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Revista elaborada na disciplina Temas Especiais em Planejamento Gráfico em Jornalismo, na faculdade de Jornalismo da UFBa.
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SALVADOR, 27.11.2015 1
A VIDA DE MITTAEnsaio mostra a transformação de uma Drag Queen
EDIÇÃO 1 • ANO 1 • NOVEMBRO DE 2015
GAYANA
SALVADOR, 27.11.2015 2
ÍNDICE 27.11.2015
04 08 22 24
OPINIÃO CAPA MESA LITERATICES
Para Jean de Jesus se tornar Mitta Lux, muitos detalhes necessitam ser trabalhados. A começar pela roupa, que tem que chamar atenção, com muito brilho e bordado para representar todo o glamour que a noite pede. Em seguida, vem um acessório importantíssimo, a peruca. Com a roupa e a peruca já prontas, vem outra parte fundamental na mon-
tagem de uma Drag Queen, a maquiagem pesada. Além do ensaio fotográfico A Transformação de Mitta Lux, a primeira edição de Gayana traz uma coluna que reflete sobre a estética da tristeza nas redes sociais nos dias de hoje. O gosto pelo melancólico, representada por citações depressivas e fotos em preto e branco é tão forte quanto a vontade de mostrar uma vida sempre feliz e cheia de sorrisos? Além disso, esta edição traz uma surpresa para os amantes da ficção: o canal no YouTube Food From Ficction ensina as receitas que aparecem nas séries de TV, filmes, animações e jogos. A coluna Literatices vem com uma crítica ao livro Mal Entendido em Moscou, da escritora e filósofa francesa Simone de Beuvoir. Boa leitura. Bruna Castelo Branco
A estética da depressão: por que a tristeza é tão bela?
A transformação de Mitta Lux em um ensaio fotográfico
Cultura pop e culinária se misturam em canal no YouTube
Romance autobiográfico de Simone de Beuvoir relativiza o tempo
EDITORIAL
SALVADOR, 27.11.2015 1
GAY A
NA
A VIDA DE MITTAEnsaio mostra a transformação em Drag Queen
EDIÇ
ÃO 1
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Transformista Mitta Lux. Fotos de Naiana Ribeiro e Ian Thommas
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belo?P
ensamentos melancólicos, vielas em tons de cinza e histórias tristes vêm deixan-do de ser um tabu que caracteriza “pessoas depressivas” e ganhando espaço e força de expressão. Filmes de Lars Von Trier como “O Anticristo” e “Melancolia” e musicistas como Lana Del Rey legitimam a beleza, leveza e liberdade em poder, de uma vez por todas, sentir-se triste sem precisar de desculpas e explicações
contínuas, aprisionadoras e torturantes.A quem queremos enganar? Filmes em preto e branco e melodias tristes causam uma
sensação de introspecção únicas e libertadoras. O antes insondável mundo de tudo o que as pessoas eram proibidas de falar – a não ser que estivessem em um consultório psiquiá-trico –, veio à tona e atraiu muitos olhares. Até demais. Depois de pensar sobre o assunto, cheguei a uma questão: até que ponto a admiração pelo introspectivo e melancólico é real ou forçada?
Recentemente, uma pesquisa alemã encabeçada pelas cientistas Liila Taruffi e Stefan Ko-elsch apontou que músicas tristes são mais agradáveis aos ouvidos e podem até deixar o ouvinte mais alegre. Para chegar a esse resultado, as pesquisadoras entrevistaram 772 pes-soas de todo o mundo para descobrir com que frequência e em quais momentos costumam ouvir músicas tristes, e fizeram a seguinte pergunta: “depois de ouvir essas canções, como você se sente?” Eis as respostas: paz de espírito, transcendência, reflexão, nostalgia e até ter-nura. Ainda segundo o estudo, em quase todos os casos, as pessoas buscam músicas tristes quando estão passando por algum problema emocional ou se sentem solitárias: “Os ouvintes escutam essas músicas quando experimentam algum estresse emocional, para facilitar a es-pantar emoções negativas”.
A questão se transformou em um problema quando estar triste se transformou em algo “cool”. Quanto mais postagens depressivas fazemos em redes sociais, mais inteligente e re-flexivos parecemos. O Instagram recebe muitas críticas por maquiar uma suposta alegria que, em quase todos os casos, é apenas passageira: é muito fácil vestir uma roupa legal, ir
POR QUE O TRISTE É TÃO
Texto BRUNA CASTELO BRANCOFoto DIVULGAÇÃO
OPINIÃO
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Querer remar contra a maré – ou seja, contra fotos lotadas de sorrisos – é tão óbvio quanto remar a seu favor
a uma pizzaria e publicar uma foto como se o mundo fosse mágico e você fosse eternamente alegre. Mas, também é muito fácil publicar uma foto subjetiva em preto e branco ou em cores mortas para conotar uma depressão e melancolia que, em muitos casos, não são reais. Passam longe disso.
O gosto pelo depressivo é interessante, mas não difícil de desmistificar. Em um momento em que é moda exibir imagens alegres, o contrário nasce e ga-nha muitos adeptos: afinal, não há claro sem escuro, liberdade sem prisão e felicidade sem tristeza. A ne-cessidade de remar contra a maré – ou seja, contra fotos lotadas de sorrisos – é tão óbvia remar a seu favor.
Em contrapartida à alegria, a tristeza traduz uma ideia de pensamentos pesados e reflexões profun-das. E, por isso, é tão apalatável e esteticamente in-teressante ser socialmente triste: além de criar uma aura misteriosa, a pessoa “soa” mais inteligente, di-ferente e interessante. Quando Lana Del Rey canta “I’m pretty when I cry” (eu fico muito bonita quando choro), resume toda essa ideia: a tristeza causa uma sensação de beleza e vício tão fortes que, uma vez
sentindo e expondo, vira um ciclo.Ouvir músicas, ler textos e li-
vros, contemplar obras de arte e assistir filmes tristes em momentos de real tristeza trazem a aliviante sensação de que alguém entende nosso sofrimento. Mas, forçar qual-quer sentimento, seja ele qual for, para passar uma imagem, também seja ela qual for, só faz aumentar os tabus sobre essas emoções. A liberdade de sentir e poder final-mente expressar o que realmente sente é uma grande conquista – que ainda não foi conquistada por completo, afinal de contas.
Enxergar o mundo de forma muito pessimista e ver o copo meio vazio ao invés de meio cheio não é tão errado assim. O aprisionador é demonstrar uma alegria forçada – ou uma tristeza mais forçada ainda. E isso é muito pior. Bruna Castelo Branco
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A TRANSFORMAÇÃO DE
MITTA LUX
Quem avistasse aquele rapaz de cabelo curto e corpo en-xuto, unhas claras e olhos castanhos, andando pelas ruas de Salvador não imaginaria que se tratava da transfor-mista Mitta Lux, a vencedora do concurso Miss Univer-so Gay 2013. Despertando a libido do público com a sua
performance no palco e seu carisma, Mitta realiza shows sensuais em boates GLS, saunas e eventos particulares. Jean Carlos Macedo de Jesus, 24 anos, nome de batismo de Mitta, também trabalha como maquiador freelance por paixão e web designer, por opção. Natural de Brasília, co-nheceu Salvador no carnaval de 2009, e se encantou tanto pela cidade que passou um mês por aqui após a festa, sendo demitido dos seus empregos na capital federal. Voltou para sua cidade natal, arrumou toda sua vida, se despediu dos amigos e familiares e partiu para a capital baiana. A sua primeira apresentação como transformista, em Salvador, se deu a convite de Bagageryie Spielberg, uma das transformistas mais famosas da cidade. “Eu estava no Bar Âncora do Marujo, que fica na Carlos Gomes e Bagageryie se apresentava naquele dia, a gente nem se conhecia. Mas, quando olhou para mim disse que eu tinha cara de quem fazia uma boa apresentação como transformista e me convidou para uma participação no seu próximo show”,contou Mitta ao lembrar o que aconteceu há cinco anos. Rapidamente, Mitta Lux se tornou conhecida na noite soteropolitana. Conquistou o status de atração contínua na Bo-ate Tropical, localizada na Gamboa de Cima, próximo ao Campo Grande. Com apresentações fixas às sextas-feiras e sábados, os frequentadores da boate já se tornaram fãs e alguns até contam ter sonhos eróticos com Mitta. O show é sempre cheio de glamour, com roupas coladas e muito brilho. As coreografias são bastante sensuais, com muito rebola-do e passos de ballet inspirados em Beyoncé.. Mitta conta que o traba-lho na noite tem um forte apelo sexual. “O clima de boate e festa incita o desejo, as pessoas estão bebendo e se divertindo, então a gente tem que fazer uma apresentação bem ousada”.
Texto ANNE RAVELEFoto NAIANA RIBEIRO E IAN THOMMAS
CAPA
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Quando eu era criança, me sentia anormal por querer me vestir como mulher, era muito difícilMitta Lux
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Gosto de Amy Whinehouse porque ela tem a força que eu sempre busquei em toda a minha vida, por isso, me visto como elaMitta Lux
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FICÇÃODA
Pegue um projeto de TCC, misture com o fascínio por cozinhar e comer e coloque uma pitada de vício em séries, filmes, de-senhos animados ou até jogos. Pronto: assim nasceu o Food From Fiction, um canal no YouTube e uma página no Facebook com mais de mil seguidores. As inventoras, Isadora Manzaro e
Beatriz Coelho, que têm nada mais nada menos do que 21 anos de idade, estudantes de comunicação social da PUC de São Paulo, criaram o canal em abril, sem imaginar a enxurrada de sugestões e trabalho que viria. Com um visual atrativo e tema mais ainda, a mistura está cada vez mais se tornando uma receita de sucesso.
Na dupla, a cozinheira nata é Isadora, que foi quem teve a ideia inicial. Sempre que assistia séries de TV e filmes e via as guloseimas apreciadas apenas pelos personagens, ficava água na boca e com a inspiração neces-sária para fazer as receitas. Como, por exemplo, o Frango Frito de Pollos Hermanos, da série norte-americana Breaking Bad. “Essa, por exemplo, é uma receita icônica, que aparece em três temporadas. Muitas pessoas pediram para fazer, e eu sempre tive a curiosidade de experimentar”.
Entre um desafio e outro, refazer o Hot Dog Tacos do Scooby Doo foi, até agora, o mais complicado. “Por ser uma coisa muito diferente, foi um pouquinho mais difícil de fazer, tentamos preparar uma salsicha mais grossa, fazer umas tortinhas, acabou dando certo”, disse Isadora. E
a receita preferida? A resposta foi unânime: o Sanduíche Cubano, do filme Chef, é o mais amado.
É claro que nem sempre é possível encontrar a receita exa-ta dos personagens da ficção. E é aí que as chefs têm a chance de aprender, inovar e abrasileirar um pouco mais os pratos. Como, por exemplo, aconteceu na sobremesa indiana Shahi Tukda, diretamente da série Sense8, da Netflix. Na TV, o pai de Kala alegra a filha com esse quitute. Na vida real, Isadora e Be-atriz rodaram a internet em busca da receita perdida. “Primeiro, nem conseguíamos entender direito o nome do prato. Depois, ficamos procurando em vários sites o modo de fazer, aí achamos um vídeo de um cozinheiro dos Estados Unidos
Para quem gosta da cultura pop e gosta de comer, o canal Food From Ficction é ótimo
que explicava direitinho”, lembrou Isadora.Mas, ainda com as receitas em mãos, umas mu-
danças aqui e ali acabam sendo necessárias. Como Isadora explicou, “nem todos os ingredientes são vendidos no Brasil, aí acabamos tendo que mudar”. E também tem aquelas que são adaptadas por opção, bom senso e paladar apurado. “Vamos lendo e perce-bemos que, se fizermos de tal jeito, pode ficar melhor, e aí vamos criando”.
Nesse vai e vem de sugestões e ideias, sempre acabam surgindo situações inusitadas, como quando elas decidiram fazer uma receita do The Sims. Se você conhece o jogo, já deve ter passado pela sensação in-controlável de invejar a comida do seu personagem virtual. Para o canal, as meninas decidiram ensinar a receita de um clássico: Pasta Primavera. E foi aí que surgiu uma nova missão. Como copiar o prato? Bem simples: dar zoom enquanto o personagem prepara a comida e adivinhar quais são os ingredientes usados. “A gente olhava e dizia: ah, esse ingrediente parece brócolis, esse parece tal coisa, e aí, pronto”, narrou Beatriz.
Tudo começou como um TCC, mas, hoje, já é bem mais do que isso. E, de acordo com Isadora e Beatriz, o projeto não vai acabar com a formatura. E os resul-tados positivos são enormes, tanto para elas quanto para quem assiste e aprende a receita nova. “Eu sei me virar na cozinha, mas não sou cozinheira, aí acabo aprendendo muito”, disse Beatriz.
Mas, para a nossa frustração, os pratos prontos não são vendidos. Não por falta de vontade das cria-doras, e sim por burocracias da universidade, já que é um projeto de TCC. “A gente pretende, depois de apre-sentar o trabalho, fazer alguma coisa para apresentar o canal ao público”, explicou Isadora. Se vai virar um negócio para ser comercializado regularmente, aí já são outros quinhentos. Por enquanto, é melhor pre-parar o fogão e botar a mão na massa. Literalmente.
PARA AMESA
Texto BRUNA CASTELO BRANCOFoto DIVULGAÇÃO
MESA
Trufas de chocolate do filme A Fantástica Fábrica de Chocolate
Frango frito Pollos Hermanos, da série Breaking Bad
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SIMONE DE BEUVOIR E O
PESO DOTEMPOTexto BRUNA CASTELO BRANCOFoto DIVULGAÇÃO
De aniversário em aniversário, Natal em Natal e Réveillon em Réveillon, quem nunca parou para pensar: "mas já? Passou tão rápido". Em
"Mal-entendido em Moscou", de Simone de Beauvoir, este é o tema central que permeia toda a trama e assombra os pro-tagonistas: o tempo. Como suportar as mudanças estéticas que chegam com a velhice? Como sobreviver ao tempo que pesa sobre os nossos ombros?
Quatro temas centrais permeiam a obra “Mal-entendido em Moscou”, da es-critora e filósofa existencialista francesa Simone de Beauvoir: o tempo, a espera, o medo de envelhecer e o amor. Como alerta o título do romance, a trama é de-senvolvida em uma viagem dos persona-
gens principais, os sexagenários Nicole e André, à capital da União Soviética em meados dos anos 60.
A partir de uma narração dupla, em que o casal se alterna nesse papel, os medos, anseios e personalidade dos per-sonagens são cuidadosamente revela-dos. Ela teme ter desperdiçado a vida em prol de um casamento que, em diversos momentos, acha que não deu tão certo assim. Na figura de Macha, guia do casal na União Soviética e filha do marido com outra mulher, Nicole vê tudo aquilo que pensa não ser mais: jovem, segura de si e cheia de vida. Cada segundo em sua presença é, para Nicole, um lembrete do peso da sua idade e da falta de perspec-tivas para um futuro que, para ela, nem existe. “Quantas vezes ainda teria três
anos para viver?”, se perguntava, aflita com a possível proximidade da morte.
Já André, ativista sonhador aposenta-do, conseguia disfarçar o peso do tempo muito bem, tão bem que a própria mulher ainda o considerava jovem e esperanço-so. Mas, em seu âmago, sentia os mes-mos medos de Nicole: o desespero de não “ter realizado nada”, de não ter sido um pai genial e presente para Macha, de ver uma União Soviética cada vez menos socialista e reconhecer que, na Guerra Fria, o comunismo, infelizmente, perdeu. Viciado em álcool e tabaco, André decidiu se enterrar vivo. Como acreditava não ha-ver mais tempo para fazer algo bom para a sociedade, preferiu fazer mais nada – e se frustrar sempre com essa condição. Com personalidades fortes e bem descri-
LITERATICES
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tas, os personagens de Simone usam a viagem à Mos-cou para refletir sobre os seus problemas existenciais, é aí que surge o mal-entendido que intitula a obra: presos no próprio individualismo e questões pessoais, Nicole e André se tornam egoístas ao não conseguir entender e conversar sobre o problema do outro. Ela estava entediada e com saudade da sua cidade natal, Paris, e ele, triste por ver o sonho comunista e a pró-pria juventude desabando aos próprios olhos. Infelizes consigo mesmos, o casal se torna infeliz no matrimô-nio.
“Mal-entendido em Moscou” é uma obra de ficção, mas poderia ser uma biografia de tão reais que são os personagens retratados. Leve, dramático e interes-sante, o livro leva o leitor a percorrer as 142 páginas tão rápido que, ao final, surge aquele espanto: “Já aca-bou?”. E, cuidado: se não quiser se questionar sobre si mesmo e, como os personagens, entrar em uma pequena crise existencial, não leia a primeira página.
A partir de uma narração dupla, os medos, anseios e personalidade dos personagens são revelados
Bruna Castelo Branco
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