GALVÃO, Andréia. a Contribuição Do Debate Sobre a Revitalização Sindical Para a Análise Do Sindicalismo Brasileiro. Crítica Marxista, 2014

Embed Size (px)

DESCRIPTION

.

Citation preview

  • A contribuio do debate sobre a revitalizao sindical para a anlise do sindicalismo brasileiro 103

    A contribuio do debate sobre a revitalizao sindical para a anlise do sindicalismo brasileiroANDRIA GALVO *

    Desde a ascenso do Partido dos Trabalhadores (PT) ao governo federal, o sindicalismo brasileiro tem ocupado um lugar importante no debate poltico e acadmico. Esse debate envolve questes como a capacidade de influncia sindical no processo decisrio, a conflituosidade e formas de luta, os resultados obtidos por intermdio das greves e negociaes coletivas.

    A chegada de um partido oriundo do movimento sindical ao poder provocou impactos significativos sobre as concepes e prticas sindicais, fomentando a participao do sindicalismo nas instncias governamentais (Galvo, 2006; Ricci, 2010). No entanto, as interpretaes sobre o impacto poltico-ideolgico de tal participao so controversas. Enquanto alguns autores destacam a ampliao do espao poltico dos sindicatos, argumentando que a participao no compromete a autonomia sindical (Queiroz, 2007; Dulci, 2010; Lcio, 2011), outros sustentam a perda de protagonismo poltico (Arajo e Oliveira, 2011) ou a cooptao do movimento sindical pelo governo (Druck, 2006; Coutinho, 2010; Antunes, 2011).

    Por outro lado, a reduo do desemprego, o aumento do salrio mnimo, os aumentos salariais acima da inflao e os acordos coletivos com clusulas favo-rveis aos trabalhadores permitem apontar certa melhoria na situao material dos trabalhadores sob os governos petistas, que teria repercutido positivamente sobre suas condies de luta. Tomando como referncia os indicadores de greve, Boito e Marcelino (2010) consideram ser possvel identificar, desde 2004, uma recuperao da atividade sindical no Brasil. Contrapondo-se s teses do declnio

    * Professora do Departamento de Cincia Poltica da Unicamp. Email: [email protected]

    Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 103Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 103 05/03/2014 15:05:4105/03/2014 15:05:41

  • 104 Crtica Marxista, n.38, p.103-117, 2014.

    histrico do sindicalismo, esses autores sugerem que essa recuperao da luta sindical pode ser tomada como um indicador da vitalidade do sindicalismo como movimento social (p.328, grifos nossos).

    As teses defendidas pelos autores acima citados evidenciam as dificuldades de se analisar o sindicalismo brasileiro recente a partir de um nico prisma. Essas di-ficuldades aumentam quando se considera que no possvel tratar o sindicalismo de modo homogneo, uma vez que sua estrutura organizativa se complexificou com a ciso da Central nica dos Trabalhadores (CUT) e o surgimento de novas centrais. A ampla maioria das centrais existentes apoia, no fundamental, os gover-nos petistas, sendo possvel, todavia, identificar um polo minoritrio, caracterizado pela oposio a esses governos (Galvo, 2012; Galvo, Tropia e Marcelino, 2013).

    Diante do cenrio aqui resumido, perguntamo-nos: possvel falar em re-novao ou revitalizao sindical no Brasil? Essa questo embora tenha como referente a conjuntura poltica nacional remete-nos a um debate terico para o qual o marxismo tem contribudo ativamente. Tal discusso, como veremos, tem incorporado algumas categorias provenientes de teorias dos movimentos sociais, como repertrios de ao coletiva ou de protesto e estruturas de oportunidades po-lticas, categorias essas que, a nosso ver, no so incompatveis com a perspectiva marxista, na medida em que ambas podem ser compreendidas a partir da dialtica entre estrutura e ao social e inseridas na dinmica da luta de classes.1

    Considerando que o debate terico sobre revitalizao sindical ainda pou-co conhecido no Brasil, este artigo recupera algumas de suas dimenses com o intuito de refletir sobre o caso brasileiro. Mas convm explicitar, de sada, o que se entende por revitalizao, a fim de justificar por que optamos por esse termo.

    A retomada do ativismo sindical em alguns pases a partir de meados dos anos 1990 levou busca de novas categorias para interpret-lo. O uso de dife-rentes expresses para se referir a esse processo, como renovao, recuperao ou revitalizao sindical, seria expresso de um subdesenvolvimento conceitual (Fairbrother, 2005), que estaria ligado forma pela qual cada autor compreende o perodo de crise ou declnio do sindicalismo.2 Para Fairbrother, no reconhecer a profundidade da crise leva uma parte da bibliografia a supor que o declnio sindical poderia ser contornado atravs de lderes progressistas e de estratgias de reorganizao, deixando de lado as relaes sociais de produo e a estrutura de classes.

    1 Entre os autores contemporneos que tm contribudo para desenvolver a teoria marxista do sindicalismo, cf. Hyman (1975), Anderson (1980), Kelly (1988), Mouriaux (1985, 1998).

    2 McIlroy (2001) discorda do uso do termo declnio que, a seu ver, esconde a amplitude da crise. Este autor considera que a noo de crise alude a uma inflexo mais profunda do que a reduo no nmero de filiados e indicadores de greve. Ademais, crise sugere no apenas a existncia de desafios, mas tambm de possibilidades de reverso. Para uma anlise do debate bibliogrfico sobre a crise sindical, cf. Boito (2003), Boito e Marcelino (2010).

    Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 104Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 104 05/03/2014 15:05:4105/03/2014 15:05:41

  • A contribuio do debate sobre a revitalizao sindical para a anlise do sindicalismo brasileiro 105

    Por entendermos que no se trata apenas da renovao de lideranas ou da ao de uma vanguarda que age de modo voluntarista, empregamos neste artigo a noo de revitalizao. A seguir, apresentamos dois conceitos concebidos para expressar e interpretar esse processo.

    Sindicalismo de movimento social e sindicalismo radicalA partir dos anos 1980, uma mudana observada na forma e estratgia de ao

    de alguns sindicatos nos EUA levou formulao do conceito de sindicalismo de movimento social. Esses sindicatos passaram a atuar junto aos trabalhadores desor ganizados e geralmente desprezados pela organizao sindical, submetidos a diferentes tipos de contrato, sobretudo nos setores de baixos salrios (Moody, 1988; Waterman, 1993; Turner; Hurd, 2001). Alm de organizar os desorganizados (Hee-ry e Adler, 2004), esse sindicalismo d importncia greve, procura estabelecer uma relao entre preocupaes materiais especficas e reivindicaes polticas e sociais mais amplas, articulando o local de trabalho com espaos externos a ele, e promove alianas com outros movimentos sociais, constituindo uma reao ao sindicalismo de negcios que marcou os EUA no sculo XX. Esse movimento caracteriza-se por um novo repertrio de ao marcado pela defesa da ao direta, pela valorizao das estruturas da justia social e [pel]as alianas progressistas, cujo exemplo mais conhecido o movimento Justice for Janitors (Voss, 2010, p.88). A crtica moral s desigualdades e a preocupao com a dignidade no trabalho teriam aumentado a disposio das bases para se engajar em campanhas sociais que envolvem a admi-nistrao pblica e a comunidade e que buscam pressionar o empregador por meio de aes junto aos credores, clientes, acionistas e subsidirias, dentre as quais se destaca a campanha por salrio decente (Fantasia e Voss, 2003).

    Este no , porm, um movimento oriundo das bases. Voss e Sherman (2000) enfatizam o papel das lideranas, argumentando que sua trajetria de militncia e a experincia adquirida em outros movimentos sociais teriam permitido a algumas organizaes escapar ao conservantismo burocrtico.3 Nesse sentido, no haveria necessariamente uma dicotomia entre direo e base, e nem a organizao estaria condenada pela lei de ferro da oligarquia.4

    3 Para uma crtica tese do conservantismo sindical como trao estrutural da burocracia, cf. Kelly (1988).

    4 A dicotomia entre direo e base baseia-se na conhecida tese da degenerao sindical (Trotsky, 1940), que inspirou muitos trabalhos sobre sindicalismo. Na primeira metade dos anos 1970, Hyman considerava a organizao de base como uma contratendncia acomodao e burocratizao das lideranas. Em seus escritos posteriores, o autor passou a sustentar que tal dicotomia, via de regra, romantiza a base e a organizao no local de trabalho, desconsiderando as vrias formas de mediao entre ambas (Hyman, 1979a). Darlington e Upchurch (2012) consideram que a dicotomia entre burocracia e base vlida desde que se introduza nuances e se alerte para os riscos de reducionismo mencionados por Hyman , pois ela aponta para uma contradio real. Ao negar a dicotomia, Hyman esvazia o conceito de burocracia, obscurecendo uma parte dos conflitos deflagrados no interior dos sindicatos.

    Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 105Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 105 05/03/2014 15:05:4105/03/2014 15:05:41

  • 106 Crtica Marxista, n.38, p.103-117, 2014.

    O conceito de sindicalismo de movimento social passou a ser questionado do outro lado do Atlntico a partir da experincia do setor ferrovirio francs e britnico entre o final do sculo XX e a primeira dcada do sculo XXI.5 Trata--se de um sindicalismo altamente militante e politizado, que se caracteriza pela mobilizao de seus membros, pelo recurso greve e por uma forte oposio ideolgica de esquerda aos empregadores e ao governo. Essa tendncia bastante minoritria surge com a crise do sindicalismo social-democrata (Gordon e Up-church, 2012), contrapondo-se ao carter politicamente moderado e conciliador do sindicalismo predominante em pases como Inglaterra e Frana, sendo denominada de sindicalismo radical (Connolly e Darlington, 2012).

    Connolly e Darlington (2012) consideram o sindicalismo poltico radical como um caminho para a revitalizao. Denis (2012), porm, questiona tanto a utilizao dessa categoria para analisar o sindicalismo SUD, que seria mais ambguo do que o termo radical sugere, quanto sua capacidade de revitalizar o sindicalismo francs. O sindicalismo SUD no poderia ser facilmente enquadrado em uma categoria (Damasin e Denis, 2005), na medida em que combina um discurso combativo e a nfase na mobilizao com a ao institucional (Damesin e Denis, 2001).

    McIlroy (2012) tambm tece crticas a esse conceito, por considerar que os autores que o formulam apresentam o RMT e o SUD-Rail como exemplares de uma revitalizao bem-sucedida e precursores de um processo de recuperao mais amplo, que poderia se disseminar. Isso os leva a subestimar os fatores es-truturais e ideolgicos que continuam dificultando a reverso da crise sindical. Alm disso, esses estudos se concentram no papel das lideranas, minimizando as interaes entre liderana e base e subestimando as dificuldades de essa liderana radicalizada politizar sua base. Por fim, McIlroy questiona a capacidade de esse modelo revitalizar o sindicalismo, j que o oferecimento de servios, a organizao e a parceria com o governo e os empregadores tm sido as estratgias sindicais dominantes na Inglaterra (McIlroy, 2000).

    A noo de sindicalismo poltico radical, embora apresente os problemas aci-ma mencionados, remete-nos questo da ideologia e das diferentes estratgias de ao poltica que so fundamentais para caracterizar as concepes e prticas sindicais. J a noo de sindicalismo de movimento social enfatiza a inovao organizacional. Isso no significa que os aspectos politico-ideolgicos sejam des-prezados. Upchurch e Mathers (2011, p.265) argumentam que o desenvolvimento de formas radicais de sindicalismo no pode ser satisfatoriamente compreendido pelo termo sindicalismo de movimento social, que muitos tomam como sinnimo de sindicalismo de comunidade, sindicalismo de justia social ou cidado.6 Isso se

    5 Os sindicatos que inspiram essa formulao so o SUD-Rail na Frana e o National Union of Rail, Maritime and Transport Workers (RMT) na Inglaterra.

    6 Um dos primeiros autores a conceituar o sindicalismo de movimento social, Waterman (1999) passa a utilizar a expresso novo sindicalismo social para caracteriz-lo. Yates e Gapasin (2005), por sua vez, falam em sindicalismo de justia social. Voss (2010, p.95) argumenta que o sindicalismo

    Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 106Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 106 05/03/2014 15:05:4105/03/2014 15:05:41

  • A contribuio do debate sobre a revitalizao sindical para a anlise do sindicalismo brasileiro 107

    deve sua dependncia excessiva das teorias dos novos movimentos sociais, que minimizam tanto a importncia da relao capital-trabalho quanto do sindicalismo e reduzem o papel das classes sociais como fator explicativo da ao coletiva.7 Os autores consideram importante resgatar a dimenso poltica do sindicalismo, analisando-o luz de sua relao com o Estado, assim como das oportunidades polticas que incentivam ou reprimem os ciclos de protesto numa variedade de contextos institucionais:

    Usamos o termo radical para nos referir a um posicionamento poltico que se ope tanto verso dura (neo) quanto verso soft (social) do liberalismo, reco-nhecendo a diversidade e amplitude das bases ideolgicas desta oposio. Assim, as manifestaes especficas de RPU [radical political unionism] iro variar de acordo com as tradies ideolgicas e organizativas especficas de cada movimento sindical nacional. (Upchurch e Mathers, 2011, p.277)

    A considerao das tradies ideolgicas e organizativas introduz uma varivel importante na anlise do sindicalismo, na medida em que alude diversidade de formas, reivindicaes, estratgias de luta, em suma, heterogeneidade sindical. Pois se as condies materiais limitam o campo das escolhas dos indivduos e grupos sociais, no determinam mecanicamente suas possibilidades de ao (Hyman, 1979b), o grau de militncia ou de moderao poltica (Kelly, 1996). A discricionariedade sindical (Connolly e Darlington, 2012) afetada pelas condies materiais, pelas transformaes nas relaes de produo, mas tambm pela interao dos sindicatos com o Estado e com os empregadores. Isso nos leva a considerar a atuao poltica dos sindicatos, aspecto de que trataremos a seguir.

    Os sindicatos como agentes polticosA anlise marxista dos sindicatos ficou marcada por uma concepo, tributria

    do leninismo, baseada na diviso de tarefas entre sindicatos e partidos, bem como pela separao entre luta econmica e luta poltica. Lnin, porm, no desconsidera os efeitos da luta econmica sobre a luta poltica, apenas sustenta que a dominncia da luta econmica representa uma forma de luta poltica ineficaz.8 Assim, no obstante as diferenas entre os dois mbitos, a superao da oposio simples entre o profissional (econmico-corporativo) e o poltico permite compreender as diversas dimenses do poltico e do social (Mouriaux, 1985, p.10) e apreender

    de movimento social se baseia numa concepo de cidadania ampliada, que no implica o questionamento do capitalismo.

    7 Sobre a contribuio do marxismo para a anlise dos movimentos sociais e suas diferenas frente s teorias dos novos movimentos sociais, ver Galvo (2011).

    8 O sindicalismo no exclui absolutamente toda poltica, como por vezes se pensa. Os sindicatos sempre conduziram certo tipo de propaganda e certas lutas polticas (porm, no social-democratas) (Lnin, 1988, p.24).

    Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 107Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 107 05/03/2014 15:05:4105/03/2014 15:05:41

  • 108 Crtica Marxista, n.38, p.103-117, 2014.

    os sindicatos, simultaneamente, como agentes econmicos e polticos (Hyman e Gumbrell-McCormick, 2010).

    O desequilbrio de poder entre capital e trabalho faz com que o Estado seja um recurso importante para a ao sindical. O acesso ao Estado pode ser ga-rantido por mecanismos de negociao bi ou tripartite, mas tambm atravs de um partido poltico que represente os interesses dos trabalhadores. Com isso, os sindicatos podem influenciar, intencionalmente ou no, atravs de greves e reivindicaes, as polticas governamentais. A conquista de melhores salrios e condies de trabalho, a criao e manuteno de direitos, bem como de me-canismos de participao e representao poltica so fruto da presso e da luta dos trabalhadores e de suas organizaes e no uma iluso.

    Essa tese vai contra a concepo instrumental do Estado, que o considera apenas como uma organizao a servio dos interesses dominantes (Kelly, 1988). Ainda que essa influncia no mude a natureza de classe do Estado, ela pode ser maior ou menor, conforme a ideologia sindical, sua capacidade organizativa, o contexto poltico-econmico, a relao com partidos e movimentos sociais. Essa influncia tambm varia conforme a existncia de arranjos institucionais, o tipo de enquadramento legal de que goza o sindicalismo e o contedo da legislao sindical e trabalhista existente.

    As formas institucionais afetam a ao sindical, limitando sua autonomia. O controle do Estado , porm, maior nos pases em que vigora o corporativismo, na medida em que a lei que estabelece o modo de organizao e o funcionamento dos sindicatos que, desse modo, se tornam mais dependentes do Estado do que dos trabalhadores que representam. Isso no significa que o controle estatal no exista nos pases em que a organizao sindical livre, como aqueles em que vigoram arranjos neocorporativos ou o pluralismo sindical. Mas supor uma integrao completa dos sindicatos ao Estado, ou que a regulamentao estatal, qualquer que seja ela, leva inexoravelmente estatizao e burocratizao, equivale a anular qualquer possibilidade de resistncia e de luta poltica dos trabalhadores organizados em sindicatos e a ignorar as diferenas engendradas por prticas democrticas e ideologias distintas.

    Essas consideraes nos levam a formular duas hipteses: 1) h diferentes nveis de autonomia, relacionados aos diferentes projetos sindicais; 2) autonomia no significa a recusa em negociar com o governo ou o patronato, ou de participar das instituies estatais. Autonomia refere-se capacidade de o sindicalismo cons-tituir e defender um projeto de classe, um projeto que reconhea que o capitalismo atravessado pelo antagonismo de interesses entre capital e trabalho, ainda que os adversrios possam efetuar acordos e alianas pontuais.9

    9 Pois, A luta sindical visa o imediato e o concreto; ela se libera mais facilmente das proposies adversrias se possui seu prprio projeto, uma perspectiva de longo prazo. Dissociar os dois polos da ao sindical leva confrontao estril de reformistas sem reforma e de revolucionrios sem transformao (Mouriaux, 1998, p.8).

    Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 108Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 108 05/03/2014 15:05:4105/03/2014 15:05:41

  • A contribuio do debate sobre a revitalizao sindical para a anlise do sindicalismo brasileiro 109

    A participao na gesto do social e na regulao econmica pode levar perda de autonomia do sindicalismo, isto , a sua subordinao agenda governa-mental ou ideologia gerencial, mas sua subordinao no nem completa, nem inevitvel. Ela varia conforme seu projeto poltico-ideolgico e o modo pelo qual o sindicato equaciona a interface entre participao e mobilizao. Isso porque o sindicalismo poltico radical, assim como o sindicalismo de contestao ou de conflito, para retomar denominaes hoje pouco utilizadas, tambm negocia, participa, do mesmo modo que o sindicalismo de negcios ou de parceria social tambm mobiliza e faz greves (Gagnon, 1991).

    Vrios autores questionam a utilizao de uma terminologia dicotmica na anlise do sindicalismo, preferindo a ideia de um continuum ou um espectro entre os elementos que caracterizam suas concepes e prticas (Hyman, 1979b; Kelly, 1996; Fantasia e Stepan-Norris, 2004; Damesin e Denis, 2005). A dicotomia mas-cara a variedade de combinaes e de situaes, o que impede a compreenso da complexidade, das ambiguidades e das contradies que impregnam a instituio sindical. Com a utilizao de categorias como parceria e radical, no pretendemos encerrar o sindicalismo num molde rgido e fechado, mas somente colocar em evidncia os traos principais que caracterizam os sindicalismos nos diferentes momentos histricos, considerando que no h tendncias irreversveis.

    Feitas essas consideraes tericas mais gerais, passemos na parte final do artigo apresentao de uma proposta para a anlise do sindicalismo brasileiro.

    O sindicalismo brasileiro entre a parceria e o radicalismoNo incio deste artigo aludimos heterogeneidade do sindicalismo brasileiro.

    Tratemos agora de caracteriz-lo.A ampla maioria das centrais sindicais (CUT, Fora Sindical, UGT, CTB,

    CGTB, Nova Central Sindical dos Trabalhadores e Central dos Sindicatos Bra-sileiros) apoia, com intensidades variadas, os governos petistas.10 Sob liderana da CUT, que elaborou um Projeto de desenvolvimento sob a tica da classe tra-balhadora, essas centrais privilegiam a interveno junto s instituies governa-mentais em detrimento da mobilizao da base. Seu grande objetivo promover o desenvolvimento sustentvel, o trabalho digno e a distribuio de renda. Apesar de apresent-lo como um projeto de classe, esse projeto consolida uma mudana registrada pela CUT desde os anos 1990, quando assume uma perspectiva de parceria com o governo e com o capital (Galvo, 2012).

    Essa perspectiva que supe a negociao, a disposio ao dilogo, ao com-promisso, ideia de que possvel obter consenso e, portanto, celebrar um pacto com o Estado e o patronato no nova. Suas razes ideolgicas remontam tanto s

    10 A Fora Sindical, embora se enquadre no que estamos considerando como sindicalismo de par-ceria e tenha se integrado ao que Boito (2012) denominou frente neodesenvolvimentista, procura construir uma alternativa partidria ao PT.

    Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 109Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 109 05/03/2014 15:05:4105/03/2014 15:05:41

  • 110 Crtica Marxista, n.38, p.103-117, 2014.

    preocupaes de harmonia e integrao social propagadas pela democracia-crist, quanto s estratgias de concertao institudas pela social-democracia do segundo ps-guerra, cuja poltica de compromisso promoveu a institucionalizao do con-flito. Mas a atual concepo de parceria distinta da que se difundiu na Europa ocidental sob a social-democracia, pois se trata de institucionalizar a cooperao: os acordos no resultam mais do reconhecimento do conflito de interesses entre trabalhadores e empregadores mas, antes, de sua negao.

    A negao do conflito no significa que ele tenha deixado de existir, tampouco que o conflito latente, expresso de relaes sociais de explorao e dominao, no possa se manifestar abertamente (Hyman, 1979b). Entretanto, se a negao do conflito no impede sua ecloso, ela altera a compreenso das condies e perspectivas de luta. Os conflitos, quando explicitados, so atribudos ganncia exacerbada dos especuladores, dos capitalistas no comprometidos com a pro-duo e o desenvolvimento. Desse modo, os sindicatos se comprometem com a melhoria da competitividade, da produtividade e da eficincia das empresas por meio de acordos descentralizados e que visam, sobretudo, preservao do emprego, e no introduo e expanso de direitos (McIlroy, 2000; Upchurch, Taylor e Mathers, 2009). Processo semelhante ocorre em relao ao Estado, que deixa de ser um adversrio, o representante das classes dominantes, para ser uma instituio neutra, um parceiro social com o qual se negocia e ao qual se recorre ocasionalmente (DAlmeida e Mouriaux, 1993, p.15).

    A nosso ver, no possvel compreender esse movimento sem levar em conta o impacto do neoliberalismo sobre as organizaes de esquerda. No caso brasileiro, a mudana do discurso e do posicionamento sindical pode ser observada, em especial, na CUT. A partir dos anos 1990, a central incorpora progressivamente uma leitura liberal de Gramsci, passando a opor Estado e sociedade civil, e a negligenciar os vnculos entre ambas as esferas (Dias, 1994). Com isso, a valori-zao dos movimentos sociais e a estratgia de ocupao de espaos no interior de uma sociedade civil atravessada por conflitos de classe, estratgia privilegiada nos anos 1980 no contexto da luta contra o Estado ditatorial, d lugar disputa de hegemonia no interior de um Estado democrtico de direito. A discusso sobre a natureza de classe do Estado substituda pela crena de que possvel trans-formar o Estado por dentro. Mas essa converso s se completa com a ascenso do PT ao governo federal. A afinidade poltico-ideolgica da CUT com o governo petista facilita o movimento de aproximao com o Estado e a prioridade ao institucional. A presso sobre o Estado exercida por meio da apresentao de propostas, desconectada da mobilizao necessria conquista da hegemonia no plano da sociedade civil. Assim, a disputa de hegemonia resume-se a ter um projeto, mesmo que o referencial de classe desse projeto seja esvaziado ou diludo numa poltica de compromisso.

    Em que medida esse tipo de ao poltica contribui para a revitalizao sindical? possvel observar que a interveno sindical em fruns, conselhos e

    Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 110Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 110 05/03/2014 15:05:4105/03/2014 15:05:41

  • A contribuio do debate sobre a revitalizao sindical para a anlise do sindicalismo brasileiro 111

    outros arranjos tripartites, assim como em rgos do Executivo federal, como o Ministrio do Trabalho, aumentou, mas podemos nos questionar sobre os resul-tados dessa participao, que teria um carter mais consultivo do que decisrio (Ricci, 2010). Embora as centrais sindicais apresentem uma vasta pauta de rei-vindicaes, da qual se destacam a valorizao do salrio mnimo, a reduo da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais, o fim da demisso imotivada, a assinatura da conveno 151 Organizao Internacional do Trabalho (OIT) de modo a instituir a obrigatoriedade da negociao coletiva no setor pblico, o fim do fator previdencirio, o fim da terceirizao, o aumento de recursos para a educao, o aumento de investimento pblico, a maior parte de suas propostas provoca indiferena ou uma reao negativa por parte dos integrantes da coalizo poltica governamental.11

    A prioridade ao institucional e a disposio parceria social, num con-texto ainda marcado pela ideologia neoliberal, favorece a moderao poltica.12 O sindicalismo de parceria faz crticas aos governos petistas, mas procura moder-las; apresenta demandas polticas, mas procura compatibiliz-las com os interesses patronais; defende os direitos dos trabalhadores, mas no se furta a negoci-los ou a aceitar direitos diferenciados conforme as especificidades do setor econmico ou da empresa; fala em nome de uma cidadania ampliada, mas diante das dificul-dades de se assegurar direitos universais por intermdio da legislao, contenta-se com uma cidadania limitada incluso pelo consumo.

    A participao institucional e a moderao poltica no impedem, porm, a ecloso de conflitos, nem a obteno de conquistas materiais para os trabalhado-res. O posicionamento da maioria das organizaes sindicais de cpula contrasta com o ativismo econmico e a conflituosidade nas organizaes de base, como evidenciado pela progressiva recuperao dos indicadores de greve e de acordos coletivos com clusulas favorveis aos trabalhadores (Boito e Marcelino, 2010). possvel levantar a hiptese de que a melhoria da conjuntura econmica, de um lado, e as disputas entre as centrais sindicais, de outro, favoreceram a retomada das greves. Pois ao mesmo tempo em que possvel identificar uma certa unida-de poltica, a lei de reconhecimento das centrais, aprovada em 2008, estimula a concorrncia pela filiao dos sindicatos. Desse modo, tanto os sindicatos de base quanto as centrais a que estes se filiam devem mostrar resultados para conquistar e fidelizar os trabalhadores. Nesse sentido, ainda que a extenso do imposto sindical s centrais contribua para reforar a dependncia do sindicalismo frente

    11 Dentre as propostas elencadas, a mais bem-sucedida foi a poltica de valorizao do salrio mni-mo. Outra reivindicao sindical, a Conveno 151 da OIT, que trata da negociao coletiva dos funcionrios pblicos, foi promulgada por um decreto presidencial em 2013, mas ainda carece de regulamentao.

    12 Conforme Coutinho (2010), no h propriamente disputa de hegemonia na era da contrarreforma neoliberal, caracterizada pela hegemonia da pequena poltica,simples administrao do existente (Coutinho, 2010, p.32).

    Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 111Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 111 05/03/2014 15:05:4105/03/2014 15:05:41

  • 112 Crtica Marxista, n.38, p.103-117, 2014.

    ao Estado, a coexistncia e a concorrncia entre as diferentes centrais dinamiza o cenrio sindical brasileiro.

    O cenrio sindical brasileiro tambm dinamizado pela existncia de um polo sindical minoritrio, composto por trs organizaes oriundas da CUT: a Conlutas (Coordenao Nacional de Lutas), criada em 2004, cuja denominao foi alterada para Central Sindical e Popular-Conlutas em 2010; e a Intersindical, criada em 2006, e desde 2008 dividida em Intersindical instrumento de luta e organizao da classe trabalhadora e Intersindical instrumento de luta, unidade de classe e construo de uma nova central.13 Embora sejam organizaes numericamente pequenas,14 elas representam uma tendncia importante de ser considerada, na medida em que se opem aos governos petistas, que consideram neoliberal, e perspectiva de parceria social, gerando tenses e ameaas de fissura entre as organizaes majoritrias.15

    Esse sindicalismo, enraizado no setor pblico (Galvo, Tropia e Marcelino, 2013) apresenta caractersticas que permitem aproxim-lo do sindicalismo de movimento social, como a busca de aliana com outros movimentos sociais (especialmente a Conlutas, que se constitui como uma central sindical e popu-lar), a preocupao com a unificao das lutas entre setor pblico e privado e o internacionalismo. Todavia, diferentemente da experincia estadunidense que ensejou a difuso do conceito de sindicalismo de movimento social, o setor mi-noritrio do sindicalismo brasileiro no se limita defesa da cidadania e da justia social. Seu posicionamento antineoliberal16 e anticapitalista; busca recuperar o sindicalismo para a tradio de luta de classes, colocando a luta pelo socialismo no centro de seu projeto, razo pela qual optamos por utilizar a categoria sindicalismo poltico radical.

    O sindicalismo radical amplia o campo de interveno sindical para alm da ao econmica ou das instituies de parceria social, questionando os limites do pragmatismo poltico. Por exemplo, ele defende a reverso das privatizaes

    13 A CTB tambm constitui uma ciso da CUT, mas apresenta mais afinidades com sua central de origem do que com as demais organizaes dissidentes.

    14 A Conlutas no possui filiados suficientes para ser oficialmente reconhecida como central sindical e a Intersindical no busca reconhecimento.

    15 Um exemplo dessas tenses diz respeito proposta de Acordo Coletivo de Trabalho com Propsito Especfico, elaborada pelo Sindicato dos Metalrgicos do ABC e encampada pela CUT, que autoriza os sindicatos a negociar com as empresas acordos coletivos cujas clusulas derrogam a Consolidao das Leis Trabalhistas (CLT). Esta proposta gerou uma crtica interna por parte da corrente A CUT pode mais e da Confederao dos Trabalhadores no Servio Pblico Federal (Condsef), entidade ligada CUT, pelos riscos de flexibilizao que ela representa, que se somaram Conlutas e Intersindical no Frum Nacional das Entidades dos Servidores Pblicos Federais.

    16 Para Fairbrother (2000), a emergncia de um novo modelo sindical, contraposto ao oferecimento de servios e parceria social, pode ser observada principalmente no setor pblico e em empresas privatizadas. O fato de ser alvo do processo de privatizao, da mercantilizao de servios, da reforma do estatuto do funcionrio e de seu sistema de aposentadoria leva esse setor a ampliar suas preocupaes polticas e o torna potencialmente crtico ao neoliberalismo.

    Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 112Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 112 05/03/2014 15:05:4105/03/2014 15:05:41

  • A contribuio do debate sobre a revitalizao sindical para a anlise do sindicalismo brasileiro 113

    feitas no governo Cardoso, a anulao de todos os leiles para explorao das reservas de petrleo e gs natural e o restabelecimento do monoplio estatal do petrleo sem indenizao s multinacionais que atuam no setor.17

    A reorganizao do sindicalismo brasileiro expressa diferenas poltico-ideo-lgicas, mas tambm organizativas. Na tentativa de combater a burocratizao que atribui CUT, a Intersindical instrumento de luta e organizao da classe trabalhadora se ope criao de uma central sindical de cima para baixo. A Intersindical instrumento de luta, unidade de classe e construo de uma nova central prope a maioria qualificada como mecanismo de deciso de temas con-troversos, para assegurar a possibilidade de expresso das minorias. J a Conlutas possui uma direo colegiada, a Coordenao Nacional, da qual todas as entidades e movimentos a ela filiados podem participar, e admite a participao de minorias atuantes nas direes dos sindicatos, bem como de oposies sindicais.

    As trs organizaes procuram fazer um trabalho de organizao de base, mas esse trabalho dificultado pela manuteno da estrutura sindical corporativa. A unicidade sindical e as contribuies compulsrias desestimulam o trabalho de base (Boito, 1991). Ao mesmo tempo, a definio de categoria profissional constitui um obstculo organizao dos trabalhadores precrios, como os informais e tercei-rizados, de modo que a estratgia de organizar os desorganizados, adotada pelo sindicalismo estadunidense, esbarra aqui em um limite institucional. A politizao da base, nos termos definidos por McIlroy (2012), constitui outra dificuldade a ser enfrentada, mas esta se deve tanto a fatores externos ao sindicalismo radical quanto internos a ele. Essas organizaes tendem a minimizar os impactos ideolgicos do neoliberalismo sobre os trabalhadores e, consequentemente, sua disposio para assimilar teses como flexibilizao, empregabilidade, parceria etc. Alm disso, minimizam, quando no rejeitam, as diferenas entre os governos petistas e tucanos. A crtica poltica neoliberal do governo demasiado genrica, afinal, de que neoliberalismo se trata? Como sustentar que Lula igual a FHC se as condies objetivas mudaram entre as duas conjunturas em questo? Ao deixar de lado as nuances, esse sindicalismo corre o risco de permanecer isolado, dada a grande popularidade dos governos petistas, nos mandatos de Lula e Dilma, ao menos at a ecloso das manifestaes de junho de 2013. Ao considerar os avanos sociais fruto de uma iluso, seus militantes tendem a ser estigmatizados, apresentados de modo caricatural.

    Essa dupla desconsiderao faz com que as crticas ao das centrais ad-versrias sejam centradas na burocracia, na traio das direes, retomando a tese da dicotomia entre base e direo, qual aludimos anteriormente. A tese do

    17 Nossa hiptese que mesmo sendo bastante minoritrio, esse sindicalismo afeta as centrais majo-ritrias. Com a retomada dos leiles de petrleo, sobretudo do pr-sal, no governo Dilma, tambm os sindicatos ligados Federao nica dos Petroleiros-CUT passaram a aderir campanha O petrleo tem que ser nosso!.

    Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 113Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 113 05/03/2014 15:05:4105/03/2014 15:05:41

  • 114 Crtica Marxista, n.38, p.103-117, 2014.

    transformismo, sustentada por Coutinho (2010) e Antunes (2011), tambm muito centrada nas lideranas. Ao focar apenas um aspecto do problema, essas anlises minimizam o papel das bases e deixam em segundo plano a materialidade da ideologia, convertida em ideias ou meros interesses de uma direo burocratizada.

    Ora, como muitas das greves recentes indicam, especialmente no setor da construo civil, a base no passiva, tambm vai contra a direo. Os trabalha-dores podem se desfiliar, constituir oposies sindicais, bem como os sindicatos podem se desfiliar das centrais para criar outras organizaes de cpula. A ciso da CUT foi a sada encontrada por algumas correntes sindicais para se contrapor ao que consideram um processo de burocratizao da central, mas podemos nos perguntar se essa reorganizao no ela mesma um processo de cpula, uma vez que muitos dos militantes das correntes dissidentes so integrantes das direes de seus sindicatos e alguns faziam inclusive parte da direo nacional da CUT. Assim, reconhecer o papel da base no equivale a supor que ela seja vanguardista ou manipulada por uma direo conservadora. As vrias formas de mediao entre base e direo ainda esto por ser entendidas.

    guisa de concluso: a revitalizao do sindicalismo brasileiro em questoOs aspectos tratados por este artigo no nos fornecem evidncias suficientes

    para sustentar a existncia de um processo de revitalizao sindical no Brasil. A retomada das greves, a obteno de resultados econmicos positivos e a maior legitimidade auferida pelos sindicatos contrastam com resultados modestos no plano poltico-ideolgico e organizativo. A manuteno da estrutura sindical corporativa, a extenso do imposto sindical s centrais e a predominncia de um sindicalismo de parceria contribuem para estimular a dependncia do sindicalismo diante do Estado. Por outro lado, o escasso enraizamento no local de trabalho, que continua a caracterizar o sindicalismo brasileiro, faz com que a revitalizao que poderia ser atribuda ao sindicalismo radical seja um processo que, alm de minoritrio, ainda concerne mais cpula do que base.

    Assim, se o sindicalismo de parceria se afastou das ruas por receio de mobi-lizar os trabalhadores contra um governo aliado, esse vazio no foi preenchido pelo sindicalismo radical, que enfrenta dificuldades para organizar e mobilizar os trabalhadores. Isso nos ajuda a entender o relativo distanciamento entre o conjunto do movimento sindical e as manifestaes de junho de 2013. Mesmo que traba-lhadores e sindicalistas estivessem presentes desde o incio das manifestaes, as centrais sindicais s se incorporaram tardiamente ao processo. A convocao de duas jornadas nacionais unitrias de lutas e paralisaes, em julho e agosto de 2013, no alcanou a mesma dimenso das manifestaes de junho, nem conseguiu articular os manifestantes de junho pauta de reivindicaes sindical.

    As tendncias aqui denominadas como sindicalismo de parceria e radical no constituem foras internamente homogneas, tampouco equivalentes, j que seu peso na luta econmica e poltica bastante desigual. Entretanto, a

    Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 114Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 114 05/03/2014 15:05:4205/03/2014 15:05:42

  • A contribuio do debate sobre a revitalizao sindical para a anlise do sindicalismo brasileiro 115

    apreenso das relaes e tenses entre essas tendncias ajuda-nos a refletir sobre as potencialidades e dificuldades de revitalizao e nos fornece pistas para serem desenvolvidas futuramente.

    Referncias bibliogrficasANDERSON, P. Problemas e limites do sindicato. Revista Oitenta, L&PM, v.3, 1980.ANTUNES, R. A engenharia da cooptao e os sindicatos no Brasil recente. Jornal dos

    Economistas, Rio de Janeiro, n.268, nov. 2011.ARAJO, A. M. C.; OLIVEIRA, R. V. de. El sindicalismo brasileo en la era de Lula:

    entre paradojas y nuevas perspectivas. Revista Latinoamericana de Estudios del Trabajo, v.1, Buenos Aires, Fac. 8, 2011, p.83-112.

    BOITO, A. A nova burguesia nacional no poder. In: BOITO, A.; GALVO, A. (orgs.). Poltica e classes sociais no Brasil dos anos 2000. So Paulo: Alameda/Fapesp, 2012.

    . A crise do sindicalismo. In: SANTANA, M. A.; RAMALHO, J. R. (orgs.). Alm da fbrica: trabalhadores, sindicatos e a nova questo social. So Paulo: Boitempo, 2003, p.319-333.

    . O Sindicalismo de Estado no Brasil: uma anlise crtica da estrutura sindical. So Paulo/Campinas, Hucitec/Unicamp, 1991.

    .; MARCELINO, P. O sindicalismo deixou a crise para trs? Um novo ciclo de greves na dcada de 2000. Cadernos CRH, Salvador, v.23, n.59, 2010, p.323-338.

    CONNOLLY, H.; DARLINGTON, R. Radical political unionism in France and Britain: a comparative study of SUD-Rail and the RMT. European Journal of Industrial Rela-tions, v.18, n.3, 2012, p.235-250.

    COUTINHO, C. N. A hegemonia da pequena poltica. In: OLIVEIRA, F. de et al. (orgs.). Hegemonia s avessas. So Paulo: Boitempo, 2010.

    DALMEIDA, F.; MOURIAUX, R. Syndicats entre tat et entreprises. Mots. Les langages du politique, n.36, 1993, p.6-17.

    DAMESIN, R.; DENIS, J. M. Syndicalisme(s) SUD. Paris: Les cahiers de recherche du GIP-MIS, n.77, 2001, p.13-44.

    . SUD trade unions: The new organisations trying to conquer the French trade union scene. Capital & Class, n.86, 2005, p.17-37.

    DARLINGTON, R; UPCHURCH, Martin. A reappraisal of the rank-and-file versus bu-reaucracy debate. Capital & Class, n.106, 2012, p.77-95.

    DENIS, J. M. The case of SUD-Rail: the limits of radical political unionism. European Journal of Industrial Relations, v.18, n.3, 2012, p.267-272.

    DIAS, E. F. Sobre a leitura dos textos gramscianos: usos e abusos. Ideias, n.1, 1994.DRUCK, G. Os sindicatos, os movimentos sociais e o governo Lula: cooptao e resistn-

    cia. OSAL, Buenos Aires, n.19, jan.-abr., 2006.DULCI, L. Participao e mudana social no governo Lula. In: SADER, Emir; GARCIA, M.

    A. (orgs.). Brasil: entre o passado e o futuro. Fundao Perseu Abramo/Boitempo, 2010.FAIRBROTHER, P. Book review of G Gall (ed.) Union Organising: Campaigning for

    Trade Union Recognition. Capital & Class, n.87, 2005, p.257-263.. British Trade Unions Facing the Future, Capital & Class, n.71, 2000, p.47-78.

    Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 115Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 115 05/03/2014 15:05:4205/03/2014 15:05:42

  • 116 Crtica Marxista, n.38, p.103-117, 2014.

    FANTASIA, R.; STEPAN-NORRIS, J. The Labor Movement in Motion. In: SNOW, David et al. (eds.). The Blackwell Companion to Social Movements. Londres: Blackwell, 2004, p.555-575.

    .; VOSS, K. Des syndicates domestiqus. Repression patronal et rsistence syndicale aux Etats-Unis. Paris: Liber, Raisons dAgir, 2003.

    GAGNON, M. J. Le syndicalisme: du mode dapprhension lobjet sociologique. So-ciologie et societs, v.XXIII, n.2, 1991, p.79-95.

    GALVO, A. A reconfigurao do movimento sindical nos governos Lula. In: BOITO, A.; GALVO, A. (orgs.). Poltica e classes sociais no Brasil dos anos 2000. So Paulo: Alameda, 2012, p.187-221.

    . Marxismo e movimentos sociais. Crtica Marxista, n.32, 2011, p.107-126.

    . O movimento sindical frente ao governo Lula: dilemas, desafios e paradoxos. Outubro, n.14, 2006, p.131-150.

    .; TROPIA, P.; MARCELINO, P. A reorganizao da esquerda sindical nos anos 2000: as bases sociais e o perfil poltico-ideolgico de CTB, Intersindical e Conlutas. IIe Confrence Internationale Grves et Conflits Sociaux, Dijon, 2013.

    GORDON, A.; UPCHURCH, M. Railing against neoliberalism: Radical political unionism in SUD-Rail and RMT. European Journal of Industrial Relations, v.18, n.3, 2012, p.259-265.

    HEERY, E.; ADLER, L. Organizing the Unorganized, In: FREGE, Carola; KELLY, John (eds.). Varieties of Unionism: Strategies for Union Revitalization in a Globalizing Economy. Oxford: Oxford University Press, 2004, p.45-69.

    HYMAN, R. Industrial relations: a marxist introduction. London: The Macmillan Press, 1975.

    . The politics of workplace trade unionism: recent tendencies and some problems in theory. Capital & Class, n.8, 1979a, p.54-67.

    . La thorie des rlations industrielles: une analyse matrialiste. Sociologie du Travail, n.4, 1979b.

    HYMAN, R.; GUMBRELL-MCCORMICK, R. Syndicats, politique et partis: une nouvelle configuration est-elle possible? La Revue de lIres n.65, 2, 2010, p.17-40.

    KELLY, J. Union militancy and social partnership. In: ACKERS; SMITH (eds.). The new workplace and trade unionism. Routledge, 1996, p.77-109.

    . Trade Unions and Socialist Politics. London: Verso Press, 1988.LNIN, V. Que fazer? So Paulo: Hucitec, 1988 [1902]. LCIO, C. G. 11 Questes e uma agenda sindical: Notas para refletir sobre os desafios

    para a ao sindical. Mimeo, 2011. MCILROY, J. Radical political unionism reassessed. European Journal of Industrial

    Relations, v.17, n.4, 2012, p.251-258.. Socialists and the Unions: a response to Galls comment. Capital & Class, n.75,

    2001, p.207-214.. New Labour, New Unions, New Left. Capital & Class, n.71, 2000, p.11-45.

    MOODY, K. Towards an international social mouvement unionism. New Left Review, n.225, 1988, p.52-72.

    MOURIAUX, R. Syndicalisme et politique.Paris: Les Editions Ouvrires, 1985.

    Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 116Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 116 05/03/2014 15:05:4205/03/2014 15:05:42

  • A contribuio do debate sobre a revitalizao sindical para a anlise do sindicalismo brasileiro 117

    MOURIAUX, R. Outils et questions de la syndicatologie la fin du XXe sicle. Regards sur lactualit, sep-out, 1998.

    QUEIROZ, A. A. de. Desafios do movimento sindical no segundo Governo Lula. Dispon-vel em: http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=550&id_coluna=9, 08 de janeiro 2007. Acesso em: 15 fev. 2007.

    RICCI, R. Lulismo: da era dos movimentos sociais ascenso da nova classe mdia brasileira. Rio de Janeiro: Contraponto, 2010.

    TROTSKY, L. Os sindicatos na poca da decadncia imperialista. In: Escritos sobre sindicato. So Paulo: Kairs, 1979 [1940], p.101-109.

    TURNER, L.; HURD, R. W. Building social movement unionism: the transformation of the American labor movement. In: TURNER, L. et al. Rekindling the Movement. Labors Quest to Relevance in the Twenty-First Century. Ithaca: Cornell University Press, 2001, p.9-26.

    UPCHURCH, M.; MATHERS, A. Neoliberal globalisation and trade unionism: Toward radical political unionism?. Critical Sociology, 38(2), 2011, p.265-280.

    UPCHURCH, M.; TAYLOR, G.; MATHERS, A. The crisis of social democratic unionism. Labor Studies Journal 34(4), 2009, p.519-542.

    VOSS, K. Dilemmes dmocratiques: dmocratie syndicale et renouveau syndical. Revue de lIRES, n.65, 2010, p.87-107.

    VOSS, K.; SHERMAN, R. Breaking the iron law of oligarchy: union revitalization in the American Labour Movement. American Journal of Sociology, v.106, 2000, p.303-349.

    WATERMAN, P. Social Movement Unionism: A New Model for a New World order. Review, 16(3), 1993, p.245-278.

    . The new social unionism: a new union model for a new world order. In: WATER-MAN, P.; MUNCK, R. (eds.). Labour worldwide in the era of globalization: alternative union models in the new world order. London: Macmillan, 1999, p.247-264.

    YATES, M.; GAPASIN, F. Labor Movements: Is There Hope? Monthly Review, 2005.

    Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 117Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 117 05/03/2014 15:05:4205/03/2014 15:05:42

  • Crtica Marxista, n.38 201

    que estabelecem. Tambm discute como a questo da autonomia daquilo que se pode de-nominar campo sindical foi historicamente construda e de que maneira as relaes entre o campo sindical e os demais campos sociais podem ser analisadas.Palavras-chave: sindicalismo, Frana, campo sindical, autonomia.Abstract: The article aims to provide a dialogue between Marxist sociology and Bourdieus sociology, showing how the definition of the field allows us to understand, in a relatio-nal and structural manner, the positions occupied by union agents and the interactions established between them. It also discusses how the issue of the union field autonomy was historically constructed and how the relationship between the union field and other social fields can be analyzed.Keywords: trade unionism, France, union field, autonomy.

    A contribuio do debate sobre a revitalizao sindical para a anlise do sindicalismo brasileiro

    ANDRIA GALVO

    Resumo: Este artigo recupera algumas dimenses do debate sobre revitalizao sindical com o intuito de analisar o caso brasileiro. Examina os conceitos de sindicalismo de movi-mento social e sindicalismo radical para refletir sobre as caractersticas poltico-ideolgicas do sindicalismo nos governos petistas. Considera que as centrais majoritrias assumiram uma perspectiva de parceria social e moderao poltica que no condizem com a noo de revitalizao. Por outro lado, a construo de um polo sindical radical tambm no suficiente para revitalizar o sindicalismo, dado seu carter amplamente minoritrio e sua baixa insero junto s bases.Palavras-chave: sindicalismo, revitalizao, governos petistas, centrais sindicais.Abstract: This article examines some dimensions of the trade union revitalization debate in order to analyze the Brazilian case. It examines the concepts of social movement unionism and radical unionism to deal with the political and ideological characteristics of unionism during PT administrations. It considers that the main union federation organizations have assumed a social partnership and political moderation perspective which are inconsistent with the category of revitalization. On the other hand, the radical union polo building process is not powerful enough to revitalize unionism, given its widely minority character and its low shop floor insertion.Keywords: tradeunionism, revitalization, PT administrations, union confederations.

    Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 201Miolo_Rev_Critica_Marxista-38_(GRAFICA).indd 201 05/03/2014 15:05:4805/03/2014 15:05:48