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1 CEFAC CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA LINGUAGEM GAGUEIRA A TEORIA NA PRÁTICA Monografia de conclusão do curso de especialização em Linguagem Orientadora: Mirian Goldenberg POLYANA OLIVEIRA SÃO PAULO 1998

Gagueira a teoria na prática

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Page 1: Gagueira   a teoria na prática

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CEFACCENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA

LINGUAGEM

GAGUEIRAA TEORIA NA PRÁTICA

Monografia de conclusão do curso deespecialização em LinguagemOrientadora: Mirian Goldenberg

POLYANA OLIVEIRA

SÃO PAULO1998

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CEFACCENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA

LINGUAGEM

GAGUEIRAA teoria na prática

POLYANA OLIVEIRA

SÃO PAULO1998

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SUMÁRIO

Introdução............................................................................................... 08

Duas concepções sobre gagueira........................................................ 15

Implicações da teoria na prática.............................................................. 38

Considerações finais............................................................................... 51

Referências Bibliográficas....................................................................... 69

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RESUMO

O presente estudo tem como objetivo correlacionar a teoria e a prática da

gagueira, focalizando o trabalho das fonoaudiólogas Isis Meira e Silvia Friedman. A

partir desse enfoque, analisamos os pontos fundamentais das propostas defendidas

por cada uma, refletindo sobre a prática clínica com a gagueira.

A partir da pesquisa bibliográfica realizada, privilegiamos a obra de cada autoraque aprofunda o tema nos aspectos vinculados aos objetivos do trabalho.

Pudemos constatar que as dúvidas que surgem durante o tratamento dagagueira esbarram na falta de uma compreensão clara de que concepções filosóficasdiferentes sobre a linguagem e sobre o mundo, podem estabelecer práticas clínicasdiferentes: ou voltadas para a patologia ou voltadas para o indivíduo.

Ao relacionarmos teoria e prática, evidenciamos semelhanças e diferenças entreas duas autoras, o que resultou numa complementação das propostas, já que ambasnão encerram a gagueira em seu aspecto aparente.

Na abordagem do tema, um ponto sempre polêmico encontra-se na etiologia dagagueira. No desenvolvimento deste estudo, comprovamos que, embora a discussãodas prováveis causas seja importante, ela não é suficiente para o estabelecimento deuma prática assertiva.

Em nosso trajeto em busca das implicações da teoria na prática, concluímosque, ao optar por essa ou aquela teoria, predeterminamos práticas diferenciadas para otratamento da gagueira. A partir disso, propusemos um roteiro de leitura para outrostextos sobre o tema, discutimos as formas que o discurso terapêutico pode assumirfrente à família e comparamos dois pontos de partida para o trabalho com a gagueira naclínica fonoaudiológica.

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SUMARY

The main purpose of this study is to correlate the theory and the practice of thestuttering focusing on the speech language therapists Isis Meira and Silvia Friedman.From this focus we analysed the main points of the proposals defended by each one,reflecting about the clinical practice of the stuttering.

Through bibliographical research, we granted privilege to the work of each authorthat goes deep on the theme in the aspects linked to the objectives of the work. We cannotice that the doubts arising from the treatment of stuttering touches in the lack of aclear understanding of different philosophical vision regarding conceptions of languageand of world establising a clinical practice towards the pathology or to the individual.

When we relate theory and practice, we highlight similarities and differencesregarding the two authors, determining a complement of the proposals since both do notface the stutter in its apparent aspect.

The critical point in the approach of the theme is regarding the stutteringethiology. In the development of this study we proved that although the discussionabout the possible reasons is important, it is not definite for the establishment of anassertive practice. In our track towards the implications of the theory in practice, weconcluded that when selecting this or that theory we pre-determined different practicesfor the stuttering treatment. We propose a reading path of other texts about the theme;we discussed the ways that a therapeutic speech can assume before the family and wecompared two starting points for the stuttering work at a speech language therapeuticalclinic.

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AGRADECIMENTOS

- À Profa Dra Silvia Friedman, que com sua análise minuciosa e brilhante,associada ao constante carinho, disponibilidade e apoio, dedicou umaassistência fundamental para a execução deste trabalho.

- À Profa Dra Isis Meira, pelo interesse e disponibilidade em fazer umacompetente, rigorosa e sensível revisão deste trabalho.

- À Profa M. Goldenberg, por transformar as aulas do curso de MetodologiaCientífica em estímulo constante para que superássemos as dificuldadesinerentes ao esforço de pensar e escrever cientificamente.

- Às fonoaudiólogas Dora Holzheim e Leila Farah, pelo incentivo e apoio detodas as horas.

- Ao Eduardo Raccioppi por se fazer presente de forma carinhosa e solidária.

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Esquece do que te separa de mime valoriza o que te aproxima de mim.

Eduardo Raccioppi

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INTRODUÇÃO

O homem sempre procurou entender a natureza das coisas e o comportamento

das pessoas. O desejo humano de aprender, a curiosidade, a observação do mundo

que o rodeia fizeram nascer a ciência, o conhecimento, a arte e a tecnologia.

A construção do conhecimento científico tem sido uma das ferramentas

fundamentais para a consolidação e aprimoramento da ação individual e coletiva do

homem. Como produto humano, esse conhecimento se constitui num processo infinito

e cumulativo de verdades parciais e objetivas. Sempre na dependência de um

enquadramento sócio-histórico, o conhecimento do mundo pelo homem por um lado

se amplia e, por outro, muda qualitativamente. Ao examinarmos sua evolução

detectamos semelhanças e diferenças, mas sobretudo o vemos de uma outra maneira.

Fala-se muito na Fonoaudiologia enquanto ciência e discute-se a sua prática,

sendo que a noção de “empréstimos” e aplicação direta de outros ramos de

conhecimento, como por exemplo a Medicina, Psicologia, Lingüística, Educação foi

superada, evoluindo para a noção de “interpelação” (PALLADINO, 1996, 48) entre

áreas afins que se configuram numa reflexão que constrói o saber próprio da

fonoaudiologia, focalizando um objeto específico e não menos polêmico: a Linguagem.

O tema Gagueira inscreve-se na Fonoaudiologia de maneira bastante

desafiadora: falante e ouvinte são parceiros numa interlocução, onde o foco principal

está numa fala proibida, negada.

Em 1982, no I Encontro Nacional de Fonoaudiologia, realizado na PUC - São

Paulo, em comemoração aos vinte anos da profissão, FRIEDMAN, MELLO,

MONTENEGRO, POTEL (1982) apresentaram uma pesquisa intitulada “Uma análise

da atuação do fonoaudiólogo em relação à terapia da gagueira”, evidenciando o fato de

estudantes e profissionais de fonoaudiologia reagirem negativamente à gagueira tanto

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quanto a outros problemas graves de origem neurológica. Elas também constatam a

falta, na fonoaudiologia, de uma linguagem, de um discurso próprio, que não os

emprestados da psicologia ou da fonoaudiologia “clássica” centrados no código, ou

seja, exclusivamente no aspecto formal da linguagem.

FRIEDMAN (1997), numa revisão da literatura a respeito da gagueira, comenta a

investigação de BARBOSA & CHIARI (1995) sobre o conhecimento de senso comum e

o conhecimento acadêmico, presentes nas concepções dos estudantes de

fonoaudiologia sobre a gagueira. A pesquisa mostra que o conhecimento de senso

comum se relaciona à etiologia da gagueira, e o acadêmico, a sua prevenção e

tratamento. Nesse contexto, FRIEDMAN (1997) destaca a necessidade de revisão dos

currículos acadêmicos, principalmente com relação aos problemas de fluência.

Considerando que treze anos separam as pesquisas de FRIEDMAN, MELLO,

MONTENEGRO, POTEL (1982) das de BARBOSA & CHIARI (1995), chegamos à

conclusão de que a compreensão da gagueira no meio fonoaudiológico carece de um

maior aprofundamento e reflexão. Talvez não apenas, no que se refere a definições

etiológicas, de prevenção e tratamento, mas sobretudo com relação a questões de

ordem filosófica e epistemológica. É preciso analisar até que ponto o estigma da

gagueira infiltrou-se nas concepções que se tem dela, bem como examinar a visão

preconceituosa que daí advém. O que parece subrepticiamente presente na

compreensão fonoaudiológica da gagueira é sua interpretação exclusivamente a partir

do caráter patológico que lhe é atribuído. GOFFMAN (1980) ao falar do indivíduo

estigmatizado comenta: “Assim, deixamos de considerá-lo criatura comum e total,

reduzindo-o a uma pessoa estragada e diminuída. Tal característica é um estigma,

especialmente quando o seu efeito de descrédito é muito grande - algumas vezes ele

também é considerado um defeito, uma fraqueza, uma desvantagem (...)”.

Se assumimos a ótica das Ciências Naturais para a Fonoaudiologia, devemos

entender o sujeito (no caso, o paciente) por meio da explicação do funcionamento da

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“máquina” do corpo. Mas, diante da gagueira, ficamos perplexos. Onde está a lesão

cerebral, a disfunção neurológica? O que dizem as ressonâncias eletromagnéticas, as

tomografias computadorizadas, as avaliações (e testagens) neurológicas, psicológicas

e de linguagem? Onde encontrar a resposta?

Nessa perspectiva, o fonoaudiólogo, interlocutor legitimado pela profissão, sente

a necessidade de ter em mãos uma explicação para a causa da gagueira que fosse

comprovada por aparelhos, com uma cópia e um laudo assinado. Ao buscar uma

remediação para uma fala, que entende não funcionar como deveria, ele se agarra a

todas as “certezas” de que dispõe a ciência positivista e não atinge o indivíduo (a sua

subjetividade), porque pára na gagueira (na manifestação).

A minha entrada nesse universo não foi propriamente espontânea. Como muitos

colegas da época de faculdade, não pretendia me debruçar sobre esse assunto, que

parecia impenetrável demais. Evitar trabalhar com esse aspecto da fala1 humana era

mais que natural.

O que mudou minha atitude diante do fenômeno gagueira foi a possibilidade de

compreender sua natureza de um ponto de vista psicossocial.

No contato com fonoaudiólogos que se dedicam ao tratamento da gagueira,

tenho ouvido queixas e dúvidas quanto à condução do trabalho clínico e, não raro, uma

reação também negativa quanto ao atendimento terapêutico de indivíduos gagos.

De modo geral, a gagueira aparece tanto em publicações científicas, quanto nos

meios de comunicação de massas, associada à idéia de algo a ser desvendado, um

_________________________________

1 Consideramos a linguagem, de acordo com CUNHA (1997), como a capacidade humana de

representar através de signos e a fala, como uma possibilidade individual de manifestação (verbal-oral)

da linguagem. Poderíamos então colocar a gagueira, de modo geral, como um problema ligado à

produção da fala (e não da linguagem) que, por sua vez, também levaria a um problema na

comunicação, dependendo da forma como a interação (falante com gagueira e interlocutor) se

estabelecesse. Dentro de uma análise mais aprofundada, veremos que, segundo FRIEDMAN (1993), o

que acontece na fala e na comunicação são efeitos dos valores que se projetam sobre a gagueira;

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sendo ela entendida como a parte manifesta de um problema com a imagem de falante do sujeito, de

um tipo de simbolização negativa de si como falante.

enigma, um mistério. É certo que as pesquisas na área dão conta de interpretações

variadas e até contraditórias, e nem sempre o acesso a elas é imediato, mas já existe

algum material pesquisado e com fundamentação científica adequada, que pode ser

utilizado por profissionais que se dedicam ao atendimento de pessoas com gagueira.

São esses profissionais que, em sua atuação clínica, se deparam com questões

do tipo: “Eu acho que a criança está bem, mas a família diz que ela está gaguejando, o

que fazer?” “Qual o momento certo para a alta do paciente?” “E se eu conseguir que o

paciente pare de gaguejar e ele apresentar recidiva?”; “O paciente diminuiu a gagueira,

mas eu nem sei bem o que fiz, e agora?” Procurar um fio condutor para responder

essas e outras questões poderá trazer avanços importantes para a compreensão da

prática clínico-terapêutica com a gagueira.

Este trabalho tem como objetivo compreender a relação possível entre a teoria e

a prática, procurando identificar fatores que determinam parte das dificuldades em

conduzir um tratamento para a gagueira. É preciso compreender como diferentes

teorias buscam e desenvolvem um entendimento da gagueira e quais são os

pressupostos teóricos que o terapeuta pode assumir, para que haja coerência entre

teoria e prática.

Por estabelecerem parâmetros para uma abordagem em que o trabalho com a

gagueira está inserido num contexto que promove uma ação terapêutica, na qual teoria

e prática estão integradas de forma crítica e coerente, é que optamos pelas pesquisas

de doutorado e mestrado desenvolvidas respectivamente pelas fonoaudiólogas ISIS

MEIRA (1983) e SILVIA FRIEDMAN (1986).

Ao privilegiar essas duas pesquisas (embora FRIEDMAN tenha dado

continuidade a sua obra com um doutorado em 1992) consideramos ser suficiente,

para os objetivos desta monografia, privilegiar em nossa discussão teórica, as obras

citadas acima, por articularem satisfatoriamente os pontos de vista de cada autora.

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O que reforça essa escolha é o fato de essas obras serem referências

fundamentais na bibliografia sobre o tema e também o fato de cada uma das autoras

ter-se proposto a entender a gagueira a partir de uma perspectiva original

(fenomenologia e materialismo dialético), sem adaptar métodos de autores estrangeiros

ou transferir diretamente pressupostos de outras disciplinas (neuropsicologia,

psicanálise, entre outras) para o campo fonoaudiológico.

Em sua pesquisa, ISIS MEIRA (1983) analisou os depoimentos de nove

profissionais em resposta à pergunta: O que é a gagueira? Comparando esses

depoimentos, ela concluiu que os profissionais vêem a gagueira em sua existência

imediata (ôntica) e fora do indivíduo. A fé desses profissionais nas teorias (tradicionais)

impossibilita-os de conhecer a gagueira no sentido fenomenológico e de lidar com ela

na terapia.

Os depoimentos (escritos) de sete indivíduos gagos, em resposta à pergunta: “O

que é a sua gagueira?” , foram também analisados, evidenciando com isso relatos que

contém referências à reação dos interlocutores frente à gagueira por eles apresentada,

e o efeito da gagueira neles mesmos (seus sentimentos, suas reações). Segundo a

autora, os indivíduos gagos não têm um pensar reflexivo que inclua o ser com a

gagueira, o habitar a gagueira. Esta, enquanto fenômeno, permanece oculta para o

gago e, conseqüentemente, agrava o sintoma (MEIRA, 1983, 91).

Na primeira parte da pesquisa, MEIRA (1983) faz um cruzamento das análises

obtidas nos discursos dos autores (e suas diferentes teorias sobre a gagueira) com os

discursos dos profissionais e dos gagos. Na segunda parte, ela propõe uma

compreensão da gagueira sob o ponto de vista fenomenológico, o que revela que o

fenômeno gagueira está envolto por alterações de tônus; a partir daí, a autora propõe

uma condução da terapia voltada para esses invólucros de tensão do gago, que a

autora chamou de gagueira construída e que é diferente da gagueira essência.

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Em sua metodologia de pesquisa, SILVIA FRIEDMAN (1986) utilizou o discurso

de sete sujeitos com história de gagueira na fala. A coleta do discurso dos sujeitos de 1

a 5 foi realizada por meio de fita cassete, a do sujeito 6, em gravação em vídeo e a do

sujeito 7, por meio de material escrito, que incluía um “Diário de fala” (44 relatos) e um

“Livro sem nome” (4 relatos). O procedimento escolhido para a organização e análise

do material coletado foi baseado na teoria das Representações Sociais e materializado

na Análise Gráfica do Discurso. Partindo dos discursos transcritos, a autora decompôs

esses discursos em unidades de significação, mantendo as ligações entre as frases por

numeração. Isso permitiu reagrupar as falas dos sujeitos por temas, de onde

emergiram Categorias de análise do discurso, bem como as ligações entre elas. Essa

análise permitiu uma descrição da natureza do fenômeno gagueira no interior do

referencial materialista-dialético adotado.

A autora ressalta, na revisão da literatura, como ao abordar o tema, as diferentes

teorias conhecidas, voltam-se para a manifestação externa e, a partir daí, tentam

explicar mecanicamente sua origem, seja por explicações orgânicas, sociais ou

psicológicas. Apontando para um modelo, psicossocial, reforçado pelas categorias

básicas de pensamento que emergiram da análise do discurso dos sujeitos, ela explica

a gênese da gagueira, sua manutenção e reprodução, construindo um caminho

terapêutico onde o alvo não é a fala gaguejada, mas a imagem de mau falante do

indivíduo.

Na Fonoaudiologia, como em qualquer área da ciência, toda explicação é

sempre relativa. Mesmo nos comprometimentos da linguagem, onde o aspecto

orgânico é fator decisivo (por exemplo: na afasia; na paralisia cerebral), não teremos

nunca explicações definitivas e baseadas apenas em um único elemento. A pretensa

“unanimidade” em torno do tema é de certa forma um esvaziamento da questão,

porque para construir um saber científico “o sujeito que conhece (...) ‘transforma’ as

informações obtidas segundo o Código complicado das determinações sociais (...), pela

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mediação da sua situação de classe e dos interesses de grupo que a ela se ligam, pela

mediação das suas motivações conscientes e subconscientes e, sobretudo, pela

mediação da sua prática social sem a qual o conhecimento é uma ficção especulativa”

(SCHAFF, 1987,82). Portanto, compreendendo que a ciência não comporta

enquadramentos definitivos, já que toda explicação é sempre relativa, deveremos estar

atentos para não engessarmos nosso pensamento e ação dentro de uma perspectiva

fracionada da realidade.

Ao repensar a teoria na prática, delimitamos as seguintes hipóteses:

Parte das incertezas encontradas pelos profissionais no atendimento da

gagueira não se deve à falta de referências teóricas para o método fonoaudiológico.

É necessário construir uma visão de mundo antes de se definir por esta ou

aquela linha teórica no trabalho com a gagueira.

Há uma incoerência teórico-metodológica quando se “aplica” diferentes teorias

conforme o tipo de paciente gago.

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DUAS CONCEPÇÕES SOBRE A GAGUEIRA

A discussão sobre a gagueira passa por diferentes pontos de vista

(Positivismo, Fenomenologia, Materialismo dialético), varia de autor para autor, linhas

de pesquisa e país de origem. Em nossa escolha, priorizamos autoras com formação

fonoaudiológica, que abordam a gagueira sob o ponto de vista das Ciências Humanas:

ISIS MEIRA (1983), que segue a orientação da Fenomenologia e SILVIA FRIEDMAN

(1986) que desenvolve seu trabalho sob o enfoque do Materialismo dialético. Nossa

investigação procurará focalizar as concepções desenvolvidas nas pesquisas com a

gagueira por elas realizadas, como essas visões se entrelaçam e se complementam, e

quais aspectos podem ser destacados para servir de base a um roteiro de leitura para

outras pesquisas.

Em seu enfoque a partir da Fenomenologia2, MEIRA (1983), nos mostra como a

visão Positivista vê a gagueira de uma perspectiva ôntica (em sua existência imediata e

fora do indivíduo), como um fato, algo que se mostra à primeira vista, levando os

autores que seguem essa linha a se preocupar com definições, explicações e

classificações. Em conseqüência, MEIRA (1983), mostra que a postura positivista

acaba por não elucidar, des-velar - para empregar a expressão heideggeriana - a

gagueira em sua essência. A postura fenomenológica, ao contrário, vê a gagueira

como ontológica (isto é, ressaltando a continuidade da gagueira com o ser que

________________________________

2 A Fenomelogia - filosofia e método - teve em Husserl (1859-1938) o formulador de suas

principais linhas. Seguiram-se outros representantes como: Heidegger, Jaspers, Sartre, Merleau-Ponty.

Ela se contrapõe à postura positivista e defende que o objeto (do conhecimento) devem ser os

fenômenos apreendidos pela percepção humana de forma pura essencial, como aparecem, como se

apresentam à consciência. Isso é feito, a partir da “redução fenomenológica” que consiste em colocar em

suspensão todo e qualquer conhecimento previamente produzido sobre o fenômeno para focalizá-lo no

que ele tem de mais puro e essencial (ARANHA & MARTINS, 1986).

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gagueja), é com base nela que MEIRA (1983) propõe-se a olhá-la enquanto fenômeno,

sem dados pré-estabelecidos, para sair da aparência (fato) que a fragmenta e poder

captar sua essência.

Recusando essa visão fragmentada da maioria dos autores positivistas, MEIRA

(1983) questiona qual seria o caminho a percorrer: em direção ao gago, isto é, o sujeito

que expressa a gagueira, ou em direção à gagueira, seu problema na fala. Para obter

um discurso esclarecedor sobre a gagueira e poder chegar ao fenômeno, ela a focaliza

no indivíduo que a manifesta, o qual foi com o tempo encobrindo a sua gagueira por

meio de alterações de tensão. A partir disso percebe a necessidade de um

aprofundamento na gagueira manifesta pelo gago (a gagueira constituída por

alterações de tensão), para poder atingir a sua essência ( a gagueira livre de alterações

de tensão). Assim, distanciando-se da gagueira enquanto fato, MEIRA (1983) se

propõe a conhecer sua essência e não sua causa.

A autora nos mostra que, cada classe de teorias (orgânica, psicológica e do

comportamento aprendido) impõe uma ótica diferente às causas da gagueira e faz

apenas uma análise quantitativa de comportamentos pré-estabelecidos, sem atingir a

gagueira nela mesma (gagueira construída).

Diante desse estado de coisas, MEIRA (1983) assume uma postura investigativa

fenomenológica, que deve procurar des-velar o fenômeno gagueira e captar o que

permanece oculto. Para isso, para se aproximar do que pode ser captado pela

percepção quando se tenta ver o fenômeno (e não o fato) gagueira, deve-se voltar o

olhar para a gagueira mesma e não para suas causas e para os sentimentos e atitudes

ligados a ela.

FRIEDMAN (1986) por sua vez, apoiada numa concepção materialista dialética

busca uma compreensão da gagueira que permita conhecer sua origem e

desenvolvimento. A autora argumenta que a maioria dos estudos sobre a gagueira

aborda o problema de maneira positivista, reificada3, focalizando apenas a

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manifestação externa, aparente, da fala. Nessa atitude positivista a autora detecta a

incapacidade dessas abordagens de compreender a gagueira em todos os seus

desdobramentos e interrelações entre o que é subjetivo (do indivíduo) e o que é

objetivo (do organismo e do social).

Em seu trabalho, FRIEDMAN (1986) considera três grandes grupos de teorias

sobre a gagueira: As teorias orgânicas, que vêem como causa problemas neurológicos,

como afasia, lesões cerebrais, dominância cerebral, incoordenação motora, retardo de

mielinização do córtex da fala, etc. Além de fatores hereditários, congênitos,

metabólicos e outros. As teorias psicológicas, que sustentam que a gagueira é sintoma

de traumas, conflitos afetivos, necessidades sexuais inconscientes não resolvidas

(fixação oral ou anal), agressividade reprimida, entre outros. E as teorias sociais, que

vêem as causas da gagueira na relação do indivíduo com os outros, isto é, como um

hábito adquirido em conseqüência do reforço negativo do meio sobre a fala; por

julgamentos inadequados de pessoas significativas sobre as vacilações normais da fala

da criança, pela influência da cultura em sociedades competitivas que, conferindo valor

extremo ao prestígio social, atribuem um grande valor à competência da fala.

Para a autora, dar prioridade a um dos três aspectos (social, psicológico ou

orgânico) em detrimento dos outros, é uma atitude limitadora que leva a um

reducionismo do conhecimento e impede o aprofundamento da questão. FRIEDMAN

_________________________________

3 “Res”, em latim, significa “coisa”. O materialismo dialético - filosofia e método - considera os fenômenos

materiais como processos e vê a realidade, não de forma linear, mas numa dependência recíproca e em seu processo

de produção. Ao contrário da postura positivista, a “reificação”, conceito forjado pelo materialismo dialético,

consiste em considerar os fenômenos apenas como se fossem “coisas”, deslocadas de seus processos de produção

(ARANHA & MARTINS, 1986). “Reificada”, a gagueira é vista como uma coisa, como algo distante do indivíduo

que gagueja; aí, o sujeito é visto despojado de sua história de fala.

(1986) propõe uma abordagem que relacione esses três aspectos, não apenas como

uma somatória entre eles, mas estabelecendo suas influências recíprocas. As várias

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formas de entender a fala gaguejada a partir das teorias existentes não deixam de

mostrar aspectos verdadeiros dela, mas sem as conexões com as demais, esses

aspectos ficam à deriva, desvinculados de um todo, provocando o isolamento da

manifestação observada, do processo que levou o indivíduo a essa manifestação.

Em seu estudo, MEIRA (1983) manteve-se centrada na estrutura própria da

gagueira constituída (as alterações de tensão), cuidando para não isolar e também

para não confundir os estados de consciência do indivíduo com as ocorrências

corporais. Afirma: “Ficou mais fácil ver a trajetória do gago vivendo penosamente com a

gagueira, difusamente percebida por ele, mesmo como um fato, pondo sobre ela ainda

pesadas cargas trazidas por ele próprio e adicionadas pelos outros, com dificuldade de

lidar com os seus sentimentos e com sua forte rejeição à gagueira” (MEIRA, 1983, 99).

FRIEDMAN (1986) também compreende a gagueira (tensões) dentro de uma relação

de mútua dependência entre os estados de consciência e as ocorrências corporais, e

busca, num contexto materialista dialético, detectar como ela se apresenta.

MEIRA (1983), “ao pôr a gagueira em suspensão para intuir sua essência”,

procura distanciar-se das causas e conteúdos que envolvem a gagueira, e assim

chegar à gagueira pura que foi encapsulada pelas tensões que o indivíduo apresenta

ao falar. Contudo, isso é apenas parte de sua proposta para a terapia. Fazendo uma

clara distinção entre o gago (o indivíduo) e a gagueira (a dificuldade na fala), MEIRA

(1983) enfatiza a importância de trabalhar também o gago (o indivíduo) nas suas

dificuldades relacionadas à gagueira. FRIEDMAN (1986), partindo desses dois

aspectos (a atividade de fala e o indivíduo que gagueja) já enfatizados por MEIRA

(1983), aponta para a possibilidade de também compreender a gagueira através do

discurso do indivíduo gago, apreendendo assim outras significações igualmente

importantes para a compreensão da atividade da fala gaguejada. A gagueira, segundo

a autora, não deve ser vista apenas em seu caráter desviante (como sugere a visão

Page 19: Gagueira   a teoria na prática

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positivista pautada nas Ciências Naturais), mas enquanto reveladora de crenças e

condicionamentos.

Em seu estudo, MEIRA (1983), já fazia esse questionamento, afirmando: “A

questão da gagueira, porém, sendo essencialmente humana, tem uma estrutura

significativa própria que precisa ser focalizada de forma a evitar redução e distorção”

(p. 95, grifo meu). Portanto, ambas as autoras, partindo do campo das Ciências

Humanas, procuraram compreender a gagueira a partir do indivíduo que gagueja. Mas

enquanto MEIRA (1983) investigou a atividade de fala do sujeito gago decompondo o

“todo” da gagueira (tensões) em suas partes constituintes, evidenciando a dinâmica

dos grupos e regiões musculares envolvidas, FRIEDMAN (1986), por seu lado

investigou o discurso do sujeito gago, decompondo-o em categorias que denotam o

movimento genérico do pensamento do indivíduo com relação à fala e à gagueira.

Em sua pesquisa, MEIRA (1983) investigou a fala do sujeito gago, detectando a

rede de alterações de tônus construída pelo gago (chamada pela autora de GAGUEIRA

CONSTRUÍDA ou INVÓLUCROS da gagueira pura), que pode ser “desmanchada” na

terapia, e o núcleo da gagueira que existe no indivíduo gago (chamado pela autora de

GAGUEIRA PURA ou GAGUEIRA ESSÊNCIA), que permanece no indivíduo gago

durante a sua existência e não pode ser “retirado”.

A GAGUEIRA CONSTRUÍDA se mostra, em todos os gagos, nas regiões oral,

cervical e diafragmática. Estes são os INVARIANTES da gagueira. Em alguns gagos,

no entanto, a gagueira construída pode também se manifestar em outras regiões do

corpo. As alterações de tônus nas três regiões mencionadas se correlacionam, como

explica a autora quando diz: “A fluência e, portanto, a coordenação exigida para a fala,

requer tônus muscular adequado. A alteração simultânea no tônus muscular da região

oral, da região cervical e da região diafragmática resulta em falha na coordenação

dessa musculatura. Essa falha na coordenação se mostra tanto nos movimentos

isolados da musculatura de cada região quanto nos movimentos que envolvem, ao

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mesmo tempo, o trabalho muscular destas três regiões mencionadas” (p. 125) (...) “um

grupo muscular tenso sempre corresponde à tensão de outro grupo muscular, mesmo

na ausência de fala” (p. 27).

Os grupos musculares com tônus alterado que compõem a fala gaguejada

variam de indivíduo para indivíduo, já que o mapeamento de cada gagueira é

individual e dinâmico.

Assim, MEIRA (1983) descreveu a ação dos grupos musculares com tônus

alterado, pontuou as regiões que se mostram invariavelmente hiper ou hipotensas nos

indivíduos gagos e explicou o processo da seguinte forma: “A falha na coordenação

muscular do gago ocorre, a nível da ação de um grupo muscular, que realiza seu

movimento com tremores e interrupções e a nível do movimento muscular simultâneo

das três regiões - oral, cervical e diafragmática - cuja parada e tremores indicam uma

falha na movimentação coordenada das três regiões do corpo que também estejam

tensas” (p. 128). Ou seja, os invólucros de tensão se ligam, atuando de forma conjunta

e dinâmica.

Ao mapeamento dessa gagueira construída individualmente por cada gago no

decorrer de sua existência, MEIRA (1983) estabeleceu um paralelo, já apontado por

KRETSCHMER (MEIRA, 1983, 101), com a afetividade (emoções) e as alterações do

tônus muscular e visceral, mostrando que: “À medida que se altera a afetividade, a

tensão muscular e a tensão visceral, o gago, como qualquer ser-no-mundo, reflete

esta alteração em sua dificuldade maior, a gagueira”. (p. 107, grifo meu).

Na literatura há referências ao papel das emoções negativas (medo, ansiedade,

culpa) na ocorrência de gagueira. MEIRA (1983) aponta a interferência também das

emoções ditas positivas (alegria exagerada, excitação, euforia), explicando que toda

emoção que tire o gago de seu equilíbrio contribui para a piora da gagueira.

Observa-se nos autores positivistas, uma tendência a quantificar os

comportamentos de gagueira (bloqueio, repetição, prolongamento, por exemplo).

Page 21: Gagueira   a teoria na prática

21

MEIRA (1983), ao contrário, apoiada nos princípios das Ciências Humanas, propõe

uma análise qualitativa, mapeando e descrevendo a gagueira expressa em cada gago.

A pesquisa de FRIEDMAN (1986) explicitou uma “ideologia do bem falar”

permeando as relações da sociedade. A partir dessa ideologia, criam-se as condições-

base para que um rótulo social, estigmatizado, da fala gaguejada se transforme em

algo pessoal para o indivíduo que gagueja. A autora explica que a família é capturada

por uma “armadilha”, ao ver na fala gaguejada da criança algo negativo (relação de

comunicação paradoxal: pedir à criança que fale, mas que não fale como fala. Como

então, poderá a criança falar?). Assim, a autora mostra que quanto mais se solicita

uma fala “correta”, mais gagueira se observa surgir. Segundo a autora, a vivência

sistemática desse tipo de relação interpessoal durante o período de desenvolvimento

da linguagem do indivíduo acarretará numa relação distorcida com a fala, consigo

mesmo e com o outro.

A apresentação de uma fala gaguejada que não pode ser valorizada pelo grupo

em que o falante se encontra, gera preocupação, medo, insegurança ao falar. Essas

vivências concorrem para a quebra do sinergismo natural, espontâneo do ato motor da

fala, que passa a apresentar-se com tensão. Como vimos em MEIRA (1983), essa

tensão, vista de forma geral, possui características específicas no quadro de

referências da gagueira construída. Concomitantemente a isso, porque (...)

“representando o mundo que a cerca, a criança vai representando a si mesma como

parte dele, desenvolvendo sua identidade” (FRIEDMAN, 1986,19), surge uma imagem

negativa de falante. Marcado por uma vivência de incapacidade, de impossibilidade de

corresponder a um padrão ideal de falar, o indivíduo passa a acreditar na sua

deficiência e tenta falar de um novo modo, buscando a fala sem gagueira. A construção

da identidade do indivíduo se faz junto com a representação de mundo e de sua

linguagem, que em meio ao conflito criado por se ver impelido a falar de forma diferente

do que é esperado para ser socialmente aceito, faz com que as situações

Page 22: Gagueira   a teoria na prática

22

comunicativas sejam cada vez mais carregadas de tensão. Cristaliza-se assim uma

imagem negativa ou estigmatizada de falante.

A articulação entre o psicológico (construção da identidade: auto-imagem

estigmatizada, emoções negativas), o social (ideologia do “bem falar”, relações de

comunicação paradoxais), e o orgânico (tensão, incoordenação dos movimentos

articulados da fala) revela-se, segundo FRIEDMAN (1986), um quadro coerente para

explicar os comportamentos (hesitações, bloqueios, repetições, evitações, etc)

reconhecidos pelos diversos autores como característicos do quadro de gagueira.

Como vimos, também MEIRA (1983) em sua pesquisa, conseguiu distanciar-se

da gagueira como um fato e deixar de olhar exclusivamente para os prolongamentos de

sons, as repetições de sílabas, os bloqueios que reduzem a gagueira a sua aparência

imediata, podendo assim, captar e compreender a fala gaguejada em seus aspectos

constitutivos, revelando o que estava por detrás da aparência, o que MEIRA (1983)

chamou de invólucros de tensão, a GAGUEIRA CONSTRUÍDA.

Ao analisar detalhadamente o modo como a postura e o movimento do corpo e

da fala vão se organizando em função dos grupos musculares e regiões tensas, MEIRA

(1983) também aponta para aspectos subjetivos vinculados a essa atividade de fala. A

autora observa que “ao invés de seguir seu caminho habitando a gagueira, o gago luta

para escondê-la, negando sua existência” (p. 131). Em sintonia com esse aspecto

levantado por MEIRA (1983), FRIEDMAN (1986) ressalta que ao ver-se como falante

estigmatizado e ter que falar bem, o indivíduo cria o hábito de interferir com a fala

(atendendo ao desejo de querer controlá-la para não gaguejar), quebrando a

espontaneidade e gerando tensão. A autora mostra que a tensão se constrói,

basicamente, porque o indivíduo nessa situação prevê (antecipa) gagueira na fala

ainda não falada, como estratégia para evitá-la, mecanismo que só produz mais tensão

e portanto mais gagueira. Quanto maior a necessidade social e pessoal de

corresponder a uma imagem idealizada de falante sem gagueira, maior será a ativação

Page 23: Gagueira   a teoria na prática

23

emocional negativa que entrará em jogo, subvertendo a possibilidade da fala fluir sem

os condicionamentos tensos. Por sua vez, MEIRA (1983), ao captar as tensões

apresentadas pelos gagos na fala, explica que, de uma concepção generalizada e

difusa dessas tensões, deve-se avançar para uma observação mais cuidadosa e

aprofundada, em que grupos musculares que vão constituir a gagueira expressa se

apresentam com seu tônus em desequilíbrio, e se caracterizam por uma dinâmica e

mapeamento próprios.

Dessa forma, em seu estudo, MEIRA (1983) havia verificado que, ao tentar

ocultar a gagueira, o gago a torna mais evidente. Como relata a autora : “(...) o gago,

por toda a sua vivência não aceitando a gagueira, tem um nível de tensão aumentado

(...). Estas tensões são percebidas e assimiladas pelo outro que também, se não tiver

condições de lidar com a nova carga de tensão, se torna mais tenso e reage

apresentando tensão (...). O gago percebe estas reações, que são manifestações de

uma não aceitação da gagueira, angustia-se e aumenta seu nível de tensão. Esta

tensão manifesta-se na fala” (p. 111). A autora mostra que são as emoções que têm

íntima relação com a tensão, que alteram a gagueira. FRIEDMAN (1986) também

confirma esse aspecto identificado por MEIRA (1983), mostrando que as emoções se

alteram e as tensões aumentam porque o indivíduo tenta modificar a fala para ser

aceito. A autora mostra como a atitude de ocultamento da fala gaguejada tem suas

motivações nos conteúdos da mente (auto-imagem de mau falante) advindos e ligados

à necessidade de falar sem a gagueira (ideologia veiculada socialmente), que, ao

dispararem sentimentos como o medo, ou a ansiedade, aumentam a tensão durante a

fala. A vivência sistemática em meio a esse contexto paradoxal (sou gago; não posso

ser gago; tento falar bem e gaguejo) mantém o indivíduo preso ao universo que a

autora passa a denominar de GAGUEIRA SOFRIMENTO. MEIRA (1983), ao fazer a

ligação entre a afetividade e as tensões (muscular e visceral), evidenciou que os

estados-de-mente dos indivíduos que gaguejam correlacionam-se, em primeiro lugar,

Page 24: Gagueira   a teoria na prática

24

com a gagueira percebida, e que a percepção dos estados afetivos (medo, ansiedade,

angústia) ocorre mais facilmente do que a percepção das tensões. É no trabalho

terapêutico com os invólucros de tensão, voltado para o corpo em geral e para a fala

especificamente, que o indivíduo entrará em contato com a localização e intensidade

das tensões (no corpo e na fala), desenvolvendo uma consciência aprofundada das

condições em que ocorre a fala gaguejada. Ao observar que os gagos fazem uma

correspondência entre a alteração da afetividade e a gagueira, MEIRA (1983) explica

que “por um distúrbio da consciência (consciência difusa de sua gagueira), o gago

‘fantasia’ determinada situação percebendo-a de forma irreal, e, em geral, com fortes

cargas de ansiedade” (p. 106). É justamente sobre esse ponto, a forma como o

indivíduo percebe as situações de fala, ou seja, a relação entre gagueira e o

desenvolvimento da consciência, que FRIEDMAN (1986) procurou, ao analisar os

conteúdos subjacentes ao discurso dos sujeitos de sua pesquisa, compreender “o

movimento do pensamento a respeito da fala e da gagueira, em suas múltiplas

determinações” (p. 30).

Para MEIRA (1983), o gago deve “conviver com seus estados de mente” e

“habitar sua gagueira”, dessa forma, esses estados-de-mente não serão facilmente

alterados e não interferirão tanto com a fala (p. 112). Da mesma forma, FRIEDMAN

(1986) defende que “desmistificando e questionando a lógica da gagueira a nível do

pensamento”, o indivíduo gago deverá ter um “compromisso com o gaguejar”, já que o

não gaguejar “está sendo apontado com o motor do processo da gagueira” (p. 116).

Um ponto de divergência entre as duas abordagens estaria então, no fato de que

MEIRA (1983), por seu lado entende que o social é vivido pelo indivíduo que gagueja e,

obviamente, não pela gagueira. Em seu estudo, gago e gagueira constituem um todo

indivisível, mas são entidades distintas que não podem ser confundidas. Se na terapia,

o gago for trabalhado com relação a seus estados-de-mente, suas atitudes e seu modo

de ver o mundo, ele compreenderá as reações dos outros e poderá não ter problemas

Page 25: Gagueira   a teoria na prática

25

sociais, mesmo que continue gaguejando. Para FRIEDMAN (1986), por outro lado, o

mundo, o social, tem a marca da história e da ideologia, interferindo necessariamente

nas concepções formadas pelo indivíduo que expressa a gagueira. A autora também

aceita considerar o fato de que o social é vivido pelo indivíduo e que a mudança na

auto-imagem de falante possibilitará um “convívio melhor” no meio social, mas isso

não impede uma reflexão mais ampla de natureza sociológico-filosófica que revele

concepções da gagueira enquanto uma fala desviante e necessariamente patológica.

A forma de considerar o “aspecto social” vinculado ao tema da gagueira, é o que

parece diferir nas duas pesquisas. Em MEIRA (1983), o “aspecto social” consiste nas

relações que o indivíduo estabelece com pessoas e situações de vida no dia-a-dia

(trabalho, família, amigos, relacionamentos afetivos, etc). A autora relata o caso de um

gago extremamente bonito e bem sucedido, que atuava como um líder, sendo bastante

solicitado por pessoas que o cercavam. Esse sujeito gago “era consciente de seu

sucesso e de suas muitas possibilidades. Convivia com os outros e a gagueira era vista

como uma de suas possibilidades, sem grande importância”. A autora verifica então

que “(...) o aspecto social não chega, nem mesmo, a interferir alterando o estado-de-

mente do gago e, conseqüentemente, alterando a própria gagueira” (p. 112). Já na

pesquisa de FRIEDMAN (1986) vemos que o “aspecto social” aparece vinculado tanto

à individualidade quanto à coletividade. Com relação à individualidade, a autora

emprega a categoria OUTROS, que ela identifica na Análise Gráfica do Discurso dos

sujeitos da pesquisa, referindo-se à família, trabalho, escola, amigos, pessoas em

geral, etc; sendo que o sujeito que gagueja poderá lidar com esse “aspecto social” de

diferentes modos, dependendo das representações que ele faz desse meio social e de

si mesmo. Como exemplo, temos o relato do sujeito1 que menciona poucos amigos, e

se refere ao fato de o grupo (de amigos) se desinteressar por ele (se afastar) e de ele

pedir para que falem por ele nas situações cotidianas (p. 39). O sujeito2 se refere a

pessoas conhecidas, amigáveis, que aceitam e não ligam muito (para a fala

Page 26: Gagueira   a teoria na prática

26

gaguejada), com as quais ele se dá bem e que, às vezes, falam por ele para ajudá-lo,

apoiá-lo (p. 46). Focalizando os “aspectos sociais” com relação à coletividade , a autora

parte para uma conceituação mais geral, filosófica, ligada aos pressupostos do

Materialismo dialético. Aqui, os “aspectos sociais” da gagueira vinculam-se à noção de

realidade social circundante enquanto princípios, regras, valores e ações dentro da

história social da humanidade. É nesse sentido que FRIEDMAN (1986) afirma que os

conteúdos da consciência do indivíduo gago, que promovem o movimento do

pensamento gerador de atitudes de evitação/negação da gagueira (que fazem

aumentar a tensão na fala, como MEIRA (1983) também havia visto), não são

passíveis de ser tomados como algo inato, como produção psíquica naturalmente

circunscrita a uma atividade neurofisiológica do indivíduo, mas como fator sócio-

histórico construído nas relações do indivíduo com a sociedade e a cultura. São essas

relações que determinam a representação de si e do mundo dos indivíduos.

É importante compreender que a diferença dos pontos de vista de cada autora é

decorrente da opção que cada uma faz ao abordar o tema. MEIRA (1983) afirma que “a

pesquisa centralizada exclusivamente nas ordens física e biológica não poderia

apresentar uma visão satisfatória e completa para uma questão humana tão importante

como a gagueira” (p. 95). Para tanto, ela parte para uma descrição e análise

fenomenológica do problema da gagueira. A fenomenologia coloca em primeiro plano a

subjetividade enquanto movimento interno de um sujeito que tem sua individualidade

exacerbada. Assim, o papel do sujeito ganha mais importância que a realidade

circundante. Como MEIRA (1983), FRIEDMAN (1986) também critica a visão positivista

que reduz a gagueira a seu aspecto manifesto, fragmentando sua totalidade. Mas, na

busca por uma visão mais integrada para a gagueira, ela parte para um modelo

filosófico que prioriza a interação entre o sujeito e o objeto do conhecimento. A opção

feita - o materialismo dialético - vê a subjetividade se construindo na dialética homem -

mundo com seus valores e regras sociais.

Page 27: Gagueira   a teoria na prática

27

Em seu estudo, MEIRA (1983), ao procurar as invariantes da gagueira, chegou

ao conceito de tensão. Constituindo-se nos invólucros da gagueira, esses invólucros

apontam para aquilo que está “por detrás dela” - a essência da gagueira. Ao mostrar

onde estão os invólucros, a autora se depara com tensões nas regiões oral, cervical e

diafragmática, descritas em termos dos músculos e órgãos fonoarticulatórios

envolvidos.

Examinando a correlação entre as áreas de tensão, verifica-se que a

musculatura alterada de uma região altera a outra e que, em todos os gagos estudados

na pesquisa, a musculatura respiratória também estava alterada. MEIRA (1983)

acredita que, embora haja relação entre afetividade, tensão muscular e visceral, o gago

reage a seus próprios estados de mente, sendo responsável por eles. Essa concepção

não assume o paradigma da determinação biopsicossocial (em que a consciência não

é vista como pura reflexão, passividade, e para a qual as idéias são forças ativas),

como vemos em FRIEDMAN (1986), e olha a realidade intra-psíquica como criada

apenas por si mesma (uma consciência doadora de sentido), exatamente de acordo

com a visão de sujeito da fenomenologia, já mencionada anteriormente. MEIRA(1983)

mostra que os interlocutores, também são regidos pela mesma “lei” e, por isso, não

respondem com críticas, expressões faciais, e sorrisos à gagueira do gago, mas aos

seus próprios conteúdos afetivos, não sendo possível afirmar-se que a gagueira

(constituída por tensões) é um problema que surge no social, embora esse aspecto

possa influenciar o indivíduo. FRIEDMAN (1986) também concorda com a afirmação de

que a reação dos indivíduos deve-se aos seus próprios conteúdos, mas mostra que

isso não exclui a compreensão de que esses mesmos conteúdos se desdobram a partir

de um contexto sócio-cultural mais amplo, no qual se encontra a ideologia do bem-

falar, que passa a forjar os conteúdos afetivos próprios e, a seguir, o modo de reagir ao

mundo.

Page 28: Gagueira   a teoria na prática

28

Focalizando, agora, o aspecto da utilização dos dados encontrados nas

pesquisas, no sentido de uma determinação dos objetivos da terapia, as pesquisas das

duas autoras, embora seguindo caminhos diferentes, também podem se

complementar. Fenomenologia e Materialismo dialético “equilibram-se” coerentemente

e não desconsideram as variáveis orgânicas, desde que “se integrem as ordens física e

biológica em novas estruturas”, como afirma MEIRA (1983, 95), ou que não se

pressuponha “a prioridade de qualquer um dos três aspectos, social, psicológico ou

orgânico sobre os demais (...)”, como defende FRIEDMAN (1986,14). É mantendo,

portanto, as premissas e diferenças básicas entre cada uma das pesquisas que

procuraremos ver de que modo elas podem se integrar e interagir.

No trabalho com o indivíduo gago em terapia, segundo MEIRA (1983), “o

primeiro passo é, então, a tomada de consciência (...) para seu corpo inicialmente, para

os recursos usados na tentativa de ocultar a gagueira e para seu próprio portar-se

diante da gagueira”. A autora propõe uma “consciência alerta” para todo indivíduo

gago que queira manter um “estado de zelo” e, através dele, dissolver os invólucros e

conseguir manter a “gagueira livre, solta” (p. 132 e 133). Assim, é realizado um

trabalho verbal específico, durante o processo terapêutico com o gago, abordando suas

dificuldades enquanto pessoa, a fim de que ele aprenda a “con-viver” com sua

gagueira, lidando com a não-aceitação dela pelos seus interlocutores e com sua

própria não-aceitação. Como afirma a autora: “É, no entanto, numa relação

intersubjetiva terapeuta-paciente, e não num caminhar solitário, que o gago muda a

representação que ele tem de si mesmo e de sua gagueira. Esta mudança diz respeito

ao existir-com-os outros e com-a-sua-gagueira” (p. 112). Esses mesmos aspectos são

apontados por FRIEDMAN (1986), quando afirma que o trabalho terapêutico consiste

(dentre outros aspectos) em “desmistificar a ideologia sobre a qual se assenta a

gagueira”, por meio do diálogo (terapeuta-paciente), colocando em xeque as posturas

assumidas pelo indivíduo diante da fala gaguejada, posturas que “ao mesmo tempo

Page 29: Gagueira   a teoria na prática

29

que tentam ocultar, afirmam a gagueira” (p.116). Ambas autoras lidam em terapia com

os aspectos subjetivos ligados às concepções que o indivíduo gago tem das relações

interpessoais, da fala, das situações vividas e de si mesmo. A diferença está na opção

feita por FRIEDMAN (1986) pelos princípios do materialismo dialético, que permite

reconduzir essa subjetividade também para o campo social (enquanto valores e

regras), mostrando que essa subjetividade sofre a marca tanto da cultura quanto da

história pessoal (do indivíduo) e coletiva (da sociedade). É nesse contexto que a autora

trabalha com as noções de ideologia do bem falar (estigma), construção da identidade

(auto-imagem de falante); essas noções são “trazidas” do social para o individual e

retrabalhadas (na terapia) em termos daquilo que representam para o falante com

gagueira, na especificidade de cada caso.

FRIEDMAN (1986), a partir da análise do discurso dos sujeitos da pesquisa,

destacou as quatro categorias subjacentes a eles: Auto-imagem, Nível Motor, Ativação

Emocional, Outros. Essas categorias representam os conteúdos da consciência de

cada sujeito e a interação entre elas reflete o movimento genérico do pensamento dos

indivíduos estudados.

Na categoria Ativação Emocional, revelam-se medos, ansiedades, vergonhas,

preocupações, raivas, etc, do falante gago em relação a sua fala e aos outros.

No categoria Nível Motor, evidenciam-se tensões nos movimentos de fala,

relatados pelos indivíduos gagos como: gaguejar, não sair a fala, repetir sílabas, língua

enrolada, que surgem diante dos outros e sob certas emoções. Esse nível será visto

separadamente, quando falarmos sobre a terapia para a atividade de fala em si.

Na categoria Auto-Imagem, revela-se um conceito negativo de si como falante,

quando se constata determinadas atitudes assumidas diante da fala: pensar como

falar, achar que não sabe falar, achar ter um defeito, achar-se incapaz, evitar conversar

para não se mostrar, considerar-se gago - sempre diante dos outros - sentindo as

emoções delineadas, acima, e a tensão na fala.

Page 30: Gagueira   a teoria na prática

30

O social é representado pela categoria - Outros - e aparece no relato dos

indivíduos quando se referem a familiares, amigos, chefe, escola, professores com

quem gaguejam e sentem as emoções mencionadas.

Segundo FRIEDMAN (1986), as categorias vistas à luz da história de fala dos

indivíduos que gaguejam são elementos fundamentais para se traçar um caminho a ser

desenvolvido na atividade clínica, já que refletem um movimento genérico do

pensamento dos indivíduos estudados, servindo, assim, de sinalização das estruturas

sociais e ideológicas que estão por trás de cada sujeito e que, no plano pessoal,

assumem características específicas para cada um. Centrada, no processo de

produção da gagueira, nos planos subjetivo (auto-imagem e emoção) e social

vinculados ao motor (atividade de fala em si), a terapia deve trabalhar os conteúdos da

auto-imagem negativa de falante (que pode ser negativa em maior ou menor grau),

desmistificando as crenças que a ideologia do “bem falar” inculcou no indivíduo e que

fazem parte de sua identidade.

Antes de iniciarmos as considerações sobre o trabalho terapêutico com o

aspecto motor da fala gaguejada (tensa), veremos primeiramente como diferem, nesse

item, os dois estudos aqui referidos. Em sua pesquisa, MEIRA (1983) estabeleceu uma

trajetória que diferencia claramente a atividade de fala (invólucros de tensão) do

indivíduo gago. Focalizando o conhecimento da gagueira, enquanto fenômeno, ela

cuidou para não misturar gago e gagueira, fazendo com que surgissem suas

particularidades dentro da totalidade que representam e evitando a dicotomia

cartesiana sujeito/objeto, pela qual vinha sendo tratado o tema na visão positivista.

FRIEDMAN (1986), ao colocar-se diante do problema, buscou na análise qualitativa do

discurso do sujeito (gago) entender a manifestação da gagueira através da história do

desenvolvimento da fala da pessoa gaga. Como MEIRA (1983), FRIEDMAN (1986) não

vê a atividade de fala gaguejada (tensa) como algo que surge de um indivíduo com

“defeito de fabricação”, como querem aqueles que assumem uma visão positivista

Page 31: Gagueira   a teoria na prática

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dentro do campo das Ciências Naturais e que mantêm, assim, a dicotomia sujeito-

objeto do conhecimento. Em sua pesquisa, a diferenciação entre o indivíduo (gago) e a

gagueira aparece em termos da atividade de fala com tensões (gagueira), que aparece

representada pela categoria Nível Motor, sendo que as outras categorias - Auto

Imagem, Ativação Emocional, Outros - relacionam-se mais diretamente com o

indivíduo, e juntamente com a categoria Nível Motor, interligam a história de fala dos

sujeitos.

Portanto, MEIRA (1983) partiu de uma análise da fala (em si mesma) e não dos

conteúdos desta. “O conteúdo não foi levado em consideração para os objetivos deste

estudo, mas constitui um dado que aponta para a dificuldade que os gagos têm de falar

sobre a própria gagueira” (p. 18). FRIEDMAN (1986), por outro lado, partiu da análise

dos conteúdos do discurso e não da fala (em si mesma) percebendo, como MEIRA

(1983), que esses conteúdos poderiam trazer significações sobre o indivíduo gago e

conseqüentemente sobre a gagueira, no sentido mais específico do ato motor e, no

mais amplo, enquanto uma concepção de fala ligada ao desenvolvimento do

psiquismo, à subjetividade humana.

A seguir, falaremos mais especificamente do trabalho com a fala gaguejada,

lembrando que tanto MEIRA (1983) quanto FRIEDMAN (1986), ao abordarem em

terapia o aspecto motor da fala com gagueira, não perderam de vista as questões

subjetivas que dizem respeito ao indivíduo e que estão obviamente ligadas à gagueira:

sentimentos, atitudes, modos de ver o mundo, modos de ver a gagueira, para MEIRA

(1983) e ideologia do bem falar, ativação emocional, auto-imagem de falante,

representações de mundo e de si, para FRIEDMAN (1986).

Ao abordar o aspecto motor da gagueira, FRIEDMAN (1986) ressalta a

importância do trabalho de relaxamento voltado para o corpo todo e proprioceptivo com

a fala em particular. Ao desenvolver a capacidade de sentir, aprofundar e interferir com

os movimentos articulatórios e do corpo (ritmo respiratório, batimento cardíaco, tensões

Page 32: Gagueira   a teoria na prática

32

de cada segmento corporal), o indivíduo vai desfazendo a dúvida (ideologicamente

criada) sobre sua capacidade de falar sem as tensões apresentadas. A autora também

coloca a fluência como um ponto de destaque no trabalho com o aspecto motor, neste

sentido explica que: “A tarefa de recuperação da capacidade articulatória, é feita

enfatizando-se a existência de momentos fluentes, conforme todos os gagos relatam

(...)”, já que, “(...) sua consciência se ocupa apenas com a gagueira (...)” (p. 116, grifo

meu). Assim, ao revelar concretamente a capacidade de fala através dos mecanismos

que a integram (respiração, movimentação da musculatura oral e corporal, articulação

dos sons, etc) pode-se redimensionar o Nível Motor (fala gaguejada), valorizando-se a

fluência que já existe sob certas circunstâncias. Com isso, confirma-se a capacidade

de fala, e rompe-se com a idéia alienada de que não se consegue falar sem a tensão

que caracteriza a gagueira.

MEIRA (1983), por seu lado, desenvolveu sua pesquisa focalizando

primordialmente a atividade de fala com tensões, que se revelou para a autora na

gagueira formada pelo indivíduo, os invólucros (ou Gagueira Construída). Recusando

os trabalhos mecânicos feitos para reduzir o aparecimento da gagueira, ela propõe um

trabalho aprofundado com o corpo e com a fala propriamente dita, que vise ao

desenvolvimento e à ampliação do nível da consciência do indivíduo e ao equilíbrio do

tônus. Ao compor o quadro da gagueira construída, a autora procurou determinar

como a tensão se manifestava em cada gago, quais regiões do corpo eram

tensionadas por todos os sujeitos da pesquisa e que grupos musculares eram

“ativados” por cada gago individualmente. A autora, trabalhando com a fala gaguejada

em terapia, lida com as alterações de tônus que constituem a gagueira no corpo e na

fala. Os grupos musculares tensos apresentam-se alterados tanto durante a atividade

de fala quanto, na ausência dela. Foi num caminhar para além da tensão vista de modo

genérico, que MEIRA (1983) pôde chegar ao mapeamento das tensões, que

compreendido em sua profundidade, mostra diferenças com relação a cada sujeito,

Page 33: Gagueira   a teoria na prática

33

mas, por outro lado, guarda certa estabilidade quanto às áreas envolvidas (oral,

cervical, diafragmática), os invariantes.

Segundo MEIRA (1983), a Tensão Oral é evidenciada, em geral, por:

movimentos atípicos caracterizados por tremores, deslocamentos, incoordenações;

movimentos articulatórios reduzidos, dor e cansaço após algum tempo de

movimentação. A Tensão Cervical, se manifesta principalmente nas posturas tensas de

ombros e pescoço (elevação, contração, dores, movimentos atípicos), essas tensões

permanecem mesmo na ausência da fala. A respiração encontra-se alterada em todos

os indivíduos gagos, observando-se que toda a musculatura (principalmente os

músculos diafragmático, intercostais internos, transverso do tórax) envolvida na

respiração está tensionada. A Tensão Diafragmática, então, se caracteriza por:

incoordenação da inspiração, expiração e fala (exemplos: falar na inspiração, falar

bloqueando a saída do ar, falar quase sem ar). Essas tensões também permanecem

mesmo na ausência de fala.

No trabalho em terapia com a dissolução dos invólucros de tensão, MEIRA

(1983) desenvolve um caminhar com-o-gago em direção à “tomada de consciência do

seu corpo” e aos “invólucros” (gagueira). Primeiramente, o indivíduo deve voltar sua

consciência para as tensões (com sua dinâmica e mapeamento) e para as posturas

corporais, ambas durante a fala e na ausência dela. Nesse processo ele deverá

conhecer, localizar e verificar a intensidade dessas tensões no corpo e na fala;

trabalhar e modificar a “sensibilidade cutânea e mio-funcional”. E assim, ao “vivenciar”

a gagueira construída, através de diferentes situações terapêuticas, como relaxamento,

massagem, toques em regiões sensíveis do corpo, poder “liberar” essas tensões.

Como mostra a autora, em vez da atitude de “conter a gagueira, segurá-la, não deixar

que ela surja”, o indivíduo passa a “ter uma fala livre, liberta das tensões”; condição

básica que deverá ser adquirida na terapia. O sujeito aprende a “viver em propriedade

Page 34: Gagueira   a teoria na prática

34

com a gagueira” e a dissolver os invólucros, porque sabe que “na medida em que tenta

ocultar a gagueira, consegue apenas acentuá-la” (p. 133).

Vimos que as posições teóricas de MEIRA (1983) e FRIEDMAN (1986)

pertencem ao campo das Ciências Humanas e partem de visões filosóficas diferentes.

Para MEIRA (1983), a GAGUEIRA CONSTRUÍDA pode ser captada a partir da

percepção e descrição da atividade de fala expressa pelo gago. Para se compreender

o fenômeno e poder lidar com o que surge individualmente em cada gago, é preciso

deixar de lado as análises quantitativas (saber, por exemplo, quantas vezes o indivíduo

gagueja) e realizar um análise qualitativa (como é a gagueira desse indivíduo). A autora

propõe, assim, uma abordagem terapêutica que segue por dois caminhos diferentes,

um em direção ao indivíduo (ao gago), e outro, em direção à gagueira, sempre de

forma interligada e sobreposta. Para FRIEDMAN (1986), a GAGUEIRA SOFRIMENTO

pode ser compreendida a partir da análise do discurso do indivíduo que gagueja, que

revela o movimento do seu pensamento com relação à fala e à gagueira. Assim,

através de uma análise qualitativa desse discurso, de onde emergiram leis gerais

(categorias), foi possível verificar a relação entre a gagueira e o desenvolvimento da

consciência. A gagueira sofrimento é, portanto, o “produto ideológico” da história de

fala do indivíduo, e uma abordagem terapêutica que leve em conta seus determinantes

psicossociais poderá levar o indivíduo a recuperar a confiança em sua capacidade de

fala e devolvê-lo ao estado de fala fluente. FRIEDMAN (1986) propõe um trabalho com

a subjetividade (a ativação emocional, a imagem de si como falante, o social) e com a

gagueira (o nível motor (orgânico) da atividade de fala), considerando-se sempre a

estreita relação entre ambos. Um aspecto em comum a essas duas propostas

terapêuticas está no fato de que ambas consideram a fluência apenas como

conseqüência do trabalho terapêutico, sendo que o indivíduo gago deverá “vivenciar”

sua gagueira, e não, negá-la. “Dessa forma, não se trabalha na terapia o

desaparecimento da gagueira (essência) mas a dissolução dos invólucros (gagueira

Page 35: Gagueira   a teoria na prática

35

construída) e um novo comportar-se do gago diante da gagueira” (MEIRA, 1983,131).

“O paciente começa a perceber que a gagueira não é a negação da fluência, mas se

sobrepõe e coexiste com ela. Que a fluência não é uma meta a ser alcançada, porque

já existe” (FRIEDMAN, 1986,116).

É indiscutível a importância dessas duas pesquisas para uma reflexão mais

pertinente sobre a produção de fala com gagueira. Elas trazem um arcabouço teórico

elaborado na esfera da Psicologia Clínica e da Psicologia Social e sistematizado a

partir do olhar clínico terapêutico do fonoaudiólogo, para constituí-lo como teoria na

esfera da fonoaudiologia. Elas se constróem por meio da investigação das

características da gagueira, de tal forma que não são uma simples transposição direta

da Psicologia para Fonoaudiologia, mas constituem um discurso próprio, pautado sobre

a realidade do fenômeno estudado que serve como teoria para a clínica

fonoaudiológica.

Cada autora nos fornece “imagens” diferentes, mas complementares, de um

mesmo acontecimento - a produção de gagueira na fala, resultado de sua formação

teórica, experiência clínica, visão de homem e de mundo, crenças, valores, história de

vida. A obra de cada autora vem imbricada por todos esses contornos. Embora

apoiados em visões de homem e de mundo diferentes, a da Fenomenologia e a do

Materialismo dialético, é possível que sejam convergentes, justamente porque são

visões e não dogmas, sendo que uma dialoga com a outra e podem, assim, se

complementar.

O ponto de discordância está nas concepções subjetivo-idealista da

Fenomenologia (a consciência é a fonte de significado para o mundo) em

contraposição à objetivo-ativista do Materialismo dialético (a consciência se constrói na

dialética homem-mundo com seus valores e regras ideológicas). “A Fenomenologia tem

como preocupação central a descrição da realidade colocando como ponto de partida

de sua reflexão o próprio homem (...)”. Para o materialismo dialético, os “fenômenos

Page 36: Gagueira   a teoria na prática

36

materiais são processos, o homem não pode ser analisado como uma abstração e a

realidade, sendo o conjunto das relações sociais, deve ser considerada em sua

dependência recíproca, e não linear” (ARANHA & MARTINS, 1986, p. 270-325). É

assim que a tensão (fenômeno captado) é interpretada como sendo do indivíduo,

segundo os princípios da Fenomenologia, e como construção nas relações sociais,

para o Materialismo dialético.

Apesar disso, há complementaridade na visão idealista-fenomenológica da

gagueira e na sua análise por uma visão materialista dialética. Segundo MEIRA (1983),

ao trabalharmos os invólucros de tensão (Gagueira Construída), poderemos levar o

gago a ser capaz de lidar com suas tensões, dissolvendo-as. FRIEDMAN (1986)

concorda com esse ponto e mostra que o trabalho com a tensão/soltura revela um

falante capaz, que, ao não evitar a gagueira, permite a fluência e constata que gaguejar

é bom para superar a gagueira, reforçando positivamente a imagem de falante do

indivíduo. MEIRA (1983) aborda em terapia as dificuldades do gago como pessoa,

desenvolvendo sua consciência por meio da reflexão e compreensão de seus limites e

possibilidades, sua capacidade em lidar com os outros no mundo. FRIEDMAN (1986)

se coloca numa mesma perspectiva em termos desse trabalho terapêutico, destacando

a importância de se abordar os aspectos vinculados ao sujeito (emoções, auto-imagem

de falante, visão de mundo, da fala e da gagueira, etc) correlacionando-os às

determinações sociais, evitando considerá-los apenas como um reflexo interno de um

indivíduo isolado em si mesmo.

Quando se verificam semelhanças e diferenças entre pontos de vista para

acontecimentos idênticos, fica a pergunta: Onde está a “verdade”? A verdade é

sempre relativa e parcial, ela se refere a um dado momento histórico e de

conhecimento. Portanto, não se trata de adotar uma postura maniqueista e decidir com

quem (Positivismo, Fenomenologia, Materialismo dialético) está a razão. É preciso que

confrontemos nossas próprias concepções e valores enquanto terapeutas da fala, com

Page 37: Gagueira   a teoria na prática

37

as concepções e valores da obra e do autor. A partir daí, comprometidos com uma

concepção teórica e falando a mesma língua, poderemos ancorar nossa prática e

torná-la adequadamente fundamentada.

Page 38: Gagueira   a teoria na prática

38

IMPLICAÇÕES DA TEORIA NA PRÁTICA

Ao iniciarmos as considerações deste capítulo, deixaremos de lado a oposição

feita, até o momento, entre MEIRA (1983) e FRIEDMAN (1986), para situarmos nossa

discussão em torno da oposição entre as Ciências Naturais e as Ciências Humanas,

confrontando basicamente uma visão positivista da gagueira (visão mecanicista da

relação sujeito-objeto, em que o comportamento se explica pela causa-efeito) com uma

visão humanista (todo comportamento existe num contexto que deve ser interpretado;

relação sujeito-objeto é algo complexo e mutável). O contexto da pesquisa das autoras

aparecerá, na medida em que, se desenvolva a visão humanista da gagueira.

Normalmente o primeiro contato com o estudo da gagueira acontece na

graduação. Saímos da faculdade com a imagem do paciente gaguejando e nos

perguntamos: “Como é que eu vou fazer para essa pessoa parar de gaguejar?” O

paciente e a família também nos procuram com essa expectativa. Por seu lado, as

teorias nos oferecem diferentes possibilidades, que obedecem a concepções variadas

de linguagem. Por exemplo: trabalhar apenas a articulação (produção da fala em si);

trabalhar com a tensão; trabalhar com a subjetividade enquanto pulsões (psicanálise);

trabalhar com a aceitação da gagueira dentro da compreensão das condições

psicossociais de sua produção. Precisamos, então, nos decidir por um caminho.

Sabemos que o conhecimento não surge do vazio. As teorias se organizam em

torno de idéias e valores, estabelecem pontos de vista, defendem uma ideologia. É

preciso perguntar antes de mais nada: Qual será a visão de Linguagem que irei adotar?

Qual a visão de homem que irei assumir? Qual será o objetivo do trabalho terapêutico a

partir daí?

Para uma perspectiva estruturalista, a Linguagem pode ser vista como um

sistema de códigos (símbolos), tendo na fala sua expressão oral, que evoca nos

falantes da Língua a coisa significada. A adequação da Linguagem é medida pelo uso

Page 39: Gagueira   a teoria na prática

39

correto da sintaxe e da semântica, e a da fala, pela produção fonológica e articulatória

dos significantes de acordo com o padrão hegemônico.

Outra forma de entender a Linguagem é não vê-la somente na dimensão do

código, mas como produto histórico-social, construída ao longo da história da

humanidade e, ao mesmo tempo construtora do homem e dessa humanidade. Nessa

medida, é preciso entender a linguagem também em sua dimensão ideológica, e, por

isso mesmo, em sua capacidade de assujeitar os indivíduos à ideologia que veicula,

sendo, desse modo, constitutiva tanto da objetividade que nos cerca quanto da

subjetividade a nós inerente. A Linguagem é, assim, elemento mediador entre o

homem e o mundo, depositária dos significados socialmente construídos e veículo dos

sentidos. Essa visão de linguagem, independe da patologia focalizada (afasias,

gagueiras, distúrbios de leitura e escrita, etc) e abrange a todas.

Uma visão mais estruturalista da Linguagem focaliza a gagueira apenas em seu

aspecto motor. Essa visão promove um recorte da realidade e nos leva a colocar o

problema separado do indivíduo. Privilegia a aparência, o oral, a articulação. O

indivíduo que gagueja se torna uma “boca inoperante”, uma “boca” que não produz o

esperado, que não funciona de acordo com o idealizado pela estrutura da língua.

Partindo dessa perspectiva, ganham sentido as divisões da gagueira em estágios,

os levantamentos da quantidade de hesitações com relação ao tempo de produção da

fala, as comparações mecânicas de gagos com não-gagos, a medição dos tipos e da

freqüência das disfluências na fala, da tensão por meio da eletromiografia, da

capacidade respiratória, bem como os levantamentos dos condicionamentos para

determinadas palavras e outros aspectos quantitativos da fala.

Apoiados na visão estruturalista da Linguagem, voltada para o produto,

estaríamos mais seguros se pudéssemos identificar as causas da gagueira a partir de

uma tomografia computadorizada, ressonância magnética, ou mesmo num exame de

laringe. Diante da possibilidade de uma causa orgânica detectável, bastaria tratar o

Page 40: Gagueira   a teoria na prática

40

efeito causado pelo aspecto orgânico? Mesmo que isso fosse possível, não serviria

para “reconciliar” o terapeuta com o almejado “trabalho corretivo”, porque o indivíduo

que gagueja, ainda seria aquele que não pode falar direito.

Assumimos aqui que a gagueira não se resume a bloqueios, hesitações, pausas,

prolongamentos. Entendemos que o indivíduo que gagueja expressa com essa

condição somente a dimensão aparente de um problema que se materializa na

produção da fala. Subjacentes a esse modo de falar estão significações socialmente

construídas que determinaram sua biografia ou história pessoal, seu modo de ser no

plano coletivo e no pessoal. Trata-se, enfim, das relações de comunicação vividas

deixando marcas na forma de um indivíduo se comunicar.

Numa visão sócio-histórica, (LEONTIEV, 1975) a Linguagem não é meramente a

expressão de um código. É porque vivemos num mundo verbalizado que, ao aprender

a Língua, também aprendemos os valores que nela estão expressos. A Linguagem não

existe simplesmente como código que os indivíduos têm a capacidade de usar, ela é

também a expressão das relações sociais vividas, lógica e afetivamente significativas,

e está marcada pela história, valores e crenças do grupo a que esse indivíduo

pertence. Tudo isso funciona como motor daquilo que os indivíduos expressam. Nesse

sentido é que entendemos que a Linguagem vai além do código. A Linguagem é, antes,

as diferentes possibilidades de dizer as coisas, apesar do código e para além do

código. Até mesmo subvertendo esse código, por exemplo, como na “ironia” em que

posso usar a palavra “bonito” para significar “feio” e ser entendido pelo meu grupo.

Os movimentos articulatórios, por sua vez, também foram socialmente definidos.

De um conjunto de possibilidades sonoras, somente alguns conjuntos pré-definidos de

sons constituem a Língua falada por um grupo. Esses conjuntos (e seus significados)

também não se mostram estáticos, como foram “aprisionados” no dicionário, mas se

modificam no curso do processo social e pessoal. Considerar o gaguejar como

adequado ou não, patológico ou não, portanto, varia de concepção para concepção e

Page 41: Gagueira   a teoria na prática

41

de acordo com a intensidade e freqüência da manifestação, em função de se

considerarem a condições subjetivas a sua manifestação ou de apenas se ter como

parâmetro sua justaposição à visão idealizada do padrão de fala.

Ao considerarmos a Linguagem (LEONTIEV, 1975) na perspectiva da dialética

homem-sociedade, a gagueira pode despir-se de seu aspecto visível e passar a contar

a sua história. Permite-se que apareça o outro na comunicação com suas crenças e

valores, influenciando a interlocução e o processo de produção da fala, e assim desvia-

se o olhar fixo, exclusivamente voltado para o aspecto aparente da fala.

As duas dimensões da Linguagem delineadas (visão positivista e visão

humanista), determinam posições clínico-terapêuticas diferenciadas. A primeira (visão

estruturalista da linguagem) subsidia uma abordagem direta do problema em si,

geralmente visto como um defeito, como algo fora da norma, como patológico,

acarretando numa abordagem terapêutica corretivo-normatizadora e tendo o terapeuta

a ação de um “adestrador”. A segunda vê as manifestações como expressão, também

da subjetividade. Ela busca, quando necessário, os seus determinantes orgânicos, mas

não fica surda a subjetividade de quem os manifesta (como mostra MEIRA (1983) em

seu trabalho com o indivíduo gago), nem cega às determinações sócio-históricas

ligadas ao processos subjetivos (como mostra FRIEDMAN, 1986). Procura, em síntese,

apreender de forma mais abrangente o ser humano, para construir, a partir desse

enfoque, a teoria e a prática fonoaudiológicas.

Nessa perspectiva, compartilhamos das idéias de FRIEDMAN (1986) no que se

refere à GAGUEIRA SOFRIMENTO, que, longe de ser o que se mostra de imediato,

nos revela, na verdade, um indivíduo preso a uma imagem, a uma representação

estigmatizada de si como falante. Portanto, as hesitações e bloqueios não podem ser

vistos isoladamente ou apenas vinculados a um “déficit” orgânico, e explicados por si

mesmos. Antes, devem ser compreendidos na intersecção entre: as crenças e valores

do meio, a linguagem materializada na produção da fala e os conteúdos que formam a

Page 42: Gagueira   a teoria na prática

42

imagem de falante na constituição da identidade do indivíduo - ele, não pode ser

reduzido à idéia de patologia.

Uma visão positivista, fragmentada, do homem determina um posicionamento

mecanicista diante da Linguagem. Isso faz com que se pense isoladamente aspectos

biológicos, psicológicos e sociais, como se fossem uma realidade em si (na crítica de

FRIEDMAN, 1986), separando corpo e mente, homem e mundo (na crítica de MEIRA,

1983). O conhecimento, o homem, os fatos são tratados como “coisas” e

consequentemente não estabelecem uma rede de significações. O indivíduo gago não

tem a possibilidade de ser algo diferente daquilo que ele expressa na fala (a gagueira)

e a gagueira, por sua vez, se explica unicamente por uma relação de causa e efeito.

O comprometimento com uma visão não fragmentada de homem nos remete a

uma visão (humanista), apontada por FRIEDMAN (1986) no ser bio-psico-social e por

MEIRA (1983) no ser humano enquanto ser-no-mundo. Assim a história não é um

acúmulo de fatos, mas um processo que tem relevância para a compreensão do

sujeito. A realidade não é vista como estática, mas dinâmica. O homem é visto como

produto e produtor da história da humanidade e da sua, em particular (LEONTIEV,

1975).

O indivíduo forma sua consciência por meio das significações que objetos,

fenômenos e relações interpessoais possuem em meio à realidade que o cerca. A

Linguagem é uma das formas (e por certo a mais importante) com a qual o indivíduo

apreende esse mundo. Quando utiliza a Linguagem para se comunicar, ele não só

adquiriu a forma de comunicação do seu grupo como também os valores aí veiculados,

formando sua consciência, sua subjetividade. Essa relação entre o coletivo e o

individual tem por base a mediação feita pela linguagem, pelo outro.

Dentro da visão humanista, podemos concluir que a gagueira construída na

pesquisa de MEIRA (1983), é entendida enquanto a revelação concreta da atividade de

fala gaguejada, que supera o conceito vago de tensão e passa a compor-se de

Page 43: Gagueira   a teoria na prática

43

invólucros, grupos musculares com tônus em desequilíbrio. A autora diferencia o

conceito de GAGUEIRA CONSTRUÍDA da GAGUEIRA ESSÊNCIA. Para MEIRA

(1983), o estar gago refere-se à gagueira que o indivíduo gago construiu no corpo (os

invólucros de tensão) que serão dissolvidos na terapia. O ser gago refere-se à

gagueira essência, que é uma condição inerente ao indivíduo, da qual ele não pode

escapar, ou seja, o sujeito é gago mesmo tornando-se fluente, após o tratamento. Por

sua vez, a GAGUEIRA SOFRIMENTO, na pesquisa de FRIEDMAN (1986), só pode ser

efetivamente compreendida a partir da história de fala do sujeito, em sua especificidade

orgânica, psicológica e social. Diferentemente do que forneceria uma visão

fragmentada do homem e mecanicista, da Linguagem que previamente estipula uma

“falha” orgânica para a fala desviante, entende-se que o indivíduo não é gago, mas

está gago. Já que, ao vivienciar um tipo determinado de mediação (a das

comunicações paradoxais sobre seu padrão de fala: fale - mas não fale do modo

espontâneo como você fala) identificada nas relações interpessoais e afetivas, o

indivíduo vai incorporando - colocando no corpo - a crença de que vai falhar durante

a fala e, assim, aos movimentos automáticos da fala se somam tensões (esforço). A

autora opõe o conceito de GAGUEIRA SOFRIMENTO à GAGUEIRA NATURAL, sendo

esta última a possibilidade tanto do sujeito gago (após tratamento) como a do não-

gago.

O caminho a seguir no trabalho terapêutico dependerá das concepções de

linguagem e homem vinculadas à teoria assumida. Faremos aqui um parêntese para

ressaltar que as duas teorias analisadas, MEIRA (1983) e FRIEDMAN (1986), podem

ser, em certos aspectos, compatilizadas, embora filosoficamente se filiem a

concepções de homem e de mundo diferentes.

Independentemente de MEIRA (1983) não defender uma causa para o fenômeno

gagueira e FRIEDMAN (1986) estabelecer parâmetros que explicam a gênese da

Page 44: Gagueira   a teoria na prática

44

gagueira (sofrimento), ambas propõem um trabalho terapêutico coerente com uma

visão não estruturalista de Linguagem e, em muitos aspectos, convergente. Assim,

dando-nos o direito de deixar de lado as diferenças de concepção de homem

subjacentes a essas duas teorias da gagueira, trabalhamos com seus produtos.

Enfatizando que as duas pesquisas apresentadas são resultado da prática clínica das

autoras (e não apenas uma discussão puramente teórica) e que, portanto, o produto de

uma das pesquisas circunscrita a um modelo subjetivo-idealista que prioriza o sujeito

que conhece e seus produtos mentais (Fenomenologia) e o da outra, baseada no

modelo objetivo-ativista que prioriza o papel ativo do sujeito e sua determinação social

(Materialismo dialético), não necessariamente precisam se opor, mas podem se unir,

ampliando, assim, os dois enfoques.

Como dissemos, as teorias organicistas, que entendem a gagueira como um

defeito da fala (visão estruturalista da linguagem) e lhe atribuem uma causa isolada

(psicológica, orgânica, comportamental), estabelecem um plano terapêutico voltado

para a superação da forma desviante de fala.

O paciente é assim colocado à margem de seu processo de desenvolvimento

da fala, pelo outro – o fonoaudiólogo – interlocutor socialmente identificado como a

autoridade na situação terapêutica. Perde o paciente, perde o terapêuta. Vítimas do

mesmo pré-conceito: a fala gaguejada não deve ter seu espaço, deve ser transformada

em exercícios motores, respiratórios, corporais, de entonação, de leitura. A técnica se

justifica na busca pela cura.

Se adotarmos como premissa a idéia de que a Linguagem é construção mútua

entre indivíduo e sociedade (LEONTIEV, 1975), a gagueira adquire um outro sentido.

Com MEIRA (1983, 1990, 1998), por um lado, temos a compreensão da dinâmica das

tensões (invólucros) da atividade de fala, e por outro, a compreensão dos estados de

mente do gago, levando, assim, o indivíduo à superação da dicotomia sujeito/objeto, ao

desenvolvimento da consciência e ao lidar com propriedade com seus modos-de-ser.

Page 45: Gagueira   a teoria na prática

45

Com FRIEDMAN (1986, 1993, 1996), abre-se a perspectiva de uma compreensão da

subjetividade do indivíduo com relação a sua atividade de fala (a gagueira), na qual

condições afetivas, lingüísticas, interacionais, motoras, sociais e históricas se articulam

de forma específica e não aleatória, levando o sujeito a desenvolver uma auto-imagem

de mau falante que interfere com a fala por meio de tensões, temos assim a

possibilidade de romper a visão estigmatizada da gagueira bem como o impacto que

esta representa na vida dos indivíduos.

Em nossa visão o caminho da terapia, numa abordagem psicossocial da gagueira,

é o caminho da partilha, da comunicação, do resgate de uma auto-imagem de falante

apoiada na efetiva capacidade de fala. Não se troca uma fala “com defeito” por outra

em “boas condições”.

O falante que gagueja aprenderá que duas palavras fazem a grande diferença.

Não é falar ou gaguejar, mas falar e gaguejar. Reconhecer a fala em sua unicidade

fala-gagueira e poder ouvir a si mesmo com e sem gagueira, sem estar confinado

apenas ao formato da expressão. Aceitar a gagueira para poder sair dela, como afirma

FRIEDMAN (1986), ou “habitar sua gagueira”, nas palavras de MEIRA (1983).

Ao dar seqüência às considerações até aqui expostas, pareceu-nos importante

salientar que existe, por um lado, uma evidente demanda de casos de gagueira na

clínica fonoaudiológica e, por outro, uma necessidade dos profissionais em delinear um

caminho para o atendimento de indivíduos gagos. Pensando nessa realidade é que

procuramos assumir uma postura pró-ativa diante dessas condições, a despeito da

celeuma em torno das causas e resultados do trabalho com a gagueira. Para tanto,

propusemos como ponto de partida comparar a visão positivista, no campo da Ciências

Naturais com a visão psicossocial de FRIEDMAN (1986), no campo das Ciências

Humanas, para, desta forma, poder buscar subsídios que possam orientar a prática e

as escolhas profissionais. Ao contrapor posições filosóficas bastante diferenciadas,

focalizamos dois aspectos já polarizados na abordagem do tema: a gagueira e a

Page 46: Gagueira   a teoria na prática

46

fluência.

Nossa opção pela comparação entre as concepções positivista e psicossocial (ao

invés de opormos também a visão fenomenológica à visão positivista) se deve ao fato

de que, na visão psicossocial, a fluência pode ser redimensionada no contexto da

gagueira. O indivíduo gago sabe que tem fluência, mas esse saber não é suficiente

para mudar seu posicionamento diante da fala gaguejada. Ele busca tratamento porque

deseja uma mudança no seu padrão de fala, acreditando que, para obter a fala fluente

(idealizada), é necessário não gaguejar. Quando se afirma a importância de se partir da

fluência, não é no sentido simplista de indicar ao falante com gagueira que ele perceba

sua fluência (porque isso ele já o faz), mas sim, no de dar à fluência um sentido real,

concreto fazendo com que ela passe a ser um “catalisador” para as mudanças

qualificativas que se procurará obter com relação à fala, à vivência concreta da

gagueira e às implicações desta na subjetividade. A fluência como revelação da

capacidade de fala do Sujeito deverá ser retomada no trabalho com a gagueira.

Portanto, sem perder de vista que nosso alvo é uma ação terapêutica coerente

com nossa visão de Homem e Linguagem, delineamos na sequência, de forma

sintética, um esquema teórico e prático (esquemas 1 e 2) com relação à abordagem

terapêutica da gagueira, no qual explicitamos dois pontos de partida. O que se

pretendeu com esse esquema foi tornar mais elucidativa a idéia de “ponto de partida” e

também a forma como que uma dada visão teórica poderá determinar a prática. Mais

uma vez, reafirmamos a idéia de que, na ciência, não há uma verdade única e

acabada, e enfatizamos que não buscamos estabelecer a superioridade de uma

posição teórica sobre outra.

Confrontamos basicamente uma visão positivista que contempla a fala com

gagueira como um desvio (erro) que deverá ser corrigo (ponto de partida - Gagueira) a

uma outra, a visão psicossocial, que vê na gagueira uma das possibilidades (dentre

outras) da fala (ponto de partida - Fluência).

Page 47: Gagueira   a teoria na prática

47

A visão positivista tende a colocar o foco da terapia na gagueira, na fluência ou em

ambas, sempre vendo o indivíduo como o portador de um defeito na fala. A idéia de ponto de

partida, aqui explicitada, sugere um meio de reflexão para o profissional diante da teoria e

da prática.

Page 48: Gagueira   a teoria na prática

48

ESQUEMA 1

TEORIA

PONTO DE PARTIDA

u

GAGUEIRA

u

Enfatiza o aspecto motor da fala, agagueira é negada (proibida)

u

Indivíduo gago é portador de umdefeito

u

Fala desviante deverá ser aproximadado normal

u

Percurso terapêutico centra-se naqueixa

PONTO DE PARTIDA

u

FLUÊNCIA

u

Enfatiza o Indivíduo com sua fluência,a gagueira é permitida

u

Indivíduo gago não é portador de umdefeito

u

Fala fluente não deverá ser objeto deconquista

u

Pecurso terapêutico centra-se nacrítica à concepção do indivíduo

quanto a sua própria fala e ênfase emsua efetiva capacidade de fala.

Page 49: Gagueira   a teoria na prática

49

ESQUEMA 2

PRÁTICA

PONTO DE PARTIDA

u

GAGUEIRA

PONTO DE PARTIDA

u

FLUÊNCIA

ANAMNESE = levantamento de dadossobre: gestação, desenvolvimento,antecedentes familiares, etc.

AVALIAÇÃO = QUANTITATIVA(tipo e freqüência)

DESCRITIVA(bloqueios, hesitações

prolongamentos, etc)

uTERAPIA = O indivíduo deve parar de

gaguejar e se tornar fluentecom a ajuda do terapeuta.

uALTA = Quando o indivíduo parar de

gaguejar ou quandoconseguir um “bom”controle da gagueira.

“ANAMNESE / AVALIAÇÃO” =Reconstrução da história de fala,seus determinantes sócio-históricos eas interrelações que se estabelecempara a visão falante.

uTERAPIA = Trabalhar o motor, osconteúdos sociais, emocionais daidentidade de falante de formacorrelacionada. O indivíduo devecompreender que a fala fluente secompõe de momentos de tensão efluência, deve sentir sua fluência esua tensão = gagueira, para voltar ater confiança na efetiva capacidadede fala.

uALTA = Não se define a priori, maspelas mudanças conseguidas peloindivíduo com relação à imagem defalante, ele mesmo a sugere.

Page 50: Gagueira   a teoria na prática

50

Retomando: No modelo positivista, temos a predominância na relação sujeito-

objeto voltada para o objeto (ação mecânica do objeto sobre o sujeito). No modelo

fenomenológico, a “atenção está centrada sobre o sujeito a quem se atribui mesmo o

papel de criador da realidade” (SCHAFF, 1986, 74). No modelo materialista dialético, é

o princípio da interação, e não da preponderância, que se instaura na relação sujeito-

objeto. Como nos mostra SCHAFF (1986): “Contrariamente ao modelo mecanista do

conhecimento para o qual o sujeito é um instrumento que registra passivamente o

objeto, é atribuído aqui um papel ativo ao sujeito submetido por outro lado a diversos

condicionamentos, em particular às determinações sociais, que introduzem no

conhecimento uma visão da realidade socialmente transmitida” (p. 75).

Se a diferença entre MEIRA (1983) e FRIEDMAN (1986) se encontra no modelo

escolhido (o que implica certamente em visões de sujeito diferentes), poderíamos,

como forma de encarar essa “divergência”, propor um “diálogo” entre as duas

pesquisas no que se refere aos seus produtos, e assim, ao trabalho, terapêutico

proposto por MEIRA (1983), com a consciência corporal, os invólucros de tensão

(gagueira construída) e o sujeito gago, somar o de FRIEDMAN (1986) também com

relação à consciência corporal, da gagueira, da fala ligada à subjetividade e aos seus

determinantes psicossociais. Ambas permanecem, então, com suas particularidades e

concepções que, olhadas de uma perspectiva histórica, conferem sentido e valor ao

estudo da gagueira no campo fonoaudiológico.

Page 51: Gagueira   a teoria na prática

51

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Comparar duas teorias sobre gagueira e verificar semelhanças e diferenças

possibilitou-nos abrir um diálogo entre as duas concepções e repensar a prática clínica

com a gagueira. Serviu-nos de reflexão para poder argumentar no sentido de que é

necessário que o terapeuta determine um ponto de partida para esse trabalho: a

gagueira (manifestação externa) ou a fluência (o indivíduo com sua atividade de fala e

subjetividade). O que nos levou a centrar nossa exposição na importância de se

estabelecer um ponto de partida foi a necessidade de estabelecer uma fronteira

clara entre diferentes tipos de práticas e seus correspondentes subsídios teóricos.

No que diz respeito ao debate em torno da gagueira, fundamental para o exame

concreto de um problema humano tão desafiador, não nos parece exagerado

considerar que as pesquisas a respeito de aspectos orgânicos (neurofisiológicas,

genéticas, etc) da gagueira não deveriam estar atreladas apenas ao discurso da

medicina positivista, marcada por uma valorização do objeto (empirismo) em

detrimento do sujeito (subjetividade), como se “doença” e “doente” fossem elementos

desvinculados. Entendemos, antes, que é necessária uma reflexão dentro da área

fonoaudiológica, em que o objeto da pesquisa não fique sujeito a um recorte

reducionista, a uma limitação ao aspecto anatômico, ou a uma explicação

neurofisiológica desconectada de uma perspectiva de Linguagem. É necessário que se

possa ter conhecimentos qualitativos (e não apenas quantitativos) da produção da fala

com gagueira e esses conhecimentos envolvem necessariamente o estudo da

subjetividade (como vimos em FRIEDMAN, 1986) e sua interferência na dinâmica e

mapeamento das tensões (como vimos em MEIRA, 1983).

Se é importante determinar que tipo de dado orgânico está ligado à disfluência, é

igualmente importante desenvolver uma discussão que vem a “posteriori”, pautada nos

Page 52: Gagueira   a teoria na prática

52

indivíduos já “prontos” com sua “carga constitucional”, para compreender como a

“constituição orgânica somada à subjetividade do indivíduo foi se reelaborando em

função das relações que se estabelecem com o meio social (LEONTIEV, 1975). Será

possível concluir que a produção de fala disfluente está ligada a um determinado dado

orgânico; mas disfluência não é o mesmo que GAGUEIRA CONSTRUÍDA (MEIRA,

1983) ou GAGUEIRA SOFRIMENTO (FRIEDMAN, 1986). Podemos argumentar que

MEIRA (1993) reforça essa visão, quando mostra que “o que se observou foi que o

fenômeno gagueira está envolvido por fortes camadas de tensão (invólucros)

colocadas pelo gago no decorrer de sua história com a gagueira, vista por ele como um

fato” (p. 113, grifo meu). FRIEDMAN (1986) também adota essa visão, ao mostrar que

a gagueira sofrimento tem sua gênese na intersecção entre o desenvolvimento

orgânico e o desenvolvimento psicológico no meio social. O que a autora destaca é

efeito gerado sobre o organismo (lugar em que as pesquisas tentam identificar a

gagueira), ao ser submetido a certas dinâmicas psicossociais, com relação à produção

da fala de um indivíduo.

Portanto, os conceitos de GAGUEIRA CONSTRUÍDA (MEIRA, 1983) e de

GAGUEIRA SOFRIMENTO (FRIEDMAN, 1986) não negam a existência de fatores

orgânicos ligados à disfluência, ao mesmo tempo em que permitem a suas autoras

manter suas premissas teóricas básicas. Ao assumirmos as idéias defendidas por

LEONTIEV (1975), acreditamos que não apenas a GAGUEIRA SOFRIMENTO

(FRIEDMAN, 1986), mas também a GAGUEIRA CONSTRUÍDA (MEIRA, 1983) são

produtos de determinantes psicossociais atuando sobre a subjetividade do indivíduo

que se refletem no organismo (fala). FRIEDMAN (1993) defende a tese de que tal fator

orgânico, em princípio, só pode ser entendido como o que ela designa como

GAGUEIRA NATURAL, comum a todos os falantes em maior ou menor grau.

É justamente em relação ao ponto de vista sobre a fala que é preciso somar a

compreensão do desenvolvimento sócio-histórico, para não qualificar, de antemão, a

Page 53: Gagueira   a teoria na prática

53

fala normal como patológica. As pesquisas que seguem uma linha estritamente

organicista deveriam resgatar uma visão não estruturalista de Linguagem e de

Homem, para desenvolver uma visão de fala compatível com o fazer fonoaudiológico. A

concepção médica da fala (anatomia e fisiologia) é importante para a clínica

fonoaudiológica, mas não é sua tutora. A clínica fonoaudiológica não pode pautar-se

somente na visão orgânica do falar. Mais do que localizar, classificar ou quantificar a

gagueira, é preciso interpretá-la à luz da subjetividade e em sua dialética com a

sociedade, para dar-lhe um sentido. Em outras palavras: “(...) qualquer estado do

organismo, se for uma adaptação a circunstâncias impostas, acaba sendo, no fundo,

normal, enquanto for compatível com a vida (...) O homem, mesmo sob o aspecto

físico, não se limita a seu organismo (...). É, portanto, além do corpo que é preciso

olhar, para julgar o que é normal ou patológico para esse mesmo corpo”

(CANGUILHEM, 1995, 162).

Em contraposição a esse cenário de discussões sobre a etiologia da gagueira,

está a necessidade de abrirmos perspectivas para uma ação terapêutica (método

clínico) coerente com concepções de Linguagem e princípios teóricos articulados no e

para o campo fonoaudiológico. Dessa forma, pareceu-nos importante comparar duas

formas de reflexão muito diferenciadas - uma em direção à gagueira (defeito, desvio)e

outra à fluência (possibilidade concreta de fala, em que a gagueira é permitida) - e

buscarmos respaldo naquela teoria que possa dar sustentabilidade a nossa opção.

Quando o enfoque, na visão positivista, for a manifestação externa (gagueira)

teremos muitas teorias dando suporte. Algumas apresentam explicações que vão em

direção ao inconsciente; outras às funções cerebrais superiores, à retroalimentação

auditiva, ou mesmo à multicausalidade. Ao pensar a fala priorizando a gagueira,

pretende-se ajudar o indivíduo que sofre com esse problema a atingir um nível mais

estável da fala, com um maior controle da gagueira, para que assim ele possa falar

com mais fluência. Quando partimos do indivíduo fluente teremos, por exemplo, a

Page 54: Gagueira   a teoria na prática

54

abordagem psicossocial defendida por FRIEDMAN (1986, 1993) como um ponto de

apoio para a idéia de competência de fala, focalizando a fluência enquanto uma

realidade concreta na vida passada e presente do falante. A gagueira não é vista em

oposição à fala fluente, mas como um momento tenso dentro dela. Sendo assim, a

meta de obtenção da fala fluente deixa de ser o objeto da intervenção terapêutica e

passa a ser consequência dela. Já encontrávamos também na abordagem

fenomenológica (MEIRA, 1983) da gagueira, um ponto de apoio à essa idéia de

gagueira permitida. O indivíduo gago deverá tomar consciência das suas tensões, das

características da sua fala que superam a aparência das manifestações (bloqueios,

repetições, etc.) comumente identificadas como sendo a gagueira pela visão positivista.

Assim, o trabalho terapêutico se volta para o lidar com as camadas de tensões da

gagueira, em vez de negá-la, proibi-la.

O conhecimento científico na Fonoaudiologia, assim como em qualquer área do

saber está submetido às realidades do objeto a ser pesquisado, do pesquisador e das

condições culturais, sociais e históricas em que é produzido. Portanto, se as teorias

colocam a gagueira sob diversos enfoques, cabe ao fonoaudiólogo formular suas

próprias indagações e verificar a teoria que mais reflete o seu modo de pensar o

indivíduo, o mundo, a linguagem e, por fim, o problema da gagueira. É necessário

tomar cuidado para que a prática não se transforme em uma “colcha de retalhos”, onde

diversas teorias são retiradas do seu contexto e costuradas sem consistência. É no

sentido de levar o fonoaudiólogo a questionar-se que MEIRA (1983) afirma: “A partir

daí, isto é, do situar-se diante da bibliografia, os profissionais optam por uma das linhas

de trabalho propostas, sem deixar espaço para sua própria reflexão a respeito daquilo

com que estão lidando em terapia (...), isto é, a respeito da gagueira” (p. 88). Agir

assim é um engano, e os enganos nos levam a cometer erros. Quando “aplicamos”

para cada paciente uma teoria diferente, cometemos um “homicídio” teórico-prático. O

que podemos considerar válido é, antes, o processo de interpelar (PALLADINO, 1996)

Page 55: Gagueira   a teoria na prática

55

áreas de conhecimento que possam responder e aprofundar as questões que nos

coloca o trabalho clínico terapêutico, no sentido de nortear e construir o caminho da

clínica fonoaudiólogica, sem introduzir-mos idéias (e suas consequentes práticas)

incompatíveis com a linha do pensamento teórico que seguimos.

Ao nos deparar com as questões que o trabalho clínico nos impõe, devemos nos

perguntar primeiramente sobre a natureza da nossa dúvida. Assim, as dúvidas podem

ser relativas a aspectos orgânicos, psicológicos, lingüísticos ou sociais, relacionados ao

problema que é objeto de tratamento. As dúvidas podem também ser relativas a como

estabelecer a alta, ou relativas à “recidivas”, entre outras. Em todos os casos, os

critérios para essa definição começarão a ser respondidos no ponto de partida, de

acordo com os princípios teóricos e práticos adotados, ou seja, entre outros aspectos,

estará em pauta o que o terapeuta priorizou com relação ao paciente, a correção ou a

construção da fala.

Assumir a competência de fala, ou seja, redimensionar no contexto da fala

gaguejada, a fluência já presente na fala do indivíduo, que não é valorizada por ele

porque “sua consciência se ocupa apenas da gagueira” (como mostra FRIEDMAN,

1986), nos parece o panorama adequado para se construir um processo terapêutico

com o indivíduo que apresenta gagueira. Ao não deixar de ver a capacidade de fala

efetiva do falante, o fonoaudiólogo rompe com a visão estigmatizada que se tem da

gagueira. Devemos desenvolver uma visão crítica da sociedade em que terapeuta e

paciente se inserem, para não sermos envolvidos pelos saberes de senso comum que

formam a ideologia dominante, para os quais “falar certo é falar sem gaguejar” e “o

fonoaudiólogo é visto como aquele que corrige mecanicamente problemas de fala”.

A transformação no trabalho com a gagueira acontece quando o terapeuta

concebe o outro (o paciente) como o representante de uma fala que não é inferior à

sua, vendo os estados da mente, somados às emoções e às posturas corporais tensas,

como condições que acabam por encobrir uma capacidade de fala íntegra,

Page 56: Gagueira   a teoria na prática

56

subvertendo, assim, o falar espontâneo em momentos de manifestação de tensão

(força). Paciente e terapeuta não são dois tipos de falantes opostos, e aí se encontra

um desafio: ambos deverão redescobrir juntos um novo processo comunicativo,

caracterizado pela aceitação e tolerância dos padrões já estabelecidos e pela

desestigmatização dos momentos de gagueira.

Nessa construção de uma relação terapêutica em que o falante não é apenas

visto como uma gagueira que se mostra, o fonoaudiólogo deve ser ouvinte do seu

próprio discurso e de seu padrão de fala. Deve, além disso, colocar o conteúdo de seu

discurso, não em confronto com as concepções que o paciente já traz, mas “ao lado”

destas, compartilhando maneiras de olhar, falar, pensar, agir. “Lembremos que estar

em relação significa religar-se a uma pessoa, lugar, acontecimento e, ao mesmo

tempo, religar-se a si mesmo no sentido de uma unidade maior, de uma coerência

interna” (SALOMÉ, 1994, 27).

Entendemos que essa forma de compreensão bio-psico-social do sujeito não é

exclusiva ao estudo da gagueira, mas que ela se estende para o campo

fonoaudiológico como um todo. Nesse sentido, CUNHA (1997) afirma: “Parece-me

fundamental assumirmos que nosso objeto não é a doença (...). Disto decorre que os

diagnósticos não devem resultar em mera nomeação de doenças e que os processos

terapêuticos não devem buscar exclusivamente a remoção de sintomas observáveis”

(p. 11). Essa é uma importante mudança do olhar e do lugar do terapeuta na atividade

clínica, embora muitas vezes o “cenário positivista” ainda permaneça montado e o

fonoaudiólogo repita seu velho “script”.

Durante nosso percurso, revendo a teoria e a prática com a gagueira, reforçamos

a importância de se manter uma coerência entre o pensar e o fazer, a importância de

manter um olhar conscientemente direcionado para o ponto de partida escolhido em

nossa atuação (já que diferentes formas de ver o mundo levam a diferentes modos de

agir sobre ele), reafirmando nosso vínculo com o indivíduo, e não com a patologia.

Page 57: Gagueira   a teoria na prática

57

Antes de explicitarmos os pontos fundamentais da terapia com a gagueira, em

que o ponto de partida é a fluência, é preciso esclarecer de que gagueira estamos

falando. Para o senso comum, a gagueira está vinculada a uma dificuldade

caracterizada por um impedimento do ato motor da fala. A essa concepção se associa

uma visão preconceituosa do gaguejar, que provoca um impacto negativo sobre quem

fala. Para superar o senso comum e chegar a uma visão que passa por um

aprofundamento científico, o fonoaudiólogo deverá fazer uso de uma terminologia

adequada ao pensar e ao referir-se à gagueira.

Não é por acaso que, na pesquisa de MEIRA (1983), a palavra gagueira vem

acompanhada por outra que lhe integra o sentido e, na de FRIEDMAN (1986), ela vem

adjetivada. MEIRA (1983) diferencia a GAGUEIRA ESSÊNCIA/PURA da GAGUEIRA

CONSTRUÍDA, FRIEDMAN (1986) opõe o uso da expressão GAGUEIRA NATURAL à

expressão GAGUEIRA SOFRIMENTO. Esses cuidados terminológicos incorporam à

palavra gagueira um universo conceitual científico, e portanto diferenciando do senso

comum, que leva em conta o contexto de produção da fala. Em termos do

conhecimento científico, a DISFLUÊNCIA ou GAGUEIRA NATURAL deve ser

entendida como diferenciada da GAGUEIRA SOFRIMENTO. Na primeira, temos um

fato normal, natural à fala de qualquer indivíduo, seja ele criança ou adulto, sendo que

a DISFLUÊNCIA ocorre por fatores ligados à motricidade oral, à elaboração do

pensamento, à incipiência ou falta de abrangência no vocabulário disponível para se

expressar, bem como ao “contexto” emocional de quem fala em relação a quem ouve,

entre outras variáveis possíveis. Sendo assim, a GAGUEIRA NATURAL ou

DISFLUÊNCIA é um momento integrante da fala de qualquer pessoa e não está ligada

a perturbações patológicas de ordem física ou psíquica, mas sim às condições em que

se dá a fala espontânea dos indivíduos, que é antes de tudo um ato social, porque

falamos com o objetivo de comunicar-nos com os outros, e não de perfeição na

motricidade oral.

Page 58: Gagueira   a teoria na prática

58

Com relação à demarcação entre o que é GAGUEIRA (SOFRIMENTO) e o que é

DISFLUÊNCIA, a caracterização do quadro não será dada simplesmente pela idade

cronológica (não é a partir de uma idade “x” que gaguejar “vira” patológico) ou pela

descrição quantitativa das hesitações, repetições de sons ou bloqueios, ambos

aspectos frequentemente encontrados na literatura especializada, que não passam de

juízos de valor. Não se pode estabelecer um diagnóstico diferencial (disfluência x

gagueira) a partir da mensuração do dado aparente da fala (exemplo: repetir sons mais

de duas vezes, gaguejar em mais de 10% da fala). O quadro de GAGUEIRA

SOFRIMENTO exige a compreensão, de um lado, dos valores, crenças e expectativas

da família sobre a fala da criança e de como lida com as situações de fala gaguejada, e

de outro, da articulação disso com a subjetividade do falante: pensamentos,

sentimentos, bem como das correspondentes manifestações corporais. É importante

pesquisar como a criança se vê, como ela reage a sua gagueira e aos outros, como

lida com as situações de fala e de fala gaguejada. O diagnóstico diferencial entre

DISFLUÊNCIA (GAGUEIRA NATURAL) e GAGUEIRA (SOFRIMENTO) não está

meramente no padrão de fala, mas na subjetividade do falante face às circunstâncias

em que a fala se construiu. É preciso identificar se está existindo a possibilidade de

uma DISFLUÊNCIA vir a tornar-se uma GAGUEIRA SOFRIMENTO ou se esta já se

instalou, e isso só pode ser feito, a partir de uma dialética entre a subjetividade e o

conjunto das condições de fala experenciadas pelo indivíduo.

Da mesma forma que a GAGUEIRA SOFRIMENTO (FRIEDMAN, 1986) deve ser

entendida como diferenciada da GAGUEIRA NATURAL (ou DISFLUÊNCIA), a

GAGUEIRA CONSTRUÍDA (MEIRA, 1983), formada pelo indivíduo gago, tem um

significado diferente da GAGUEIRA ESSÊNCIA (pura) que, por sua vez, não equivale à

DISFLUÊNCIA. Assim, ao analisar a atividade de fala gaguejada através do falante

gago, MEIRA (1983) elaborou o conceito de GAGUEIRA CONSTRUÍDA (invólucros de

tensão). Ao trabalhar com os invólucros da gagueira-fenômeno, dissolvendo-os,

Page 59: Gagueira   a teoria na prática

59

atinge-se a essência da gagueira (ou GAGUEIRA ESSÊNCIA, PURA). Após o trabalho

terapêutico, mesmo que o indivíduo gago apresente fluência na fala, segundo a autora,

ele continua sendo gago, porque a GAGUEIRA ESSÊNCIA (PURA) está presente

como possibilidade do Ser-no-mundo. Nesse contexto, o termo DISFLUÊNCIA refere-

se aos falantes em geral, que não desenvolveram a GAGUEIRA CONSTRUÍDA.

Tomando como referência a compreensão psicossocial da gagueira, que

demanda do fonoaudiólogo esforços para a sua prevenção (e tratamento), vemos que a

intervenção fonoaudiológica nos casos de DISFLUÊNCIA (GAGUEIRA NATURAL)

deve ser desenvolvida no sentido de conduzir a família (ou escola) a uma clara

compreensão dos fatores que condicionam a fala espontânea (que comporta também a

DISFLUÊNCIA), bem como os que condicionam a fala com GAGUEIRA

(SOFRIMENTO). A conduta médica normal ou usual, de solicitar aos pais que

aguardem para ver se a DISFLUÊNCIA se resolve ou se transforma em GAGUEIRA

(SOFRIMENTO) vê a gagueira como coisa e ignora que ela vai sendo construída ao

longo das relações que não aceitam o padrão disfluente. É preciso evoluir nas

possibilidades de intervenção, assumindo que no caso da gagueira, seja ela NATURAL

(disfluência) ou SOFRIMENTO, é preciso sempre agir, e não esperar. É necessário dar

uma ajuda específica, aproveitando o contexto em que a fala e as relações sociais

ocorrem. Em vez de aconselhar os pais a esperar, é preciso trabalhar seus conceitos,

ou antes, seus preconceitos sobre a fala, de forma a poderem compreender a estreita

relação entre produção de fala, contexto emocional, contexto linguístico e gagueira

natural ou disfluência.

Uma consideração importante a ser feita com relação ao diagnóstico de gagueira

é a de que este não pode deixar de lado os conteúdos implícitos e explícitos envolvidos

no processo de construção do indivíduo considerado gago. Crianças que apresentam

atraso no desenvolvimento da linguagem ou dificuldades na organização dos sons da

fala (distúrbio articulatório) podem manifestar um aumento da DISFLUÊNCIA

Page 60: Gagueira   a teoria na prática

60

(GAGUEIRA NATURAL) e, dependendo da forma como a família lida com essa

condição, pode desencadear-se um quadro de GAGUEIRA SOFRIMENTO. Da mesma

forma, crianças que desenvolveram grande habilidade lingüística, falando cedo e

“corretamente”, podem ter suas disfluências, que na realidade são inerentes ao

processo de elaboração do pensamento em palavras, compreendidas como algo

incompatível com seu desempenho lingüístico, como algo que não deveria ocorrer o

que, mais uma vez, dependendo das circunstâncias que cercam o indivíduo, pode

desencadear a GAGUEIRA SOFRIMENTO. O velho mito que afirma o aparecimento da

gagueira após uma situação de forte stress é míope ao fato de que as emoções podem

alterar a fala e gerar disfluência em maior ou menor grau, como também MEIRA(1983)

já havia mostrado. Isso, conforme a reação dos outros à gagueira, poderá transformar

esse evento de GAGUEIRA NATURAL em SOFRIMENTO.

Defendemos, assim, que são as determinações sociais específicas, agindo sobre

o organismo e o psiquismo, que influenciam e modificam a imagem de falante de um

indivíduo, determinando que ele passe a se ver como mau falante e a acreditar na sua

incapacidade de falar, o que, por sua vez, gera-lhe grande tensão ao falar. As

situações acima descritas ajudam a pensar que a produção da fala não pode ser

compreendida a partir de rotulações “a priori”, préconcebidas, mas que é preciso antes

considerar que o que difere uma DISFLUÊNCIA (GAGUEIRA NATURAL) de uma

GAGUEIRA (SOFRIMENTO) é o estado subjetivo do falante.

A ação clínica terapêutica, somando-se às propostas de MEIRA (1983) e

FRIEDMAN (1986) naquilo que o “diálogo” entre ambas permite, apóia-se em aspectos

mentais, emocionais e corporais, relativos à produção de fala e à GAGUEIRA (

CONSTRUÍDA e SOFRIMENTO). Entendemos que esses aspectos são os tripé de

apoio para a estruturação do trabalho com o paciente que manifesta gagueira. O

aspecto mental refere-se à imagem de si, aos valores e crenças sobre a gagueira, as

atribuições de sentido dados às situações de fala vividas. O aspecto emocional refere-

Page 61: Gagueira   a teoria na prática

61

se aos sentimentos e sensações que acompanham a visão que o indivíduo tem de sua

fala. O aspecto corporal refere-se à vivência concreta do ato motor da fala, às tensões

que se instauraram e automatizaram no corpo. Todos esses aspectos fazem parte da

matéria prima a ser trabalhada com o paciente na terapia, e implicam num movimento

que os relacionam e os integram na totalidade da fala, com e sem gagueira, para

trabalhar o sujeito dentro de uma nova perspectiva, quer dizer, uma perspectiva

diferente daquela que ele originalmente traz, de compreensão da construção da fala.

Como vimos, ao trilhar um caminho em direção ao tratamento fonoaudiológico

da gagueira, deveremos buscar uma teoria que se assente em visões de linguagem e

de homem compatíveis com o pensar do terapeuta. Quando ajustamos o nosso foco,

seja sobre a manifestação externa seja sobre o indivíduo fluente (estabelecendo assim

um ponto de partida), devemos igualmente nos voltar para uma dada teoria, compatível

com a visão adotada. Precisamos fazer sempre uma leitura das teorias (ou pesquisas),

para além das palavras. Verificar, por exemplo, qual o enquadramento (Ciências

Naturais ou Humanas) dado, qual a visão filosófica assumida (positivismo,

fenomenologia, materialismo dialético), qual o alcance da investigação, quais as

premissas consideradas para a explicação dos fatos, qual a validade das

generalizações, entre outras.

A partir disso, construir um roteiro que possa ir “radiografando” as teorias e nos

situando criticamente diante da visão do autor, no que se refere à gagueira, mostrou-se

fundamental. Formulamos esse roteiro por meio de algumas questões, que têm o

objetivo de organizar e destacar informações essenciais para uma melhor

compreensão das teorias:

• O autor se baseia em teorias de outros autores ou propõe uma teoria original.

Nesse sentido, o autor adapta algum método?

• Qual a posição do autor frente à gagueira? É coerente com o método

proposto para abordá-la?

Page 62: Gagueira   a teoria na prática

62

• Qual o campo de estudo ou articulação de campos (medicina, lingüistica,

psicologia, educação, fonoaudiologia) que serviu de base para o

entendimento da gagueira?

• O foco do autor está na gagueira (manifestação externa, desviante) ou no

indivíduo (análise qualitativa da atividade de fala e da subjetividade)?

• Qual (is) a (s) causa (s) que atribui a gagueira?

• Que visão de linguagem e de homem defende?

• Há priorização dos aspectos quantitativos e descritivos?

• Há priorização dos aspectos relacionais e comunicativos?

• Como é o percurso terapêutico?

Quando propusemos a idéia de um ponto de partida para orientação da prática do

fonoaudiólogo, quisemos marcar as diferenças principais entre a visão positivista

(ponto de partida - gagueira) e visão psicossocial (ponto de partida - fluência) da

fala com gagueira. Tomando como base a idéia de que uma fala gaguejada

(GAGUEIRA NATURAL) é uma manifestação normal presente na fala fluente de todos

os falantes e tendo essa concepção como esteio das concepções por nós assumidas,

poderemos fazer uma leitura nas entrelinhas de alguns “discursos” que mantém seu

enfoque da gagueira apenas no interior de uma visão patológica da linguagem,

enquanto mero desvio em relação à norma. O que dizem essas “falas”:

“Gagueira é um problema para a psicologia... Tratamento não se baseia em um

único método..., não são as reações críticas da família o fato mais importante para a

gagueira... as causas da gagueira só podem ser entendidas de acordo com cada

caso... trabalhar a consciência é fazer com que o paciente entenda que precisa se

esforçar para falar sem gaguejar... eu uso essa teoria (da gagueira) somente quando o

paciente precisa construir a imagem de bom falante...ele terá alta se conseguir falar

sem a gagueira... a mãe disse que nunca chamou a atenção dele por causa da fala,

mas ele é gago...”

Page 63: Gagueira   a teoria na prática

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Nesses fragmentos de discursos, observa-se uma abordagem mecanicista da

gagueira, que é vista como um defeito orgânico ou problema psicológico, levando o

fonoaudiólogo a um reducionismo e esvaziamento da teoria e da prática. Além disso,

os significados captados na entrelinhas dessas “falas” apontam para uma análise

desfocada e dogmática da gagueira e do indivíduo. Como nos mostra FRIEDMAN

(1986, 1993), a linguagem em si, o psicólogo em si, o orgânico em si e o social em si,

não são decisivos para a formação da identidade de falante. O que contribui para essa

formação são conteúdos que histórica e ideologicamente constituem a crença vigente,

sobre as peculiaridades da expressão linguística dos indivíduos, que, na articulação

com as representações do sujeito, seu meio sócio-cultural e a linguagem, passam a

construir essa identidade, processo que não é, e não pode ser, entendido de forma

direta, na base do estímulo-resposta.

Um ponto relevante sobre o qual gostaríamos ainda de levantar uma discussão é

o da CURA da gagueira. A idéia de cura nos remete à oposição saúde e doença. Se

pensarmos de forma literal, a cura para a gagueira (doença) seria atingir a fala fluente

(saúde). Mas isso não funciona, quando se entende que a fala fluente contém falhas,

contém gagueira. A atitude do terapeuta de fixar-se na gagueira enquanto doença ou

defeito, sem achar necessário procurar a compreensão de seus determinantes, ou seja,

sem procurar um sentido para a manifestação, parece tão alienada quanto a do falante

que gagueja, quando acredita que precisa parar de gaguejar, para obter a fala

desejada. Como diz Groddeck com relação à medicina, e que seria legítimo afirmar

também para a fonoaudiologia: “É impostura de uma medicina que gostaria de curar os

corpos e reduzi-los a uma saúde não humana” ( in EPINAY, 1988, 61). Na mesma

direção argumenta CANGUILHEM (1995), para quem “a doença não deixa de ser uma

espécie de norma biológica, consequentemente o estado patológico não pode ser

chamado de anormal no sentido absoluto, mas anormal apenas na relação com uma

situação determinada” (p. 58). Uma postura mecanicista enclausura o orgânico e tenta

Page 64: Gagueira   a teoria na prática

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dele tirar uma norma, que sempre vai ser relativa e ideológica. O corpo e a função do

corpo são colocados à frente da humanidade, fechando-se neles mesmos. O que

realmente nos parece importante para o fonoaudiólogo é o ser que está diante dele,

que extrapola a dimensão orgânica, a doença, e se revela na sua forma de produção

de vida, e produção de fala no mundo. Portanto, se a fluência não é a ausência de

gagueira, a cura não é levar o indivíduo gago a um estado de saúde ideal e definitivo

com relação a uma fala, também ideal (ilusória), quanto ao padrão de fluência.

Um outro ponto relevante de discussão é o das “orientações básicas” com relação

à fala gaguejada. A família comumente vê a gagueira como algo desolador e não tem

a possibilidade de saber qual fala com gagueira é normal e qual não é. Salientamos

que a nossa discussão sobre as “orientações” deve estar circunscrita à noção de que

a queixa dos pais se refere sempre à noção, que aqui chamamos, de GAGUEIRA

SOFRIMENTO (no sentido de visão estigmatizada), ou algo no limiar dela. FRIEDMAN

(1996) delimita as fronteiras entre a abordagem terapêutica com indivíduos que são

vistos como gagos (que apresentam uma gagueira natural/disfluência desvinculada de

uma imagem de falante estigmatizada) e a abordagem terapêutica com indivíduos que

se vêem e são vistos como gagos (quadro característico da gagueira sofrimento). Isso,

entendemos, confirma a importância de sempre esclarecer, para nós terapeutas e para

o cliente, sobre que gagueira estamos falando. Isso significa aprendermos a diferença

qualitativa entre GAGUEIRA NATURAL e GAGUEIRA SOFRIMENTO no que diz

respeito aos conteúdos da subjetividade.

O discurso terapêutico com a família pode ser construído para a família ou junto

com ela.

O discurso para a família se traduz em “receitas” de comportamentos afetivos,

verbais e físicos que seus membros devem ter diante da criança que gagueja.

Exemplos: “Não recrimine a fala gaguejada, fale devagar e com voz calma, retire do

Page 65: Gagueira   a teoria na prática

65

rosto expressões de desagrado, seja um bom ouvinte, não diga para ela ficar calma ou

respirar fundo...”

Parecendo adequadas, essas “falas terapêuticas” ficam soltas no contexto

familiar. Tentam apenas acomodar o comportamento dos pais àquilo que o terapeuta

diz ser o certo. De um ponto de vista superficial, parece ser suficiente dizer para o pai e

a mãe o que eles não devem fazer, mas de um ponto de vista que compreende que as

pessoas vivem de acordo com suas concepções, não adianta apenas dizer o que deve

ou não ser feito, porque as pessoas apenas passam a fazer o que já faziam de outro

modo, justamente porque a concepção que sustentava seu fazer, não mudou. A

orientação não é, assim, um “cardápio” do que se pode e do que não se pode fazer

com relação à gagueira. A família, quando vista pelo terapeuta como um elemento

estanque, deverá receber deste uma “ lista” de orientações e subseqüentemente

aguardar que o trabalho terapêutico atinja o resultado esperado: o fim da fala com

gagueira. Entretanto, é nossa convicção que devemos cuidar para que as

“orientações” não se transformem em um manual de “assistência técnica autorizada”,

complementado pela idéia de “cura” (anteriormente abordada); é preciso, ao contrário

um envolvimento com a família, para consolidar os pontos conquistados no sentido de

novos modos de ver a gagueira. Assim, o encaminhamento adequado do trabalho se

daria via “orientação” ou via um processo? Elegendo a fluência como ponto de partida

para o entendimento e tratamento da gagueira, consideramos as orientações como um

processo a ser desenvolvido junto com a família.

Na construção do discurso junto com a família, ela tem espaço para explicitar

sentimentos, valores, crenças e atitudes diante da fala gaguejada e poder colocar sua

forma particular de entender e ajudar a criança. Essa forma particular é o objetivo do

trabalho. É preciso fazer emergir a concepção que os pais têm sobre a fala, sobre a

gagueira e sobre a fala do seu filho, o quanto essa fala os preocupa e lhes parece não

estar de acordo com as expectativas que a família tem de um falante ideal. É preciso

Page 66: Gagueira   a teoria na prática

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descobrir com os pais qual a fala que queriam que o filho tivesse, para poder trabalhar

com eles o que de fato é a fala. É preciso ajudá-los a compreender seus valores para

poder ajudar a relativizá-los, ao apresentar-lhes uma visão mais aprofundada da fala. É

preciso fazê-los compreender que a gagueira não é uma deficiência da fala, mas sim,

uma manifestação coerente com certos estados emocionais associados ao processo

complexo de tradução do pensamento em palavras, a partir do repertório linguístico da

criança, que não lhe permite fluir de outro modo, menos hesitante ou repetitivo, no

encaminhamento das “imagens” mentais. Não é portanto, levar os pais a esperarem

que a gagueira desapareça, mas a entenderem o que significa o aparecimento da

gagueira no processo de produção da linguagem. O aparecimento da gagueira não vai

simplesmente desaparecer, vai antes, modificar-se com o tempo, porque, na

motricidade, no campo emocional, na auto-imagem e nas relações com o social, vão

surgindo novos encadeamentos com o desenvolvimento do indivíduo, que abrirão

espaço para essa modificação, para a fluência. A gagueira deixa de ser um sofrimento,

seja para os pais, seja para o indivíduo, para se tornar natural. Ela assim pode fazer

parte da fala de qualquer ser humano, conforme a observação da fala dos falantes

comuns pode nos mostrar.

Ao contrapor as duas formas de discurso do terapeuta aqui assinaladas,

poderíamos, à guisa de exemplo, descrever como seria um discurso onde o terapeuta

não receita regras de comportamento:

“...Realmente vocês têm razão em se preocupar com a fala gaguejada, porque até

então a única referência que tinham dessa fala era a de um grande problema... Sem

nenhum outro entendimento da situação vocês só poderiam, sentir e agir assim...

Precisamos parar para refletir se é preciso mesmo que o seu filho fale sem gagueira....

o que faz com que busquemos essa solução.... vamos olhar a fala toda, inteira, do seu

filho? ... a fala com gagueira e a que não tem gagueira.... vamos ver como vocês vêm

ajudando seu filho... porque como existem maneiras diferentes de perceber a mesma

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situação... maneiras científicas e não, de senso comum cheias de mitos e

preconceitos... com certeza encontraremos novas formas de perceber essa situação....”

O que consideramos aqui, é que uma orientação clássica quanto à postura

adequada da família frente à gagueira (“não complete sentenças, preste atenção ao

que a criança quer dizer, evite palavras ou reações negativas, etc.”) somente fará

sentido depois que os pais tiverem sido trabalhados quanto às visões e preconceitos

(as visões do senso comum) que têm da criança e da sua forma de fala em especial.

Devemos estar atentos para o perigo de se trabalhar com uma concepção de família

inventada em vez de trabalhar com a família real. Não se pode substituir a “verdade” da

família por uma simples “orientação”. Nosso objetivo com os pais é o de que eles

possam vir a valorizar a fala gaguejada a fim de reduzir a frustração na comunicação

que estão produzindo inadvertidamente na criança, porque ela não fala da forma

idealizada que esperam. Quando a família consegue dar valor à fala da criança, do

modo como ela espontaneamente se produz, naturalmente surgem atitudes que

demonstram isso. É essa qualidade de relacionamento de comunicação com a criança

que deve ser encontrada e reforçada. Nas palavras de Jacques Salomé: “Tenhamos a

ousadia de reinventar uma comunicação viva e relações saudáveis com nossos filhos,

conosco mesmo, com aqueles que estão à nossa volta, para superar nossos velhos

esquemas, para libertar outras possibilidades” ( SALOMÉ, p. 77).

Ao compor as idéias deste trabalho, tínhamos a preocupação de resgatar, para o

fonoaudiólogo, a noção de que as dificuldades e inseguranças diante do tratamento da

manifestação de gagueira na fala não se devem à falta de teorias explicativas e

métodos para o seu trabalho terapêutico. Quando: abrimos um diálogo entre as

teorias, buscamos as implicações na prática, propusemos pontos de partida para o

trabalho clínico, discutimos as questões envolvidas no conceito de cura da gagueira e

orientações à família e traçamos um roteiro que servisse de “bússola” para caminhar

por outros textos; quisemos com isso mostrar que o tema gagueira pode receber da

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Fonoaudiologia respostas positivas para quebrar o estigma que carrega; que existem

boas possibilidades para sua compreensão e para o desenvolvimento de intervenções

dentro da especificidade do quadro. Mas, mesmo assumindo um referencial teórico-

prático coerente “não se pode negligenciar o fato de que a formação do terapeuta está

intrinsecamente relacionada à sua formação pessoal, constituída pelas experiências de

vida do sujeito, experiências nas quais ele desenvolve e explicita sua sensibilidade

para a apreensão do fenômeno humano de um modo geral, e em particular para as

manifestações ‘patológicas’ e de sofrimento existencial” (PASSOS, 1996, 63). É

preciso, assim, lembrar que não se faz um terapeuta; o terapeuta é que se faz.

Falar, olhar, silenciar, interagir, prender, comunicar, permutar, afirmar-se,

testemunhar, pensar, definir, reparar, pedir... Como uma obra de arte que pode ser lida

de várias maneiras, a interação entre o terapeuta e indivíduo com gagueira, também

pode ser traduzida de muitas formas. Quando não conseguimos transgredir as palavras

e sons tensos ficamos mutilados. Permanecemos na impotência de resolver a

aparência.

Na fala gaguejada o que interessa para que a comunicação se efetive é o seu

conteúdo semântico. Devemos cuidar para não propor uma terapia que leve terapeuta

e paciente a incomunicar.

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