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Parcelamento do Solo
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Pr-Reitoria de Graduao Curso de Direito
Trabalho de Concluso de Curso
A REGULARIZAO FUNDIRIA NO DISTRITO FEDERAL
Autor: Gabriel de Oliveira Madeira
Orientador: Professor MsC. ngelo Aurlio Gonalves Pariz
Braslia - DF
2010
2
GABRIEL DE OLIVEIRA MADEIRA
A REGULARIZAO FUNDIRIA NO DISTRITO FEDERAL
Monografia apresentada ao curso de graduao em Direito da Universidade Catlica de Braslia, como requisito parcial para obteno do Ttulo de Bacharel em Direito. Orientador: ngelo Aurlio Gonalves Pariz
Braslia 2010
2
Monografia de autoria de Gabriel de Oliveira Madeira, intitulada A
Regularizao Fundiria no Distrito Federal, apresentada como requisito parcial
para obteno do grau de Bacharel em Direito da Universidade Catlica de Braslia,
em _______/_______/______________, defendida e aprovada pela banca
examinadora abaixo assinada:
______________________________________________________________
Professor MsC. ngelo Aurlio Gonalves Pariz
Orientador
Direito - UCB
______________________________________________________________
Direito - UCB
______________________________________________________________
Direito - UCB
Braslia
2010
3
Dedico o presente trabalho a Deus, criador de toda a vida, ao meu pai, companheiro e amigo de estrada, e a minha me, por sua pacincia e amor comigo.
4
AGRADECIMENTO
Agradeo ao meu professor orientador, MsC. ngelo Pariz, pela ajuda a feitura deste trabalho e ao Professor MsC. Nilton Paixo, pela inspirao que meu deu em suas aulas sobre direitos reais.
5
Eu ca em cheio na realidade, e uma das realidades que me surpreenderam foi a rodoviria, noitinha. Eu sempre repeti que essa plataforma rodoviria era o trao de unio da metrpole, da capital, com as cidades-satlites improvisadas na periferia. um ponto forado, em que toda essa populao que mora fora entra em contacto com a cidade. Ento eu senti esse movimento, essa vida intensa dos verdades brasilienses, essa massa que vive fora e converge para a rodoviria. Ali a casa deles, o lugar onde eles se sentem vontade. Eles protelam, at, a volta para a cidade-satlite e ficam ali, bebericando. Eu fiquei surpreendido com a boa disposio daquelas caras saudveis. E o centro de compras, ento, fica funcionando at meia noite... Isto tudo muito diferente do que eu tinha imaginado para esse centro urbano, como uma coisa requintada, meio cosmopolita. Mas no . Quem tomou conta dele foram esses brasileiros verdadeiros que construram a cidade e esto ali legitimamente. S o Brasil... E eu fiquei orgulhoso disso, fiquei satisfeito. isto. Eles esto com a razo, eu que estava errado. Eles tomaram conta daquilo que no foi concebido para eles. Foi uma bastilha. Ento vi que Braslia tem razes brasileiras, reais, no uma flor de estufa como poderia ser, Braslia est funcionando e vai funcionar cada vez mais. Na verdade, o sonho foi menor do que a realidade. A realidade foi maior, mais bela. Eu fiquei satisfeito, me senti orgulhoso de ter contribudo.
Lcio Costa 30/III/87
6
RESUMO
MADEIRA, Gabriel de Oliveira. A Regularizao Fundiria no Distrito Federal. Concluso em 2010. 95 folhas. Trabalho de concluso de curso (graduao) - Faculdade de Direito, Universidade Catlica de Braslia, Taguatinga, ano da defesa em 2010.
A histria fundiria do Distrito Federal revela a ocupao desordenada do solo, provocando inmeros problemas urbansticos e ambientais. Surge da srios problemas referentes questo fundiria, como a ocupao de terras pblicas por particulares para fins de habitao. de se saber que a falta de polticas pblicas no sentido de se criar ncleos habitacionais contribuiu para esta ocupao desordenada da capital do pas, desde a inaugurao. H direitos que esto em jogo: o direito social de moradia e a funo social da posse. A regularizao fundiria processo que visa tornar legal os assentamentos informais existentes, com integrao destes cidade formal. Protege-se, assim, a posse dos habitantes que se encontram nessa situao jurdica, alm de cumprir o objetivo constitucional de construir uma sociedade livre, justa e solidria. O Poder Pblico deve intervir nesse processo, com a finalidade de garantir o interesse pblico aliado ao direito fundamental de moradia a todos.
Palavras-chave: regularizao fundiria, assentamentos informais, ocupao
desordenada do solo, funo social da propriedade, direito social de moradia.
7
RESUMEN
MADEIRA, Gabriel de Oliveira. La Regularizacin Fundiria en el Distrito Federal. Ao de conclusin del trabajo: 2010. 95 hojas. Trabajo de conclusin de curso - graduacin Facultad de derecho, Universidad Catlica de Braslia, Taguatinga, ao da defensa: 2010.
La histria fundiria del Distrito Federal reviela la ocupacin desordenada del suelo, ocasionando incontables problemas urbansticos y ambientales. Surge de ah srios problemas concernientes a la questin fundiria, como la ocupacin de tierras pblicas por particulares para fines de habitacin. Es de se saber que la falta de polticas pblicas en el sentido de la creacin de ncleos de vivenda contribuyo para esta ocupacin desordenada de la capital del pas, a partir de la inauguracin.Existe derechos que estan em juego: el derecho social de tener una casa y la funcin social de la posesin. La regularizacion fundiria es proceso que valida en la ley los asentamientos informales existentes con integracin a la ciudad formal. Protegese, as, la posesin de los habitantes que se encuentran em esta condicin jurdica, as como respetase el objetivo constitucional de construir una sociedad libre, justa y solidaria. . El Poder Pblico debe intervenir en ese proceso, com la finalidad de garantizar el inters pblico coligado a el derecho fundamental de se tener uma casa a todos.
Palabras-llave: regularizacin fundiria, asentamientos informales, ocupacin
desordenada del suelo, funcion social de la propriedad, derecho social de tener una
casa.
8
SUMRIO
INTRODUO ............................................................................................................ 9
1 DA PROPRIEDADE ............................................................................................... 11
1.1 DOS ASPECTOS GERAIS DA PROPRIEDADE ................................................. 11
1.2 DA FUNO SOCIAL DA PROPRIEDADE ................................................. 16
1.2.1 Da funo social da propriedade urbana ..................................................... 18
1.2.2 Da funo social da propriedade rural ......................................................... 21
1.3 DA USUCAPIO ................................................................................................. 25
2 DA QUESTO FUNDIRIA NO DISTRITO FEDERAL ......................................... 28
2.1 DO SURGIMENTO DE BRASLIA ................................................................ 28
2.2 DA OCUPAO DO SOLO NO DISTRITO FEDERAL ................................ 32
2.3 DOS ASSENTAMENTOS INFORMAIS DO DISTRITO FEDERAL .............. 39
3 DAS QUESTES RELEVANTES NO PROCESSO DE REGULARIZAO FUNDIRIA ............................................................................................................... 43
3.1 DOS ASSENTAMENTOS INFORMAIS ........................................................ 43
3.2 DO DIREITO SOCIAL DE MORADIA EM TORNO DA FUNO SOCIAL DA PROPRIEDADE ........................................................................................................ 45
3.3 DO DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO . 56
4 DA REGULARIZAO FUNDIRIA NO DISTRITO FEDERAL ........................... 59
4.1 DA LEGISLAO APLICVEL REGULARIZAO FUNDIRIA .................... 59
4.1.1 Da concesso de uso especial para fins de moradia .................................. 68
4.2 DA VENDA DIRETA DE GLEBAS IRREGULARES AOS SEUS OCUPANTES ............................................................................................................ 70
CONCLUSO ........................................................................................................... 80
ANEXO I DOS ASSENTAMENTOS INFORMAIS CATALOGADOS..................... 83
ANEXO II DOS SETORES HABITACIONAIS EM FASE DE REGULARIZAO 88
ANEXO III DAS REAS DE REGULARIZAO DE INTERESSE SOCIAL E DE INTERESSE ESPECFICO ....................................................................................... 89
ANEXO IV DOS PARCELAMENTOS URBANOS ISOLADOS ............................. 91
REFERNCIAS ......................................................................................................... 92
9
INTRODUO
A regularizao fundiria um processo pelo qual o Poder Pblico torna
legais os assentamentos informais, cuja ocupao foi irregular. A maior parte destas
glebas irregulares, no Distrito Federal, foi criada atravs de loteamentos clandestinos
em terras pblicas, fazendo surgirem quadras, setores e at regies administrativas.
O processo de regularizao protege a posse de habitantes da informalidade e
privilegia o direito fundamental social de moradia previsto na Constituio Federal de
1988.
Do que se trata a questo fundiria no Distrito Federal? Como deve ocorrer o
processo de regularizao fundiria? Quais so os procedimentos legais? So todos
assentamentos informais que devem ser regularizados? Quais so os impactos
ambientais e urbansticos? Quem sero os beneficirios da regularizao? A partir
dessas premissas, o tema delimita-se por estudar a questo fundiria do Distrito
Federal, em linhas gerais, desde o perodo anterior da ocupao das terras do
Distrito Federal at os dias atuais, assim como estuda os princpios constitucionais,
a legislao e a jurisprudncia aplicveis regularizao, a qual o Poder Pblico cria
mecanismos de tornar legais os assentamentos informais, integrando-os cidade
formal.
O objetivo geral explanar como o processo de regularizao fundiria deve
ser realizado como forma de atender a demanda social por moradia, garantindo aos
possuidores de glebas irregulares este direito fundamental inerente pessoa
humana.
Os objetivos especficos so estudar os instrumentos legais de regularizao
de fundiria a partir de normas de direito urbanstico, ambiental, civil e constitucional;
entender os aspectos sociais, ambientais, econmicos e polticos envolvidos nesse
processo; entender como o processo de regularizao fundiria no DF dever
ocorrer baseando-se no entendimento do Supremo Tribunal Federal em relao
Constituio Federal e na aplicao de legislao infraconstitucional especfica;
contribuir para a conscientizao de que a questo fundiria tem um cunho social
importante por garantir o direito social de moradia e buscar um crescimento
ordenado das cidades.
10
Justifica-se estudar este tema por o direito social de moradia estar altamente
prejudicado no Distrito Federal, devido falta de eficincia do Poder Pblico na
criao de ncleos habitacionais, o que ocasionou na criao dos populares
condomnios irregulares, melhor chamados de assentamentos informais. Por estes
ncleos habitacionais terem sido criados por particulares, portanto sem a infra-
estrutura pblica adequada, de fundamental importncia que estes sejam
integrados cidade formal, com a realizao das obras e integraes necessrias,
assim como se deve garantir a posse de seus habitantes, que ficam numa situao
de insegurana jurdica, pois muitos adquiriram seus terrenos e casas de boa-f e
somente tiveram esta oportunidade com a compra de gleba em assentamento
informal, devido aos altos preos imobilirios e a falta de criao de novos ncleos
habitacionais pelo Estado nos momentos adequados. Trata-se, pois, de tornar legal
a posse de indivduos que se encontram nessa situao, moldado pela funo social
da propriedade e da posse, assim como no direito fundamental de moradia.
A metodologia a ser utilizada ser o positivismo, pois a Constituio Federal,
a legislao especfica e a Jurisprudncia ser aplicada nos casos de regularizao
fundiria de assentamentos informais. O mtodo analtico ser utilizado, por serem
feitos estudos minuciosos em toda legislao que trata do tema da regularizao
fundiria, a luz da CF/88. Tambm ser utilizado o mtodo dedutivo para aplicao
da legislao urbanstica, ambiental, civil e administrava e o entendimento
jurisprudencial, aos casos particulares de glebas irregulares.
O trabalho foi dividido em quatro captulos, a saber: no primeiro captulo sero
mostrados os conceitos de propriedades, da funo social exercida por essas e um
dos meios de aquisio de propriedade, a usucapio; no segundo captulo ser
apresentada a questo fundiria, desde perodo anterior da criao do Distrito
Federal at as fases de ocupao nos seus atuais 50 anos; no terceiro captulo ser
mostrada a funo social da posse aplicada no direito social fundamental de
moradia; e por ltimo, no quatro captulo, ser mostrado a legislao aplicvel no
processo de regularizao fundiria, o entendimento jurisprudencial, sobretudo do
Supremo Tribunal Federal e projetos de leis que visam concretizar a regularizao
fundiria no Distrito Federal.
11
1 DA PROPRIEDADE
1.1 DOS ASPECTOS GERAIS DA PROPRIEDADE
A propriedade, desde as sociedades mais primitivas, foi um meio que o ser
humano encontrou para alcanar um grau satisfatrio de segurana, em meio a
crises. O direito de propriedade no faz sentido quando os recursos se encontram
abundantes, ou pelo menos aparentemente infinitos, mas se por algum motivo vem a
escassez, o direito de propriedade surge como forma de dar segurana posse dos
indivduos.
Pode-se afirmar que a propriedade imvel ganhou relevncia a partir do
momento em que as populaes mundiais foram crescendo, de modo a transparecer
os limites territoriais tanto entre os pases, quanto no mbito interno destes. Pela
conquista de um espao, muitas guerras foram travadas entre as naes. O ser.
humano, para sentir-se seguro, necessita ter um direito que, pelo menos em tese,
seja absoluto, isto , um direito que no seja ameaado por outros indivduos e que
possa perpetuar por toda a sua vida. Em meio esta necessidade fundamental de
segurana jurdica, a propriedade passa a ser um meio de proteo dos bens
capazes de serem apropriados.
A propriedade no Brasil, ao longo de sua colonizao, foi marcada pelo
domnio pblico. A Coroa Portuguesa era quem detinha o direito absoluto de
propriedade. A criao de Capitanias Hereditrias foi um meio de garantir a
colonizao atravs de entes privados pessoas, que administrassem as terras
pblicas. A usucapio, a carta de sesmarias1 e a posse em terras devolutas foram os
meios de ocupao e apropriao de terras pelos particulares no decorrer no
perodo colonial.
O Cdigo Civil de 1916 foi quem regulamentou pela primeira vez, com maior
abrangncia, o direito de propriedade. Marcado por resqucios do sistema liberal,
dava propriedade um sentido absoluto, permitindo o acmulo de riqueza e de
1 Modalidade de documento jurdico pelo qual os Donatrios das Capitanias Hereditrias distribuam
terras a sesmeiros, para assim garantir a produo agrcola no pas.
12
estabilidade econmica aos grandes proprietrios de terras, garantindo ainda que
seus bens fossem transferidos somente aos filhos legtimos.
O Cdigo Civil de 2002 procurou definir a propriedade pelas faculdades
essenciais que integram o domnio o uso, a disposio, a fruio da coisa e a
reivindicao da coisa, como ensina Nelson Rosenvald:
A propriedade um direito complexo, que se instrumentaliza pelo domnio,
possibilitando ao seu titular o exerccio de um feixe de atributos
consubstanciados nas faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar a
coisa que lhe serve de objeto (art. 1.228 do CC). A referida norma conserva
os poderes do proprietrio nos moldes tradicionais.2
Numa conceituao direta e simples, o direito de propriedade se resume
numa relao jurdica, em que h em um dos plos o titular do bem e do outro toda a
coletividade de pessoas:
O direito subjetivo de propriedade concerne relao jurdica complexa que
se forma entre aquele que detm a titularidade formal do bem (proprietrio)
e a coletividade de pessoas. Nos bens imveis, nasce a propriedade atravs
do ato jurdico do registro, que a tornar pblica e exigvel perante a
sociedade. O objeto da relao jurdica ora decantada o dever geral de
absteno, que consiste na necessidade de os no proprietrios
respeitarem o exerccio da situao de ingerncia econmica do titular
sobre a coisa.3
As faculdades de uso, gozo e fruio, inerentes propriedade, compe o
domnio poderes inerentes a propriedade do bem. J o poder de reivindicar o bem
de quem injustamente a possua decorre de uma possvel leso ao direito de
propriedade, ou o desrespeito ao dever de absteno da coletividade em relao a
este bem juridicamente protegido.
O domnio nem sempre estar nas mos do proprietrio formal, nos casos de
usucapio, antes do registro e de promessa de compra e venda, aps a quitao, o
domnio estar nas mos desses futuros proprietrios do objeto da relao jurdica.
2 ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 6 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 168. grifo do
autor. 3 ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 6 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. P. 168.
13
Previsto no art. 5, caput da CF/88, a propriedade um direito fundamental.
uma garantia institucional de assegurar a proteo dos bens jurdicos necessrios
estabilidade de cada indivduo. Dever a propriedade atender a sua funo social,
conforme dispe o inciso XXIII do art. 5 da CF/88.
A Declarao Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo XXVII, prev a
proteo do direito de propriedade. Trata-se tambm de proteger a dignidade da
pessoa humana, que no pode ser privada do mnimo existencial da sua
sobrevivncia. O mnimo existencial deve estar pautado quilo que determinada
sociedade define como o fundamental para que uma pessoa possa sobreviver; se
privado deste mnimo, a pessoa estaria vivendo numa situao de total falta de
dignidade. O direito de propriedade justifica-se por proteger a privacidade, a
intimidade a liberdade dos indivduos.
O direito de propriedade um direito subjetivo, e como tal consiste num poder
(facultas agendi) que um indivduo possui para a satisfao de seus interesses
Todos os direitos subjetivos, incluindo a o direito subjetivo de
propriedade tm seu contedo formado por faculdades jurdicas. Elas
consistem nos poderes agir consubstanciado no direito subjetivo. O
Cdigo Civil, em seu art. 1.228, traz uma definio acanhada do conceito de
propriedade, pois no a qualifica como uma relao jurdica. Porm, acaba
por dispor acerca de sua estrutura, ao relacionar as faculdades inerentes ao
domnio: usar, gozar, dispor de seus bens e reav-los de quem quer que
injustamente os possua.4
Conforme ensina o renomado autor do trecho acima citado, as faculdades
constantes no cdigo civil se referem ao domnio. Tais faculdades no so direitos
autnomos, mas so direitos inerentes ao prprio direito de propriedade. O
dispositivo legal acima citado muito criticado pela doutrina, por no atender o
mandamento constitucional de submeter a propriedade funo social. Entretanto o
operador do direito dever sempre se pautar pela interpretao dos dispositivos
legais conforme a Constituio Federal.
A faculdade de usar consiste em se utilizar da coisa segundo a destinao
para qual foi criada. O uso para ser direto, quando o prprio proprietrio estiver em
4 ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 6 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 186, grifo nosso.
14
posse da coisa, ou indireto quando conceder esse direito a terceiro, num
desdobramento da posse. A falta do uso da coisa no faz com as faculdades do
direito de propriedade prescrevam. Em contrapartida, a posse por terceiros por
tempo prolongado poder dar ensejo a aquisio do direito de propriedade, por meio
da usucapio. certo tambm que o uso dever estar pautado pelo interesse social,
isto , o uso no poder ser ilimitado de forma a causar transtornos ao interesse
coletivo.
A faculdade de gozar est ligada percepo dos frutos o lucro que pode
ser auferido no direito de propriedade. No exerccio de colher os frutos naturais,
percebidos diretamente da natureza, o proprietrio est usando somente a faculdade
de uso. Estar fruindo quando estiver colhendo frutos civis ou industriais, como na
transformao dos elementos da natureza ou aluguis, por exemplo.
A faculdade de dispor altera a essncia da coisa. Pode ocorrer, entre outros
efeitos, a destruio ou o abandono da propriedade. Na lio de Rosenvald:
Entende-se como dispor a faculdade que tem o proprietrio de alterar a
prpria substncia da coisa. a mais ampla forma de concesso de
destinao econmica coisa. A disposio pode ser material ou jurdica.
Realmente, ao usar e fruir o proprietrio no se priva da substncia da
coisa, pois aqueles poderes podem ser destacados em favor de terceiros,
sem que seja atingida a condio jurdica do proprietrio.
A faculdade de reivindicar se caracteriza como um elemento externo ou
jurdico do direito de propriedade. Consistem numa pretenso do titular do direito
subjetivo de reaver sua propriedade de terceiros que injustamente a detenham.
uma forma de perseguir a propriedade de t-la de volta a sua posse. Esta faculdade
justifica-se pela obrigao de absteno de toda a sociedade de ingerir no direito de
propriedade alheio.
A propriedade possui atributos caractersticos. A exclusividade significa que
uma coisa no pode pertencer a uma pessoa e simultaneamente a mais pessoas no
mesmo lapso temporal, ser, pois, um bem exclusivo de seu proprietrio. A
perpetuidade significa que a propriedade tem durao ilimitada, isto , no se
extingue com o tempo. Alm disso, um direito hereditrio, podendo ser passado
aos sucessores. A elasticidade significa que, embora a propriedade seja exclusiva,
poder haver ciso dos poderes dominiais em favor de terceiros, a exemplo de o
15
imvel ser dado em usufruto. A consolidao quer dizer que as contrao sofridas
pelo domnio sero sempre temporrias e anormais, isto , a situao de
normalidade voltar e todos direitos inerentes ao domnio prevalecero.
16
1.2 DA FUNO SOCIAL DA PROPRIEDADE
O direito de propriedade, com a ascenso da burguesia e do capitalismo,
tornou-se um direito absoluto. O Estado Liberal no deveria ingerir na seara da
autonomia privada. Entretanto, os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, lema
da Revoluo Francesa, acabaram por se tornarem parciais, isto , a liberdade de
poucos grandes proprietrios se tornou possvel com a opresso econmica das
grandes massas de pessoas.
As profundas incertezas vividas ao longo do conturbado sculo XX
certamente refletiram no direito de propriedade. Os valores da liberdade
individual e da igualdade formal no poderiam prosperar em cenrios de
extenso desequilbrio econmico. A liberdade de uns poucos importa
opresso de uma grande massa de pessoas, privadas de acesso a bens
mnimos e excludas at de sua especial dignidade. Atingimos um momento
de profunda decepo, diante da constatao da fragilidade do ser humano.
Ao contrrio do que preconizava os arautos do racionalismo, a inteligncia
humana produziu a liberdade, mas no nos permitiu enxergar o outro.
Tornamo-nos cegos e surdos diante dos que nos cercam.5
A Constituio Federal de 1988, ao primar pelo princpio da dignidade da
pessoa humana e da solidariedade, estabeleceu limites ao direito de propriedade,
condicionando-a a cumprimento da funo social. O Cdigo Civil de 2002, embora
com traos do patrimonialismo do Estado Liberal, deve ser interpretado conforme a
CF/88, como meio de garantir a aplicao dos direitos fundamentais individuais e
sociais.
A funo social se refere ao um modo de proceder, a um ideal a ser cumprido.
Significa que a propriedade no mais ilimitada, mas deve estar pautada na
solidariedade social, na dignidade da pessoa humana, no bem-estar coletivo. No se
trata de impedir os avanos econmicos dos indivduos, mas de condicionar seus
interesses aos interesses sociais mais nobres, entre eles a dignidade da pessoa
humana. A funo social princpio que deve pautar todas as relaes privadas,
5 ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 6 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 198.
17
todos os direitos subjetivos devem estar pautados pelos objetivos maiores da ordem
jurdica vigente.
at mesmo redundante indagar acerca de uma funo social do direito,
pois pela prpria natureza das coisas qualquer direito subjetivo deveria ser
direcionado ao princpio da justia e do bem-estar social. Porm, o
individualismo exacerbado dos dois ltimos sculos deturpou de forma to
intensa o sentido de que direito subjetivo, que foi necessria a insero do
princpio da funo social nos ordenamentos contemporneos para o
resgate de um valor deliberadamente camuflado pela ideologia ento
dominante.6
O cdigo civil de 2002, no art. 1.228, 1 estabelece que o direito de
propriedade deve ser exercido em consonncia com as suas finalidades econmicas
e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido
em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilbrio ecolgico e o
patrimnio histrico e artstico, bem como evitada a poluio do ar e das guas. Nos
2 ao 5 h ainda outras limitaes ao direito de propriedade. Ainda assim, por
ser princpio, a funo social pode e deve ser aplicada independentemente de
regulamentao especfica da lei, deve estar subentendida em todo ordenamento
jurdico.
6 ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 6 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 198.
18
1.2.1 Da funo social da propriedade urbana
A propriedade urbana todo imvel localizado no mbito interno do permetro
urbano, caracterizado pela edificao contnua e a existncia de equipamentos
sociais destinados s funes urbanas bsicas, como moradia, trabalho, recreao,
circulao de pessoas e bens, assim como uma relao de proximidade entre seus
habitantes. Tambm poder ser considerada propriedade urbana as reas
urbanizveis, ou de expanso urbana, de acordo com o que dispuser a legislao
local.
A funo social das cidades, fundamentada pelo art. 182, caput, CF/88 e pelo
Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, se solidifica atravs de normas de interesse
pblico para a organizao social dos espaos urbanos habitveis. A nvel municipal
os planos diretores e a leis orgnicas quem faro o papel de regulamentar
detalhadamente a funo social da propriedade.
De acordo com o Estatuto da Cidade, os municpios com mais de 20 mil
habitantes devero editar seus planos diretores at 10 de outubro de 2006, prazo
que foi prorrogado, pela Lei 11.673/2008, para 30 de junho de 2008. Ser possvel a
proposio de ao direta de inconstitucionalidade por omisso contra os municpios
que deixarem de editar seus planos diretores; certo que tal omisso gera grandes
problemas urbansticos e ambientais, por deixarem que os proprietrios de terrenos
os utilizem indiscriminadamente, podendo ferir ao interesse pblico.
Conforme ensina Nelson Rosenvald7, o Plano Diretor um instrumento
fundamental para garantir a aplicao das funes sociais da cidade, devendo
concretizar quatro esferas do Estatuto da Cidade: a) determinao de critrios para
cumprimento da funo social da propriedade, mediante ordenamento territorial de
uso e ocupao do solo; b) identificao dos instrumentos urbansticos a serem
adotados para a concretizao do projeto; c) criao de mecanismos locais de
regularizao de assentamentos informais; d) regulamentao dos processos
municipais de gesto urbana popular.
7 ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 6 ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris: 2009. p. 213.
19
O art. 182, 4, CF/88 cria sanes a serem aplicados nos casos de
descumprimento da funo social da propriedade urbana: o parcelamento ou
edificao compulsrios, o IPTU progressivo e a desapropriao-sano. Neste
contexto permite-se notar que o proprietrio de prdio urbano deve ter condutas
positivas, no sentido de adotar os critrios estabelecidos pelo ordenamento jurdico.
O parcelamento compulsrio do terreno consiste em obrigar ao proprietrio a
fazer o parcelamento ou desmembramento do solo nos moldes da Lei 6.766/1979,
abrindo novas vias de circulao urbana no primeiro caso, e aproveitando as vias
existentes no segundo caso. A edificao compulsria consiste na obrigao de se
construir edifcio num lote j parcelado, de acordo com as normas urbansticas
locais. H a utilizao compulsria, que consiste em obrigar ao proprietrio a utilizar
de seu imvel de acordo com a finalidade urbanstica determinada pelo municpio.
Esta medida no foi prevista pela norma, porm no parece inconstitucional, por ser
uma medida mais branda que as anteriores, e ainda por aplicar com grande vigor a o
princpio da funo social da propriedade.
O Estatuto da Cidade, ao estabelecer que a poltica urbana tem por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade e da propriedade
urbana, evidenciou que o cumprimento da funo social cabe tanto ao particular
quanto ao poder pblico. Somente com a organizao urbanstica local, atravs dos
planos diretores e suas devidas regulamentaes, ser possvel criar os
mecanismos necessrios para que o particular cumpra a funo social da
propriedade. De acordo com o art. 5, caput do Estatuto da Cidade, o imvel no
cumpre sua funo social quando no estiver edificado, estiver subutilizado ou
quando no for utilizado. Caber ao Plano Diretor estabelecer quando o imvel
incorrer nessas condies.
O IPTU progressivo, de acordo com o art. 7 do Estatuto da Cidade, consiste
num aumento progressivo do referido imposto ao proprietrio de imvel no
edificado ou no parcelado, numa alquota de at 15% do valor venal do imvel por
um prazo de at 5 anos. A medida extrafiscal no tem como objetivo a arrecadao
tributria; uma medida que visa compelir ao proprietrio a cumprir a funo social
da propriedade, cumprindo os ditames constitucionais, o Estatuto da Cidade e o
Plano Diretor.
Passados os cinco anos, se as medidas anteriores no forem eficientes para
obrigar a adequao social do imvel, o municpio poder proceder
20
desapropriao deste, com pagamento de ttulos da dvida pblica (art. 8, Estatuto
da Cidade). Trata-se de uma desapropriao-sano, pois a indenizao no ser
prvia nem em dinheiro. Na interpretao do 2, do art. 8 do Estatuto da Cidade,
permite-se concluir que a justa indenizao no ser correspondente ao valor de
mercado do bem. Dever haver um equilbrio entre o interesse particular e o pblico,
pois do valor do terreno dever ser descontado o montante em funo de obras
pblicas necessrias rea.
No art. 10 do Estatuto da Cidade, h a usucapio coletiva, instituto pelo qual
famlias de baixa renda, em reas urbanas com mais de 250 metros quadrados, ao
ocupar por cinco anos, sem interrupo e oposio, adquirem a propriedade do
terreno ocupado.
Buscando tambm alcanar a funo social, o art. 21 do Estatuto da Cidade
instituiu o direito de superfcie, que consiste na concesso da utilizao solo,
subsolo ou espao areo relativo ao terreno pelo proprietrio a outrem, mediante
escritura pblica. O proprietrio viver em comum com o proprietrio superficirio
resolvel, que poder promover a edificao e a explorao dos frutos do imvel por
perodo determinado entre as partes.
H ainda, no art. 25 do Estatuto da Cidade, o direito de preempo, conferido
ao poder pblico, no caso de aquisio de imvel urbano objeto de alienao entre
particulares. Trata-se do direito de preferncia dado ao Estado para a aquisio de
imvel, sempre que este necessitar de reas para regularizao fundiria, execuo
de programas e objetos habitacionais de interesse social, constituio de reserva
fundiria, ordenamento e direcionamento da expanso urbana, implantao de
equipamentos urbanos e comunitrios, criao de espaos pblicos de lazer e reas
verdes, criao de unidades de conservao ou proteo de reas de interesse
ambiental ou proteo de reas de interesse histrico, cultural ou paisagstico8.
8 BRASIL. Lei 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituio
Federal, estabelece diretrizes gerais da poltica urbana e d outras providncias. Presidncia da Repblica.. Art. 26. Disponvel em: . Acesso em: 10 fev. 2010.
21
1.2.2 Da funo social da propriedade rural
A Lei 4.504, de 30 de novembro de 1964, o Estatuto da Terra, no art. 4, I
define imvel rural como sendo o prdio rstico, de rea contnua qualquer que seja
a sua localizao que se destina explorao extrativa agrcola, pecuria ou agro-
industrial, quer atravs de planos pblicos de valorizao, quer atravs de iniciativa
privada.
O foco para definir a funo social da propriedade rural gira em torno da
produtividade desta. O art. 186 da CF/88, num texto prximo do art. 2, 1 da Lei
4.504/1964, o Estatuto da Terra, enuncia que a propriedade rural atende a funo
social quando preenche os seguintes requisitos: I) aproveitamento racional e
adequado; II) utilizao adequada dos recursos naturais disponveis e preservao
do meio ambiente; III) observncia das disposies que regulam as relaes de
trabalho; IV) explorao que favorea o bem-estar dos proprietrios e dos
trabalhadores.
Enquanto o imvel urbano destina-se naturalmente moradia, como bem de
consumo, o imvel rural revela uma destinao centrada na produo de
riquezas e criao de empregos, como bem de produo que sobreleva o
nus social do proprietrio. A distino entre bens de consumo e de
produo no est localizada na natureza dos bens, mas em sua
destinao econmica. Segundo a noo corrente, bens de produo
seriam aqueles idneos produo de outros bens; j os bens de consumo
seriam aqueles destrudos no momento da satisfao da necessidade.9
O aproveitamento racional e adequado, orientado pelo art. 6 da Lei
8.629/1993, consiste na explorao de no mnimo 80% da rea explorvel do imvel
e na observao dos ndices de produtividade para a microrregio onde se localiza o
imvel. Entretanto, com base no art. 186 da CF/88, para a propriedade rural cumprir
sua funo social, no basta ser produtiva. Deve haver utilizao adequada dos
recursos naturais, o cumprimento das obrigaes trabalhistas pelo proprietrio e a
9 ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 6 ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris: 2009. p. 200.
22
preservao da do meio ambiente. No caso de no cumprir a funo social, a
propriedade rural poder ser desapropriada para fins de reforma agrria por
interesse social, nos moldes do art. 184 da CF/88.
Deve haver adequao da explorao da terra, de forma a respeitar e
preservar o meio ambiente. Um meio ambiente ecologicamente equilibrado,
conforme estabelece o art. 225 da CF/88, um direito fundamental de terceira
dimenso, devendo-se preservar e utilizar racionalmente os recursos naturais, com
finalidade de garantir a sobrevivncia das geraes atuais e futuras.
de bom alvitre falar da funo socioambiental. De fato, o proprietrio rural
no poder explorar indiscriminadamente o meio rural, h que respeitar os critrios
da legislao ambiental. O art. 225, 3 da CF/88 estabelece a responsabilidade civil
objetiva aos que lesarem o meio ambiente. Alm da obrigao de reparar o dano, o
infrator estar sujeito as sanes civis, penais e administrativas. A Lei 9.605/1998, a
Lei de Crimes Ambientais, criou uma srie de sanes penais e administrativas aos
que praticarem crime contra o meio ambiente, sejam pessoas fsicas ou jurdicas.
H, pois, uma necessidade de adequao dos meios de explorao rural
legislao ambiental.
Para a explorao de obra potencialmente causadora de danos ao meio
ambiente, ser necessrio Estudo Prvio de Impacto Ambiental EIA, afim de ser
analisados eventuais riscos ao meio ambiente como requisito de aprovao. Isto
decorre do princpio da preveno e precauo, contidos no art. 225, 1, V e VII da
CF/88. H ainda o principio da ubiqidade em mbito ambiental, que consiste na
avaliao dos riscos presentes e futuros da explorao da natureza, a fim de garantir
um desenvolvimento sustentvel s geraes futuras. Tendo em vista que se houver
dano ambiental o infrator dever ser responsabilizado, no caso de desapropriao
indireta ou restrio ao uso do solo, no haver indenizao ao proprietrio. Trata-se
de uma tutela ambiental como limite ao direito de propriedade.
O respeito legislao e princpios trabalhistas tambm se inclui no rol de
quesitos para a propriedade rural cumpra a sua funo social. O ordenamento
jurdico procura proteger tanto as atividades laborais exercidas por meio de contratos
agrrios, como arrendamento, parceria e contrato de trabalho, quanto o contrato de
trabalho informal. H um ponto controverso na aplicao da Lei Maior: o art. 185, II
assevera que so insuscetveis de desapropriao para fins de reforma agrria a
propriedades produtivas. H que se entender que o fato da propriedade ser
23
produtiva no exime o proprietrio de cumprir com suas obrigaes trabalhistas, pois
o interesse social ficaria prejudicado.
A Lei 8.629/1993, regulamentando os dispositivos constitucionais da reforma
agrria (arts. 184 a 191 da CF/88), estabelece em seu art. 2, caput que a
propriedade rural que no cumprir funo social ser desapropriada, cabendo a
Unio desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrria, o imvel rural
que no esteja cumprindo funo social (art.2, 1). O Incra ser responsvel pelo
levantamento preliminar, afim de avaliar o imvel rural e emitir prvia notificao ao
desapropriando. A partir do relatrio tcnico, ser elaborado decreto expropriatrio,
que, nos moldes da Lei Complementar n. 76 de 1993, haver procedimento
contraditrio, de rito especial, ordinrio afim de que seja realizada a reforma agrria.
Outro meio utilizado para garantir o cumprimento da funo social da
propriedade rural alquota progressiva do Imposto Territorial Rural. Dispe o art.
153, 4, CF/88 que o ITR ser progressivo e ter suas alquotas fixadas de forma a
desestimular a manuteno de propriedades improdutivas.
H uma relao de proporcionalidade entre as sanes ao proprietrio rural
inadimplente na funo social, medida que se agrava a ofensa ao
contedo tico da norma constitucional. Assim, enquanto a burla aos
princpios ambientais e trabalhistas propicia a desapropriao-sano, com
a indenizao com ttulos da dvida agrria, o mesmo no acontecer
quando houver emprego de psicotrpicos, ensejando uma modalidade de
desapropriao privada de qualquer indenizao confisco (art. 243 da
CF). A finalidade ilcita , portanto, severamente reprimida.10
Um herico Projeto de Emenda Constitucional, PEC 438/2001, tramita no
Congresso Nacional no sentido de reprimir o trabalho escravo na propriedade rural.
Trata-se de aplicar o confisco de terras rurais, em que for utilizada a mo-de-obra
escrava. A privao de liberdade e usurpao da dignidade caracteriza-se como um
ato de escravido, devendo ser severamente punido. No basta aplicar a pena do
art. 149 do Cdigo Penal, deve-se tambm confiscar tais terras em busca de se
proteger a dignidade da pessoa humana e a funo social da propriedade.
Para finalizar a questo da funo social em mbito rural imprescindvel
mencionar o produtor de gneros alimentcios que, numa situao de safra alm do
10
ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 6 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 225.
24
previsto, acaba por destruir parte dela, a fim de que o preo de sua mercadoria
continue num valor alto. Nelson Ronsevald, citando Lucas Fonseca e Melo, se
posiciona no sentido de que gneros alimentcios so direitos difusos, cuja escassez
acarreta problemas a sujeitos indeterminados. uma posio feliz, por privilegiar a
dignidade da pessoa humana e de estabelecer a funo social do produto rural,
tendo vista este ser uma necessidade de todos.
25
1.3 DA USUCAPIO
A usucapio instituto que remonta ao direito romano. Segundo a Lei das
Doze Tbuas, de 455 anos a.C., o possuidor de coisa mvel ou imvel, por um lapso
de tempo de um ou dois anos poderia adquirir-lhe propriedade; era direito conferido
somente aos cidados romanos, ficando de fora os estrangeiros. Com a expanso
do Imprio Romano, foi dada aos peregrinos uma espcie de exceo fundada na
posse prolongada por 10 ou 20 anos, como meio de defesa para as aes
reivindicatrias. Dessa forma o cidado romano poderia perder suas propriedades,
caso no lhes desse ateno por perodo prolongado.
No direito brasileiro, antes da codificao, o perodo de posse para a
usucapio era de 30 anos para bens mveis e imveis, e de 40 anos para bens
pblicos e coisas litigiosas. Tanto o CC/1916 quanto o CC/2002 trataram o tema.
Assim, a usucapio modo de aquisio originria de propriedade, pela
posse prolongada em determinado decurso de tempo, preenchidos os requisitos
legais. Ainda possvel a aquisio, por usucapio, de propriedade mvel e de
outros direitos reais.
Conforme ensina Nelson Rosenvald, a posse o poder de fato sobre a coisa,
enquanto a propriedade o poder de direito sobre essa:
Com efeito, a posse o poder de fato sobre a coisa; j a propriedade o
poder de direito nela incidente. O fato objetivo da posse, unido ao tempo
como fora opera a transformao do fato em direito e a constatao dos
demais requisitos legais, confere juridicidade a uma situao de fato,
convertendo-a em propriedade. A usucapio a ponte que realiza essa
travessia, como uma forma jurdica de soluo de tenses derivadas do
confronto entre a posse e a propriedade, provocando uma mutao objetiva
na relao de ingerncia entre o titular e o objeto.11
Diz-se que a usucapio modo de aquisio de propriedade originrio porque
aquele que adquirir a propriedade no guardar qualquer relao, de direito real ou
11
ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 6 ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris: 2009. p. 274.
26
obrigacional, com o antigo proprietrio. Fundamenta-se por privilegiar o possuidor
que, por perodo prolongado, deu uma destinao til coisa, enquanto, por outro
lado, constitui uma sano ao proprietrio negligente, que no atribuiu uma funo
social ao bem que lhe pertence. Em sentena, a autoridade judiciria reconhecer o
domnio do possuidor ad usucapionem, documento que ter o condo de registrar o
imvel no respectivo registro.
No a usucapio meio de aquisio derivada de propriedade, porque o
usucapiente, alm de no guardar nenhuma relao jurdica com o antigo
proprietrio, estar tambm livre de qualquer nus decorrente da coisa. o caso da
iseno do ITBI (imposto de transmisso de bens imobilirios), assim no ser
possvel a cobrana deste imposto em virtude da aquisio originria. Hipoteca,
servido ou qualquer outro nus tambm no ter mais eficcia sobre a coisa, visto
que o usucapiente adquire a propriedade contra o antigo proprietrio e no por
negcio jurdico celebrado entre ambos. Isto se justifica porque eventuais nus
sobre a coisa se extinguem pelo banimento do direito principal sobre este, passando
a surgir um direito novo, lmpido e livre de relaes jurdicas anteriores. J em
relao s novas tributaes, o usucapiente ter que pag-las, em virtude de ter se
tornado um novo proprietrio, devendo, pois, arcar com as obrigaes futuras.
Nos moldes do art. 1.244 do CC/2002, h causas impeditivas e suspensivas
da usucapio, pois o prazo prescricional para que esta ocorra poder estar
suspenso ou mesmo no correr, conforme dispe os arts. 197 a 201 desse diploma
legal. Essa causas esto ligadas a situaes de parentesco entre as partes, ou
situaes jurdicas peculiares.
H de falar que somente direitos reais sobre coisas usucapveis pode ser
objeto de ao de usucapio. So, pois, usucapveis a propriedade, a servido, a
enfiteuse, o usufruto, o uso e a habitao.
Nos moldes da CF/88, art. 183, 3, e art. 191, pargrafo nico, os bens
pblicos no esto sujeitos a usucapio. O legislador infraconstitucional deu nfase
ao dispositivo, ao dispor no art. 102 do CC/2002 que os bens pblicos no sujeitos a
usucapio. Portanto, caso a regularizao fundiria de determinado assentamento
informal estiver localizado em terra pblica, no ser possvel a aplicao do instituto
da usucapio.
Com relao a absoluta impenhorabilidade de bens pblicos, Nelson
Rosenvald considera equivocado tal mandamento jurdico, por ofender ao valor da
27
funo social da posse exercido pelo habitante de terra irregular. Ousa-se discordar
desta posio, j que h outros institutos jurdicos que podem privilegiar a funo
social da posse, como o da venda direta, que ser visto no ltimo captulo deste
trabalho, a concesso especial de uso para fim de moradia e a doao, nos casos
em que famlias de baixa renda habitem um local pblico passvel de regularizao
fundiria.
Conforme ser visto no ltimo captulo, para a concretizao do processo de
regularizao fundiria, outros institutos jurdicos sero aplicados, pois a maior parte
dos assentamentos informais contidos no Distrito Federal est em terras pblicas.
Obviamente, em terras particulares cujo proprietrio no cumpriu funo
social, se preenchidos os requisitos para usucapio, no haver qualquer bice para
ser proposta essa ao, entretanto, esta iniciativa cabe ao particular. Neste trabalho
no ser adentrado mais no assunto, por seu foco ser voltado regularizao
fundiria, um processo ligado s polticas pblicas de aplicao da funo social da
posse e do direito fundamental social de moradia.
28
2 DA QUESTO FUNDIRIA NO DISTRITO FEDERAL
2.1 DO SURGIMENTO DE BRASLIA
A transferncia da capital do pas para o seu interior foi idia concebida desde
o perodo colonial. A finalidade era trazer o desenvolvimento e a ocupao das
reas pouco ou nada habitadas do pas, at mesmo para consolidar a rea
conquistada por Portugal no Tratado de Tordesilhas, o qual foi feito com a Espanha.
Acrescenta-se que a rea inicial do Brasil foi estendida aps a celebrao deste
tratado, no decorrer do perodo colonial.
O Tratado de Tordesilhas foi assinado em 1494 entre os governos de
Portugal e Espanha. Esse acordo, mediado pelo papa e de carter
internacional, dividiu o mundo em duas reas de influncia atravs de um
meridiano situado a 370 lguas a oeste da ilha de Cabo Verde. As terras a
lesta dessa linha ficaram sob a jurisdio dos portugueses, enquanto as do
oeste ficaram sob jurisdio espanhola. 12
Marqus de Pombal, em 1761, foi o primeiro a expor a idia de transferir a
capital do litoral para o interior do pas para ser capital da colnia e tambm do
Reino, mas para se localizar no serto de Pernambuco. Hiplito Jos da Costa,
fundador do Correio Brasiliense, escrevia artigos em Londres com a idia de
transferncia da capital do Brasil para o interior do pas nesta mesma poca.
Joaquim Jos da Silva Xavier, o Tiradentes, no perodo da Inconfidncia Mineira
props que a capital deveria mudar para So Joo Del Rey em Minas Gerais com o
argumento de que a localidade traria maior segurana para capital, alm de
direcionar o povoamento para o interior do pas.
12
MOTA, Myriam Brecho e BRAICK, Patrcia Ramos. Histria: das cavernas ao terceiro milnio. 1 ed. So Paulo: 1997, Moderna, p. 198.
29
Em 1808, j existia o Correio Brasiliense, primeiro jornal do Brasil, mas que
era editado em Londres por Hiplito Jos da Costa. Atualmente passou a ser editado
em Braslia com o mesmo nome, em homenagem ao peridico da poca.
Em 1810, Veloso de Oliveira, Conselheiro e Chanceler da Crte Portuguesa,
em memria a Dom Joo VI, sugeriu a mudana da capital para um local mais
seguro e saudvel, longe das grandes cidades que se formavam no litoral brasileiro.
Em 1821, Jos Bonifcio de Andrada e Silva defendeu a transferncia da
capital para uma latitude mais ou menos 15, cuja localizao ficava no Estado de
Gois, atravs uma proposta enviada por deputados brasileiros crte de Lisboa,
porm esta foi rejeitada. Novamente, em 1823, Jos Bonifcio voltou a defender a
idia de se edificar no interior do Brasil a capital, sob o nome de Petrpolis ou
Braslia. O nome Braslia j havia surgido desde 1822, de autor desconhecido
atravs de um folheto publicado no Rio de Janeiro.
Francisco Adolfo de Varnhagen, o visconde de Porto Seguro, percorreu em
1877 a regio do Planalto Central do Brasil, concluindo que em volta da Vila
Formosa da Imperatriz, Gois, era local ideal para ser tornar a futura capital do pas.
Enviou um ofcio ao Ministro da Agricultura com detalhes de sua pesquisa.
Foi com a Constituio Republicana de 1891, em seu terceiro artigo, que a
futura capital passou a ter seus primeiros moldes jurdicos. Nota-se que desde ento
o Distrito Federal foi criado:
Fica pertencendo Unio, no planalto central da Repblica, uma zona de
14.400 quilmetros quadrados, que ser oportunamente demarcada para
nela estabeIecer-se a futura Capital federal.
Pargrafo nico - Efetuada a mudana da Capital, o atual Distrito Federal
passar a constituir um Estado. 13
Em 1893, uma Comisso Exploradora, denominada Comisso Cruls, por ser
chefiada cientista Luis Cruls, foi enviada ao Planalto Central para fazer a primeira
demarcao do territrio da futura capital. Localizada entre os parelelos 15 e 16 na
latitude sul, abrangia uma rea inicial de 14.400 Km.
13
BRASIL. Constituio (1891). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Art. 3. Presidncia da Repblica. Disponvel em: . Acesso em: 12 fev. 2010. grifo nosso.
30
A Constituio Federal de 1934, no Art. 4, confirmava a transferncia da
Capital da Unio para um ponto central do Brasil.
A Constituio Federal de 1937, a constituio polaca, foi silente em relao
ao assunto.
A Constituio Federal de 1946, mesmo antes da construo de Braslia, j
enunciava no art. 1, 2 que o Distrito Federal era a capital da Unio. O Art. 4, dos
Atos da Disposies Constitucionais Transitrias, enunciava que a capital da Unio
seria transferida para o Planalto Central do pas, alm de fornecer parmetros
procedimentais para a transferncia.
Em 1953, a Comisso Polli Coelho conclui, aps estudos na rea do Distrito
Federal, que o Stio Castanho seria o melhor local para construo da Nova Capital
por apresentar melhores condies de solo.
Em 1955, em sua campanha presidncia da repblica, Juscelino
Kubitschek, respondendo a uma pergunta de um eleitor se iria construir a nova
capital, respondeu com propriedade Cumprirei em toda a sua profundidade a
Constituio e as Leis. A Constituio consagra a transferncia. necessrio que
algum ouse iniciar o empreendimento, e eu o farei..
Em 1956, eleito presidente, Kubitschek enviou a Mensagem de Anpolis ao
Congresso Nacional, propondo a criao da nova capital com o nome de Braslia.
Em outubro deste ano sancionou a lei que designou para 21 de abril de 1960 a data
da inaugurao da nova capital da Unio.
Houve desapropriaes de terras na rea destinada ao Distrito Federal, mas
somente de 60 por cento da rea, sendo que o restante estava nas mos de
particulares.
Entre os anos de 1956 e 1960, num ritmo acelerado, foram construdos os
principais edifcios pblicos, reas habitacionais, hotis, escolas, hospitais, obras de
saneamento bsico e de implementao de redes eltricas e de telefonia.
s 16 horas de 20 de abril de 1960, consagrou-se a transferncia da capital
do pas para Braslia. Representantes de vrios pases, alm de visitantes de todo o
pas presenciaram o momento histrico.
Da genialidade do urbanista Lcio Costa, aliada a criatividade do arquiteto
Oscar Niemeyer surgiram belssimos edifcios pblicos artisticamente distribudos
pela pelo Plano Piloto, a cidade em forma de cruz.
31
Em 7 de dezembro de 1987, Braslia foi inscrita pela Organizao das Naes
Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura Unesco como Patrimnio Cultural
da Humanidade, tendo a maior rea tombada do mundo 112,25 Km. Entretanto,
com o crescimento desordenado da cidade, corre-se o risco de que Braslia seja
retirada da Lista de Patrimnio Mundial. Da a grande necessidade de que os
projetos urbansticos da cidade, como o Plano Diretor de Ordenamento Territorial
PDOT, sejam revistos com responsabilidade e que novos ncleos habitacionais
sejam criados adequadamente, em atendimento a crescente demanda habitacional
que surge no Distrito Federal.
32
2.2 DA OCUPAO DO SOLO NO DISTRITO FEDERAL
A colonizao do Distrito Federal foi marcada pela ocupao irregular de
terras, sobretudo em reas pblicas. Devido falta de eficincia do Estado no
controle da ocupao fundiria e na criao de ncleos habitacionais planejados, o
que a priori foi planejada para ter um alto padro de vida e alto ndice de conforto
urbanstico acabou por crescer desordenadamente, surgindo da grandes problemas
sociais, ambientais e urbansticos.
A ocupao irregular de terras resulta na criao de assentamos informais,
que so parcelamentos do solo criados sem as formalidades legais. Em grande parte
das vezes estes foram criados por iniciativa de grileiros de terras14.
Os ocupantes destes assentamentos informais, alm de lhes faltarem obras
pblicas de saneamento bsico, equipamentos pblicos e demais estruturas
presentes na cidade formal, vivem numa situao de insegurana jurdica, pois,
como simples possuidores de gleba irregular, no possuem domnio do lote onde
habitam, por no possurem ttulo de propriedade ou outro ttulo hbil.
Trata-se do direito social de moradia e da aplicao do princpio da dignidade
da pessoa humana, contidos na Constituio Federal de 1988. Deve, pois, a
legislao infraconstitucional desenvolver mecanismos de aplicao destas
premissas. A Lei Orgnica do Distrito Federal, assim como a Lei Complementar n.
803/ 2009, que institui o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT/09), tm
como objetivo regularizar parte dos assentamentos informais existentes.
Por ocupao do solo ou assentamento urbano entende-se o processo pelo
qual as pessoas se distribuem e se acomodam num determinado territrio. Esta
ocupao poder ser ordenada, quando prevista por um Plano Diretor ou legislao
correlata, que venha a estabelecer as diretrizes em que esta ocupao se dar.
14
Grileiro termo utilizado para designar pessoas que falsificam o ttulo de propriedade de terras pblicas, com a finalidade de, ilegalmente, transferi-las a terceiros por meio de cesso de direitos, ou por outro meio, a fim de receberem vantagens indevidas. O termo grilagem explica-se pelo fato de que os grileiros, ao criarem os falsos documentos de propriedade, deixam os papis em caixas fechadas com grilos, a fim de que os papis fiquem amarelados e rudos, dando-lhes aparncia de documentos antigos.
33
A ocupao do solo, em sentido amplo, refere-se ao modo de povoamento
do territrio. Em sentido urbanstico diz respeito relao entre a rea do
lote e a quantidade de edificao que se coloca dentro dele. Constitui, pois,
a implantao do edifcio no lote, que se subordina a normas adequadas,
visando a favorecer a esttica urbana e assegurar a insolao, a iluminao
e a ventilao, no que se relaciona com estrutura da edificao, mas que
tem objetivos urbansticos de alcance bem mais importante: realizar o
equilbrio da densidade urbana que considera dois problemas: a
densidade populacional e a densidade de edificao.15
Por falta de legislao, e mesmo por necessidade de imigrao de pessoas
de outros estados, o assentamento urbano no Distrito Federal se deu de forma
desordenada. medida que as populaes e os assentamentos informais iam
surgindo, o governo local criava medidas para que tais assentamentos fossem
regularizados e adequados cidade formal, com a realizao de obras pblicas de
infra-estrutura e o respectivo registro pblico imobilirio. Portanto procurou-se
resolver os problemas urbansticos aps a ocupao; no houve planejamento
habitacional adequado.
Conforme ensina Toshio Mukai, a ocupao do solo deve estar sempre
pautada no planejamento urbanstico e ambiental, o que infelizmente no ocorreu no
Distrito Federal:
De fato, a ocupao e o desenvolvimento dos espaos habitveis, sejam
eles no campo ou na cidade, no podem ocorrer de forma meramente
acidental, sob as foras dos interesses privados e da coletividade. Ao
contrrio, so necessrios profundos estudos acerca da natureza da
ocupao, sua finalidade, avaliao da geografia local, da capacidade de
comportar essa utilizao sem danos para o meio ambiente, de forma a
permitir boas condies de vida para as pessoas, permitindo o
desenvolvimento econmico-social, harmonizando os interesses particulares
e os da coletividade.16
No Projeto Original, o Distrito Federal foi planejado para no ter cidades
satlites. A previso era de que no ano 2000, quando Braslia atingisse a marca dos
15
SILVA, Jos Afonso da. Direito urbanstico brasileiro. 5 ed. So Paulo: Malheiros, 2008. p .252. 16
MUKAI, Toshio. Temas atuais de direito urbanstico e ambiental. Belo Horizonte: Forum, 2004. p. 29.
34
500 mil habitantes, seriam criadas as cidades-satlites. Entretanto, em 1969, o
Distrito Federal j contava com 500 mil habitantes e no ano 2000 j contava com
mais de 2 milhes de habitantes, sem contabilizar a regio do entorno.
[...] O plano urbanstico original da cidade determinava usos exclusivos da
terra, setorizao rigorosa, sistema virio baseado em grandes distncias
entre o centro e a periferia, polinucleao, com terrenos baldios que
encarecem o fornecimento servios e equipamentos pblicos, alm de
muitas reas livres de manuteno dispendiosa. O crescimento
desordenado dos assentamentos irregulares, como invases, os
condomnios e os prprios acampamentos, complicou a ao do poder
pblico. [...]17
Nos primeiros anos aps a inaugurao houve ofertas habitacionais pelo
Estado para que os servidores pblicos se mudassem para a nova capital, devido
grande necessidade destes obreiros nos rgos pblicos e entidades estatais
transferidas para o Planalto Central. Lotes comerciais eram vendidos pelo sistema
de retrovenda, isto , atravs de contrato com clusula de condio resolutiva para o
desfazimento do negcio. Assim se o comprador no construir dentro de um
determinado prazo, no mximo trs anos, cabe ao Estado, restituindo o preo
recebido e reembolsando as despesas do comprador, o direito de reaver o lote
vendido18.
Quanto ocupao rural no Distrito Federal, esta se deu pelo sistema de
Arrendamento Rural. Colnias agrcolas e ncleos rurais, a exemplo da Vicente
Pires, foram criadas como formas dar abastecimento de hortifrutigranjeiros a
populao local. Em grande parte desses arrendamentos rurais, foram criados
loteamentos informais e condomnios irregulares, dos quais alguns sero objeto de
regularizao pelo Plano Diretor de Ordenamento Territorial de 2009.
Em busca de oportunidades, forte foi a imigrao para a regio do Distrito
Federal. No princpio a maior parte era de mineiros e em segundo lugar goianos, em
seguida o processo de imigrao se deu por pessoas do Brasil inteiro. Nos
pargrafos seguintes ser mostrado como se deu a criao das cidades-satlites,
17
PAVIANI, Aldo. Braslia: moradia e excluso. Braslia: Universidade de Braslia, 1996. p. 82. 18
BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Cdigo Civil. Braslia, DF: Senado Federal, 2010. Arts. 505 a 508.
35
oficialmente denominadas Regies Administrativas do Distrito Federal e a ocupao
do solo nestas regies.
Neste contexto as cidades-satlites, ou regies administrativas - RAs,
surgiram de forma desordenada, conforme assinala Aldo Paviani:
Com terra predominantemente estatal, a capital planejada para 600.000
habitantes no previu locao para bairros de trabalhadores, pensada que
foi apenas para funcionrios pblicos.[...]
A falta de planejamento regional, aliada poltica de fechamento do Plano
Piloto, levou criao de grandes cidades dormitrios para essa enorme
massa despossuda. Essas satlites foram tambm dotadas de servios e
infra-estrutura, acima da mdia nacional para esse tipo de assentamentos
populares, de modo a evitar que quaisquer movimentos reivindicatrios
pudessem abalar a estabilidade dos governos militares.19
Brazlndia, atualmente RA IV, era apenas um vilarejo formado por imigrantes
goianos e mineiros com menos de mil habitantes. Seu nome surgiu em homenagem
famlia Braz. Aps a inaugurao, em 1960, esta populao cresceu rapidamente
para 11.000 habitantes, sendo que atualmente possui 53.000 habitantes, cerca de
2,55% da populao do Distrito Federal. Manteve seu estilo de vida interiorano; local
de grande colonizao japonesa, tornou-se uma um grande produtor agrcola e
ponto turstico.
Segundo dados histricos, Planaltina, atual RA VI, surgiu por volta do sc.
XVIII, quando o municpio goiano servia de parada no caminho da estrada real para
o escoamento e arrecadao de ouro para a Coroa Portuguesa. Parte de seu
territrio foi integrado ao Distrito Federal, tornando-se a Regio Administrativa de
Planaltina, enquanto outra parte continuou a pertencer ao estado de Gois. Conta
atualmente com uma populao de 250.000 habitantes e completou, em agosto de
2009, 150 anos. Foi a primeira cidade do planalto central goiano a receber luz
eltrica.
O Parano, atual RA VII, era inicialmente uma vila para abrigar os
trabalhadores das obras de criao da barragem do Parano, em 1957. Seus
moradores permaneceram na vila aps a inaugurao de Braslia devido
necessidade de terminar as obras da hidroeltrica. A Regio Administrativa do
19
PAVIANI, Aldo. Braslia: moradia e excluso. Braslia: Universidade de Braslia, 1996. p. 50.
36
Parano foi criada em 10 de dezembro de 1964 com a finalidade de legalizar a
situao jurdica de seus habitantes e para tornar parte de sua rea como de
preservao ambiental. Conta atualmente com 70 mil habitantes.
A Cidade Livre, atual Ncleo Bandeirante - RA VIII - foi criada em 1956 para
abrigar os trabalhadores da construo civil. Houve tenso entre o governo e seus
habitantes, pouco antes da inaugurao. Este ncleo habitacional seria desmontado
e sua populao seria transferida para as invases de Taguatinga e Gama, que
estavam em fase de regularizao. Em 1961 decidiu-se manter seus habitantes ali e,
em 1964, tornou-se regio administrativa.
H registros de ocupao do solo em Taguatinga, atual RA III, desde o sc.
XVIII. Em 1749, Gabriel da Cruz Miranda estabeleceu a primeira Sesmaria,
modalidade de concesso de terra da Coroa Portuguesa no Brasil, com o intuito de
desenvolver a agricultura, a pecuria e o extrativismo vegetal. Taguatinga, em terras
que pertenciam ao municpio de Luzinia, foi fundada 5 junho de 1958 e definida
pelo Diretor da Novacap, a pedido do ex-presidente Kubitschek, como local para
abrigar as pessoas da invaso da Cidade Livre. Em 1970, o Governador Hlio Prates
de Silveira, por meio do Decreto 571/ 70, reconheceu Taguatinga como cidade.
Conta atualmente com mais de 250 mil habitantes.
O Gama, atual RA II, j contava com cerca de 1000 habitantes em reas
rurais, desde 1959. Em 1960 foram transferidas 30 famlias que residiam aos
arredores da obra do Lago Parano para esta regio. Seu nome tem origem no
Plat do Gama, local onde est localizado do ribeiro com este nome. A Lei
Distrital n 49/ 1989 reconhece o Gama como Regio Administrativa e lhe fixa limites
territoriais. Atualmente possui ncleos urbanos e rurais e conta com uma populao
de aproximadamente 150 mil habitantes.
O nome Sobradinho, atual RA V, surgiu com a existncia de duas casinhas de
Joo-de-Barro sobrepostas, um pequeno sobradinho, fenmeno que atraia a
ateno dos viajantes que passavam pelo local. Localizava-se numa fazenda, que
tomou para si o nome de Fazenda Sobradinho. H registros histricos da fazenda
que datam 1853. Sobradinho, fundada em 1960 pelo Companhia Urbanizadora da
Nova Capital do Brasil Novacap, teve como finalidade abrigar famlias imigrantes
de Gois, Bahia e outros estados. Em 1967 tornou-se Regio Administrativa, por
meio do Decreto n 571/ 1967.
37
O Guar I, atual RA X, foi fundado em 1969 com a finalidade de abrigar
trabalhadores do Setor de Indstria e Abastecimento (SIA) e de diversos rgos
pblicos. O nome Guar surgiu da nomenclatura, de origem Tupi Guarani, do lobo
brasileiro - o Lobo Guar. Em 1973, surge o Guar II como regio de expanso do
Guar. Conta atualmente com uma populao de aproximadamente 145 mil
habitantes.
O Centro de Erradicao de Invases CEI, atual RA XIX, posteriormente
denominado Ceilndia, foi criado em 1973 com a finalidade de conter a invases em
diversos pontos do Distrito Federal de aproximadamente 80 mil moradores. O
Decreto 2.842/ 1975 criou a Regio Administrativa da Ceilndia. Local mais
populoso do DF, conta atualmente com mais de 350 mil habitantes, segundo senso
do IBGE realizado em 2000.
No decorrer dos 50 anos de Braslia, as seguintes Regies Administrativas
foram criadas: Cruzeiro (RA II), atualmente com cerca de 63 mil habitantes,
Samambaia (RA XII), com 215 mil habitantes, Santa Maria (RA XIII), com 140 mil
habitantes, So Sebastio (RA XIV), com 70 mil habitantes, Recanto das Emas (RA
XV), com 94 mil habitantes, Lago Sul (RA XVI), com 24 mil habitantes, Lago Norte
(RA XVIII), com 29 mil habitantes, Riacho Fundo (RA XVII), com 42 mil habitantes,
Riacho Fundo II (RA XXI), com 40 mil habitantes, Candangolndia (RA XIX), com 14
mil habitantes, guas Claras (RA XX), com 110 mil habitantes, Sudoeste/ Octogonal
(RA XXII), sem dados de habitantes, com capacidade para 50 mil habitantes, Varjo
(RA XXIII), com 6 mil habitantes, Park Way (RA XIV) com 25 mil habitantes, Setor de
Indstrias SIA (RA XXIX) com 200 mil habitantes , Setor Complementar de
Indstria e Abastecimento SCIA (RA XXV), sem dados de habitantes, Sobradinho
II (RA XXVI), com 71 mil habitantes, Jardim Botnico (RA XXVII), com 25 mil
habitantes, Itapo (RA XXVIII), com 46 mil habitantes e Vicente Pires, a mais nova
Regio Administrativa do DF (RA XXX), com cerca de 70 mil habitantes.20
Atualmente, o Distrito Federal conta com uma populao de 2.455.903
habitantes, destes, cerca de 200 mil habitantes residem na RA I, a regio
administrativa de Braslia. A populao do Distrito Federal est em 4 lugar entre as
regies mais populosas do Brasil, perdendo apenas para So Paulo, com
20
DISTRITO FEDERAL. Portal do Cidado. Disponvel em: . Acesso em: 28 jan. 2010.
38
11.037.593 habitantes, Rio de Janeiro, com 6.186.710 habitantes e Salvador, com
2.998.056 habitantes21.
21
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE). Disponvel em: < http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/contagem2007/defaulttab.shtm>. Acesso em: 28 jan. 2010.
39
2.3 DOS ASSENTAMENTOS INFORMAIS DO DISTRITO FEDERAL
De acordo com dados da Companhia Imobiliria de Braslia Terracap, h no
Distrito Federal 513 condomnios irregulares22, destes 379 foram constitudos em
rea urbana e 134 em rea rural. Quanto aos loteamentos urbanos, 317 so
irregulares, 30 esto em fase de regularizao, 28 em fase de aprovao e 4 j
possuem registro cartorial. Dos 317 loteamentos em rea urbana, 189 esto em
terras no desapropriadas ou terras particulares, 88 em reas desapropriadas e 40
em rea comum (pblica e particular).
No Anexo I do presente trabalho se encontra uma tabela com 316
assentamentos informais catalogados, de acordo com levantamento realizado pela
Secretaria de Desenvolvimento e Meio Ambiente do DF SEDUMA.
O anexo II do PDOT/09 estabelece estratgias de ordenamento territorial do
Distrito Federal, definindo as reas de regularizao fundiria e criando reas de
oferta de habitacionais.
Antes de citar as reas de regularizao no Distrito Federal, de fundamental
importncia entender alguns conceitos trazidos pelo PDOT/09:
Para os fins de regularizao previstos nesta Lei Complementar, ficam
estabelecidas trs categorias de assentamentos:
I Parcelamento Urbano Isolado: aquele com caractersticas urbanas
implantado originalmente em zona rural, classificado como Zona de
Urbanizao Especfica, nos termos do art. 3 da Lei Federal n 6.766, de
19 de novembro de 1979;
II reas de Regularizao: correspondem a unidades territoriais que
renem assentamentos informais a partir de critrios como proximidade,
faixa de renda dos moradores e similaridade das caractersticas urbanas e
ambientais, com objetivo de promover o tratamento integrado do processo
de regularizao dos assentamentos informais com caractersticas urbanas
22
Termo inadequadamente empregado, j que no se trata de condomnios em stricto sensu, pois, so casos em que cada morador possui sua posse ou cesso de direitos de uma frao de terra. Assentamento informal um termo melhor empregado por abranger tanto os parcelamentos e desmembramentos do solo, sejam clandestinos ou irregulares, quanto os condomnios de fato aqueles em que h reas em comum entre os moradores, mas no h domnio propriamente dito, pois todos so simples possuidores de gleba irregular da a impreciso do termo condomnio.
40
indicados em mapa no Anexo II e parmetros urbansticos descritos no
Anexo VI desta Lei Complementar;
III Setores Habitacionais de Regularizao: correspondem agregao
de reas de Regularizao e reas no parceladas, com o objetivo de
auxiliar a promoo do ordenamento territorial e o processo de
regularizao a partir da definio de diretrizes mais abrangentes e
parmetros urbansticos, de estruturao viria e de endereamento.23
A denominada zona de urbanizao especfica, conforme reza o inciso I do
art. 118 do PDOT/09 e o art. 3 da Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei
6.766/1979), so reas em que o parcelamento do solo urbano foi implantado em
zona rural.
No anexo II no presente trabalho, se encontra os setores habitacionais de
regularizao.
No anexo III do presente trabalho contm as reas de regularizao,
divididas em rea de interesse especfico e rea de interesse social.
No anexo IV do presente trabalho est contido os parcelamentos urbanos
isolados, que fazem parte da estratgia de regularizao do PDOT/09.
O art. 134, da LC n 803/2009 (PDOT/09) reza que a estratgia de oferta de
reas habitacionais tem o objetivo de atender demanda habitacional a partir de
projetos e programas de iniciativa pblica voltados para diferentes faixas de
renda, pautando-se pelas seguintes diretrizes:
I. a oferta de reas em diferentes partes do territrio;
II. a proximidade com ncleos urbanos consolidados onde haja oferta de
servios, comrcios e equipamentos comunitrios;
III. a proximidade com os principais corredores de transporte;
IV. o respeito capacidade de suporte do territrio no que se refere ao
abastecimento de gua, esgotamento sanitrio e drenagem de
guas pluviais.24
23
DISTRITO FEDERAL. Lei Complementar n. 803, de 25 de abril de 2009. Aprova a reviso do Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal PDOT e d outras providncias. Art. 118. Cmara Legislativa do Distrito Federal. Disponvel em: < http://www.cl.df.gov.br/cldf/processo-legislativo-1/pdot/LC-DF-00803-2009.pdf>. Acesso em: 02 dez. 2009. 24
DISTRITO FEDERAL. Lei Complementar n. 803, de 25 de abril de 2009. Aprova a reviso do Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal PDOT e d outras providncias. Art. 134. Cmara Legislativa do Distrito Federal. Disponvel em: . Acesso em: 02 dez. 2009.
41
O pargrafo nico do art. 134 do PDOT/09 reza que a oferta de reas
habitacionais dever ser promovida mediante a urbanizao de novos ncleos ou
mediante a otimizao de localidades urbanas com a infraestrutura subutilizada25,
com vazios residuais ou com reas obsoletas.
A estratgia de regularizao fundiria abrange as seguintes reas:
I Setor Habitacional Noroeste, na Regio Administrativa do Plano Piloto; II
Etapa I, trechos 2 e 3, do Setor Habitacional Taquari, na Regio
Administrativa do Lago Norte; III Setor Habitacional Dom Bosco, na
Regio Administrativa do Lago Sul; IV Setor Jquei Clube, na Regio
Administrativa do Guar; V QE 48 a 58, na Regio Administrativa do
Guar; VI rea adjacente ao Bairro guas Claras, na Regio
Administrativa de guas Claras; VII Etapa 2 do Riacho Fundo II, na
Regio Administrativa do Riacho Fundo II; VIII Etapas 3 e 4 do Riacho
Fundo II, na Regio Administrativa do Riacho Fundo II; IX Subcentro Leste
(Complexo de Furnas), na Regio Administrativa de Samambaia; X
Quadras 100 (QR 103 a 115 e 121 a 127), na Regio Administrativa de
Samambaia; XI Subcentro Oeste, na Regio Administrativa de
Samambaia; XII ADE Oeste, na Regio Administrativa de Samambaia; XIII
reas livres nas extremidades e entre os conjuntos das Quadras QNJ, na
Regio Administrativa de Taguatinga; XIV as laterais da Avenida MN3, na
Regio Administrativa de Ceilndia; XV Parque da Vaquejada, na
Ceilndia; XVI ADE Estrutural, na Regio Administrativa de Taguatinga
Cana do Reino; XVII Setor Residencial Leste, quadras 21A e 22A, na
Regio Administrativa de Planaltina; XVIII Setor Residencial Oeste,
Quadras I, J, K, na Regio Administrativa de Planaltina; XIX Expanso do
Parano, na Regio Administrativa do Parano; XX Etapa 3 do Jardim
Botnico, na Regio Administrativa de So Sebastio; XXI Setor
Mangueiral, na Regio Administrativa de So Sebastio; XXII Setor
Nacional, na Regio Administrativa de So Sebastio, que dever abranger
em sua rea a regio ocupada pela Quadra 12 do Morro Azul e a Vila do
Boa; XXIII Setor Crix, na Regio Administrativa de So Sebastio; XXIV
Setor Meireles, na Regio Administrativa de Santa Maria; XXV Quadras
900, na Regio Administrativa do Recanto das Emas; XXVI Expanso do
25
DISTRITO FEDERAL. Lei Complementar n. 803, de 25 de abril de 2009. Aprova a reviso do Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal PDOT e d outras providncias. Art. 134, pargrafo nico. Cmara Legislativa do Distrito Federal. Disponvel em: . Acesso em: 02 dez. 2009.
42
Setor Mangueiral, na Regio Administrativa de So Sebastio; XXVII
Itapo, na Regio Administrativa de Itapo; XVIII adensamento da rea
urbana de Sobradinho, na Regio Administrativa de Sobradinho; XXIX
adensamento da rea urbana do Gama, na Regio Administrativa do Gama;
XXX Quadra QE 60 do Guar II (antiga rea da TASA), na Regio
Administrativa do Guar; XXXI Vargem da Bno, na Regio
Administrativa do Recanto das Emas; XXXII Setor Habitacional Catetinho,
na Regio Administrativa do Park Way; XXXIII reas intersticiais
localizadas entre conjuntos residenciais das Regies Administrativas;
XXXXIV Setor Habitacional Boa Vista; XXXV Setor Habitacional Regio
dos Lagos; XXXVI Setor Habitacional Vicente Pires; XXXVII Setor
Habitacional So Bartolomeu; XXXVIII rea do DER na Regio
Administrativa de Sobradinho; XXXIX Quadras 9, 11, 13 e 15 da Regio
Administrativa do Riacho Fundo I; XL Expanso da rea de Interesse
Social ARIS Buritis, delimitada pelo Parque Recreativo e Ecolgico Canela
de Ema, pela rea de Proteo Permanente dos afluentes do Paranoazinho
e pela DF-420, na Regio Administrativa de Sobradinho.26
26
DISTRITO FEDERAL.Lei Complementar n. 803,de 25 de abril de 2009.Aprova a reviso do Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal PDOT e d outras providncias. Art. 134,pargrafo nico. Cmara Legislativa do Distrito Federal.Disponvel em: . Acesso em: 02 dez. 2009.
43
3 DAS QUESTES RELEVANTES NO PROCESSO DE REGULARIZAO
FUNDIRIA
3.1 DOS ASSENTAMENTOS INFORMAIS
Antes de se falar de regularizao fundiria, de fundamental importncia
definir alguns conceitos relacionados a assentamentos informais.
Assentamento informal refere-se ao que no regular, isto , so
parcelamentos do solo feitos sem as formalidades legais, sobretudo em desacordo
com a Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei 6.766/ 1979) e do Estatuto da
Cidade (Lei 10.257/ 2001).
Eis o conceito de assentamento informal contido no art. 119 ,I do PDOT/09:
Assentamentos informais: parcelamentos com caractersticas urbanas,
situados em zonas rurais ou urbanas, localizados em reas pblicas ou
privadas, compreendendo as ocupaes e os parcelamentos irregulares,
clandestinos e outros processos informais de produo de lotes, utilizados
predominantemente para fins de moradia, implantados com ou sem
autorizao do titular de domnio, com ou sem aprovao dos rgos
competentes, em desacordo com a licena expedida e sem registro cartorial
no Registro de Imveis.27
A natureza jurdica do assentamento informal varivel, de acordo como foi
criada. Ser mostrado nos pargrafos seguintes suas variaes.
Assentamentos informais irregulares so parcelamentos ou
desmembramentos do solo feitos pelo legtimo proprietrio sem as formalidades da
Lei de Parcelamento do solo Lei 6.766/1979. Esta lei ordena que todo
parcelamento ou desmembramento do solo tenha o seu projeto previamente
27
DISTRITO FEDERAL. Lei Complementar n. 803, de 25 de abril de 2009. Aprova a reviso do Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal PDOT e d outras providncias. Art. 119, I. Cmara Legislativa do Distrito Federal. Disponvel em: < http://www.cl.df.gov.br/cldf/processo-legislativo-1/pdot/LC-DF-00803-2009.pdf>. Acesso em: 02 dez. 2009.
44
aprovado pelo municpio, ou pelo Distrito Federal conforme o caso28. Aps a
aprovao do Poder Pblico, o loteamento ou desmembramento dever ser
submetido ao Registro Imobilirio no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena
de caducidade da aprovao29.
H que se elucidar sobre as diferenas entre parcelamento e
desmembramento do solo: na primeira h a subdiviso de gleba em lotes destinados
edificao com a abertura de novas vias de circulao30. Na ltima h a subdiviso
da gleba em lotes destinados edificao, com o aproveitamento do sistema virio
existente, ou seja, no so abertas novas vias de circulao31.
Em contrapartida h os assentamentos informais clandestinos ou grilados:
so parcelamentos do solo feitos por quem no o legtimo proprietrio da gleba de
terra correspondente, geralmente em terras pblicas caso tpico de grande parte das
terras irregulares no Distrito Federal.
Obviamente que a regularizao de assentamentos informais clandestinos
ser bem mais dificultosa tanto para o Poder Pblico, quanto para o particular, que
ter pagar pela terra ocupada, ou seja, pagar novamente, desta vez ao Estado,
legtimo proprietrio, por se apropriar de parte de suas terras. H, entretanto, casos
de regularizao de interesse social, modalidade de regularizao voltada para
pessoas de baixa renda, cuja gleba irregular ser doada.
28
BRASIL. Lei n. 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Dispe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e d outras Providncias. Art. 6, caput. Presidncia da Repblica. Disponvel em: . Acesso em: 11 jan. 2010. 29
BRASIL. Lei n. 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Dispe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e d outras Providncias. Art. 18, caput. Presidncia da Repblica. Disponvel em: . Acesso em: 11 jan. 2010. 30
BRASIL. Lei n. 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Dispe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e d outras Providncias. Art. 2, 1. Presidncia da Repblica. Disponvel em: . Acesso em: 11 jan. 2010. 31
BRASIL. Lei n. 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Dispe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e d outras Providncias. Art. 2, 2. Presidncia da Repblica. Disponvel em: . Acesso em: 11 jan. 2010.
45
3.2 DO DIREITO SOCIAL DE MORADIA EM TORNO DA FUNO SOCIAL DA
PROPRIEDADE
A funo social da propriedade32 um dos princpios constitucional que deve
pautar a regularizao fundiria. Diz-se que a propriedade urbana cumpre a sua
funo social quando atende s exigncias fundamentais de ordenao da cidade
expressas no Plano Diretor33, sendo ainda necessrio que o direito de propriedade
seja exercido em consonncia com as suas finalidades econmicas e sociais e de
modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial,
a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilbrio ecolgico e patrimnio histrico e
artstico, bem como a evitada poluio do ar e das guas34.
A antiga noo de propriedade, que no vedava ao proprietrio seno o uso
contrrio s leis e regulamentos, completou-se com o da sua utilizao
posta ao servio do interesse social; a propriedade no legtima seno
quando se traduz por uma realizao vantajosa para a sociedade.35
A Constituio Federal de 1934 foi a primeira a tratar o assunto referente
funo social da propriedade, ao afirmar, em seu art. 113, n. 17: garantido o
direito de propriedade, que no poder ser exercido contra o interesse social ou
coletivo, na forma que a lei determinar.[...]. A Constituio Federal de 1946 foi mais
longe, chegando a mencionar sobre a distribuio de terras: em seu art. 147 se l:
O uso da propriedade ser condicionado ao bem-estar social. A lei poder, com
observncia do disposto no art. 141, 16, promover a justa distribuio da
propriedade, com igual oportunidade para todos.. A Constituio Federal de 1967,
no art. 157, III contemplava a idia de funo social da propriedade, que foi mantida
pela Emenda Constitucional n. 1 de 1969, em seu art. 160, III.
32
BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia, DF: Senado Federal, 2010. Art. 5, XXII e XXIII. 33
BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia, DF: Senado Federal, 2010. Art. 182, 2. 34
BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Cdigo Civil. Braslia, DF: Senado Federal, 2010. Art. 1.228, 1. 35
MUKAI, Toshio. Temas atuais de Direito urbanstico e ambiental. Belo Horizonte: Forum, 2004.p. 153 apud Acrdo de 17.06.1942. Revista dos Tribunais, So Paulo, n.147, p. 785.
46
Foi sobretudo a partir da Constituio Federal de 1988 que a funo social da
propriedade passou a ter uma posio de destaque, ao ser inserida no art. 5,XXIII
com um direito fundamental. O art. 182, caput, da CF/88 estabeleceu que a poltica
de desenvolvimento urbano municipal dever estar pautada no desenvolvimento
pleno das funes sociais da cidade e garantia do bem-estar de seus habitantes.
Seguindo esta linha de raciocnio ensina Jose Afonso da Silva:
A propriedade urbana fica, pela Constituio, submetida a esse processo
urbanstico, nos termos de seu art. 182, 2, que subordinou o
cumprimento da funo social s exigncias da ordenao da cidade
expressas no Plano Diretor. tambm o Plano Diretor que define os
critrios da utilizao do solo urbano. Isso decorre do art. 182, 4, quando
faculta ao Poder Pblico Municipal, mediante lei especfica para rea
includa no Plano Diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietrio do
solo urbano no edificado, subuti