 1.110 22,8 3.809 18,9

Consultas médicas3 262 5,6 537 3,5

Outros atendimentos ambulatoriais 122 2,5 n.d n.d

Exames complementares4 667 13,7 813 5,3

Terapias 51 1,0 n.d n.d

Internações5 8 16,5 11 7,6

Fontes: Sistema de Informações Assistenciais do SUS – Datasus – Extraído em 15/8/15. Mapa Assistencial da Saúde Suplementar – 2014. IBGE – Projeção da população do Brasil por sexo e idade para o período 2000-2060. Sistema de informação de beneficiários – SIB/ANS/MS – Tabnet – Extraído em 15/8/15.

Nota: 1Beneficiários de planos de assistência médica com ou sem odontologia. Média anual dos beneficiários de planos de assistência médica. Para o Cálculo do per capita total do SUS foi considerada toda a população, pois existem procedimentos que não são cobertos pelos planos. SUS: Não inclui a população beneficiária da saúde suplementar. ²O valor total do SUS considera o total de procedimentos ambulatoriais e o total de procedimentos hospitalares. ³Dado do SUS: 2012. 4Exames complementares do SUS – Grupo de procedimento “02 Procedimentos com finalidade diagnóstica”. 5Número de internações hospitalares para cada 100 beneficiários/população.

Observando os números absolutos resta claro que o volume de atendimentos realizados, mas é importante relativizar estes indicadores para se ter a real dimensão. Em 2012, foram realizadas 537 milhões de consultas no SUS para atender um universo muito maior de pes-soas (2/3 da população não possui plano de saúde). Em 2013, foram realizadas 11 milhões de internações neste mesmo período. A análise destes dados revela um aspecto funda-mental deste segmento que é o acesso aos serviços de saúde contratados, principalmente quando se comparam dados de produção assistencial da saúde suplementar e do SUS. Nota-se que a frequência de utilização no setor de saúde suplementar supera em muito o setor público nestes itens analisados. Os beneficiários de planos de saúde tiveram, em média, 5,5 consultas neste ano enquanto os usuários do SUS tiveram uma taxa de 3,4. En-quanto o setor de saúde suplementar fez 16,5 internações por 100 beneficiários, o SUS fez 7,6 por 100 habitantes, revelando a assimetria no acesso aos serviços públicos e privados.9

9 A taxa de internação mede o número de internações por qualquer causa em relação ao total de beneficiários. Cálculo: (número de interna-ções no ano/número médio de beneficiários de planos hospitalares no ano) x 100. No cálculo do SUS, o número de beneficiários de planos foi subtraído da população brasileira considerando que muitas vezes o beneficiário usa o SUS por conveniência própria, por ausência de cobertura contratada para determinados serviços e por situações de urgência. O principal procedimento do SUS utilizado por beneficiários de planos no ano de 2013 foram partos normais, um milhão em um total de 11.197.160 procedimentos (9,43%). Fonte: Tabnet – Extraído em 15/8/15. Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS). Na realidade, toda a população tem direito de usar o SUS, mesmo os beneficiários de planos de saúde.

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CAPÍTULO 1 | COMO FUNCIONA A SAÚDE SUPLEMENTAR 25

1.1.2 ESTÍMULO À GERAÇÃO DE RENDA AO LONGO DA CADEIA PRODUTIVA

O setor de saúde suplementar é formado por um grande número de operadoras. Em dezem-bro de 2014 eram 1.425 registros sendo 1.219 registros de operadoras com beneficiários. A grande maioria (72%) é de operadoras médico-hospitalares.10 O número de empresas atuantes no setor impressiona quando comparado a outros setores econômicos importantes como telefonia, bancos, seguradoras, energia etc.

TABELA 2 – OPERADORAS DE PLANOS DE SAÚDE (DEZ/2014)

Registros TotalOperadoras

médico-hospitalaresOperadoras exclusivamente

odontológicas

Registros novos1 43 31 12

Registros cancelados1 84 64 20

Operadoras em atividade 1.425 1.041 384

Operadoras com beneficiários 1.219 873 346

Fontes: CADOP/ANS/MS – 12/2014 e SIB/ANS/MS – 12/2014 – Caderno de Informação da Saúde Suplementar – março/2015.

Nota: ¹Registros novos e cancelados no ano.

Importante ressaltar que grande parte dos recursos auferidos em mensalidades retorna à sociedade sob a forma de pagamentos dos serviços de saúde contratados. Este percentual, a taxa de sinistralidade, é mais elevado na saúde suplementar, especialmente no segmento médico-hospitalar, quando comparado com outros segmentos do seguro. A Tabela 3 apre-sentada a seguir mostra uma estrutura de uma demonstração típica de resultados de uma operadora de planos de saúde.11

10 Distribuição próxima dos beneficiários de planos médico-hospitalares (70%) no total de beneficiários.11 Para conceitos mais aprofundados sobre análise econômico-financeira de seguradoras veja Galiza, Francisco (2007) “Economia e Seguro; Uma Introdução” Escola Nacional de Seguros. 2 edição revisada e atualizada.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL26

TABELA 3 – TÍPICA ESTRUTURA DA DEMONSTRAÇÃO DE RESULTADOS DE UMA OPERADORA DE PLANOS DE SAÚDE

Conta

Contraprestações efetivas (1)

Eventos inden. líquidos (2)

Result. oper. c/ planos (3) = (1)-(2)

Resultado bruto (4)

Despesas administrativas (5)

Desp. de comercialização (6)

Result. financ. líquido (7)

Result. patrimonial (8)

Result. antes imp./part (9)= (4)-(5)-(6)-(7)-(8)

Imp. renda / imp. diferidos (10)

Contribuição social (11)

Partic. no resultado (12)

RESULTADO LÍQUIDO (13)= (9)-(10)-(11)-(12)

Considerando todas as operadoras atuantes na saúde suplementar, a taxa de sinistralidade em 2014 foi de 82,1%, ou seja, este é o percentual da receita (R$ 130,4 bilhões) comprome-tido com o pagamento da despesa assistencial (R$ 107,1 bilhões), sem considerar a des-pesa administrativa, a despesa de comercialização, a despesa com impostos e a margem de lucro. No entanto, é importante separar a análise entre os segmentos médico-hospitalar e odontológico. No segmento médico-hospitalar a sinistralidade foi de 83,9% enquanto no segmento exclusivamente odontológico, formado pelas odontologias de grupo e as coo-perativas odontológicas, a sinistralidade foi de 46,4%. As razões para tal diferença serão exploradas mais adiante. Por ora, a Tabela 4 apresentada a seguir é útil para apresentar os volumes financeiros destinados à prestação de serviços de saúde, que ajudam a movimen-tar toda a cadeia produtiva da saúde.

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CAPÍTULO 1 | COMO FUNCIONA A SAÚDE SUPLEMENTAR 27

TABELA 4 – RECEITAS, DESPESAS ASSISTENCIAIS E SINISTRALIDADE (2014)

ModalidadeReceita

(R$ bilhões)¹Desp. Assistencial

(R$ bilhões)²Sinistralidade

(%)3

Mercado de saúde suplementar4 130,4 107,1 82,1

Autogestão 14,3 13,3 92,8

Cooperativa médica 44,7 36,8 82,3

Filantropia 2,2 1,8 79,3

Medicina de grupo 36,3 29,4 81,0

Seguradora especializada em saúde 28,7 24,6 85,6

Odontologia de grupo 2,2 0,9 40,1

Cooperativa odontológica 0,6 0,4 58,2

Fonte: Documento de informações periódicas das operadoras de planos de assistência à saúde – DIOPS/ANS – Extraído em 30/4/15.

Notas: 1Considera as operadoras que divulgara o resultado de receita de contraprestações. 2Considera as operadoras que divulgaram os resultados de despesas assistencial, administrativa, com comercialização e impostos. 3Razão entre despesa assistencial e receita de contraprestações. 4Considera 1.219 operadoras em atividades e com beneficiários em dez/14. Considera os resultados das administradoras de benefícios.

A Tabela 5 apresentada a seguir dá a dimensão dos estabelecimentos de saúde que pos-suem vínculos e relações comerciais no setor privado. Ao todo, 57,4% de todos os estabe-lecimentos de saúde prestam serviços à saúde suplementar, ultrapassando o percentual de cobertura da população (25,8%).12

12 O leitor deve ter percebido que o único segmento cujo percentual se situa aquém da taxa de cobertura setorial é o de prontos-socorros. Algumas razões podem ajudar a compreender essa tendência. Como a utilização dos serviços de prontos-socorros são fundamentalmente aleatórios e precisam de economias de escala significativas, o setor público atende essa demanda a um custo mais baixo, socialmente falan-do. Não seria economicamente viável a construção de prontos-socorros concorrentes pelas operadoras de plano, ainda que seja obrigação destas oferecerem estes serviços de forma contratada.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL28

TABELA 5 – ESTABELECIMENTOS DE SAÚDE POR ATENDIMENTO A PLANOS PRIVADOS DE SAÚDE (BRASIL – MARÇO/2015)

Tipo de estabelecimento Total Atendimento a planos privados %

Clínica ou ambulatório especializado 37.323 19.615 52,6

Consultório isolado 136.993 85.046 62,1

Hospital especializado 1.034 432 41,8

Hospital geral 5.101 1.664 32,6

Policlínica 6.244 2.828 45,3

Pronto socorro especializado 102 41 40,2

Pronto socorro geral 388 55 14,2

Unidade de serviço de apoio à diagnose e terapia 20.564 9.522 46,3

Total 207.749 119.203 57,4

Fonte: CNES/MS – 03/2015.

O atendimento a beneficiários de planos de saúde é o principal componente de receita dos hospitais privados. Pesquisa realizada por entidade do setor mostra que os planos respon-deram por 88,0% da receita global dos hospitais em 2013.13 A contribuição do setor também passa pelo efeito multiplicador da criação de empregos e pela tributação. Os planos de saúde suplementar assumem custo direto e indireto dos tributos. Em 2013, a carga tributária direta e indireta atingiu 26,68% do faturamento das empresas.14

1.1.3 ESTÍMULO À FORMAÇÃO DE POUPANÇA

A constituição de reservas e garantias financeiras é uma importante característica do setor segurador em todo mundo. Veja por exemplo a discussão que a crise econômica de 2008 deflagrou nas autoridades reguladoras europeias.15 Trata-se de um setor que lida fundamen-talmente com o risco e deve garantir o cumprimento dos contratos quando demandados. Na saúde suplementar não é diferente. Na realidade era até a criação da ANS e a edição

13 Observatório da Anahp n. 6 2014 (Associação Nacional dos Hospitais Privados).14 A carga tributária direta utilizada no estudo é a incidente sobre o faturamento, folha de pagamento, patrimônio e lucro, enquanto a indireta é formada pelos tributos embutidos nas despesas assistenciais, acrescidos dos tributos gerados pelos funcionários e terceirizados. Fonte: Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário. Pode haver dupla contagem considerando a folha de pagamento e os funcionários.15 Mendes, Solange (2009) lembra que na Europa, fonte de referência para propostas de alterações de legislação no setor de seguros no Brasil, a crise de 2008 deflagrou um movimento de elevação dos níveis de prudência por parte dos órgãos reguladores. A reação das empresas concentrou-se, principalmente, no conservadorismo do Solvência II, que propõe uma regra única de cálculo de capital para os membros da comunidade europeia. No Brasil, as regras prudenciais em relação ao setor de seguros e os planos desenvolvidos no mercado financeiro nas últimas décadas vacinaram a área econômica brasileira contra a crise de 2008. Por outro lado, prudência em excesso também pode levar a insolvências. Tal fenômeno ficou conhecido no mercado bancário como Risco Herstatt.

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CAPÍTULO 1 | COMO FUNCIONA A SAÚDE SUPLEMENTAR 29

das primeiras regras prudenciais. Até então, apenas as seguradoras estavam sujeitas a esse tipo de regulação. De 2000 até os dias atuais, as demais modalidades de operadoras vêm paulatinamente reforçando as suas reservas.

Como colateral para este passivo, as operadoras devem constituir ativos garantidores que são distribuídos segundo regras específicas que serão tratadas mais adiante. Esses recur-sos são parte importante para o financiamento da atividade produtiva nacional e tendem a ganhar maior expressão na medida em que a totalidade das obrigações for cumprida.

Desta forma, a saúde suplementar contribui para o aumento da taxa de poupança interna que, por ser bastante baixa no Brasil, em comparação a referenciais internacionais, cons-titui reconhecida limitante do aproveitamento do potencial de crescimento econômico. Em 2014, o total de provisões técnicas constituídas pelo setor de saúde suplementar era de R$ 27,9 bilhões e os ativos garantidores acumulavam R$ 19,8 bilhões.16

1.1.4 MELHORIA DA EFICIÊNCIA ECONÔMICA

A saúde suplementar, assim como o setor de seguros em geral, serve para diluir os riscos inerentes à vida humana. A Tabela 6 abaixo apresenta as principais estatísticas dos ramos de seguro regulados pela SUSEP e acrescenta o setor de saúde suplementar, entendendo saúde como parte integrante do macro segmento de seguros, previdência e capitalização.

TABELA 6 – RECEITA E DESPESA DA SAÚDE SUPLEMENTAR E OUTROS RAMOS DE SEGURO – 2014

Tipo de seguro Receita (R$ bilhões) Despesa (R$ bilhões)

Capitalização 21,9 16,3

Saúde Suplementar¹ 130,4 107,1

Cobertura de pessoas² 111,3 9,6

Ramos elementares 65,3 34,1

Total 328,9 167,1

Fonte: Fontes: Estatísticas do Mercado Segurador – CNSeg – Dados até Junho de 2015. Documento de informações periódicas das operadoras de planos de assistência à saúde – DIOPS/ANS – Extraído em 30/4/15.

Notas: ¹Os valores referentes a cobertura de pessoas incluí os planos tradicionais, de acumulação (VGBL, PGBL e EAPP) e risco (Vida, Prestamista, acidentes pessoais e outros seguros de pessoas). ²Dados obtidos no DIOPS/ANS, conforme metodologia da FenaSaúde.

16 O total de provisões do setor segurador em 2014 foi de R$ 476,4 bilhões. Fonte: CNseg com base nos dados da SUSEP e ANS.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL30

Sem esses setores, os riscos não seriam diluídos entre as pessoas e cada indivíduo teria que incorrer individualmente na sua proteção. Com o surgimento dos mercados securitá-rios, a atividade econômica pôde se concentrar em suas tarefas específicas na indústria, no comércio, no setor de serviços etc, deixando para agentes mais especializados, os servi-ços de administração de riscos. Fundamentais para o melhor exercício das potencialidades econômicas, os benefícios decorrentes da especialização e divisão do trabalho, bem como do aproveitamento dos ganhos de escala, justificam e suportam a existência do setor de seguros na sociedade moderna.

As tarefas básicas das operadoras e seguradoras envolvem comprar riscos daqueles agen-tes que desejam vendê-los, reuni-los em uma carteira suficientemente grande, a fim de diluí-los, e exercer a gestão atuarial e administrativa necessária para o pagamento das in-denizações. Na ausência desse setor econômico as pessoas teriam grandes dificuldades na viabilização do compartilhamento e diluição de riscos, o que possivelmente elevaria os custos de diversas atividades, por vezes tornando-as inviáveis. Embora seja de difícil men-suração, a existência da saúde suplementar agrega valor à sociedade pela criação de meios factíveis para a assunção dos riscos que as pessoas (e as empresas) desejam se desven-cilhar ou se proteger. Os montantes devolvidos à sociedade na forma de indenizações e pagamento das despesas assistenciais revela apenas parte desse valor, na eventualidade do uso. Outra parte decorre da própria existência dos mecanismos de seguros, cujo valor é aquilatável pelos desconfortos e custos esperados caso não existissem os serviços de segu-ros. Seria muito mais difícil a vida se cada pessoa tivesse que administrar seu próprio risco.

1.2 Histórico e Surgimento dos Planos de Saúde

O surgimento do mercado de saúde suplementar, não raro é referido à década de 50, na região do ABC paulista, a partir da instalação das montadoras e o surgimento da indústria automobilística. A primeira empresa de medicina de grupo brasileira surge em 1957, para prestar serviços a Volkswagen que inaugurava a sua fábrica em São Bernardo do Campo.17

No entanto, uma explicação alternativa remonta ao ano de 1923, data da edição da Lei Eloy Chaves, considerada como o marco do início da Previdência Social no Brasil. A denominada lei criava Caixas de Aposentadorias e Pensões que eram fundos geridos e financiados por patrões e empregados. Tais fundos, além de garantirem aposentadorias e pensões também financiavam serviços médico-hospitalares aos trabalhadores e seus dependentes.18 Nesta época mais remota, a Caixa de Aposentadoria e Pensão dos funcionários do Banco do Brasil, a CASSI, teria sido, mais propriamente, o primeiro plano de saúde do país, criado em 1944 e em atividade até os dias atuais.

No final da década de 1960, a medicina assistencial no Brasil atravessava um momento de transformações estruturais da Previdência Social com a unificação dos Institutos de

17 Juljan Czapski é conhecido como o fundador dos planos de saúde no Brasil. Foi médico do Hospital das Clínicas, fundador e diretor da Po-liclínica Central e dirigiu o Hospital São Jorge, em São Paulo. Formulou e desenvolveu o conceito dos Planos de Saúde e Medicina de Grupo. Implantou a nova ideia em sua própria empresa, a Policlínica Central. Seu primeiro cliente foi a Volkswagen do Brasil. Nasceu daí a primeira franquia de planos de saúde, a Policlínica Central de Porto Alegre, que existe até hoje. Faleceu em 2012. Fonte: www.Hospitalar.com.br. 18 www.ans.gov.br.

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CAPÍTULO 1 | COMO FUNCIONA A SAÚDE SUPLEMENTAR 31

Aposentadorias e Pensões (IAPs) no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que mais tarde viria a se transformar no Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdên-cia Social (INAMPS), extinto em 1990 para dar lugar ao Sistema Único de Saúde (SUS). Para dar lugar ao Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), depois reno-meado de Sistema Único de Saúde (SUS).

A primeira cooperativa de trabalho na área de medicina do país – e também das Américas: a União dos Médicos – Unimed foi fundada na cidade de Santos (SP), em 1967.19 Em 1977, a seguradora COMIND iniciou as suas operações neste ramo. Logo em seguida a Itaúseg também iniciou suas atividades e em meados da década de 80, as seguradoras Bradesco e Sul América iniciaram suas atividades no segmento.20

Vale a pena lembrar a origem histórica das Santas Casas de Misericórdia no Brasil, que atualmente também oferecem planos de saúde na modalidade filantropia. As misericórdias brasileiras, por se regerem pelos estatutos das instituições portuguesas congêneres, não fugiam à regra e, até o final do século XIX, desempenharam tais funções. Cabe destacar que, na maioria dos continentes e países onde foram fundadas, as misericórdias se anteciparam às atividades estatais de assistência social e à saúde. No Brasil, e em alguns outros países, também foram as criadoras dos cursos de Medicina e Enfermagem, como é o caso daque-las fundadas em São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória e Porto Alegre.

Foram, ainda, anteriores, ao próprio Estado Brasileiro, criado através da Constituição Imperial de 25 de março de 1824. Aí, já haviam sido fundadas as Santas Casas de Olinda (1539); Santos (1543); Salvador (1549); Rio de Janeiro (1582); Vitória (1551); São Paulo (1599); João Pessoa (1602); Belém (1619); São Luís (1657), e Campos (1792). A atuação destas institui-ções apresentou duas fases: a primeira compreendeu o período de meados do século XVIII até 1837, de natureza caritativa; a segunda, o período de 1838 a 1940, com preocupações de natureza filantrópica. Em que pese aparecer a Santa Casa de Misericórdia de Olinda como a mais antiga do Brasil, não existe documentação oficial que comprove ter sido esta a data da sua fundação. Portanto, oficialmente a de Santos é considerada a primeira do Brasil.21

1.3 Saúde Pública e Saúde Privada

1.3.1 A DIVISÃO ENTRE ESTADO E MERCADO NA SAÚDE

Não só no Brasil, mas em todo mundo, a divisão entre financiamento e provisão de serviços e produtos de saúde entre os setores público e privado é motivo de grandes debates. Mes-mo em países onde o setor público é majoritário, como os europeus, o tema é sempre polê-mico. Nos EUA com a reforma do sistema de saúde que ficou conhecido como Obamacare, a divisão público/privada foi o grande centro das atenções polarizadas entre os dois princi-pais partidos políticos. No Brasil não é diferente e a discussão ganha contornos político-i-deológicos entre os defensores de posições antagônicas, com ampla repercussão na mídia.

19 www.unimed.coop.br.20 Guerra, L. (1998).21 www.cmb.org.br.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL32

BOX 1 – OBAMACARE

O Patient Protection and Affordable Care Act (PPACA ou Lei de Proteção e Cuidado ao Paciente) também conhecido como Affordable Care Act (ACA) ou "Obamacare" é uma lei federal dos Estados Unidos sancionada pelo presidente Barack Obama em 23 de março de 2010. Junto com a “Lei de Reconciliação da Saúde e Educa-ção”, se tornou o maior projeto de mudança no sistema de saúde americano des-de os programas Medicare e Medicaid que entraram em vigor em 1965. Em abril de 2014, mais de 10 milhões de pessoas já haviam se inscrito no programa desde seu lançamento. Esses números incluem oito milhões de novos assegurados pelo ACA e outros três milhões que se inscreveram para receber o Medicaid durante o mesmo período. Em abril de 2015, o Instituto Gallup informava que o percentual de adultos sem seguros de saúde havia caído de 18% ao fim de 2013 para 11,9% no começo de 2015.

A essência do Affordable Care Act é controlar os custos dos planos de saúde e também ampliar os planos de seguros públicos e privados para uma maior parcela da população. Os mecanismos de implementação são através da obrigatoriedade em adquirir o seguro até com o serviço completamente subsidiado, tornando-o assim mais acessível, especialmente para os mais pobres. A lei também garante aos segurados tratamentos básicos e até mesmo internações de doenças graves, independente de sexo e de condições pré-existentes. Os estados da União que aderiram ao projeto também receberam mais verbas federais para outros projetos voltados para a área de saúde pública. Para analistas do governo, se todos tives-sem uma cobertura de saúde, os prêmios pagos por pessoas saudáveis compen-sariam os custos adicionais associados aos cidadãos mais caros.

Apresentado ao Congresso dos Estados Unidos em setembro de 2009, foi apro-vado em plenário pelo Senado em 24 de dezembro do mesmo ano, com 60 votos a favor e 39 contra. Todos os democratas e mais dois independentes votaram em favor do projeto, enquanto todos os republicanos votaram contra. A lei acabou recebendo aval da American Medical Association (AMA) e da American Association of Retired Persons (AARP). Já a Câmara dos Representantes acabou também apro-vando o projeto, em 21 de março de 2010, com 219 votos a favor e 212 contra. Cerca de 34 democratas e todos os 178 republicanos votaram contra.

Em 28 de junho de 2012, a Suprema Corte dos Estados Unidos garantiu a cons-titucionalidade da lei. Contudo, a Corte afirmou que nenhum estado poderia ser forçado a participar do ACA e da expansão do Medicaid. Desde antes da sua aprovação, a legalidade do programa tem sido contestada por governadores, líderes de movimentos conservadores e também de sindicatos, além de organiza-ções de pequenos negócios. A opinião pública americana apoiou a ideia de uma reforma no sistema de saúde, contudo pesquisas feitas durante o debate sobre o Affordable Care Act entre 2009 e 2010 mostravam que a maioria do povo tinha uma visão negativa da lei. Em outubro de 2013, cerca de 40% da população era favorável ao Obamacare, enquanto 51% era contrária.

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CAPÍTULO 1 | COMO FUNCIONA A SAÚDE SUPLEMENTAR 33

Ao longo da história, a oferta de serviços de saúde segue movimento pendular, oscilando entre o público e o privado.22 Na antiguidade as pessoas usavam remédios caseiros e curandeiros quando adoeciam. No Egito antigo há evidências em antigos papiros de que Imhotep, médico prático, pregador e oficial da corte introduziu um sistema público de ser-viços de saúde com curandeiros pagos pela comunidade.

O Código de Hamurabi (1792-50 A.C.) estabelecia um sistema de pagamentos similar ao que atualmente é conhecido como fee-for-service baseado na natureza dos serviços e na capacidade de pagamento dos pacientes.23 Nos três mil anos subsequentes, o en-volvimento do Estado no setor de saúde girou em torno de reforçar regras de compensa-ção para pessoas acidentadas e da proteção das autorreguladas corporações médicas. O financiamento e a provisão de serviços médicos normalmente estavam restritos aos membros da corte, do império, da nobreza ou das forças armadas em caso de guerra enquanto a maior massa populacional ficava desassistida ou à mercê dos curandeiros, parteiras, remédios naturais e práticos.

Desde a Idade Média, a sociedade europeia buscou formas de auxílio mútuo para gastos com saúde. O primeiro passo foi dado com as associações de trabalhadores, que criavam fundos para cobrir gastos com funerais, incapacitações etc. Os desprovidos de trabalho procuravam associar-se aos fundos de fraternidade, com objetivos similares. O filósofo Michel Foucault, em seu “O Nascimento da Clínica” narra como a medicina do Século XVIIIe XIX deu repentino salto com a criação dos hospitais que permitiram efetiva observação e controle dos pacientes.24

Na Alemanha, em 1883, as entidades patronais foram, por lei, obrigadas a contribuir para um esquema de seguro-doença em favor dos trabalhadores mais pobres, tendo, posteriormente, o esquema do seguro-obrigatório sido ampliado aos trabalhadores, que passaram a ser obri-gados a contribuir para o esquema seguro-doença, que cobria os riscos de doença temporá-ria, invalidez permanente, velhice e morte prematura. No final do século XIX e inícios do século XX, o modelo de sistemas de saúde baseados no esquema jurídico do seguro, sustentado pelo esforço contributivo dos empregados e dos empregadores, viria a ser adotado por ou-tros países da Europa (p. ex., Áustria, Bélgica, Suíça, França, Luxemburgo e Países Baixos).

A Segunda Guerra Mundial fez repensar o papel e as funções do Estado, designadamente no âmbito das políticas sociais. Em 1948, com base nas propostas do “Relatório Beveridge”, é criado, no Reino Unido, o Serviço Nacional de Saúde (National Health Service), de inteira responsabilidade do Estado. O Serviço Nacional de Saúde deveria ser:

1) Completo (no sentido de que deveria dispor todos os cuidados de saúde);

2) Universal (isto é, para toda a população e sem qualquer discriminação econômica, social ou geográfica); e

3) Gratuito (pelo menos inicialmente), sendo essencial ou predominantemente financiado com base nos impostos.

22 Preker, Alexander S. (2000).23 O código é conhecido por ser o primeiro corpo de leis de que se tem notícia fundamentado Do código de Hamurabi foram traduzidos 281 artigos a respeito de relações de trabalho, família, propriedade e escravidão. A compilação de um código de leis escrito quando ainda prevalecia a tradição oral, ou seja, em época em que as leis eram transmitidas oralmente de geração em geração ou de forma consuetudinária – costumeira. (Wikipédia).24 Foucault, Michel (1977).

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL34

O Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido, concebido segundo o modelo de Beverigde, seria, no essencial, replicado por outros países da Europa (p. ex., Dinamarca, Finlândia, Noruega, Suécia, Grécia, Espanha, Itália e Portugal).

Apenas durante o século XX, os governos da grande maioria dos países passaram a de-sempenhar papel central na política de saúde, seja pelo financiamento ou pela entrega dos serviços e cuidados. O denominado Estado de Bem-Estar se consolidou e se institucionali-zou depois de 1945, favorecido pelo crescimento econômico e a reconstrução que ocorreu nos países depois do conflito armado.25

Atualmente, a grande maioria dos países industrializados, influenciados pelo welfare state, praticamente alcançou o acesso universal mediante um mix de financiamento público e privado. A destruição massiva causada pela 2ª Guerra Mundial, e todas as políticas e esforços de reconstrução e recuperação das rendas pessoais foram centradas em deso-neração de gastos essenciais das famílias – saúde, educação, previdência – e criação de novas cadeias produtivas associadas. A partir da crise de 2008, vários países europeus estão revendo os seus sistemas de benefícios sociais.

Existem basicamente quatro fontes principais de financiamento dos cuidados de saúde: impostos, contribuição para esquemas sociais de seguro, subscrições voluntárias de es-quemas privados de seguro e pagamentos diretos por parte dos doentes. Estas podem ser classificadas em sistemas compulsórios (impostos e seguro de saúde social) ou sistemas voluntários (seguro privado e pagamentos diretos).26

Muitos sistemas de cuidados de saúde na região europeia dependem de um misto destas quatro fontes. No entanto, é possível distinguir três categorias de países dentro da União Europeia, agrupados de acordo com o tipo de financiamento obrigatório predominante que caracteriza o sistema nacional de saúde ou o tipo de financiamento obrigatório predominan-te que o país gostaria de desenvolver.

Os três grupos são:

1) Sistemas de cuidados de saúde baseados no modelo de Bismarck (i.e. que dependem predominantemente dos seguros), com sistemas de financiamento bem estabelecidos. Neste rol encontram-se, por exemplo, Áustria, Bélgica, França, Alemanha, Luxemburgo e os Países Baixos;

2) Sistemas de cuidados de saúde baseados no modelo de Beveridge (i.e. que depen-dem predominantemente dos impostos), com sistemas de financiamento bem estabe-lecidos. Dinamarca, Finlândia, Irlanda, Suécia e Reino Unido podem ser classificados neste Grupo; e

3) Sistemas de cuidados de saúde que há relativamente pouco tempo começaram a mu-dar de um sistema baseado em seguros para um sistema com base em impostos e, consequentemente, que se encontram numa fase de transição. Grécia, Itália, Portugal e Espanha seriam países em transição.

25 Fazendo um paralelo, sabe-se que o serviço de reclusão de malfeitores era inteiramente privado, até que o rei da Inglaterra tornasse qual-quer crime como sendo um crime contra o rei. Com isso, conseguiu degredados para as colônias.26 Barros, Pedro Pita e Gomes, Jean-Pierre (2003).

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CAPÍTULO 1 | COMO FUNCIONA A SAÚDE SUPLEMENTAR 35

O debate sobre o que os governos devem fazer, quando, e como devem intervir na atividade econômica é central nas questões relacionadas ao próprio desenvolvimento. A teoria econômi-ca seguiu o caminho de identificar as condições em que a intervenção estatal pode melhorar o funcionamento do sistema privado e aquelas em que ela claramente não é eficiente. Parece haver certo consenso internacional, pelo menos no que se convencionou chamar de main- stream economics, de que a intervenção excessiva do Estado na atividade econômica privada acaba limitando o desenvolvimento do setor privado e prejudicando o desenvolvimento.

Neste contexto, questões como competição, privatização e regulação passaram a fazer parte do vocabulário dos policy makers da área da saúde, sobretudo durante experiências de refor-mas dos sistemas de saúde em diversos países a partir dos anos 80 e 90. No Brasil não foi di-ferente tendo em vista que o setor de saúde foi profundamente restruturado com a Constituição Federal de 1988, a criação do Sistema Único de Saúde em 1990, e seus paradigmas de uni-versalidade, integralidade e equidade, e com a regulamentação dos planos de saúde em 1998.

Não existe consenso, no campo da economia da saúde pelo menos, a respeito de quais ser-viços deveriam ser preferencialmente destinados à prestação pública e aqueles destinados à área privada. Para situar a temática, diversos autores argumentam que o escopo de atuação dos governos envolveria: 1) financiar bens públicos e serviços de saúde com externalidades substanciais para garantir que estes sejam produzidos e ofertados nas quantidades ade-quadas, 2) regular os planos e seguros de saúde privados, ou financiar o seguro público de saúde, para se evitar problemas relacionados à seleção adversa e danos sobre a eficiência e a equidade, e, por fim, 3) subsidiar proteção à saúde para os mais pobres, direta ou indireta-mente.27 Embora estes princípios gerais sejam válidos, na prática os governos vão muito além.

O Estado também pode entender a saúde suplementar como forma de ampliação das fontes de financiamento à saúde dos cidadãos.28 O desenvolvimento destes mercados, mesmo em países tradicionalmente marcados pelos sistemas públicos é inegável e a conformação dos setores público e privado se dá na definição das tarefas obrigatórias de cada setor e na interação destes no apoio às políticas públicas.

Nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico ou Econômico (OCDE) o sistema de seguro de saúde privado cobre o que se convencionou chamar de pequenos riscos ou suplementares como odontologia, tratamentos ópticos, es-colha de provedores, upgrade nas acomodações hospitalares ou mesmo serviços de luxo não cobertos pelo Estado. Na maioria dos países os seguros privados também cobrem inter-nação e despesas médicas. Entretanto, tal cobertura é mais compreensiva quando o seguro privado fornece o seguro primário para grupos populacionais. Nos outros casos, a cobertura privada se limita aos hospitais privados, frequentemente procedimentos e tratamentos eleti-vos, escolha dos médicos e hotelaria.

A diversidade de experiências de coberturas parece indicar que não existe um conjunto típico de coberturas que seja mais segurável pelo setor privado ou pelo setor público. No entanto, existe certo padrão em delegar ao setor público, ou subsidiar o setor privado, para a cobertura de indivíduos de altos custos como os idosos e aqueles portadores de doenças crônicas.

27 Musgrove, Philip (1996).28 Colombo, F. and Tapay, N. (2004).

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL36

Ao contrário do que ocorre em outros setores econômicos, a intervenção do Estado no setor saúde parece ser mais proeminente em países de alta renda, geralmente aqueles de economias mais orientadas ao mercado, e também são os que iniciaram o welfare state transformado em política compensatória e de criação ativa de produto em razão do esforço de reconstrução pós-2ª Guerra Mundial. Veremos que o Brasil pertence a este Grupo, não pelo lado da alta renda, nem da Guerra, mas pela alta regulação dos mercados de serviços e planos de saúde.

No setor de saúde, a experiência29 mostra que a intervenção estatal geralmente se dá pelo uso de cinco instrumentos diferentes, a seguir descritos resumidamente.

1) Criação e disseminação de informação – Aqui se incluem informações sobre riscos à saúde como efeitos do tabagismo e educação pública das condições de higiene. Estes são exemplos de informações direcionadas aos consumidores, mas os governos também informam os provedores de saúde e produtores de insumos de saúde ao dar publicidade a resultados de pesquisas sobre padrões epidemiológicos da população e os efeitos e riscos de procedimentos médicos;

2) Regulação da atividade privada – O governo regula a profissão médica e das outras áreas da saúde, basicamente a partir do estabelecimento de licenças. Também regula o funcionamento de hospitais privados pelo estabelecimento de requisitos mínimos de fun-cionamento ou, indiretamente, pela exigência de acreditação por entidades independen-tes. No setor de planos e seguros de saúde a regulação também é intensa, assim como as regras de importação e uso de equipamentos, medicamentos e na proteção sanitária de alimentos e qualidade da água. Geralmente a regulação é fixada por lei e regulamen-tos e fiscalizada por entes do poder executivo. No Brasil, as Agências Reguladoras têm esse papel no caso dos planos de saúde e dos produtos e medicamentos;

3) Estabelecimento de obrigatoriedades – O governo obriga que os agentes atendam a uma série de exigências. Evidentemente, estar em compliance com as regulações públicas impõe substancial custo ao setor privado. Obrigatoriedades geralmente especificadas em lei e podem ser detalhadas em regulamentações adicionais. Geralmente são obri-gatoriedades de contratação de Seguros Saúde para empregados pelos empregadores ou a contribuição para algum fundo de seguro social com este propósito. Os governos também promovem a atividade de vacinação obrigatória;

4) Financiamento público dos serviços de saúde – Quando o orçamento público destina recursos ao financiamento das ações e serviços de saúde, geralmente via tributação de empresas e indivíduos; e

5) Produção de bens e serviços de saúde diretamente pelo Estado – Muitas vezes o pró-prio setor público se encarrega da produção de bens e serviços e pela sua entrega à população mediante a contratação de funcionários públicos e empresas públicas. Nos países mais pobres essa tarefa é muitas vezes feita pelos próprios Ministérios da Saúde. Em outros países, embora o financiamento seja público, o seu fornecimento se dá me-diante o setor privado segundo regras estabelecidas em contratos.

29 Musgrove, Philip (1996). Op.cit.

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CAPÍTULO 1 | COMO FUNCIONA A SAÚDE SUPLEMENTAR 37

O uso e a intensidade de cada um desses instrumentos variam muito de acordo com as escolhas sociais acerca da utilização dos mercados ou do Estado como forma de prover os serviços de saúde à sociedade. A Tabela 7 a seguir apresenta alguns dados de participação pública e privada nos últimos dez anos de dados disponíveis e sua variação. Não parece haver regra geral. A Alemanha, por exemplo, entre 2003 e 2013 reduziu a participação do fi-nanciamento público (como % do PIB) enquanto os E.U.A aumentaram, assim como o Brasil.

TABELA 7 – RELAÇÃO PÚBLICO/PRIVADO NOS GASTOS COM SAÚDE EM PAÍSES SELECIONADOS

Países

Gasto total com saúde (% do PIB)

Gasto público com saúde (% do gasto total com saúde)

2003 2013∆% do indicador

2003-20132003 2013

∆% do indicador 2003-2013

Alemanha 10,9 11,3 3,5 78,5 76,8 -2,1

Argentina 6,8 7,3 7,0 51,7 67,7 30,8

Austrália 8,3 9,0 8,2 66,1 66,4 0,5

Brasil 7,0 9,7 37,5 44,4 48,2 8,7

Canadá 9,5 10,9 13,8 70,2 69,8 -0,5

Chile 7,4 7,7 4,5 36,3 47,4 30,4

Colômbia 5,9 6,8 15,0 82,7 76,0 -8,1

Espanha 8,2 8,9 8,9 70,2 70,4 0,3

Estados Unidos 15,1 17,1 12,9 43,7 47,1 7,7

França 10,8 11,7 8,4 77,9 77,5 -0,5

Grécia 8,9 9,8 10,0 59,8 69,5 16,3

Itália 8,2 9,1 11,3 76,2 78,0 2,5

Japão 8,0 10,3 28,9 80,4 82,1 2,1

México 5,8 6,2 7,9 44,2 51,7 17,1

Mundo 10,0 10,0 -0,8 57,8 59,6 3,1

Noruega 10,0 9,6 -4,5 83,7 85,5 2,1

Países da OECD 11,1 12,3 11,5 59,0 61,4 4,1

Paraguai 6,1 9,0 47,5 33,9 38,5 13,5

Portugal 9,7 9,7 -0,3 68,7 64,7 -5,9

Reino Unido 7,8 9,1 17,3 79,3 83,5 5,4

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL38

Países

Gasto total com saúde (% do PIB)

Gasto público com saúde (% do gasto total com saúde)

2003 2013∆% do indicador

2003-20132003 2013

∆% do indicador 2003-2013

Rússia 5,6 6,5 16,7 58,8 48,1 -18,3

Suécia 9,3 9,7 4,3 82,0 81,5 -0,6

Turquia 5,3 5,6 4,7 71,9 77,4 7,6

Uruguai 9,7 8,8 -9,6 50,8 70,2 38,1

Fonte: Banco mundial. Extraído em 22/5/15. Link: http://wdi.worldbank.org/table/2.15#.

No final da década de 80 a Constituição Federal brasileira de 1988 determinou ser dever do Estado garantir saúde a toda a população e, para tanto, criou o Sistema Único de Saúde. Em 1990, o Congresso Nacional aprovou a Lei Orgânica da Saúde que detalha o funciona-mento do Sistema.

No Capítulo que trata especificamente da saúde, a Constituição Federal define e delimita as ações do Estado e do setor privado no setor. Estabelece o constituinte (Art. 196 da CF), que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”30

O Gráfico 2 apresentado a seguir, mostra a importância relativa do setor privado no finan-ciamento da despesa com saúde no Brasil. Os dados mais recentes mostram que do total de recursos da saúde (9,7%) do PIB, mais da metade (51,8%) advém do setor privado. Em um cenário de restrição orçamentária e ajuste fiscal, a participação do setor privado como ente financiador das ações em saúde tende a se elevar. Para isso, o investidor privado deve minimamente ter segurança jurídica e expectativa de retorno positivo, caso contrário, naturalmente recursos serão direcionados para outros setores econômicos.

30 No Art. 198 estabelece que: ”As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III – participação da comunidade.” No Art. 199: “A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § 1º – As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. § 2º – É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às institui-ções privadas com fins lucrativos. § 3º – É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no país, salvo nos casos previstos em lei. § 4º – A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.” E no Art. 200, estabelece que: “Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: I – controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; II – executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; III – ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; IV – participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; V – incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico; VI – fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para con-sumo humano; VII – participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.”

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CAPÍTULO 1 | COMO FUNCIONA A SAÚDE SUPLEMENTAR 39

GRÁFICO 2 – DESPESA EM SAÚDE NO BRASIL – PÚBLICO, PRIVADO E PIB (%)

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

201320122011201020092008200720062005200420030,0

2,0

4,0

6,0

8,0

10,0

12,0

PrivadoPúblico Proporção do PIB

Perc

enta

gem

da

desp

esa

tota

l em

saú

de p

or s

etor 55,6 53,0 58,5 58,2 58,3 56,2 55,6 53,0 52,6 52,5 51,8

7,0 7,1

8,4 8,5 8,5 8,48,9 9,0 9,2 9,5 9,7

44,4 47,041,5 41,8 41,7 43,8 44,4 47,0 47,4 47,5 48,2

Perc

enta

gem

do

prod

uto

inte

rno

brut

o

Em 2015 o SUS completa 27 anos de funcionamento. Iniciando-se com a Constituição de 1988, tem sido uma das mais abrangentes políticas públicas brasileiras de inclusão so-cial. Para Médici31 o SUS mudou o conceito de direito à saúde, tornando seu acesso, pelo menos na letra da lei, universal e gratuito para todos os brasileiros. Protegeu indigentes e famílias inseridas no mercado informal de trabalho, que antes não tinham acesso aos servi-ços públicos de saúde da Previdência Social. Mudou a forma de organização dos serviços de saúde, aumentando a oferta de atenção primária e iniciando um processo regulado de acesso aos serviços de maior complexidade. Também proporcionou rápida melhoria nos indicadores básicos de saúde da população brasileira.

O gasto total com saúde no Brasil tem crescido nos últimos anos e atualmente alcança 9,7% do PIB. O gasto público também. Passou de 44% para 48% do gasto total em saúde, mas na prática esse crescimento do gasto público não foi suficiente para cumprir o que está previsto na Constituição de 1988: propiciar uma cobertura de saúde universal, integral e igualitária para todos. Mais da metade dos gastos em saúde no Brasil ainda são privados, sendo pa-gos pelas famílias ou pelas empresas para seus trabalhadores.

A parcela do gasto público no total ainda é baixa comparada a países ricos. Para aumentar os gastos, deu-se a regulamentação da EC 29, aprovada no ano 2000. Esta ficou em vigência provisória até 2004. Após quase uma década, a regulamentação da EC 29 somente voltou a ser discutida em dezembro de 2007, depois que foi derrubada a vigência da Contribuição Social para a Saúde (CPMF). Somente em 21 de setembro de 2011, o Projeto de Lei Comple-mentar 306 de 2008, que regulamenta a Emenda Constitucional 29, foi enviado ao Senado, sendo aprovado em 7 de dezembro de 2011 e sancionado pela Presidência da República (Lei Complementar 141, de 13 de janeiro de 2012).

31 Médici, André (2014).

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL40

A Lei Complementar 141 define, em seu artigo 5, que “a União aplicará, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, o montante correspondente ao valor empenhado no exercício financeiro anterior, acrescido de, no mínimo, o percentual correspondente à varia-ção nominal do Produto Interno Bruto (PIB) ocorrida no ano anterior ao da lei orçamentária anual”. Na Lei foram vetados, 15 dispositivos do texto aprovado pelo Congresso Nacional, impedir “instabilidade na gestão fiscal e orçamentária” e o retorno da Contribuição Social à Saúde (CSS). Foram mantidas as obrigações de investir 12% da arrecadação com impos-tos e os municípios, 15%.32 Para o ano fiscal de 2014, o volume e distribuição dos recursos estão apresentados a seguir. Nota-se que a parcela majoritária no financiamento do gasto em saúde é do setor privado.

No âmbito do setor privado, 45,1% dos gastos são direcionados aos pagamentos conheci-dos como out-of-pocket, que são aqueles incorridos pelas pessoas diretamente na aquisi-ção de medicamentos e outros procedimentos, estéticos, por exemplo, não cobertos pelo setor de saúde suplementar.

GRÁFICO 3 – GASTO TOTAL COM SAÚDE NO BRASIL: PÚBLICO E PRIVADO (% E R$ BILHÕES) – 2014

Gasto total com saúde: R$ 448,1 bilhões

Gasto público total: R$ 216,2 bilhões (48,3 % do total)

Gasto privado total: R$ 231,9 bilhões (51,7 % do total)

12,8%

15,0%

28,4%

16,2%

7,2%

20,5%

Planos/Seguros: R$ 127,2 bilhõesMedicamentos: R$ 72,5 bilhõesDemais Gastos diretos: R$ 32,2 bilhões

União: R$ 91,9 bilhõesEstados/DF: R$ 57,3 bilhõesMunícipios: R$ 67 bilhões

32 Em um cenário em que o PIB tem tido um crescimento baixo, como os anos 2012-2014, aumentar os recursos para saúde, argumentam os sanitaristas, na mesma proporção da variação do PIB não permitirá que os recursos cresçam na velocidade que se necessita para completar os direitos constitucionais. Em nome disso, surgiu em 2013 o movimento “Saúde + 10”, cujo objetivo seria garantir que os recursos federais para a saúde representassem pelo menos 10% da Receita Corrente Bruta (RCB) do Governo.

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CAPÍTULO 1 | COMO FUNCIONA A SAÚDE SUPLEMENTAR 41

Não obstante a discussão do volume de gastos seja importante, tão ou mais relevante é saber se os gastos estão sendo utilizados de forma eficiente. A eficiência no uso do gasto em saúde no Brasil é muito baixa e uma pesquisa recente da Bloomberg, com 51 países, confirma algo que vive no imaginário popular e carece de mudanças. A pesquisa mediu a relação entre gastos e resultados em saúde. O Brasil foi o 50º colocado.33

Na Figura 1 apresentada a seguir, nota-se que o brasileiro para ter acesso aos serviços de saúde pode utilizar o serviço público do SUS, gratuito e financiado via contribuições sociais e impostos, pode contratar diretamente os provedores de assistência pelo pagamento direto e também pode utilizar a rede disponibilizada pela saúde suplementar, mediante o pagamen-to de mensalidades (ou prêmios, sinônimo utilizado na linguagem securitária). Importante ressaltar que não obstante o beneficiário de um plano de saúde utilize a rede privada, ele não perde o seu direito constitucional de utilizar os serviços públicos de saúde. Há grandes discussões jurídicas e ideológicas em torno desta questão conhecida como ressarcimento.34

FIGURA 1 – QUADRO INSTITUCIONAL DA SAÚDE NO BRASIL

Consumidores de serviços de saúde

SUS

Financiado pelo orçamento (contribuições sociais)

Planos e seguros privados

Mensalidades ou prêmios pagos pelos segurados

Pagamento direto

Os prestadores de serviços• Médicos• Dentistas• Outros profissionais• Hospitais• Laboratórios• Materiais e medicamentos

Fonte: FenaSaúde.

33 O 51º foi a Rússia. A metodologia consiste em ordenar países de acordo com o nível de eficiência em saúde, medido por 3 indicadores: (a) expectativa de Vida ao Nascer (o mesmo utilizado pelo Índice de Desenvolvimento Humano – IDH); relação direta – peso 0,6 (b) gasto anual em saúde como proporção PIB – relação inversa – peso 0,3; (c) gasto per capita anual em saúde com a cobertura de atenção preventiva e curativa, planejamento familiar, atividades nutrição e cuidados de emergência – relação inversa – peso 0,1. Ressalta-se que se um elemento de ordenação tem ordem inversa, isso significa que quanto maior ele for menor será o índice. Logo, quanto mais se gasta com saúde, mais baixo é o indicador. http://www.bloomberg.com/visual-data/best-and-worst//most-efficient-health-care-2014-countries.34 O ressarcimento ao SUS surgiu com a publicação da Lei 9.656/98, que instituiu a obrigatoriedade de as operadoras ressarcirem ao Sistema Público de Saúde os procedimentos realizados no SUS por beneficiários de planos privados de assistência à saúde. Os valores cobrados tem atualização com base no IVR – Índice de Valoração do Ressarcimento, na proporção de 1,5 o valor da Tabela de Procedimentos do SUS. Tramita no STF a ADI 1931 que questiona a constitucionalidade desta cobrança, com base na premissa de que todos os cidadãos brasileiros têm direito ao acesso universal e integral à saúde promovido pelo SUS.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL42

1.4 Fundamentos Técnicos – Mutualismo, Faixas Etárias e Precificação

A exposição aos diferentes tipos de riscos faz parte da vida. Antes mesmo do nascimento, convive-se com a incerteza desde o desenvolvimento do embrião até o momento do parto. Geralmente, as incertezas geram desutilidades para os indivíduos na medida em que, na hi-pótese de sua materialização, impõem perdas físicas e monetárias para as pessoas. Desde a antiguidade, diante das incertezas e dos riscos, as sociedades desenvolveram maneiras de mitigar ou diluir este risco entre pessoas igualmente expostas à sua ocorrência. Arcar isoladamente com elevados riscos pode indicar destemor ou coragem, louvável quando inexistem alternativas menos perigosas. Tal predisposição ao risco, todavia, não parece ser atitude razoável quando se trata de questões de saúde e existem alternativas de diluição e mitigação de efeitos disponíveis.

O seguro é o instrumento desenvolvido para atender a demanda das pessoas pela redução dos riscos. Já que nem sempre é possível eliminá-los, muitas vezes é possível dividi-lo com outras pessoas que também se encontram na mesma situação. Diversificando o risco, ou seja, não colocando todos os ovos na mesma cesta, é possível reduzir a variabilidade da ocorrência do evento incerto tornando-o mais previsível. O mutualismo foi o termo pinçado da biologia pela literatura securitária para definir a cooperação entre indivíduos mediante a agregação de seus riscos. Na Biologia, quando a interação entre duas espécies proporciona ganhos recíprocos decorrentes da associação entre elas, há mutualismo.

O seguro fornece, nestes termos, uma possibilidade mutuamente benéfica ao reduzir o cus-to do risco para os segurados que se dispõem a contribuir para um fundo comum em troca da garantia de acesso a estes recursos na eventual ocorrência de infortúnios individuais. Se a troca é voluntária, como ensinam os manuais de Economia, a realização do comércio é um jogo de soma positiva em que todos os agentes envolvidos ganham, melhorando sua situação. O seguro contribuiu para a alocação dos riscos da sociedade permitindo que um agente avesso ao risco consiga transferi-lo, mediante o pagamento de um prêmio de risco, para um agente comprador de riscos que é a seguradora.

Como ponto de partida para uma análise mais detalhada sobre o setor de saúde suplemen-tar é de suma importância o entendimento dos princípios básicos que regem o funcionamen-to deste mercado. Neste sentido, após esta breve introdução, apresentam-se os conceitos básicos que tornam o oferecimento de planos e seguros de saúde possível.

1.4.1 PLANO DE SAÚDE É SEGURO

Uma primeira observação importante é notar que as regras estatísticas e atuariais que permitem a existência de um plano de saúde são as mesmas do seguro. O fato de terem regulações diferentes não muda um aspecto essencial de sua natureza: o risco. O ele-mento de agregação dos riscos é exatamente o mesmo, independentemente se o seguro é realizado para a proteção do patrimônio, de um automóvel ou de riscos associados ao adoecimento. A diferença aqui, evidentemente, é que no caso da saúde não se pode repor a saúde como se faz no caso de um bem, mas é possível oferecer indenização ou acesso aos serviços de saúde como forma de tratamento ou mitigação dos danos aos indivíduos.

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CAPÍTULO 1 | COMO FUNCIONA A SAÚDE SUPLEMENTAR 43

O que se segura não é a saúde em si, pois não é possível, mas a diagnose e o tratamento, que frequentemente geram despesas médicas, laboratoriais e hospitalares que poderiam ser proibitivamente elevadas ou levar uma família a situações financeiras bastante descon-fortáveis por pagamento direto.

Ao transferir esses riscos para uma operadora, os indivíduos conseguem um melhor plane-jamento das suas finanças familiares, pois passam a ter um parâmetro fixo de despesas, a vigorar por um período determinado. Para os indivíduos avessos ao risco, tende a ser prefe-rível ter um pagamento periódico fixo certo e compatível com suas restrições orçamentárias, do que precisar incorrer em despesas de valor expressivo ou acima de suas possibilidades a qualquer momento, sem mínima previsibilidade.

FIGURA 2 – MODELO DE SEGURO SAÚDE TRADICIONAL

Transferência de risco

Pagamento de prêmio

Consumidor individualOperadora de plano

Agregação de riscos

Indenização de despesas médicas contratadas

O desenvolvimento do mercado tratou de criar estruturas diferenciadas para o provimento deste serviço de proteção. Para facilitar a escolha de prestadores de serviços (médicos, dentistas, clínicas, hospitais) por parte dos consumidores, reduzindo custos de transação, as operadoras desenvolveram as redes credenciadas, referenciadas e próprias, assim possibilitando um fluxo de remuneração contínuo para esses prestadores e ao mesmo tempo reduzindo o custo de transação dos consumidores na escolha dos prestadores. Mesmo no caso de redes credenciadas ou referenciadas, é de fundamental importância para o negócio a gestão de custos assistenciais da carteira. Ao longo dos anos o des-colamento entre inflação médica e índices de inflação médios obrigou as seguradoras a rever os seus modelos de negócio, não sendo mais viável, tampouco desejável, o simples repasse de custos aos contratantes.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL44

FIGURA 3 – MODELO DE PLANOS DE SAÚDE

Transferência de risco (custo esperado com o pagamento de despesas médicas)

Pagamento de prêmio(mensalidade)

Consumidor individualOperadora de plano

Agregação de riscos

Acesso à rede privada de prestadores de serviços médicos contratados

Como explica Cechin35, “contrair doenças é um evento futuro e imprevisível para cada indi-víduo. Mas a incidência de doenças em uma população pode ser estatisticamente estimada com boa precisão para cada patologia. A estatística nos informa quantos, mas não poderá identificar quem.”

Ainda segundo o autor, o seguro não poderia existir se não fosse possível quantificar o risco, ou seja, identificar quantos na população precisarão a ele recorrer. Tampouco existiria se fosse possível identificar quem, pois não contrataria seguro aquele que soubesse que não iria adoecer. O plano de saúde ou o seguro saúde não evita que o segurado adoeça, mas se adoecer ele terá garantido o serviço de diagnóstico e recuperação ou será indenizado pelas despesas incorridas, conforme dispuser o contrato.

É baseado na boa-fé de ambas as partes contratantes: do segurador porque ele vende confiança, a garantia de ter os recursos necessários para a indenização caso o fortuito acon-teça para o segurado; e deste na prestação das informações para a avaliação do risco e para não se expor desnecessariamente ao risco. O seguro se organiza na modalidade de mutualismo e solidariedade entre todos os participantes. Todos recolhem previamente os prêmios ou mensalidades estabelecidos a um fundo mútuo do qual se sacam os recursos para indenizar aqueles poucos que tiveram a infelicidade de serem atingidos pelo evento aleatório segurado.

O segurador é aquele que organiza o mútuo, calcula o risco, estabelece o prêmio, divulga sua operação, vende o seguro, cobra as mensalidades, aplica e administra os recursos, verifica os eventos chamados de sinistros, e indeniza os que têm direito. Para estabelecer o prêmio, o segurador se baseia na experiência pregressa de uma população com as ca-racterísticas o mais verossimilhante possível com a população alvo. No caso dos planos e seguros de saúde a Agência Nacional de Saúde Suplementar, ANS, órgão regulador e fis-calizador do sistema, estabelece uma metodologia a ser seguida e deve aprovar o produto antes de sua comercialização.

35 Cechin, José (2011).

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CAPÍTULO 1 | COMO FUNCIONA A SAÚDE SUPLEMENTAR 45

Alguns elementos ajudam a identificar a natureza comum entre planos de saúde e os de-mais ramos do seguro. Analisam-se inicialmente as condições necessárias à precificação do plano ou seguro. Posteriormente mostra-se que o funcionamento do setor de saúde suplementar é permeado por falhas e distorções nos incentivos que o tornam um setor bastante peculiar.

BOX 2 – A LEI DE GRANDES NÚMEROS E A SAÚDE SUPLEMENTAR

A lei dos grandes números, fundamental na estatística e na teoria de probabilida-des, é a base para o funcionamento dos planos de saúde e pode ser resumida da seguinte forma:

“Dada uma amostra de observações independentes e identicamente distribuídas de uma variável aleatória, a média da amostra tende a se igualar à média da popu-lação, na medida em que o número de observações aumenta”. A Lei é facilmente ilustrada com o exemplo da média de valores que se obtém ao jogar um dado por certo número de vezes.

A média da “população” (números das seis faces do dado) é a média teórica e assume o valor de 3,5, que vêm a ser a soma de 1, 2, 3, 4, 5 e 6, todos com iguais chances de sair, divididos por 6. Entretanto, valores bem diferentes de 3,5 podem ocorrer se, digamos, o dado for lançado apenas 20 vezes. O que a lei dos grandes números nos garante é que, aumentando cada vez mais a amostra (no caso, o número de lançamentos), o valor cada vez mais se aproxima de 3,5.

A lei dos grandes números só funciona se os eventos forem independentes, ou seja, se a chance de adoecimento de um indivíduo deve ser independente da chan-ce de adoecimento dos demais. Por isso as operadoras procuram “espalhar” os riscos. A operadora, com base na agregação de riscos e na Lei dos Grandes Nú-meros, pode ofertar planos de saúde a custo relativamente baixo. Quanto maior for a carteira segurada de riscos similares, maior será a estabilidade de resultados de eventos que uma operadora pode esperar e maior será a precisão do cálculo atuarial, ou seja, menor será o desvio em torno da média.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL46

Não obstante, para que um determinado seguro seja viável do ponto de vista econômico--financeiro, é necessário que o risco por ele coberto seja segurável.36 Entende-se por risco segurável aquele que atende a exigências mínimas para a sua viabilidade econômica, como:

a) O risco deve ser acidental, ou seja, a ocorrência do sinistro deve se dar de forma aleatória. A estrutura de financiamento do seguro não funcionaria caso a ocorrência dos eventos cobertos fosse certa durante a vigência do seguro, pois, se assim fosse, o valor dos prêmios corresponderia exatamente ao valor do evento certo adicionado das taxas de administração e não haveria nenhum sentido econômico para a operação de seguro;

b) O segurado e seus beneficiários não podem intencionalmente impactar na probabilidade de ocorrência do sinistro ou no valor da indenização do risco coberto;

c) O risco associado a cada um dos segurados deve ser homogêneo. Isso significa que os segurados são classificados em grupos específicos, cada qual com probabilidades simi-lares de precisar da cobertura. Um exemplo é a diferenciação, no seguro de automóveis, entre segurados homens e mulheres;

d) A probabilidade de, simultaneamente, todos os segurados serem afetados pelo mesmo evento negativo deve ser mínima e a ocorrência de um infortúnio a um segurado não deve impactar a probabilidade de ocorrência para outros segurados. O mútuo de riscos não funciona para riscos catastróficos, pois a diluição deixa de ser factível;

e) O risco deve ser bem definido e mensurável, com base na avaliação estatística da expe-riência pregressa para as classes de segurados, conforme definida no contrato;

f) O valor da indenização deve ter um limite máximo previamente estabelecido, pois com base nesse limite a seguradora calculará o prêmio adequado à cobertura contratada;

g) O custo para segurar o risco deve ser compatível e interessante aos demandantes do serviço. Ou seja, o seguro deve ter um valor de prêmio que possibilite a sua venda. Da mesma forma, deve ter um valor segurado elevado. Não faria sentido assegurar bens de valor irrisório.

h) É necessária baixa probabilidade de correlação de sinistros. Se as probabilidades de ocor-rência dos sinistros não forem independentes entre os diferentes segurados, a lei dos gran-des números perde sua validade e o benefício da pulverização de riscos deixa de existir.

Sendo o risco segurável,37 a seguradora poderá calcular o prêmio de seguro. No caso de um plano de saúde, a mensalidade. Esta deve guardar estreita relação com o risco a ser coberto para que possa garantir o equilíbrio econômico-financeiro e atuarial da operação. A aplicação de prêmios adequados ao risco é essencial para a solvência da seguradora.

36 Fipecafi – Parecer Técnico “Diferenciação de Risco e Mensalidade ou Prêmio entre Faixas Etárias em Planos e Seguros de Saúde”. Ver também Galiza (2007) Op. Cit.37 Muitos riscos não são seguráveis por não preencherem os requisitos básicos. Por exemplo, o risco de que os papéis de uma carteira de ações caiam fortemente de valor, risco de não conseguir a taxa de remuneração esperada em um negócio, risco de tirar nota baixa em um exame, risco de perder o dinheiro em um cassino, dentre outros. Nenhuma seguradora vai se dispor a fazer seguro para esses riscos. Ao contrário, em todo o mundo, as seguradoras procuram excluir explicitamente das coberturas os danos resultantes desses eventos. Seja porque são de difícil previsão, seja porque podem ser muito afetados pelas ações do segurado, ou ainda, porque concentram fortemente os riscos. Fonte: www.tudosobreseguros.org.br.

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CAPÍTULO 1 | COMO FUNCIONA A SAÚDE SUPLEMENTAR 47

Em um modelo simplificado, ou seja, sem taxas de carregamentos e impostos, o lucro esperado do seguro é dado pela diferença entre receitas e despesas. No caso dos mer-cados que lidam com risco, tanto as receitas quanto as despesas são influenciadas por probabilidades. Por exemplo, sendo πe a expectativa de lucro ou ganho; P o preço do se-guro ou prêmio na linguagem securitária; IS a importância segurada; PP é a probabilidade de perda e Pd a perda decorrente do sinistro, então o lucro da seguradora seria dado por:

πe = P x IS – PP x Pd

Neste exemplo, há o elemento de perda segurada. No caso das operadoras, como veremos adiante, não é permitido o estabelecimento de limites financeiros. A receita da operadora é dada pela multiplicação dos preços pelas quantidades. Outro desvio das condições ne-cessárias para a segurabilidade de riscos é a ausência de limite máximo para indenização. Nunca se sabe antecipadamente o valor a ser desembolsado por uma internação, para citar um exemplo. O indivíduo pode necessitar de poucos dias de cuidados intensivos, mas também poderá ficar internado por um longo período.

1.4.2 FORMAÇÃO DOS PREÇOS E PRECIFICAÇÃO38

A classificação dos consumidores em grupos de risco homogêneos é fundamental para a correta precificação. Tal como em outros ramos de seguro, o agrupamento de riscos hetero-gêneos impossibilitaria o cálculo do prêmio atuarialmente justo, onerando excessivamente indivíduos com perfil de risco menos agressivo e subdimensionando a contribuição dos segurados mais propensos a gerar sinistralidades. No caso dos planos de saúde, o que se utiliza para a discriminação de riscos é a idade (faixas etárias), considerando que esta é uma proxy para condições de saúde e probabilidades de adoecimento. Quanto maior a idade, maior a probabilidade de o consumidor necessitar de assistência, por isso os preços são maiores para pessoas das faixas etárias mais elevadas.

De fato, estatisticamente é possível se observar que a utilização dos serviços de saúde au-menta no decorrer da vida de um indivíduo. Este é um fato da natureza humana, revelado por estatísticas de todos os países e sistemas. Os economistas costumam apresentar tal padrão com uma curva “Quase U”. Crianças normalmente precisam de mais serviços de saúde na fase mais frágil da infância, numa demanda que tende a se reduzir na adolescência, mas que volta a se elevar na fase adulta e acentuar-se à medida que ocorre o envelhecimento. O Gráfico 4 a seguir mostra esta curva para dados norte-americanos.

38 Veja Guia dos reajustes de planos de seguros privados de saúde – Informações sobre as regras e a importância dos reajustes para o equilíbrio econômico-financeiro do Setor e a continuidade da proteção garantida pelo seu Plano ou Seguro de Saúde (2015). FenaSaúde. www.fenasaude.org.br

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL48

GRÁFICO 4 – CUSTO E IDADE – CURVA QUASE U (DISTRIBUIÇÃO DOS GASTOS MÉDIOS POR PESSOA, 2009)

0

2.000

4.000

6.000

8.000

10.000

12.000

>6545 a 6425 a 4418 a 245 a 17<5

Cust

o m

édio

per

cap

ita (U

SD)

Fonte: Kayser Foundation, 2009.

No Brasil não é diferente como se pode observar no Gráfico 5, a seguir. A utilização de internações hospitalares é alta na primeira idade. Nos anos seguintes é menor e se man-tém em patamar baixo até 45 anos de idade. A partir dessa idade as internações crescem exponencialmente. Neste caso, quando se considera a diferenciação por gênero, fica claro que no caso das mulheres a curva dá um salto atingindo um pico na faixa dos 20 a 29 anos, quando ocorre a idade mais fértil. Ressalta-se que a para determinadas populações a faixa etária de 15 a 19 também apresenta elevação, neste caso por conta da gravidez na adolescência. Da mesma forma, na faixa entre 30 a 39 anos, e recentemente ainda em faixas mais elevadas, as mulheres também engravidam, fenômeno associado a mudanças no mercado de trabalho, principalmente. Possivelmente, a depender do nível de educação das mulheres de uma população beneficiária, há deslocamento da utilização de partos para faixas etárias inferiores.

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CAPÍTULO 1 | COMO FUNCIONA A SAÚDE SUPLEMENTAR 49

GRÁFICO 5 – TAXA % DE INTERNAÇÕES HOSPITALARES SUS 2014

0%

5%

10%

15%

20%

25%

Fem.Masc.

80 +

70-7

9

60-6

9

50-5

9

40-4

9

30-3

9

20-2

9

15-1

9

10-1

4

5-9

1-4

< 1

Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS).

Não há dados de despesas por faixa etária no Datasus. Mas espera-se que a inclinação das curvas seja mais acentuada nas faixas etárias superiores devido ao alto custo associado com as internações. A despesa com internações de idosos geralmente é mais cara do que a despesa com internações dos mais jovens. Tanto o período de internação é maior quanto a intensidade de utilização de equipamentos, materiais e medicamentos.

1.4.3 CUSTOS E FAIXAS ETÁRIAS

Nos Gráficos 6 e 7 apresentados a seguir, exibem-se dados dos custos assistenciais para as sete faixas etárias vigentes antes do Estatuto do Idoso e as dez faixas que hoje prevalecem. No primeiro caso, as despesas médias per capita dobram acima de 59 anos em relação à faixa imediatamente anterior, de 54 a 58 anos, e a variação acumulada das despesas entre a primeira e a décima faixas etárias supera em muito mais de seis vezes (limite estabelecido para o reajuste de preços por faixa etária).

É interessante uma breve digressão histórica sobre as faixas etárias. Até 2 de janeiro de 1999, antes da Lei 9.656/98, vale o que estiver estabelecido em contrato. Não havia regulação defi-nindo as faixas etárias. Entre 2 de janeiro de 1999 e 1 de janeiro de 2004, vigorou o disposto na Resolução CONSU 06/98 que estabelecia 7 faixas etárias (0 a 17 anos, 18 a 29 anos, 30 a 39 anos, 40 a 49 anos, 50 a 59 anos, 60 a 69 anos, 70 anos ou mais) e determinava, também, que o preço da última faixa (70 anos ou mais) poderia ser, no máximo, seis vezes maior que o preço da faixa inicial (0 a 17 anos).

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL50

Em 1º de janeiro de 2004 entrou em vigor a Lei 10.741/03, conhecida como Estatuto do Idoso. Assim como outras legislações existentes no país, o Estatuto do Idoso objetiva dar maior proteção a um grupo vulnerável da sociedade. Para o Estatuto, é considerado idoso aquele que tem 60 anos ou mais. Dentre as suas medidas protetivas está a vedação de prá-ticas discriminatórias a idosos nos planos de saúde. Determina o artigo 15, § 3º: “É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”.

Em dezembro de 2003, a ANS redefiniu 10 faixas etárias (0 a 18 anos, 19 a 23 anos, 24 a 28 anos, 29 a 33 anos, 34 a 38 anos, 39 a 43 anos, 44 a 48 anos, 49 a 53 anos, 54 a 58 anos e 59 anos ou mais) mediante a Resolução Normativa (RN nº 63). Adicionalmente determinou que o valor fixado para a última faixa etária (59 anos ou mais) não pode ser superior a seis vezes o valor da primeira faixa (0 a 18). A Resolução determina, também, que a variação acumulada entre a sétima e a décima faixas não pode ser superior à variação acumulada entre a primeira e a sétima faixas.39

GRÁFICO 6 – CUSTO ASSISTENCIAL MÉDIO POR BENEFICIÁRIO SEGUNDO A FAIXA ETÁRIA (7 FAIXAS ETÁRIAS)

R$ 0,00

R$ 2.000,00

R$ 4.000,00

R$ 6.000,00

R$ 8.000,00

R$ 10.000,00

R$ 12.000,00

R$ 14.000,00

70 anos ou mais

60 a 6950 a 5940 a 4930 a 3918 a 290 a 17

1.160,911.847,63

2.584,33 3.009,47

4.194,59

6.184,96

13.283,13

Fonte: Pesquisa Unidas 2014.

39 A ministra Ellen Gracie manifestou-se pela existência de repercussão geral de tema contido no Recurso Extraordinário (RE) 630852, interposto no Supremo Tribunal Federal (STF). Nele, a Cooperativa de Serviços de Saúde dos Vales do Taquari e Rio Pardo Ltda. (Unimed) sustenta que a aplicação do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03) em contrato de plano de saúde firmado antes de sua entrada em vigor viola o ato jurídico perfeito (artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal). A Cooperativa questiona acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS) que entendeu ser abusivo o aumento da contribuição de plano de saúde em razão da idade. O TJ considerou o idoso um consumidor duplamente vulnerável ao avaliar que ele necessita de “uma tutela diferenciada e reforçada”.

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CAPÍTULO 1 | COMO FUNCIONA A SAÚDE SUPLEMENTAR 51

Já no Gráfico 7 apresentado a seguir, é importante notar que a última faixa etária acaba en-globando todas as pessoas com 59 anos ou mais. Naturalmente, há perfis de riscos muito distintos nesta faixa. Acabam sendo alocados na mesma mutualidade, para efeito de rea-juste por mudança de faixa etária, pessoas de 60 anos saudáveis e pessoas com idade bem mais avançada. O Estatuto do Idoso proibiu reajustes por faixa etária para pessoas acima de 59 anos. Desta forma, a última faixa etária (+59 anos) agrupa esse conjunto não homogêneo de pessoas e riscos para efeito de reajuste por faixa etária. Como as opera-doras não podem reajustar de forma diferenciada é necessário antecipar reajustes para as faixas anteriores de forma a manter o equilíbrio atuarial do sistema.

GRÁFICO 7 – CUSTO ASSISTENCIAL MÉDIO POR BENEFICIÁRIO SEGUNDO A FAIXA ETÁRIA (10 FAIXAS ETÁRIAS)

R$ 0,00

R$ 1.000,00

R$ 2.000,00

R$ 3.000,00

R$ 4.000,00

R$ 5.000,00

R$ 6.000,00

R$ 7.000,00

59 a

nos

ou m

ais

54 a

58

49 a

53

44 a

48

39 a

43

34 a

38

29 a

33

24 a

28

19 a

23

0 a

18

1.059,041.319,18

1.667,042.101,28

2.333,58 2.361,502.637,14

2.944,94

3.454,34

6.718,58

Fonte: Pesquisa Unidas 2014.40

40 Participaram 61 empresas que oferecem plano para 3,7 milhões de beneficirios, dos quais 59% ativos, 23% aposentados e 18% agregados. A amostra representa 68,7% da população beneficiária do segmento de autogestão no Brasil. Fonte: Unidas.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL52

BOX 3 – A SELEÇÃO ADVERSA E A SAÚDE SUPLEMENTAR

O termo “seleção adversa” se refere ao processo de mercado em que resultados não desejáveis ocorrem quando compradores e vendedores possuem informação assimétrica, ou seja, cada parte tem acesso a diferentes informações. No caso dos planos de saúde, por exemplo, se a operadora não consegue distinguir a priori a condição de saúde dos consumidores e estabelecer um preço baseado na condi-ção de saúde média da população, aqueles com boa condição de saúde possivel-mente não comprarão o plano por acharem que o preço é alto em comparação ao que poderiam utilizar. Por outro lado, para as pessoas com condição de saúde ruim, o preço pode ser baixo, considerando que eles têm grandes chances de utilizarem o plano. Ao final, os consumidores de baixo risco desistirão de comprar o plano de saúde enquanto os de alto risco comprarão. Para equilibrar financeiramente o plano, a operadora deve reajustar para cima os preços, pois mais indivíduos de alto risco passam a contratar. Em consequência, cria-se uma espiral inflacionária nos preços, expulsando os indivíduos de baixo risco e atraindo os de alto risco. O limite, o plano de saúde é inviabilizado.

Para lidar com essas assimetrias, neste caso, desfavoráveis às operadoras, estas poderiam se dedicar a tarefa de selecionar riscos (cream skimming) reduzindo a as-simetria de informação. Pela legislação brasileira (Art. 14 da Lei 9.656/98), ninguém pode ser impedido de entrar em um plano de saúde em razão de idade ou de con-dição de saúde. A operadora pode diferenciar preços em razão da idade mediante o estabelecimento de faixas etárias, evitando os efeitos do estabelecimento de um pre-ço médio. A regra exige a manutenção de uma proporção entre os preços da primeira faixa etária e da última. Se o preço estiver mais ajustado aos riscos das faixas etárias mais elevadas poderá desestimular a entrada de jovens. Ao contrário, se estiver mais ajustada às faixas mais baixas, estimulará a entrada de idosos. A proporção ótima dessa relação entre jovens e idosos deve garantir a sustentabilidade do sistema.

A lei permite a categorização de consumidores de planos de saúde por idade e é silente quanto aos outros fatores de diferenciação que influenciam o risco, p.ex. gênero, local de residência, hábitos de vida, ocupação profissional são vedados.

As operadoras podem estipular prazos máximos de carências para contratos de até 30 vidas, período no qual o consumidor não tem direito a determinadas coberturas. Os prazos são determinados na legislação. As operadoras também podem, no caso de comprovada Doença e Lesão Pré-existente, estabelecer a Cobertura Parcial Temporária (CPT), em que procedimentos normais estão sujeitos às suas regras de carência regulares, e procedimentos complexos associados à lesão ficam sujeitos a essa carência especial de 24 meses. Para se configurar como pré-existente, uma doença já deve ter sido confirmada por um médico e ter exames comprobatórios. A mera suspeita de uma doença não configura pré-existência. Neste caso, se o pla-no quiser, pode pedir uma avaliação médica do possível cliente para tentar confirmar a doença ou lesão.

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CAPÍTULO 1 | COMO FUNCIONA A SAÚDE SUPLEMENTAR 53

Vale ressaltar que se a opção fosse adotar um preço único para todos independentemente da idade, os jovens teriam que arcar com uma mensalidade muito mais alta do que seu custo esperado. Considerando que nesta fase da vida, a utilização é baixa, poucos seriam os jovens dispostos a se proteger contratando um plano, ao contrário dos idosos. O “prêmio nivelado” traz como consequência a seleção adversa não sendo possível, em um mercado privado, seu oferecimento.

Não obstante seja impossível operar com prêmio médio nivelado, no caso de grandes em-pregadores, essa é uma modalidade bastante utilizada na relação contratual com as ope-radoras. Neste caso, há que se reconhecer a existência de estrutura etária sui generis, com empregados geralmente mais jovens. Neste caso, o preço médio do contrato coletivo não provoca a seleção adversa. Abordaremos as consequências deste fenômeno conhecido como seleção adversa posteriormente.

Um último aspecto importante a se considerar é a heterogeneidade dentro de cada faixa etária. Dentro de cada faixa etária, por hipótese, a dispersão de risco não é muito alta, pois para uma mesma idade, há indivíduos que utilizam mais do que outros devido à con-dição de saúde diferenciada. Atuarialmente, esta diferença entre utilizações de indivíduos de uma mesma faixa etária poderia ser tarifada e repassada para o preço. Ainda assim, a dispersão é menor dentro de cada faixa etária se comparada a indivíduos de idades muitos diferentes.

Não é recomendável agrupar jovens e idosos em uma mesma faixa, pois a seleção adversa iria operar. Outros fatores de diferenciação do risco como gênero poderiam ser utilizados para melhorar a precificação, e reduzir o efeito da heterogeneidade. A discriminação por gênero, embora não seja proibida, não tem sido implementada pelas operadoras. Uma al-ternativa seria precificar os indivíduos por idade e não por agrupamento de faixas etárias. Pela legislação, não há impedimento, mas há que se respeitar a regra de reajustes e preços das faixas etárias.

A heterogeneidade da última faixa etária é muito elevada, pois agrupam-se indivíduos com pouco mais de 60 bastante saudáveis e indivíduos com mais de 80 ou 90 anos que utilizam muito mais o plano de saúde. Neste caso, maiores custos médios para essa classe de indivíduos diferentes, acaba estimulando a seleção adversa, além de provocar reação das pessoas mais jovens que acabam subsidiando os indivíduos muito idosos. Isto porque na precificação, quem está abaixo dos 60 anos paga um pouco acima do seu risco para que os indivíduos de 60 anos ou mais possam pagar um valor abaixo do que custam, ou seja, há subsídio cruzado dos mais jovens para os mais idosos.

Também é importante ressaltar a necessidade de certa quantidade de jovens para certo número de idosos. Se essa proporção muda, ou seja, menos jovens para relativamente mais idosos, a estrutura de financiamento poderá inviabilizar o plano de saúde. Essa é a tendência apontada por diversas previsões demográficas como será discutido mais adiante.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL54

1.4.4 FATORES QUE INFLUENCIAM O PREÇO

Para além da precificação observando a faixa etária, a curva de custos pode se deslocar, para cima ou para baixo, a depender dos tipos de cobertura (características do plano), da amplitude da cobertura, do tipo de contrato, da abrangência de cobertura, da rede de pres-tadores, do tipo de acomodação, dos mecanismos de regulação financeira e da presença de reembolso. Falaremos sobre eles a seguir.

A amplitude da cobertura é um fator determinante para a formação do preço e quem define é a pessoa física ou jurídica que contrata a assistência à saúde. As operadoras podem ofertar aos consumidores planos com cobertura ambulatorial, hospitalar com ou sem obs-tetrícia e odontológica. Essas coberturas, à exceção da obstetrícia, podem ser contratadas individualmente. Ou seja, pode-se optar por um plano apenas ambulatorial ou hospitalar ou odontológico. Adicionalmente, as operadoras que comercializam planos médicos de-vem dispor de um produto mínimo obrigatório conhecido com plano “referência” contendo a cobertura ambulatorial e hospitalar com obstetrícia, com acomodação em enfermaria.

O contrato pode ser individual, familiar, coletivo por adesão ou coletivo empresarial. Geral-mente, os preços dos planos individuais superam os preços dos planos coletivos por uma razão simples que é a “seleção adversa”, presente nos planos individuais. Consumidores com pior autoavaliação sobre seu estado de saúde, ou que efetivamente possuem histó-rico familiar de ocorrência de problemas de saúde, revelam maior propensão a adquirir planos de saúde.

Entre os coletivos também se destaca uma maior probabilidade de ocorrência de seleção adversa nos planos por adesão, na medida em que grupos podem ser formados incluindo pessoas com alguma enfermidade antecedente. Há uma natural escala de preços entre eles, sendo os planos individuais mais caros do que os coletivos por adesão que, por sua vez, são mais caros que os coletivos empresariais. Colocando a questão ao contrário, sabe-se que o plano tipicamente desprovido de seleção adversa é o coletivo empresarial, pois no momen-to da contratação a operadora deve ter o risco dimensionado para a totalidade da massa segurada que, geralmente, está no mercado de trabalho e entram todos de uma única vez, minimizando o risco de escolhas e entradas oportunistas. Não por outra razão, esta modali-dade possui um preço mais baixo. No contrato de adesão, por exemplo, há a necessidade de pertencimento a um grupo pré-determinado, definido na regulamentação. A escolha do plano se dá com menos seleção adversa que no plano individual.

A área geográfica em que o beneficiário tem direito às coberturas contratadas no plano de saúde também pode influenciar os preços se for nacional, estadual, em um grupo de es-tados, municipal ou em um grupo de municípios. Um plano de cobertura nacional tende a custar mais que aquele de abrangência mais restrita em razão da disponibilidade de mais serviços médicos. Embora, em razão de diferenças de custos entre hospitais de mesmas es-pecialidades em distintas regiões, cada vez mais frequentes, nada se pode afirmar sobre as diferenças de preços, salvo analisada a distribuição da carteira da operadora em particular.

A rede de prestadores é constituída por profissionais e estabelecimentos de saúde. Os preços variam conforme a quantidade e padrão de qualidade da rede. E, também, em razão de seu poder de mercado, nas distintas localidades atendidas pela rede privada. Ao organizar a rede de cada um dos produtos que disponibiliza no mercado, a operadora deve fazê-lo de forma a garantir o atendimento das coberturas contratadas e da demanda prevista para aquela região.

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CAPÍTULO 1 | COMO FUNCIONA A SAÚDE SUPLEMENTAR 55

Este é um item que interfere fortemente no preço do plano de saúde, porque tem correla-ção direta com os preços praticados por esses profissionais e estabelecimentos de saúde. Prestadores intensivos no uso de tecnologia de ponta são naturalmente mais caros.

O tipo de acomodação também influencia o preço. O custo de uma internação em enfer-maria é inferior ao de acomodações em quartos particulares, cujo serviço de hotelaria é representativo. Por fim, a depender do mecanismo de regulação existente, coparticipação ou franquia, o preço tende a se diferenciar. Há outras possibilidades e externalidades posi-tivas no uso destes mecanismos, mas trataremos de forma mais detalhada posteriormente. Esses mecanismos tendem a promover o uso mais consciente e racional dos serviços de saúde por parte dos beneficiários, evitando desperdícios que oneram o setor, inibindo a escalada de custos desenfreada.

O plano ou seguro saúde pode ter a opção de reembolso com a livre escolha de estabe-lecimentos ou profissionais de saúde não credenciados ou referenciados pela operadora. Chama-se “múltiplo de reembolso” quando o contrato prevê um fator multiplicador a ser aplicado sobre o valor unitário do procedimento na tabela praticada pela operadora. O fator pode ser de duas ou mais vezes o valor dessa tabela.

Ainda que os planos de saúde tenham diferenças significativas em relação aos demais ra-mos do seguro, como abordado anteriormente, sua precificação é similar, pois em termos estatísticos e atuariais, o plano de saúde, como já foi dito, equivale ao seguro. Por mais que tenha uma dimensão social diferente, os riscos devem ser precificados de forma a preservar o mutualismo e o equilíbrio econômico-financeiro. Abaixo, são apresentadas as linhas gerais que decorrem do processo de precificação.

• Prêmio Estatístico = Expectativa de Despesas Assistenciais (quantidade de eventos x custo dos eventos)

• Prêmio Puro (PP) = Prêmio Estatístico + Margem de Segurança Estatística

• Prêmio Comercial (PC) = Prêmio Puro + Carregamentos (despesas de administração + despesas de comercialização + impostos + margem de lucro esperada)

O sucesso da estratégia e dos resultados depende, portanto, da qualidade da precificação. Nem tão alto pode ser o preço de tal sorte que afaste clientes nem tão baixo a ponto de não ser o preço tecnicamente suportável e economicamente viável. Adicionalmente, a gestão de custos ganha ainda mais importância, pois influencia diretamente o custo do risco e a capa-cidade da operadora estabelecer preços competitivos no mercado.

1.5 Instituições Setoriais

O processo de desestatização ao fim dos anos 90 retirou do Estado o dever de executar diretamente os serviços alterando profundamente suas atividades no que ficou conhecido como Reforma do Estado, que incluía privatizações, concessões e revisões do marco re-gulatório de diversas atividades anteriormente geridas na forma de monopólios estatais, abertura da economia, reestruturação do sistema financeiro nacional e outros.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL56

Ao passar de produtor para regulador, o Estado precisou se reinventar. Surgiram as agências reguladoras, personagens fundamentais do novo Estado Brasileiro. Com o intuito de promo-ver a regulação no país, foram criadas as seguintes agências reguladoras no âmbito federal: a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, pela Lei 9.472/97; a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, pela Lei 9.427/96; a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, pela Lei 9.478/97; a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, pela Lei 9.782/99; a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, pela Lei 9.961/00; a Agência Nacional de Águas – ANA, pela Lei 9.984/00; a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, ambas criadas pela Lei 10.233/01; a Agência Nacional do Cinema – ANCINE, criada pela Medida Provisória 2.228-1 de 2001; a Agência Nacional da Aviação Civil – ANAC, criada pela Lei 11.182/05.

As agências passaram a regular o setor privado, ditando normas para os entes privados, que atuam na economia em substituição à administração e execução direta. Uma diferença fundamental entre a ANS e outras agências é que o setor de saúde suplementar, diferente-mente do setor de petróleo e energia, não era formado por um monopolista natural público. Ao contrário, o setor era formado por mais de 2.000 empresas. Este setor teve seu marco legal fundado em 1998, pela a edição da Lei 9.656/98.

Em 2000, a Lei 9.961/00 criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, autarquia sob o regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde, como órgão de regulação, nor-matização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde. A ANS tem por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras de planos de saúde, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvi-mento das ações de saúde no país.

A ANS regula proximamente as relações das operadoras de planos de saúde com os presta-dores. Ocorre que a esfera de competência administrativa da ANS não atinge os prestadores de serviços (hospitais, médicos, laboratórios etc.) ou tampouco a indústria produtora de ma-teriais, equipamentos e medicamentos. Outros elos da cadeia produtiva são regulados pela ANVISA ou pelo Ministério da Saúde, essencialmente tratando de questões sanitárias neces-sárias para aprovação de licenças, produtos e preços (no caso de alguns medicamentos). Este contexto segmentado e insuficientemente harmonizado permite identificar dificuldades decorrentes da assimetria regulatória na saúde suplementar.

A Figura 4 apresentada a seguir, ajuda a visualizar a problemática. Enquanto as operadoras são fortemente reguladas pela ANS, inclusive em relação aos reajustes de preços no caso dos planos individuais, todos os demais elos que compõem a cadeia produtiva, e que são geradores dos custos incorridos pelas operadoras, ficam fora do alcance da ANS. As ações regulatórias na ANS visando influenciar comportamentos e condutas de prestadores são im-plementadas de forma indireta, mediante mecanismos e providências impostos às operado-ras. Veremos esses incentivos operando indiretamente, suas potencialidades e limitações, mais adiante ao falarmos sobre o programa de qualificação das operadoras (PQO).41

41 Neste sentido, a regulação por incentivos pode ser considerada moderna em termos de tecnologia regulatória. No entanto, a regulação deve sempre considerar a restrição de participação (o agente regulado tem incentivo a cumprir a regulação da forma esperada pelo regulador?) e a compatibilidade de incentivos (Uma vez partícipe do processo, o regulado tomará as ações ótimas sob o ponto de vista do regulador?).

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CAPÍTULO 1 | COMO FUNCIONA A SAÚDE SUPLEMENTAR 57

FIGURA 4 – REGULAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Regulação da ANVISA e Ministério da Saúde

Prestadores

Indústria

Beneficiários

OperadorasLei 9.656/98 e Regulação

da ANS

Fonte: FenaSaúde.

A Lei 9.656/1998 define Operadora de Plano de Assistência à Saúde como sendo a pes-soa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto, serviço ou contrato de prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós-estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referencia-da, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcial-mente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor.

Assim que foi editada a Lei dos Planos de Saúde, como ficou conhecida a Lei 9.656/98, os planos foram regulados pelo Conselho de Saúde Suplementar, o CONSU, que editou 23 Resoluções. O CONSU não foi extinto, mas algumas de suas atribuições foram absorvidas pela ANS. A vantagem de se ter um órgão supervisor nos moldes do CONSU é sua formação interministerial, pois suas medidas devem considerar as repercussões e os impactos não apenas sob o prisma da saúde, sem dúvida importante, mas também do ponto de vista da justiça e da economia.

Conselho de Saúde Suplementar – CONSU

Criado pela Lei 9.656/1998, e posteriormente alterado pelo Decreto nº 4.044, de 6 de dezem-bro de 2001, o CONSU é órgão colegiado integrante da estrutura regimental do Ministério da Saúde, sendo composto pelo Ministro da Justiça – que o preside – pelo Ministro da Saúde, pelo Ministro da Fazenda e Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, além do Pre-sidente da ANS, que atua como Secretário das reuniões. O CONSU tem competência para desempenhar as seguintes atividades:

1) Estabelecer e supervisionar a execução de políticas e diretrizes gerais do setor de saúde suplementar;

2) Aprovar o contrato de gestão da ANS;

3) Supervisionar e acompanhar as ações e o funcionamento da ANS;

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL58

4) Fixar diretrizes gerais para a constituição, organização, funcionamento e fiscalização das empresas operadoras de produtos de que tratar a Lei 9.656/1998; e

5) Deliberar sobre a criação de câmaras técnicas, de caráter consultivo, de forma a subsi-diar as decisões.

Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS

Criada pela Lei 9.961, de 28 de janeiro de 2000, a ANS é autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde. Sua missão é promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo, assim, para o desenvolvimento das ações de saúde no país. Entre suas competências, destacam-se as seguintes:

• Propor políticas e diretrizes gerais ao Conselho Nacional de Saúde Suplementar – CONSU para a regulação do setor de saúde suplementar;

• Estabelecer parâmetros e indicadores de qualidade e de cobertura em assistência à saúde para os serviços próprios e de terceiros oferecidos pelas operadoras;

• Estabelecer normas para ressarcimento ao Sistema Único de Saúde;

• Normatizar os conceitos de doença e lesão pré-existentes;

• Definir, para fins de aplicação da Lei 9.656, de 1998, a segmentação das operadoras e administradoras de planos privados de assistência à saúde, observando as suas peculiaridades;

• Decidir sobre o estabelecimento de subsegmentações aos tipos de planos definidos nos incisos I a IV do art. 12 da Lei 9.656, de 1998;

• Autorizar reajustes e revisões das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à saúde, de acordo com parâmetros e diretrizes gerais fixados conjuntamente pelos Ministérios da Fazenda e da Saúde;

• Expedir normas e padrões para o envio de informações de natureza econômico-financeira pelas operadoras, com vistas à homologação de reajustes e revisões;

• Fiscalizar as atividades das operadoras de planos privados de assistência à saúde e zelar pelo cumprimento das normas atinentes ao seu funcionamento; e

• Articular-se com os órgãos de defesa do consumidor visando a eficácia da proteção e de-fesa do consumidor de serviços privados de assistência à saúde, observado o disposto na Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990.

Câmara de Saúde Suplementar – CAMSS

A Câmara de Saúde Suplementar é um órgão de participação institucionalizada da socie-dade na Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, de caráter permanente e consul-tivo, que tem por finalidade auxiliar a Diretoria Colegiada nas suas discussões. Compete à Câmara de Saúde Suplementar: acompanhar a elaboração de políticas no âmbito da saúde suplementar; discutir, analisar e sugerir medidas que possam melhorar as relações entre os diversos segmentos que compõem o setor; colaborar para as discussões e para os resultados das câmaras técnicas; auxiliar a Diretoria Colegiada a aperfeiçoar o mercado

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CAPÍTULO 1 | COMO FUNCIONA A SAÚDE SUPLEMENTAR 59

de saúde suplementar, proporcionando à ANS condições de exercer, com maior eficiência, sua função de regular as atividades que garantam a assistência suplementar à saúde no país; e indicar representantes para compor grupos técnicos temáticos, sugeridos pela Diretoria Colegiada.42

1.6 Categorias de Produtos e Operadoras

O mercado de saúde suplementar pode ser dividido sob diversos recortes. Sob o ponto de vista do tipo de contratação, os planos podem ser individuais, coletivos empresariais e coletivos por adesão. Sob o ponto de vista da segmentação assistencial, há o segmento médico-hospitalar e o segmento odontológico.

1.6.1 TIPO DE CONTRATAÇÃO: PLANOS INDIVIDUAIS, COLETIVOS EMPRESARIAIS E COLETIVOS POR ADESÃO

É preferível para um indivíduo o pagamento de uma mensalidade e, consequentemente, ter os riscos financeiros transferidos para uma operadora, a assumir individualmente o risco de ter que arcar com um gasto elevado com tratamentos médicos comprometendo suas finanças pessoais ou a poupança acumulada ao longo de muitos anos de trabalho. Esse comportamento típico de aversão diante do risco é o que determina a demanda individual pelo plano ou seguro de saúde.43 Por óbvio, e constitucionalmente, este risco poderia ser suavizado ou minimizado com a proteção social oferecida pelo estado mediante o ofereci-mento de serviços públicos de saúde. Ocorre que a realidade brasileira não tem permitido padrões de atendimento com a rapidez, excelência ou conforto suficientes para boa parcela da população, de forma que a alternativa da aquisição de planos privados de saúde aparece como interessante a muitos indivíduos.

Já a demanda coletiva, mediante a contratação de um plano ou seguro de saúde, pelo empregador, é uma forma de manter os profissionais saudáveis, melhorando os níveis de produtividade e satisfação dos funcionários. A atração de talentos e a sua permanência na empresa são influenciadas pelo pacote de benefícios oferecidos aos funcionários, dentre os quais se destaca o plano de saúde que, cada vez mais, torna-se um diferencial competitivo no mercado de trabalho.

Assim, existem basicamente, dois tipos de Plano ou Seguro de Saúde – o individual e o cole-tivo. O individual é contratado diretamente pelo beneficiário (pessoa física) junto à operado-ra. E o coletivo é contratado pela empresa ou instituição (pessoa jurídica) junto à operadora.

42 Ressalta-se o número de componentes integrantes da Câmara (37) tendo representantes da ANS, Ministério da Fazenda, Previdência, Tra-balho, Justiça e Saúde, além de representantes do Conselho Nacional de Saúde, CONASS, CONASEMS, entidades médicas, odontológicas, hospitalares, enfermagem, sindicais, representantes dos consumidores, de portadores de patologias, empregadores e das operadoras. Como a CAMSS se reúne mensalmente, os debates sobre as medidas regulatórias em andamento são geralmente debatidos nesse Fórum, além de Câmaras e Grupos Técnicos instituídos para temas específicos.43 Um modelo econômico simplificado sobre ganhos de bem-estar do seguro saúde é encontrado em Alves, Sandro Leal (2006).

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL60

Pelo lado da oferta, ou seja, do produto, o plano de saúde coletivo se caracteriza por uma relação contratual entre duas pessoas jurídicas. Pode ser coletivo empresarial ou adesão. O plano coletivo empresarial é aquele em que o contratante oferece a cobertura à popula-ção a ela vinculada por relação empregatícia ou estatutária. O plano coletivo por adesão é aquele contratado por pessoa jurídica para oferecer cobertura à população a ela vinculada por relação classista ou setorial, como sindicato e entidades de classes, conselhos profis-sionais dentre outros. O Gráfico 8 abaixo apresenta a evolução destes produtos por tipo de contratação ao longo dos últimos dez anos. Pode-se observar que a contratação coletiva foi a que mais cresceu no período e continua predominante no setor de saúde suplemen-tar. O crescimento acelerado dos planos coletivos se deu basicamente acompanhando a expansão da renda e do emprego no Brasil principalmente após a metade da primeira década dos anos 2000. Neste período, os planos coletivos conseguiram atingir grandes contingentes, principalmente no setor terciário (comércio). Houve importante movimento de interiorização ao longo dos últimos anos e as regiões Norte e Nordeste se beneficiaram bastante dessa expansão podendo contar com planos de saúde para pequenas e médias empresas, que antes não tinham capacidade de consumo, mas tinham o desejo de ofere-cer o plano a seus funcionários.44

GRÁFICO 8 – EVOLUÇÃO DE BENEFICIÁRIOS NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS POR TIPO DE CONTRATAÇÃO

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

Coletivo por adesãoColetivo empresarialIndividual ou familiar

Jun/

15

Dez/

14

Jun/

14

Dez/

13

Jun/

13

Dez/

12

Jun/

12

Dez/

11

Jun/

11

Dez/

10

Jun/

10

Dez/

09

Jun/

09

Dez/

08

Jun/

08

Dez/

07

Jun/

07

Dez/

06

Jun/

06

Dez/

05

Jun/

05

Milh

ões

Fonte: Sistema de informação de beneficiários – SIB/Tabnet/ANS – Extraído em 15/8/15. Elaboração própria.

44 Veja Cechin, José e Alves, Sandro Leal (2012) sobre aumento da penetração da saúde suplementar nas pequenas e médias empresas e em regiões interioranas.

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CAPÍTULO 1 | COMO FUNCIONA A SAÚDE SUPLEMENTAR 61

1.6.2 SEGMENTAÇÃO ASSISTENCIAL – MÉDICO-HOSPITALAR E ODONTOLÓGICO

Outro recorte importante se dá pelo ângulo assistencial, pois a assistência médico-hospi-talar é completamente distinta da assistência odontológica. Essas diferenças foram estu-dadas com detalhamento em trabalho de Covre e Alves (2003).45 Seguindo a abordagem neoclássica, um indivíduo adquire um plano médico para se proteger financeiramente con-tra perdas de renda decorrentes do risco de adoecimento. No caso do plano odontológico, este risco é razoavelmente conhecido e pode ser prevenido. O gasto esperado, e o ticket médio, é muito menor no plano odontológico em comparação ao plano médico. Outra dife-rença importante, é que o plano médico possui baixa frequência de eventos com alto custo. Na odontologia, há alta frequência de eventos de baixo custo. Enquanto na área médica o número de doenças é incerto, na odontologia há basicamente incidência de cáries e doen-ças periodontais, que respondem satisfatoriamente a práticas de prevenção.

Outra diferença é que com a maior longevidade e o envelhecimento da população, a pres-são de custos decorrente da assistência médico-hospitalar é enorme. Na odontologia, ao contrário, é possível se fazer a manutenção da qualidade da saúde bucal e, após o tratamen-to, a tendência é de queda nos custos. Uma diferença bastante importante.

45 Covre, Elisabeth e Alves, Sandro Leal (2003).

BOX 4 – O RISCO MORAL E A SAÚDE SUPLEMENTAR

O chamado “Risco Moral” é a possibilidade de uma pessoa ou empresa, depois de estar segurada, modificar o seu comportamento de forma a afetar a sua proba-bilidade de utilização do contrato, ou seja, aumentando o seu risco. O risco moral surge com a existência de uma terceira parte na relação econômica. No caso da saúde suplementar, a existência de um terceiro pagador, ou seja, o plano de saúde, estimula este comportamento na forma da sobreutilização dos serviços médicos pelos beneficiários. A sobreutilização, ou utilização desnecessária, motivada pela presença de um contrato de seguro de saúde é a materialização do risco moral.

Nos demais ramos do seguro, o comportamento típico de risco moral estimula os indivíduos a adotarem comportamentos menos prudentes, elevando a probabili-dade de sinistro. Isto acontece, por exemplo, quando o proprietário de um seguro de automóvel passa a deixar o carro em locais menos seguros por saber que terá o valor ressarcido em caso de perda por roubo. Se todos agirem assim, a segura-dora poderá ter problemas, pois o prêmio cobrado não levou em consideração a mudança no comportamento. Quanto mais abrangente for o contrato de plano de saúde, maior tende a ser o comportamento de risco moral. Neste caso, o beneficiá-rio do plano não tem custos financeiros diretos na utilização. Mas se muitos agem assim, o preço do plano deve ser ajustado para garantir o equilíbrio econômico

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL62

do contrato. Ou seja, ainda que indiretamente o consumidor será chamado a pa-gar pela utilização desnecessária dele e dos demais participantes do plano pelo regime do mutualismo.

Na saúde suplementar, as operadoras podem estabelecer instrumentos de com-partilhamento de risco que buscam minimizar o efeito do risco moral. Um exemplo é a cobrança de coparticipação no pagamento dos eventos. Quando o consumidor passa a incorrer em algum custo no momento de utilizar o plano, ele tende a ter comportamento mais conservador, utilizando o plano apenas quando necessário.

A utilização de sistemas de Bonus Males e em outros segmentos de seguro serve para reduzir o componente de risco moral do comportamento dos segurados. Em suma, agrava-se o prêmio de segurados de intensa utilização (malus) e bonifica-se aqueles de menor utilização concedendo descontos (bonus). Trata-se de uma tari-fação a posteriori, e é uma maneira eficiente de classificar os segurados de acordo com os seus respectivos riscos, corrigindo assim as limitações dos sistemas de tarifação a priori. Na saúde suplementar, embora possa fazer sentido estimular o indivíduo a adotar hábitos mais saudáveis pela redução da mensalidade, por outro lado, agravar o prêmio de indivíduos de alta utilização pode desencorajar a pró-pria aquisição do plano na medida em que com o passar do tempo, é esperada a maior utilização do plano devido ao envelhecimento.

Por fim, não se deve confundir risco moral – mudança natural de comportamento que aumenta a chance de sinistro – com a fraude, que cria o falso sinistro. Também não há correlação com dano moral que é uma forma de ofensa ou violação aos princípios de ordem moral de um indivíduo, referentes à sua liberdade, à sua honra, à sua pessoa ou à sua família. O risco moral é um problema de incentivos, não de ética ou moral.

O comportamento típico de risco moral (moral hazard) que implica em um excesso de utilização46 da assistência médica também não é muito observado dado que consultas ao dentista geralmente não são muito procuradas sem a presença de dor. Ao contrário, con-sultas para prevenção auxiliam no controle de custos das operadoras. Por outro lado, há, principalmente no caso de planos individuais, tendência ao comportamento antisseletivo por parte de novos consumidores que buscam o plano odontológico como alternativa de financiamento ao tratamento de problemas bucais. O Quadro 1 a seguir resume algumas das principais diferenças identificadas entre esses dois produtos.

46 Na presença do plano, o custo marginal da assistência médica é próximo de zero, incentivando a superutilização dos recursos escassos nem sempre de forma criteriosa.

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CAPÍTULO 1 | COMO FUNCIONA A SAÚDE SUPLEMENTAR 63

QUADRO 1 – PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE ODONTOLOGIA E MEDICINA

Odontologia Medicina

Nº de especialidades 17 66

Nº de doenças Principalmente duas Diversas

Nº de procedimentos realizáveis Baixo Baixa

Previsibilidade das doenças Alta Baixa

Rastreabilidade dos procedimento realizados Alta Baixa

Previsibilidade quanto ao término do tratamento Alta Baixa

Resposta à prevenção Alta Baixa

Natureza da doença Crônica Crônica/aguda

Ameaça à vida Rara Não rara

Custos do diagnóstico Baixo Alto

Complexidade do diagnóstico Baixa Alta

Possibilidade de substituição do tratamento Sim Raro

Elasticidade-preço da demanda Maior Menor

Complexidade da estrutura de relacionamento Baixa Alta

Fonte: Covre, Elisabeth e Alves, Sandro Leal (2003). Atualmente, segundo a Resolução CFM 2116/15, são reconhecidas 53 especialidades médicas.

1.6.3 MODALIDADES DE OPERADORAS

O mercado de saúde suplementar se caracteriza pela pouca uniformidade da natureza jurí-dica e operacional e no porte das empresas atuantes. A Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 39, publicada pela ANS em 30 de outubro de 2000, definiu as regras de atuação das operadoras de planos de saúde. As operadoras foram classificadas nas seguintes moda-lidades: administradoras; cooperativas médicas; cooperativas odontológicas; autogestão; medicina de grupo; odontologia de grupo, filantrópicas e seguradoras especializadas em saúde. Em 2000, a ANS classifica as operadoras nas seguintes modalidades:

• Administradora de Benefícios à pessoa jurídica que propõe a contratação de plano coleti-vo na condição de estipulante ou que presta serviços para pessoas jurídicas contratantes de planos privados de assistência à saúde coletivos, desenvolvendo ao menos uma das seguintes atividades: promover a reunião de pessoas jurídicas contratantes, contratar plano privado de assistência à saúde coletivo, na condição de estipulante, a ser dispo-nibilizado para as pessoas jurídicas legitimadas para contratar; oferecimento de planos para associados das pessoas jurídicas contratantes; apoio técnico na discussão de as-pectos operacionais, tais como: a) negociação de reajuste; b) aplicação de mecanismos de regulação pela operadora de plano de saúde; e c) alteração de rede assistencial;

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL64

• Administradoras de Benefícios: empresas que administram planos de assistência à saú-de financiados por outra operadora; não possuem beneficiários; não assumem o risco decorrente da operação desses planos; e não possuem rede própria, credenciada ou referenciada, de serviços médico-hospitalares ou odontológicos;

• Cooperativa Médica: sociedade de pessoas sem fins lucrativos, constituídas conforme o disposto na Lei 5.764/1971 (Lei geral do cooperativismo), que operam planos priva-dos de assistência à saúde;

• Cooperativa Odontológica: sociedade de pessoas sem fins lucrativos, constituídas con-forme o disposto na Lei 5.764/1971 (Lei geral do cooperativismo), que operam exclusiva-mente planos odontológicos;

• Autogestão: entidades que operam serviços de assistência à saúde ou empresas que, por intermédio de seu departamento de recursos humanos, responsabilizam-se pelo plano privado de assistência à saúde de seus empregados ativos, aposentados, pen-sionistas e ex-empregados e respectivos grupos familiares, ou ainda a participantes e dependentes de associações de pessoas físicas ou jurídicas, fundações, sindicatos, entidades de classes profissionais ou assemelhados;

• Filantropia: entidades sem fins lucrativos que operam planos privados de assistência à saúde e tenham obtido certificado de entidade filantrópica junto ao Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e declaração de utilidade pública federal, estadual ou munici-pal junto aos órgãos competentes;

• Medicina de Grupo: empresas ou entidades que operam planos privados de assistência à saúde, excetuando aquelas classificadas nas modalidades anteriores;

• Odontologia de Grupo: empresas ou entidades que operam exclusivamente planos odontológicos, excetuando-se aquelas classificadas nas modalidades anteriores; e

• Seguradora Especializada em Saúde: sociedades seguradoras autorizadas a ope-rar seguro-saúde, devendo seu estatuto vedar a atuação em quaisquer outros ramos de seguros. Com a aprovação da Lei 9.656/1998, que regulamentou o setor de saúde suplementar no Brasil e criou o CONSU – Conselho de Saúde Suplementar, e da Lei 9.961/2000, que criou a ANS – Agência Nacional de Saúde, tornou-se necessário equi-parar as operações de seguro saúde aos planos privados de assistência à saúde, de forma a adaptar tais operações aos requisitos legais. A Lei 10.185, de 12 de fevereiro de 2001, enquadrou o seguro saúde como plano privado de assistência à saúde, e a so-ciedade seguradora especializada em saúde como operadora de plano de assistência à saúde, para efeito da Lei 9.656/98.

Às sociedades seguradoras, que em 2001 já operavam o seguro saúde, foi determinado que providenciassem a especialização até 1º de julho de 2001, quando passaram a ser disciplinadas pelo CONSU e ANS. Com o advento da RDC nº 65/01, a ANS regulamentou este segmento, aplicando-se, no que coube, às sociedades seguradoras especializadas em saúde, o disposto nas normas da SUSEP e do CNSP, publicadas até 21 de dezembro de 2000, cujas matérias não tenham sido disciplinadas pela ANS e pelo CONSU.47

47 Fonte: Fenasaúde.org.br. Entenda o Setor.

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CAPÍTULO 1 | COMO FUNCIONA A SAÚDE SUPLEMENTAR 65

Nos últimos dez anos, o setor apresentou expressivo crescimento atrelado à maior forma-lização no mercado de trabalho e ao aumento de renda, dois fatores propulsores do setor. As pequenas e médias empresas, principalmente no setor de comércio, passaram a ofere-cer planos de saúde para seus colaboradores e o setor de saúde suplementar acompanhou a demanda oferecendo novos planos. A modalidade que mais se expandiu, como mostra o Gráfico 9 a seguir, foi a das cooperativas médicas.

GRÁFICO 9 – EVOLUÇÃO DE BENEFICIÁRIOS NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS POR MODALIDADE

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

Seguradora Especializada em SaúdeMedicina de GrupoFilantropiaCooperativa MédicaAutogestão

Jun/

15

Dez/

14

Jun/

14

Dez/

13

Jun/

13

Dez/

12

Jun/

12

Dez/

11

Jun/

11

Dez/

10

Jun/

10

Dez/

09

Jun/

09

Dez/

08

Jun/

08

Dez/

07

Jun/

07

Dez/

06

Jun/

06

Dez/

05

Jun/

05

Milh

ões

19,5

17,0

7,4

5,51,2

Fonte: Sistema de informação de beneficiários – SIB/Tabnet/ANS – Extraído em 15/8/15. Elaboração própria.

1.6.4 ESTRUTURA DO SETOR

Para finalizar esta introdução ao setor de saúde suplementar, a Tabela 8 a seguir ajuda a ressaltar aspectos importantes do setor. Em primeiro lugar o grande número de operado-ras atuantes. Poucos setores regulados, se é que existe algum, possuem tantas empresas sob supervisão. Outro dado relevante é que as seguradoras especializadas em saúde, embora sejam apenas 11 em um universo de 1.219, ou seja, 0,9%, são responsáveis pelo atendimento de 8,3 milhões de beneficiários, cerca de 12% do total. O faturamento do setor neste ano de 2014 foi insuficiente para arcar com o total de despesas, considerando as despesas assistenciais, administrativas, tributárias e de comercialização, produzindo resultado líquido consolidado negativo. O setor historicamente apresenta elevado índice de sinistralidade, ou seja, do total arrecadado com as mensalidades, 82,1% voltam para a sociedade na forma de pagamento de despesas médicas, hospitalares e odontológicas.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL66

TABELA 8 – ESTRUTURA DO MERCADO DE SAÚDE SUPLEMENTAR EM 2014

Modalidade

Dezembro 2014 2014

Operadoras1 Beneficiários2 Receita (R$ bilhões)3

Despesa total (R$ bilhões)4

Sinistralidade5 (%)

Mercado de saúde suplementar6 1.219 72,2 130,4 131,0 82,1

Cooperativa médica 311 19,9 44,7 44,4 82,3

Medicina de grupo 309 20,6 36,3 36,2 81,0

Seguradora especializada em saúde

11 8,3 28,7 28,3 85,6

Autogestão 180 5,6 14,3 15,6 92,8

Filantropia 64 1,3 2,2 3,6 78,9

Odontologia de grupo 232 13,3 2,2 1,7 40,1

Cooperativa odontológica 112 3,2 0,6 0,6 58,2

Fontes: Documento de informações periódicas das operadoras de planos de assistência à saúde – DIOPS/ANS – Extraído em 30/4/15. Sistema de informações de beneficiários – SIB/ANS/MS – Tabnet – Extraído em: 23/2/15.

Notas: ¹Quantidade de operadoras com registro ativo e com beneficiários. ²Quantidade em milhões. ³Considera as operadoras que divulgaram o resultado de receita de contraprestações. 4Considera as operadoras que divulgaram os resultados de despesa assistencial, despesa administrativa, com comercialização e impostos. 5Relação entre despesa assistencial e receita de contraprestações. 6Considera 1.219 operadoras em atividade e com beneficiários em dez/14. Considera os resultados das administradoras de benefícios.

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67

CAPÍTULO 2

Regulação setorial: teoria e prática

A regulação de mercados é um dos temas mais importantes na economia e nos afeta a todos. O Brasil, por uma série de fatores, é um país conhecido internacionalmente por seu elevado grau de regulação e burocracia. Diversos rankings internacionais dei-

xam isso muito claro. Adicionalmente, uma carga tributária elevada e um Estado gigantesco dão o contorno de uma economia que não consegue extrair todo o potencial produtivo do setor privado, pois a livre iniciativa e o lucro, ainda são vistos por aqui quase como pecados originais. Espera-se que essa visão, ainda presa a dogmas ideológicos do Séc. XIX, evolua e permita que os mercados privados possam gerar o máximo de benefícios para a sociedade.

Não se quer dizer com isto que os mercados sejam perfeitos. Não o são, pelo simples moti-vo que o mercado não é um ser onipresente. Ao contrário, o mercado é formado por pessoas que diariamente trocam mercadorias e serviços de seus interesses. É fruto de séculos de evolução nas trocas humanas realizadas voluntariamente.

Mas a regulação, antes de ser uma questão ideológica, é uma questão técnica-econômica. Os economistas estudam há muito tempo as razões para a regulação, as formas de regula-ção e a intensidade da regulação. Certamente não existem receitas prontas, mas muito se avançou em termos teóricos e práticos nesta seara.

No caso da saúde suplementar, a regulação é ainda muito jovem. A própria Agência Na-cional de Saúde Suplementar completou 15 anos recentemente. É natural que o processo regulatório se modifique, sem que com isso se justifique incertezas regulatórias. No entanto, a regulação de mercado deve produzir benefícios sociais acima dos custos sociais. Deve ser limitado aos casos em que o mercado falha, e verificados se os custos da intervenção não serão superiores aos benefícios esperados. Não se pode esquecer dos efeitos de segunda ordem, ou seja, aqueles que são produzidos não intencionalmente, mas que podem provo-car novas distorções no mercado.

No Brasil, e não parece ser uma exclusividade do setor de saúde suplementar, as regulações são emanadas sem que haja uma correta identificação da eventual falha que se busca cor-rigir e sem que se mensure antecipadamente os custos e os benefícios da regulação. Parte dessa característica se origina no voluntarismo dos chamados policy-makers, sejam eles reguladores ou representantes do poder legislativo.

Daí a importância de se conhecer os fundamentos da regulação, para quê regular? Como regular? Qual a intensidade da regulação? Qual o resultado esperado para a sociedade como um todo?

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL68

A economia da regulação fornece amplo ferramental que ajuda a jogar um pouco de luz nestas questões. Não é objetivo deste trabalho analisar economicamente as regulações edi-tadas, ainda que em algumas teceremos alguns comentários e críticas. Talvez grande parte da regulação vigente hoje no setor não tenha passado pelos crivos sob a perspectiva econô-mica. Diante desse cenário a apresentação de alguns fundamentos, ainda que de forma não exaustiva e sem tecnicalidades, pode ser útil para a compreensão da regulação atual e para incentivar uma regulação cada vez mais técnica e economicamente justificável no futuro.

A seguir apresentaremos resumidamente os aspectos econômicos das chamadas fa-lhas de mercado, dedicando especial atenção aos problemas decorrentes da assimetria de informação.

2.1 Falhas de Mercado e Falhas de Governo

Tradicionalmente, os economistas entendem que o mercado pode falhar nos casos de bens públicos, externalidades e monopólios naturais. Bens públicos são difíceis de serem pro-vidos comercialmente por meio do mercado, porque não é possível excluir de seu uso ou consumo os clientes que não pagam por eles.48 Para que um bem seja considerado público é preciso que ele seja consumido conjuntamente pelas pessoas e que não se possa excluir de seu uso ou consumo nenhuma pessoa. Um sinal de rádio por exemplo pode ser compar-tilhado por todos aqueles que sintonizam aquela estação. Neste caso, o consumo adicional de um indivíduo não reduz a quantidade do bem consumido pelos demais.49

A segunda condição para que um bem seja público é a sua não exclusividade, ou seja, é impossível excluir um cliente que não paga do benefício gerado pelo bem. Como aqueles que não pagam não são excluídos, ninguém terá o incentivo a financiar o bem. É o clássi-co problema do carona (free-rider) que utiliza o bem sem contribuir para seu provimento. Na presença de muitos “caroneiros”, não há incentivo privado para a produção do bem. A defesa nacional, a manutenção de ar puro nas cidades, a ação do Banco Central no controle da moeda, a manutenção do sistema legal e de administração da justiça também poderiam ser considerados bens públicos. Iluminação pública, defesa nacional, conhe-cimento, rodovias não congestionadas e programas de combate à pobreza são típicos exemplos. Nestes casos, os mercados não conseguem oferecer quantidades suficientes desses bens. Os governos podem resolver essas questões produzindo diretamente ou fornecendo incentivos para a produção privada.

Quando os direitos de propriedade não são claramente definidos e protegidos pelo governo, a ação de uns pode provocar dano à propriedade de outros, pois não sendo o direito ple-namente caracterizado, não há como fazer com que os responsáveis pelos danos parem de produzi-los porque não incorrem nos custos dos danos que causam a terceiros. Tais falhas são conhecidas na literatura como externalidades. Ocorrem quando a ação de um indivíduo gera dano ao bem-estar de outros, sem o seu consentimento e sem ressarcimento. Quando o sistema jurídico não protege adequadamente os direitos, há o incentivo para que os mer-

48 Carvalho, José L, et al (2008).49 Neste caso, o custo marginal de se permitir que um ouvinte adicional compartilhe do uso do sinal emitido é zero.

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CAPÍTULO 2 | REGULAÇÃO SETORIAL: TEORIA E PRÁTICA 69

cados falhem por não registrarem o custo total de recursos usados na produção desse bem. São inúmeros os exemplos de externalidades na vida moderna. Desde o vizinho que coloca música alta quando seus condôminos preferem estudar, a indústria que polui, apenas para ficar em casos simples. Em ambos os casos, se o direito não é delimitado e protegido, ex-ternalidades ocorrem. Nestes casos, externalidades negativas. Mas há também os casos de externalidades positivas como pesquisa científica básica, cuidados para se evitar doenças transmissíveis e contagiosas por exemplo.

Geralmente, a ação do governo na definição de direitos de propriedade é a solução mais adequada como demonstra o seminal trabalho que ficou conhecido como o Teorema de Coase. Quando os custos de transação ou negociação forem nulos, os direitos de pro-priedade serão transferidos aos agentes que atribuam maior valor a eles. Neste caso, a barganha estabelecida entre os agentes é capaz de eliminar o problema da externalidade internalizando em seus custos de produção. Se os custos de transação forem nulos ou irrisórios, a alocação inicial de direitos efetuada pelo ordenamento jurídico não influirá sobre o resultado da disputa em torno das externalidades, pois os agentes afetados aca-barão por encontrar uma solução e acabarão por resolvê-la, através de um processo de barganha, no sentido de distribuição mais eficiente dos recursos existentes na economia.50

Mas também há espaço para a criação de taxações sobre as atividades que produzem externalidades negativas e a utilização de subsídios para atividades que geram externali-dades positivas.

Já as externalidades são os efeitos de uma decisão sobre aqueles que não participaram dela. Existe externalidade quando há consequências para terceiros que não são tomadas em conta por quem toma a decisão. Pode ter natureza negativa, quando gera custos para os demais agentes (poluição atmosférica, de recursos hídricos, poluição sonora, sinistrali-dade rodoviária, congestionamento etc), ou natureza positiva, quando os demais agentes, involuntariamente, se beneficiam, (investimentos governamentais ou privados em infraes-trutura e tecnologia, ou inovação e conhecimento). Normalmente, cabe ao Estado criar ou estimular a instalação de atividades que constituam externalidades positivas (como a educação básica), e impedir ou inibir a geração de externalidades negativas. Pode ser feito mediante instrumentos tais como taxação e sanções legais ou, inversamente, renúncia fis-cal e concessão de subsídios.

Os monopólios naturais se formam quando existem elevadas economias de escala e indivi-sibilidades técnicas na produção. Nestes casos há dificuldades para o estabelecimento de mais de uma empresa atuando no mercado. Dependendo do setor, as economias de escala são tão elevadas e as características do setor são tão específicas que a operação só é eco-nomicamente viável com o estabelecimento de uma única empresa. Neste caso, há um mo-nopólio natural, pois a competição entre empresas não funciona. Exemplos de setores com essas características de indivisibilidades são a telefonia, serviços de água e esgoto, energia elétrica. O Estado concede o poder de monopólio nestes casos, mas tem que regular os preços. Vale ressaltar que com as inovações tecnológicas cada vez mais frequentes, novas formas de produção podem viabilizar a entrada de outras empresas, reduzindo o poder desses antigos monopólios.

50 Coase, R. H. (1960).

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL70

Nestes três casos, bens públicos, externalidades e monopólios naturais, algum tipo de inter-venção estatal pode ser justificada como forma de se remediar os problemas decorrentes dessas distorções. Mais recentemente, a assimetria de informações ingressou no rol de fa-lhas de mercado, demandando igualmente intervenção governamental. Importante também ressaltar a literatura sobre falhas de governo (public choice) que mostra que muitas das vezes, as distorções criadas a partir da regulamentação, sob a intenção de corrigir falhas de mercado, acabam piorando a situação da sociedade.

O mercado de planos e seguros saúde é notabilizado como sendo um setor em que a pre-sença de informação assimétrica entre os agentes é bastante significativa e esta falha tem sido a justificativa econômica para a intervenção governamental. A economia da saúde re-porta às denominadas assimetrias informacionais, a causa de distorções que afetam o mer-cado de saúde suplementar de modo que este não opere com o mesmo grau de eficiência que os mercados em concorrência perfeita. Ao menos três problemas resultam da existência de assimetrias de informação entre os participantes desse mercado: risco moral, seleção adversa e a indução de demanda (overuse ou overtreatment).

O risco moral ocorre quando, na presença de seguro (ou plano), a estrutura de incentivos que o segurado se depara se altera, favorece a utilização de serviços para além do limite em que este utilizaria, caso incorresse diretamente no pagamento dos serviços. Como o custo (monetário) marginal da utilização é zero, o beneficiário não tem incentivo suficiente para racionalizar sua demanda e provoca muitas vezes a utilização desnecessária de serviços alterando a distribuição de probabilidades associada à ocorrência do evento indenizável. O risco moral pode ser atenuado mediante mecanismos de compartilhamento de risco entre a operadora e o segurado tal como a coparticipação e a franquia deste no pagamento dos serviços. A literatura mostra que a utilização desses mecanismos é capaz de reduzir as per-das de bem-estar provocadas pelo risco moral.

Adicionalmente, quanto maior for a cobertura, maior é o estímulo ao risco moral produzindo um trade-off entre grau de cobertura e risco moral, intrínseco à política de cobertura seja ela do setor público ou do setor privado. Quanto maior for a cobertura oferecida, maiores as perdas relacionadas ao moral hazard. Para ampliar coberturas e benefícios, a seguradora ou o governo sacrifica controle sobre os efeitos do risco moral sobre os custos. Diversos estu-dos empíricos comprovam a existência de risco moral no mundo51 assim como no Brasil.52 Os não beneficiários de planos de saúde, ou seja, os indivíduos SUS-dependentes, utilizam menos serviços de saúde devido à questão do risco moral ou devido a deficiências significa-tivas no acesso aos serviços públicos de saúde? Como o atendimento pelo SUS é custoso em termos de tempo, e há um gigantesco excesso de demanda, o racionamento se dá via filas. A questão é se uma causa importante para a fila é devido ao risco moral. Não parece ser este o grande fator que provoca filas.

51 Do ponto de vista empírico, Manning, Willard G, et al, 1987 obtém evidências de risco moral com segurados em saúde a partir do Rand Health Insurance Experiment (HIE), famoso experimento empreendido nos anos 1970 nos EUA, no qual diversas famílias, após receberem, aleatoriamente e sem possibilidade de escolha, planos de saúde com 14 tipos diferentes de cobertura, tiveram suas demandas por serviços médicos monitoradas por um período de até cinco anos.52 Estudo de Maia, A. C. et al (2004) indica a presença de risco moral tanto para hospitalização quanto para consultas médicas. Para o modelo de consultas, o resultado encontrado indica que cada indivíduo utiliza, na média, 36% mais serviços que se não tivesse plano. Para o modelo de dias de internação, o resultado encontrado indica que cada indivíduo utiliza, na média, 56% mais serviços do que se não tivesse plano privado.

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CAPÍTULO 2 | REGULAÇÃO SETORIAL: TEORIA E PRÁTICA 71

No setor de serviços médicos, a responsabilidade pelo diagnóstico e, muitas vezes, pelo trata-mento é uma tarefa que o paciente delega ao médico (ou dentistas, hospitais etc) em função da assimetria de informação entre ambos. Nesse contexto, o corpo clínico e o médico são os principais responsáveis pelo direcionamento do paciente dentro do setor médico-hospitalar e é o médico quem determina em grande parte a alocação dos recursos escassos do setor. Surge dessa forma a possibilidade de criação de demanda pelos seus próprios serviços cre-ditada, novamente, à assimetria de informação entre o médico e o paciente e entre o médico e a operadora de plano. Tal fenômeno é conhecido como indução de demanda pela oferta.53

O mecanismo adotado pelas operadoras na remuneração dos prestadores influencia dire-tamente o comportamento desses com relação à utilização dos serviços. Nesse sentido, o sistema fee-for-service (pagamento por procedimento realizado) está diretamente asso-ciado à indução de demanda enquanto outros mecanismos de remuneração, como pa-cotes, por exemplo, procuram reduzir tal incentivo. O overuse se materializa na utilização de procedimentos desnecessários, colocando muitas vezes em risco a própria saúde do paciente. O excesso de cirurgias de coluna no Brasil (ou exames) é um indicador dessa distorção. Falaremos deste ponto mais adiante e com maior profundidade.

O fenômeno da seleção adversa ocorre no caso em que as operadoras de planos de saúde não são capazes de conhecer e identificar perfeitamente o risco dos indivíduos (ou a proba-bilidade de adoecimento) antes de aceitá-los em sua carteira. Nesse caso, se a operadora de planos de saúde estabelecer um preço médio, baseado na média do risco desses indi-víduos, há a tendência de atração daqueles que têm uma maior probabilidade de utilização do plano (indivíduos de risco mais elevado). Como resultado, os indivíduos que possuem nível de risco superior à média optam por contratar o plano de saúde. Ao contrário, aqueles indivíduos com risco inferior ao risco médio não aderem ao contrato, pois seria caro demais para eles. No final do processo, apenas os indivíduos com baixos níveis de saúde participa-riam dos contratos oferecidos pelas operadoras, o que inviabilizaria a existência do mercado privado diante da não possibilidade de diluição dos riscos entre os seus consumidores.

Este é um resultado bastante conhecido na literatura econômica. Na presença de seleção adversa, o resultado do processo de mercado leva a situações de ineficiência, pois indiví-duos que gostariam de contratar um plano acabam por não terem a oferta desse produto no mercado. Tem-se, como se diz em economia, uma alocação subótima. Por parte dos opera-dores, duas são as formas mais conhecidas de se reduzir os efeitos negativos da assimetria: a seleção de risco e a diversificação dos contratos.

Em ambos os casos, seleção de risco e diversificação dos contratos, a operadora busca selecionar preferencialmente os indivíduos mais saudáveis para sua carteira. Essa prática, comum ao universo dos seguros, é extremamente controversa na saúde suplementar. Para proteção dos indivíduos menos saudáveis, os reguladores acabam proibindo ou reduzindo o alcance, o que, se por um lado causa menos iniquidade entre classes de riscos diferentes, por outro, estimula o comportamento antisseletivo do mercado, que era a falha inicial a ser tratada. Essa é uma importante discussão que envolve falhas de mercado e falhas de gover-no, ou falhas de regulação.

53 LaBelle, R.; Stoddart, G.; Rice, T. (1994). Veja Covre e Alves (2003) Op. Cit. para de indícios de indução de demanda no mercado brasileiro de odontologia suplementar.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL72

A regulamentação estatal que busca a proteção dos indivíduos de maior risco na socie-dade acaba por criar falhas no funcionamento do mercado. Outro exemplo de falha de governo é a política de regras de faixa etária que sobrepesa o custo do plano para o mais jovem a fim de ajudar no financiamento do plano dos mais idosos. Esta regra de incentivo, justificável sob o ponto de vista de justiça e equidade intergeracional, pode inibir a entrada dos mais jovens e estimular a entrada de idosos.

Empiricamente, entretanto, os estudos não são tão conclusivos, seja pela metodologia eco-nométrica empregada ou pela base de dados utilizados. A literatura empírica sobre seleção adversa no mercado de saúde suplementar tem se desenvolvido nos últimos anos. O tra-balho de Alves (2004)54 não encontrou evidências significativas utilizando base de dados da PNAD de 1998, ou seja, anterior à regulamentação.55 Os estudos de Simões (2003)56 e Maia (2004), se valeram da mesma base de dados e, a partir de diferentes metodologias, chega-ram aos mesmos resultados, qual seja, inexistência de seleção adversa.

Uma possível explicação é que a seleção adversa é eliminada exatamente pelos agen-tes que mais são afetados por ela (residual claimant), ou seja, pelas próprias operadoras mediante mecanismos atualmente não permitidos como a seleção de riscos57 e a diversi-ficação de produtos. As empresas procuram reduzir a assimetria de informação que lhes é desfavorável mediante, por exemplo, uma avaliação individual do risco (questionários médicos) ou pelo estabelecimento de contratos diversificados para que os indivíduos pos-sam revelar os seus níveis de risco no ato da compra do contrato.

O estudo de Alves (2007)58 com as bases de dados da PNAD de 2003 encontrou evidências de seleção adversa após a regulamentação de 1998. Para o autor, “A regulação da saúde suple-mentar, ao implementar o aumento de coberturas obrigatórias, a padronização de contratos, ao criar mecanismos engessados para a precificação do risco, ao limitar o reajuste de preços, dentre outras regras, produziu efeitos secundários tanto sobre a eficiência do mercado quanto sobre a disposição a investir recursos para o oferecimento de novos planos individuais”.

2.2 Regulação Prudencial

A regulamentação prudencial na atividade seguradora visa proteger o público da ação in-competente ou fraudulenta de seguradoras. Muito frequentemente os autores a justificam invocando o argumento da confiança, similarmente à argumentação usada no caso dos bancos. Não há dúvida da necessidade de se proteger interesses de terceiros e, muito pro-vavelmente, fraudes e má administração justificam, historicamente, o desenvolvimento da regulamentação do setor. Foi exatamente assim que, nos Estados Unidos da América, ime-diatamente após a guerra civil, quando a indústria de seguros experimentava um vertigino-so crescimento, fraudes e má administração impuseram elevadas perdas aos segurados.

54 Alves, Sandro Leal (2004).55 A metodologia é baseada no trabalho de Chiappori, Piere. André and Salanié, Bernard (2000).56 Simões, Kelly de Almeida (2003).57 Art. 14 da Lei 9.656/98: Em razão da idade do consumidor, ou da condição de pessoa portadora de deficiência, ninguém pode ser impedido de participar de planos privados de assistência à saúde.58 Alves, Sandro Leal (2007).

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CAPÍTULO 2 | REGULAÇÃO SETORIAL: TEORIA E PRÁTICA 73

Em nome da sobrevivência da indústria de seguros, regulamentação e supervisão gover-namentais foram introduzidas, uma vez que com a falência de uma seguradora, a perda do proprietário de uma apólice poderia ser muito superior ao prêmio pago.59

Neste sentido, a principal justificativa para a regulamentação das atividades das socieda-des seguradoras tem sido a proteção ao cliente devido a problemas associados à informa-ção assimétrica, ao risco moral e à possibilidade da falência de uma empresa contaminar todo setor, provocando uma onda de falências. Considerando o risco de falência do sis-tema, normas de prudência são impostas. Para proteger os agentes econômicos do risco sistêmico as autoridades públicas têm submetido tais mercados a normas de natureza estrutural e de prudência. Dentre as normas de prudência, observa-se que restrições às aplicações das reservas técnicas dessas organizações são comuns a todos os países onde tais mercados estejam estabelecidos.

Uma função regulatória importante em mercados de seguros é a regulamentação de regras que garantam a solvência das empresas. Dado o elevado custo de obtenção de informações pelos consumidores sobre a qualidade econômico-financeira das empresas, a regulação prudencial presta um serviço importante ao determinar uma conduta prudente no mercado.

A regulação prudencial foi uma inovação institucional no mercado de planos de saúde que, à exceção das seguradoras, não tinha a cultura nem a obrigatoriedade de constituição de re-servas de contingenciamento. Como vimos no capítulo 1, uma operadora de plano de saúde funciona sob os mesmos princípios que uma seguradora. Ambas, a operadora de plano de saúde e a seguradora, são agentes que compram riscos na sociedade e, por uma questão probabilística, devem precificar esses riscos seguindo a lei dos grandes números60. Ainda há a figura da poupança popular que é arrecadada pelas empresas para o cumprimento de contratos de riscos, de ocorrência incerta e aleatória.

Uma diferença fundamental entre essas entidades é que uma operadora de plano não conhe-ce a perda máxima provável, pois, devido à legislação setorial, não é permitido estabelecer limites financeiros para a cobertura, tal como existe em todos os demais ramos de seguro. Desta forma, talvez a necessidade de regras de solvência na saúde seja ainda mais importan-te, pois mesmo conhecendo o histórico de ocorrências passadas, o custo da saúde se eleva de forma acelerada e é imprevisível o quanto pode custar um ano de internação hospitalar.

Uma motivação adicional para se utilizar a regulação prudencial na saúde suplementar é prevenir que o ciclo financeiro invertido, característica do setor, assim como no setor se-gurador, possa levar à descapitalização da operadora de plano. O chamado ciclo invertido ocorre quando a operadora arrecada as mensalidades para o pagamento futuro das des-pesas assistenciais. Há incerteza quanto ao uso do plano, tanto o período quanto o servi-ço utilizado, e seu custo. Adicionalmente, diversas etapas operacionais também interferem, pois depende do prestador enviar a documentação comprobatória do uso, dos sistemas de checagem e auditoria nas contas e depois o pagamento do evento ao prestador. Neste ínterim, a operadora não precavida terá sobra de caixa provocada pelo descasamento entre

59 Carvalho, José L. (2002).60 Como ressaltado no Box 1, a Lei dos Grandes Números é um teorema estatístico que diz que quando o número de repetições de um experi-mento aumenta, a média dos resultados observados tende a se aproximar do Valor Esperado da Loteria.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL74

receitas e despesas, podendo utilizar esses recursos de forma não prudencial, como distri-buição indevida de dividendos ou sobras, investimentos em ativos fixos, subprecificação de contratos, dentre outros.

No caso da saúde suplementar, o regulador obriga que as operadoras reconheçam adequa-damente as obrigações assistenciais a que estão sujeitas, afastando a percepção equivo-cada de excesso de liquidez. Também devem manter recursos suficientes para a liquidação dessas obrigações e absorção de eventual prejuízo.

É preciso que o regulador esteja atento ao inevitável trade-off entre requerimentos de capital (solvência) e concorrência já que quanto maiores forem as exigências financeiras, maior será a barreira à entrada de novas empresas. As operadoras incumbentes também podem reagir encerrando as atividades ou iniciar movimentos de fusão e aquisição para observarem o cumprimento das regras. Em ambos os casos, há certo grau de sacrifício da concorrência em benefício da segurança e solidez setorial. É difícil dizer o limite adequado entre garantia da prudência e da concorrência. Assim como é difícil estimar o tamanho ótimo do mercado, pois são muitas variáveis em jogo, por exemplo, a escala mínima viável.

Não existem estudos, até o conhecimento do autor, sobre a escala mínima viável no setor de saúde suplementar, mas ao que parece esta escala vem se deslocando ao longo do tempo em razão dos crescentes custos de observância da regulação e ao próprio custo médico ascendente. Em contrapartida aos custos crescentes de atendimento à regulação, produ-tos regionalizados ou mesmo a possibilidade de resseguro podem atenuar esta pressão, permitindo a viabilidade de operadoras menores, com produtos menos abrangentes. São questões relevantes, pois afetam diretamente a organização industrial e, por consequência, a eficiência do mercado.

A regulação da solvência no mercado de saúde suplementar se originou com a publicação da RDC nº 77/2001. Antes, apenas as seguradoras observavam regras de capital e provi-sões. Para as demais modalidades não havia regra alguma. A Lei 9.656/98, por sua vez, de-terminou que as operadoras observassem as garantias do “equilíbrio econômico-financeiro”.

Por equilíbrio econômico-financeiro, pode-se entender pela manutenção de liquidez e de solvência. Enquanto a liquidez compara os bens e direitos de curto prazo versus as obriga-ções de curto prazo, foi necessário o correto dimensionamento dos balanços das operado-ras. Mas como fazê-lo se cada entidade seguia uma regra de contabilidade própria? Diante desta situação, a ANS (DIOPE), após a constituição de câmara técnica, editou o primeiro plano de contas padrão (RDC nº 38/2000). Deu-se início ao processo de regulação eco-nômico-financeira das operadoras de planos de saúde. Era preciso estabelecer as regras para constituição das provisões técnicas, para o lastro de ativos garantidores, as regras de capital mínimo (barreira à entrada) e capital de solvência.

A RDC 77/2001 estabeleceu níveis de capital diferenciado por modalidades, sendo as segu-radoras e as medicinas de grupo do segmento terciário aquelas com maior requerimento de capital na entrada. Adicionalmente, era preciso monitorar o cumprimento das regras para a preservação das condições de equilíbrio econômico-financeiro das operadoras e implemen-tar medidas de ajustes em caso de desvios, tais como a exigência de plano de recuperação e a instauração de direção fiscal, caso anormalidades administrativas e financeiras graves coloquem em risco a manutenção da assistência prestada aos consumidores.

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CAPÍTULO 2 | REGULAÇÃO SETORIAL: TEORIA E PRÁTICA 75

As provisões, inicialmente chamadas provisões de risco, traziam um ajuste de competên-cia e adicionavam um componente de insuficiência de prêmios (fator Y). Posteriormente, as provisões técnicas foram revistas pela RN 160/07 e além da provisão de riscos, as operadoras passaram a provisionar a PEONA – Provisão para Eventos Ocorridos e Não Avisados, instrumento muito comum nos mercados securitários. Atualmente, as operado-ras devem observar as seguintes provisões:

1) Provisão de Eventos/Sinistros a Liquidar, para garantia de eventos/sinistros já ocorridos, registrados contabilmente e ainda não pagos;

2) Provisão para Eventos/Sinistros Ocorridos e Não Avisados – PEONA, estimada atuarial-mente para fazer frente ao pagamento dos eventos/sinistros que já tenham ocorrido e que não tenham sido registrados contabilmente pela operadora;

3) Provisão para Remissão, para garantia das obrigações decorrentes das cláusulas contratuais de remissão das contraprestações/prêmios referentes à cobertura de assistência à saúde, quando existentes, sendo de constituição obrigatória a partir da data da efetiva autorização;

4) Outras Provisões Técnicas necessárias à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, desde que consubstanciadas em Nota Técnica Atuarial de Provisões – NTAP e aprovadas pela DIOPE, sendo de constituição obrigatória a partir da data da efetiva autorização; e

5) Provisão para Prêmios ou Contribuições não Ganhas – PPCNG, deve ser constituída para a cobertura dos eventos/sinistros.

As operadoras podem lastrear as provisões técnicas referidas com bens imóveis, até o limite permitido pela Resolução nº 3.308, de 31 de agosto de 2005, do Conselho Monetário Nacional – CMN. A ANS também define os ajustes por efeitos econômicos no patrimônio da operadora, a serem considerados para fins de Margem de Solvência e Patrimônio Mínimo Ajustado.

Na apuração do Patrimônio Líquido ou Patrimônio Social para fins de adequação às regras de Recursos Próprios Mínimos – PMA e MS as operadoras devem observar, os seguintes ajustes por efeitos econômicos: I – dedução das participações diretas ou indiretas em outras Opera-doras de Planos Privados de Assistência à Saúde e em entidades supervisionadas pela Supe-rintendência de Seguros Privados – SUSEP e Banco Central do Brasil – BACEN; II – dedução dos créditos tributários decorrentes de prejuízos fiscais de imposto de renda e bases negativas de contribuição social; III – dedução das despesas de comercialização diferidas; IV – dedução das despesas antecipadas; e V – dedução do ativo não circulante intangível.

Em 2009, a ANS reestipulou a obrigatoriedade de Margem de Solvência das operadoras não seguradoras pela Resolução RN 209/2009, estabelecendo o mínimo entre 20% dos prêmios (média do último ano) e 33% dos sinistros (média dos três últimos anos). A margem de solvência exigida poderá ser reduzida em função do total de gastos com programas de pro-moção da saúde e prevenção de riscos e doenças. As operadoras têm prazo até 2022 para constituição de 100% da margem. As autogestões, anteriormente dispensadas da constitui-ção das garantias financeiras próprias, que iniciaram suas operações até 3 de julho de 2007, deverão observar integral e mensalmente as regras de Margem de Solvência até 2024.

Já a Margem de Solvência para as Seguradoras Especializadas em Saúde que iniciaram suas atividades antes de 22 de dezembro de 2009, tem prazo até 2022 para ajustamento da diferença entre a regra atual (um ano de prêmio / três de sinistro) e a regra anterior (três anos de prêmios / cinco anos de sinistros).

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL76

2.3 Regulação Assistencial – Coberturas, Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde e Qualidade

A assimetria de informação entre os beneficiários e os produtos e serviços é grande. Isto por-que há incerteza sobre quando utilizar os serviços de saúde assim como quais serviços de saúde utilizar. Daí a importância do médico como agente que reduz a assimetria do paciente e os cuidados de saúde que deve ter para recuperação de seu estado de saúde.

Há ainda grande assimetria, neste caso em desfavor dos beneficiários, sobre a cobertura a ser contratada. Em primeiro lugar, há incerteza sobre que tipo de doença ou enfermidade ele pode vir a ser acometido no futuro. E mesmo se o beneficiário é pouco avesso ao risco, ele pode ter dificuldade em escolher: 1) o produto desejado, suas coberturas, abrangência, redes e outros atributos; 2) a operadora que prestará este serviço, lembrando que são mais de 1.200 operando no país.

Essas assimetrias informacionais são reduzidas com o estabelecimento de coberturas padronizadas pelo ente regulador, reduzindo a assimetria e a chance de erro de escolha por parte dos consumidores. Foi o que fez a Lei 9.656/98 ao padronizar os produtos se-gundo segmentos assistenciais: ambulatorial, hospitalar com ou sem obstetrícia, o pro-duto da combinação destes, e o plano referência. Não é possível oferecer produtos para doenças específicas.

Na busca da redução ainda maior do grau de assimetria no momento da escolha da opera-dora, a ANS estabeleceu o programa de qualificação, que reúne indicadores econômicos, assistenciais e operacionais das empresas e publica a classificação destas, na busca de fa-cilitar a escolha. A proposta do regulador é que a qualificação das operadoras seja estimula-da com a divulgação de notas no chamado Índice de Desempenho em Saúde Suplementar, calculado e divulgado anualmente pela Agência.

Por fim, com intuito de reduzir as assimetrias entre os consumidores em relação aos pres-tadores de serviços, a Agência desenvolveu o programa Qualiss que, tal como em publica-ções especializadas na avaliação de serviços de restaurantes, objetiva informar sobre os atributos de qualidade dos prestadores assistenciais.

Idealmente, as três vertentes regulatórias se alinham ao objetivo comum de redução das assimetrias informacionais, na linha de que o consumidor municiado de informações rele-vantes possa ter maior responsabilidade no ato de escolher entre um produto ou outro, entre uma operadora ou outra, ou entre um hospital ou outro. Idealmente, o consumidor estaria perfeitamente alinhado com os interesses de busca por melhor qualidade de serviços.

A padronização, como quase tudo na vida, possui vantagens e desvantagens. Entre os as-pectos favoráveis, destaca-se a redução da informação entre o consumidor e a operadora em relação ao contrato de serviços. É difícil para o consumidor saber se o rol de procedimentos proposto no contrato é adequado à sua condição de saúde. A desvantagem é a redução das possibilidades de oferta de um contrato ajustado à necessidade do consumidor, além de não incentivar a autonomia e independência do consumo, ainda que em um mercado complexo como a saúde suplementar.

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CAPÍTULO 2 | REGULAÇÃO SETORIAL: TEORIA E PRÁTICA 77

2.3.1 REVISÃO DO ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE

A revisão do rol de procedimentos é feita a cada dois anos pela ANS mediante reuniões em Grupo de Trabalho com participação dos diversos agentes interessados, inclusive partici-pantes da indústria de medicamentos, representantes dos direitos dos usuários, entidades de defesa dos consumidores e representações das operadoras. A discussão é capitanea-da pelo Comitê Permanente de Regulação da Atenção à Saúde – COSAÚDE, criado para análise das questões pertinentes à cobertura-assistencial obrigatória a ser assegurada pelo Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde.

Na atualização do rol, tanto procedimentos podem ser excluídos, por estarem obsoletos, quanto incorporados, situação mais frequente. Certamente, há incorporações benéficas aos consumidores e que merecem ser incorporadas. No entanto, para que a incorporação seja custo-efetiva, há que se levar em consideração a avaliação econômica do medicamento ou procedimento para se ter clareza de seu custo-efetividade, ou custo-utilidade, e da capa-cidade de pagamentos da população beneficiária. Ainda há muito que se avançar nessa seara. Em todo o mundo, há agências especializadas na avaliação de incorporação de tec-nologias que possuem metodologias científicas para avaliar a introdução de inovações no sistema, seja ele público ou privado.

No Brasil, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS – Conitec foi cria-da pela lei nº 12.401 de 28 de abril de 2011, que dispõe sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS. A Conitec, assistida pelo Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde – DGITS, tem por objetivo assessorar o Ministério da Saúde – MS nas atribuições relativas à incorporação, exclusão ou alteração de tecnologias em saúde pelo SUS, bem como na constituição ou alteração de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas – PCDT. A legisla-ção fixa o prazo de 180 dias (prorrogáveis por mais 90 dias) para a tomada de decisão, bem como inclui a análise baseada em evidências, levando em consideração aspectos como eficácia, acurácia, efetividade e a segurança da tecnologia, além da avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já existentes. A lei ainda estabelece a exigência do registro prévio do produto na Agência Nacional de Vigilância Sa-nitária (ANVISA) para que este possa ser avaliado para a incorporação no SUS.

Há diferentes impactos em relação ao rol de procedimentos. Uma primeira dificuldade é que ao ser publicado, ele passa a ser obrigatório a todos os contratos firmados anteriormente. Assim sendo, as operadoras passam a incorrer em procedimentos que não foram preci-ficados no passado e terão que sofrer revisão no futuro para a manutenção do equilíbrio econômico-atuarial do contrato. A incerteza então passa a ser um elemento importante in-fluenciando as decisões dos agentes econômicos.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL78

2.3.2 AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DE OPERADORAS

A ANS avalia o desempenho das operadoras mediante o Programa de Qualificação de Operadoras, inicialmente voluntário, posteriormente tornou-se obrigatório. A avaliação de desempenho das operadoras é realizada pelo Índice de Desempenho da Saúde Suple-mentar – IDSS, calculado a partir de indicadores definidos pela própria Agência. Esses indicadores são agregados em quatro dimensões, sendo que cada uma possui um peso diferente na formação do IDSS: 40% para a dimensão Atenção à Saúde, 20% para a di-mensão Econômico-financeira, 20% para a dimensão Estrutura e Operação e 20% para a dimensão Satisfação do Beneficiário. O IDSS varia de zero a um (0 a 1) e cada operadora recebe uma nota que a enquadrará em uma faixa de avaliação. Os indicadores sofreram mudanças ao longo do tempo. A primeira versão do Programa continha deficiências na dimensão econômico-financeira61 que foram corrigidas nas versões posteriores.

A ANS também instituiu o Programa de Acreditação das Operadoras que tem como objeti-vo certificar a qualidade assistencial das operadoras de planos de saúde, de acordo com avaliação feita por entidades de acreditação homologadas pela Agência Nacional de Saú-de Suplementar (ANS) e, a partir de 03/05/2013, obrigatoriamente habilitadas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO). A análise das empresas leva em conta diversos pontos para conceder a certidão, como a administração, a estrutura e a operação dos serviços de saúde oferecidos, o desempenho da rede de profissionais e de estabelecimentos de saúde conveniados e o nível de satisfação dos beneficiários.62

A certidão de acreditação pode ser conferida em três níveis: Nível I: operadoras de planos de saúde avaliadas entre 90 (noventa) e 100 (cem) pontos; Nível II: operadoras de planos de saúde avaliadas entre 80 (oitenta) e 89 (oitenta e nove) pontos; Nível III: operadora de planos de saúde avaliada entre 70 (setenta) e 79 (setenta e nove) pontos.63

2.3.3 AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DE PRESTADORES

No Brasil, a acreditação hospitalar é um processo voluntário, não diretamente ligado ao governo, e deliberadamente estruturado desta maneira, com a participação do Ministério da Saúde no processo decisório. O número de hospitais acreditados no país, no entanto, ainda não chega a 5% do total, com um crescimento muito lento desde 1999, quando o primeiro hospital se submeteu ao processo de acreditação e foi aprovado pelos critérios da Joint Commission International – JCI.64

61 Alves, Sandro Leal (2006)2 mostrou a possibilidade de uma operadora em regime de direção fiscal ser bem classificada segundo a metodologia estabelecida para o ranking na dimensão econômico-financeira. Aparentemente, na versão atual do programa, essas distorções foram corrigidas.62 Para uma análise crítica sobre o estabelecimento de rankings de empresas reguladas pelo próprio Órgão Regulador veja Alves, Sandro Leal (2009). O estudo mostra que nem sempre os indicadores de qualidade e eficiência andam na mesma direção.63 Atualmente as operadoras Bradesco Saúde S.A, Unimed Goiânia, Unimed Vales do Taquari e Rio Pardo, Unimed Belo Horizonte são acreditados Nível I e a Unimed São José do Rio Preto e SAMP Espírito Santo Assistência Médica são acreditados Nível II. Fonte: ANS (pesquisa feita em 29/6/15).64 Malik, A. (2014).

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CAPÍTULO 2 | REGULAÇÃO SETORIAL: TEORIA E PRÁTICA 79

No Brasil, hoje, as instituições de saúde estão buscando, principalmente, a certificação ISO 900165 e as acreditações outorgadas pela Accreditation Canada / Instituto Qualisa de Gestão – ACI/IQG, a Organização Nacional de Acreditação – ONA, a Joint Commission/ Consórcio Brasileiro de Acreditação – JCI/CBA e pela instituição Det Norske Veritas / National Integrated Accreditation for Healthcare Organizations – DNV/NIAHO.66

Em 1995, o Ministério da Saúde assumiu iniciativa para a instituição da acreditação no país, mas a acreditação teve início formal com o surgimento da Organização Nacional de Acreditação em 1999. Esta montou o Sistema Brasileiro de Acreditação – SBA, em que o processo efetivo de avaliação para acreditação fica sob a responsabilidade das institui-ções acreditadoras credenciadas por ela. Essa atividade é desempenhada pela equipe de avaliadores das instituições credenciadas, tendo como referência as Normas do Sistema Brasileiro de Acreditação e o Manual Brasileiro de Acreditação da ONA específico para cada setor da área da saúde.

Alguns anos depois, entrou no mercado brasileiro o modelo de acreditação americano da Joint Commission for Accreditation for Health Care Organizations – JCAHO67, que, em seguida, constituiu a JCI. Esta, finalmente, passou a ser representada no Brasil por uma organização nacional, o Consórcio Brasileiro de Acreditação68. Esta última adaptou, por-tanto, a metodologia desenvolvida pela JCAHO, que apresenta padrões agrupados em funções e envolve aspectos relacionados à assistência propriamente dita e ao gerencia-mento da instituição prestadora de serviços assistenciais à saúde.

O mercado da acreditação brasileira passou a ser relativamente mais competitivo em 2008, quando entrou no cenário outra acreditadora internacional, a Accreditation Canada (ou Agrément Canada). Por meio de uma colaboração com o Instituto Qualisa de Gestão, uma das principais instituições acreditadoras credenciadas pela ONA, a Accreditation Ca-nada desenvolveu, em 2006, um programa de acreditação internacional cujo objetivo era fornecer, para hospitais brasileiros com acreditação Nível 3 pela ONA, a oportunidade de compararem seus respectivos desempenhos com padrões internacionais de saúde.

O início do processo de acreditação no Brasil foi extremamente lento, levando quatro anos para se aproximar de quarenta hospitais acreditados, ou seja, o equivalente a uma média de menos de dez hospitais acreditados por ano.69 Nos dez anos seguintes, o crescimento girou em torno de aproximadamente 20 instituições ao ano, já considerando outros modelos de acreditação. A progressão teve característica aritmética, o que é pouco considerando a quantidade de hospitais brasileiros. Se contarmos todos os níveis de acreditação, temos:

65 A ISO 9001 é uma certificação, não acreditação. Seus requisitos podem ser aplicáveis a qualquer tipo de segmento, desde indústrias a laboratórios clínicos, e não somente à prestadoras da área de saúde. Além da avaliação dentro dos padrões da ISO, a acreditação acrescenta uma avaliação global dos recursos institucionais, focando também na qualidade assistencial através de padrões previamente aceitos, como os estabelecidos pela Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS ou a Organização Mundial de Saúde – OMS, por exemplo, além da legislação vigente no país.66 Com sede em Belo Horizonte, o modelo DNV/NIAHO começou a ser implantado no mercado mineiro em 2009. Até 2014, no entanto, este modelo continuava limitado à acreditação de hospitais em Minas Gerais, mas neste ano iniciaram uma parceria com a ONA. Apenas os prestadores que possuem acreditação “com excelência” na ONA podem ser contemplados com a acreditação do DNV/NIAHO. Por ser muito específico e limitado a um pequeno número de hospitais.67 A JCAHO é uma empresa privada que surgiu, em 1952, como Joint Commission on Accreditation of Hospitals – JCAH.68 Nome de fantasia da Associação Brasileira de Acreditação de Sistemas e Serviços de Saúde – ABA.69 Malik (2014). Op. Cit.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL80

• 27 prestadores acreditados pela CBA

• 222 prestadores acreditados pela ONA

• 34 prestadores acreditados pela Accreditation Canada

• Alguns prestadores são acreditados por mais de uma instituição: 2 pela ONA e CBA, 17 pela ONA e Accreditation Canada e 3 pela CBA e Accreditation Canada.

• No total, retiradas essas interseções, são 261 prestadores diferentes acreditados.

Por parte da empresa acreditada, o movimento é um estímulo à diferenciação do produto mostrando ao mercado que a instituição está em uma posição à frente da concorrência. Para o consumidor, a acreditação funciona como um selo de qualidade que busca reduzir a assimetria de informações do cliente com relação à qualidade da instituição. Com a abertura do mercado hospitalar ao capital estrangeiro, a acreditação pode ser importante fator de diferenciação competitiva para atração de investimentos.

2.4 Regulação Econômica de Preços e Reajustes

O controle de preços demonstra ser uma prática tão antiga quanto ineficiente. Datada pelo menos do Código de Hamurabi (2000 a.C.), que controlou preços e salários, teve seu “apogeu” na época do Imperador Diocleciano que determinava simplesmente a pena capi-tal para aqueles que ousassem elevar os seus preços.70 Como resultado, tivemos a redução da oferta no mercado. Por mais rigorosa que seja uma legislação restritiva, como nos casos acima mencionados, não há como se revogar as leis da demanda e da oferta.

A teoria econômica moderna, em especial a economia da regulação, longe de prescrever punições mortais como a do Imperador Romano citado, é capaz de identificar um conjunto de situações onde a regulação dos preços pode ser eficaz. Entretanto essas são poucas e muito bem delimitadas situações como no caso de um monopólio natural, como já dito an-teriormente.71 Neste caso, não existe mercado para forçar uma redução de preços aos níveis competitivos e a empresa monopolista se vale de seu poder de mercado para cobrar preços de monopólio. Há quem defenda que mesmo nestes casos, caso as barreiras à entrada no mercado sejam suficientemente baixas a ponto de contestar o monopólio, a própria possibi-lidade de entrada elimina a regulação de preços.

Em mercados onde a competição é reduzida, ou seja, existem poucos competidores atuan-do, é recomendável uma política regulatória que diminua as barreiras à entrada no mercado, sejam elas econômicas, tecnológicas ou regulatórias, como forma de incentivar a competi-ção e inibir práticas anticompetitivas. Esta é uma importante tarefa da política de defesa da concorrência, que monitora a competição nos mercados a partir do controle dos atos de concentração, da repressão às práticas de cartel e demais condutas anticoncorrenciais.72

70 Mises, L (1998).71 Uma definição alternativa para o monopólio natural pode ser a estrutura de mercado onde a eficiência econômica é alcançada com a presença de apenas uma única empresa devido às características tecnológicas de produção (elevados custos fixos e baixos custos marginais). Ex. Estações de tratamento de água, esgoto, redes de distribuição. Ainda que seja monopolística, nada indica que a empresa tenha que ser de capital público.72 Veja, por exemplo, W. Kip Viscusi, Joseph E. Harrington and John M. Vernon (2005).

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CAPÍTULO 2 | REGULAÇÃO SETORIAL: TEORIA E PRÁTICA 81

O argumento de que saúde é um bem meritório e que o mercado não pode funcionar livre-mente é demasiadamente amplo de forma que comporta qualquer e todo tipo de intervenção entre seus defensores.73 Quanto ao argumento de que o poder de barganha dos consumi-dores é baixo e precisa ser equilibrado, este mesmo argumento é válido para o mercado de automóveis, moradias, eletrodomésticos, seguros e praticamente todos os outros mercados onde o poder de barganha e de informação são assimétricos.

Talvez mais importante que buscar em vão argumentos econômicos que justifiquem a in-tervenção pública nos preços, seja observar os seus efeitos reais no mercado como um bom indicador da qualidade da política. A proteção de alguns milhares de consumidores de planos individuais novos resulta em ganhos líquidos de bem-estar para a sociedade? Pro-vavelmente para os consumidores protegidos da elevação real dos custos, a política tenha sido benéfica. E os consumidores que estariam cobertos por plano de saúde individual, mas não estão devido à restrição regulatória na oferta de novos planos? Possivelmente o merca-do teria muitos novos produtos na ausência dessa restrição e os consumidores, em sentido amplo, estariam em melhor situação, pois o mercado estaria funcionando mais livremente.

A despeito da questão teórica, na prática a metodologia utilizada para a regulação dos rea-justes sofre ao menos dois problemas. Em primeiro lugar, o reajuste dos planos individuais é baseado na evolução dos preços dos planos coletivos. Em segundo lugar, ele é linear. Por ser baseada no reajuste dos planos coletivos, a métrica não guarda relação com os fatores determinantes dos reajustes dos planos individuais que têm sérias diferenças na composição de custos entre si. Enquanto planos individuais são mais afeitos à presença de seleção adversa, os planos coletivos possuem maior homogeneidade de riscos. Enquanto nos primeiros há pouca margem de negociação dos reajustes, nos coletivos há sempre a possibilidade de se reavaliar os parâmetros dos contratos como rede, coparticipação, dentre outros, apenas para ficar em alguns poucos pontos de diferença.

Por ser linear, o reajuste autorizado pela ANS para os planos de saúde não garante a recom-posição do equilíbrio entre receitas e despesas assistenciais para a totalidade do setor em função da elevada diversidade existente no mercado de operadoras. Um índice único para todas as operadoras do setor pode se revelar adequado para algumas empresas, mas insu-ficiente para outras dependendo das características de suas carteiras e da gestão do custo assistencial. Uma regulação desse tipo pode incentivar a seleção adversa no oferecimento de contratos. As operadoras com contratos mais abrangentes, com hospitais top e amplas coberturas tendem a ficar desestimuladas no oferecimento destes contratos.

Feitas as considerações teóricas anteriores, veremos em seguida a regulação na prática. O leitor poderá tirar suas próprias conclusões acerca da amplitude e intensidade da re-gulamentação setorial. Por certo houve importantes ganhos decorrentes da proteção dos consumidores mediante a ampliação de coberturas, na profissionalização do setor, no esta-belecimento de regras prudenciais, dentre outras. Por outro lado, não se pode desconsiderar os custos, privados e sociais, inerentes à regulamentação. Falaremos mais deste ponto ao final, quando tratarmos da Análise de Impacto Regulatório. Em seguida, o histórico, os eixos e as fases da regulação setorial são apresentados. É a regulação na prática.

73 A alimentação parece tão importante quanto os serviços de saúde e nem por isso os produtores de alimentos têm seus preços regulados embora tenha rígida regulação de qualidade.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL82

2.5 Histórico e Marco Legal74

A proposta de regulamentação da assistência suplementar à saúde foi discutida desde 1992 por entidades médicas, órgãos de defesa do consumidor, Ministérios da Fazenda, da Justi-ça e da Saúde, bem como pelo legislativo federal e por assembleias legislativas de alguns estados. Os temas a serem regulamentados diziam respeito à natureza privada com fins lucrativos das empresas do setor, à ampliação de coberturas e à definição do órgão que iria regular este setor.

O debate a respeito da regulamentação deste setor iniciou-se na Superintendência de Se-guros Privados – SUSEP, do Ministério da Fazenda, em 1989. A preocupação da área eco-nômica referia-se aos aumentos dos valores dos planos, à possibilidade de evasão fiscal decorrente da natureza filantrópica de algumas empresas e do caráter de prestação de serviços de outras, implicando redução na arrecadação dos impostos. A partir de então, a SUSEP passou a defender a normatização do setor, ficando essa entidade responsável pela regulação das empresas de saúde suplementar.

Houve outra tentativa por parte do governo de regular o setor de saúde suplementar em relação à redefinição da abrangência das atividades desempenhadas pelas empresas. Foi apresentado por segmentos do Ministério da Previdência e do Trabalho um projeto intitulado Seguro de Riscos Sociais, que ampliava o mercado de atuação das seguradoras que passa-riam a cobrir os acidentes de trabalho, as doenças profissionais e as enfermidades comuns.75

A partir daí, outras entidades entraram no cenário para debater a normatização da saúde suplementar, como os órgãos de defesa do consumidor, as entidades médicas e as as-sociações dos portadores de patologias. Todos esses eram favoráveis à garantia de uma cobertura ampla. Nessa época os órgãos de defesa do consumidor tinham em suas pautas de trabalho os casos de portadores do vírus HIV que recebiam recusa de atendimentos pelos planos de saúde, bem como outros casos de acionamento do judiciário para garantir a continuidade ou a realização de tratamentos ou procedimentos para beneficiários de pla-nos de saúde, uma vez que as causas da recusa de atendimento eram entendidas como restrições contratuais.

Toda essa discussão culminou em 1993, com a edição de uma Resolução do Conselho Fe-deral de Medicina – CFM, determinando que as empresas de planos de saúde eram obriga-das a oferecer cobertura a todas as doenças constantes no Código Internacional de Doen-ças – CID. Em resposta, a Resolução nº 31/94 do Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP, criou a apólice da garantia compreensiva, ampliando a cobertura às doenças infec-ciosas, inclusive AIDS, limitando as exclusões de atendimento por idade etc e, obviamente, aumentando (ajustando) o preço dos prêmios para seus optantes.

A partir de 1995, a SUSEP incorporou proposições de interesses de usuários e de entida-des médicas e tornou-se porta-voz, no âmbito governamental, da tentativa de abertura para a participação de capital estrangeiro no setor de saúde suplementar. Desse momento em

74 Essa sessão baseia-se em Alves, Sandro Leal (2004).75 Bahia, Lígia (1999).

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CAPÍTULO 2 | REGULAÇÃO SETORIAL: TEORIA E PRÁTICA 83

diante, os debates passaram a se articular em torno da competitividade entre os segmentos presentes no mercado de saúde suplementar e da ampliação da cobertura. Esse pode ser considerado o segundo momento em relação à regulamentação do setor de saúde suple-mentar. Tinha como foco principal dois temas: a competitividade entre as modalidades do setor e a ampliação das coberturas.

Dois projetos de regulamentação foram gestados no âmbito do Ministério da Saúde. O pri-meiro pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), de 1996, que incorporava demandas de seus integrantes (principalmente entidades médicas e de defesa do consumidor), e o se-gundo, no início de 1997, articulado pela Secretaria Executiva, que acionou a formação de um grupo interministerial, constituído pelos Ministérios da Fazenda, da Justiça e da Saúde, para elaborar as normas para a assistência médica suplementar. Em setembro de 1997, o segundo projeto supracitado foi aprovado pela Câmara dos Deputados por 306 votos a favor, 100 contra e 3 abstenções. A priorização da regulamentação do setor foi motivada essencialmente por:76

• Ausência de regulamentação própria frente ao aumento de reclamações dos consumido-res junto aos Procons e à Justiça;

• Denúncias de problemas relativos à solvência de algumas empresas do setor;77

• Evasão fiscal;

• Demanda por controle de preços do setor.

Vale lembrar que a Constituição Federal de 1988, ao estabelecer a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) como universal, integral e gratuito, também definiu que a atuação privada no setor seria regulada pelo Estado. Em maio de 1998 o senado aprovou o projeto de lei da Câmara dos Deputados, com algumas supressões. À Lei 9.656, sancionada pelo Presidente da República em 04 de junho de 1998, se seguiu a edição da Medida Provisória nº 1.665, contendo as mudanças acordadas entre o governo e o conjunto de agentes e instituições envolvidos com o processo de regulamentação.

A regulamentação buscou focar em duas questões principais: a econômico-financeira, que substanciou na edição de regras prudenciais, e a assistencial, que levaram a criação das normas referentes ao produto ofertado. No campo da regulação econômico-financeira fo-ram normatizadas as condições de entrada, funcionamento e saída do mercado no que se refere aos requisitos operacionais e de garantias financeiras. Já no campo da regulação da assistência, foi criado o plano referência, cuja oferta é obrigatória e contempla atendimento integral à saúde, sem exclusões ou exceções de cobertura, cobrindo todas as doenças classificadas no Código Internacional de Doenças – CID. Adicionalmente, a fim de proteger o consumidor, foram editadas regras para o controle de reajustes de preços (dos planos individuais) e das faixas etárias, proibição da seleção de risco e do rompimento unilateral do contrato e garantia de direitos aos aposentados e demitidos.

76 Almeida, C (1998).77 Com a queda abrupta dos altíssimos níveis de inflação e seu controle após 1994, o ciclo financeiro tornou-se desfavorável às operadoras. A grande maioria delas, com exceção das seguradoras, não tinham obrigações prudenciais e de solvência. Em razão disso, deu-se uma onda de quebradeira no setor, alimentando ainda mais o desejo por regulamentação.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL84

É possível se dizer que os objetivos da regulamentação foram:

• Promover o aperfeiçoamento dos instrumentos legais aplicados às Operadoras;

• Habilitar e qualificar estas Operadoras;

• Garantir a integração do setor ao SUS através do ressarcimento dos gastos gerados por beneficiários no sistema público;

• Estabelecer o controle da abusividade de preços;

• Fiscalizar o setor;

• Garantir a solvência do mercado e disciplinar os Investimentos no setor;

• Garantir e ampliar as coberturas e benefícios aos consumidores;

• Abrir o setor ao capital estrangeiro; e

• Definir e controlar as condições de ingresso, operação e saída de operadoras.

Entre algumas das principais novidades trazidas pela nova legislação, destacam-se: a) proibição da rescisão unilateral dos contratos por parte das operadoras; b) controle go-vernamental dos reajustes de preços dos planos de saúde individuais; c) proibição de seleção de risco por doença ou lesão pré-existente; d) regulamentação das coberturas mínimas obrigatórias; e) controle atuarial de preços de venda dos planos; f) regras de en-trada, operação e saída de operadoras; g) preços limitados pela regra de faixas etárias; e h) regulamentação dos períodos de carência.

Pode-se dizer que o “espírito da lei” atuou no sentido de aumentar a rede de proteção aos consumidores de planos, principalmente os individuais, por meio da regulação e fiscalização das atividades das operadoras bem como pelo desenho dos contratos. De forma resumida, a regulamentação do setor procurou conciliar a garantia assistencial, mediante a padroni-zação e o aumento das coberturas obrigatórias, com a garantia da prestação continuada dos serviços, mediante a regulação da solvência das operadoras. E como o setor era, com exceção das seguradoras, desregulado, o governo entendeu por bem regular a estrutura de entrada, operação e saída do setor. Podem-se identificar três grandes eixos da regulação, caracterizados na Figura 5 a seguir.

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CAPÍTULO 2 | REGULAÇÃO SETORIAL: TEORIA E PRÁTICA 85

FIGURA 5 – EIXOS DA REGULAÇÃO

Estrutural Econômico-financeiro Social

• Regras de acesso

• Autorização de funcionamento e registro de produto

• Envio de informações

• Classificação da operadora e segmentação do produto

• Sanções administrativas

• Regimes especiais

• Liquidação extrajudicial

• Ressarcimento ao SUS

• Plano de contas padrão

• Regras de solvência

• Garantias financeiras

• Ativos garantidores

• Responsabilização de administradores

• Autorização de reajuste

• Transferência de carteiras

• Procedimentos cobertos

• Regras de cobertura assistencial e prazos de atendimento

• Abrangência dos planos

• Carências

• Doenças e lesões pré-existentes

• Substituição de rede

Operadora de Plano de Saúde

As operadoras passaram a se submeter a um amplo conjunto de regras. Desde a entrada no setor, durante sua operação, até a saída, seja ela voluntária ou compulsória. Ao tratar da regulamentação dos planos de saúde ao menos duas abordagens nos são permitidas. Podemos tentar compreender os antecedentes e motivações que levaram à regulamenta-ção, esta uma abordagem mais histórica e interpretativa, ou então estudar os efeitos da regulamentação, uma abordagem mais analítica.

Dentro da primeira visão histórica, é possível separar a regulamentação em pelo menos cinco fases distintas, tomando por base os mandados dos diretores presidentes da Agên-cia para facilitar a compreensão, pois naturalmente há agenda diferenciada.78 Não se trata de apresentar qualquer tipo de comparação, até por que, a quantificação normativa pouco tem a ver com a qualidade da regulação. Não faz parte do escopo deste trabalho analisar profundamente as normas editadas ao longo do período. Não se trata, portanto, da históri-ca da regulação, mas do histórico das principais normas e eventos que produziram trans-formações importantes na saúde suplementar durante todos esses anos de regulação. No entanto, apenas para exemplificação, a Tabela 9 a seguir mostra a produção normativa ao longo do tempo, segundo as separações temporais sugeridas.

78 Januário Montone de 28/01/2000 a 23/12/2003, Fausto Pereira dos Santos de 05/01/2004 a 23/10/2010, Mauricio Ceschin de 23/10/2010 a 17/11/2012, André Longo Araújo de Melo de 19/11/2012 a 11/01/2015, Martha Regina de Oliveira interinamente de 12/01/2015 a 15/06/2015 e José Carlos de Souza Abrahão de 16/06/2015 até 11/05/2017. Fonte: Diário Oficial da União.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL86

TABELA 9 – PRODUÇÃO NORMATIVA AO LONGO DO TEMPO

PeríodoNormas da ANS

RN RDC¹ CONSU¹ IN INC Súmula RO RE¹ Comunicado Total

1999-2003 65 95 26 25 0 7 192 22 10 442

2004-2009 145 0 0 94 0 6 554 0 41 840

2010-2012 108 0 0 50 5 14 600 0 5 782

2013-2014 50 0 0 18 0 0 398 0 8 474

2015² 14 0 0 3 0 2 77 0 1 97

Total 382 95 26 190 5 29 1.821 22 65 2.635

Fonte: Site ANS. Acesso em 24/6/15.

Notas: ¹substituída pelas RN. ²Dados até 24/6/15. Legendas:79.

TABELA 10 – LIQUIDAÇÕES EXTRAJUDICIAIS DECRETADAS

Período RO¹

1999-2003 19

2004-2009 102

2010-2012 64

2013-2014 35

2015² 6

Total 226

Fonte: Site ANS. Acesso em 24/6/15.

Notas: ¹Consideradas as Resoluções Operacionais que decretaram liquidação extrajudicial. O número não reflete a quantidade de operadoras, pois a mesma operadora pode ter dois ou mais decretos de liquidação. ²Dados até 24/6/15.

79 RN: Resolução Normativa – Instrumento destinado a disciplinar assuntos do interesse do setor, previstos na legislação. RDC: Resolução de Diretoria Colegiada, Idem RN. Foi substituído pela RN. CONSU: Conselho de Saúde Suplementar. IN: Instrução Normativa – Contém informações necessárias para elucidar uma norma, um comportamento ou providências de determinado tema. INC: Instrução Normativa Con-junta – Mesma função da IN, porém elaborada por diversas diretorias. RO: Resolução Operacional – Utilizada nas questões de decretações/encerramento/prorrogação de direções técnicas, fiscais, portabilidade e liquidação extrajudicial. RE: Resolução Especial – Mesma função das RN. Súmula: Busca esclarecer entendimentos da ANS acerca de determinada norma. Comunicado: Busca informar o mercado sobre prorrogações de prazos para o cumprimento do envio de informações à ANS.

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CAPÍTULO 2 | REGULAÇÃO SETORIAL: TEORIA E PRÁTICA 87

TABELA 11 – HISTÓRICO DOS REAJUSTES DO PLANO INDIVIDUAL,IPCA E VARIAÇÃO DA DESPESA ASSISTENCIAL PER CAPITA

AnoReajuste

(%)IPCA¹ (%)

∆ (%) Despesa assistencial per capita

Reajuste – IPCA (%)

Reajuste – ∆ (%) Despesa assistencial per capita

2015¹ 13,55 8,17 13,66 5,38 -0,11

2014 9,65 6,28 13,36 3,37 -3,71

2013 9,04 6,49 11,16 2,55 -2,12

2012 7,93 5,10 11,98 2,83 -4,05

2011 7,69 6,51 12,03 1,18 -4,34

2010 6,73 5,26 4,77 1,47 1,96

2009 6,76 5,53 8,99 1,23 -2,23

2008 5,48 5,04 10,09 0,44 -4,61

2007 5,76 3,00 17,33 2,76 -11,57

2006 8,89 4,63 6,44 4,26 2,45

2005 11,69 8,07 8,99 3,62 2,70

2004 11,75 5,26 7,50 6,49 4,25

2003 9,27 16,77 10,87 -7,50 -1,60

2002 7,69 7,98 15,87 -0,29 -8,18

2001 8,71 6,61 n.d 2,10 n.d

2000 5,42 6,77 n.d -1,35 n.d

Fontes: IBGE – Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor IPCA – IPCA Saúde – INPC (abr/00-abr/15) – Extraído em 24/6/15. ANS – Índice de reajuste anual autorizado para planos de saúde individuais ou familiares contratados a partir de janeiro de 1999. Extraído em 24/6/15.

Ao longo do período de 2000 a 2015, apenas nos anos 2000, 2002 e 2003, os reajustes apli-cados aos planos individuais ficaram aquém da inflação medida pelo IPCA. Mas como vere-mos adiante, o reajuste acumulado dos planos individuais ao longo do período 2002/2015 foi de 220,8%. Neste mesmo período, a inflação medida pelo IPCA foi de 147,2% e a variação da despesa assistencial per capita foi de 324,6%. Esses dados mostram uma variação da despesa real, per capita, de 71,8%. Mais adiante vamos analisar tanto as causas como as consequências de uma taxa de variação de despesas médicas acima da inflação no longo prazo. Por enquanto, vamos analisar as Fases da Regulação.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL88

2.5.1 PRIMEIRA FASE – AS NORMAS DO CONSU (1999) E O INÍCIO DA ANS

A primeira fase foi de 1999 até 2003. Durou, portanto, cinco anos e teve os seguintes fatos relevantes:

As 23 Resoluções foram bastante amplas. Exemplos dos temas regulados pelo CONSU: 1) sanções aplicáveis aos procedimentos e atividades lesivas a assistência de saúde suplementar, 2) Contrato de Gestão a ser celebrado entre o Ministério da Saúde e a ANS; 3) condições e prazos previstos para adaptações dos contratos em vigor à data de vigência da legislação específica; 4) critérios e parâmetros de variação das faixas etárias para efeito de cobrança diferenciada, 5) mecanismos de regulação (franquia e coparticipação); 6) rol de procedimentos e eventos em saúde; 7) cobertura do atendimento nos casos de urgência e emergência; e 8) ressarcimento ao SUS e Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos – TUNEP.

• A criação da ANS e suas resoluções (2000): inúmeras resoluções

Criada pela Lei 9.961/00 coube à ANS fazer com que as operadoras cumprissem a Lei 9.656/98, fiscalizando a atuação dessas empresas. Entre as suas funções estão autorizar e fiscalizar as empresas que comercializam planos de saúde, autorização dos produtos que podem ser comercializados, estabelecimento das regras econômico-financeiras, definição dos reajustes aplicados nos planos individuais, aplicação de multas e outras penalidades, encaminhar à liquidação extrajudicial e autorizar o liquidante a requerer a falência ou insol-vência civil das operadoras. Apesar da grande área de atuação, a ANS não possui em seu escopo, a legitimidade para regular os demais participantes do mercado de saúde suple-mentar como prestadores hospitalares, laboratoriais, médicos e a indústria produtora de materiais, equipamentos e medicamentos.

Os primeiros anos da regulação foram intensos, pois se seguiu a longo período de atividade sem regulamentação específica e de modelos jurídicos e de negócios absolutamente distintos.

• A ótica do consumidor pela padronização do contrato

A Lei 9.656/98 e posteriormente a criação da ANS trouxeram inovações para os consumi-dores, principalmente com a homogeneização e ampliação da cobertura assistencial dos contratos de planos de saúde com a obrigação de oferecer cobertura para todas as doen-ças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacio-nados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, a CID-10, além da proibição da limitação do número de consultas, exames e de prazo para internações. Adicionalmente, a legislação trouxe também como benefício o princípio da não discriminação dos consu-midores, em função do seu estado de saúde. Os contratos foram classificados em três tipos: planos antigos, planos adaptados e planos novos. Os planos antigos são aqueles contratos firmados anteriormente à Lei 9.656/1998, antes, portanto, de 02/01/1999, quan-do a Lei entrou em vigor, e como são anteriores à legislação a cobertura é a que consta no contrato celebrado entre a operadora e o consumidor. Eis um tema que ainda produz

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CAPÍTULO 2 | REGULAÇÃO SETORIAL: TEORIA E PRÁTICA 89

Judicialização no setor quando consumidores de contratos antigos buscam direitos garan-tidos aos contratos novos.80

• As ações judiciais e de consumeristas sobre os contratos antigos

Em 2003, com o objetivo de incentivar as OPS a oferecerem aos consumidores de planos antigos condições especiais de adaptação, migração e modificação especial, a ANS criou, a partir da RN 63/03 o Programa de Incentivo à Adaptação de Contratos – PIAC. Inicialmente, entre os benefícios para os consumidores estavam a limitação percentual do ajuste no valor da mensalidade e prazos diferenciados para o cumprimento da carência. Em 2004, por de-cisão liminar do Juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Pernambuco, os efeitos do PIAC foram contestados. Em setembro de 2004 o PIAC foi encerrado.

• O controle severo dos reajustes provocando defasagem

O reajuste autorizado pela ANS em 2000 foi de 5,42% enquanto naquele ano, o IPCA foi de 6,77% anualizados até a data do reajuste em abril. É sabido que a variação dos custos mé-dico-hospitalares cresce a uma taxa superior a qualquer índice de inflação, por razões que detalharemos mais adiante. Ao longo do período de 2000 a 2015, como mostra a Tabela 11, apenas em 2000, 2002 e 2003, os reajustes aplicados aos planos individuais ficaram aquém da inflação medida pelo IPCA.

• Início da Regulação Prudencial e estabelecimento das Garantias Financeiras

A ANS, mediante a Diretoria de Normas e Habilitação de Operadoras conduziu a câmara técnica que deu origem a RDC nº 77/01, que estabeleceu as primeiras regras de solvência no mercado de saúde suplementar. Vale lembrar que apenas as seguradoras deveriam ob-servar essas regras enquanto as demais operadoras não precisavam observar regras de prudência financeira para a sobrevivência dos negócios e cumprimento dos contratos.

• Mudança no modelo de reajustes de preços dos planos Individuais

Funcionou entre 2000 e 2001 a câmara técnica de reajuste de preços conduzida pela Dire-toria de Normas e Habilitação de Produtos da ANS, com participação de todas as entidades representativas. O resultado da câmara foi o estabelecimento da regulação conhecida como de yardstick que utiliza a média ponderada das variações de preços dos planos coletivos para limitar o reajuste dos planos individuais.

80 Veja Alves, Sandro Leal (2004) Op. Cit. sobre os efeitos quanto à padronização dos produtos. A criação de produtos amplos e padronizados pode produzir seleção adversa no mercado na medida em que dificulta o mecanismo de autosseleção de consumidores além de inibir a inovação e reduzir o leque de escolhas. A favor da padronização, destaca-se o argumento da assimetria de informações segundo o qual o consumidor estaria em posição desfavorável e precisaria que alguém o ajudasse a escolher, no caso o governo.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL90

• Estatuto do Idoso e revisão das regras de reajuste por faixas etárias

Em 2003 o governo federal criou o Estatuto do Idoso, com a Lei 10.741/03. Entre as suas definições ficou estabelecido que são considerados idosos pessoas com idade igual ou superior a 60 anos e que estes não podem sofrer discriminação nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade. Ainda, foi previsto o direito a acom-panhante nos casos de internação. Com o advento da Lei, a ANS precisou rever as faixas de reajuste por idade. Até 2004 existiam sete faixas de reajustes, sendo a última aos 70 anos. Após 2004, a ANS redefiniu 10 faixas de reajustes sendo a última nos 59 anos e determina, que o valor fixado para a última faixa etária (59 anos ou mais) não pode ser superior a seis vezes o valor da primeira faixa (0 a 18). A RN 63/03 determina, também, que a variação acu-mulada entre a sétima e a décima faixas não pode ser superior à variação acumulada entre a primeira e a sétima faixas.

• Intervenções em operadoras

Em 2002 a Climed foi a primeira operadora a sofrer liquidação extrajudicial demandada pela ANS. Neste ano mais seis operadoras sofreram liquidação.

TABELA 12 – LIQUIDAÇÕES EXTRAJUDICIAIS DECRETADAS

Período RO¹

1999-2003 19

2004-2009 102

2010-2012 64

2013-2014 35

2015² 6

Total 226

Fonte: Site ANS. Disponível em <http://www.ans.gov.br/legislacao/busca-de-legislacao>. Acessado em 24/6/15.

Notas: ¹Consideradas as Resoluções Operacionais que decretaram liquidação extrajudicial. O número não reflete a quantidade de operadoras, pois a mesma pode ter duas ou mais decretos de liquidação. ²Dados até 24/6/15.

• Definição da segmentação e classificação das modalidades de operações

Uma câmara técnica foi aberta para alocar a estrutura de modalidades de empresas que fun-cionavam com modelos de negócios diferentes, constituição jurídica distinta, culminando na RDC 39 /2000 que dispõe sobre a definição, a segmentação e a classificação das operadoras.

• A ADIN e o reajuste “livre” dos planos antigos

No caso dos planos individuais com cobertura médico-hospitalar, aqueles contratados anteriormente a 1999, existe liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal (ADIN 1931-

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CAPÍTULO 2 | REGULAÇÃO SETORIAL: TEORIA E PRÁTICA 91

8 de 03 de setembro de 2003) que permite às operadoras aplicarem a regra de reajuste estabelecida no contrato assinado entre a pessoa física e a operadora. Portanto, o reajuste não depende de autorização prévia da ANS. Caso a regra de reajuste prevista no contrato não seja clara, o reajuste anual deve estar limitado ao reajuste máximo estipulado pela ANS ou por meio da celebração de Termo de Compromisso com a Agência e neste caso, há necessidade de autorização prévia.

• CPI dos Planos de Saúde e o Fórum de Saúde Suplementar

Em 2003, foi instalada a CPI dos Planos de Saúde, que teve como objetivo investigar de-núncia de irregularidades na prestação de serviços por operadoras de planos de saúde. Em seu relatório final a CPI fez recomendações de medidas legislativas e técnicas. Entre as recomendações estavam a proibição da cobrança de cheque caução, desenvolvimento de mecanismos para permitir a mobilidade do beneficiário entre os planos e a criação da central de atendimento da ANS. Logo após a CPI, o Ministério da Saúde, via o Conselho Nacional de Saúde, e a ANS, realizaram o Fórum de Saúde Suplementar com objetivo de aprofundar os debates apresentados na CPI e debater as questões de atenção à saúde, aspectos eco-nômico-financeiros e institucionais.

2.5.2 SEGUNDA FASE – DE 2004 A 201081

• A manutenção do controle restritivo de reajustes

Entre 2004 a 2010 o reajuste acumulado da ANS foi 72,76%, contra 43,04% do IPCA. Neste ciclo tivemos duas atualizações do Rol de Procedimentos, sendo que a atualização de 2008 incluiu mais 100 novas coberturas, tais como consultas multiprofissionais, procedimentos contraceptivos, transplantes autólogos, entre outras.

• A reação e a flexibilização dos reajustes dos planos antigos via Termos de Compromisso de Condutas assinadas entre algumas operadoras e a ANS (TC’s)

O reajuste a ser aplicado aos contratos firmados individualmente até 1º de janeiro de 1999 e não adaptados à Lei 9.656 e cujas cláusulas de reajuste não prevejam índices claros e ex-plícitos (IGPM, IPCA, ou qualquer outro divulgado publicamente e que ainda esteja em vigor) foram objeto de Termos de Compromisso firmados entre a ANS e algumas operadoras. São exceções a essa regra as operadoras que assinaram Termo de Compromisso com a ANS para estabelecer a forma de apuração do percentual de reajuste a ser aplicado aos contratos firma-dos antes de 1º de janeiro de 1999 e não adaptado à Lei 9.656. Nestes casos, os percentuais autorizados para o reajuste anual por variação de custos são diferenciados por operadora.

Algumas operadoras assinaram Termo de Compromisso com ANS82 com o objetivo de ajus-tar os reajustes dos contratos anteriores à Lei 9.656. Estes reajustes seguem metodologia

81 Nos anos de 2004 até 2009 ocorreram o maior volume de liquidações extrajudiciais na ANS, 102 no período. 82 Bradesco Saúde, Sul América, Itauseg, Golden Cross, Amil e Porto Seguro. Fonte: www.ans.gov.br.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL92

que utiliza o índice da variação do custo médico hospitalar – VCMH dos planos individuais firmados antes da Lei, e não adaptados, apurado pela operadora, sendo comparado com as demais operadoras da mesma classificação, segmento e porte. Ainda será autorizado pela ANS, como índice a ser aplicado na operadora, a VCMH da empresa que apresentar índices de frequência de utilização e custo unitário que comprovem, no julgamento da ANS, comportamento mais eficiente em relação à variação das despesas assistenciais apuradas pelo Sistema de Informação de Produtos – SIP. A VCMH a ser utilizada como parâmetro para o índice de reajuste deverá ser certificada por auditoria independente e pela ANS.

• A interferência do judiciário nos reajustes aumentando a incerteza

A Figura 6 a seguir apresenta, cronologicamente, as frequentes alternâncias nas regras de reajustes dos planos individuais observadas em 2005. Diversas foram as liminares con-cedidas por diferentes Unidades da Federação obrigando as seguradoras a reajustarem seus contratos antigos a um valor inferior ao definido pelo órgão regulador que foi de 25,8%. Esse valor procurava recuperar uma parte dos subreajustes concedidos nos anos anteriores e que foram responsáveis por desequilíbrios atuariais nas carteiras individuais. A variância dos rejustes ao longo do período resulta de um processo de judicialização que certamente aumentou o risco judicial das operações de planos de saúde. Um exercício interessante seria observar o efeito das decisões sobre os preços e quantidades de planos oferecidos por unidade da federação. Será que as decisões judiciais protetivas inibiram o desenvolvimento do mercado nas Unidades da Federação em que há mais contestação?

FIGURA 6 – CRONOLOGIA DAS MUDANÇAS NAS REGRAS DE REAJUSTE DOS PLANOS INDIVIDUAIS ANTIGOS (2004)

%

25,8BR BR BR

Demais UF’s

Demais UF’s

Demais UF’s

Demais UF’s

Demais UF’s

15,67RJRJRJ

11,69SP BA/SPBA/SP BRBR BA/SP BA/SP

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16/06 13/07 21/07 8/8 9/8 14/8 23/9 6/10 25/10 período

Fonte: Alves, Sandro Leal (2006).

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CAPÍTULO 2 | REGULAÇÃO SETORIAL: TEORIA E PRÁTICA 93

• Contratualização

Demanda frequente das entidades representativas dos prestadores, a contratualização foi regulamentada. Nesta fase houve o lançamento do Guia de Contratualização da ANS com o objetivo de dar maior publicidade, de forma consolidada, às normas que regem as rela-ções entre os prestadores de serviços de saúde e as operadoras e evitar conflitos. Foram publicadas as Resoluções Normativas RN 42/03, 54/03, 71/04 e IN 49/12 que estabeleceram requisitos mínimos para os contratos entre prestadores e operadoras, em especial a IN 49/12 que trouxe para a regulação da ANS as formas de reajustes, atuando ativamente na relação comercial entre as partes.

• Troca de Informações em Saúde Suplementar (TISS)

Em novembro de 2005, foi editada a RN 114/05 que lançava o TISS com o objetivo de cor-rigir uma lacuna na saúde suplementar identificada como a falta de interoperabilidade dos diversos sistemas de informação existentes no mercado, principalmente nas terminologias, guias de procedimentos e processos/fluxos de autorização.

Neste mesmo ano foi criado o Comitê de Padronização das Informações em Saúde Suple-mentar – COPISS tendo como finalidade promover o desenvolvimento e o aperfeiçoamento do padrão TISS e da troca eletrônica de informações entre as operadoras de planos de saú-de, os prestadores de serviços de saúde e a ANS. No COPISS participam representantes de prestadores e operadoras. Ao longo dos anos a TISS foi sendo aperfeiçoada, via normativos que trouxeram para o mercado padronização das guias de solicitação, processo de fatura-mento, adoção da Terminologia Unificada na Saúde Suplementar (TUSS) para os segmen-tos médico e odontológico, com o foco na padronização das informações que circulam na saúde suplementar.

Em 2013, a TISS sofreu profunda alteração, com a reformulação total das atuais guias/men-sagens, a padronização das mensagens que vão para o beneficiário e a obrigatoriedade das operadoras em enviar, mensalmente, toda sua despesa assistencial à ANS. Esta última mudança permitiu que ANS pudesse avançar em novas formas de monitorar as operadoras e avançar na transparência do setor. Ressalta-se que grande parte das mudanças do Padrão TISS envolve um alto gasto das operadoras na atualização dos seus processos e sistemas de informação e tecnologia.

• Programa de Qualificação (IDSS)

Em 2006, com objetivo de trazer mais qualidade de informação para o consumidor a ANS lançou o programa de Qualificação da Saúde Suplementar (RN 139/06). O programa desen-volveu um conjunto de indicadores para avaliar a qualidade das operadoras de saúde nas dimensões de atenção à saúde, econômico-financeira, estrutura e operação e de satisfação do beneficiário. Ao longo dos anos esses indicadores foram sendo ajustados, via normativos da ANS (IN DIGES 04/09, IN DIGES 06/09, IN DIGES 07/09, IN DIGES 10/10). Em 2010, foi aberta a câmara técnica para reavaliar os indicadores e os pesos da pontuação de cada dimensão. Os indicadores estão disponíveis para consulta no site da ANS.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL94

• Incentivo aos Programas de Promoção da Saúde e Prevenção de Doenças

A RN 94 foi a primeira iniciativa da ANS no sentido de estimular que as operadoras de pla-nos de assistência à saúde implantassem ações de Promoção da Saúde e Prevenção de Riscos e Doenças para seus beneficiários. A Norma previu o diferimento da cobertura com ativos garantidores da provisão de risco condicionada à adoção de programas de promo-ção e prevenção. A ANS lançou uma nova estratégia de estímulo ao desenvolvimento de Programas de Promoção da Saúde e Prevenção e Controle de Riscos e Doenças, por meio da INC DIPRO/DIOPE 01.

• Revisões do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúd

O primeiro rol de procedimentos estabelecido pela ANS foi o definido pela Resolução de Conselho de Saúde Suplementar – Consu 10/98, atualizado em 2001 pela Resolução de Di-retoria Colegiada – RDC 67/2001, e novamente revisto nos anos de 2004, 2008, 2010, 2011 e 2013, pelas Resoluções Normativas 82, 167, 211, 262 e 338, respectivamente. Ao longo das atualizações foram introduzidas novas coberturas como procedimentos por vídeo, quimio-terápicos orais, procedimentos odontológicos, exames de genética, bem como ampliação do número de consultas para outros profissionais da saúde (fonoaudiólogo, nutricionista, terapeuta ocupacional e psicólogo).

• A intensificação das regras de solvência

A ANS publicou ao final de 2009 diversas normas alterando as garantias financeiras do setor e o plano de contas padrão. Basicamente, as normas unificam as regras das seguradoras e operadoras, incorporam os pronunciamentos técnicos emitidos pelo Comitê de Pronuncia-mentos Contábeis – CPC e alteram a contabilização das contraprestações pelo seu rateio diário, com a consequente reversão da Provisão de Risco.

Resumo das normas:

– RN 206 – Alteração na contabilização das contraprestações e prêmios (contabilização da receita pró-rata/dia, fim da provisão de risco).

– RN 207 – Revisão do Plano de Contas Padrão.

– RN 208 – Altera a RN 206 (insuficiência de ativos garantidores da Provisão de Risco).

– RN 209 – Critérios de manutenção de recursos próprios mínimos, dependência ope-racional e provisões técnicas.

– IN 38 – Define os ajustes por efeitos econômicos no patrimônio.

– IN 37 – Incorpora à legislação de saúde suplementar as diretrizes dos Pronunciamen-tos Técnicos emitidos pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC e aprova-dos pelo Conselho Federal de Contabilidade – CFC.

– IN 36 – Regulamenta a RN 207.

– IN 32 – Regulamenta o procedimento de reconhecimento contábil dos valores referen-tes à Provisão de Sinistros a Liquidar e Eventos a Liquidar.

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CAPÍTULO 2 | REGULAÇÃO SETORIAL: TEORIA E PRÁTICA 95

A normatização da ANS objetivou, por um lado, unificar a regulação prudencial entre as se-guradoras especializadas em saúde e as operadoras das demais modalidades e, por outro, adotar práticas mais atuais na regulação prudencial. Vale lembrar que a ANS faz parte do Comitê de Solvência do International Association of Insurance Supervisors – IAIS e participa das discussões regulatórias internacionais.

As seguradoras, como se sabe, tiveram suas regras de garantias financeiras congeladas nas regulações da SUSEP e na Resolução do Conselho Nacional de Seguros Privados nº 36 de 2000 pela RDC 65/2001, da ANS. Dentre as principais alterações, trazemos de forma resumida:

• Mudança no momento do registro da receita. Esta, pelas regras antigas, era contabiliza-da integralmente no primeiro dia de cobertura de risco. Pela RN 206, a contabilização se faz da forma pró-rata dia. Tal mudança implica o fim da necessidade da provisão de risco, constituída mensalmente e lastreada por ativos garantidores, para garantir a parcela das contraprestações cuja vigência do risco não tenha findado;

• Reversão da Provisão de Risco. O fim da provisão de risco permite, para as operadoras que estavam suficientes com as regras de garantias financeiras vigentes, a liberação dos ativos garantidores que a lastreavam para a cobertura da Provisão para Eventos Ocor-ridos e Não Avisados – PEONA em até 72/72 avos. Lembrando que em janeiro de 2010 completaram-se dois anos de um total de seis para a constituição completa da PEONA, portanto o prazo atual é de 36/72 avos da PEONA. O eventual excesso de ativos deve ser alocado na provisão para eventos a liquidar, também criada pela RN 209. O prazo para a constituição dos ativos garantidores da provisão para eventos a liquidar foi discutida em câmara técnica em 2010;

• Ainda no tema reversão da provisão de risco e liberação de ativos, a ANS editou norma (RN 208) onde estabelece que a eventual insuficiência de ativos garantidores da provisão de risco em 31/12/09 será considerada insuficiência de ativos para PEONA e eventos a liquidar. Ou seja, diante da possibilidade da norma soar como anistia para as empresas que não cumpriam as regras, a ANS adotou a postura continuar cobrando os ativos não alocados anteriormente;

• Fim da Provisão para Prêmios Não Ganhos (PPNG) das seguradoras especializadas em saúde com respectiva liberação de ativos das empresas que já lastrearam a totalidade dos Sinistros Ocorridos e Não Avisados (Incurred But Not Reported – IBNR) e o sinistro a liquidar;

• Ativos garantidores devem ter liquidez. Fim da imobilização dos ativos permitido anterior-mente pela RDC 77. Os imóveis que serviam como garantia de até 90% da provisão de risco, devem ser desvinculados junto aos cartórios competentes. Os ativos garantidores das seguradoras continuam sendo regulados pelo Conselho Monetário Nacional;

• Atualização do Capital Base para o início das operações – De R$ 4,5 milhões para R$ 5.001.789,60 (aumento de 11,1%), sendo que o fator K, que são os percentuais variáveis segundo a região de atuação e a modalidade, permaneceu inalterado. Importante obser-var que para as seguradoras, o capital mínimo é sempre de R$ 5.001.789,60 independen-temente da região de atuação;

• A RN 209 revogou a RDC 65 da ANS (da especialização e que convalidava as regras CNSP até 2000). Com esta revogação, todas as provisões que não foram regulamentadas pela ANS (PIP, por exemplo) deixam de ser obrigatórias. Na realidade, as provisões adicionais já realizadas pelas seguradoras passam para a rubrica “outras provisões técnicas”;

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL96

• Margem de Solvência: O cálculo leva em conta os últimos doze meses de receita e os últimos 36 meses de sinistros. Antes, para as seguradoras, era de 36 meses de receita e 60 de sinistros. Portanto, para as seguradoras que observaram aumento na sinistralidade no passado recente, a regra deve impor maior volume de margem de solvência. A norma também dá o prazo até o fim de 2010 para eventuais ajustes de capital necessários para adequação da margem de solvência; e

• Incorporação do resultado financeiro no resultado operacional. Esta mudança nas de-monstrações contábeis equipara as demonstrações utilizadas nos mercados securitários na medida em que se considera o resultado da operação como um todo como sendo a soma da gestão assistencial e da gestão dos recursos financeiros.

Resumindo, agora todas as operadoras de planos de saúde devem constituir as seguintes provisões:

– Eventos/sinistros a liquidar;

– PEONA;

– Remissão; e

– Outras Provisões.

• Aberturas de empresas e Oferta Pública de Ações – Initial Public Offering (IPO’s)

Em meados da década passada, o setor de saúde suplementar movimentou o mercado de capitais. A expansão do setor, viabilizada com o crescimento econômico, especialmente das classes C e D atraiu os olhares dos investidores e a saúde foi à bolsa de valores. Em 2004 ocorreu a primeira IPO de uma empresa do ramo de Saúde (Porto Seguro). Dois anos depois, a Medial Saúde e Odontoprev seguiram o mesmo caminho. Em 2007, ocorreu o maior volume de IPO, no total de três empresas (Sul América, Amil e Tempo Saúde). A última empresa a realizar IPO foi a Qualicorp em 2011 e 2012. A Medial foi comprada pela Amil em 2009, que por sua vez, fechou o capital ao ser adquirida pela United Health em 2012.

2.5.3 TERCEIRA FASE – DE 2010 A 2012

• Regulação das administradoras de benefícios e dos planos coletivos por adesão

Em 2009, a ANS regulamentou a área de atuação das administradoras de benefícios (RN 196/09), definindo que as administradoras poderão contratar plano coletivo na condição de estipulante ou prestar serviços para pessoas jurídicas contratantes de planos privados coletivos de assistência à saúde, podendo, inclusive, efetuar a cobrança ao beneficiário por delegação. As administradoras de benefícios não possuem carteira própria de beneficiários e atuam apenas como intermediação entre os clientes e os planos de saúde. Os planos coletivos por adesão também sofreram ajustes com a RN 195/06 que passou a exigir das operadoras a comprovação da legitimidade da pessoa jurídica contratante e a condição de elegibilidade do beneficiário.

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CAPÍTULO 2 | REGULAÇÃO SETORIAL: TEORIA E PRÁTICA 97

• Retomada da câmara técnica de reajuste de preços

Em 2010, a ANS realizou uma câmara técnica com o objetivo de discutir a atual sistemática de reajustes dos planos individuais, com vistas à construção de um possível novo modelo para o setor. O modelo proposto deveria refletir com maior eficiência a variação dos custos na saúde suplementar, contemplando, ainda os esforços das operadoras de planos de assistência à saúde para melhoria da produtividade/qualidade/eficiência em suas ativida-des. Também, foi avaliada a previsão de capturar eventuais variações geradas por eventos exógenos nos custos dos planos individuais e/ou familiares. Em outubro de 2010, a câ-mara técnica foi suspensa para a formação de um grupo técnico encarregado de realizar estudos da nova metodologia. Depois de vários estudos, à ANS chegou à conclusão de que é necessária a ampliação da série histórica dos dados das operadoras, para que seja possível reavaliar a evolução dos custos do setor. Com isso, a câmara técnica foi encerra-da sem concluir o debate.

• Regulação do pool de risco de carteiras até 30 vidas

Em 2011, após notícias reverberadas sobre elevados reajustes aplicados em pequenas e médias empresas, a ANS instalou câmara técnica com o objetivo de discutir a introdução do Pool de Risco para apuração do reajuste anual de contratos coletivos com menos de 30 beneficiários. Após debates na câmara, foi aberta uma consulta pública sobre o tema, que resultou na RN 309/12. A resolução previu que a operadora é obrigada a formar um agrupamento com todos os seus contratos coletivos com menos de 30 beneficiários para o cálculo do percentual de reajuste que será aplicado a esse agrupamento. O agrupamen-to foi realizado em três subgrupos: planos sem direito a internação; internação sem obs-tetrícia e internação com obstetrícia. As operadoras tiveram um ano para aditar os atuais contratos as novas regras.

• Regulação do pool de risco de inativos e dos art. 30 e 31 da Lei 9.656

Em 2010, a ANS abriu uma câmara técnica para regulamentar os artigos 30 e 31 da Lei 9.656 que tratam da possibilidade de permanência no plano de saúde nos casos de aposentado-ria ou demissão sem justa causa. A necessidade de nova regulamentação era importante, em função dos questionamentos encaminhados à ANS sobre o tema que não encontraram resposta nos normativos em vigor. No final de 2011, a ANS regulamentou os artigos na RN 279/11. A resolução define algumas regras tais como, o direito de extensão do plano de saúde para planos contributivos celebrados após 1º de janeiro de 1999, ou anteriores a esta data, mas adaptados à Lei 9.656. A contribuição é definida como qualquer valor fixo pago pelo empregado, inclusive desconto em folha de pagamento, exceto coparticipação em eventos ou franquia e valores pagos relacionados aos dependentes/agregados; tempo de contribuição; a permanência dos dependentes em caso de morte do titular do plano.

Entretanto, o principal ponto da regulamentação está na possibilidade da operadora for-matar um pool de risco apenas com os inativos. A criação deste grupo de risco específico para inativos traz maiores riscos à operação, na medida em que a precificação e o reajuste baseados no custo do risco dessa classe terá enorme dificuldade de prosperar, seja em função da restrição orçamentária, seja mediante a provável Judicialização do tema. Ainda

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL98

em 2012, algumas entidades das operadoras tentaram judicialmente mostrar os impactos negativos da regulamentação.83

• Novo Modelo de remuneração entre os agentes

A ANS e representantes dos hospitais e das operadoras de planos de saúde assinaram, em 6/12/2012, acordo para adoção de novos modelos de remuneração dos atendimentos feitos aos clientes dos planos de saúde, buscando a utilização de boas práticas de gestão, tanto nos hospitais quanto nos planos de saúde. No atual modelo de remuneração dos hospitais, denominado “conta aberta por unidade de serviço” (fee-for-service), cada item utilizado na internação do paciente é detalhado na conta, após um processo de faturamento em que profissionais de saúde contratados pelo hospital analisam a internação. Nesse modelo, os planos de saúde também têm grandes equipes contratadas para rever as contas e discutir valores e quantidades cobrados. No novo modelo proposto o peso administrativo é menor, pois os itens frequentes em uma internação passam a ser cobrados de forma agrupada. O objetivo é fazer com que os hospitais passem a oferecer produtos completos aos planos de saúde. Para isso, os hospitais teriam que reformular os protocolos e diretrizes para reali-zação de cada tipo de procedimento. Para o desenvolvimento da referida proposta, a ANS coordenou um grupo de trabalho composto por representantes dos hospitais e dos planos de saúde. O tema ainda aguarda equacionamento por parte dos agentes envolvidos.

• Busca pela divulgação de indicadores de qualidade – QUALISS

O Programa de Qualificação de Prestadores de Serviços de Saúde – QUALISS foi uma ação da ANS para estimular a qualificação dos prestadores de serviços na saúde suplementar, via atuação das operadoras. O intuito foi ampliar o poder de avaliação e escolha de prestadores de serviços por parte das operadoras e dos beneficiários de planos de saúde. O programa foi desenvolvido pela ANS em parceria com os representantes dos prestadores, dos consu-midores, das operadoras, das instituições de ensino e pesquisa, da Anvisa e do Ministério da Saúde. O QUALISS foi estruturado em dois componentes: Divulgação da Qualificação dos Prestadores de Serviços e Monitoramento da Qualidade dos Prestadores de Serviços. O Monitoramento constitui um dos itens da Divulgação da Qualificação, e foi planejado para se desenvolver em etapas. Após a conclusão da 2ª etapa dos indicadores, encerrou-se o pro-cesso de desenvolvimento do programa. Atualmente, o programa está sendo reestruturado.

• Formatação de redes de prestadores

Desde 2009, uma série de transações envolvendo hospitais, laboratórios e farmácias alavan-cou a consolidação de grandes redes no Brasil. Em julho, o BTG Pactual, formou a quinta maior rede de farmácias do país ao adquirir o controle da última de uma série de três empre-sas nas regiões Nordeste e Centro-Oeste. Dois meses depois, o fundo americano de private equity Carlyle, adquiriu o controle da Qualicorp. Por fim, no início de setembro, a Rede D’Or de hospitais adquiriu o Hospital São Luiz, em São Paulo. A operação criou o maior grupo privado de hospitais do país. Esses foram os maiores negócios num universo crescente de

83 Cechin, José e Alves, Sandro Leal (2012) apresentam aspectos econômicos da questão. O pool de inativos tende a acelerar a velocidade de crescimento dos custos para os aposentados, prejudicando a solidariedade com os empregados ativos.

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CAPÍTULO 2 | REGULAÇÃO SETORIAL: TEORIA E PRÁTICA 99

operações de consolidação. Além da operação envolvendo a compra do Hospital São Luiz, outras cinco transações ocorreram entre janeiro e setembro deste ano, movimentando um total de 1,5 bilhão de reais. A consolidação também atinge outros grupos hospitalares e la-boratórios, com aquisições realizadas pela Rede de Esho do Grupo Amil e as aquisições de laboratórios do Grupo Dasa. Ao todo, foram realizadas 31 operações envolvendo empresas ligadas ao setor de saúde num período de um ano e meio.84

• Verticalização da produção

Estudo realizado pela ANS com dados de 201385 constatou que dos 2.966 hospitais que possuem informação no CNES e com leitos disponíveis à saúde privada, 338 são vertica-lizados. Em termos absolutos, São Paulo tem a maior quantidade. Mato Grosso é o único estado onde não há nenhum hospital verticalizado. Quase todos os estados da Federação apresentam quantidade média de leitos em hospitais verticalizados ofertados à iniciativa privada maior do que a média de leitos em hospitais não verticalizados. As exceções são os estados do Amapá, Tocantins, Maranhão, Sergipe e Distrito Federal. Trataremos dos prós e contras da verticalização no capítulo seguinte.

• Garantias e prazos de Atendimento

No final de 2010 a ANS realizou pesquisa com as operadoras para identificar o tempo médio utilizado na liberação de procedimentos. A pesquisa não teve nenhum motivo especificado. Após esta pesquisa a ANS regulamentou o prazo de atendimento dos serviços de saúde que deverão ser garantidos aos consumidores. O atendimento às consultas, exames e ci-rurgias nos prazos máximos definidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), vão de três a 21 dias, dependendo do procedimento, contados da sua solicitação junto à operadora. As regras foram regulamentadas na RN 259/11. A norma também garantiu que o beneficiário tenha acesso a tudo o que contratou, determinando que a operadora ofereça pelo menos um serviço ou profissional em cada área contratada, mas não garante que a alternativa seja a de escolha do beneficiário. Está prevista, ainda, a garantia do transporte do consumidor caso não haja oferta de rede credenciada em seu município e nos municí-pios limítrofes. Onde não existirem prestadores para credenciamento, a operadora poderá oferecer a rede assistencial nos municípios vizinhos que pertençam a sua região de saúde.

• Ampliação das regras de portabilidade

Em 2010 a ANS realizou câmara técnica para rever as regras de Portabilidade Especial para os casos de liquidação extrajudicial de operadoras, e a possibilidade de extensão da previsão contida na RN 186/09 para os beneficiários detentores de planos coletivos por adesão na origem, bem como ampliação do período para o exercício da portabilidade que era limitado ao mês de aniversário do contrato do beneficiário e o subsequente. Após três reuniões o tema foi objeto de consulta pública e regulamentado na RN 252/11. As novas regras deixaram a abrangência geográfica do plano como critério para a compatibilidade entre produtos, o período para o exercício da portabilidade passa para quatro meses, a

84 :http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Acao/noticia/2015/04/carlyle-investe-r-175-bilhao-na-rede-dor-de-hospitais.html85 Nota nº 03 – Projeto 4.1 da Agenda Regulatória – 17/7/2014. www.ans.gov.br.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL100

partir do mês de aniversário do contrato e a permanência mínima no plano é reduzida para um ano a partir da segunda portabilidade. O direito à portabilidade foi estendido aos bene-ficiários de planos coletivos por adesão novos ou adaptados. Foi instituída a portabilidade especial para o beneficiário de operadora que tenha seu registro cancelado pela ANS ou que esteja em processo de Liquidação Extrajudicial, caso a transferência compulsória de carteira tenha sido frustrada.

2.5.4 QUARTA FASE – DE 2012 A 2015

• Suspensão de Comercialização com grande repercussão na mídia

Em 2010, a ANS realizou uma consulta pública com o objetivo de criar um procedimento de Notificação de Investigação Preliminar – NIP. Na sua primeira formatação, regulamentada pela RN 226/10, a NIP tinha apenas a função de solucionar os conflitos assistenciais, por demandas de negativa de cobertura. No ano seguinte, com a regulamentação dos prazos de atendimento à ANS desencadeou um processo de monitoramento assistencial e acom-panhamento das garantias de atendimento. A NIP foi considerada o insumo principal para estes novos processos. No final de 2011, a ANS divulgou, pela primeira vez, o número de reclamações recebidas pela NIP. Em 2012, ANS realizou três ciclos de monitoramento da garantia de atendimento e, pela primeira vez, suspenderam a comercialização de alguns planos de saúde de algumas operadoras. Esta ação teve grande repercussão na imprensa.

Com o resultado positivo, a ANS reviu o campo de atuação da NIP e ampliou o seu escopo na RN 343/13, alterando o nome para Notificação de Intermediação Preliminar – NIP e crian-do um desdobramento entre NIP assistenciais e não assistenciais. As operadoras, por sua vez, sempre se manifestaram sobre a fragilidade da metodologia da ANS utilizada para ava-liar e suspender as operadoras. Os argumentos foram pertinentes ao que fez com que ANS instaurasse um Grupo Técnico Permanente de Estudos da Metodologia do Monitoramento da Garantia de Atendimento com o objetivo de trocar informações entre a sociedade e a Agência em relação à metodologia do monitoramento da Garantia de Atendimento.

• Regulamentação das cláusulas de reajustes dos prestadores de serviço (Lei 13.003)

Após pressões dos prestadores de serviço de saúde, foi editada a Lei 13.003/14 que tornou obrigatória a existência de contratos escritos entre as operadoras e seus prestadores de serviços. A ANS instituiu câmara técnica e realizou audiência pública para tratar da regula-mentação do tema. Entidades representativas das operadoras, profissionais de saúde, além do Ministério Público, Ministério da Fazenda e outros órgãos do governo federal, e também os órgãos de defesa do consumidor tiveram a oportunidade de participar ativamente com contribuições para a regulamentação.

No início de 2015, a Agência regulamentou as obrigatoriedades da Lei nas RN 363, 364, 365 e na IN DIDES 56. Além de regulamentar a Lei, os normativos definem regras para comu-nicação quando existir substituições de prestadores que foram descredenciados. A regu-lamentação da Lei 13.003, reforça a obrigatoriedade de contratos por escrito e detalhados entre as operadoras e os prestadores, com as obrigações e responsabilidades específicas. Conforme a nova lei, a ANS passa a ter a atribuição de estabelecer um índice de reajuste em casos específicos, quando não houver consenso entre as operadoras e prestadores sobre os índices de correção aos serviços contratados.

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CAPÍTULO 2 | REGULAÇÃO SETORIAL: TEORIA E PRÁTICA 101

O índice estabelecido pela Agência será o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA. O IPCA aplicado deve corresponder ao valor acumulado nos 12 meses anteriores à data do aniversário do contrato, considerando a última divulgação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Em dois anos, começa a ser aplicado ao reajuste definido pela ANS o Fator de Qualidade, que trará uma nova lógica para os reajustes e será elabora-do em conjunto com os respectivos conselhos para os profissionais de saúde e entidades acreditadoras para clínicas e hospitais.

• Novos Modelos de Solvência na Saúde Suplementar

A ANS instituiu grupo de trabalho em 2013 para estudar novos modelos de solvência e veri-ficar a necessidade de se adequar o modelo brasileiro. Foram analisados o Modelo Ameri-cano de Solvência para Saúde, conhecido como Risk Based Capital – RBC. O modelo RBC é baseado em fatores, segmentados em diversos riscos, aplicados a valores determinados (prêmios, provisões etc). Os riscos são agregados a partir de uma matriz de correlação, porém bem simplificada, com correlações iguais a 1 ou zero. Cada estado define um mo-delo para determinar o nível de supervisão em função da deficiência encontrada. Também foram avaliados os desenvolvimentos mais recentes, tais como o ORSA (Own Risk Solvency assessment), ainda em estágio de implantação. Estudos estão sendo feitos para aprimorar o modelo, incluindo os riscos de catástrofe e operacional.

O Modelo Europeu de Solvência para Saúde, cuja base ainda é o modelo Solvência I, é pa-recido com o modelo atual da ANS. Os europeus buscam a convergência para o modelo de Solvência II, com vários testes já realizados. A demora na implantação do Solvência II fez com que vários países fizessem adaptações ao modelo Solvência I e a previsão de implantação é 2016/2017. Estão avaliando o Risco de Subscrição e para longo prazo, diversos cenários de stress foram realizados em relação aos seguintes subriscos, com a devida correlação entre eles: prêmio, provisão, cancelamento, mortalidade, longevidade, despesas, morbidade e ca-tástrofe. Para o curto prazo, aplicação de fatores a Prêmios e Provisões e cenário de stress no cancelamento. Para os riscos de mercado, os cenários de stress consideram choques na taxa de juros, mercado de renda variável, imobiliário, concentração, risco cambial e etc. Adicional-mente, risco de crédito e risco operacional também entram na equação de solvência.86

Estudos87 realizados mostram que a grande maioria dos países está utilizando o modelo de supervisão de solvência baseada em risco ou em vias de implantação, com possibilidade de uso de modelos internos. No Chile, o modelo é baseado em risco, com pilar 2 implantado. No México, o modelo, similar ao Solvência II, foi implantado em Dezembro/2012 com período de transição de dois anos. Na China, estão desenvolvendo novo modelo baseado em risco.

No Japão, o risco baseado em Grupos Econômicos começa a ser implantado. Na Coreia o modelo baseado em risco foi implantado em 2011 e o uso de modelos internos foi permitido a partir de 2013. Na Argentina, ainda usam modelo semelhante ao Solvência I, com fatores inferiores aos do Brasil. No Canadá, o modelo foi baseado em fatores aplicados aos diversos riscos e com projeções de ativos e passivos sujeitos a diversos cenários de taxas de juros.

86 Almeida, Renata Gasparello e Sant’Anna, Annibal Parracho (2011). 87 Fonte: http://www.ans.gov.br/images/stories/Legislacao/camara_tecnica/2013_gt_revisao_rol/2013_grupotecnicosolvencia_4reuniao_apres-fenasaude.pdf

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL102

Na Suíça, usam o SST (Swiss Solvency Test), onde ativos e passivos são trazidos a valor presente a partir de cenários extremos. Os resultados negativos projetados nos cenários extremos determinam a necessidade de capital e modelos internos devem ser realizados se o modelo padrão oferecido não for adequado.

No Brasil, estudo realizado com operadoras mostrou que a ausência de garantias finan-ceiras aumenta em 8,16% o risco de uma operadora se tornar insolvente no ano seguinte. E para cada 1% de aumento de capital a operadora reduz em 0,34% o risco de se tornar insolvente no ano seguinte e reduz em 0,23% o risco de se tornar insolvente dois anos depois.88 O mercado de saúde suplementar brasileiro é extremamente heterogêneo no que tange aos riscos assumidos e um novo modelo deve refletir isto. Além disso, devido à grande heterogeneidade do setor, a proposta que se mostra mais ponderada é a imple-mentação gradual de modelos de capital baseado em risco com possibilidade de criação de modelos internos.

• Fornecimento dos quimioterápicos orais e bolsas de colostomia

Na última revisão do Rol de Procedimentos, ocorrida em 2013 com a Lei 12.880/13 as ope-radoras passaram a ser obrigadas a fornecer medicamentos antineoplásicos de uso oral, procedimentos radioterápicos para tratamento de câncer, assim como medicamentos para o controle de efeitos adversos e adjuvantes. Outra novidade foi a Lei 12.738/12 que obrigou as operadoras a fornecerem bolsas de colostomia, ileostomia e urostomia, sonda vesical de demora e coletor de urina com conector, para uso hospitalar, ambulatorial ou domiciliar, cujo fornecimento foi regulamentado pela RN 325/13 da ANS.

2.5.5 QUINTA FASE – DE 2015 EM DIANTE

• Máfia das Próteses

O tema foi objeto de três meses de reportagem investigativa da Rede Globo de Televisão, resultando na matéria intitulada “Máfia das Próteses” que se desdobrou em uma série de reportagens daquela emissora. A primeira delas foi ao ar no dia 4 de janeiro de 2015, no Programa Fantástico. Os destaques da reportagem foram:

– Cirurgias com uso de próteses feitas sem necessidade;

– Médicos faturando aproximadamente R$100 mil/mês com o esquema;

– Máfia das próteses coloca vidas em risco com cirurgias desnecessárias;

– Mercado de próteses movimenta anualmente R$ 12 bilhões no Brasil;

– Fraudes em licitações; e

– Fraude de R$ 7 milhões no plano de saúde dos correios no RJ.

88 Alves, Sandro Leal (2006).

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CAPÍTULO 2 | REGULAÇÃO SETORIAL: TEORIA E PRÁTICA 103

• CPI das Próteses na Câmara e no Senado

Com a repercussão na imprensa referente à máfia das próteses o Ministério da Justiça, a Secre-taria Nacional do Consumidor, assim como a Câmara e Senado Federal iniciaram investigações para identificar o foco das denúncias. Foram abertas Comissões Parlamentares de Inquérito – CPI, tanto na Câmara quanto no Senado, para investigar as denúncias, sendo convidados mé-dicos, gestores hospitalares e representantes das operadoras para prestarem esclarecimentos aos parlamentares. A seguir, é apresentado o resumo do Grupo de Trabalho Interministerial for-mado pelo Ministério da Justiça, Fazenda e Saúde, para avaliar a questão, e da CPI da Câmara.

1) Sugestões apresentadas pelo GTI

a) Regulação Sanitária

i. Aperfeiçoamento do processo de registro dos produtos

1. Uso obrigatório do nome registrado na ANVISA

2. Padronização de nomenclatura e classificação única, baseadas na Global Me-dical Device Nomenclature (GMDN)

3. Criação e implementação do Registro Nacional de Implantes (RNI), que deve contemplar informações técnicas e econômicas de DMI

ii. Definição de protocolos de uso por funcionalidade e similaridade, com garantia da eficácia e segurança

1. O modelo escolhido foi a Norma de Autorização. Isso sem o prejuízo de que num futuro próximo o MS elabore protocolo de uso de determinada tecnologia ou mesmo a sua inclusão em protocolo clínico elaborado especificamente para determinada doença ou condição clínica.

b) Regulação Econômica

i. Aperfeiçoamento do banco de preços

1. Criação de um sistema de informações para o monitoramento do mercado de DMI e para futuras ações para redução das assimetrias de informações

ii. Desburocratização do complexo aduaneiro

1. Elaboração de proposta legislativa para possibilitar a importação direta de dis-positivos médicos implantáveis por médicos e estabelecimentos de saúde e, possivelmente, operadoras de planos de saúde

2. Ampliar a produção nacional desses produtos no Brasil, com redução de preços

iii. Eliminação da incidência cumulativa de tributos

iv. Redução de barreiras regulatórias

v. Controle de preços

1. Elaboração de proposta legislativa para aplicação de modelo de Preço de Re-ferência Externo, com determinação de preço teto de categorias baseadas na inovação incremental ou radical desses produtos, e revisão periódica de pre-ços no mercado brasileiro

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL104

c) Incorporação, Protocolização e Regulação do Uso de DMI

i. Elaborar e divulgar manual de boas práticas e normas de autorização de DMI, priorizando as áreas de ortopedia e cardiologia

ii. Realizar processos de qualificação de profissionais e técnicos envolvidos no setor de DMI, das áreas de ortopedia e cardiologia

d) Gestão do Sistema Único de Saúde

i. Definir, no âmbito do Subgrupo de Trabalho SGT nº 11 “Saúde” do Mercosul, agen-da de trabalho sobre o tema

ii. Implementar o envio de Carta SUS para pacientes submetidos a intervenções que envolvam DMI

iii. Definir agenda permanente de trabalho para a realização de Auditorias Operacio-nais e Analíticas destinadas à apuração de irregularidades

iv. Criar um Grupo de Trabalho, vinculado à Comissão Intergestores Tripartite (CIT), para acompanhar a agenda de implementação das propostas do GTI

v. Criar um Grupo Executivo, sob a coordenação do Gabinete do Ministro da Saúde, com o objetivo de gerenciar a agenda de implementação das propostas do GTI e, em conjunto com o Grupo de Trabalho Tripartite, aperfeiçoar as mediadas definidas

vi. Criar, no âmbito da Anvisa e da ANS, grupos internos com o objetivo de coordenar a implementação das medidas propostas

e) Vedações e Penalidades

i. Elaborar medida legislativa para prever vedações e penalidades dos pontos de vista civil e criminal para condutas irregulares de obtenção de vantagem ilícita em razão da comercialização, prescrição ou uso de DMI: tipificar no artigo 171 do Código Penal

ii. Criar uma divisão especial de combate à fraude e crimes contra a saúde no âmbito da Polícia Federal

iii. Fortalecimento das ações fiscalizatórias dos Conselhos regionais e Federal de Medicina

2) Recomendações dos parlamentares da CPI

a) Regulação do mercado

Atribuir à Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – CMED, do Conselho de Governo, a competência legal para atuar da mesma forma na regulação do merca-do de DMI

b) Treinamento e formação profissional nas tecnologias de dispositivos médicos

Que o SUS passe a promover o treinamento de profissionais, idealmente no âmbito dos hospitais universitários e através da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde

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CAPÍTULO 2 | REGULAÇÃO SETORIAL: TEORIA E PRÁTICA 105

c) Fiscalização profissional

Indicação aos Conselhos de Medicina (CFM e CRMs) sugerindo a ampliação da atua-ção das Comissões de Ética Médica, e a elaboração em nível federal de Resolução nos moldes da Resolução CREMESP nº 273/2015.

d) Padronização da nomenclatura dos dispositivos médicos implantáveis

Não cabe proposição legislativa a respeito.

e) Aperfeiçoamento no controle de fluxo de dispositivos médicos no SUS

Não cabe proposição legislativa a respeito.

f) Tipificação de delitos

i. Projeto de Lei destinado a promover a adequada punição de todos os atores envol-vidos na “Máfia de Órteses e Próteses”

ii. Disciplina a concessão de tutela de urgência em demandas judiciais que envolvam o fornecimento de medicamentos e dispositivos médicos.

• Início das cobranças do ressarcimento dos procedimentos ambulatoriais de alta complexidade (APAC)

No primeiro semestre de 2015, atendendo determinação do Tribunal de Contas e do Minis-tério Público, a ANS iniciou a cobrança do Ressarcimento ao SUS para os procedimentos ambulatoriais de alta e média complexidades (APAC). Além das APAC, a ANS alterou a metodologia das cobranças dos juros sobre os valores que devem ser reembolsados. A partir da nova metodologia o cálculo será feito com base no valor da data de registro da notificação pela Agência. Todos os procedimentos ambulatoriais de alta e média comple-xidades acima de R$ 100,00 passam a ser cobrados. Até então, as operadoras ressarciam o SUS apenas nos casos de internações de beneficiários na rede pública de saúde.

• Laboratório de Inovação: Extrato do Beneficiário, transparência de preços de OPME e procedimentos, transparência de reajuste

O LAB-DIDES foi criado em março de 2015 com o objetivo de avaliar estudos e pesquisas sobre os temas relacionados ao desenvolvimento, sustentabilidade, concorrência, qualidade e inovação setorial, além de discutir políticas regulatórias. Inicialmente foram selecionados os seguintes temas:

1) Nova metodologia do Ressarcimento ao SUS e início da cobrança de Autorização para Procedimento Ambulatorial – APAC. Em suma, a ANS criou sistema híbrido para envio do Aviso de Beneficiário Identificados (ABIs) para as Operadoras (Sistema Persus), e come-çou a cobrar juros desde o momento do aviso da impugnação pela operadora. Também deu início à cobrança das APAC.

2) Introdução do Cartão Nacional de Saúde – CNS como instrumento efetivo no setor, prin-cipalmente no tocante à portabilidade individual de informações. A ANS, juntamente com DATASUS, permite a obtenção da informação em lote pela operadora. Trata-se de política

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL106

de governo (Ministério da Saúde) na busca de uniformização de informações entre os sistemas público e privado e a utilização para prontuário eletrônico.

3) Uso das informações do TISS como instrumento de transparência e redução da as-simetria de informação – Inspirada no trabalho do think tank americano HCCI (Health Care Cost Institute) que divulga informações detalhadas de uma grande variedade de itens de custos das operadoras nos E.U.A e também disponibiliza sistema de consultas on line disponibilizado (guroo.com), a ANS prepara a disponibilização dessas ricas bases de dados oriundas da TISS.

4) Ações para a qualidade na saúde suplementar – A ANS começa a divulgar bases de dados integradas com indicadores relacionados à qualidade como acreditação, IDSS, dentre outros, além de dados de reclamações e financeiros. O objetivo é dar ampla trans-parência para o consumidor.

BOX 5 – TRANSPARÊNCIA DA INFORMAÇÃO, PADRÃO TISS E MODELOS PREDITIVOS

A Troca de Informações em Saúde Suplementar – TISS surgiu em 2005 (RN 114/05) como padrão de troca de informações entre as operadoras e os milhares de presta-dores. A TISS buscou uniformizar as nomenclaturas existentes no dia a dia do relacio-namento entre operadoras e prestadores, reduzindo custos de transação na opera-ção. A partir da RN 305/2012, o padrão TISS tornou-se obrigatório como instrumento de envio de informações dos eventos assistenciais das operadoras para a ANS.

Desde setembro de 2014, as operadoras já enviam mensalmente para a ANS as informações de consultas, exames, internações e etc. Agora, a Agência passa a receber dados com nível de detalhamento que não existia pois os dados eram enviados de forma consolidada até então. Os novos dados permitem observar o evento realizado, o custo associado, a faixa etária, a região geográfica, os presta-dores envolvidos no evento, os prazos de pagamento, dentre outros.

As informações contidas na TISS darão suporte ao desenvolvimento de modelos preditivos cruzando dados da experiência pregressa do beneficiário com outras bases de dados a fim de antecipar futuras intercorrências. Essas ferramentas per-mitem de forma bastante robusta indicar o grupo de indivíduos mais propenso a determinados procedimentos permitindo ações de mudança de curso assistencial, por exemplo a partir do desenho de programas de prevenção de doenças. Com essas informações disponíveis, o perfil epidemiológico das populações assistidas será melhor avaliado e medidas mais eficientes poderão ser tomadas, possibilitan-do inclusive a mensuração do retorno desses programas.

As possibilidades de uso das informações vão além da TISS com o uso de Big Data. Modelos preditivos podem, por exemplo, combinar uma série informações dos beneficiários, estruturadas, como a TISS, ou não, para antecipar e precificar

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CAPÍTULO 2 | REGULAÇÃO SETORIAL: TEORIA E PRÁTICA 107

eventos. O uso de modelos preditivos transcende a própria TISS. Grandes bases de dados aparentemente não relacionadas à saúde poderão auxiliar na identificação de comportamentos e estilos de vida. A precificação e a predição de eventos serão as grandes áreas de desenvolvimento nessa era das informações e do Big Data.

A ANS pretende utilizar os dados da TISS para subsidiar ações de avaliação e acompanhamento das operadoras e também para compor o Registro Eletrônico de Saúde, ferramenta que visa unificar toda informação assistencial de um indivi-duo em único prontuário de saúde. No momento atual, a ANS estuda ferramentas para dar divulgação mais ampla aos dados da TISS por UF, sexo, faixa etária e porte da operadora. O denominado D-TISS, atualmente em fase de desenvolvi-mento, possibilitará o acesso aos valores da despesa média dos procedimentos e sua dispersão. Os filtros por estado, faixa etária, sexo, porte da operadora e competência também poderão ser utilizados. O potencial de uso da base de dados da TISS, como se observa, é enorme. Uma regulação que estimule a trans-parência dos dados parece ser um importante incentivo para a mudança de com-portamentos por parte dos players do setor.

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CAPÍTULO 3

Questões atuais

3.1 Outras Tendências e Movimentos do Mercado

3.1.1 REGULAÇÃO, ECONOMIAS DE ESCALA E CONCENTRAÇÃO

O impacto da regulação sobre o setor acelera a busca por soluções no próprio mercado. Exis-tem obviamente soluções de descontinuidade, ou seja, empresas que, diante do cenário atual e das expectativas formadas para o futuro, ao trazerem a valor presente os seus custos e be-nefícios esperados, optam pela saída voluntária do mercado. Outras soluções “extramercado” também atuam para retirar as empresas do setor como é o caso das liquidações extrajudiciais.

Desde a criação da ANS, foram 561 operadoras que sofreram intervenções, sendo 477 do segmento médico-hospitalares (MH) e 84 do segmento exclusivamente odontológico (OD). Neste período, foram decretadas 237 liquidações extrajudiciais (223 MH e 14 OD); 745 di-reções fiscais (649 MH e 96 OD) e 47 direções técnicas (45 MH e 2 OD). O alto número também decorre do fato de que a mesma operadora pode sofrer mais de uma intervenção.

TABELA 13 – OPERADORAS QUE SOFRERAM INTERVENÇÕES¹ DA ANS POR SEGMENTO

Segmento Operadoras

Médico-hospitalar 477

Exclusivamente Odontológico 84

Total 561

Fonte: Resoluções Operacionais – ANS. Extraído em 6/7/15.

Notas: ¹Consideradas as seguintes intervenções: Direção Fiscal, Técnica e Liquidação Extrajudicial. ²Desconsideradas as operadoras que tiveram RO revogada ou suspensa no período de até 3 meses da data que determinou a intervenção.

No entanto, a continuidade das operações vem exigindo cada vez mais criatividade e em-preendedorismo para alterar rumos e seguir adiante, pois o crescimento dos custos é ace-lerado assim como as demandas sociais, e por que não dizer as demandas legislativas e regulatórias. É natural e salutar que a dinâmica do mercado continue a explorar alternativas viáveis de sustentabilidade econômica e financeira. Afinal, são milhões de consumidores de planos de saúde no Brasil que desejam ter a continuidade dos serviços garantida.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL110

Muitas operadoras acabam se unindo, comprando ou sendo compradas, o que traz à tona o tema da concentração. A concentração de mercado não é sinônimo de cartelização, como muitos ainda parecem acreditar. Pode parecer óbvio, mas estes dois conceitos vêm sendo mal utilizados pelos críticos do setor privado. Por concentração de mercado, enten-de-se que existam poucos ofertantes do produto ou serviço, o que pode ser medido por di-versos indicadores. A cartelização é algo diferente, esta sim, danosa per si à concorrência, pois, neste caso, as empresas que operam no mercado combinam estratégias de preço e/ou região de atuação para maximizarem seus lucros. As empresas cartelizadas agem con-juntamente, como se fossem um grande monopólio.

Um mercado concentrado é, portanto, uma condição necessária para o surgimento de ope-rações cartelizadas, mas não é suficiente, pois, em um ambiente competitivo, essa prática seria pouco ou nada lucrativa. Separemos, portanto, esses dois conceitos, pois, além de serem distintos, suscitam discussões dogmáticas – que, ao partirem de bases equivoca-das, produzem conclusões ainda piores. Afirmações do tipo “O mercado de saúde suple-mentar é cartelizado” ou então “O governo precisa fazer algo para acabar com os cartéis” vêm sendo tratadas com pouca fundamentação econômica.

Os indicadores de concentração econômica fornecem um importante auxílio para a análise da estrutura da oferta do mercado, mas para fazerem sentido econômico podem prescindir, como recomenda a Economia Antitruste, de uma análise prévia do mercado relevante. Sem o cumprimento dessa premissa metodológica, o indicador de concentração perde sentido.

Aos números. A operadora líder no mercado de planos médicos hospitalares possuía, em dezembro de 2014, 4 milhões de beneficiários, market-share de 8% do mercado nacional. Apenas como exemplo, considere um indicador do tipo C4 (Razão de Concentração), que calcula a participação de mercado das quatro maiores empresas conjuntamente. O Índi-ce C4, calculado para o mercado brasileiro em 2014, é de 23%, considerando, hipótese irreal, que as 1.200 operadoras possuem produtos substitutos e que o consumidor possa adquirir o plano de saúde de qualquer uma dessas empresas, esteja onde estiver. Neste exemplo irreal, não há separação entre planos coletivos e individuais, diferenças entre o padrão do plano e suas características, sem falar que os mercados locais são o locus da concorrência muitas vezes. A utilização do indicador de concentração nesse contexto faz referência ao mercado relevante.

Outro indicador bastante utilizado em análises de concentração de mercado é o Índice Herfindahl-Hirschman (HHI) que avalia o grau de concentração do mercado relevante, sen-do calculado por meio da soma dos quadrados dos market-shares individuais das firmas participantes no mercado relevante, tendo a vantagem de refletir a distribuição do tamanho das firmas, posto que o peso conferido às firmas com elevado Market-share é maior do que aquele relativo às firmas com baixo market-share. Seu valor oscila entre 10.000 para o caso do monopólio e menos de 100, para concorrência atomística. HHI = ∑ xi2; i = 1, n, onde x é o market-share e n o número e firmas no mercado relevante. Assim, percebe-se que quanto mais concentrado o mercado, maior será o HHI.

Utilizando o mesmo dado de 2014, o mercado brasileiro de planos médico-hospitalares apresenta um HHI de 210. Pela Federal Trade Commission (USDOJ), ao aplicar o HHI, exis-tem três linhas de corte que balizam e classificam o grau de concentração de um mercado. A) Mercados com HHI menor do que 1.000 são considerados mercados competitivos, com baixa concentração, B) Mercados com HHI entre 1.000 e 1.800 são considerados com

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 111

concentração moderada e C) Mercados acima de 1.800 são considerados concentrados. A FTC ainda considera que, transações, fusões ou aquisições que aumente em mais de 100 pontos o HHI tornam-se motivo de aumento da atenção do órgão para o mercado em ques-tão. Portanto, pelo critério acima, o mercado de planos médicos brasileiros é competitivo.

A análise de concorrência deve ser feita caso a caso, no que se convencionou chamar, no ato de concentração, que pode ser uma fusão, aquisição, joint-venture que reúna as em-presas concorrentes em um mesmo objetivo. Aí sim, se faz a análise do mercado relevante, tanto na dimensão produto quanto na dimensão geográfica, calcula-se os indicadores de concentração e avalia-se o perfil competitivo do mercado. Um mercado concentrado não ne-cessariamente é ruim, pois ele pode promover as chamadas “eficiências” que, no balanço fi-nal dos prós e contras, pode aumentar o bem-estar do consumidor e da sociedade em geral.

Estudo de Pereira89 mostra que, sob a perspectiva da defesa da concorrência (ou an-titruste, como é mais comumente conhecida a ação das instituições responsáveis pela preservação da concorrência nos mercados), o conceito-chave para a análise do padrão de competição é o de mercados relevantes. De maneira simplificada, pode-se dizer que mercado relevante corresponde ao espaço econômico no qual efetivamente existe con-corrência entre as empresas ofertantes de determinado produto ou serviço. Os mercados relevantes são definidos em duas dimensões: produto (ou serviço) e geográfica. Na di-mensão produto/serviço define-se precisamente qual o produto ou serviço é ofertado por uma empresa e quais empresas ofertam o mesmo produto ou serviço (ou produtos/servi-ços vistos pelo consumidor como substitutos próximos do produto/serviço originalmente considerado). Na dimensão geográfica define-se o limite geográfico (um bairro, uma ci-dade, uma região ou o país como um todo, por exemplo) dentro do qual um consumidor tem acesso aos produtos/serviços definidos na dimensão produto/serviço do mercado. Há inúmeras técnicas utilizadas para a definição desses mercados.

A jurisprudência do CADE define quatro mercados relevantes de produto no setor de saú-de suplementar: 1) Plano médico individual/familiar; 2) Plano médico coletivo; 3) Plano exclusivamente odontológico individual/familiar; 4) Plano exclusivamente odontológico co-letivo. Essas definições de mercado relevante levam em conta: a) a inexistência de substi-tutibilidade da demanda entre essas modalidades de planos e b) o tratamento regulatório distinto entre as modalidades de planos, especialmente com relação ao controle de pre-ços. No primeiro caso, o CADE entende que os planos de saúde e os planos odontoló-gicos possuem coberturas distintas, não sendo substituíveis sob a ótica da demanda. Além disso, os consumidores de planos coletivos podem adquirir planos individuais, mas a recíproca não é necessariamente verdadeira. Na segunda hipótese, o CADE considera que o reajuste do preço do plano individual é regulado pela ANS, ao passo que isso não ocorre com o preço dos planos coletivos.

Outra questão levada em conta pelo CADE na definição dos mercados relevantes no setor é a inexistência, sob a perspectiva antitruste, de diferenças entre planos de saúde e segu-ros-saúde que os levassem a constituir mercados relevantes distintos na dimensão produto/serviço. Os planos de saúde devem oferecer os serviços por meio de uma rede assistencial própria ou contratada (credenciada) e podem ou não oferecer a garantia de cobertura me-

89 Pereira, Edgard (2015).

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL112

diante reembolso. Os seguros-saúde garantem a cobertura por rede referenciada e reem-bolso, uma vez que o beneficiário pode ou não aceitar a indicação feita pela seguradora. Os seguros-saúde somente podem ser oferecidos por uma seguradora especializada em saúde.90 Uma vez que o consumidor vê as duas opções como substitutas e a regulação em termos de obrigações de oferta de serviço são similares, o CADE não diferencia planos de saúde e seguros-saúde no momento de definir os mercados relevantes de produto.

No que se refere aos mercados relevantes geográficos, o CADE tem definido os planos de saúde com base na distribuição espacial dos prestadores de serviço. A menor unidade de análise adotada é o município, pois esta é a menor área geográfica na qual o plano de saúde pode atuar. Contudo, essa área pode se estender para além dos limites municipais, de acordo com a disposição do consumidor em se deslocar até os prestadores de serviços cadastrados ou pertencentes ao plano de saúde.

Ainda segundo o estudo citado, o CADE já adotou a metodologia do Centro de Desen-volvimento e Planejamento Regional da UFMG (CEDEPLAR/UFMG) para definir mercados geográficos de planos de saúde. Essa metodologia sugere a ampliação dos mercados para além dos municípios, definindo 89 mercados relevantes no Brasil, com base no poder de influência, demanda de serviços e distância entre as cidades. No entanto, a pesquisa utiliza dados do SUS, podendo superestimar a disposição de deslocamento dos pacientes e, con-sequentemente, os mercados relevantes.

Para evitar tais distorções, o CADE tem adotado metodologia semelhante àquela empre-gada pelo DOJ/FTC,91 expandindo o mercado geográfico até que o fluxo de pacientes dentro do mercado geográfico alcance 75%. Assim, se 75% dos pacientes são atendidos dentro do próprio município, este será definido como um mercado relevante. Caso esse percentual seja inferior, outros municípios próximos serão agregados até se chegar ao percentual de 75%. Além da análise de fluxo, essa metodologia leva em conta o critério da proximidade das cidades.

Em municípios onde a concentração é superior a 20%, o CADE tem examinado o fluxo de pacientes atendidos em outros municípios para verificar qual a efetiva participação de mercado dos agentes econômicos e a capacidade de contestação dos concorrentes. Com isso, o CADE tem definido os mercados relevantes geográficos como municipais e, para as concentrações superiores a 20%, os mercados são expandidos de acordo com o fluxo de pacientes até o percentual de 75%.

Na prática, nota-se que os critérios de tempo e urgência são determinantes para o benefi-ciário, que privilegia a contratação de planos de saúde mais próximos da sua residência ou local de trabalho. No que se refere aos planos de saúde coletivos, aplicam-se os mesmos critérios geográficos dos planos individuais, tomando-se por referência a sede da pessoa jurídica em que trabalham os beneficiários atendidos pelo plano.

90 Lei 9656/1998, Lei 10.185/2001.91 The “at least 75 percent” criterion (http://www.justice.gov/atr/public/guidelines/269155.pdf) consultado em 13/01/2015.

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 113

A concentração não é um problema per si. Ela só é ruim se as empresas não competem entre si. Muitos mercados funcionam bem com poucas empresas, desde que exista ri-validade entre elas na busca por consumidores. E mais, se as barreiras à entrada forem baixas (o que não é o caso da saúde suplementar, em função da própria regulamentação), a própria possibilidade de entrada de um concorrente já funciona como um antídoto eficaz contra o abuso de posição dominante por parte de um eventual monopolista. Diversos autores da área do antitruste defendem essa posição.92

É importante destacar que a concentração pode ser altamente benéfica, seja por questões de eficiência (ganho de economias de escala e de escopo), seja por conta de problemas financeiros (Failing Firm Theory). Nesse caso, além dos benefícios advindos dos ganhos de escala, as fusões/aquisições adicionam capital ao mercado. Como suportar a crescente regulamentação sem capital?

De fato, o número de operadoras vem se reduzindo neste setor, seja pela retirada forçada pelo próprio órgão regulador, seja pela saída voluntária ou pelos processos de fusões e aquisições. A lei 9.656 e as regulamentações da ANS, quer se concorde ou não com elas, foram os grandes responsáveis pela nova estrutura do mercado, segundo a qual as obriga-ções e custos se elevaram. Trata-se de um claro trade-off. Ou se deseja um mercado com menos operadoras, porém com maior grau de qualificação e que ofereçam maiores cober-turas e garantias ao consumidor, como é hoje, ou se deseja um mercado com coberturas reduzidas e com muitas operadoras, mas com menor qualificação, como era antes da lei. Empiricamente, o estudo de Alves (2009)93 verifica a presença de economias de escala na administração de planos de saúde, demonstrando possíveis ganhos de eficiência econômi-ca oriundos do processo de concentração.

3.1.2 VERTICALIZAÇÃO E ABERTURA AO CAPITAL ESTRANGEIRO

Há por parte de alguns setores a preocupação com o processo crescente de verticalização das atividades das operadoras de planos de saúde. Pelo lado dos hospitais não ligados a operadoras, este é um movimento que acirrava a concorrência dentro de um quadro regu-latório assimétrico, pois os hospitais, até a edição da Lei 13.097/2015, não tinham acesso a capitais estrangeiros em sua atividade enquanto para as operadoras tal restrição não existia. Havia, portanto, certa distorção nas condições de acesso aos recursos para o financiamento da atividade que podem influenciar no custo de capital das empresas. Há quem defenda o modelo adotado na Colômbia que fixa limites para a verticalização.

Pelo lado das operadoras, há sempre a preocupação com o que é conhecido na literatura como fechamento de mercado. Ou seja, se uma operadora adquire um prestador que serve a múltiplos planos de saúde, ele pode bloquear o acesso aos insumos de seus con-correntes ou discriminar preços. Esta deve ser, e de fato é, uma preocupação dos órgãos que compõe o sistema brasileiro de defesa da concorrência. No entanto, muitos hospitais

92 Baumol, William J., Panzar, John C., and Willig, Robert D. (1982).93 Alves, Sandro Leal (2009)2. Após estimar funções de custo médio controlando para variáveis tais como a receita das operadoras, o tama-nho, o efeito conjunto do tamanho sobre a receita, o market-share além de uma característica institucional que é a finalidade lucrativa das empresas, o autor concluiu pela presença de economias de escala na administração de planos de saúde. E que essas economias são ainda maiores nas empresas muito grandes.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL114

verticalizados abrem a rede para operadoras concorrentes, o que se justifica pela neces-sidade de escala para a manutenção de um fluxo de admissões suficiente para garantir a viabilidade do negócio.

Muitas operadoras procuram melhorar o gerenciamento e controle de seus custos median-te a aquisição de redes próprias de atendimento médico-hospitalar. O objetivo é sair de um sistema de pagamento do tipo fee-for-service, que remunera o prestador pelo volume de produção, que acaba incentivando a sobreutilização dos recursos e serviços. A teoria econômica trata esse problema pela identificação de fontes de ineficiências associadas às assimetrias informacionais que permeiam toda a rede de contratos deste setor. A possibili-dade de indução de demanda pela oferta que surge quando o prestador de serviços vale-se de sua informação superior para exceder na quantidade de procedimentos requeridos, será aprofundada posteriormente.

No mercado de saúde suplementar, o conflito de interesses pode ser visualizado na relação entre as operadoras e os prestadores de serviços. Este conflito surge essencialmente pelo fato de que aquilo que representa custo para as operadoras (por exemplo, as despesas médico-hospitalares) representa receita para os médicos ou hospitais e vice-versa. Analo-gamente, o que representa custo para os beneficiários (as mensalidades) representa receita para as operadoras. Portanto, o conflito de interesses materializa-se nas relações contratuais das operadoras com seus provedores e beneficiários na medida em que as ações estratégi-cas que governam estes contratos possuem sentidos opostos.

Dependendo da forma de remuneração estabelecida entre esses dois agentes (operadora e prestador) e da própria quantidade de prestadores competindo, uma maior utilização de serviços pode estar sendo incentivada. Nesse caso, os agentes possuem incentivos opos-tos, o que leva a constante oposição de objetivos. Para a operadora, quanto menor for a utilização, maior a sua remuneração. Para o prestador, quanto maior for a utilização, maior o retorno. A assimetria de informação está presente, pois a operadora não monitora a ação do prestador de forma completa, ainda que invista recursos em auditorias médicas a fim de reduzir esse efeito.

Casos intermediários são aqueles em que existe certa coincidência de interesses entre pres-tadores e operadoras e o risco pode ser compartilhado. Como exemplos de mecanismos de compartilhamento de risco pode-se citar o capitation e os pacotes, caracterizados por sis-temas de pagamentos fixos, per capita (o profissional recebe antecipadamente uma deter-minada quantia negociada por paciente que compõe sua rede, independente do tratamento que será realizado). Neste caso, há melhor alinhamento nos incentivos, pois o prestador buscará não exceder em tratamentos desnecessários já que neste caso o risco é seu.

O caso mais extremo é o da integração entre a operadora de planos e os prestadores de serviços em uma única organização, responsável, tanto pelas funções de administração do risco financeiro quanto pela prestação do serviço assistencial. Existem diversos casos de integração “para trás” onde, por exemplo, um hospital adquire ou institui uma operadora de planos de saúde e de integração “para frente” onde uma operadora adquire ou institui um hospital. Exemplos do primeiro caso são as operadoras de planos da modalidade filantrópi-ca que já dispõem de rede hospitalar própria e também operam planos de saúde. Algumas operadoras de medicinas de grupo optaram pela prestação direta dos serviços juntamente com as atividades de operação de planos de saúde. O termo verticalização caracteriza o processo de integração das atividades de gerenciamento de planos de saúde e prestação

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 115

direta de serviços médicos em uma única unidade empresarial, independentemente da dire-ção (se para frente ou para trás) e de quem detenha o controle decisório.

Em relação ao processo de verticalização, a literatura econômica sugere a existência de trade-off entre os ganhos oriundos de melhor monitoramento e alinhamento de incentivos proporcionados pela verticalização e potenciais deseconomias de escopo que surgem quando há perda de especialização nas atividades. Os ganhos da verticalização podem ser visualizados no melhor gerenciamento dos riscos e custos. Os programas de prevenção de doenças e promoção da saúde da população assistida podem ser mais bem delineados por uma estrutura integrada na medida em que a própria operadora detém o controle da logística de utilização dos serviços. Não impede, contudo, que o conflito de interesse desa-pareça, mas é possível atenuá-los a partir de um melhor alinhamento de incentivos.

Já as economias de escopo ocorrem quando o custo da produção conjunta de mais de um bem ou serviço é menor do que o custo da produção de cada um deles de forma separa-da. O trade-off da verticalização surge quando ocorrem deseconomias de escopo, ou seja, quando o custo de produção das atividades integradas é superior ao custo das atividades separadas. Neste caso, é mais eficiente para a operadora se especializar na atividade de gestora de plano de saúde e o hospital se especializar na prestação de serviços médicos.

Empiricamente, estudos apontam pela ausência de evidências de que operadoras verti-calizadas tenham menor sinistralidade ou maior rentabilidade, como seria de se esperar no caso de um perfeito alinhamento de incentivos.94 Outro estudo95 identificou, a partir de índices de verticalização, o quadro da verticalização entre hospitais gerais e planos de saúde. O índice de verticalização construído mostrou a importância dos maiores hospitais verticalizados nos mercados de hospitais e revelou a concentração da cadeia hospitalar da saúde suplementar. A verticalização é, ainda, um fenômeno localizado em alguns muni-cípios, em especial do sudeste, embora, algumas situações específicas no nordeste cha-mem atenção. Nos municípios onde há verticalização, a alta participação de mercado de hospitais integrados e o grau de concentração da cadeia mostram uma situação para qual devem se atentar as autoridades de concorrência, quando analisam casos específicos. O estudo conclui que “Diferentemente de outros fenômenos industriais, não é possível, a priori, saber se a maior integração vertical de uma cadeia tem impacto positivo ou negativo na dinâmica dos setores e no bem-estar social.”

De fato, diante de um cenário de envelhecimento da população e transição epidemiológi-ca, com custos crescentes, pode haver benefício em se ter maior controle sobre a rede. Considerando aspectos regulatórios como a regulação dos reajustes dos planos indivi-duais, o aumento das coberturas obrigatórias etc este controle pode ser eficiente. A pró-pria regulação de capital estimulou a verticalização quando da aceitação de rede própria como ativo garantidor da provisão de risco vigorou até dezembro de 2009.

Uma hipótese a ser testada é se o movimento de verticalização resulta de estratégias de competição por liderança no mercado ou pela questão financeira. Outro fator de estímu-lo às aquisições de rede é a tentativa de redução do risco e do grau de dependência de

94 Veja por exemplo Alves, Sandro Leal (2007).95 Lima, Tatiana (2012).

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL116

determinados prestadores que detenham posição dominante no mercado. Neste caso, a verticalização pode gerar o benefício de disciplinar preços no mercado. Diversas outras questões ainda aguardam resposta como o impacto da verticalização no acesso aos servi-ços e na qualidade do atendimento. Mais uma promissora linha de pesquisa e análise para o futuro próximo.

A abertura ao capital estrangeiro na oferta de serviços de saúde, possibilitada pela edição da Lei 13.097/15, a despeito de forte pressão ideológica contrária96, veio preencher essa lacuna regulatória que inibia a entrada de capitais em um setor que necessita fortemente ampliar e modernizar o parque hospitalar.

Em seu art. 23, a lei determina que “É permitida a participação direta ou indireta, inclusive controle, de empresas ou de capital estrangeiro na assistência à saúde nos seguintes ca-sos: I – doações de organismos internacionais vinculados à Organização das Nações Uni-das, de entidades de cooperação técnica e de financiamento e empréstimos; II – pessoas jurídicas destinadas a instalar, operacionalizar ou explorar: hospital geral, inclusive filan-trópico, hospital especializado, policlínica, clínica geral e clínica especializada; e ações e pesquisas de planejamento familiar; III – serviços de saúde mantidos, sem finalidade lucra-tiva, por empresas, para atendimento de seus empregados e dependentes, sem qualquer ônus para a seguridade social; e IV – demais casos previstos em legislação específica.”

Já no art. 53-A, estabelece que “Na qualidade de ações e serviços de saúde, as atividades de apoio à assistência à saúde são aquelas desenvolvidas pelos laboratórios de genética humana, produção e fornecimento de medicamentos e produtos para saúde, laboratórios de análises clínicas, anatomia patológica e de diagnóstico por imagem e são livres à participa-ção direta ou indireta de empresas ou de capitais estrangeiros”.

A lei veio corrigir assimetrias de tratamento ao capital estrangeiro permitido para operadoras e laboratórios, mas vedado aos hospitais. É especialmente relevante tratando-se das neces-sidades da população, com demandas crescentes, restrições fiscais do governo, carências de capital, insuficiência de infraestrutura e carências tecnológicas.

Enquanto no Brasil a abertura econômica ainda é vista com reservas, o capital estrangeiro tem tido um papel importante na orientação do mercado de economias em desenvolvimento como a China e a Índia, concorrentes brasileiros nos mercados internacionais, promovendo crescimento econômico e evolução social, ajudando a transição do planejamento central para a economia orientada ao mercado.

A Índia vive uma realidade próxima da brasileira com falta de profissionais em saúde e es-trutura física precária dos serviços. Em 2007, com a estratégia de arrecadar mais recursos e reestruturar a saúde pública do país, o governo permitiu o investimento de capital estrangeiro em hospitais.

96 Entidades como Centro Brasileiro de Estudos da Saúde – Cebes, Associação Brasileira de Economia da Saúde – Abres, Associação Brasileira da Saúde Coletiva – Abrasco e outras publicaram Manifesto posicionando-se contra o argumento de que “Esse é o caminho que atende aos inte-resses do grande capital internacional, que voltou seus olhos à possibilidade de ampliar seus lucros inicialmente com a venda de planos e segu-ros baratos, mas com uma cobertura de serviços extremamente limitada, que não garante o direito à saúde e agora se aproveita para se apropriar de fundos públicos. Não foi isso que o povo brasileiro aspirou em seu texto constitucional de 1988, nem o que aspira hoje." www.cebes.org.br

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 117

Outro exemplo de mudança na forma de gestão da saúde é a China. Além dos US$ 124 bilhões de dólares investidos inicialmente para reestruturar os serviços defasados e conec-tar as informações de saúde da população com tecnologias mais avançadas, o governo autorizou o investimento de capital estrangeiro em todo mercado de saúde chinês, inclusive com incentivos fiscais em algumas cidades de maior interesse.97

Diversos são os benefícios potenciais da entrada de capitais na área da saúde como a tele-medicina, medicamentos, fluxo de trabalhadores na saúde, investimentos estrangeiros em ações de empresas de capital aberto, materiais, equipamentos, tecnologias de informação, joint-ventures, pesquisa etc e agora, possibilidade de aquisição de hospitais.

Neste sentido, a importância da globalização é grande considerando a demanda crescente por serviços (em parte fruto da maior longevidade da população), restrições orçamentárias do setor público e necessidade de ampliação do acesso a serviços. Diversos países abri-ram nos anos 90 o setor de saúde aos investimentos estrangeiros. A Índia abriu o setor no ano 2000. De 2000 a 2006 foram aprovados mais de 100 projetos de IED em hospitais e centros de diagnóstico (mais de US$ 53 milhões de influxo de capitais). No Brasil, o debate ainda está sujeito a opiniões políticas e ideológicas e ainda não existem estudos empíricos específicos ao setor.

Um estudo de 200798 com 25 hospitais na Índia buscou medir impacto em termos de qua-lidade, infraestrutura, amplitude de serviços, tecnologia, acesso e preços. Em resumo, os principais resultados mostram que:

• Serviços e infraestrutura – investidores tendem a focar em serviços mais especializados e avançados em comparação aos serviços domésticos pré-existentes com nichos em áreas de maior potencial gerador de receita como serviços cirúrgicos (em detrimento de preventivos). Em geral, investimentos estrangeiros direcionam recursos para facilities, equipamentos, leitos, ambulâncias e unidades de tratamento intensivo. Também aumen-tou o recurso humano especializado;

• Recursos Humanos – remuneração e qualidade. Maiores salários foram pagos ao staff mé-dico em todos os níveis, especialmente os especialistas mais sêniores (brain drain interno);

• Custos – dados de custos de diferentes procedimentos e tratamentos indicam que os hospi-tais internacionalizados tendem a ser de 15 a 30% mais caros em comparação aos nacionais;

• Spillover – no caso indiano, o efeito transbordou para outras áreas e gerou externalida-des positivas. Turismo médico foi aumentado, produtos de seguro internacionais foram desenvolvidos, observado aumento na entrada de seguradoras de saúde internacionais, desenvolvimento da acreditação, melhoria de serviços de back-office, aumento de P&D, Tecnologia da Informação, educação e treinamento médico; e

• Preocupações – Pode agravar o brain drain (do público para o privado), pode deses-timular P&D relacionada às condições locais, hospitais de pequeno e médio porte en-frentam maior competição, fusões e aquisições, preocupação com custos e capacida-de de pagamento da população, especialmente os mais pobres.

97 Jardim, D. (2015) 98 R. Chanda and A Bhattacharjee (2014).

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL118

Em suma, o impacto no sistema de saúde dependerá essencialmente do arcabouço regula-tório, das estruturas de mercado existentes no setor hospitalar e na extensão e alcance dos investimentos. A regulação é importante para mitigar os efeitos negativos e potencializar os efeitos positivos que tendem a ser significativos. Parcerias público-privadas, atenção à for-mação e treinamento médico devem ser encorajados, assim como políticas que aumentem a penetração do seguro saúde e estímulos à expansão de serviços de saúde para áreas menos exploradas podem mitigar os efeitos relacionados ao acesso, conclui o estudo.

3.2 Distorções e Falhas Competitivas no Mercado de Prestadores e Insumos

3.2.1 A QUESTÃO DAS ÓRTESES E PRÓTESES E MATERIAIS ESPECIAIS (OPME) E OS DISPOSITIVOS MÉDICOS IMPLANTÁVEIS

A sociedade brasileira ficou surpresa com a reportagem de um importante veículo de co-municação intitulado “Máfia das Próteses coloca vidas em risco com cirurgias desneces-sárias.”99 O sentimento de consternação é absolutamente natural. Ainda mais por se tratar de desvios éticos provocados por alguns médicos integrantes de classe profissional que conta com elevada e merecida reputação e respeito em nossa sociedade. Este trabalho não aborda questões éticas, mas sim econômicas que, assim como as primeiras, ajudam a governar o comportamento e as escolhas do cidadão. A Judicialização, as falhas no mer-cado de Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPME)100, as assimetrias de informação, os conflitos de interesse e a regulação são temas presentes nesta discussão.

A transparência neste setor é fundamental. Como afirmou, quase um século atrás, o juiz americano Louis Brandeis (1856-1941): “A luz do sol é o melhor dos desinfetantes”. A conhecida frase se referia à necessidade de transparência no sistema financeiro, mas se ajusta perfeitamente ao momento em que vivemos no setor de órteses, próteses e materiais especiais no Brasil.

O problema econômico fundamental é lidar com a escassez, um fato da vida. Na saúde não é diferente. Ao contrário, todos nós estamos diante de um quadro de restrição de re-cursos, mas temos desejos e necessidades ilimitadas. Portanto escolhas difíceis são feitas a cada momento no tempo tanto pelos indivíduos como pela sociedade. Ao escolhermos a alternativa (A), para um tratamento de alguma enfermidade, estamos abrindo mão das alternativas (B), (C), (D) etc. Ao escolhermos incorporar determinado medicamento no rol de procedimentos e eventos obrigatórios que os planos de saúde devem oferecer, estamos sacrificando a inclusão de outros medicamentos e procedimentos tendo em vista que os re-cursos da coletividade são escassos e a disposição, bem como a capacidade de pagamen-to dos beneficiários de planos é um importante fator de restrição que deve ser considerado. Diante deste quadro, a ciência econômica orienta a fazermos escolhas eficientes, isto é,

99 http://g1.globo.com/fantastico/edicoes/2015/01/04.html. 100 As órteses, próteses e materiais especiais (OPME) são insumos usados massivamente no cotidiano de hospitais em todo o mundo. Fruto do constante desenvolvimento tecnológico da medicina, o conjunto desses dispositivos engloba parafusos de interferência, placas metálicas, stents, marca-passos, bengalas, muletas, próteses dentárias e muitos outros produtos específicos, como fios-guia, brocas etc.

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 119

aquelas que fornecem o melhor destino aos recursos escassos frente às diversas alternati-vas disponíveis. Este princípio se aplica tanto aos indivíduos quando vão à farmácia quanto ao governo quando decide sobre o novo procedimento a incorporar no SUS e na saúde suplementar. Quando o governo investe no programa de tratamento da AIDS está automa-ticamente abrindo mão de investir em programas de imunização, melhorias na capacidade de atendimento aos idosos etc. Como escolher entre projetos alternativos que se revelam igualmente importantes para a saúde e qualidade de vida das pessoas? Há que se medir os resultados e estabelecer tecnicamente as priorizações.

A economia pode ser bastante útil a partir de ferramentas que ajudam a orientar as escolhas de novas tecnologias a serem incorporadas no sistema de saúde. Um exemplo é a razão de custo-efetividade que nos permite comparar alternativas concorrentes de novas tecno-logias medindo a relação entre seus custos e benefícios (desfechos clínicos, por exemplo). Tais desfechos podem ser mensurados em termos de dias de vida adicionais, dias sem sintomas, casos prevenidos, curas, vidas salvas, dias de internação evitados etc. Portanto, entre duas alternativas que proporcionem o mesmo desfecho, a escolha mais eficiente é a de menor custo. Seguindo esta lógica, uma tecnologia de mais alto custo e menos eficaz não deve ser incorporada ao sistema enquanto uma tecnologia de mais baixo custo e melhor resultado deve ser incorporada imediatamente. A dificuldade reside justamente em escolher tecnologias alternativas, em que ambas proporcionam melhores resultados (efetividade), porém a custos mais elevados. Nestes casos, a decisão se dará comparando o custo extra por unidade de desfecho adicional entre as duas alternativas.101

Feita esta breve introdução à abordagem econômica para se lidar com questões relaciona-das à saúde, cabe apenas ressaltar, antes de se avançar ao tema principal deste tópico, que a preocupação com os gastos em saúde é uma questão mundial, e não apenas no Brasil. Diversos são os estudos que apontam na direção do aumento dos gastos com saúde. Em geral, como mostra Newhouse (1992)102, os principais fatores estão relacionados às ten-dências demográficas, ao aumento na renda, ao risco moral (moral hazard), à indução da demanda pela oferta e às incorporações tecnológicas.

O envelhecimento da população, e sua maior longevidade, explica o aumento da procura por serviços de saúde, pressionando os gastos das famílias e governos. O aumento na renda também aumenta o acesso da população aos serviços médicos, o que também eleva os gastos. Nesta seção, vamos nos ater aos três fatores restantes, a saber: risco moral, a in-dução da demanda pela oferta e as incorporações tecnológicas. Vamos explorar um pouco estes fatores, como eles se relacionam entre si, e como podem explicar os casos alarmantes citados recentemente na mídia.

Em seu seminal trabalho sobre a economia da saúde, Arrow (1971)103, conhecido como fundador desta área da economia, chamou a atenção da comunidade econômica para as particularidades do setor saúde, o que acabou lhe rendendo dez anos mais tarde o prêmio Nobel. A partir da constatação de elevadas assimetrias informacionais e do alto grau de incerteza presentes no setor de saúde, Arrow chamou a atenção da comunidade científica

101 Stano ; Allen C. Goodman; Sherman Folland (2008).102 Newhouse, Joseph (1992). 103 Arrow, Kenneth (1961).

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL120

para os seguintes pontos: na saúde, diferentemente de outros setores econômicos, quem escolhe o procedimento terapêutico (o médico) não é quem utiliza o serviço. Já quem utiliza (o paciente) não é quem paga pelo procedimento, pelo menos não diretamente quando há a presença de um terceiro-pagador. E quem paga o custo do serviço (plano de saúde) ao prestador não é quem escolhe o procedimento.

Desta forma, neste setor as decisões estão apartadas do custo, o que geram problemas conhecidos na literatura como sendo do tipo agente-principal. Enquanto em outros setores da economia a escolha depende basicamente do preço dos bens complementares e subs-titutos, dos gostos e das preferências, além da disponibilidade de recursos ($), na saúde o processo decisório é dividido e sofre influências de todos os agentes envolvidos, a saber: do paciente, do médico, do plano de saúde, do hospital e da indústria fornecedora dos materiais e medicamentos. Quem faz as escolhas não é quem utiliza e paga pelos serviços.

As decisões acima estão sujeitas às severas assimetrias informacionais, o que dá origem à possibilidade de comportamentos oportunistas por parte de alguns agentes. O risco moral surge, por exemplo, quando o indivíduo que adquire um plano de saúde tende a utilizar o ser-viço desnecessariamente por não incorrer diretamente nos custos.104 Neste caso, há a figura de um terceiro-pagador, no caso o plano de saúde, que arca com as despesas incorridas.

Há que se considerar a capacidade que os prestadores possuem, sejam eles médicos, den-tistas ou hospitais, de criarem demanda pelos seus serviços. Parte desta capacidade reside na própria assimetria de informação. Afinal, os indivíduos demandam os serviços desses profissionais para se informarem a respeito de seu estado de saúde e as orientações tera-pêuticas. Assimetria, portanto, em desvantagem para o paciente e para a operadora neste caso. Diante da suposta superioridade na relação de informação, há possibilidade de indu-ção de demanda pela oferta. Os economistas definem a demanda induzida como a deman-da adicional pelos serviços de saúde para além daquela que seria realizada caso fossem os indivíduos perfeitamente informados sobre suas reais necessidades. Essa característica explica em parte por que os centros de tratamento e de equipamentos superespecializados se ampliam como unidades de negócios aparentemente lucrativos.105

A parte que faltava para completar o cenário é a inovação tecnológica, que como mostra Newhouse (1992),106 é o principal item de aumento de custos. Enquanto na grande maioria dos setores econômicos o progresso tecnológico representa redução de custos, a incorpo-ração tecnológica na saúde é aditiva, não substitutiva, aparentemente um paradoxo.

Não é de se estranhar o que vem ocorrendo no setor de saúde suplementar. A combi-nação de assimetrias informacionais entre operadoras de planos de saúde, prestadores de serviços médico-hospitalares, pacientes e a indústria fornecedora, a capacidade de indução de demanda pela oferta e o estímulo à incorporação acrítica de novas tecnologias são, em grande medida, responsáveis pelos conflitos de interesses existentes no setor. E o que levou à reportagem segundo a qual alguns médicos estariam produzindo cirurgias

104 Não considerando os custos relacionados ao tempo. O custo marginal monetário é zero para o indivíduo utilizar o serviço, na ausência de coparticipação.105 Folland, S., Goodman, A.C., & Stano, M (2013).106 Op. cit.

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 121

desnecessárias com supostos danos à saúde (lesão corporal?) de pacientes para pro-mover o negócio de próteses em troca de remuneração comissionada. É bom lembrar que não estamos tratando de questões éticas neste livro, responsabilidade exclusiva dos Conselhos Profissionais. Nosso foco aqui são os incentivos existentes no mercado e os re-sultados produzidos, nem sempre desejáveis. Assim como a ética individual, os incentivos ajudam a governar as escolhas.

Ocorre que aparentemente, um novo mercado vem ganhando espaço mediante o uso mui-tas vezes inadequado do próprio Poder Judiciário com vistas à obtenção de vantagens in-devidas e não contratadas junto aos planos de saúde, além de muitas das vezes não serem de cobertura obrigatória. A Judicialização, como se denomina o processo de intervenção do Judiciário na área da saúde, pública e privada, pode ser considerada sadia quando busca garantir direitos que porventura são negados aos cidadãos. No entanto, quando garante di-reitos para alguns poucos que têm acesso ao sistema judiciário estimula iniquidades. Quan-do garante coberturas não contratadas impõe externalidades negativas a terceiros na forma do aumento das mensalidades. A mutualidade é chamada a repor os custos médico-hospi-talares que não foram precificados à época da contratação.

Trata-se, mormente, de sinalização ruim para a sociedade incentivando-a na busca de direi-tos não contratados. Ao mesmo tempo, impõe elevado risco jurídico ao setor, especialmente operadoras de planos de saúde, que não sabem se os contratos oferecidos serão cumpri-dos. Naturalmente o risco jurídico deve ser precificado para a manutenção do equilíbrio dos contratos e solvência das operadoras.107

Uma característica relevante para a manutenção do status quo é o baixíssimo grau de subs-tituitibilidade entre os produtos oferecidos no mercado de Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPME). Trata-se de um mercado relativamente competitivo à montante, com muitos fornecedores, nacionais e internacionais, competindo entre si. No entanto, como as características do produto são de elevada diferenciação, a partir de pequenas mudanças marginais é possível se criar inovações com objetivo terapêutico muito próximo, mas nem sempre equivalente, ao de seu substituto direto. Isto faz com que a estratégia empresarial seja a de maximizar as pequenas diferenças a fim de garantir poder de monopólio sobre o uso de cada determinado produto. As assimetrias informacionais no funcionamento e na substituitibilidade desses produtos ajudam a incentivar esta conhecida prática, pois a demanda se torna inelástica.

Adicionalmente, o processo de formação de custos e preços no mercado de OPME também varia bastante a depender do local, do porte do comprador, dentre outros fatores. Ao longo da cadeia produtiva, em razão de distorções na competição de mercado, os preços são acrescidos de margens nos elos de relacionamento comercial desde a entrada do produto até o consumidor final. O Gráfico 10 mostra a composição de custos de uma prótese de joe-lho, por exemplo, para ilustrar como o preço varia a partir do custo inicial até o preço pago por uma operadora de plano de saúde.

107 Acrescenta-se ainda o custo de oportunidade do próprio Judiciário que concentra tempo e esforços na atividade judicializada quando poderia se dedicar a outras tarefas.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL122

GRÁFICO 10 – MARGENS SOBRE OPME

Pagamento de impostos, inclusive

sobre taxas informais

53% do custo final

2.096

3.500

3.900

3.770

2.324

335

520

18.3621.462

455

13.000

Cust

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Fonte: Deloitte. Pesquisas primárias.

No mercado hospitalar, não é novidade que muitos hospitais passaram a ser revendedores de materiais e medicamentos, uma distorção nos preços relativos e na própria finalidade da instituição. A tabela 14 mostra que os insumos hospitalares representaram 45,8% das receitas em 2014 e 24,5% dos seus custos. A diferença se dá exatamente por esta que parece ser uma disfunção.108

TABELA 14 – COMPOSIÇÃO DE RECEITAS E DESPESAS HOSPITALARES

ComposiçãoReceita Despesa

2013 2014 2013 2014

Insumos hospitalares 49,1 45,8 25,5 24,5

Diversos 50,9 54,2 74,5 75,4

Fonte: Observatório ANAHP – 2015.

108 O segmento hospitalar em geral reputa este movimento como uma reação aos insuficientes reajustes nas tabelas de diárias e taxas ao longo dos anos.

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 123

Paralelamente à concorrência no processo de inovação do produto, há concorrência entre as empresas fornecedoras e distribuidoras para a colocação de seus produtos no mercado. Como a decisão pela escolha do produto é realizada monopolisticamente pelo médico as-sistente, há grande interesse na indústria produtora no fortalecimento dos laços de relacio-namento com médicos. O relacionamento vai desde treinamento no exterior, onde o médico se especializa na utilização de determinado produto e técnica, até práticas controversas como o oferecimento de comissões pela utilização do produto, pagamento de viagens a congressos internacionais e até o pagamento de despesas pessoais.

Trata-se, portanto de intensa competição pelo uso do recurso médico-hospitalar para induzir demanda pelo produto OPME. O alinhamento de incentivos entre indústria-médico-hospital pode ainda se valer do recurso judicial para suplantar a eventual resistência da operadora do plano de saúde, que busca reduzir custos muitas vezes desnecessários. Muitas vezes, na presença deste tipo de fenômeno, a operadora busca uma segunda opinião de especialistas para ampliar o leque de escolhas do paciente. Porém, no Judiciário muitas vezes a demanda é apresentada como risco iminente de vida e o juiz naturalmente entende pela supremacia do direito à dignidade da pessoa humana. Recentemente, no entanto, existem iniciativas para reduzir a assimetria de informação, atualmente em desfavor do Judiciário, como é o caso dos Núcleos de Apoio Técnico – NATs.109

Ressalta-se que o modelo de pagamento vigente no país, o denominado fee-for-service estimula ainda mais a sobreutilização dos serviços na medida em que remunera pela quantidade de procedimentos realizados e não pela melhor condição de saúde entre-gue. Remunera o erro muitas vezes. No atual modelo, quanto mais exames, internações e consultas, maior será a remuneração de parte da cadeia produtiva potencializando os in-centivos ao uso desnecessário. Trata-se notadamente de um mecanismo de remuneração a ser superado pelo setor de saúde. Mecanismos alternativos como os pacotes tendem a incentivar o uso mais adequado dos recursos ao mesmo tempo em que compartilha riscos mais eficientemente. Em um modelo de remuneração com risco compartilhado, as operadoras ficam responsáveis pelo risco da precificação e do underwritting enquanto os prestadores pelo risco assistencial. Logo, cada qual fica responsável pela parte que mais tem domínio e capacidade de gestão.

Para reduzir o grau de arbítrio do médico na escolha do material a ser utilizado, o Conse-lho Federal de Medicina editou a resolução CFMº 1.956/2010. Cabe ao médico assisten-te determinar as características (tipo, matéria-prima, dimensões) das órteses, próteses e materiais especiais implantáveis, bem como o instrumental compatível, necessário e adequado à execução do procedimento. O médico assistente requisitante deve justificar clinicamente a sua indicação, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e as legislações vigentes no país. Também é vedado ao médico assistente requisitante exigir fornecedor ou marca comercial exclusivos. No entanto, não há multa pecuniária.

109 Diante da crescente Judicialização da saúde e o volume de recursos desembolsados pelos governos o Conselho Nacional de Justiça (Resolução nº 107 de 2010) estimulou a criação de órgãos compostos por profissionais das áreas médica, farmacêutica e de assistência social e por membros das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, que têm por finalidade auxiliar os magistrados na deliberação sobre processos envolvendo temas de saúde. Nesses casos, após a distribuição da ação, o juiz pode encaminhar cópia da petição inicial e dos documentos ao NAT ou à Câmara Técnica, que se manifesta sobre a matéria. Examina, por exemplo, se o medicamento postulado está registrado na ANVISA; se é eficaz e eficiente ao tratamento da doença; se existe outro medicamento com menor preço, com o mesmo princípio ativo, ou já fornecido administrativamente pelo SUS.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL124

O Conselho pode apenas aplicar restrições éticas que, no limite, podem chegar ao can-celamento do registro do profissional.

Atenta aos excessos de utilização110, a Agência Nacional de Saúde Suplementar por sua vez, ao regulamentar o Rol de Procedimentos, estabeleceu no § 1º, do art. 21 da RN 338/2013 que cabe ao médico ou cirurgião dentista assistente a prerrogativa de determi-nar as características (tipo, matéria-prima e dimensões) das OPME necessários à execu-ção dos procedimentos. O profissional requisitante deve, quando assim solicitado pela operadora, justificar clinicamente a sua indicação e oferecer pelo menos três marcas de produtos de fabricantes diferentes, quando disponíveis, dentre aquelas regularizadas jun-to à ANVISA, que atendam às características especificadas. E em caso de divergência clínica entre o profissional requisitante e a operadora, a decisão caberá a um profissional escolhido de comum acordo entre as partes, com as despesas arcadas pela operadora. O profissional requisitante pode recusar até três nomes indicados por parte da operadora para composição da junta médica.

Todas essas ações buscam minimizar o dano que as más escolhas provocam à saúde do beneficiário do plano de saúde e ao sistema como um todo. Muitas outras janelas regula-tórias se abrem, mas é preciso estar atento para não se repetir erros do passado. Tratemos desse ponto no item a seguir.

Diante do cenário de custos crescentes e da superutilização de recursos é preciso es-tar atento para não se utilizar remédios fora do prazo de validade. Um medicamento tão antigo como ineficiente é o controle de preços. Na medida em que as receitas passem a ser insuficientes para recompensar os custos, inclusive custos de oportunidade, a oferta de novos produtos deixa de ser viável economicamente. As empresas reagem a esses incentivos reduzindo a oferta ou ajustando a qualidade. Em uma economia dependente da autorização de reajustes pelo governo, torna-se mais lucrativo barganhar maiores rea-justes junto ao poder público do que investir em inovação e no desenvolvimento de novos produtos e serviços. Como resultado, temos desestímulo ao aumento da produtividade, força motriz do crescimento econômico que sustenta as demandas sociais.

Não obstante essas medidas regulatórias aparentemente serem pouco indicadas, e de im-portantes e indesejáveis reações adversas, há um conjunto de ações importantes a serem implementadas. Não é piorando a qualidade de produtos que se resolverá a questão da OPME. Ao contrário, políticas que busquem estimular transparência nos custos e preços desses dispositivos devem ser estimuladas. Muito mais pode ser feito na avaliação dessas tecnologias e em suas indicações.

As tecnologias devem ser introduzidas, regra geral, tal como na grande maioria dos paí-ses, a partir de estudos independentes que comprovem a custo-efetividade e a capaci-dade de pagamento da população. Neste sentido, deve ser estimulada a formulação de regras que explicitem o sistema de escolha e priorização. É saudável que a sociedade

110 Veja este exemplo. Desde maio de 2011, quando teve início o Projeto Coluna, o Einstein já tirou da fila de cirurgia 72% dos pacientes com doença na coluna que tinham recebido indicação cirúrgica desnecessariamente. Desde a implantação do Projeto Coluna no Einstein, dos 467 pacientes encaminhados com indicação cirúrgica, somente 180 analisados pela equipe do Einstein tiveram as indicações confirmadas. Foram tratados 201 pacientes no hospital: 135 com fisioterapia e 66 com cirurgia. Fonte: www.einstein.com.br.

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 125

(e a coletividade segurada) possa enxergar o custo de oportunidade de novas incorpo-rações para que estas sejam feitas com lastro técnico suficiente.111 Também não parece ser o melhor caminho terapêutico a quebra de patentes pelo mesmo efeito de se inibir a inovação e o aumento de produtividade.

Uma importante reforma regulatória é a institucionalização da Avaliação de Tecnolo-gias em Saúde Suplementar. No Brasil, há um órgão destinado a fazer as avaliações no SUS que é a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC). A CONITEC foi criada pela Lei 12.401/2011, e dispõe sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do SUS. Portanto, a mesma preocupação com custo-efetividade e capacidade de financiamento do SUS deve-se ter com os bene-ficiários da saúde suplementar para se garantir acesso às novas tecnologias desde que sejam custo-efetivas e de acordo com as características epidemiológicas da população beneficiária de planos.112

Outra vertente regulatória importante se dá no relacionamento entre os players do merca-do. Nos EUA, por exemplo, há legislação interessante sobre o tema. Trata-se da Physician Financial Transparency Reports (mais conhecida como Sunshine Act). A legislação ame-ricana requer que os produtores de medicamentos e materiais médicos e hospitalares informem regularmente os pagamentos e itens de valor oferecidos aos médicos e hospitais de ensino. No Brasil, muitas vezes a relação comercial entre esses agentes não fica clara e transparente, especialmente quando envolvem trabalhos remunerados de consultoria técnica e o médico se especializa na utilização de determinado produto.

A unificação de nomenclaturas e terminologias também parece uma regulação promis-sora na medida em que reduz custos de transação, principalmente os custos informa-cionais para definição exata da característica dos produtos e sua substituitibilidade. Já existe um sistema denominado The Global Medical Device Nomenclature (GMDN) utilizado para definir os termos e usos necessários para a identificação dos produtos de saúde. Tal nomenclatura pode ser utilizada por reguladores, hospitais e produtores para reduzir as assimetrias de informação.

No Brasil, a ANS instituiu a terminologia unificada para OPME na Resolução Normativa 305/2012, mas ainda encontra-se em fase de adequação pelo Comitê de Padronização das Informações em Saúde Suplementar (COPISS), órgão de caráter consultivo da própria ANS que reúne representantes de todo o setor de operadoras, médicos, hospitais, odontólogos, dentre outros. A ANS criou a Terminologia Unificada da Saúde Suplementar (TUSS) que fun-ciona para padronizar os termos utilizados pelas operadoras e prestadores nas operações diárias. Trata-se de importante instrumento de transparência no setor, principalmente para a averiguação da equivalência de produtos. A TUSS evita que o mesmo material tenha nomes distintos. No entanto, não fornece informações sobre similaridade entre os produtos, esta sim uma conquista importante a ser perseguida para melhorar as escolhas.

111 Buchanan, J and Tullock, G (1962) mostram como reguladores também podem sofrer de assimetrias de informação na busca de seus interesses além da influência dos grupos de pressão. Portanto, é sempre preferível trilhar o caminho dos critérios técnicos e explicitá-los à sociedade antes de se decidir pela incorporação ou não de uma nova tecnologia ou medicamento.112 A incorporação tecnológica estimulou o desenvolvimento do parque hospitalar brasileiro, porém de forma desigual entre unidades da federação.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL126

A transparência dos preços é uma área onde a informação é especialmente carente. Estudos mostram que os custos de saúde para o mesmo procedimento no mesmo merca-do pode variar em mais de 100%.113 A redução na variação de preços para os 108 milhões de americanos cobertos com seguro saúde poderia poupar cerca de US$ 36 bilhões por ano. Fornecer aos consumidores informações claras, comparativos sobre os custos dos serviços é fundamental para envolvê-los ainda mais na tomada de decisões, processar e, em última instância, reduzir os custos de saúde. Conhecer o valor e a qualidade dos ser-viços assistenciais previamente pode ajudar os pacientes em suas decisões de compra, planejar as despesas futuras e reduzir a carga financeira das contas médicas inespera-das. A transparência dos preços da assistência à saúde também pode levar à melhoria da qualidade e eficiência dos serviços. E os prestadores poderão avaliar e melhorar o seu desempenho em relação aos seus concorrentes.

Em outro estudo114, pesquisadores avaliaram as solicitações de exames laboratoriais, ser-viços avançados de imagem e consultas médicas e compararam os pagamentos reali-zados entre os pacientes que obtiveram acesso aos preços dos procedimentos e os que não tiveram em um conjunto de aproximadamente 500 mil pacientes, entre 2010 e 2013. Ao final concluem que o valor total dos pagamentos diminuiu 14% quando os pacientes tiveram acesso aos preços dos serviços de saúde. A magnitude das diferenças foi maior para os serviços avançados de imagem e menor para as consultas médicas. Para se ter uma ideia, no caso de exames laboratoriais, a redução foi de 13,95%, nos serviços avan-çados de imagem foi 13,15% e nas consultas médicas de 1,02%.

O acesso dos pacientes sobre os preços antes de obter os serviços médicos, pode resul-tar em redução significativa nas despesas médicas para os empregadores. Segundo os autores do estudo, a adoção generalizada de tais medidas por parte dos empregadores pode contribuir para a redução do valor praticado pelos prestadores. Com a exposição pública dos problemas há chance de avanços no campo da conduta empresarial como a assinatura de convênios e códigos de ética.115 Enquanto isso, as operadoras devem estar atentas, pois se sujeitam, muitas delas, a regras internacionais de compliance e é seu de-ver zelar pela sustentabilidade econômica-atuarial de seus produtos.

A seguir, resumem-se oito medidas que podem contribuir para melhorar o desempenho das OPME.

1) Avaliação de Tecnologias em Saúde Suplementar e Disciplina na Incorporação – Sem dúvida há que se avançar na avaliação da incorporação de tecnologias baseada em estudos independentes de custo-efetividade dos produtos. Este deve ser o pré-requi-sito e orientador máximo para novas entradas: a capacidade de pagamento da popu-lação beneficiária de planos. Deve-se aumentar o rigor na introdução de novos pro-dutos e procedimentos obrigatórios no Rol da ANS. Não se deseja de forma alguma

113 Save $36 billion in U.S. healthcare spending through price transparency – Thomson Reuters – February 2012. 114 Whaley, Christopher and Chafen, Jennifer et.al (2014). 115 Os presidentes da Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Equipamentos, Produtos e Suprimentos Médico-Hospitalares (Abimed), da Associação Brasileira dos Importadores e Distribuidores de Implantes (Abraidi) e da Câmara Brasileira de Diagnóstico Labora-torial (CBDL), entidades formadoras da Aliança Brasileira da Indústria Inovadora em Saúde (ABIIS), assinaram um acordo de compromisso com a AdvaMed (Advanced Medical Tecnology Association), dos Estados Unidos, para a aplicação de programas de compliance e normas anticorrupção. Fonte: www.saudeweb.com.br.

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 127

inibir a inovação tecnológica e o acesso da população beneficiária às novas técnicas, mas se evitar incorporações que elevam os custos da assistência sem melhorar a saúde da população.

2) Potencializar o grau de substituitibilidade entre produtos – Avançar na utilização de terminologias unificadas parece um bom caminho para se ampliar o conhecimento público das características técnicas dos produtos e de seu grau de substituitibilidades. Grande parte do poder de monopólio na indústria de OPME deriva da ausência desse conhecimento específico. Portanto, a assimetria de informação é totalmente desfavo-rável ao comprador, que paga o preço de monopólio quando poderia pagar preços competitivos caso houvesse a possibilidade de substituição.

3) Transparência de custos e preços – A divulgação dos preços e custos pode ser uma fer-ramenta interessante para aumentar a competição no mercado de OPME. Grande parte do poder de mercado resulta da imperfeição do funcionamento do mecanismo tradicional de preços para orientar o consumo. Quanto maior transparência, melhor será o funciona-mento do mercado de OPME. Pode-se começar dando transparência a preços-chaves como médio, mediano ou quartis, mas deve-se ter cautela para que os preços não esti-mulem comportamentos anticompetitivos por parte das empresas fornecedoras.

4) Estímulo à contestabilidade dos monopólios – O estímulo ao uso da segunda opinião médica pode ser um importante fator na quebra de monopólios formados pela relação médico-paciente em que o médico assistente quase nunca é contestado. Estudos mos-tram que este pode ser um instrumento importante para melhorar o funcionamento do mercado e, principalmente, a qualidade de vida do paciente.

5) Realinhamento de incentivos – O realinhamento de incentivos deve ser buscado. Em suma, é importante que o bem-estar do paciente esteja bem alinhado com os ob-jetivos do médico, da indústria e do plano de saúde. Reduzir as práticas de estímulos às comissões ou demais vantagens financeiras dos médicos vai ao encontro deste realinhamento. Não discutimos neste livro as vantagens e desvantagens de se criar um custo para comportamentos desta natureza que podem ser financeiros, penais ou reputacionais. Mas parece um debate interessante a ser feito.

6) Novos Modelos de Remuneração – Nem tudo, entretanto, está exclusivamente no cam-po governamental. O setor privado pode avançar bastante no campo das formas de re-muneração saindo do atual modelo que incentiva o uso (e abuso) de OPME para o uso responsável, remunerado pelo valor agregado à saúde do paciente. Um alinhamento de incentivos poderoso em que o paciente retorna ao centro das decisões.

7) Empoderamento do Consumidor mediante incentivos de mercado – Franquias e copar-ticipações podem, juntamente com a transparência de preços, potencializar a capacida-de de escolha dos consumidores. Instrumentos tradicionais na indústria do seguro, as franquias e coparticipações, podem ser estimuladas na saúde suplementar como me-canismo de incentivo ao uso responsável do plano de saúde. O consumidor passará a ser o maior interessado em atribuir o melhor uso possível ao recurso escasso da saúde. Não reduz a assimetria de informações, mas ajuda a coibir abusos.

8) Estímulo aos Protocolos ou diretrizes de Utilização – O governo, junto com as socie-dades de especialidades em conjunto com outras partes interessadas, pode contribuir fundamentalmente na definição de protocolos técnicos de utilização. Esse conjunto de regras e orientações poderiam dar subsídio para a escolha de determinado material tendo como base o seu custo-efetividade.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL128

BOX 6 – TRANSPARÊNCIA DE PREÇOS DE DISPOSITIVOS MÉDICOS IMPLANTÁVEIS E DE PROCEDIMENTOS ASSISTENCIAIS

De acordo com o Ministério da Saúde, o mercado nacional de produtos médicos movi-mentou R$ 19,7 bilhões em 2014 sendo 20% dispositivos médicos implantáveis (DMI): R$ 4 bilhões, que em geral possuem curto ciclo de vida das tecnologias (média de 24 meses). Produtos lançados recentemente podem se tornar obsoletos antes do conheci-mento sobre seus potenciais benefícios ou malefícios.

Nos Estados Unidos, as falhas de mercado associadas aos insumos médicos, especial-mente OPME e dispositivos médicos implantáveis, já são velhos conhecidos, pelo menos dos economistas da saúde. A alta variabilidade nos preços, resultado de estruturas de mer-cado oligopólicas diferenciadas com pequeno número de vendedores e ausência de bens substitutos próximos, levou os legisladores americanos a aprovar legislação específica para transparência de preços de dispositivos médicos implantáveis. Desde 2007, os fabricantes desses dispositivos médicos implantáveis devem informar trimestralmente ao Center for Me-dicare and Medicaid Services (CMS) os preços médios e medianos de venda dos dispositi-vos, assim como os serviços incluídos no pacote, como treinamentos por exemplo. O CMS deve publicar tais informações em seu website. Existem penalidades, como multas, para o caso de envio de informações falsas.

Também nos Estados Unidos, alguns dos maiores planos de saúde se organizaram para divulgar informações acerca dos custos médio, máximo e mínimo de diversos procedimen-tos segundo nível nacional, estadual e local. Naquele país, tal informação pode ser útil na medida em que muitos consumidores de planos com altas franquias podem pesquisar an-tes de escolher em que prestador deve fazer o procedimento. O Health Care Cost Institute, um think tank financiado pelas operadoras divulga regularmente informações sobre esses custos no website guroo.com. No Brasil, há iniciativas da ANS para divulgação da base de dados da TISS. A divulgação desses dados deveria orientar o consumidor para os melho-res prestadores, mas para tanto deveria ser conjugada a informações de qualidade. Na ausência de mecanismos de compartilhamento de riscos, como franquia e coparticipação, o consumidor pode não levar em conta informações de custos para balizar suas decisões.

Há crescente debate acadêmico sobre as consequências da divulgação desses preços. Para alguns autores, pode facilitar a coordenação de práticas anticompetitivas. Para outros, estimula a competição. A linha divisória em que os benefícios da transparência superam os custos está na identificação das estruturas de mercado. Alguns estudos mostram que os resultados finais da transparência de preços dependem de como a indústria de dis-positivos está organizada estruturalmente. Geralmente são oligopólios diferenciados com alta discriminação de preços. No Brasil, há restrições legais à concorrência por meio das licenças de distribuição. Tudo depende de como o setor está organizado. A divulgação de um espectro maior de preços (médios, medianos, quartis etc) parece ser melhor do que o preço único (médio) exatamente por ser mais difícil essa coordenação. A transparência é positiva mas, per si, não é capaz de resolver falhas na competição. Deve ser vista como um aliado no objetivo de melhorar as condições de concorrência do setor juntamente com ações do CADE, ações que coíbam indução de demanda desnecessária, maior grau de substitutibilidade do produto/procedimento, produtos com franquias, dentre outros.

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 129

3.2.2 JUDICIALIZAÇÃO: O ENCONTRO DA ECONOMIA E DO DIREITO

A judicialização tem sido profundamente discutida no setor pelos efeitos que provoca no sistema. Já faz algum tempo que o setor se depara com a tendência crescente da judi-cialização. Estudiosos do direito costumam abordar a questão sob o enfoque dos direitos fundamentais, previstos constitucionalmente, dentre eles o direito à saúde.

O debate da judicialização remonta ao conceito de dignidade da pessoa humana, que como nos mostra Carlini116 possui características históricas e culturais diversas e têm sido utilizados nas diversas demandas judiciais. A dignidade da pessoa humana surgiu como reação a períodos de grandes perturbações trazidas à tona com as guerras mundiais. A dignidade humana, como princípio elencado no Rol de direitos fundamentais da Consti-tuição Brasileira de 1988, passou a ser utilizada de forma regular nas demandas judiciais por medicamentos, tratamentos e acesso a serviços de saúde das mais variadas formas.

As causas são diversas e especialistas têm debatido o tema recorrentemente. Falhas de re-gulamentação e a criação de um mercado para judicialização talvez expliquem o crescimen-to dessa atividade. Considerando a judicialização como uma atividade econômica, se ela se torna lucrativa para quem demanda a intervenção judicial, espera-se que maiores recursos sejam investidos na atividade por parte de quem deseja lucrar com ela.

Não se trata de novidade no mundo jurídico e econômico, mas na saúde o tema escalou degraus de preocupação pelo simples reconhecimento, inclusive de gestores públicos, da restrição de recursos, conceito que tende a ser menosprezado em grande número de deci-sões judiciais. A se notar que entidades de defesa dos consumidores também são grandes agentes judicantes, uma relação que os economistas costumam tratar dentro do modelo de principal-agente. Neste caso, a demanda por “justiça” produz resultados financeiros para a parte que busca o litígio e não são poucos os escritórios especializados em litigar na área de saúde, seja contra o Estado, seja contra a operadora de plano de saúde.

A recente CPI das Próteses revelou ao grande público o que muitos especialistas já sabiam: o alinhamento entre operadores do direito, fabricantes de materiais e médicos para utilizar a justiça não como fonte de garantia de direitos, mas da preservação e elevação dos lucros privados. Os economistas costumam avaliar essas questões sob a ótica do oportunismo, quando falhas legais e regulatórias abrem espaço para comportamentos dessa natureza. Os beneficiários do plano, ou o usuário do SUS, são utilizados para concretização do projeto financeiro, algumas vezes colocando em risco sua própria condição de saúde. A existência de um terceiro pagador, operadora ou SUS, pode ocultar para alguns um fato inconteste, o da oneração à mutualidade. No setor privado provocando elevação de mensalidades para os participantes daquele mútuo, ou de todos os beneficiários, e no sistema público restrin-gindo ações de saúde que seriam direcionadas a toda população.

Aqui o direito novamente se encontra com a economia. Ampliar direitos, mesmo que cons-titucionalmente garantidos, desconsiderando o efeito sobre a coletividade e a restrição de recursos, ou reserva do possível, no jargão jurídico, pode resolver problemas pontuais, mas provoca grandes distorções sobre todo o sistema.

116 Carlini, Angélica (2014).

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL130

Na seara jurídica, o conflito provocado entre o oferecimento de direitos para um em detri-mento de todos os demais tem sido resolvido por meio da análise argumentativa-principio-lógica, como mostra Timm.117 O campo da eficiência do uso dos recursos, como esclarece o autor, raramente é utilizado na análise de casos concretos. A economia do direito (law and economics) é ferramenta fundamental para se mensurar o efeito produzido por decisões judiciais. Geralmente, efeitos de secunda ordem e externalidades são desconsiderados pelo juiz ao decidir sobre um caso concreto. Afinal, o juiz está decidindo sobre um caso concreto, quem tem nome e sobrenome, tem um rosto. E os demais rostos que deixam de ter acesso a recursos básicos de saúde por conta de decisões? Esses não aparecem no tribunal...

Nesse sentido, a aplicação da análise econômica aos direitos fundamentais tende a cres-cer na medida em que os recursos se escasseiam e que a sociedade se dá conta de que há que se sacrificar alguma coisa para se obter outra, pois não há como ter saúde para todos de forma ilimitada, mesmo que esta seja uma previsão constitucional. O direito fun-damental da saúde não pode ir de encontro ao direito à livre concorrência e à livre inicia-tiva, também garantidos constitucionalmente (Constituição Federal, art. 170, 173 e 174). Afinal, vivemos numa economia de mercado com uma Carta Magna inspirada em modelos socialistas de organização social. As implicações dessa dicotomia se manifestaram no agigantamento do Estado brasileiro e na explosão das contas públicas e, como não po-deria ser diferente, na carga tributária elevadíssima que observamos hoje no país (cerca de 40%). Como estabelecer direitos sociais como saúde, educação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência etc. (Art.6 da EC 26 de 2000) sem aumentar a contribuição da sociedade na forma de impostos? E os deveres?

O problema da judicialização é mais complexo e tem raízes na própria profissão médica do país, como nos mostra Carlini.118 A opinião médica, por razões históricas e pela regu-lamentação da atividade, confere alto poder de persuasão a estes profissionais, portan-to baixíssima possibilidade de contestação. A autora examina a relação médico-paciente como uma espécie de relação de poder conferindo status e confiabilidade ao médico, o que explica, em parte, a dificuldade que o magistrado tem em contrariar suas indicações, no caso o parecer médico. A autora vai além ao estabelecer as fontes históricas e origens de poder quase supremo dos médicos e mostra que a influência da categoria se espalhou sobre a política, a arquitetura das cidades e influenciou a regulamentação da atividade, dando a primazia desta sobre outras atividades do ramo da saúde. A decisão do médico é tratada como soberana, adverte a autora, e o imaginário construído ao longo de muitos anos associa o médico como o único profissional competente para dizer o que é certo e o que é errado em saúde.

Em economia, a relação médico-paciente é bem caracterizada, novamente, pelos modelos de agente-principal. O paciente (agente) consulta o médico (principal) em busca de infor-mações sobre o diagnóstico e a terapêutica. Há, portanto, assimetria de informações, e o paciente delega a responsabilidade pelas escolhas ao médico. Ocorre, como mostra a teo-ria, que nem sempre esses incentivos estão perfeitamente alinhados. Quando isso ocorre, desalinhamentos, o principal pode utilizar de seu conhecimento privilegiado (assimétrico) em benefício próprio, ou seja, utilizando a relação para o aumento de seus ganhos.

117 Timm, Luciano Benetti (2011).118 Carlini, Angélica (2014) Op. Cit..

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 131

A autonomia do médico, garantida na legislação, não elimina o risco associado à utilização de técnicas menos custo-efetivas. O conhecimento científico evoluiu muito rapidamente e a economia da saúde recomenda que as técnicas devam ser objeto de estudos de custo-efe-tividade, ou seja, limitada à dura realidade de que os recursos são finitos.

É preciso, contudo, que se separem os conceitos. Pode ser correta a judicialização no caso em que operadoras venham a negar ou restringir procedimentos contratados e previstos na legislação. Por outro lado, há casos em que o beneficiário, processa a operadora em busca de uma cobertura que ele não tem direito, uma espécie de atalho, ou jeitinho brasileiro, para não ter que pagar a integralidade do valor da mensalidade necessária à manutenção do equilíbrio econômico do contrato. Este é o caso condenável. Mas há ainda situações que ficam no meio do caminho, de difícil interpretação. Estes são os casos mais complexos e que demandam um aprofundamento técnico para dirimi-lo.

O sistema privado, diferentemente do setor público, não tem cobertura universal e a atenção na saúde suplementar é limitada – por lei, pelo Rol de Procedimentos da ANS e pelo contra-to, que desobriga as operadoras de prestarem o que não estiver listado. Alguns exemplos são realmente questionáveis como tratamentos experimentais ou sem evidências científicas e ainda aqueles que sequer foram regulamentados no país. A ausência de evidências e pro-tocolos muitas vezes estimula a judicialização, pois a zona cinzenta se amplia.

A Judicialização da saúde afeta evidentemente tanto o setor público quanto o privado. Os economistas, e advogados próximos à doutrina que se convencionou chamar de eco-nomia do direito (ou direito e economia) aos poucos se dão conta da interação entre direito e economia e dos efeitos micro e macroeconômicos da quebra de regras. Não custa lem-brar um dos trabalhos de Armando Castelar que mostra que ao serem perguntados sobre a tensão que frequentemente existe na aplicação da lei, entre contratos que precisam ser observados, e os interesses de segmentos sociais menos privilegiados, que precisam ser atendidos, 78,8% dos 688 magistrados que responderam à questão se identificaram com a posição de que “O juiz tem um papel social a cumprir, e a busca da justiça social justifica decisões que violem os contratos.”119

Em outro estudo, Castelar120 mostra que há várias razões porque judiciários eficientes estimulam o crescimento econômico. Ao proteger a propriedade e os direitos contratuais, reduzir a instabilidade da política econômica e coibir a expropriação pelo Estado, judi-ciários fortes, independentes, imparciais, ágeis e previsíveis estimulam o investimento, a eficiência e o progresso tecnológico. Os estudos empíricos indicam que o sacrifício em termos de crescimento econômico da ineficiência judicial é de fato significativo. A judicia-lização saiu dos meios acadêmicos e seguiu para a análise jurídica do Conselho Nacional de Justiça e política sendo abordada recorrentemente nas CPIs das Próteses tanto da Câmara quanto do Senado, tamanhos os disparates encontrados.

O Relatório Final da CPI da Câmara dos Deputados mostra que “A perpetração de frau-des através da concessão de liminares foi objeto da Audiência Pública realizada no dia 19/5/2015. Os Senhores Desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,

119 Pinheiro, Armando C (2001).120 Idem.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL132

João Barcelos de Souza Júnior e Ney Wiedemann Neto, esclareceram que há dificulda-des para que os magistrados afiram adequadamente os valores de órteses e próteses que são demandadas para determinados tratamentos. Diante da urgência relatada pela parte no processo, reconheceram que a tendência dos magistrados é conceder a tutela de urgência a fim de evitar os graves danos à saúde que frequentemente são alegados. Não obstante, tal conduta possibilita que o Poder Judiciário, em certas ocasiões, chancele situações ilegais, como ocorre com a determinação de aquisição de determinada órtese ou prótese para tratamento específico, com preço superior ao de produtos similares”.

A utilização do judiciário com tal finalidade opera-se da seguinte forma: orientado por um médico, o paciente demanda ao juiz a concessão de tutela de urgência para a realização de determinado procedimento, que exige material específico de elevado valor. Diante da nega-tiva da operadora do plano de saúde ou do Poder Público, este recorre aos tribunais. Diante de uma situação de alegada urgência, da escassez de tempo para melhor decidir e da au-sência de informações precisas acerca dos preços de OPME praticados no mercado, bem como sobre as alternativas viáveis de tratamento, a regra é que se decida pela concessão.

O Relatório da CPI vai além: “Contudo, a decisão proferida, com a finalidade de assegurar ao jurisdicionado o não perecimento de seu direito e a resguardar a vulneração de sua inte-gridade física, pode gerar resultados lesivos: (a) ao Plano de Saúde, uma vez que adquirirá material em valores superiores àqueles suportáveis financeiramente; (b) aos demais segura-dos, em virtude da correção dos valores; (c) ao erário, quando são solicitados materiais ao Sistema Único de Saúde e (d) até mesmo ao próprio paciente, quando o tratamento não for necessário para o problema de saúde que apresenta.“

A aquisição de materiais de valor elevado alimenta um sistema em que profissionais de má-fé obtêm vantagens: o médico, por celebrar acordo com o fornecedor ou fabrican-te do material, recebendo benefícios diretos ou indiretos pela indicação; os advogados, considerando que o maior valor das condenações implica maior montante dos honorários advocatícios e o próprio fabricante. O fenômeno não passou despercebido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que já elaborou a respeito: Resolução nº 107/2010 – Institui o Fórum Nacional do Poder Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde.

Recomendação nº 31 do CNJ, de 30 de março de 2010: recomenda aos Tribunais a adoção de medidas visando a melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, para as-segurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde.

Recomendação nº 43 do CNJ, de 20 de agosto de 2013: recomenda aos Tribunais de Justiça e aos Tribunais Regionais Federais que promovam a especialização de Varas para processar e julgar ações que tenham por objeto o direito à saúde pública e para priorizar o julgamento dos processos relativos à saúde suplementar. O sítio institucional do Conselho Nacional de Justiça disponibiliza, inclusive, um “Roteiro de demanda por órtese, prótese e material especial (OPME)” com quesitos a serem aferidos antes da sentença.121 No entan-to, o crescimento do número de liminares concedidas indica que as recomendações vêm sendo, se muito, parcialmente seguidas.

121 http://www.cnj.jus.br/images/programas/forumdasaude/cnj_demandas_opme.pdf.

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 133

É difícil estimar precisamente o impacto da judicialização nos custos das operadoras. Porém sabe-se que ao permitir direitos não contratados para alguns, cria-se o incentivo para mais demandas judiciais. A tendência é preocupante. E em uma economia de mercado, a garan-tia do cumprimento dos contratos é fator fundamental para o investimento. Na presença de incertezas, o empresário se retrai. Uma pesquisa econômica importante a ser feita é com-preender se nas unidades federativas onde há mais judicialização, os preços dos planos de saúde são maiores ou se há menos oferta desses produtos. A pesquisa empírica aqui é de fundamental importância para mostrar os possíveis efeitos das decisões judiciais sobre os próprios consumidores, não aqueles que tem seu rosto mostrado diretamente ao juiz, mas todos os outros rostos que continuam no escuro.

Enquanto pesquisas dessa natureza não se disseminam, a sociedade busca resolver os conflitos de diversas formas, seja mediante a formatação de Núcleos Técnicas de Atendi-mento, que buscam reduzir a assimetria de informação entre o parecer médico e o magis-trado, contribuindo para uma decisão melhor fundamentada, seja mobilizando as entida-des setoriais e os órgãos de classe na busca de sensibilização quanto ao problema, seja via prevenção de conflitos com maiores esclarecimentos aos consumidores de planos de saúde. Espera-se que uma boa solução consiga adequar a demanda social aos requisitos financeiros que provém de sua própria contribuição, na forma de impostos ou mensalidades.

FIGURA 7 – AÇÕES JUDICIAIS PARA OBTENÇÃO DE MEDICAMENTOS E DISPOSITIVOS MÉDICOS (2013)

100.001 a 120.000

40.001 a 100.000

20.001 a 40.000

0 a 20.000 Total: 221.323

Rio Grande do SulSão Paulo

Rio de JaneiroCeará

Minas GeraisSanta CatarinaEspírito SantoMato Grosso

ParanáDistrito Federal

BahiaRondônia

Rio Grande do NorteMato Grosso do Sul

GoiásSergipe

PiauíAlagoasAmapá

MaranhãoRoraima

TocantinsParáAcre

113.95344.690

25.2348.3447.915

5.3955.181

2.9192.6091.91478159545235730918915314576666456197

RS

SPRJ

Fonte: ZH, CNJ, IpeaData.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL134

Enquanto se discute o tema, como salienta Carlini “Nem o cidadão que requer o tratamento de obesidade mórbida em um SPA e nem o magistrado que concede demonstram maior preocupação com a utilização dos recursos coletivos. O cidadão porque alega que tem direito, e o magistrado porque nem sempre tem meios para avaliar a repercussão e, apesar disso, tem a obrigação de decidir o caso concreto”. Trata-se de um problema conhecido na literatura como tragédia dos comuns. Quando não há propriedade bem definida sobre os recursos, os incentivos para o consumo imediato desses recursos é enorme. Se os recursos são de todos e de ninguém ao mesmo tempo, a exploração é inevitável. O problema econô-mico é que o benefício auferido por quem litiga supera os seus custos privados e a diferença é distribuída de forma genérica pelos demais contribuintes. Por isso, é difícil mobilizar consu-midores que estão pagando mais por conta da judicialização. O acréscimo na mensalidade é marginal, insuficiente para mobilizar as pessoas. Por outro lado, do lado de quem ganha com o processo, a mobilização é fácil. O judiciário está neste caso distribuindo renda entre consumidores de planos só que de forma ineficiente, pois gera enormes distorções, ou per-da de peso morto, na linguagem econômica.

3.2.3 PRÁTICAS ANTICONCORRENCIAIS DE COOPERATIVAS DE ESPECIALIDADES MÉDICAS

O mercado de saúde suplementar como já foi bastante abordado se caracteriza por falhas de mercado, notadamente as derivadas da assimetria de informação. Há, no entanto, outras falhas relacionadas ao poder de mercado na atividade prestadora que igualmente merecem atenção por parte das autoridades competentes, neste caso, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, autoridade máxima antitruste brasileira, o CADE.122

A atividade médica é central na saúde suplementar. É o médico o principal responsável pelo diagnóstico e pela cura, assim como dos procedimentos terapêuticos. A relação médico--paciente é de extrema importância para o sucesso dos tratamentos. Na moderna indústria de saúde, todavia, grandes desafios se colocaram com o aparecimento de operadoras de saúde privadas, já que a remuneração médica deixou de ser pactuada diretamente entre os médicos e os pacientes, passando a ocorrer com a intermediação de planos de saúde.

Organizar os termos de remuneração para médicos de diferentes especialidades e cobrin-do atenção às inúmeras intercorrências do pool de beneficiários dos planos é tarefa pouco trivial, em particular porque há referenciais limitados de custos previstos na definição dos prêmios e pelo fato dos serviços serem pagos não pelo paciente, mas pelas operadoras.

O referencial último dos valores dos honorários médicos pelos diferentes procedimentos que realizam é dado pelo balanço entre a oferta e a demanda destes serviços nas dife-rentes regiões do país, já que como profissionais liberais os médicos podem declinar do atendimento a certas operadoras ou trabalhar apenas na modalidade particular se assim desejarem. Para as operadoras, a obrigação de disponibilizar aos beneficiários acesso aos serviços dos médicos de forma tempestiva e com qualidade, a indisponibilidade de profis-sionais credenciados nas diferentes especialidades é fator de desvantagem competitiva no

122 O Cade é entidade judicante com jurisdição em todo o território nacional, que se constitui em autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça.

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 135

momento da comercialização dos planos e fonte de prejuízos financeiros quando são força-das a pagamentos ou reembolsos exagerados, geralmente impostos por liminares judiciais, pela contratação direta de médicos não credenciados.

Para os médicos, o credenciamento junto a uma ou mais operadoras de saúde depende da aceitação de referenciais de honorários pré-definidos, considerando o volume e grau de complexidade médios de atendimentos esperados, o que garante abertura de um rol signifi-cativo de pacientes e serviços. Se o bom atendimento e técnica tem valor elevadíssimo para cada beneficiário, os esforços e o comprometimento de cada profissional não podem ser aferidos caso a caso pela operadora que realiza os pagamentos, abrindo-se aí espaço para descontentamento de certos médicos com o que recebem. Tratam-se de situações inevitá-veis, mas que não apenas tendem a ser automaticamente resolvidas pela redução da ofer-ta de serviços eventualmente subapreçado, como pela concorrência das operadoras para manter médicos credenciados em número e especialidade suficientes em suas carteiras. O desenvolvimento de contratos mais sofisticados, envolvendo remuneração por desempenho ou buscando aperfeiçoar o alinhamento dos interesses dos médicos e operadoras já é muito comum na prática estrangeira, embora ainda incipiente no Brasil.

Têm sido comuns movimentos capitaneados por Conselhos, Sindicatos e Cooperativas mé-dicas buscando participar das discussões a respeito de honorários médicos, não raro ocor-rendo manifestações e a formação de grupos de interesses homogêneos para interferir nas negociações ou propor encaminhamentos.

O problema surge quando tais práticas evoluem para condutas concorrencialmente ilícitas à luz da legislação brasileira. A Lei 12.529 de 2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de De-fesa da Concorrência e dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, tem sido recorrentemente aplicada contra grupos de médicos que se associam para distorcer o ambiente concorrencial na indústria de saúde em proveito próprio.

Em artigo publicado em 2014,123 Gesner Oliveira, Roland Saldanha, Paolo Mazzucato e Mar-cela Atalle chamam a atenção para os riscos associados aos cartéis de especialidades mé-dicas. Para os autores, o uso de cooperativas como disfarce para a organizações de cartéis de médicos produzem prejuízos tanto ao SUS quanto para as Operadoras de Planos de Saúde. Os inquestionáveis méritos do cooperativismo são abalados quando organizações cooperativas são usadas como escudo formal e meio operacional para a estruturação de cartéis, impondo honorários excessivamente altos e condições comerciais contrárias à livre concorrência sob a força de boicotes ou descredenciamentos em massa.

Os autores mostram-se céticos com relação à pertinência do argumento que tenta des-caracterizar a ilicitude dos cartéis de cooperativas de especialistas médicos com base na compensação de forças dos ofertantes médicos nas barganhas com as operadoras de saúde. Os autores chamam a atenção para o fato de que a demanda por serviços médicos é desconcentrada em mais de mil operadoras de planos, sem falar dos serviços de saúde, públicos e privados. Ao conseguirem impor suas tabelas, os serviços médicos afetam os custos dos planos que, ao ficarem mais caros, acabam por incentivar ainda mais a seleção adversa, uma conhecida falha do mercado. Reduzem a entrada de novos beneficiários

123 Oliveira, Gesner, Saldanha, Roland, Mazzucato, Paolo e Atalle, Marcela (2014).

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL136

mais jovens, ou com menos renda. O argumento do “poder compensatório” encontra fun-damento nas vantagens do monopólio bilateral sobre um monopsônio puro, por uma po-tencial redução de distorções competitivas por compensação de forças, aumentando o poder de barganha dos ofertantes. É importante notar, contudo, que a pertinência lógica deste argumento depende da efetiva comprovação da existência e abusividade do uso de poder de monopsônio a ser compensado, tema de natureza empírica que define, inclusive, a proporcionalidade do poder de monopólio necessário à compensação.

No caso brasileiro, dada a configuração do Sistema de Saúde Pública e Suplementar, mar-cado por um grande número de players, forte regulação e concorrência entre as Operado-ras de Saúde que competem acirradamente pelos serviços dos médicos especialistas, o argumento do “poder compensatório” se esvazia lógica e empiricamente. A análise dos condicionantes do poder de monopsônio, realizada na Seção 4, mostra que a demanda por serviços de médicos especialistas no país tem natureza bastante competitiva, não se poden-do afirmar o mesmo para a oferta dos mesmos serviços.

Em outro trabalho,124 os autores analisaram 72 casos recentes submetidos ao CADE envolvendo organizações da classe médica. Destes, 16,7% cuidaram de condutas de Associações, Conselhos ou Sociedades Médicas, 51,4% foram representações contra Cooperativas Médicas de Trabalho e 31,9% avaliaram condutas de Cooperativas de Es-pecialidades Médicas.

Os casos envolvendo as Cooperativas Médicas de Trabalho tiveram como base mais fre-quente as condutas abusivas pela imposição de “unimilitância” a seus cooperados, elevando custos de operadoras rivais e dificultando a concorrência por foreclosure. Os processos en-volvendo Associações, Conselhos ou Sociedades de Medicina costumaram lidar com criação e disseminação de tabelas de honorários médicos, facilitadoras ou indutoras da adoção de conduta comercial uniforme ou concertada.

Finalmente, as Cooperativas de Especialidade foram representadas por práticas de cartel, consubstanciadas na coordenação das ações de médicos cooperados para fixar preços, impor tabelas de honorários ou organizar boicotes em negociações com as diferentes Ope-radoras de Saúde Complementar e hospitais.

Segundo os autores, “A convergência e sedimentação jurisprudenciais observadas no período vieram acompanhadas de forte redução na quantidade de averiguações preli-minares e processos administrativos contra condutas ilícitas de: (i) Associações, Conse-lhos ou Sociedades Médicas; e de (ii) Cooperativas Médicas de Trabalho até 2005. Não obstante, as novas representações relativas a condutas por (iii) Cooperativas de Espe-cialidades Médicas continuam com frequência elevada entre 2007 até os dias atuais, havendo vários Procedimentos Administrativos ainda em instrução contra este tipo espe-cífico de organização profissional e indícios de sustentação de condutas potencialmente ilícitas em casos ainda não representados.”

124 Oliveira, Gesner (2014).

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 137

Pelo estudo fica claro que as cooperativas, conforme previstas na legislação brasileira, são organizações não lucrativas, com controle democrático e essencialmente voltadas à presta-ção de serviços aos próprios cooperados. A relação entre os cooperados e uma cooperativa não inclui vínculo hierárquico de subordinação (empregatício ou trabalhista), sendo bem justificada pelas vantagens da integração vertical dos cooperados aos ativos comuns e seus serviços, sem desconsiderar eventuais vantagens tributárias típicas de empresas sem a fina-lidade de lucro. Ocorre que o desvirtuamento das funções sociais das cooperativas median-te práticas de coordenação horizontal abusivas assume diversas formas, sendo notáveis a prática de foreclosure em Cooperativas Médicas de Trabalho e as condutas de imposição de preços de cartel por Cooperativas de Especialidades Médicas.

Os autores concluem que “Ao elevar os custos com a assistência contratada junto aos be-neficiários, a majoração de honorários imposta pelos cartéis se traduzirá em mensalidades mais altas, o que tem impacto sobre a quantidade de planos comercializados e sobre o perfil de risco dos beneficiários.”

E argumentam que “Se é certo que não se espera efeitos sistêmicos devastadores pela prá-tica de cartel localizada em um ou poucos mercados regionais e circunscritos a um restrito rol de especialidades, a conivência com este tipo de prática bastante lucrativa estimula sua disseminação generalizada em outros mercados e especialidades, sendo já expressivo o número de casos levados ao conhecimento do CADE”.

3.2.4 O IMPACTO NA INFLAÇÃO MÉDICA (OU VARIAÇÃO DOS CUSTOS MÉDICO-HOSPITALARES)

O que se convencionou chamar de inflação médica, é bom que se diga, não é exatamente inflação, conhecida na economia como o fenômeno de aumento contínuo e generalizado de preços. Na saúde suplementar, os custos médico-hospitalares assistenciais aumentam tanto em razão do aumento de frequência de utilização quanto do aumento dos preços. Isto sem falar na incorporação de novas tecnologias e procedimentos que possuem a característica de estimular ainda mais o uso. Por estas razões, dentre outras, a variação dos custos médi-co-hospitalares (VCMH) se desloca da inflação geral de preços da economia. Isto ocorre não apenas no Brasil, mas em muitos lugares do mundo.

A Figura 8 apresentada em seguida ajuda a compreender a dinâmica que pressiona os cus-tos acelerando a Variação dos Custos Médico-Hospitalares (VCMH) das operadoras, e, por conseguinte, as mensalidades pagas.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL138

FIGURA 8 – DINÂMICA DA VCMH NA SAÚDE

Renda disponível

da população

Restrição orçamentária das empresas

Pressão de demanda

Pressão de oferta

Aumento de preços e quantidades

Aumento do custo assistencial

Preços dos planos

Novas tecnologias

Mecanismos de remuneração

Envelhecimento populacional

Transição epidemiológica

Seleção adversa

Moral hazard

Condutas anticoncorrenciais de cooperativas de trabalho

Aumento de coberturas

Revisões do rol

Demandas judiciais

Fonte: Adaptado de Alves, Sandro Leal (2007).

Pelo lado da demanda, pelo menos seis fatores têm “deslocado” a curva no sentido de pres-sionar por quantidades cada vez maiores de serviços de saúde. O envelhecimento popula-cional, como se sabe, é um ganho formidável de uma sociedade que evolui e prospera, mas tende a aumentar a demanda por assistência médica. As alterações já são percebidas na estrutura etária da população onde cada vez mais, aumenta a proporção de idosos.

Um segundo fator, diretamente relacionado ao primeiro, é a transição epidemiológica que a sociedade brasileira vem atravessando e que alterou tanto a incidência como o tipo das doenças que afetam a população e que, em geral, exigem um tratamento mais custoso. Trataremos destes efeitos com maior detalhe mais adiante.

Ainda pelo lado da demanda, destaca-se a seleção adversa que, em sentido amplo, significa a entrada de indivíduos com maior probabilidade de utilização (risco assistencial) no sistema suplementar e o moral hazard, que é estímulo ao uso excessivo dos serviços de saúde provo-cado pela presença do plano ou seguro. A legislação incentivou ambos os comportamentos ao proibir a seleção de riscos, padronizar contratos e proibir limites de utilização, resultando em aumento de demanda pelos serviços.

O aumento de preços provocados por comportamentos cartelizados por cooperativas de tra-balho médico também acentua a questão do aumento de custos assim como o aumento das coberturas obrigatórias mínimas estabelecidas pela Lei 9.656/98 e revisadas, em geral para cima, pela ANS. As frequentes demandas judiciais muitas vezes obrigando o oferecimento de coberturas não contratadas, também atuam como deslocadores da demanda. Como se vê, apenas pelo lado da demanda já existem suficientes fatores forçando a elevação dos custos, tanto pela maior utilização de serviços de saúde quanto pela elevação de pre-ços, que respondem ao aumento da demanda de forma ascendente, ceteris paribus.

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 139

Há que se observar também o comportamento da oferta de serviços de saúde, que no caso deste segmento, tem a capacidade de criar ainda mais demanda. O surgimento, e a incorporação acelerada de novas tecnologias, ao contrário dos demais setores da eco-nomia, não reduz necessariamente os custos de produção. Equipamentos cada vez mais sofisticados e intensivos em tecnologia, novos medicamentos e materiais muitas das vezes não substituem os antigos processos diagnósticos e terapêuticos, mas se agregam a eles, ampliando o leque de opções e também os custos. Sabendo que é o profissional de saúde quem decide sobre os caminhos diagnósticos e terapêuticos a percorrer, seja por demanda reprimida ou por demanda induzida, o fato é que quanto maior a oferta de serviços médicos maior tende a ser a demanda gerada. Ressalta-se também a difícil comparabilidade entre as novas tecnologias e as diferenças de preços entre elas.

O Gráfico 11, apresentado a seguir, mostra a variação dos custos com assistência médico-hos-pitalar das operadoras de planos de saúde comparado ao Índice Nacional de Preços ao Consu-midor Amplo – IPCA. Nota-se a diferença entre as duas curvas. Essa defasagem não vem sendo integralmente compensada nos reajustes das mensalidades dos planos e seguros de saúde.

GRÁFICO 11 – VARIAÇÃO DA DESPESA ASSISTENCIAL PER CAPITA NA SAÚDE SUPLEMENTAR E IPCA – BRASIL (2001-2014)

0%

2%

4%

6%

8%

10%

12%

14%

16%

18%

20%

2014201320122011201020092008200720062005200420032002

Varia

ção

(%)

Varia

ção

acum

ulad

a 20

02-2

014

(%)

0,0

0,5

1,0

1,5

2,0

2,5

3,0

Despesa assistencial per capita IPCAIPCA - AcumuladaDespesa assistencial per capita - Acumulada

Fontes: Sistema de informações de beneficiários – SIB/ANS/MS – Tabnet – Extraído em: 29/6/15. IBGE – Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor IPCA – INPC (Abr/15) – Número Índice (Dez 93 = 100) – Extraído em: 29/6/15.

A compreensão da dinâmica inflacionária setorial, ou, melhor dizendo, da variação dos custos médico-hospitalares, tem sido objeto de inúmeras pesquisas na área de economia da saúde tanto pelo impacto que provoca no poder aquisitivo das pessoas quanto pela ineficiência na alocação de recursos do setor. Gastos com saúde aumentam em velocidade superior à do cres-cimento da renda média do brasileiro, e três razões parecem ter maior participação na geração deste desequilíbrio: a incorporação de novas tecnologias e procedimentos ao sistema, em mui-tos casos, de forma acrítica e sem avaliação de seu custo-efetividade; as falhas competitivas nos

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL140

mercados de insumos, que criam monopólios na distribuição, com pouca base para compara-ção de preço aliado à qualidade; e a crescente judicialização, que desconsidera contratos e re-gulação, contribuindo para um ambiente institucional pouco atraente a novos empreendimentos.

Encontrar o ponto de equilíbrio entre gastos e poder de compra é tarefa inadiável, sob a pena de se restringir o acesso da população aos planos e seguros de saúde e elitizar o consumo desse produto. Um exercício interessante é demonstrado a seguir.125 Nos últimos sete anos, enquanto a despesa assistencial evoluiu, em média, 14,5% ao ano, o número de beneficiários cresceu, anualmente, apenas 5,1%. A diferença entre estes dois indicadores, 9,0%, represen-ta o crescimento da despesa per capita – logo, demonstra o peso do comprometimento da renda de quem contratou serviços privados de saúde. Admita-se que alguma parcela dos brasileiros com planos consiga obter aumento de renda equivalente ao IPCA – em torno de 6% ao ano. Ainda assim, na média, o beneficiário acaba por empenhar mais de 3% anuais da sua capacidade de pagamento pelo efeito da “boca do jacaré”, que se traduz na distância entre a evolução dos custos da medicina privada e o índice médio de inflação ao consumidor.

Neste ritmo, o cenário que se projeta é que a despesa assistencial per capita e a despesa per capita real – isto é, descontada a inflação – terão dobrado, no prazo de nove e 23 anos, respectivamente. O que mais preocupa é que o movimento imprudente em favor do cresci-mento dos gastos em saúde, muitas vezes, ganha contornos políticos e ideológicos distan-tes dos desejos e das capacidades orçamentárias da sociedade.

GRÁFICO 12 – DESPESA ASSISTENCIAL, BENEFICIÁRIOS E IPCA (TAXA ACUMULADA – JUN/07-JUN/14)

0%

20%

40%

60%

80%

100%

120%

140%

160%

180%

Jun/14Jun/13Jun/12Jun/11Jun/10Jun/09Jun/08

Despesa assistencial Despesa assistencial per capita Beneficiários IPCA

157,8 14,5

82,2

48,3

41,5

8,9

5,8

5,1

Crescimento acumulado Taxa média de crescimento (a.a.)

Fontes: Documento de informações periódicas das operadoras de planos de assistência à saúde – DIOPS/ANS – Extraído em 8/9/14. Sistema de informações de beneficiários – SIB/ANS/MS – Tabnet - Extraído em 4/9/14. IBGE - Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor IPCA – INPC (dez/13-dez/07) – Número Índice (Dez 93 = 100) – Extraído em 4/9/14.

Notas: Considera prêmio ganho nas modalidades medicina de grupo e cooperativa médica. Considera o prêmio emitido nas seguradoras especializadas em saúde. Considera os beneficiários das modalidades seguradora especializada em saúde, medicina de grupo e cooperativa médica.

125 Coriolano, Marcio Serôa de Araujo e Alves, Sandro Leal (2014).

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 141

Não é apenas o Brasil que convive com o crescimento das despesas médicas em ritmo superior à inflação. Outros países, independentemente do grau de desenvolvimento so-cial, vêm enfrentando também esse desafio de equalizar a capacidade de financiamento público-privado com os crescentes custos da assistência à saúde. Para exemplificar, o Gráfico 13 a seguir mostra a variação da despesa assistencial per capita nos E.U.A. que, assim como no Brasil, supera a inflação.

GRÁFICO 13 – VARIAÇÃO DO GASTO EM SAÚDE PER CAPITA E CPI (CONSUMER PRICE INDEX) – EUA (1960-2014)

0%

2%

4%

6%

8%

10%

12%

14%

16%

2014

2013

2012

2011

2010

2009

2008

2007

2006

2005

2004

2003

2002

2001

2000

1999

1998

1997

1996

1995

1994

1993

1992

1991

1990

1989

1988

1987

1986

1985

1984

1983

1982

1981

1980

1979

1978

1977

1976

1975

1974

1973

1972

1971

1970

1969

1968

1967

1966

1965

1964

1963

1962

1961

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

Varia

ção

(%)

Varia

ção

acum

ulad

a 20

02-2

014

(%)

Índice de Preços ao Consumidor (todos consumidores urbanos)Despesa nacional com saúde (per capita)

Fontes: Centers for Medicare & Medicaid Services, Office of the Actuary, National Health Statistics Group; U.S. Department of Commerce, Bureau of Economic Analysis; and U.S. Bureau of the Census. Centers for Medicare & Medicaid Services, Office of the Actuary.

Nota: 2014 – Projeção – Centers for Disease Control and Prevention’s (CDC).

A tendência de crescimento acima dos índices de inflação também é observada em outros diversos países, em maior ou menor grau. É o que mostra pesquisa divulgada pela consulto-ria Aon Hewitt com despesas com planos de saúde de clientes em diversos países.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL142

TABELA 15 – TENDÊNCIAS DE CRESCIMENTO DE CUSTOS EM DIVERSOS PAÍSES – 2014

Países Inflação anual (%)Crescimento dos custos médicos

Bruto (%) Líquido (%)

Canadá 1,81 8,00 6,20

Estados Unidos 1,71 9,00 7,29

Argentina 10,05 30,00 19,95

Brasil 4,73 16,50 11,39

Chile 3,00 5,00 2,00

México 3,25 9,00 5,76

França 1,46 8,00 6,54

Alemanha 1,70 4,00 2,30

Grécia -0,44 0,00 0,44

Itália 1,43 3,00 1,57

Portugal 1,03 4,50 3,47

Rússia 6,18 9,00 2,82

Espanha 1,50 5,00 3,50

Reino Unido 2,50 9,25 6,75

Turquia 5,30 12,00 6,70

Austrália 2,54 7,80 5,27

China 3,00 7,00 4,00

Índia 10,71 12,00 1,29

Japão 2,97 3,90 0,93

Fonte: AON – 2015 Global Medical Trend Rate Survey Report.

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 143

3.2.5 UM RETRATO DA SITUAÇÃO FINANCEIRA DO SETOR126

O objetivo desta seção é avaliar a situação econômico-financeira do setor de saúde su-plementar, até para desmistificar a percepção equivocada de que o setor é altamente lu-crativo. A elevação dos custos setoriais é influenciada pela utilização acrítica de tecnolo-gias e pode impactar a solvência das operadoras, como demonstram diversos estudos.127 No Brasil, este cenário traz preocupação por parte das operadoras de planos de saúde que possuem ingerência limitada na escolha tanto dos métodos terapêuticos quanto dos materiais utilizados. A preocupação com a correta utilização dos recursos médicos e tecno-lógicos deve estar presente na pauta de debate.

Nos EUA, por exemplo, estimativas mostram que cerca de 30% dos US$ 2,6 trilhões de gastos anualmente no sistema de saúde são desperdiçados em procedimentos desne-cessários como nas ineficiências do sistema e fraudes.128 Em adição às crescentes in-corporações no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde e outras exigências regula-tórias, tem sido observada crescente fragilidade econômica em uma parcela importante de operadoras que, se mantidas as tendências regulatórias, assistenciais, econômicas e demográficas de médio e longo prazos, poderão enfrentar dificuldades de se viabilizarem economicamente no mercado.

Tal percepção está corroborada nos balanços financeiros e patrimoniais. Estudo de Cechin, José, Alves, Sandro Leal e Almeida, Álvaro (2015) calcula indicadores econômico-financeiros das operadoras. Foram feitos dois estudos independentes, mas complementares entre si. Para o primeiro estudo (Diagnóstico do Setor) foram selecionadas 579 operadoras das modalidades de Medicina de Grupo, Cooperativa Médica e Seguradora Especializada em Saúde que publicaram seus dados de receitas e despesas assistenciais em 2013.129

Separou-se este conjunto em dois subconjuntos de análise: operadoras associadas à FenaSaúde e operadoras não associadas. No Grupo das não associadas, os indicadores ainda foram estratificados por portes (pequeno, médio e grande)130 e modalidades. Também se analisou o mapa da insolvência do setor utilizando um critério contábil básico de patrimônio líquido negativo para classificar operadoras insolventes.131 A Figura 9 resume o desenho do estudo.

126 Esta seção está baseada no estudo de Cechin, José, Alves, Sandro Leal e Almeida, Álvaro (2015).127 Na grande maioria dos países. Fonte: Sorenson, C, Drummond, M, Khan, B (2013). 128 Gibson, Rosemary and Prasad Singh, Janardan “The Treatment Trap: How the Overuse of Medical Care is Wrecking Your Health and What You Can Do to Prevent It” 2010.129 Optou-se por não incluir operadoras de Autogestão e Filantropia, por serem segmento que não objetiva o lucro. Também não foram incluídas as operadoras de Odontologia de Grupo e Cooperativa Odontológica por estas não comercializarem planos médicos.130 Pequenas (até 20 mil vínculos), médias (de 20 a 100 mil vínculos) e grandes (acima de 100 mil vínculos). Recorte da ANS.131 Outras definições de insolvência são possíveis. Estudos de previsão de insolvência geralmente se valem das classificações legais e regulatórias para fins dessa classificação. No caso da saúde suplementar, uma definição possível é uma operadora sob o regime especial de liquidação extrajudicial. Optamos pela simplificação contábil em razão da maior disponibilidade de dados, pois com frequência as operado-ras sob intervenção deixam de publicar regularmente suas demonstrações.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL144

FIGURA 9 – DESENHO DO ESTUDO

Indicadores econômico-fianceiros: rentabilidade, solvência, sinistralidade,

combinado, resultado operacional, margem de lucro

Associados à FenaSaúde (sem odonto)

Não associados à FenaSaúde

Operadoras insolventes

Abertura por modalidade

Abertura por porte

Abertura por porte

Abertura por modalidade

Abertura por região, UFs

Mercado de saúde suplementar (sem odonto, filantropia e

autogestão): 579 OPS

Estudo 1: Diagnóstico do setor

Estudo 2: Mapa da insolvência

Na Tabela 16 estão as principais informações financeiras do estudo. Aponta para as mar-gens negativas observadas nas pequenas operadoras da modalidade cooperativa bem como as pequenas e médias operadoras de medicina de grupo.132 Estas operadoras pos-suem 47,5 milhões de beneficiários, receita de R$ 92,5 bilhões, despesas assistenciais de R$ 90,8 bilhões e um resultado operacional de R$ 1,7 bilhão. O resultado operacional dessa amostra sem as operadoras associadas à FenaSaúde133 se reduz substancialmente para R$ 0,2 bilhão.

132 A amostra das 579 operadoras analisadas no primeiro estudo se distribui da seguinte forma: 12 – Seguradoras especializadas em saúde; 254 – medicinas de grupo; 304 – cooperativas médicas.133 Amico Saúde Ltda.; Amil Assistência Médica Internacional S.A.; Mediservice Administradora de Planos de Saúde S.A.; Intermédica Sistema de Saúde S.A.; Omint Serviços de Saúde Ltda.; Care Plus Medicina Assistencial Ltda.; Golden Cross Assistência Internacional de Saúde Ltda.; Gama Saúde Ltda.; Sul América Serviços de Saúde S.A.; Salutar Saúde Seguradora S.A.; Tempo Saúde Seguradora S.A.; Marítima Saúde Seguros S.A.; Allianz Saúde S.A.; Porto Seguro – Seguro Saúde S.A.; Unimed Seguros Saúde S.A.; Itauseg Saúde S.A.; Sul América Saúde Companhia de Seguros; Bradesco Saúde S.A.; Sul America Companhia de Seguro Saúde; Notre Dame Seguradora S.A.; Caixa Seguradora Especializada dm Saúde S.A.

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 145

TABELA 16 – DESCRIÇÃO DA AMOSTRA POR OPERADORAS, BENEFICIÁRIOS E DADOS ECONÔMICOS

Operadoras Beneficiários Receita*Despesa

total*Resultado

operacional*Margem

operacional (%)

Mercado de saúde suplementar¹

579 47.529 92,53 90,79 1,74 1,88

FenaSaúde 21 17.943 41,02 39,51 1,52 3,69

Mercado sem FenaSaúde

558 29.586 51,51 51,28 0,23 0,44

Cooperativa médica 304 18.843 38,07 37,86 0,21 0,54

• Grande 36 11.780 25,07 24,83 0,23 0,93

• Médio 130 5.754 10,45 10,40 0,05 0,45

• Pequeno 138 1.310 2,56 2,63 -0,07 -2,92

Medicina de grupo 254 10.743 13,44 13,42 0,02 0,15

• Grande 17 5.726 6,36 6,24 0,12 1,91

• Médio 78 3.818 5,34 5,35 -0,01 -0,18

• Pequeno 159 1.199 1,73 1,83 -0,09 -5,29

Mercado de saúde suplementar²

672 47.922 92,53 90,90 1,63 1,76

Fonte: Fonte: Tradução de Cechin, José, Alves, Sandro Leal e Almeida, Álvaro (2015).

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL146

TABELA 17 – INDICADORES OPERACIONAIS

SIN DA DC COMB COMBA

Mercado de saúde suplementar¹ 81,46 11,24 3,48 96,18 95,62

FenaSaúde 81,76 8,32 4,82 94,90 94,25

Mercado sem FenaSaúde 81,38 14,70 1,03 97,11 96,71

Cooperativa médica 82,18 12,86 2,15 97,20 96,67

• Grande 82,94 11,26 2,76 96,95 96,40

• Médio 81,38 14,70 1,03 97,11 96,71

• Pequeno 78,11 21,08 0,82 100,01 99,18

Medicina de grupo 78,46 15,60 3,15 97,21 96,86

• Grande 76,95 14,24 3,84 95,04 94,66

• Médio 80,58 14,86 2,73 98,16 97,74

• Pequeno 77,50 22,87 1,90 102,26 102,24

Notas: ¹Amostra do estudo (579 operadoras). SIN – Sinistralidade (%)134, DA – Despesa administrativa (%)135, DC – Despesa de comercialização (%)136, COMB – Índice combinado (%)137, COMBA – Índice combinado ampliado (%)138.

Fonte: Tradução de Cechin, José, Alves, Sandro Leal e Almeida, Álvaro (2015).

A Tabela 17 mostra um conjunto de indicadores econômico-financeiros para o grupo das operadoras incluídas na amostra (579). Os índices de sinistralidade apresentam pouca varia-ção intragrupos. No entanto, os indicadores de sinistralidade são altos, independentemente do grupo ou porte analisado. A elevação das coberturas obrigatórias, tecnologias, não ava-liadas sob o enfoque do custo efetividade, maior rentabilização das atividades dos estabele-cimentos prestadores de serviços médicos e indicações inadequadas, dentre outros fatores, agrava este indicador. Elevações de custos e preços (reajustes) devem observar a finalidade de manutenção do equilíbrio atuarial dos contratos e a capacidade econômica da sociedade (pessoas e empresas) de financiar o setor.

A fim de exercerem sua atividade econômica e social básica de oferecer proteção e acesso aos serviços de saúde cobertos, as operadoras devem organizar os contratos, contratar pes-soal qualificado, implantar e manter os diversos sistemas de informação e cobrar prêmios e mensalidades, constituir rede de atendimento, dentre outros. As despesas administrativas

134 Percentual da receita destinado ao pagamento de eventos assistenciais. 135 Percentual da receita destinado ao pagamento de despesas administrativas.136 Percentual da receita destinado ao pagamento de despesas de comercialização.137 Percentual da receita destinado ao pagamento de eventos assistenciais + despesas administrativas + despesas de comercialização.138 Percentual da receita somada ao resultado financeiro que é destinado ao pagamento de eventos assistenciais + despesas administrativas + despesas de comercialização.

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 147

servem, portanto, para fazer a máquina funcionar.139 Preocupa o elevado índice observado nas pequenas operadoras que possuem baixas economias de escala para a operação de saúde suplementar.

Quando adicionam-se as demais despesas (assistenciais, administrativas, comerciais e tri-butárias), o percentual da receita comprometido se eleva, reduzindo a margem. Os índices combinado e combinado ampliado denotam alta absorção de recursos que chega a ultra-passar as receitas no caso das pequenas operadoras. A viabilidade econômica do negócio de saúde suplementar depende fundamentalmente de indicadores combinados abaixo da unidade. Os ganhos financeiros decorrentes das aplicações das reservas técnicas obrigató-rias conseguem atenuar esses indicadores, mas o sucesso da operação continua a ser cru-cial, exigindo técnica, profissionalização e eficiência das operadoras em todas as dimensões da operação. No entanto, custos provocados por fatores exógenos (legais/regulatórios) con-tinuam a apertar as margens do setor.

TABELA 18 – INDICADORES DE RENTABILIDADE

ROA ROE MLL EBIT EBITDA

Mercado de saúde suplementar¹ 2,92 8,14 2,05 5,38 5,79

FenaSaúde 3,28 7,22 2,84 7,50 7,89

Mercado sem FenaSaúde 2,48 10,21 1,42 3,70 4,12

Cooperativa médica 3,44 14,68 2,11 4,43 4,79

• Grande 3,44 16,89 2,00 4,26 4,58

• Médio 3,29 12,06 2,18 4,63 5,01

• Pequeno 3,92 12,14 2,97 5,33 5,98

Medicina de grupo (1,19) (4,26) (0,54) 1,61 2,23

• Grande (0,29) (1,24) (0,11) 1,84 2,59

• Médio (1,60) (5,19) (0,72) 1,36 1,81

• Pequeno (2,09) (6,72) (1,56) 1,51 2,19

Nota:¹ Amostra do estudo (579 operadoras). ROA – Retorno sobre o ativo140, ROE – Retorno sobre o patrimônio líquido141, MLL – Margem de lucro líquido142, EBIT – Lucro antes de juros e impostos143, EBITDA – Lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização.144

Fonte: Tradução de Cechin, José, Alves, Sandro Leal e Almeida, Álvaro (2015).

139 O grupo de operadoras da FenaSaúde apresenta um baixo índice de despesas administrativas comparativamente aos demais grupos analisados.140 Resultado líquido / ativo total.141 Resultado líquido / patrimônio líquido.142 Resultado líquido / receita.143 Resultado líquido + desp. financeiras+IR+CSLL – impostos diferidos / receita.144 Resultado líquido + desp. financeiras+IR+CSLL – impostos diferidos +depreciação+amortização/ receita.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL148

Os indicadores de retorno do investimento e de rentabilidade, em suas diferentes formas financeiras, foram baixos. Mais importante do que observar o retorno do patrimônio em 2013 é observar sua tendência, comparativamente ao custo de oportunidade do capital, por exemplo medido pelo retorno do CDI. O Gráfico 14 evidencia a tendência de descolamento dessas variáveis. Em uma economia de mercado, ainda que regulada, investimentos que não superam o custo de oportunidade do capital tendem a não ser realizados por afastar o interesse dos investidores. Como enfrentar os desafios que a demografia e a longevidade nos impõem sem o apoio dos investidores privados?

GRÁFICO 14 – EVOLUÇÃO DAS APLICAÇÕES FINANCEIRAS (CDI) VS. ROE SAÚDE SUPLEMENTAR

0,0%

2,0%

4,0%

6,0%

8,0%

10,0%

12,0%

14,0%

16,0%

18,0%

20,0%

CDI + 6% a.a.Retorno sobre o patrimônio líquido (ROE)

20132012201120102009

15,84%

12,09%

15,71%

13,79%

17,60%

11,20%

14,37%

8,88%

14,06%

7,10%

Fonte: Tradução de Cechin, José, Alves, Sandro Leal e Almeida, Álvaro “An Assessment of the Economic and Financial Situation of the Supplementary Health Sector” Edição V. 10 – Nº 18 – Abril 2014/Março 2015.

Os índices de liquidez, razões entre ativos e passivos em diferentes dimensões temporais, geralmente entendem-se que “quanto maior, melhor”. O “ponto de equilíbrio” para todos eles ocorre quando o resultado da divisão é igual a 1 (um), indicando que a empresa “possui” uma unidade monetária em ativos para cada unidade de dívida. Considerando o resultado igual a 1 (um) adequado ao setor, nota-se que a capacidade de pagamento no longo prazo (LG) do mercado é satisfatória. Entretanto, observa-se nas modalidades cooperativa médica e medicina de grupo, na segmentação por porte, resultados próximos a um (1) ou inferiores, indicando a fragilidade da saúde financeira destas empresas.

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 149

TABELA 19 – ÍNDICE DE LIQUIDEZ

LG LC

Mercado de Saúde Suplementar¹ 1,20 1,13

FenaSaúde 1,41 1,08

Mercado sem FenaSaúde 1,01 1,16

Cooperativa médica 1,03 1,18

• Grande 1,02 1,12

• Médio 1,01 1,26

• Pequeno 1,12 1,38

Medicina de grupo 0,95 1,09

• Grande 0,95 1,11

• Médio 1,01 1,14

• Pequeno 0,86 0,95

Notas: ¹Amostra do estudo (579 operadoras). LG – Liquidez geral145, LC – Liquidez corrente146.

Fonte: Tradução de Cechin, José, Alves, Sandro Leal e Almeida, Álvaro (2015).

Considerando o índice de endividamento no mercado de saúde suplementar, observa-se que, mais de 60% das dívidas das operadoras vencem no curto. Desse modo, para cada R$ 100,00 de dívida que as operadoras possuem R$ 61,13 vence no curto prazo, ou seja, em um período inferior a um ano.

145 Ativo circulante + realizável a longo prazo / passivo circulante + exigível a longo prazo. Mostra a capacidade de pagamento no longo prazo.146 Ativo circulante / passivo circulante. Mostra a relação entre os ativos conversíveis em dinheiro no curto prazo e as dívidas de curto prazo.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL150

TABELA 20 – INDICADORES DE ESTRUTURA DE CAPITAL

ENDIV ENDIVCP ENDIVLP CE

Mercado de saúde suplementar¹ 64,11 39,19 24,92 61,13

FenaSaúde 54,49 31,93 22,56 58,60

Mercado sem FenaSaúde 75,67 47,91 27,76 63,31

Cooperativa médica 76,56 45,47 31,09 59,39

• Grande 79,56 46,37 33,19 58,28

• Médio 72,65 43,79 28,85 60,28

• Pequeno 68,02 44,70 23,32 65,72

Medicina de grupo 72,23 57,28 14,95 79,30

• Grande 76,82 61,47 15,35 80,01

• Médio 69,26 55,62 13,64 80,30

• Pequeno 69,31 52,66 16,65 75,98

Notas: ¹Amostra do estudo (579 operadoras). ENDIV – Índice de endividamento147, ENDIVCP – Índice de endividamento de curto prazo148, ENDIVLP – Índice de endividamento de longo prazo149, CE – Composição do endividamento (quanto da dívida vence no curto prazo)150.

Fonte: Tradução de Cechin, José, Alves, Sandro Leal e Almeida, Álvaro (2015).

Entre as 1.143 operadoras que divulgaram o resultado do patrimônio líquido (PL) em 2013, 92 apresentaram resultado negativo (PL<0), o que representa 8,0% do total. Destas, 62 operadoras apresentaram PL negativo também em 2012. Considerando as 92 operadoras com PL negativo, 35 operadoras (38,0%) sofreram alguma intervenção da ANS. A forma de intervenção mais frequente ocorrida até julho de 2014151 foi a instauração do regime de direção fiscal e técnica, aplicado a 16 operadoras (45,7%). As outras intervenções foram: alienação de carteira, sete operadoras (20,0%) e posterior cancelamento do registro, seis operadoras (17,1%). Da amostra utilizada para o primeiro estudo (579 operadoras), 43 apresentaram PL negativo.152 A seguir, apresenta-se a classificação das operadoras solventes e insolventes, por modalidade e porte.

147 Passivo circulante + exigível a longo prazo / ativo total.148 Passivo circulante / ativo total.149 Exigível a longo prazo / ativo total.150 Passivo circulante / exigível total.151 Resoluções operacionais publicadas no diário oficial até 22/07/2014. Fonte: ANS.152 Nenhuma das 21 associadas à FenaSaúde.

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 151

TABELA 21 – AMOSTRA POR MODALIDADE

Modalidade Solventes Insolventes Total

Cooperativa médica 294 10 304

Medicina de grupo 230 33 263

Seguradora especializada em saúde 12 12

Total 536 43 579

Fonte: Tradução de Cechin, José, Alves, Sandro Leal e Almeida, Álvaro (2015).

TABELA 22 – SINISTRALIDADE DAS OPERADORAS SOLVENTES E INSOLVENTES

Modalidade e porte Solventes Insolventes Geral

Cooperativa médica 81,6% 89,4% 82,2%

• Grande 82,3% 88,8% 82,9%

• Médio 81,1% 94,2% 81,4%

• Pequeno 77,6% 97,5% 78,1%

Medicina de grupo 80,6% 87,6% 80,8%

• Grande 81,0% 89,0% 81,1%

• Médio 79,2% 92,6% 80,3%

• Pequeno 79,2% 78,4% 79,0%

Seguradora especializada em saúde 81,1% - 81,1%

• Grande 80,7% - 80,7%

• Médio 82,2% - 82,2%

• Pequeno 142,9% - 142,9%

Geral 81,1% 88,8% 81,5%

Fonte: Tradução de Cechin, José, Alves, Sandro Leal e Almeida, Álvaro (2015).

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL152

Fica claro observando os dados da tabela 22 que a diferença entre os índices de sinistrali-dade das operadoras solventes e insolventes é significativa, o que leva a crer que este é um importante indicador a ser controlado e observado para se evitar insolvências ainda maiores no mercado.153

TABELA 23 – PATRIMÔNIO LÍQUIDO – RECEITA E DESPESA ASSISTENCIAL (INSOLVENTES)

Modalidade e porte Receita Despesa Beneficiários

Cooperativa médica 2,7 2,4 1.024.419

• Grande 2,4 2,2 910.005

• Médio 0,2 0,2 86.072

• Pequeno 0,1 0,1 28.342

Medicina de grupo 1,2 1,0 817.746

• Grande 0,4 0,3 265.732

• Médio 0,5 0,4 315.906

• Pequeno 0,3 0,2 236.108

Total 3,9 3,4 1.842.165

Fonte: Tradução de Cechin, José, Alves, Sandro Leal e Almeida, Álvaro (2015).

Os resultados apresentados revelam que a elevação dos custos setoriais, particularmente aqueles relacionados às incorporações tecnológicas e às Órteses, Próteses e Materiais Espe-ciais (OPME) e indicações inadequadas vêm agravando a tendência de crescimento das des-pesas totais e prejudicando a situação econômico-financeira do setor de saúde suplementar.

A ampliação das coberturas obrigatórias, a inclusão e utilização de inovações tecnológicas sem a avaliação do custo efetividade, as excessivas e desnecessárias indicações de exa-mes complementares sem a anamnese e exame clínico do paciente, os abusos nas indica-ções das Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPME), dentre outros fatores, contribuem para os altos índices de sinistralidade e despesas crescentes no setor. Os índices de sinis-tralidade e as margens apertadas do setor demonstram a situação econômica preocupante de parte do mercado.

153 A receita de contraprestações das insolventes em 2013 foi de 3,9 bilhões ou 3,5% do mercado, enquanto as despesas assistenciais foram de 3,4 bilhões ou 3,8% do total do mercado. Em termos de beneficiários, as insolventes respondem por 1,8 milhão ou 3,7%. Em termos de porte, 65% (28) são pequenas; 26% (11) são médias e 9% (4) são grandes. O total de patrimônio líquido negativo é de R$ 473,4 milhões.

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 153

Desde 2010, o mercado de saúde suplementar apresentou queda nas taxas de retorno so-bre o patrimônio líquido. Quando comparada com a evolução das principais aplicações financeiras disponíveis no mercado, especialmente o CDI (Certificado de depósito interban-cário), nota-se a falta de atratividade financeira do setor. O baixo retorno frente ao custo de oportunidade do capital tende a desestimular o interesse dos investidores.

Há que se considerar que a insolvência financeira, analisada por uma metodologia con-servadora, expôs a fragilidade de 92 operadoras no período de análise (8% do total). Parte delas (35) sofreu intervenção governamental na forma de direção fiscal. O estudo conclui que, mantidas as tendências observadas, principalmente a pressão de custos setoriais, a insolvência poderá atingir outras empresas que atualmente prestam serviços assistenciais a milhões de brasileiros e são responsáveis pelo acesso a mais de 1 bilhão de procedimentos médicos, odontológicos, hospitalares, exames e terapias. Trata-se, portanto, de um sistema que deve ser preservado economicamente, pois sua sustentabilidade produz benefícios re-conhecidos pela sociedade e com elevadas externalidades positivas, inclusive para o finan-ciamento do sistema público.

3.2.6 EFICIÊNCIA E A RELAÇÃO RISCO X RETORNO

Naturalmente, os efeitos econômicos e regulatórios apontados ao longo do livro foram co-locados de forma macro. Cada operadora percebe os efeitos de forma única na medida em que os impactos a atinge desigualmente. Seu posicionamento no mercado e o sucesso de suas estratégias dependerão de quão preparadas estiverem para absorverem os impactos regulatórios de forma positiva. A gestão de uma operadora em um ambiente regulatório ex-tremamente complexo e desafiador é fator decisivo.

Para auxiliar neste diagnóstico, algumas ferramentas econômicas, além das tradicionais me-didas utilizadas na análise econômico-financeira, são bastante úteis para situar determinada operadora diante de seus pares. São as metodologias de eficiência técnica e da relação risco x retorno.

3.2.6.1 Eficiência de Operadoras de Planos

O futuro do setor dependerá da eficiência com que as operadoras vão desempenhar suas atividades. Mas como medir eficiência de uma operadora de plano? Em seguida vamos mapear os principais desafios na determinação de métricas para mensurar eficiência neste setor que, não obstante opere com a mesma racionalidade do seguro, no que se refere ao mutualismo, trata-se de um mundo à parte. Possui regras e operações muito diferentes da atividade de seguro. Na realidade, o mundo da saúde suplementar está em acelerada busca por melhoria das condições de eficiência e eliminação de desperdícios em toda a sua cadeia produtiva. Vejamos os principais desafios para a definição de indicadores de eficiência para as operadoras.

Antes de buscar alguma medida de eficiência é preciso ter em mente a razão pela qual se mede eficiência. A natureza do processo competitivo leva naturalmente a busca por me-didas de comparação. Afinal, o empresário precisa saber se está utilizando os recursos da maneira mais apropriada e se o retorno obtido é suficiente. Fosse ele um monopolis-ta, pouca atenção provavelmente daria a esse tema. Seus lucros estariam garantidos pela simples ausência de competidores. Seu poder de mercado lhe garantiria o resultado com

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL154

muito pouco incentivo para melhorar seu desempenho. Mas monopólios são exceções. A regra geral é a competição. A vida é competitiva por natureza, queiramos ou não. Como saber se estamos no caminho certo?

As empresas geralmente têm à sua disposição inúmeros relatórios contábeis que lhes per-mitem avaliar o seu desempenho de forma comparativa. Pouco vale o resultado obtido por uma empresa sem que se tenha ao menos um parâmetro de comparação. Em geral, a ava-liação do desempenho é realizada em comparação com os concorrentes. Tradicionalmente, as avaliações se dão sobre índices de retorno, pela comparação simples da produção, pelo market-share, pelo lucro e pelas vendas realizadas, o que permite frequentemente a elabora-ção de rankings, bastante úteis para a avaliação da posição relativa diante dos concorrentes.

Importante ressaltar que as medidas de avaliação de desempenho variam segundo seu objetivo de análise. Para o executivo muitas vezes o resultado líquido após o pagamento de juros e de impostos é suficiente. Ao acionista pode ser mais interessante a evolução temporal das vendas ou do retorno sobre o patrimônio líquido. Para o consumidor, uma medida de avaliação pode ser o índice de reclamações junto a alguma entidade de defe-sa do consumidor ou a avaliação obtida em pesquisas de satisfação. A responsabilidade social também pode ser um critério de avaliação de desempenho. Aos olhos do governo a eficiência pode ser medida, por exemplo, pela arrecadação tributária da empresa. O fato concreto é que avaliar empresas é sempre uma tarefa subjetiva na medida em que o indi-cador utilizado para medir o desempenho das empresas dependerá sempre do ponto de vista do avaliador, que pode ser o empresário, o executivo, o consumidor, o fornecedor de serviços, o banco, o governo e assim por diante.

Uma vez resolvida a questão do foco da avaliação, ferramentas da economia e das finan-ças estão disponíveis para o cálculo de indicadores de eficiência. Por exemplo, para um investidor é importante a avaliação do retorno esperado sobre os projetos de investimentos descontados a valor presente por uma taxa ponderada ao risco. A metodologia do valuation dá conta desses cálculos e tem sua aplicação disseminada na área financeira.

Existem, adicionalmente, metodologias de cálculo de eficiência baseados na teoria microe-conômica da produção. A vantagem de contar com essas metodologias está na possibili-dade de contar com um arcabouço teórico robusto e de ampla aceitação. A utilização de insumos, com determinada tecnologia, gera como resultado o produto ou serviço oferecido ao mercado. Neste sentido, uma empresa é mais eficiente que seu concorrente, por exem-plo, se é capaz de produzir mais com os mesmos volumes de insumos utilizados. Ou, al-ternativamente, se ela é mais eficiente então consegue produzir o mesmo volume que seu concorrente, porém com menor quantidade de insumos. Esse é o conceito de eficiência técnica, bastante utilizado em economia.

Cálculos matemáticos e econométricos são geralmente utilizados para se avaliar compara-tivamente a eficiência de empresas sendo a análise envoltória de dados (DEA) e a análise das fronteiras estocásticas (SFA) as metodologias mais comumente utilizadas. Entretanto, a aplicação dessas metodologias depende, sobretudo, do que se entende como sendo a denominada função de produção da empresa, isto é, a forma, geralmente matemática, pela qual se relacionam insumos e produtos.

Feita essa breve digressão conceitual, passemos agora ao caso de uma operadora de plano de saúde. A principal dificuldade em se mensurar a eficiência de uma operadora é a definição

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 155

de sua função de produção e, mais especificamente, a definição da produção de uma ope-radora. Qual o produto ou serviço oferecido pelas operadoras ao mercado consumidor? Responder essa questão é primordial e antecede o cômputo dos níveis de eficiência.

Dentro da visão estritamente securitária, uma operadora produz gestão de riscos, ou seja, o carregamento e a agregação de riscos que, mediante o pagamento de uma mensalida-de, retorna à sociedade sobre a forma de indenização no caso de ocorrência de eventos aleatórios contratados. Uma visão, digamos, sanitarista, enxerga uma operadora como sendo uma produtora de serviços de saúde, numa analogia muito próxima à atividade de um hospital, por exemplo.

Caso prevaleça a visão securitária, o produto da operadora poderia ser medido pelo volume de indenizações pagas que, na prática, é o produto da operadora quando o risco efetiva-mente se materializa. A fim de produzir essas indenizações, a operadora se vale das des-pesas administrativas e comerciais além do capital utilizado para investir no negócio, sendo esses os insumos utilizados na avaliação da eficiência.

No caso alternativo, sanitarista, como resultado da atividade da operadora pode ser utilizado o volume de consultas ou de internações como medida de produto, sendo a arrecadação de receitas o insumo dessa atividade. Na realidade, segundo essa visão o que de fato inte-ressa é o valor adicionado pela operadora no estado de saúde de seu beneficiário. Como os resultados em saúde são de difícil mensuração e, por natureza, sujeitos a diversos fatores interdependentes entre si tais como a efetividade do cuidado e da intervenção terapêutica e da qualidade da assistência, além de atributos de risco do próprio paciente, a solução é a utilização de indicadores intermediários.

Em ambos os casos, a aplicação do conceito não é tão simplória. Afinal, em um modelo de eficiência se busca maximizar o produto ou minimizar os custos com os insumos. Uma ope-radora dificilmente buscaria maximizar as indenizações pagas ou o volume físico de utilização de serviços médicos.

Dependendo da ótica aplicada, ambas as vertentes podem fazer sentido. Se a análise tem como ponto de observação o consumidor, ambos os conceitos podem fazer sentido. Para o empresário, no entanto, o produto seria mais adequadamente medido pelo volume de receitas ou a margem de lucro obtida e os insumos poderiam ser os tradicionais custos de administração e comercialização. Afinal, a eficiência em se obter maior receita para níveis determinados de despesa parece fazer parte da função, objetivo das operadoras.

Estamos longe de ter um consenso de que medidas utilizar para avaliar a eficiência de ope-radoras dentro da tradição microeconômica. Existem, poucos estudos de eficiência aplicada ao setor de planos de saúde no Brasil.154 O estudo de Alves (2011) discute as questões me-todológicas subjacentes à medida de eficiência no setor de saúde suplementar.155

A literatura internacional também é relativamente escassa na saúde suplementar. Embora existam inúmeros trabalhos que mensuram eficiência hospitalar, eficiência dos sistemas de

154 Alguns estudos sobre o tema são: Alves, Sandro Leal (2009) Hashimoto, P. (2010 e Ribeiro, M.A.S, e Fochezzato, (2005).155 Alves, Sandro Leal (2011).

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL156

saúde, poucos se dedicam a avaliar eficiência de um plano de saúde.156 A ausência de crité-rios universalmente aceitos não significa que os estudos não devam prosperar.

No mercado brasileiro a discussão sobre medidas de eficiência foi suscitada pela própria ANS quando da discussão sobre a alteração da metodologia de reajuste dos planos indivi-duais novos. O objetivo seria substituir o atual modelo pelo price-cap.

A regulação de preços por price-cap, ou preço-teto, fixa o preço do produto ou serviço e determina uma fórmula para reajustes periódicos, na qual incorpora a inflação e um termo exprimindo metas plurianuais de ganho de produtividade fixadas pelo regulador (o fator X). Eventualmente tem-se um termo para incorporar choques específicos à indústria, não le-vados em conta pelo índice de inflação como câmbio, custo de capital etc. Em suma, o price-cap adota a seguinte forma geral:

Reajuste = IP – X

Onde IP é um índice de inflação geral e X é o fator de produtividade. A proposta estudada na Câmara Técnica de Reajuste da ANS foi do tipo “Value-Cap”.

R = Is – X + Y, onde

• R = índice de reajuste dos planos

• Is = Índice setorial de variação de custos (preços e quantidades)

• X = fator de produtividade/eficiência

• Y = fatores exógenos (novo rol, epidemias, pandemias etc)

Do ponto de vista regulatório o grande desafio é estabelecer o fator X de eficiência. A utilização de técnicas econométricas para cálculo de eficiência ainda está longe do dia a dia do setor de saúde suplementar. Enquanto metodologia acadêmica, somente alguns poucos trabalhos se valeram dessas técnicas para avaliar a performance do setor. Daí a possível reticência quanto à sua aplicabilidade. No mundo securitário contudo é ampla-mente utilizado para o ranqueamento de empresas e não se pode mais falar em novidade.

Segundo Alves (20091) “Existem basicamente duas metodologias alternativas para se es-timar a fronteira eficiente de determinada indústria, o método econométrico e o método da pesquisa operacional. A abordagem econométrica requer a especificação das funções de produção, receita ou lucro assim como o termo de erro aleatório, demandando maior investimento na especificação das formas funcionais enquanto a pesquisa operacional é resolvida mediante a programação matemática não paramétrica que desconsidera as for-mas funcionais, mas não separa os erros aleatórios da ineficiência, por exemplo. Ambas as técnicas possuem vantagens e desvantagens, mas não está clara na literatura a do-minância de uma sobre a outra. O formato da fronteira eficiente é obtido diretamente dos dados através de uma simples constatação de que a empresa que utiliza menos insumo para produzir a mesma unidade de produto é mais eficiente”.

156 Importante referência é o trabalho de Jacobs, R, Smith, P and Street, A (2006).

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CAPÍTULO 3 | QUESTÕES ATUAIS 157

Os trabalhos de Alves (20091) e Alves (20092), por exemplo, implementaram a técnica de cálculo de eficiência para as operadoras de planos de saúde segundo diferentes definições para os produtos e insumos, embora o objetivo não fosse a formulação de um modelo price-cap. Longe de ser ficção científica, estudos dessa natureza são amplamente utilizados no âmbito acadêmico e regulatório, tanto no Brasil como no exterior. A saúde suplementar caminha nessa direção.

3.2.6.1 Mapeando o Trade-off entre Risco e Retorno

O retorno das operações em saúde suplementar pode ser estimado por cálculos indiretos. Existem dois indicadores aproximados que servem a este propósito e são extraídos dos registros contábeis: a taxa de sinistralidade e o índice combinado. A divisão da despesa assistencial pela contraprestação é a taxa de sinistralidade. E o complemento da taxa de sinistralidade representa uma proxy para o retorno médio industrial de uma operação de saúde suplementar, com a hipótese de que as despesas administrativas e comerciais são relativamente estáveis. Portanto, as séries de receitas (contraprestações) e despesas assis-tenciais são disponíveis e servem para estimar, por proxy, as taxas de retorno e as medidas de risco, covariância e correlação.

GRÁFICO 15 – RISCO X RETORNO (SINISTRALIDADE – MH)

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

20%18%16%14%12%10%8%6%4%2%0%

4,89%

23,8%

Fonte: Elaboração própria com base nas demonstrações contábeis das operadoras.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL158

Fizemos o experimento para um conjunto de 284 operadoras do segmento médico-hos-pitalar com dados econômico-financeiros de quatro exercícios encerrados em 2010.157 O primeiro quadrante do gráfico, formado pelo conjunto de operadoras com risco abaixo da média (4,89%) e retorno acima da média (23,8%), pode ser considerado o melhor. Idealmente, é neste quadrante que uma operadora eficiente deveria estar. Por outro lado, operadoras com risco acima da média e retornos abaixo da média devem rever suas es-tratégicas de atuação diante da concorrência. A simples comparação do retorno e risco das carteiras da operadora com a média do mercado permite conclusões preliminares, não necessariamente corretas.

Por melhor que seja a gestão da operadora, na subscrição do risco, detecção de fraudes, controles de despesas etc, a sinistralidade (de onde calculamos a Proxy do retorno) não é totalmente independente do que acontece no mercado. Portanto, uma parte do retorno e risco depende do comportamento do mercado, de diversificação mais difícil – para isto a operadora poderia recorrer ao resseguro -, e a outra parte, poderia melhorar o desempenho, pela diversificação.

Por analogia com os fundamentos de Finanças, vamos denominar a primeira parte de não diversificável e a segunda de diversificável. A separação entre as duas partes utiliza o mo-delo CAPM onde o retorno da carteira de uma seguradora é uma função linear do retorno do ramo de seguro agregado para o mercado: Ri = ai + bi Rm + ui, onde Ri é o retorno da carteira do ramo analisado obtido pela operadora i; Rm o retorno da carteira do mercado, do mesmo ramo de atividade; ai, a constante; bi o “beta” da carteira da operadora; e ui o resíduo não explicado.

Se bi for maior que um, significa que o retorno da carteira da operadora varia em termos absolutos mais do que o retorno da carteira do mercado, e se for menor que um, o contrário. O retorno do mercado Rm reflete os fatores comuns que afetam todas as operadoras, tal como as mudanças no marco regulatório, de política econômica, eventos maiores, mudanças demográficas etc. Veja o estudo de Contador (2014)158 para o setor de seguros de automóveis em que as decomposições do risco são realizadas e analisadas as parcelas passíveis de otimização via gestão e via diversificação.

157 Como a ideia é apresentar o conceito, não vimos necessidade de atualizar a série.158 Contador, Cláudio R. (2014) “A Economia do Seguro – Fundamentos e Aplicações”. Ed. Atlas S.A.

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159

CAPÍTULO 4

Desafios demográficos e epidemiológicos

N este capítulo serão abordadas duas mudanças da maior importância que já estão em curso e possuem grande potencial de impacto no setor de saúde suplementar. A primeira delas é a mudança na estrutura demográfica da população brasileira

e, consequentemente, na estrutura etária da população beneficiária de planos de saúde. O envelhecimento da população e a sua maior longevidade, é importante ressaltar, são frutos do progresso econômico e social, incluídos aí os avanços da medicina, os efeitos da globalização e inclusão socioeconômica.

Outra importante mudança em vigor é a transição epidemiológica. Na medida em que a sociedade evolui, econômica e socialmente, é esperada uma menor incidência de doenças infectocontagiosas e uma maior incidência de doenças crônico-degenerativas. Os impactos nos sistemas de saúde, públicos e privados são expressivos e já estão atuando.

O aumento da expectativa de vida possivelmente ainda não trouxe grande impacto na saúde nem na previdência, mas o trará nos próximos anos. Isso porque a população bra-sileira apenas acaba de ingressar na etapa de rápida transição demográfica, como mostra a evolução do percentual de idosos (pessoas de 60 ou mais anos de idade) na população. Essa passou de 6,1% em 1980 para 11,3% em 2014 – aumento de 5,2 pontos percentuais em 34 anos –, mas crescerá os mesmos 5,2 pontos percentuais nos próximos 13 anos e atingirá 33,7% em 2050.

Há debates interessantes sobre se de fato o envelhecimento acarretará inevitavelmente au-mento das despesas com saúde. Sabe-se que a maior parte das despesas com saúde ocorre nos poucos meses que antecedem o falecimento. Caso o aumento da longevidade reduza o tempo de doenças nesses curtos meses com aumento dos anos de vida saudável, então a expectativa de vida reduziria as despesas com saúde.

De outra forma, no caso de o aumento da longevidade prolongar o período de doença an-tes do óbito, ganhar-se-iam anos sem qualidade de vida. Nesse caso, a maior expectativa de vida acarretaria elevação dos gastos com saúde. Há também a situação intermediária: o ganho de vida de distribuiria igualmente em anos de vida saudável e não saudável, com efeito neutro do ponto de vista do gasto com saúde.159

159 Entrevista de José Cechin em 13/7/2015. http://redesaudefilantropica.cmb.org.br/index.php/noticias/610-longevidade-diretor-da-fenasaude-diz-que-e-preciso-estar-preparado.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL160

Há países em cada uma dessas três situações. A compressão da doença prevalece nos paí-ses que já têm alta expectativa de vida, mas que crescem mais lentamente. Ao contrário, o alongamento do período sem qualidade de vida prevalece nos países com baixa expectativa de vida, mas em rápido aumento, caso do Brasil.

Os diversos agentes precisarão se adaptar a essas mudanças já previstas. Haverá neces-sidade de reestruturação da infraestrutura física de serviços de assistência à saúde, nova composição das especialidades profissionais, com mais ênfase em geriatria, por exemplo, diante da maior incidência de doenças como Alzheimer,160 demência e demais declínios cognitivos em idosos.161

Segundo o IBGE, três em cada quatro idosos têm alguma doença crônica, ou seja, uma doença de curso arrastado, sendo boa parte delas incurável. As doenças infecciosas e os acidentes continuam a ser importantes.162 O trânsito ceifa inacreditáveis 40 mil vidas por ano no Brasil. Em 2013 morreram 34.629 homens e 7.617 mulheres em acidentes de trânsito, dado estarrecedor e que corresponde a 10 anos de guerra no Iraque. A faixa etária dos 30 aos 39 anos é a mais afetada.

A maior parte da carga de doença da terceira idade no Brasil é por causa das doenças crônicas não transmissíveis, como o diabetes mellitus e as consequências da hipertensão arterial. Desta forma, as políticas de financiamento dos sistemas de saúde e da infraestru-tura requerida também precisam acompanhar as mudanças. Cabe aos governos e órgãos setoriais propiciarem regulações adequadas para que tanto o setor público quanto o privado possam financiar adequadamente a infraestrutura e o aumento de despesas médicas e pre-videnciárias que continuarão a crescer com a maior longevidade.

A taxa de internações no SUS para pessoas com 80 ou mais anos de idade caiu de 43% em 1993 para 24% em 2013 para os homens e de 36% para 18%, pela metade, para as mulheres. Há outros dados que apontam na mesma direção. O sentido da mudança pode ser assim resumido: mais e mais pessoas chegarão a idades mais altas e em melhores con-dições que seus antecessores. Certamente, a qualidade de vida estará aumentando para muitos – especialmente para aqueles que hoje se preocupam com alimentação saudável, saúde física e mental. Aumentou também o acesso a produtos de qualidade e tecnologias modernas, de forma a propiciar o melhor monitoramento da saúde, soluções médicas me-nos intervencionistas, mas também para que a saúde seja cultivada.

Paradoxalmente, o crescimento econômico veio acompanhado de duas transições de sen-tido oposto ao que é necessário para uma vida mais longa e mais saudável. Primeiro, a alimentar, nos anos mais recentes em que boa parcela da população passou a priorizar o consumo de produtos industrializados e a alimentação rápida – o fast food. Segundo, a ina-tividade física, produto da crescente mecanização do trabalho, motorização do transporte, sedentarização do lazer. A obesidade vai se instalando a taxas rápidas.

160 Menos de 5% da população com 50 anos manifestam essa doença, mas aos 90 anos, 50% da população tem Alzheimer.161 Alves, Renata Leal (2015).162 O custo total dos acidentes de trânsito no Brasil é estimado R$ 51,2 bilhões para o ano de 2012. Fonte: Observatório Nacional de Segurança Viária.

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CAPÍTULO 4 | DESAFIOS DEMOGRÁFICOS E EPIDEMIOLÓGICOS 161

Para lidar com esta realidade, diversas operadoras têm programas de incentivo à pro-moção da saúde e prevenção da doença. Desde 2004, a ANS investe em ações que estimulam a adoção aos programas para a ‘Promoção da Saúde e Prevenção de Riscos e Doenças’ (Promoprev). Em 2011, a Agência publicou normativo que dispõe sobre os conceitos e modelagens desse programa no âmbito da Saúde Suplementar, que contam com crescente adesão das operadoras porque são eficazes na redução das internações e diminuem a exposição a fatores de risco.

Alguns estudos mostram que o envelhecimento no Brasil, associado a doenças crônico--degenerativas, deverá acarretar um aumento do gasto com saúde em relação ao PIB de aproximadamente 30% até 2050 no Brasil.163 É sabido que a idade é um importante fator associado aos gastos elevados, tendo estreita relação com as doenças crônico-degenera-tivas – gasto médio dos maiores de 60 e 70 anos foram respectivamente 8,3 e 11,4 vezes maior que o dos menores de 18 anos.

Os dados impressionam. A população brasileira está envelhecendo e em 2050, 60% das pessoas em idade ativa vão ter mais de 45 anos, data em que a OMS define que o envelhe-cimento funcional começa. A maior contribuição para o envelhecimento da população deriva da taxa de fecundidade das mulheres brasileiras que está abaixo do nível de reposição desde o ano 2000, em razão de fenômenos do mundo moderno como a maior inserção das mulheres no mercado de trabalho, maior escolaridade, maior custos de criar os filhos. Esse fenômeno deve se manter até 2050. Dados da ONU de taxas de fecundidade de países ricos, já se igualam ao Brasil.

Diante disto, a maior agenda a ser enfrentada no futuro próximo é a agenda demográfica com impactos na área fiscal (previdência e saúde), na redução da taxa de poupança (idosos gastam mais e poupam menos proporcionalmente aos mais jovens). O envelhecimento tam-bém está associado com menor produtividade, menor empreendedorismo, além de reper-cussões na estrutura da economia, pois muda o tipo de consumo e de investimento, assim como nas relações sociais e políticas que tendem a ser mais conservadoras. Ressalta-se o impacto no meio ambiente (mediante o menor consumo de água e terra), mais sustentável, impacto positivo.

É muito importante o aumento da produtividade dos trabalhadores que deverão aumentar seu esforço de contribuição no cenário provável de maior proporção de idosos. Concentrar esforços na produtividade futura das crianças de hoje parece uma medida fundamental para a sustentabilidade da nação, ainda mais considerando que a transformação no plano inter-nacional produz muito mais competição. O nosso envelhecimento acontece em momento não favorável, pois não fizemos o dever de casa antes em termos de produtividade e educa-ção. Daí, um esforço muito grande é esperado no futuro para dar conta dos desafios.

163 Kilsztajn, Samuel et.al., (2003).

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL162

GRÁFICO 16 – PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

1980 2014

05

101520253035404550556065707580

2.000.0001.000.0001.000.0002.000.000

HomensMulheres HomensMulheres

2030 2060

05

1015202530354045505560657075808590

2.000.0001.000.00001.000.0002.000.000

05

1015202530354045505560657075808590

2.000.0001.000.00001.000.0002.000.00005

1015202530354045505560657075808590

2.000.0001.000.00001.000.0002.000.000

HomensMulheres HomensMulheres

Fontes: 1980 – IBGE – Projeção da População do Brasil por Sexo e Idade para o Período 1980-2050 – Revisão 2008. 2014 e 2060 – IBGE – Projeção da população do Brasil por sexo e idade para o período 2000-2060.

As pessoas em todo mundo vivem cada vez mais e têm cada vez menos filhos.164 A popula-ção mundial está envelhecendo, e não há precedentes que nos possam guiar diante dessa mudança. A única certeza é que as profundas mudanças demográficas que se desdobrarão ao longo deste século terão impacto relevante nas sociedades e nas economias. São mu-danças estruturais, que alterarão a maneira com que produzimos, consumimos, poupamos e distribuímos a renda gerada.

164 Baseado no estudo “O Brasil na Próxima Década – Crescimento, Renda e Mudanças Demográficas: Uma análise com foco no setor de seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização”. CNSeg. Janeiro de 2015.

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CAPÍTULO 4 | DESAFIOS DEMOGRÁFICOS E EPIDEMIOLÓGICOS 163

Devido a esse desencontro temporal entre a queda da mortalidade e da natalidade, há uma aceleração no crescimento da população durante certo período. Porém, em algum momen-to, a queda das taxas de natalidade se acelera, e o ritmo do crescimento vegetativo da população se reduz. Em fase mais avançada da transição, as duas curvas se encontram ou se aproximam, e o crescimento vegetativo se interrompe ou fica muito reduzido para, em seguida, iniciar-se um período de estabilidade ou suave decrescimento da população.

Uma das consequências mais marcantes desse processo é a alteração da estrutura etária da população, que passa a ter menos crianças, aumentando, em primeiro lugar, o número de adultos e, em um período posterior, o número de idosos, já que a expectativa de vida também aumenta como consequência da queda nas taxas de mortalidade.

A hipótese do ciclo econômico da vida parte do pressuposto de que os indivíduos têm, ao longo da vida, dois períodos de dependência econômica, marcados pelo excesso de con-sumo em relação à renda gerada por este mesmo indivíduo com seu trabalho. O primeiro período de dependência acontece na infância e na juventude. Crianças e jovens produzem pouco ou nada, seja por incapacidade ou, por estarem se preparando para vida adulta. Mas também são consumidores, precisam se alimentar, de moradia, estudar e se vestir. Isso significa que esse grupo depende de outro para receber os recursos necessários a sua sobrevivência. O segundo período de dependência acontece na velhice. É comum que, por inúmeras razões – sendo a debilidade física a principal delas – as pessoas deixem de traba-lhar nas idades mais avançadas. Ao fazerem isso, voltam a ser dependentes, pois precisam de transferências de recursos para sua sobrevivência até o fim da vida.

Com a queda da fecundidade, muitas mulheres que antes se dedicariam ao trabalho repro-dutivo se juntam à força de trabalho, ampliando ainda mais a oferta deste fator de produção na economia. Dessa maneira, o período em que prevalece o primeiro dividendo, chamado de “janela de oportunidade” é especial. Uma situação única, pela qual os países passam somente uma vez no curso de sua história. Trata-se, portanto, de uma oportunidade tempo-rária, pois, quando esse grande número de trabalhadores chega à velhice, a dependência volta a subir, já que eles deixam de produzir e passam a depender mais de transferências, no caso brasileiro, especialmente do Estado.

Já o segundo dividendo demográfico se instalaria em uma fase mais avançada da transi-ção demográfica, e teria caráter mais perene que o primeiro. Está associado a condições favoráveis criadas no ambiente de uma população mais envelhecida com alto acúmulo de poupança e capital humano.

Em nosso país, a primeira etapa da transição demográfica, a transição da mortalidade, teve início após a Segunda Guerra Mundial. Em pouco mais de 50 anos, a mortalidade infantil caiu cerca de 90%. Cerca de 20 anos depois, teve início a transição da fecundidade. Entre fins da década de 1960 e início da década de 1970, a taxa de fecundidade total das mulhe-res brasileiras caiu de patamares de mais de seis filhos por mulher para 5,8. Desde então, experimentamos uma queda fortíssima até chegarmos aos patamares abaixo de dois filhos por mulher que vigora hoje.

Primeiramente, a base da pirâmide etária se expande. É o momento em que a forte queda da mortalidade infantil faz aumentarem as coortes de crianças e jovens. Com o aumento da expectativa de vida, as coortes de idosos se tornam mais amplas. Em algum momen-to, a queda da fecundidade levará a menor natalidade e, consequentemente, à redução

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL164

nessas coortes. No entanto, é interessante notar que é possível que a natalidade (número absoluto de nascimentos por mil habitantes) cresça mesmo enquanto cai a fecundidade (número esperado de filhos por mulher pelos padrões correntes de fecundidade).

No Brasil, o número de nascimentos cresceu até meados da década de 1980, acelerando o crescimento populacional, a despeito do fato da taxa de fecundidade ter caído consisten-temente desde os anos 1960. A estrutura etária atual do Brasil é extremamente favorável ao crescimento econômico. A grande maioria da população se encontra em idade ativa, e a taxa de dependência total é cada vez mais baixa.

A taxa de dependência de crianças e jovens é cada vez menor, enquanto a de idosos ainda não começou a subir de modo acentuado. No entanto, isso começará a acontecer com mais intensidade nos próximos dez anos e, em algum momento no início da próxima déca-da, a dependência de idosos sobrepujará a de jovens, o que fará a taxa de dependência total voltar a subir. É quando a janela de oportunidade do primeiro dividendo demográfico começa a se fechar.

GRÁFICO 17 – PROJEÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

60+19-590-19

2058

2055

2052

2049

2046

2043

2040

2037

2034

2031

2028

2025

2022

2019

2016

2013

2010

2007

2004

2001

1998

1995

1992

1989

1986

1983

1980

Brasil: Participação dos grupos etários sobre o total da população

Fontes: 1980 a 1999 – IBGE – Projeção da População do Brasil por Sexo e Idade para o Período 1980-2050 – Revisão 2008. 2000 a 2060 – IBGE – Projeção da população do Brasil por sexo e idade para o período 2000-2060.

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CAPÍTULO 4 | DESAFIOS DEMOGRÁFICOS E EPIDEMIOLÓGICOS 165

GRÁFICO 18 – BRASIL: RAZÃO DE DEPENDÊNCIA POPULACIONAL – 2000/2060

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

60+0-19

2060

2057

2054

2051

2048

2045

2042

2039

2036

2033

2030

2027

2024

2021

2018

2015

2012

2009

2006

2003

2000

Fonte: IBGE/Diretoria de Pesquisas. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Gerência de Estudos e Análises da Dinâmica Demográfica. Projeção da população do Brasil por sexo e idade para o período 2000-2060.

Já a transição epidemiológica engloba essencialmente três mudanças básicas:165

• Substituição das doenças transmissíveis por doenças não transmissíveis e causas externas;

• Deslocamento da carga de morbi-mortalidade dos grupos mais jovens aos grupos mais idosos; e

• Transformação de uma situação em que predomina a mortalidade para outra na qual a morbidade é dominante (Schramm, J. M. A. et al., 2004).

Segundo pesquisa divulgada recentemente, o perfil da saúde e o padrão de doenças está mudando no Brasil desde a década de 50.166 A proporção de mortes totais devido a doenças infecciosas diminuiu de quase 50% em 1930 para cerca de 5% em 2007. Em contrapartida, em 2007, cerca de 72% de todas as mortes foram atribuídas a doenças não transmissíveis (DNTs), incluindo as doenças cardiovasculares (a principal causa de morte), doenças respi-ratórias crônicas, diabetes, câncer e outras, incluindo doenças renais.

165 Schramm, J. M. A. et al., (2004). 166 Fatores de Risco à Saúde no Brasil. Risck Dialogue Series. Swiss Re Centre for Global Dialogue In collaboration with Harvard School of Public Health. 2015.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL166

GRÁFICO 19 – PRINCIPAIS CAUSAS DE MORTES NO BRASIL (2010)

Doenças do coraçãoDiabetesCâncer

Outras causasOutras DNCDoenças Respiratórias

33%

5%

16%6%

14%

26%

Fonte: Organização Mundial da Saúde.

Em relação às doenças infecciosas, o Brasil observa sucessos, sucessos parciais e algumas falhas. Entre os sucessos o estudo cita: o controle de doenças imunopreveníveis, a redução da mortalidade por diarreia e o controle da doença de Chagas. Sucessos parciais incluem o controle da hanseníase, esquistossomose, malária, hepatite, HIV/AIDS e tuberculose. Entre as falhas estão o controle da dengue e da leishmaniose visceral.

A mortalidade e morbidade por doenças não transmissíveis é maior entre os pobres. A mor-talidade por faixa etária devido às doenças não transmissíveis registrou um declínio de 20% entre 1996 e 2007, principalmente por doenças respiratórias crônicas e cardiovasculares. O declínio foi associado à diminuição do tabagismo e à expansão dos serviços essenciais de saúde. As taxas padronizadas de mortalidade por doenças cardiovasculares diminuíram de 287,3 para cada 100 000 pessoas em 1980 para 161,9 em 2003 (a doença com maior queda no mesmo período foi o acidente vascular cerebral: de 95,2 para 52,6 por 100 000 pessoas). No entanto, diabetes e hipertensão estão aumentando, assim como a prevalência de excesso de peso e obesidade na população.

Dados da VIGITEL mostraram, em 2010, que cerca de 15% da população adulta faz, pelo menos, 30 minutos de algum tipo de atividade física, pelo menos cinco dias por semana, sen-do os mais ativos os homens jovens e bem educados. Cerca de 14% eram inativos, e 28,2% relataram assistir três horas ou mais de TV por dia. A transição nutricional no Brasil também é importante e um dos maiores desafios à frente: enquanto a prevalência de crianças de baixa estatura diminuiu, a prevalência de excesso de peso e obesidade aumentou significativa e consistentemente no passado recente 32,33. Em 2011, a incidência de excesso de peso entre os adultos foi de 48,5% (52% entre os homens e 45% entre as mulheres); em 1974-75 a incidência de excesso de peso era de 18,6% entre os homens. A prevalência da obesidade aumentou de 11,4% em 2006 para 15,8% em 2011.

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CAPÍTULO 4 | DESAFIOS DEMOGRÁFICOS E EPIDEMIOLÓGICOS 167

Esta também é uma preocupação entre as crianças com idades entre 5-9: em 2008-9, 33,5% dessas crianças estavam com excesso de peso e 14,3% obesas. A distribuição de risco e fatores de proteção não é igual entre os grupos sociais. O tabagismo, o consumo de carne com gordura visível e a obesidade são mais comuns entre os menos educados, enquanto a atividade física durante o tempo de lazer e o consumo recomendado de frutas e verduras (cinco porções por dia, cinco ou mais vezes por semana) são mais elevados entre a popula-ção com 12 ou mais anos de escolaridade. Além disso, o maior aumento na prevalência de excesso de peso foi observado nas regiões Norte e Nordeste (as mais pobres).

Se por um lado, hoje, as doenças não transmissíveis (DNTs), como cardiovasculares, hi-pertensão e diabetes, são a principal causa de mortes, por outro, ainda persistem as doenças infecciosas, como a leishmaniose visceral e dengue. A situação singular do país é resultado da combinação de duas transições: demográfica e epidemiológica, designada pelo termo “double burden”.

A transição demográfica representa a queda nos padrões altos de nascimentos e mortes até alcançar a estabilização. O modelo estilizado que relaciona a transição demográfica com a epidemiológica é composto de quatro fases: 1 – “fome e pandemias”; 2 – “diminuição de pandemias”; 3 – “doenças degenerativas e comportamentais”; e 4 – “doenças degenerati-vas”. A principal característica da mudança demográfica no Brasil, de acordo com a pesqui-sa, é a transição tardia e ao mesmo tempo rápida, algo que também ocorre em países latinos, como o México. Enquanto os países europeus precisaram de mais de 100 anos para fazer a transição até atingir baixas taxas de morte, no Brasil esse processo ocorreu em 30, 40 anos.

Em 1980, por exemplo, o maior número de óbitos se concentrava na faixa etária entre um e cinco anos. Já em 2010, a partir de 75 anos. Nesse período, a esperança de vida ao nascer aumentou 20% e a mortalidade infantil caiu 80%. Também mudou a taxa de fecundidade, que em 1980 era mais elevada entre as mulheres pobres, com média de sete filhos, e mais baixa entre as de maior renda, com média de dois filhos. Em 2010, a taxa de fecundidade caiu nas duas faixas de renda, atingindo 1,9 filhos por mulher.

A característica mais evidente da transição epidemiológica é a queda significativa (de 50% para 5%) da mortalidade por doenças infecciosas, entre 1930 e 2007, resultado da bem-su-cedida campanha de imunização, iniciada em 1973. Entretanto, a agenda de doenças in-fecciosas não está resolvida, considerando o avanço da leishmaniose visceral e da dengue.

O maior desafio do país parece ser o de reduzir o índice de 72% de mortalidade por DNTs, que se concentra, principalmente, nas classes mais pobres. As doenças cardiovasculares, que representam o maior percentual, causaram 286 mortes por 100 mil habitantes. Um dado positivo é que as taxas padronizadas por faixa etária indicam a redução de 20% de doen-ças cardiovasculares e respiratórias, em virtude da diminuição do número de fumantes e da melhoria da atenção básica à saúde da população. Por outro lado, aumentou no país o índice de obesidade em todas as classes sociais. Metade da população está com excesso de peso. O aumento de peso elevou a frequência de diabete e hipertensão. Em relação aos fatores de riscos, a dieta inadequada, tabagismo, falta de atividade física, excesso de peso e obesidade, colesterol alto, hipertensão arterial e glicemia elevada são os que merecem aten-ção e controle. A dieta inadequada ocorre devido ao baixo consumo de vegetais, legumes, frutas, oleaginosas, fibras e gorduras poli-insaturadas e pelo alto consumo de refrigerantes e sucos industrializados, carne vermelha, gordura trans e sal.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL168

Segundo ela, mulheres obesas têm 50% maior risco de doenças coronarianas e homens, 72%. Já o colesterol afeta 43% dos adultos, segundo dados da OMS de 2008. A hipertensão é responsável por 54% dos casos de derrame e 47% das doenças isquêmicas do coração em todo mundo. No Brasil, 40% dos casos de aposentadoria precoce são atribuídos a com-plicações relacionadas à hipertensão.

Mas o Brasil tem registrados números positivos no combate às causas dessas doenças, como a redução do tabagismo entre adultos da ordem de 53% entre mulheres e 39% entre homens. Em contrapartida, ainda falta cuidar da obesidade, que quadruplicou entre homens e duplicou entre as mulheres no período de 1975 a 2009.

Não é difícil prever que com a transição epidemiológica praticamente completada e o rápido envelhecimento da população brasileira, a demanda por órteses e próteses, bem como pe-los demais dispositivos médicos, tende a crescer rapidamente.

A pirâmide etária por faixa etária e sexo dos beneficiários da saúde suplementar mostra que a participação mais preponderante nos planos coletivos é de homens e mulheres em idade economicamente ativa, compreendendo as faixas etárias entre 20 e 50 anos de idade. Já a distribuição dos beneficiários em planos individuais é notadamente maior na população feminina, em termos de participação percentual, e de beneficiários com idade mais avançada.

GRÁFICO 20 – PIRÂMIDE ETÁRIA DO PERCENTUAL DE BENEFICIÁRIOS DE PLANOS DE ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITALAR POR TIPO DE CONTRATAÇÃO DO PLANO E SEXO (BRASIL – MARÇO/2015)

1,61,20,80,40,0-0,4-0,8-1,2-1,6

(%) (%)

Homens Mulheres

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

ColetivoIndividual

Fonte: SIB/ANS/MS – 03/2015. Caderno de Informação da Saúde Suplementar – junho/2015.

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CAPÍTULO 5

Combinando regulação com incentivos

A lgumas ações regulatórias carecem de profundas mudanças legais e necessa-riamente longos debates no Congresso Nacional. Outras nem tanto. Não vamos neste trabalho avançar no “como” promover as mudanças, muitas delas exigindo

ampliação do debate. Vamos identificar algumas ações que, combinando regulação com incentivos corretos, podem melhorar o funcionamento do setor. É possível, e necessário, melhorar a estrutura de incentivos existente atualmente no setor que induz fortemente na direção de maiores custos, desperdícios, utilizações desnecessárias, remunerações ina-dequadas, baixa resolubilidade e baixa rentabilidade comprometendo a saúde financeira do sistema e a capacidade de pagamento das pessoas hoje e no futuro.

É possível melhorar o sistema atual, corrigindo incentivos equivocados, estimulando o setor na direção da produção de mais saúde e maior sustentabilidade, para usar o termo correto. Não é tarefa fácil, pois alterar estruturas econômicas, e políticas, estabelecidas para mu-dar o status quo é sempre tarefa delicada. Também não é pelo voluntarismo que vamos alcançar as soluções almejadas, mas mediante pesquisa, debate de ideias e, sobretudo, transparência nas ações. Vamos abordar alguns destes pontos que, ao que parecem, de-mandam solução mais imediata. O desenvolvimento de cada um destes temas fica como sugestão para uma agenda futura de pesquisa.

5.1 Franquias e Coparticipações fortalecendo o Consumidor e preservando o Sistema

A presença de franquia167 e coparticipação168 nos contratos de planos de saúde é regulada pela Resolução CONSU nº 8.169 Estes são os dois mecanismos financeiros de regulação tradicionalmente utilizados no setor e aceitos internacionalmente como medidas importan-tes para inibir abusos e má-utilização. Embora previstos na legislação, a ampliação das

167 Valor estabelecido no contrato de plano ou seguro privado de assistência à saúde e/ou odontológico, até o qual a operadora não tem responsabilidade de cobertura, quer nos casos de reembolso ou nos casos de pagamento à rede credenciada ou referenciada (Art. 3º).168 Parte efetivamente paga pelo consumidor à operadora de plano ou seguro privado de assistência à saúde e/ou operadora de plano odon-tológico, referente a realização do procedimento.169 Art. 2º Para adoção de práticas referentes à regulação de demanda da utilização dos serviços de saúde estão vedados: VII – estabelecer coparticipação ou franquia que caracterize financiamento integral do procedimento por parte do usuário, ou fator restritor severo ao acesso aos serviços, VII – estabelecer coparticipação ou franquia que caracterize financiamento integral do procedimento por parte do usuário, ou fator restritor severo ao acesso aos serviços.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL170

possibilidades desses instrumentos pode melhorar os incentivos dos consumidores no momento da utilização do plano. Atualmente, como debatido ao longo do livro, o consumi-dor é pouco sabedor dos custos e benefícios dos procedimentos a que são submetidos. Em parte decorrente da assimetria de informação, mas também estimulado pela existência de um terceiro pagador (plano), com a delegação das escolhas ao médico assistente. Como o consumidor não paga diretamente pelas escolhas, pouco se importa sobre o que está sendo prescrito e consumido. A melhoria dos incentivos passa por tornar o consumi-dor responsável pelas escolhas a que está sujeito e tem capacidade de definição. A utili-zação desses mecanismos, embora recomendada, carece de certa dose de bom senso. No limite, e se usados de forma abusiva, podem limitar o acesso. A operadora que assim agir estará sujeita às imposições e penalidades previstas na legislação.

A utilização de altas franquias em contratos de planos de saúde, além de ampliar o univer-so de escolhas disponíveis aos consumidores pode melhorar sensivelmente a estrutura de incentivos existente, fazendo do consumidor um importante aliado para o consumo cons-ciente, parcimonioso e responsável dos serviços privados de saúde. Uma Câmara Técnica funcionou em 2012 para debater o tema, porém a regulação ainda não foi reformulada.170

A principal importância da franquia é a de fornecer estímulos para que o consumidor seja cada vez mais responsável com suas escolhas no ambiente da saúde. Em outros ramos do seguro, a franquia contribui para a redução do prêmio pago pelo consumidor. Pode-se dizer que a franquia é uma forma de coparticipação – contratualmente acordada e fixada – do segurado no risco e, consequentemente, no valor da indenização.

Tipicamente, quanto maior o valor da franquia, menor o valor do prêmio e vice-versa. Inter-nacionalmente, a franquia tem sido um mecanismo bastante utilizado em diversos ramos dos seguros, e é muito utilizada nos ramos de automóveis e saúde. 171 No Brasil, o conceito tradicional da franquia com valores altos não é aplicado. A franquia pode ser dedutível ou simples. No primeiro caso, a seguradora é obrigada a indenizar somente os valores de pre-juízos que excederem o valor da franquia, que sempre será deduzido da indenização total. No segundo caso, a seguradora está desobrigada de indenizar quando os prejuízos forem inferiores à franquia, mas obrigada a fazê-lo integralmente quando a excederem. A franquia mais adotada é a dedutível, utilizada para o seguro do ramo de automóvel, por exemplo.

O estabelecimento de franquias pode ser importante instrumento na redução dos custos com a assistência médica, uma preocupação que não interessa apenas à operadora, mas ao beneficiário e à sociedade como um todo. Como a franquia estabelece que o segurado deva arcar com um certo volume contratado de despesas antes que a operadora passe a se responsabilizar pelas despesas adicionais, ela fornece incentivos para que o consumidor utilize da melhor forma possível seus recursos no sistema de saúde e passe a avaliar se as indicações que são feitas são mesmo necessárias, se o custo é compatível, se não há outro

170 http://www.ans.gov.br/participacao-da-sociedade/camaras-e-grupos-tecnicos/camaras-e-grupos-tecnicos-anteriores/camara-tecnicasobre--mecanismos-de-regulacao.171 A título de exemplificação, quando o veículo segurado sofre danos parciais, a seguradora é acionada para arcar com os custos dos reparos. Nesse momento, o segurado também participa, assumindo uma parte desses custos. O segurado que assume uma franquia de R$ 2.000,00, por exemplo, está assumindo a responsabilidade de arcar com as despesas até esse valor. Se o prejuízo for de R$ 5.000,00, o segurado pagará os R$ 2.000,00 correspondentes à franquia e a seguradora, os R$ 3.000,00 que faltam.

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CAPÍTULO 5 | COMBINANDO REGULAÇÃO COM INCENTIVOS 171

meio mais eficaz de resolver o mesmo problema etc. O consumidor passa então a ser cada vez mais responsável pela utilização dos recursos escassos da saúde.

No mercado americano, por exemplo, existem diversas opções de franquias. Se um indiví-duo tem boa autoavaliação de seu estado de saúde, e é menos avesso a riscos, poderá pre-ferir um plano com alta franquia. Neste caso, o grande risco estará coberto e as pequenas despesas com assistência à saúde ele pagará por conta própria. Um consumidor que opta por um plano de alta franquia está disposto a pagar por exames de rotina e consultas em troca de um baixo prêmio. No caso oposto, uma pessoa com baixa autoapreciação de seu estado de saúde e avessa ao risco deverá escolher, presume-se, um plano sem franquia.172

De forma geral, planos de saúde com altos valores de franquias têm mensalidades mais bai-xas, pois a operadora está exposta apenas aos riscos mais altos. Não é por outra razão que uma forma que os americanos vêm encontrando de reduzirem suas despesas com saúde é exatamente aumentando os valores das suas franquias.

Nos E.U.A. é comum que nas conhecidas Health Savings Accounts (contas poupança-saúde) a franquia seja depositada em uma conta-poupança incentivada em nome do segurado que pode sacar estes recursos para efetuar os pagamentos com despesas médicas até o limite da franquia. Ao longo do tempo, os recursos são remunerados como qualquer investimento. No ano seguinte, o segurado deposita novamente o valor da franquia na conta-poupança HSA e assim sucessivamente para que no futuro, o volume de recursos poupados possa ser utilizado com o pagamento de despesas médicas ou plano suplementar, sem tributação.

O benefício que se vislumbra vai além por elevar o consumidor a um papel decisivamente efetivo na alocação dos recursos. Com isso, tende-se a reduzir o conjunto de ineficiências geradas por um sistema em que o terceiro pagador tem pouca influência sobre as decisões de consumo. Certamente existem muitos desafios, inclusive culturais, para que um novo conceito de plano de saúde se adeque à realidade brasileira. No entanto, ao aumentar as possibilidades de escolhas ao consumidor para um novo produto regulamentado, pode esti-mular a inovação e o desenvolvimento do mercado ao passo em que contribui para ampliar o poder dos consumidores.

172 http://www.ans.gov.br/participacao-da-sociedade/camaras-e-grupos-tecnicos/camaras-e-grupos-tecnicos-anteriores/camara-tecnica-sobre-mecanismos-de-regulacao. Contribuições da FenaSaúde.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL172

5.2 Transparência de preços, custos e resultados assistenciais

Em adição à possibilidade de estabelecimento de franquias elevadas, faz-se necessária a maior transparência tanto dos custos dos procedimentos e eventos quanto dos resultados clínicos dos prestadores de serviços. Idealmente, o consumidor deve escolher a melhor alternativa para usar os seus recursos na saúde, o que se chama de empoderamento do consumo. Se estiverem disponíveis os preços e custos dos procedimentos comparativa-mente aos dados de qualidade, como os resultados clínicos dos prestadores, o consumidor terá muito melhores condições de escolher. Tal possibilidade irá por sua vez estimular a concorrência saudável entre os prestadores no sentido de divulgar os seus resultados e seus custos, ou seja, sua custo-efetividade no atendimento das demandas de serviços de saúde da população. Evidentemente, há muito que se fazer nessa seara, mas certamente a transparência e o incentivo à competição saudável baseada no custo-efetividade parecem ser um bom caminho a ser seguido.

Avançar nesta direção exige grande esforço de coleta, armazenamento, tratamento e dis-seminação de informações de atenção à saúde de uma grande massa de dados assis-tenciais de prestadores. Os dados de custos em saúde, qualidade dos serviços, padrões da prática médica e resultados de intervenções/tratamentos de saúde podem gerar os estímulos corretos para uma competição baseada no valor da saúde e não na quantidade de procedimentos.

5.3 ATS – Avaliação de Tecnologias da Saúde e sua correta indicação

A incorporação de novas tecnológicas deve ser benéfica aos consumidores, considerando sua eficácia, evidentemente, mas sobretudo sua custo-efetividade, ou custo-utilidade como gostam de chamar os economistas. Independente da metodologia utilizada, o fato é que tec-nologias devem ser previamente avaliadas antes de sua incorporação ao sistema de saúde suplementar. A incorporação de uma tecnologia apenas pela novidade que representa, sem considerar estes aspectos de custo/benefício, favorece grupos de interesses específicos, os produtores da tecnologia, e eventualmente os usuários desta tecnologia, em detrimento de toda a coletividade que será chamada a pagar a conta, pois o sistema é mutualista. Parece inapropriada a incorporação de tecnologias apenas nessas bases. Diante dessas pressões, os governos tendem a institucionalizar o processo de avaliação, seja em Agências ou nos departamentos governamentais.

As novas tecnologias são importantes para melhorar a qualidade da saúde da população e de fato proporcionaram um enorme benefício ao trazerem procedimentos menos invasivos, com menos sofrimento para as pessoas e mais rápida recuperação. A dinâmica deste setor é intensiva em capital sendo que muitos dos testes realizados, a volumosos investimentos, não atingem o resultado esperado.

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CAPÍTULO 5 | COMBINANDO REGULAÇÃO COM INCENTIVOS 173

Diversos estudos mostram que um dos principais fatores da elevação de custos da saúde, a despeito dos seus benefícios, é a incorporação de novas tecnologias. Costuma-se dizer que na economia da saúde há uma espécie de paradoxo tecnológico. Ou seja, enquanto na grande maioria dos setores econômicos, a inovação tecnológica reduz custos, na área da saúde isto não necessariamente ocorre. Isto porque a tecnologia nem sempre substitui a anterior. Lembre-se que as tomografias computadorizadas e ressonâncias magnéticas não aposentaram os aparelhos de raio-X. A tabela abaixo apresentada resume diversos estudos de impacto das tecnologias nos custos da saúde.

TABELA 24 – ESTUDOS SOBRE IMPACTO DA TECNOLOGIA NOS CUSTOS DA SAÚDE

Di

MatteoJones

Pricewater-house Coopers

Smith et al

Peden and Freeland

Cutler Newhouse

Expectativa de vida (longevidade)

~9% * 15%** 0,02 6%-7% 0,02 0,02

Despesas administrativas

* * 15%*** 3%-10% * 0,13 *

Mudanças no financiamento

* * * 0,10 4%-5% 0,10 0,10

Crescimento da renda pessoal

9%-20% * * 11%-18% 14%-18% 0,05 <23%

Preços dos produtos e serviços de saúde

* * 0,18 11%-22% * 0,19 *

Tecnologia ~65% 50%-75% 0,25 38%-62% 70%-75% 0,49 >65%

Notas: *Não estimado. **Incluída longevidade. Mas também tratamentos induzidos pela mídia, geralmente mais caros. Aumento de diagnósticos e tratamentos preventivos. ***Inclui obrigatoriedades estabelecidas pelo Governo Federal e pelos governos estatuais.

Adicionalmente, as tecnologias vêm contribuir para novas funções anteriormente não existen-tes, o que também adiciona custos ao sistema. Uma característica especialmente relevante nas tecnologias é a capacidade que tem de criar demanda própria, por suposto mediante indicação de algum profissional de saúde. Neste sentido, a saúde suplementar no Brasil tem sido pródiga em ultrapassar as frequências de utilização de diversos países. A tabela a seguir apresenta algumas dessas taxas.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL174

TABELA 25 – TAXA DE RESSONÂNCIA NUCLEAR MAGNÉTICA, TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA E CONSULTAS MÉDICAS – BRASIL E PAÍSES SELECIONADOS OCDE

PaísTaxa de ressonância

nuclear magnética por 1.000 hab.

Tomografia computadorizada

por 1.000 hab.

Consultas per capita

Brasil

• Sistema Público (SUS)¹ (2013) 5,1 20,9 3,5 (2012)

• Saúde Suplementar (2013) 102,5 107,0 5,6

• FenaSaúde² (2013) 147,8 150,4 5,5

Média OCDE (2012 ou mais recente) 50,6 125,5 6,7

Alemanha (2009) 95,2 117,1 9,7 (2012)

Austrália (2013) 27,6 109,8 7,1

Canadá (2012) 53,7 129,3 7,9 (2013)

Estados Unidos (2013) 106,8 240,2 4,0 (2010)

França (2012) 82,0 172,1 6,7

Reino Unido (2010) 41,4 75,7 5,0 (2009)

Fontes: Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS – SIA/SUS/MS – Datasus – Extraído em 21/10/14. Caderno de Informação da Saúde Suplementar – setembro 2014. IBGE – Projeção da população do Brasil por sexo e idade para o período 2000-2060. Sistema de informação de produtos SIP/ANS/MS – Extraído em 17/9/14. Sistema de informação de beneficiários – SIB/ANS/MS – Tabnet – Extraído em 21/10/14. Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD) Health Data – Junho 2014.

Notas: ¹Não inclui a população beneficiária da saúde suplementar. ²Os valores apurados para o Brasil nesta edição são diferentes daqueles apresentados na 4ª edição em razão da atualização do número de beneficiários realizada pela ANS e da nova projeção da população do IBGE.

Cabe se questionar se o país possui condição epidemiológica diferente desses outros paí-ses analisados de tal sorte que justifique tamanha utilização. Isto sem falar que a radiação emanada por estes aparelhos pode causar danos à saúde como mostram diversos ensaios científicos. Já é possível identificar que a incorporação tecnológica acrítica juntamente com indicações sem parâmetros e limites estabelecidos em protocolos científicos pode ser uma combinação explosiva para os custos e, principalmente, para os beneficiários de planos que acabam sendo submetidos à exames desnecessários. A saúde suplementar produz mais exames dessa natureza que países ricos. Algo parece estar fora da ordem. Novos equipa-mentos e produtos em saúde têm a característica de criarem demanda adicional. Talvez seja um dos poucos mercados em que a oferta cria sua própria demanda, evidentemente pela indicação de um profissional.

A economia da saúde, e da farmacoeconomia, pode ser importante aliada, pois fornece ferramental necessário para os cálculos dos custos e benefícios inerentes às tecnologias previamente às suas incorporações. Os estudos necessariamente avaliam a custo-efe-tividade nas inovações, comparando entre alternativas concorrentes. Os avaliadores, geralmente independentes, tomam suas decisões com base, por exemplo, na razão de

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CAPÍTULO 5 | COMBINANDO REGULAÇÃO COM INCENTIVOS 175

custo-efetividade = Custos ($) / Desfechos (consequências), em que os desfechos são mensurados em termos de dias de vida adicionais, dias sem sintomas, casos prevenidos, curas, vidas salvas, dias de internação evitados etc. A partir da comparação dentre diver-sas alternativas, aquela que oferecer o menor custo adicional por unidade de desfecho ex-tra é a principal candidata a ser incorporada. Mas o processo de incorporação deve avaliar quais incorporações devem ser introduzidas considerando a capacidade de pagamento da população já que os recursos são sempre escassos.

A Figura 10 a seguir ajuda a identificar os casos que sequer mereceriam avaliação como as tecnologias que apresentam maiores custos e piores resultados em termos de efetividade. Já as tecnologias mais baratas e de melhores resultados devem ser incorporadas imediata-mente, dado o benefício líquido que produzem. Tecnologias com custos menores e resulta-dos piores precisam ser avaliadas sob o ponto de vista econômico, assim como aquelas que embora sejam mais caras, apresentam melhor efetividade. Neste caso, há que se avaliar a custo-efetividade, ou seja, qual o custo adicional por unidade de desfecho extra.

FIGURA 10 – COMO AS TECNOLOGIAS DEVEM SER INCORPORADAS?

Não incorpora tecnologia dominada

Trade-offs – avaliar custo-efetividade

Qual o custo extra por unidade de desfecho extra?

Trade-offs – avaliar

custo-efetividade

Incorporar imediatamente tecnologia dominante

Custo

Tecnologia de mais alto custo e menos eficaz

Tecnologia de mais alto custo e melhor resultado

Tecnologia de mais baixo custo e menos eficaz

Tecnologia de mais baixo custo e melhor resultado

Efetividade

O processo de Avaliação de Tecnologias de Saúde vem sendo conduzido de forma obriga-tória e institucionalizada em grande número de países.173 A International Network of Agencies for Health Technology Assessment (INAHTA) atualmente congrega 39 Agências desta nature-za. A grande vantagem é se dar transparência ao processo decisório a partir da utilização de critério e metodologias científicas mundialmente adotadas e reconhecidas. Evidentemente, cada situação deve ser relativizada à luz da epidemiologia da população e da própria capa-cidade e disposição a pagar de cada sociedade. Ao incorporar determinado tratamento ou

173 1965 – EUA (Office of Technology Assessment), 1987 – Suécia (Sweden’s Government Office), 1992 – Austrália (Pharmaceutical Benefits Advisory Committee), 1999 – Reino Unido (National Institute for Clinical Excellence – NICE) 2000 – Canadá (Agence d’évaluation des techno-logies et des modes d’intervention en santé). Fonte: O`Donnel, et al “Health Technology Assessment: Lessons Learned from Around the World – An Overview”. Value In Health, V. 12 Supplement 2. 2009 – 2011 – Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS – CONITEC.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL176

medicamento, inevitavelmente são sacrificados outros que não puderem ser incorporados no mesmo momento, ou seja, o custo de oportunidade passa a ser considerado. Regras transparentes, que explicitam o sistema de escolha e priorização, deixam claro para a socie-dade (e a coletividade segurada) o custo de oportunidade.

A economia da saúde já é bem desenvolvida no campo da criação de demanda pela oferta (Supply-Induced Demand).174 Duas hipóteses são amplamente aceitas na literatura. A da renda-alvo, segundo a qual prestadores são motivados a manter certo nível de renda desejado (o alvo) e se a renda porventura cai abaixo deste patamar, eles vão mudar seu comportamento para restabelecer a renda inicial. As alterações comportamentais podem incluir mudanças nas recomendações médicas para pacientes assim como a extensão do diagnóstico e tratamento para produzir renda adicional a fim de alcançar o objetivo. Um exemplo citado na literatura, e bastante atual, é a indicação de cesarianas. Neste caso, a hipótese é que os obstetras utilizam de sua autoridade sobre a grávida para gerar receita.

Alguns autores estudaram a relação entre incentivos financeiros e altas taxas de cesarianas nos E.U.A.. O sistema fee-for-service facilita a indução de demanda pelos médicos na medi-da em que recompensa os médicos pela quantidade de serviços ao invés da qualidade.175

A segunda hipótese usualmente aceita é a da incerteza. Devido à autonomia e aos pa-drões de prática assistencial, médicos diferem muito acerca da efetividade de tratamen-tos e das taxas de sucesso de várias alternativas para cada caso particular. Isto leva à grande incerteza resultando em pouca uniformidade de padrões de entrega da assistên-cia, produzindo diferentes níveis de consumo de serviços de saúde. O uso de guidelines baseados em evidência científica sobre resultados de diagnósticos e tratamentos pode reduzir a autonomia, mas produz grande impacto na redução da incerteza assistencial, reduzindo a criação de demanda desnecessária. Para reduzir a variabilidade das opções de tratamento, é altamente recomendável a utilização de referenciais de boas práticas médicas, oriundas de trabalhos sistemáticos da medicina baseada em evidências. Mais que isso, os protocolos de utilização e as diretrizes clínicas passam a ser fundamentais dando incentivos corretos para adoção da melhor prática médica considerando inclusive sua custo-efetividade. É da maior importância que esses padrões possam se disseminar na atividade médica regular, assim como a consulta uma segunda opinião diante de uma incerteza quanto à determinada recomendação.

Não é raro que para um mesmo caso clínico existam diversas recomendações médicas, algumas delas conflitantes entre si. Geralmente médicos tomam decisões em ambiente de incerteza, pelo menos as mais importantes, e se valem de seus próprios conhecimentos e contatos com seus pares para reduzir a incerteza. Infelizmente, muitas das decisões não são as mais corretas e acabam por expor pacientes a cirurgias desnecessárias, e todos os seus riscos associados. Por mais que pareça óbvio, a adoção de metodologia baseada em evidência cientificamente validada só começou a ser seriamente estudada nos E.U.A. nos anos 90.176

174 LaBelle, R.; Stoddart, G.; Rice, T. (2013).175 Gruber, Jonathan and Owings, Maria (1996). 176 Gibson, Rosemary (2010).

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CAPÍTULO 5 | COMBINANDO REGULAÇÃO COM INCENTIVOS 177

5.4 Análise de Impacto Regulatório – Por que a regulação gera custos

São muitos os exemplos de intervenção estatal mediante regulamentações que, implemen-tadas com as melhores das intenções acabam, efetivamente, perturbando o bom funciona-mento da economia e penalizando os grupos que originariamente deveriam se beneficiar com a regulamentação. No setor de saúde suplementar, a existência da informação assi-métrica tem sido a justificativa número um para uma série de intervenções no mercado e que, não raras as vezes, criam outras distorções, efeitos secundários e não previstos, porém reais. Afinal, a informação é assimétrica por natureza.

De fato, diante de falhas de mercado há sempre a tendência de se estabelecer regulações sob a justificativa de eliminá-las, mimetizando o comportamento eficiente que o mercado teria caso perfeito fosse. Essa é uma das grandes distorções do sistema regulatório no Brasil como um todo, pois não se observa, ou não se quer reconhecer, que a regulação não existe no vácuo. Existem forças, de demanda e de oferta, de regulação, mas inexiste um mercado formal de regulação.177

Os fundamentos econômicos são da maior importância para os reguladores na medida em que suas ações no dia a dia modelam comportamentos dos mercados regulados e alteram permanentemente o equilíbrio, para melhor ou para pior. Essa é a dinâmica da regulação e independente do mercado regulado, os incentivos, quando bem administrados, funcionam. Uma regulação eficiente não é aquela que apenas estabelece controles e penalidade, mas que oferece os incentivos corretos para que os agentes econômicos tomem decisões bem informadas e alinhadas com a melhoria do bem-estar da sociedade como um todo.

Assim, a construção do processo regulatório não é simples. Idealmente, uma regulação se justifica se os ganhos que ela promove superam os custos, privados e sociais. Há que se ter em mente que a regulação também sofre de assimetrias de informação entre regulador e regulado e deve levar tal fato em consideração, tanto para garantir a adesão do regulado como para estabelecer mecanismos (menu de contratos) que o regulado automaticamente possa se inserir.

Assim, diante de todos os efeitos da regulação, a Análise de Impacto Regulatório (AIR) se faz mais do que necessária para coibir os excessos e usos indevidos. A Análise de Impacto Regulatório é uma ferramenta que examina e avalia os prováveis benefícios, custos e efeitos da regulação, estuda os procedimentos que antecedem e subsidiam o processo de tomada de decisão, disponibilizando dados empíricos, a partir dos quais os tomadores de decisão podem avaliar as opções existentes e as possíveis consequências. Abrange desde a iden-tificação, análise do problema a ser enfrentado e análise de alternativas existentes, até o procedimento de consulta pública e de tomada de decisão.178

177 Como ensinava o prêmio Nobel de Economia George Stigler, tido como criador da área conhecida como economia da regulação. 178 Salgado, Lucia Helena e Borges, Eduardo Bizzo de Pinho (2010).

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL178

Tendo por finalidade contribuir para a melhoria do sistema regulatório, da coordenação entre as instituições que participam do processo regulatório exercido no âmbito do Gover-no Federal, dos mecanismos de prestação de contas e de participação e monitoramento por parte da sociedade civil e da qualidade da regulação de mercados foi instituído, pelo Decreto 6.062, de 16 de março de 2007, o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PROREG). Resultado de uma parceria da Casa Civil e Ministérios da Fazenda (MF) e do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o programa possui apoio técnico e financeiro deste banco e reúne, por meio de comitês, a Casa Civil da Presidência da Repú-blica, MF, MPOG, ministérios setoriais, agências reguladoras e instituições da sociedade civil de defesa do consumidor. O PRO-REG estrutura-se em quatro componentes: fortale-cimento da capacidade de formulação e análise de políticas; melhoria da coordenação e do alinhamento estratégico entre políticas setoriais e processo regulatório; fortalecimento de autonomia, transparência e desempenho das agências reguladoras; e apoio aos me-canismos para o exercício do controle social.

Alinhado com estes objetivos, a ANS publicou o Guia de Boas Práticas Regulatórias em 2014, “elaborado sob a perspectiva de promover a melhoria da qualidade regulatória na ANS, trazendo como eixo a ser trabalhado, a Governança Regulatória baseada em Boas Práticas, sob a forma de orientações básicas para os procedimentos relacionados ao fluxo regulatório, para que este se torne cada vez mais eficiente e transparente. Um avanço sem dúvida alguma e um passo importante na direção correta.

Assim como a medicina baseada em evidências parece ser o caminho a ser seguido, a regu-lação baseada em evidências também é uma tendência importante a ser estimulada. Quanto melhor for identificado o problema a ser regulado, os objetivos da regulação, os custos e benefícios das medidas regulatórias, menores serão as chances de edição de normativos que venham a proteger parte da coletividade aumentando os custos para os demais bene-ficiários de planos, inclusive os de futuras gerações que gostariam de ter planos de saúde disponíveis no mercado. A Análise deve inclusive ponderar os impactos intertemporais das medidas implementadas, pois o encarecimento de planos hoje pode limitar a sua oferta no futuro. No final das contas, quem tem maior peso nas decisões? Os consumidores atuais? Ou os consumidores das futuras gerações? A Figura 11 a seguir ajuda a compreender a dinâmica do processo de AIR que deveria ser condição obrigatória na elaboração de mu-danças substanciais do setor.

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CAPÍTULO 5 | COMBINANDO REGULAÇÃO COM INCENTIVOS 179

FIGURA 11 – ANÁLISE DE IMPACTO REGULATÓRIO – POLÍTICAS REGULATÓRIAS BASEADAS EM EVIDÊNCIAS

Definição da ferramenta para o futuro monitoramento da

regulação a ser implementada

Definição dos objetivos da regulação

Identificação dos impactos (econômicos, sociais,

ambientais etc.)

Análise detalhadas por opção (qualitativa e quantitativa)

Identificação e descrição das opções regulatórias

Comparação das opções regulatórias

Identificação e descrição do problema (falha)

Fonte: Adaptado de Van Dijk MC – Regulatory Impact Assessment.

5.5 Reforma nos modelos de pagamento – O objetivo é a saúde

A mudança de modelo de remuneração traz à tona uma questão bem mais ampla que é o relacionamento entre as partes neste setor, em especial entre as operadoras e os prestado-res de serviços médicos, hospitalares e odontológicos. O relacionamento entre estes agen-tes, pode-se dizer, tem sido caracterizado pela desconfiança mútua ao longo do tempo. Supõe-se que parcela significativa de tal desconfiança seja derivada do próprio modelo de remuneração fee-for-service e da assimetria de informação que permeia a relação comercial entre ambos. Um outro modelo de relacionamento logrará sucesso se fortalecer o relacio-namento baseado na confiança mútua entre estes players, estabelecendo conjuntamente uma melhor alocação dos riscos e dos ganhos.

Uma boa analogia pode ser feita a partir da leitura do pensador francês Alain Peyrefitte, es-pecialmente em seu livro “A sociedade de Confiança”.179 Peyrefitte, de forma muito didática e com argumentos interessantes, busca responder a uma pergunta relativamente simples: Por que alguns países se desenvolveram mais do que outros? Ou então, Por que algu-mas sociedades alcançaram níveis admiráveis de desenvolvimento científico, tecnológico e econômico enquanto outras patinam no subdesenvolvimento? Trata-se de uma pergunta

179 Peyrefitte, Alain (1999).

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL180

antiga. Adam Smith já tentara responder em 1776 em “As Causas da Riqueza das Nações”. Para Peyrefitt o que, de fato, leva um país a tornar-se rico e outro a empobrecer seria um terceiro fator (além de capital e trabalho), para ele o mais importante – o cultural.

A partir da comparação entre a Europa “romana” e a Europa das reformas protestantes, o autor sugere que o que levou a mesma cultura a se dividir e tomar rumos bem distintos, com efeitos opostos, resume-se numa palavra: confiança. Enquanto a Europa “romana” se deixa dominar por um comportamento religioso e entra em declínio econômico, a outra adota um comportamento socioeconômico espontâneo. A primeira é impregnada do sentimento de desconfiança; a segunda opta pela confiança. Para o autor, “A sociedade de desconfiança é uma sociedade temerosa, ganha-perde: uma sociedade onde a vida em comum é um jogo cujo resultado é nulo, ou até negativo, uma sociedade propícia à luta de classes, ao mal viver nacional e internacional, ao fechamento, à agressividade da vigilância mútua. A sociedade de confiança é uma sociedade em expansão, ganha-ganha, sociedade de solidariedade, de projeto comum, de abertura, de intercâmbio, de comunicação.”

A contribuição fundamental de Peyrefitt é sua avaliação de como a confiança entre indivíduos livres, que interagem espontaneamente no mercado, cada qual buscando alcançar maiores níveis de satisfação, pôde ser determinante na eficiência do processo de trocas. Quanto mais os indivíduos confiam uns nos outros, maiores as chances de que as trocas (comércio) ocorram e menores os custos para a realização dessas trocas.

Os economistas costumam denominar tais custos de custos de transação que envolvem não apenas o processo de negociação mas as salvaguardas contratuais, administrativas e legais estabelecidas para mútua proteção. Some-se a isto, todo o investimento envolvido na especificação detalhada dos contratos. Quanto maior a desconfiança, maiores os riscos percebidos e maiores os custos de transação.

Retornando para a saúde suplementar, alguém poderia se perguntar sobre o custo da des-confiança que ainda vigora no setor. Tal custo poderia ser materializado nas despesas com auditorias, checagens, glosas, formulários etc. Este também é um custo potencializado pela desconfiança recíproca, mas talvez o grande custo da desconfiança neste setor seja o não fazer, o não tentar, o não se mexer. A imobilização conceitual funciona como areia nas engre-nagens, emperra o desenvolvimento. Há, neste caso, a supervalorização do risco em contra-partida da sobrevalorização do benefício esperado com a mudança, uma espécie de miopia. Como ultrapassar esses limites e sair da inércia? Não há fórmula exata, mas o diálogo e a negociação são fundamentais para o estabelecimento da confiança. Sem confiança, não há que se falar em contratos, não há que se falar em eficiência, em desenvolvimento. Sem con-fiança, seremos sempre reféns do imediatismo, do curtíssimo prazo, das demandas urgentes.

Uma sociedade de confiança, melhor dizendo, um setor de confiança precisa ter um olhar estratégico intersetorial de longo prazo, de solvência mútua, de ganhos de produtividade, de redução de desperdícios, de busca pelo valor adicionado ao consumidor. Ou temos confian-ça na construção do futuro da saúde suplementar ou os custos da desconfiança poderão se tornar insustentáveis.

Neste sentido, realinhar incentivos significa compartilhar riscos. Atualmente, a operadora, agente econômico especializado na identificação e agrupamento de riscos, acaba com mui-to mais riscos do que sua função típica quando o modelo de pagamentos de conta aberta começa a funcionar e ela dificilmente sabe exatamente onde vai parar. Por outro lado, os

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CAPÍTULO 5 | COMBINANDO REGULAÇÃO COM INCENTIVOS 181

prestadores hospitalares, agentes especializados na assistência, devem se especializar na gestão do risco da prestação dos serviços com qualidade. Cada parte especializada na gestão de seu próprio risco, realocando responsabilidades. Este é o desafio. Em um modelo fee-for-service, o risco do prestador errar, utilizar mais material do que o necessário, precisar reinternar por conta de qualidade inadequada, riscos associados à segurança do paciente, é transferido para a Operadora, incentivando a desconfiança e os custos de transação.

Mas há esperança no fim do túnel. Segundo estudo recentemente publicado “Um sistema que vem sendo estudado recentemente e já contando com exemplos de aplicação prática é o DRG – Diagnosis Related Group. O modelo baseado em DRG’s prevê a remuneração dos hospitais por episódio de tratamento, com valores pré-estabelecidos, de acordo com a classificação do paciente em grupos de diagnóstico. Há experiências internacionais que mostram o efeito do DRG na redução da inflação médica. Por exemplo: Alemanha, África do Sul e Estados Unidos. A Alemanha apresentou uma redução de 25% do orçamento hospitalar entre o período de 2005 a 2009, a África do Sul apresentou uma desaceleração do ritmo de crescimento dos prêmios das operadoras. Em 2000 era de 10,5% passando para 8,9% em 2013. Pesquisadores norte-americanos verificaram que, em um período de três anos, a remuneração baseada em DRG pode reduzir o custo médio das internações em até 50%, assim como, pode reduzir o custo médio de internações agudas de longa duração em 24%. Desde a década de 1980 tanto os Estados Unidos quanto a Europa vêm adotando modelos de pagamentos que incorporam o DRG.”180 Para citar outro exemplo, até 2016, a meta do “Obamacare” é migrar 30% dos pagamentos do programa Medicare (voltado para idosos) para o sistema de remuneração que leva em consideração os indicadores estabelecidos para as “Accountable Care Organizations” – ACOs, que são grupos de médicos, hospitais e outros provedores que se unem para oferecer os serviços de saúde para os pacientes do Medicare. Até 2018, a meta é mudar 50% do sistema para capitation. Para as ACOs, conseguir bons resultados significa garantir o repasse federal.

Em países como Finlândia e Suécia, existem regras de desempenho que asseguram que a remuneração será maior quanto menos complicações o paciente tiver depois do procedimento. No Reino Unido, que possui um sistema de saúde exemplar, é forte a figura do médico generalista. Sua principal função é acompanhar de perto o histórico de seus pacientes e apenas encaminhá-los a especialistas quando é mesmo necessário. Há dez anos, o Reino Unido também implantou o sistema de remuneração por performance. Por lá, a avaliação leva em consideração quase 150 indicadores. Estima-se que, atualmente, 25% da remuneração dos médicos que participam do programa vêm dos incentivos por desempenho. Enquanto isso, o custo per capita com saúde no Reino Unido é bem inferior comparado aos Estados Unidos.

Independente do modelo que venha a ser desenvolvido, o importante é que ele esteja atre-lado à melhoria de qualidade da saúde da população e não ao volume de procedimentos produzidos independente da qualidade tal como é hoje na grande maioria dos casos. É im-portante avançar nesses modelos, de pagamento por performance, por exemplo. Enfrentar corporações na busca de alinhamentos de incentivos e racionalização do uso é o desafio.

180 Lara, Natalia Lara (2015).

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL182

5.6 Saúde, Previdência e Assistência ao Idoso – De olho no futuro sem descuidar do presente181

É preciso que qualquer reforma que se pense no sistema de saúde brasileiro não perca o sentido de urgência. Estamos em profundo processo de transição demográfica em que im-plicará em maior percentual de idosos na população, seguindo a tendência mundial, porém a uma velocidade surpreendentemente maior. As despesas com assistência à saúde, no Brasil assim como no resto do mundo, tendem a aumentar com a maior longevidade das pessoas, já que os idosos tendem a gastar mais com saúde que os mais jovens.

A combinação dos efeitos acima significa, por si só, o aumento do volume de recursos des-tinados à saúde. Some-se, ainda, a tendência crescente dos preços dos insumos, cada vez mais sofisticados tecnologicamente, da frequência de utilização, fruto em parte de hábitos de vida e de características epidemiológicas da sociedade moderna. Hoje, se morre mais de câncer do que de doenças infectocontagiosas. O desenvolvimento tecnológico adiciona novas alternativas terapêuticas a preços cada vez mais elevados, mas nem sempre com avaliações precisas para incorporação no mercado.

A trajetória da curva de rendimento médio do trabalho ao longo do tempo apresenta forma de U invertido, atingindo seu ápice por volta de 45 anos e declinando em seguida. Enquanto isso, o reajuste dos preços dos planos de saúde se dá por faixas etárias, que incorporam elementos de solidariedade intergeracional. Os mais jovens pagam um pouco mais do que custam para subsidiar os mais idosos, que custam um pouco mais do que pagam. Não obstante, a curva de preços dos planos acompanha a idade. Pelo Estatuto do Idoso, os beneficiários só podem ser reajustados até 59 anos.

O fato relevante é que as pessoas estão vivendo cada vez mais e o custo da saúde aumenta com a idade. A grande maioria das pessoas fica sem plano de saúde quando se aposenta, pois o plano é um benefício oferecido pelo empregador. A partir deste momento, precisa arcar com o custo do plano de saúde, já que o SUS não consegue suprir esta demanda. Ato contínuo, na aposentadoria as rendas caem, exatamente no momento em que o indivíduo mais precisa do plano de saúde, que por sua vez é mais caro do que quando ele estava na ativa. O que fazer para proteger este cidadão?

Um produto que consiga compatibilizar saúde com previdência pode ser extremamente útil para o financiamento dos futuros idosos. Neste caso, ainda a ser regulamentado, o indiví-duo pode programar razoavelmente seu futuro e o momento de sua aposentadoria. Poderá escolher planos de acumulação mais ajustados a seu perfil de risco e de renda. Poderá, por exemplo, escolher contribuir até 65 anos e receber a renda da aplicação com isenção de imposto para diminuir a mensalidade de seu plano de saúde até os 80 anos.

181 Camarano, Ana Amélia e Pasinato, Maria Tereza (2004).

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CAPÍTULO 5 | COMBINANDO REGULAÇÃO COM INCENTIVOS 183

As atuais e futuras gerações serão beneficiadas pela regulamentação de um produto com essas características. Ademais, trata-se de um produto adicional, preservando-se todas as atuais formas de produtos de acumulação e de planos de saúde. A união desses produtos, assim se espera, contribuirá para a adoção de comportamentos prudenciais das pessoas, em relação à educação financeira e adoção de hábitos de vida mais saudáveis.

GRÁFICO 21 – RENDA E CONSUMO PRIVADO, BRASIL 2008

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9080706050403020100

Renda do TrabalhoConsumo Prêmio

Fonte: Envelhecendo em um Brasil mais velho. BIRD, 2011.

É sabido que a saúde suplementar avança conforme avança o emprego e a renda. Esta rela-ção que ajuda a impulsionar o setor, e todos aqueles que a ele se vinculam, em benefício dos consumidores de planos, atuais e futuros. Em um momento econômico de desaceleração, a importância de se aprofundar reformas que venham a melhorar os incentivos, estimular a inovação e a concorrência passam a ter prioridade no setor. É portanto de fundamental importância que as variáveis atuantes sobre os custos da assistência sejam controladas na medida do possível para que a reversão da atividade econômica não influencie nas expecta-tivas de longo prazo, principalmente dos investimentos que podem ser realizados.

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FUNDAMENTOS, REGULAÇÃO E DESAFIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL184

GRÁFICO 22 – EVOLUÇÃO DA TAXA DE DESEMPREGO E RENDIMENTO MÉDIO REAL (MAR/2002 – MAI/2015)

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2.200

Rend

imen

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real

(R$)

Rendimento médio real do trabalho principalTaxa de desemprego

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