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a mulher e o sistema penal publicado na revista Caderno Espaço Feminino da Universidade Federal de Uberlandia (UFU-MG), em seu numero 27-2 de 2014 de autoria de Jackson Leal, e que trata da mulher em contato com o sistema judicial, tanto na condição de vitima, quanto na condição de transgressora.
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A MULHER E O SISTEMA PENAL: de vitima infratora e a manuteno da condio desubalternidade
Jackson da Silva Leal(*)
Resumo
Nesse trabalho se analisa a problemtica de gnero, especificamente o caso da mulher em seucontato com o sistema penal, em sua dupla manifestao. Enquanto sujeito ativo e enquadradacomo autora e definida como criminosa, e assim reconhecida como duplamente transgressorae duplamente punida. E tambm, na condio passiva de vitima, mormente na questo daviolncia domstica e na centenria relao de submisso dentro do lar e no seio das relaesfamiliares dominadas pelo homem (patriarca/varo), e a funo de resgate/reafirmao dospapeis sexualizantes e legitimadores da subalternidade feminina que so operacionalizadospelo funcionamento do sistema penal (ainda que em funo supostamente defensiva). Assim,reafirmando e fortalecendo o lao das relaes modernas marcadas historicamente pelapredefinio de papeis estereotipados de gnero ou seja, a menina que corre para o colo dopai, depois para os braos do marido, e por fim, para a assistncia/defesa/vingana operadapelo Estado como institucionalidade masculina. O presente trabalho se pauta por anliseterica e bibliogrfica, recuperando algumas pesquisas realizadas sobre a criminalizao damulher e da aplicao da lei que amplifica as penas para violncia domstica. Tal analise se da partir do arcabouo terico-analtico permitido pela criminologia crtica. O objetivo destetrabalho o adensamento da discusso da problemtica relao mulher x sistema penal, comintuito de promover micro-rupturas intelectivas, e assim desvelar a face masculina daoperacionalidade do sistema penal e sua importante parcela de contribuio nessa dominaohistrica.
Palavras-chave: Criminologia Crtica. Sistema Penal. Dominao Masculina.Institucionalidade patriarcal.
Abstract
In this work we analyze the problems of gender, specifically the case of the woman in theircontact with the criminal justice system, in its double manifestation. As active subjects andframed as author and defined as criminal, and thus recognized as doubly transgressive anddoubly punished. Also, the passive condition of the victim, especially on the issue of domesticviolence and the Centennial relation of submission within the home and within the familyrelationships male-dominated (patriarch/man), and the function of redemption / sexualizantesreaffirmation of roles and legitimating of female subordination that are operated by theoperation (even in supposedly defensive function) penal system. Thus , reaffirming andstrengthening the bond of modern relationships marked historically by default stereotypicalgender roles - ie the girl who runs to his father's lap , then into the arms of her husband , andfinally , for the assistance / advocacy / revenge operated by the state as male institutions . Thiswork is guided by theoretical and literature review, recovering some research on thecriminalization of women and law enforcement that amplifies the penalties for domesticviolence. This analysis starts from the theoretical and analytical framework allowed forcritical criminology. The objective of this work is the density of the discussion of theproblematic relationship woman x penal system, aiming to promote intellective micro -
(*) Professor de Direitos Humanos UNESC/SC. Graduado em Direito (UCPel), mestre em Poltica social (UCPel), doutorando em Direito (UFSC); bolsista pesquisador CNPq. E-mail: [email protected].
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breaks, and so reveal the male face of the operation of the penal system and its importantcontribution portion of this historical domination.
Keywords: Critical Criminology. Penal System. Male Domination. Patriarchal Institutions.
A marca do batom vermelha, cor das bandeiras libertrias e, tambm,
do sangue derramado pela opresso(Frei Beto)
paz sem voz, no paz, medo [...]
Qual a paz que eu no quero conservarpra tentar ser feliz
(O Rappa)
APONTAMENTOS PRELIMINARES: situando a discusso
O presente trabalho analisa o contato da mulher com a estrutura institucional
ocidental burguesa, em especial em sua feio patriarcal, especificamente na sua manifestao
que o sistema de justia penal, ou sistema penal como se denomina desde a criminologia
crtica.
Nesta linha, a presente discusso se desenvolve em duas perspectivas distintas, mas
interligadas pelo mesmo fio condutor, a reafirmao dos papis de gnero e a dominao
masculina que continua sendo operada, s vezes abertamente, e em alguns momentos sub-
repticiamente na atuao das instituies e dinmicas de sociabilidade moderna e institucional
oficial.
Assim, a problemtica que se apresenta com a mulher enquanto sujeito ativo, na
condio de autora e definida como criminosa pelo sistema penal, entendida como
duplamente transgressora; e, portanto, duplamente punida pelo sistema penal. Sobre ela recai
uma sobrecarga de punio com a sano penal, e a reafirmao dos papis a ela
historicamente atribudos, e os espaos culturalmente negados.
Ou ainda, enquanto sujeito passivo e assim feita vitima da histrica subalternidade
em relao ao masculino e suas criaes culturais, sociais e politicas; que tem seu epicentro
na modernidade contempornea com a manifestao da violncia domstica e a sujeio fsica
absoluta levada ao limite com o feminicdio.
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Aborda-se a questo do recurso ao sistema penal como instituio masculina (criado
com fins determinados de sujeio e docilizao dos indivduos) como dinmica de
domesticao e controle da violncia intrafamiliar baseada no gnero. Entretanto, trabalha-se
com a hiptese de que essa estratgia permite a reforo dos prprios valores da separao
entre os gneros pautados pela ambivalncia e que atribui a mulher o (des)qualificativo de ser
o sexo frgil. Alm de resgatar diversos esteretipos de gnero e manter a dominao
patriarcal histrica. Isso sem falar na histrica e imanente incapacidade do sistema penal em
resolver os conflitos, e sequer de proteger a mulher, produzindo meramente uma
(re)vitimizao e simplificao da problemtica a partir do populismo punitivo.
O presente trabalho construdo a partir de abordagem terica e bibliogrfica, desde
o acmulo terico e emprico permitido pela criminologia crtica, especialmente latino-
americana, e assim se resgata pesquisas realizadas no Brasil envolvendo o objeto deste
trabalho a mulher x sistema penal , a fim de contribuir com a anlise.
Assim, analisa-se a questo envolvendo a mulher enquanto vitima desde o
desvelamento do sistema penal e sua incapacidade de proteg-la, e de resolver conflitos, na
perspectiva de demonstrar as reais funes que cumpre o sistema penal, ou seja, suas funes
encobertas. Tambm, traz-se a mulher enquanto objeto da criminalizao a partir da anlise da
econmica poltica da pena e sua funo de docilizao da mulher, incorporando (atravs da
socializao secundria/substitutiva) seu papel historicamente atribudo.
Antes de adentrar diretamente na discusso especfica, intenta-se situar a discusso
que envolve gnero x sistema penal na construo histrica da modernidade burguesa e o
porqu se entende essa relao pelo antagonismo e pelo conflito.
Para Jean Jacques Rousseau na obra sobre a origem e o fundamento da desigualdade
entre os homens, escreve que esta (a desigualdade) se deu a partir do momento em que o
homem cercou um pedao de terra e disse que era seu; por seu turno Eduardo Galeano
escreve:
[] Y en los campos labrados fuimos devotos de las diosas de La fecundidad,mujeres de vastas caderas y tetas generosas, pero con el paso del tiempo ellas fuerondesplazadas por los dioses machos de la guerra. Y cantamos himnos de alabanza a lagloria de los reyes, los jefes guerreros y los altos sacerdotes. Y descubrimos laspalabras tuyo y mo y la tierra tuvo dueo y la mujer fue propiedad del hombre y elpadre propietario de los hijos. (Galeano, 2008, p.6)
Verifica-se que a criao da ideia de propriedade privada no influenciou somente
nas relaes econmicas, sociais ou polticas, mas nas relaes entre gnero, tendo em vista
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que determinou a separao de um espao pblico destinado poltica a ser desenvolvida
pelo homem; e, um espao privado s relaes domsticas, a serem cuidadas pela mulher.
A partir disso o espao pblico se constitui no lcus de domnio/controle masculino,
e em grande medida resultado da criao de seus prprios indivduos; da que se fala em que o
espao pblico e suas instituies eminentemente masculinas, e disso advm a separao de
espaos de atuao e papis sociais e a separao entre o sexo (biolgico homem e mulher) e
o gnero como resultado de uma construo sociocultural (masculino e o feminino). Escreve
Alessandro Baratta sobre a diviso social do trabalho de acordo com o gnero masculino x
feminino:
a construo social do gnero, e no a diferena biolgica do sexo, o ponto departida para a anlise critica da diviso social de trabalho entre mulheres e homensna sociedade moderna, vale dizer, da atribuio aos dos gneros de papeisdiferenciados (sobre ou subordinado) nas esferas da produo, da reproduo e dapolitica, e, tambm, atravs da separao entre publico e privado. A prpriapercepo da diferena biolgica no senso comum e no discurso cientfico depende,essencialmente, das qualidades que, em uma determinada cultura e sociedade, soatribudas aos dois gneros, e no o contrario (BARATTA, 1999, p. 21)
Essa a estrutura social que se pode dividir entre proprietrios e trabalhadores, e
tambm, entre o masculino e o feminino, tendo seu status e espaos de atuao de acordo com
a posio ocupada na estrutura social. E justamente para defender essa sociedade (a ideologia
da defesa social) e seu cdigo de valores (manuteno do cdigo da estrutura social patriarcal)
que se erige o sistema penal com todas as instituies que lhe so pertencentes polcias,
poder judicirio, priso (...), ou seja, estruturas institucionais preparadas para a manuteno
social e no para sua modificao.
Aponta-se ainda, que o mbito domstico h bem pouco tempo ingressou no mapa de
preocupaes regulatrias do poder do Estado e do ius puniendi, tendo em vista que este
espao (privado) era visto como mbito de domnio do homem, patriarca e varo, e assim
como seu espao de privacidade.
Assim se situa a problemtica trazida pelo presente trabalho, essa a institucionalidade
que ora se apresenta como protetora, ora como punitiva, mantendo-se os mesmos discursos e
instrumentos. Analisar a questo da violncia domstica baseada no gnero em suas origens
histricas dar ateno a esta problemtica que permanece na contemporaneidade,
verificando-se que esta questo no se faz como uma demonstrao de patologia social, mas
sim como resultado de uma determinada formao societria que produz/reproduz e perpetua
esta dinmica relacional marcada pela submisso e que v na violncia a forma preponderante
de demonstrao e manuteno de poder e autoridade.
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A mesma autoridade que se identifica como sendo a chamada a resolver conflitos de
gnero pela via da punio, como o Estado que abraa a sdita fragilizada, e tambm se
apresenta como Soberano na defesa da sociedade (e seu discurso moralista punitivista) que se
manifesta na mecanicidade do sistema penal na interveno sobre as mulheres definidas como
criminosas.
Minimamente situada a discusso, tendo como pano de fundo a construo histrica
da separao/dominao entre o masculino e o feminino e suas interferncias sociopolticas,
passa-se a abordagem especfica, da mulher enquanto sujeito ativo da relao com o sistema
penal e sua insero no mapa de interesses do poder punitivo estatal; e, posteriormente, na
condio de sujeito passivo.
1 A MULHER ENQUANTO SUJEITO ATIVO: uma anlise baseada na econmicapoltica da pena e as sobrecargas de opresso
Neste ponto passa-se a analisar o contato da mulher, ou melhor, do gnero feminino
como construo sociocultural com o sistema penal como instituio masculina, que para
efeito deste ponto a mulher como duplamente infratora , assume funes especficas.
Assim, se permite analisar a questo do atual incremento do encarceramento
feminino a partir de um fundamento de economia poltica da pena, mormente com base em
Georg Rusche e Otto Kirchheimer (2004) e tambm Dario Melossi e Massimo Pavarini
(2006) e como isso se apresenta com feies especficas sobre a sua clientela feminina, no
obstante mantenha suas funes muito bem apresentadas pelos autores e guarde fundamental
importncia para a manuteno da estrutura social burgus-capitalista e sua diviso de papis
sociais e espaos de atuao organizados por rgidos controles legais-morais.
Realizando, ainda que sinteticamente, um resgate da instituio prisional1 e controle
social centralizado no Estado e no Sistema penal para situar a mulher e o feminino nesta
instituio, nesse novo paradigma de administrao da justia e da resoluo/suspeno de
conflitos pelas instituies oficiais, permite trazer as contribuies aportadas por Rusche e
Kirchheimer (2004) que apontam o surgimento da priso de acordo com o nascimento das
relaes capitalistas de produo e as desigualdades geradas, assim como a obrigatoriedade do
trabalho (pelo valor que fosse oferecido a essa mo-de-obra) e tambm como forma de fazer o
1 Refere-se a priso como penal definitiva, tendo em vista que a priso como medida provisria (aguardandojulgamento) j era utilizada sculos antes.
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grande contingente de trabalhadores proporcionarem as condies de desenvolvimento
capitalista nascente e ascendente, bem como constituir seu exrcito de reserva.
Nesta medida o sistema penal tem sua origem e vem a substituir o que se conhecia
por instituies de assistncia social para os pobres, ou seja, as politicas sociais, tendo uma
relao de atrelamento e mudana de perspectiva na atuao estatal. Obviamente que a partir
disso no se pode pensar no direito penal, como o discurso tentava fazer crer, como
humanizador e substituto das dinmicas brutais do antigo regime, pautados pelas penas
corporais; mas sim, se trata de uma nova dinmica eficiente do ponto de vista do novo
paradigma de organizao social que se estava construindo o regime capitalista , ou seja,
um discurso estratgico, para uma operacionalidade utilitria. Nesta linha complementa
Rusche e Kirchheimer sobre a clientela dessa poltica de controle da misria:
A fora de trabalho que o Estado podia controlar melhor era composta por pessoasque exerciam profisses ilegais, como mendigos e prostitutas, e tantas outras queestavam sujeitas sua superviso e dependiam de sua assistncia por lei e portradio, como vivas, loucos e rfos. A historia da politica publica para mendigose pobres somente pode ser compreendida se relacionarmos a caridade com o direitopenal (RUSCHE;KIRCHHEIMER, 2004, p. 58)
Verifica-se, a partir de Rusche e Kirchheimer, a utilidade da nova modalidade de
penas, baseadas no trabalho forado no momento de necessidade de desenvolvimento e
produo capitalista e acumulao de capital (obviamente que por parte dos detentores dos
meios de produo utilizando a mais-valia pura), ainda a pena da forma de gals e desterro no
perodo do colonialismo, em que era necessria essa fora motriz para levar o descobrimento
das novas terras e encobrimento dos povos brbaros, ou ainda o exlio quando nada
necessidade de povoar essas novas terras, para no permitir novas invases.
A mulher e o feminino se colocam neste contexto, a partir do momento em que a
Escola da Criminologia Positiva volta suas atenes para esse contingente. Em 1876 o mdico
Cesare Lombroso escreve o L'Uomo Delinquente, que traz os caracteres identificadores do
criminoso, rompendo com as premissas do classicismo, principalmente baseado no livre-
arbtrio, aportando a ideia de naturalidade e condicionamento do criminoso condies e
causas internas, tais como a epilepsia, o atavismo e a loucura moral, em suma, a anormalidade
do indivduo, que se fazia passvel de identificao e tratamento/controle; e em 1893 sua
preocupao se volta para a mulher, com a obra La donna delinquente: la prostituta e la
donna normale, na qual atualiza suas categorias e as direciona ao pblico feminino
identificando suas patologias crimingenas.
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Mas o que isso tudo tem a ver com a mulher, e, sobretudo com a mulher moderna, do
perodo contemporneo? Muitos diriam que as construes de Lombroso tenham ficado como
rplicas/peas de seu museu sediado em Turim, entretanto. Entretanto esses muitos ficariam
espantados como as categorias de Lombroso, ainda que sob nossas formulaes e
atualizaes, continuam atuais e operativas. Talvez a principal categoria que remonta a
etiologia positivista e que mantm uma vitalidade indiscutvel a ideia do estereotipo, ou
seja, apresentao de uma caracterologia identificadora do tradicional criminoso lombrosiano,
ou mesmo da criminosa.
Assim, identifica-se a mulher criminosa como a figura feminina que no se adaptou
(por defeito em sua formao moral) condio de subalternidade intrafamiliar e a vida do
lar, ou seja, de conduo da casa, dos filhos e do imprio domiciliar (quando o patriarca est
fora, no mundo do trabalho e da poltica no espao pblico); ou ainda, que no se satisfaz
com a insero no mercado de trabalho, realizando as tradicionais atividades femininas menos
valorizadas, ou ainda, realizando atividades iguais as do homem percebendo valor inferior
pelo simples fato da sua condio feminina; ou mais, que apresenta qualquer outra
manifestao de distrbio em sua formao biolgica ou moral, como relaes afetivas tidas
como anormais, vista como pervertida, entendida como desonesta, prostituta, sem falar na
rotulao da louca, utilizadas como forma de patologizao de pessoas com status social um
pouco mais elevado. Como confirmam Rusche e Kirchheimer:
Seu objetivo principal era transformar a fora de trabalho dos indesejveis,tornando-a socialmente til. Atravs do trabalho forado dentro da instituio, osprisioneiros adquiririam hbitos industriosos e, ao mesmo tempo, receberiamtreinamento profissional. Uma vez em liberdade, esperava-se, eles procurariam omercado de trabalho voluntariamente. O segmento visado era constitudo pormendigos aptos, vagabundos, desempregados, prostitutas e ladroes. Primeiramente,somente os que haviam cometido pequenos delitos eram admitidos; posteriormente,os flagelados, marginalizados e sentenciados com penas longas. Como a reputaoda instituio tornou-se firmemente estabelecida, cidados comearam a internarnelas suas crianas rebeldes e dependentes dispendiosos. Em geral, a composiodas casas de correo parece ter-se espalhado de forma similar por toda parte(RUSCHE; KIRCHHEIMER, 2004, p. 69)
Passados duas centrias, parece que o perfil dos clientes da politica de controle
social-assistencial do Estado atravs do brao punitivo e que, falhas as tentativas de introjeo
da socializao primria (escola e famlia no deram certo), restam ento as dinmicas de
socializao secundria ou substitutiva, ou seja, a socializao forada, e a internalizao do
ethos burgus, e a aceitao/imposio da condio de subalternidade na camada mais baixa
do estrato social. Assim, se verifica o perfil das mulheres que so selecionadas pelo sistema
penal contemporneo a partir de dados oferecidos pelas prprias agncias estatais, como o
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Departamento Penitencirio Nacional (DEPEN), a partir de levantamento realizado nas
instituies de privao da liberdade para mulheres, sejam estabelecimentos nicos (somente
para mulheres) ou mistos (que inclui confinamento de homens e mulheres que so a maioria
das instituies).
Traz-se, desta forma, o perfil da mulher presa no Brasil a partir da cor, escolaridade e
faixa etria, bem como dos delitos praticados, para ter ideia da clientela do sistema de justia
criminal na condio feminina.
Grfico 1, 2, 3 seleo quanto a cor/escolaridade/idade
brancas
negras
pardas
indigenas amarelas
cor
Ens. Fund. Inc.
ens. Fund. Comp.
ensino med inc.
ens. Med. Comp.ens. Sup. Inc.
escolaridade
18-24 anos
25-29 anos30-34 anos
35-45 anos
46-
idade
Fonte: Departamento Penitencirio Nacional (DEPEN, 2008)
Primeiramente a questo mais candente que a etnia, pois, remete-se de forma muito
visvel a grupos historicamente negados e objetos de interveno dominao, ou no mnimo
do discurso pretensamente humanitrio por parte do Estado e suas estruturas oficiais de
controle-assistncia, que tem sido acompanhado, no transcurso histrico da modernidade
ocidental burguesa, do brao esquerdo e punitivo (substituindo o direito assistencial do
welfare state), ou no mnimo docilizante, disfarado de discursos politicamente corretos, cuja
atuao remonta ao preconceito e ao racismo mais desnudo.
A questo da escolaridade, da mesma maneira, remete e vincula a grupos alijados dos
meios legtimos de obteno das promessas da modernidade, como aponta Alessandro Baratta
(2011) sobre a desigualdade na distribuio dos bens positivos da modernidade (includas as
oportunidades), acompanhada da desigualdade inversa na distribuio dos bens negativos
a criminalizao e estigmatizao oferecida pela operatividade do sistema penal opressivo e
seletivo , ou seja, conforme maior acesso a bens e oportunidades, menor ser a
vulnerabilidade diante do sistema penal, e conforme o menor acesso oportunidades, maior
ser a vulnerabilidade a operacionalidade do sistema penal. Demonstra-se ser esse pautado
pela seletividade na sua atuao.
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Ou ainda a questo da idade, demonstra que existe uma verdadeira guerra inter-
geracional que est produzindo uma dizimao da juventude brasileira como demonstra Julio
Waiselfisz (2012) nas estatsticas de mortes violentas (por causas externas) que tem na
juventude, e, em especial, pobre e no branca, seus principais alvos.
Esse perfil se completa com a tipologia delitiva que leva grande maioria deste
contingente tutela do Estado e das ingerncias de uma socializao substitutiva, definida
como processo de ressocializao (ainda que essa ideia no resista s crticas formuladas pela
criminologia crtica).
Essa discusso em termos de perfil das internas se apresenta atrelada intimamente a
discusso sobre a questo da proibio das substncias denominadas e demonizadas como
drogas (em sentido pejorativo), da guerra insana contra algumas substncias qumicas e
alteradoras de estado de conscincia definidas como crime seu consumo, porte, distribuio e
produo. Como o grfico abaixo apresenta.
Grfico 4 seleo quanto a tipologia delitiva
drogas60%
patrimonio23%
contra pessoa7%
outros10%
Tipo de Delito
Fonte: Departamento Penitencirio Nacional (DEPEN, 2011)
Ademais, para controle de massas tidas como perigosas ou indesejveis, necessrio
e fundamental uma explicao ou justificativa para essa perigosidade, que durante muito
tempo se apresentou na prpria constituio do ser (o ser anormal, atvico, criminoso nato), e
que contemporaneamente se apresenta aliado ao exrcito inimigo na guerra contra as drogas.
Esta guerra contra as drogas, que no se pretende adentrar a fundo, pois exigiria um
trabalho prprio, mas que se resgata brevemente na perspectiva proposta por Rosa del Olmo
(1990;1975). Desde sua origem, no incio do sculo XX serviu como elemento discursivo e
justificador para a interveno Norte Americana em diversos pases em que detinha algum
interesse poltico-econmico; alm de subsistir por detrs do suposto e alegado risco
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oferecido por tais substncias, algum grupo em especfico a ser controlado, como os orientais
na proibio do pio, os latino-americanos (imigrantes) na proibio da maconha, os negros
dos cintures industriais na proibio da cocana e herona (principalmente no perodo de
desenvolvimento das grandes cidades como Chicago e Detroit enquanto surgiam as
montadoras automobilsticas), as substncias sintticas na dcada de 70 vinculadas a grupos
de contestao poltica como a cultura hippie, e atualmente o crack identificado como a
substncia da ral social (dos prias urbanos), da escria residente nos guetos de que fala Loic
Wacquant (2007).
Diante do perfil apresentado, verifica-se que o encarceramento feminino no Brasil
demonstra, de forma cabal, a manuteno dos mesmos critrios classistas, sexistas e racistas
da origem do sistema penal que tinha como base uma matriz positivista e politicas
utilitaristas, ou seja, retirar desta instituio o mximo de proveito, enquanto opera o que se
denomina ideologia da defesa social2. E tem como justificativa primordial a luta em prol da
ficta guerra contra as drogas, enquanto gere desigualdade as ilegalidades, e gerencia o
mercado de segurana pblica e privada de altssima rentabilidade.
Nesta linha, resgatando uma discusso com base em uma economia politica da pena,
desde Dario Melossi e Massimo Pavarini (2006), que apontam a origem e desenvolvimento do
sistema penal como responsvel, primordialmente pela conformao do proletariado, como
escreve Massimo Pavarini do no proprietrio homogneo ao criminoso, do criminoso
homogneo ao preso, do preso homogneo ao proletrio. Isso significa em outras palavras,
que o no-proprietrio deve existir apenas como proletrio (2006, p.232) e complementa,
educao para o trabalho expropriado, educao para o trabalho assalariado como nico
meio para satisfazer as prprias necessidades, educao-aceitao do prprio no-ser
proprietrio (MELOSSI; PAVARINI, 2006, p. 232), ou, no presente caso, na construo da
donna normale, ou seja, a mulher normal e afeita a sua posio na estrutura social e aos
papeis de gnero previa e scio-historicamente definidos.
Continuando na linha proposta por Melossi e Pavarini (2006), o crcere cumpre uma
funo que fundamental na manuteno da estrutura social, tendo em vista que opera a partir
de duas regras/facetas; uma que ele chama de destrutiva, tendo em vista que a oferta de
trabalho maior que a de emprego, o sistema penal serve para controlar o exrcito de reserva
e assim determinar os baixos salrios atuando em harmonia com as leis da demanda e oferta
2 Tendo em vista que o presente trabalho no teria folego para resgatar a discusso em torno da ideologia dadefesa social, remete-se a leitura de Alessandro Baratta (2011).
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e tal regra se apresenta (ainda que diferente, pois no mais se faz necessrio o exrcito de
reserva, pelo contrrio, necessrio cada vez menos mo-de-obra e nessa medida o sistema
cumpre a funo destrutiva de estocagem de sujeitos descartveis). E, em segundo, o que ele
define como elemento utilitrio das foras exercidas pelo crcere no mercado de trabalho,
tendo em vista que no passo do controle do exrcito de reserva, se processa uma reeducao
que se d pela introjeo da ideologia burgus-capitalista e a aceitao da condio de
subalternidade na estrutura social (e mesmo a naturalidade desta estrutura), isso quando no
se retira lucro dessa prpria ferramenta de doutrinao chamada de reeducao ou mesmo
quando o funcionamento do sistema passa a ser uma grande empresa capitalista (a indstria da
segurana, ou do controle do crime como anunciada Christie, 1998).
Assim escrevem Melossi e Pavarini sobre as funes desempenhadas pelo sistema
penal no decorrer de seu processo histrico:
O universo institucional vive, assim, de forma reflexa, os acontecimentos do mundoda produo: os mecanismos internos, as prticas penitencirias ficam assimoscilantes entre a prevalncia das instancias negativas (o crcere destrutivo, comfinalidades terroristas) e das instancias positivas (o crcere produtivo, comfinalidades essencialmente reeducativas). Entre estes dois extremos (tomados comopontos ideais e abstratos de um processo) situam-se as diversas e contingentesexperincias penitencirias (MELOSSI; PAVARINI, 2006, p. 212)
E justamente so esses elementos/fatores que permitem explicar o atual perodo de
encarceramento em massa, tendo em vista que na modernidade recente a mo-de-obra se
apresenta cada vez menos necessria (sempre em menor nmero), e a necessidade de
controlar um contingente cada vez maior de indivduos desamparados no sistema social se d
pela via da criminalizao, como se pode ver seu pblico feminino (amplamente atingido por
esse desenvolvimento desigual e combinado) de acordo com os dados da escalada do
encarceramento feminino que dobra sua populao em menos de uma dcada.
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Grfico 5 Escalada do aprisionamento e do feminino eleito como inimigo
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
74318944 8613 9299 9687
11967 12945
3894 41705528 6535
86719903 10100
27255
22630
25830
2865431401
34807 34058
Encarceramento Feminino e Regimes Prisionais
regime fechado prisao preventva mulheres presas
Fonte: Conselho Nacional de Politica Criminal e Penitenciria (CNPCP, 2012)
Salienta-se que, como se pode verificar a macia maioria das mulheres selecionadas
pelo sistema penal, o foram em decorrncia de delitos contra o patrimnio, em sua grande
maioria o furto (ou seja, sem violncia ou grave ameaa) - tradicionalmente reconhecido
como delito dos desafortunados ; e tambm a problemtica do proibicionismo das drogas, no
qual a mulher ocupa os mais baixos escales na carreira ilegal da produo, distribuio.
Assim esclarece Orlando Zaccone,
Este sacoleiro das drogas ocupa a mesma posio dos camelos e pivetes, sendoconsiderado bandido de 3 classe, uma vez que sobre ele que recai a repressopunitiva. Isso explica, por exemplo, o aumento do numero de mulheres e crianasenvolvidas com o narcotrfico. Para ser sacoleiro de drogas no preciso portarnenhuma arma e sequer integrar alguma dita organizao criminosa. Basta tercredito junto aos fornecedores (ZACCONE, 2008, p. 22).
A questo que ela se depara com a ideia socialmente construda da mulher como
duplamente transgressora, porque demonstra inadaptao vida privada e submissa, com suas
limitaes e dependncia, rompendo com a ideia estereotipada de mulher, tendo de suportar a
punio (e a socializao secundria/substitutiva) por infringir tal ordem, neste caso, dupla
ordem e com ela a sobreposio de planos de opresso. Assim escreve Luiz Antonio Bogo
Chies:
a lei dos homens, o judicirio dos homens, a justia dos homens que encarcera asmulheres... esposas e mes falhas. No h nada na lei, ou muito pouco nas polticascriminais e penitencirias recentes, que enfrente e afronte significativamente ssobrecargas de punio [...] pelo contrrio, na conjuntura atual o que existe aampliao das mesmas (CHIES, 2008b p.93).
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Como verificado na pesquisa realizada pelo GITEP3, permite fazer uma anlise das
dimenses sobrepostas de opresso ou sobreposio de planos de dominao donde as
mulheres esto sujeitas potencializao desta sobreposio impetrada pelo sistema.
Sobreposio ainda mais visvel e dramtica no mbito e interior do sistema carcerrio.
As mulheres, alm de carregar toda a pesada carga cultural de esteretipos e papis
preestabelecidos, quando, no cumprimento de sua pena privativa de liberdade, vm-se,
novamente, s voltas com todos os esteretipos, a partir de ento como responsveis pela
ampliao de sua dor na punio.
Comea-se propondo que a escassez de trabalhos e projetos envolvendo a
problemtica do sistema carcerrio feminino sendo um indcio fortssimo de que estas esto
relegadas a cumprir sua pena acompanhada do esquecimento, outrora a pena era a fogueira,
contemporaneamente a solido. Fato este, da solido, corroborado quando da verificao
que a grande maioria dos relacionamentos se desfaz quando a mulher selecionada pelo
sistema de justia criminal e passa a cumprir pena privativa de liberdade; enquanto o
companheiro est livre, ou mesmo, quando ambos cumprem pena, e ele obtm alguma
modalidade de livramento antes dela, apenas 37% das mulheres encarceradas recm-visitas
sociais; situao diversa quando da situao inversa, quando o homem cumpre pena, em
grande parte dos casos, acompanhado pela esposa, companheira, me, irm, ou alguma outra
figura feminina representante da ternura, 86% dos homens presos recebem as visitas sociais
regularmente (CHIES, 2009).
Outro elemento de resultados profundamente dolorosos para a reclusa o fato de
haverem no Brasil, apenas 58 estabelecimentos exclusivamente femininos, e 5085 mistos,
reflexo do silncio das polticas penitencirias quanto ao gnero feminino. Acarretando que
3 A pesquisa, intitulada 'A priso dentro da priso: uma viso do encarceramento feminino na 5 RegioPenitenciria do Rio Grande do Sul' foi coordenada pelo Prof. Dr. Luiz Antnio Bogo Chies e financiada peloCNPq. Participaram da pesquisa os membros do Grupo Interdisciplinar de Trabalho e Estudos Penitencirios(GITEP) da Universidade Catlica de Pelotas. So participantes da pesquisa: Dr Ana Lusa Xavier Barros, Ms.Carmem Lcia Alves da Silva Lopes; Ms. Marcelo Oliveira de Moura, Ms. Sinara Franke de Oliveira. Atuaramcomo bolsistas: Alexandre Melo Corra, Ms. Ana Carolina Montesano Gonzales Jardim, Ctia Gomes Shmidt,Gabriel Prestes Espiga, Jackson da Silva Leal, Josiane Costa Espanton e Ms. Sabrina Rosa Paz. O trabalho experesultados de uma pesquisa sobre o encarceramento feminino em presdios inicialmente masculinos.Desenvolvida com recursos do CNPq, atravs de dados da 5. Regio Penitenciria do RS (pronturios,entrevistas e Grupos de Foco) abrange nuances destas opes poltico- penitencirias: o incremento doencarceramento feminino associado a perfis de vulnerabilidade social e vinculado a delitos de entorpecentes e aoaprisionamento preventivo; a invisibilidade das encarceradas pela precarizao dos espaos prisionais atribudos,pelas ambguas situaes de exposio num ambiente masculino, por prticas administrativas e judiciais que lhesofuscam como sujeitos de direitos, por suportarem sobrecargas de privaes e dores prisionais, bem como por seencaixarem em dinmicas que tendencialmente reproduzem os parmetros de dominao masculina existentes nasociedade extramuros.
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milhares de detentas tenham que cumprir pena longe de suas comarcas, e os laos afetivos que
j so abalados em virtude da falha para com seu papel de mulher, desfaz-se quando somada a
distncia do ncleo familiar.
Importante salientar que se faz ausente nas instituies carcerrias a estrutura
adequada s particularidades femininas, desamparadas de quadro funcional e profissional
adequada s mesmas, necessidade que vai desde ao acesso a sade, com mdicos
ginecologistas e obstetras para atender as internas gestantes; at mesmo artigos de higiene
pessoal, que se faz mais peculiar em relao mulher, isto sem levar em conta a vaidade,
atribuda naturalmente mulher, o que desconsiderado a partir do momento em que esta
identificada como criminosa, sendo privada de usufruir (CHIES, 2009).
At a ausncia de estrutura de creche e berrio, onde a reclusa poderia amamentar e
comear a criao de seu filho com condies minimamente dignas, se que isto possvel
em uma instituio carcerria, de acordo com dados da CPI do Sistema Carcerrio apenas
27,45% dos estabelecimentos tem estrutura para gestantes, 19,41% contam com berrios e
somente 16,13% possuem creches (CHIES, 2009).
Outros elementos importantes na operacionalidade e governabilidade do sistema
penitencirio nacional o acesso a direitos. Tais como: o acesso visita ntima, como
verificado, para as mulheres exigido requisitos mais rigorosos, em comparao com os
reclusos homens. Para essas, deve ser comprovada relao conjugal, enquanto que para os
homens, basta a requisio da carteirinha para acesso visita ntima ressurgindo os
esteretipos da castidade feminina e da liberdade sexual masculina e o direito a esse espao de
privacidade.
Ainda, quando do relacionamento entre homem e mulher presos, nunca esta recebe a
visita ntima e sim oferta a visita ao seu companheiro, retomando novamente os papis de
disponibilidade do corpo feminino, como mero repositrio reprodutor do varo. No s no se
utiliza os mesmos critrios para concesso de tal direito, como tambm no se disponibiliza
locais adequados para a realizao da visita. Em quase a totalidade dos estabelecimentos, no
so respeitadas as condies mnimas de dignidade condizente sua privacidade, sobretudo
neste momento particular do encontro, onde acontecem as relaes afetivas (CHIES, 2009).
Outro direito que se v ofuscado e novamente trazendo tradicionais esteretipos e
restries no que diz respeito s oportunidades de trabalho prisional, e cursos
profissionalizantes, no apenas pelo fato de gerar a remio, mas pelo fato de poder ser um
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futuro elemento propiciador de alternativas em uma possvel e provvel vida extramuros
(aps o cumprimento da pena). A mulher est restrita a trabalhos relacionados limpeza e
atividades relacionadas com o mbito domstico, assim como os cursos a disposio, em geral
de corte e costura e congneres, sem grandes possibilidades econmicas no mundo do
mercado consumidor competitivo.
E por fim, o acesso assistncia jurdica e celeridade processual; que verificado
que, mesmo a populao carcerria masculina sendo maior, no argumento para as presas
no terem acesso a esse direito ou verem seus direitos demorarem mais a serem analisados,
tais como a informao sobre seu processo, demora em seus pedidos de toda ordem, por
reviso de penas, etc.
No que este seja o ltimo plano de apartao, pois as descries acima realizadas
no so taxativas ou restritivas, apenas pelo fato de ser impossvel esgotar os planos de
dominao que se processam no mbito do sistema carcerrio, sobretudo os dos
estabelecimentos mistos, no presente trabalho; apenas procura-se traar brevemente o
panorama carcerrio feminino.
Demonstra-se o quanto o sistema punitivo carcerrio utiliza-se de mecanismos de
castrao e subtrao da feminilidade, transformando-as e reconhecendo-as como mulheres-
homens, por terem infringido a lei dos homens e, portanto, terem de sofrer como se tal
fossem, pelas feies que adquirem pela truculncia institucional e quotidiana das
necessidades no supridas e sofrimentos e necessidades suprimidas e tambm como forma
estratgica de defesa durante o cumprimento da pena.
Esta estratgia institucional de castrao da identidade feminina utilizada
pedagogicamente para serem produtoras da ordem vigente e inquestionvel do capitalismo; e
mes com seu eterno reino de silncio no colo do pai, nos braos do marido ou na tutela do
Estado.
2 A VTIMA ENQUANTO PASSIVIDADE: o resgate do esteretipo da vtima e areafirmao da subalternidade feminina
Neste ponto analisa-se a relao do feminino na condio de sujeito passivo em
relao ao sistema penal, ou seja, na posio de vtima da violncia domstica pautada pela
desigualdade nas relaes de gnero a partir de uma anlise permitida pela criminologia
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crtica enfocando o recurso ao sistema penal como forma de proteo da mulher diante da
violncia patriarcal.
Tendo em vista que essa mudana legislativa foi em grande medida resultado da luta
do movimento feminista, deve-se salientar que, por certo, no se pode atribuir ao esse
movimento, cuja atuao das mais antigas dentre os movimentos sociais e tambm de tal
forma variada, comporta diversas tendncias, demandas e propostas no podendo ser
compreendido como bloco uno e homogneo. Entretanto, parece que neste caso a sua vertente
punitivista parece majoritria a saiu vencedora (ou pelo menos com mais fora politica
principalmente a partir do every days teories senso comum punitivo), que em significativa
medida recai no mito da ameaa da punio para resolver um conflito social que milenar.
Assim escreve Vera Regina Pereira de Andrade de forma lapidar:
O sistema penal , na travessia da modernidade, uma das instituies nas quais asociedade sonha o resgate de algumas promessas do paraso perdido e dele pareceno poder prescindir, ainda que tenha demonstrado sua virtual incapacidade decumpri-las. As mulheres (ns?) continuam caindo na (sedutora?) tentao do sistemapenal como Eva caiu na sedutora tentao do paraso. E neste sentido, continuamospecadoras. O sistema promete, mas o paraso no passa pela sua mediao.Nenhuma conquista, nenhuma libertao, nenhum caminho para o paraso podesimbolizar o sistema penal e realizar-se atravs dele. Penso que apenas matando omito e, reinventando o paradigma jurdico, imperial e masculino, que podemosbuscar simetria para a balana jurdica j milenar e assimetricamente interposta entreAdo e Eva desarmando, qui, por caminhos mais criativos o sexo como arma e ocorpo como alvo, da violncia (ANDRADE, 2003 b, p. 107-8)
Ainda na linha apontada por Vera Andrade (2003), se verifica nesta parcela do
movimento feminista a manifestao de uma importante ambiguidade, pois, ao longo do
sculo XX se reivindicou a descriminalizao de diversas condutas que tinham por base a
questo de gnero e sua desigualdade relacional e a incapacidade do Estado para gerir tais
questes, como p.ex. a questo do aborto, a seduo a prostituio, o adultrio; entretanto, se
verifica nesse movimento a reivindicao para ampliao do poder punitivo para outras tantas
aes que tambm tem por base relaes de gnero, e que sabidamente o Estado e sua
dinmica reducionista entre o legal-ilegal e sua dinmica de operacionalidade pautada pela
discricionariedade e seletividade de atuao, no servem para dar conta da complexidade
destas questes; neste contexto se requer a criminalizao e ampliao das penas para, p. ex. a
violncia domstica, homicdios, agresses, violncia psquica enfim a redefinio dos
crimes sexuais e uma maior tutela/proteo penal por parte do Estado penal. O mesmo
movimento requer a retrao e a expanso do sistema penal e da atuao do Estado.
Assim, neste segundo ponto, analisa-se especificamente a questo do controle, ou da
promessa de controle da violncia domstica e da problemtica de gnero a partir da atuao
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do sistema penal e seu fracasso anunciado. Ocupa-se, assim, do discurso da necessidade de
mais pena e mais rigor punitivo para acabar com a violncia domstica, e assim aprimorar os
controles veiculados na lei denominada Maria da Penha (11.340/2006).
Atribui-se a ampliao da violncia domstica a ineficincia do sistema, sendo esta a
causa da problemtica. Em realidade o sistema penal desde a sua gnese vive constantes
reformas e o discurso sempre a justificativa de seu fracasso decorrente de alguma patologia
em seu funcionamento, e com as reformas se processo uma nova relegitimao das estruturas
de controle social at nova crise de legitimidade e novas propostas e diagnsticos de patologia
e assim sucessivamente pra a permanente crise e relegitimao do estado e seus controles
penais.
Nesta traz-se os dois pontos detectados e anunciados como causas da falha no
sistema e sua operacionalidade (no caso especifico da atuao da Lei Maria da Penha) na
atuao e assim, condies para modificar essa realidade. Refere-se ao artigo 12, I4 que previa
a titularidade ao direito de prestar a queixa (em realidade, no vocabulrio tcnico seria dizer
noticia-crime) vitima a mulher. O outro ponto diz respeito ao artigo 165que possibilitava a
retirada da queixa, e arquivamento do processo estando a vtima diante do juiz.
Esses eram os entendimentos originrios desde a edio da Lei que define e
recrudesce o combate aos crimes definidos como cometidos em situao de violncia
domstica contra a mulher.
Assim, foi proposta Ao Direta de Inconstitucionalidade (ADIn), tendo em vista que
essa dico legal seria contrria constituio, propondo que os delitos previstos na lei seriam
de titularidade incondicionada no Ministrio Pblico, e assim, no deveria ser permitida
vitima prescindir sobre a continuidade ou no da ao penal, assim como, no lhe permite a
titularidade exclusiva para apresentao da notcia crime, sendo de qualquer pessoa que saiba
da sua ocorrncia poderia e deveria noticiar as autoridades competentes.
Ocorre que, com essa interpretao, meramente colocando a lei, e sua suposta
intencionalidade garantidora (a afamada e mtica mens legis) de acordo com uma suposta
regularidade constitucional, inserindo-a em uma dinmica tcnica e mecnica sistmica
4 Art. 12. Em todos os casos de violncia domstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrncia,dever a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuzo daqueles previstos noCdigo de Processo Penal: I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrncia e tomar a representao a termo,se apresentada; [...]5 Art. 16. Nas aes penais pblicas condicionadas representao da ofendida de que trata esta Lei, s seradmitida a renncia representao perante o juiz, em audincia especialmente designada com tal finalidade,antes do recebimento da denncia e ouvido o Ministrio Pblico.
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simplifica novamente a questo principal que o conflito, tornando-o meramente uma
questo judicial e um nmero de processo nas varas judiciais, como a prtica da justia
criminal diante dos conflitos. Alm de concluir o processo de usurpao do conflito da esfera
de poder de atuao da principal envolvida e a maior atingida, seja pela violncia em si, seja
pela atuao/deciso do Poder Judicirio. Assim, aprofunda ainda mais a sua falha
interventiva retirando completamente o protagonismo da vtima em muitos casos atuando
inclusive contra seus interesses.
Nesta linha, colaciona-se a ementa da deciso da Ao Direta de
Inconstitucionalidade e que definiu a interpretao que deve ser dada a lei, com a
excluso/alterao dos dispositivos citados:
Deciso: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedentea ao direta para, dando interpretao conforme aos artigos 12, inciso I, e 16,ambos da Lei n 11.340/2006, assentar a natureza incondicionada da ao penal emcaso de crime de leso, pouco importando a extenso desta, praticado contra amulher no ambiente domstico, contra o voto do Senhor Ministro Cezar Peluso(Presidente). [...] Plenrio, 09.02.2012. (ADI 4424)
Com a procedncia da ADIn 4424 o artigo 12, I que deixa o sistema jurdico, e passa
a vigorar a interpretao autorizadora da queixa (tecnicamente denominada notitia criminis)
de terceiro, alheio ao conflito, no necessitando da vontade da vtima para submeter o caso ao
sistema penal; e ainda, com a supresso do artigo 16, passa-se ao entendimento da
impossibilidade de retirada da queixa, ainda que seja a prpria vtima, mesmo diante do juiz e
do sistema penal, no tem mais o poder de cessar a atuao da maquinaria punitiva.
O argumento base para a mudana na interpretao da lei no sentido de que a lei
no teria obtido o devido sucesso tendo em vista a impunidade, ou seja, o velho discurso do
senso comum em torno da impunidade, da criminalidade endmica, e a difuso de um pnico
social, pautada pela ideia de que o prximo pode ser voc! Entretanto, o mesmo no se
verifica nas estatsticas das prprias agencias e instituies do Estado, que informam um
encarceramento em massa, que em menos de 12 anos praticamente dobrou sua populao
carcerria.
Em realidade, tal discurso opera como forma de legitimao e autorizao para a
operacionalidade estatal punitiva gerir os grupos definidos como de risco, e nesta medida o
sistema se apresenta com especial sucesso. O seu fracasso est na total incapacidade de
contribuir com a resoluo dos conflitos.
Ademais de reforar a questo simblica da fragilidade feminina diante do predador
natural (o homem) e assim refora os papeis de gnero e os reafirma, alm de subtrair e
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solidificar ainda mais seu monoplio do poder de dizer o direito e geris desigualmente as
ilegalidades (e com eles os grupos a eles pertencentes e circundantes).
Vera Andrade (1999) aponta a existncia da crise do sistema penal, a partir da
afirmao da incapacidade de cumprir suas funes declaradas, tais como (1) a promessa de
proteo de bens jurdicos pois se apresenta incapaz de defender as pessoas, o patrimnio,
os costumes ou a sade; (2) a promessa de combate criminalidade atravs do sistema penal
tendo em vista que est mais que provado que o sistema penal no intimida (a preveno geral
uma falcia estrondosa), e a preveno especial (o discurso da ressocializao), a prova
mais cabal do fracasso do sistema penal frisando-se, que essas so suas funes declaradas,
ou ainda (3) a promessa de aplicao igualitria da lei penal, o que tambm j tem sido
largamente objeto de anlise terica e cientifica, mormente a partir da criminologia critica,
demonstrando a atuao seletiva do sistema penal e que muito antes de ser um direito penal
do fato, um sistema penal do autor.
Entretanto Andrade (1999) aponta que a problemtica e a crise muito mais
profunda, e no um demrito isolado do sistema penal e seu funcionamento ordinrio (no
qual seu fracasso nas funes declaradas apenas uma das suas facetas), a demonstrao de
uma crise que epistmica e que em relao ao conflito social se apresenta na reduo da
complexidade da vida social e suas relaes ao mundo do direito e em especial de uma
determinada e especfica concepo de direito que est vinculado atuao jurisdicional, ou
seja, o direito burgus centralizado no Estado, com monoplio do poder de dizer o direito e da
fora (poder de punir), o que se denomina de monismo jurdico. Assim escreve Vera Andrade:
modelo que identifica direito com a lei, ou seja, com o direito positivo estatal e, aomesmo tempo, deposita neste a crena na soluo de todos os problemas sociais. Poristo um paradigma imperial, que acredita que tudo pode resolver atravs doDireito, que todo problema social tem que ter soluo legal (ANDRADE, 1999, p.107)
Nesta linha importante o resultado de recente pesquisa de Leila Posenato Garcia
(2013) que aponta a continuidade dos ndices de violncia contra a mulher, em especial com
resultado morte. Assim o resumo da pesquisa e de fundamental importncia para a anlise
neste trabalho esboada6, que se pauta pela total incapacidade do sistema penal em dar conta
da complexidade das relaes e conflitos de qualquer espcie, mormente os que se baseiam
6 P e s q u i s a n a n t e g r a d i s p o n v e l e m :http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/130925_sum_estudo_feminicidio_leilagarcia.pdf; e tambmo s d a d o s p o r u n i d a d e s d a f e d e r a o :http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/130925_feminicidio_por_uf.pdf. Acesso em:
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em uma suposta e natural (naturalmente artificial) relao/separao entre gneros
socialmente construdos ambivalentemente entre masculino x feminino.
Grfico 6 ndices de feminicdio
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
5,415,46
5,38
5,245,18
5,02
4,74
5,07
5,385,45 5,43
taxa de homicdios/100 mil mulheres
taxa de homicidios
No que diz respeito a interveno do sistema penal nas relaes marcadas pela
violncia de gnero Vera Regina Pereira de Andrade (2003) aponta duas promessas ou
pressupostos (a) a vitimizadora que torna a mulher como objeto passivo e inerte, incapaz de
fazer frente demonstrao de fora do antagonista e (b) a protecionista que aponta como
grande funo do sistema penal a proteo da mulher como nica forma de combater a
violncia de gnero atravs, igualmente, da demonstrao de fora, institucional que se volta
contra o violador. Assim so duas manifestaes da mesma condio feminina que se situa
entre o violador e o protetor masculino.
Nesta linha, no desenvolvimento dessas funes, continuando na mesma esteira
proposta por Vera Regina Pereira de Andrade (2003 b), elenca-se trs dinmicas ocultas, ou
inversas s discursivamente propostas e declaradas:
(1) a funo garantidora a partir do qual aponta que, declaradamente se defende
uma suposta defesa de princpios liberais de orientao garantista de direitos como a
igualdade e a liberdade; mas a partir da sua incapacidade sistema em decorrncia de sua
metaprogramao que proporciona o total fracasso das funes declaradas, enquanto que
operacionaliza um estrondoso sucesso das funes ocultas, apresenta-se que as funes de
garantir a defesa da mulher um total fracasso; Enquanto que, em uma perspectiva de
inverso funcional, verifica-se que o sistema est mais apto a retomar o histrico de violaes
a princpios e garantias, mantendo os conflitos que so geridos e distribudos desigualmente,
ou mesmo a tutela dos bens supostamente protegidos pelo sistema penal so politicamente
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eleitos, enquanto que a sua atuao pautada pela total desigualdade. Vera Regina Pereira de
Andrade fala sobre os resultados da interveno do sistema penal sobre as prprias vitimas
que deveria proteger (ao menos esse o discurso):
E isto porque se trata de um (sub)sistema de controle social seletivo e desigual (dehomens e mulheres) e porque , ele prprio, um sistema de violncia institucional queexerce seu poder e seu impacto tambm sobre as vitimas. E, ao incidir sobre a vitimamulher a sua complexa fenomenologia de controle social a culminao de umprocesso de controle que certamente inicia na famlia o sistema penal duplica aoinvs de proteger a vitimao feminina (ANDRADE, 2003 b, p. 86)
(2) a funo preventiva aponta a funo declarada na qual o sistema deveria se
antecipar a ofensa, ou seja, prevenir os injusto a partir de sua preveno geral; entretanto, o
que se verifica a imanente incapacidade da funo da criminalizao, ou seja, preveno
geral no impede que ofensas sejam cometidas, a partir disso surge a segunda
dinmica/funo da pena, que a preveno especial e que tambm j se verificou que o
sistema penal totalmente incapaz de produzir a efetivao das ideologias re (ou seja, a
ressocializao, reeducao, reinsero etc), o que se percebe a construo de carreiras
criminosas a partir da criminalizao secundria (efetiva incidncia da aplicao da norma
penal, como pena de priso) e ainda a vitimizao secundria da vitima diante dos tribunais.
Assim como escreve Vera Andrade (2003, p.91) a pena no previne, nem a priso
ressocializa. O crcere, em vez de ser um mtodo ressocializador, um fator crimingeno e de
reincidncia.
Em realidade, o que se verifica na atuao do sistema penal, em sua suposta funo
preventiva, a gesto e distribuio desigual das ilegalidades e sua atuao eminentemente
seletiva, tanto para os ofensores, quanto para suas vitimas que tambm so recrutadas na
mesma classe dos indivduos definidos como criminosos.
(3) E, a funo resolutria por fim, aponta a funo do sistema de resolver os
conflitos (ou ao menos dar sua parcela de contribuio), mas inversamente tm-se operado
uma verdadeira reproduo, manuteno, acirramento e perpetuao dos conflitos, tornados
casos de polcia e interminveis processos judiciais.
O que se apresenta que a centralizao da resoluo de conflitos no paradigma de
monismo jurdico, especialmente em sua manifestao punitiva de monoplio do Estado, tem
subtrado o conflito das partes real e diretamente (inclusive as diretamente interessadas, como
a comunidade que o circunda) do conflito em si, e tambm de suas possibilidades de
resoluo. Operacionalizando a vitimizao secundria, e o incremento do encarceramento
sem que as taxas de ofensas e denncias diminuam (como se se demonstrou), propiciando,
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meramente que o conflito fique suspenso enquanto o individuo estiver privado da liberdade, o
a mulher sob o palio de uma medida protetiva que no poder perdurar a vida toda. Ou seja,
no resolve, suspende os conflitos, e assim perpetua-os. Como aponta a professora Vera
Andrade (2003, p. 124):
Enfrentar-se como sujeito implica, preliminarmente, se autopsicanalizar edecodificar os signos de uma violncia relacional, questionando nossa auto-imagemde mulheres sempre violentadas, para construir por dentro dos universos feminino-masculino e do cotidiano da sua conflituosidade, o cotidiano da emancipao
Assim resume Vera Andrade, sobre a problemtica questo da violncia de gnero na
modernidade recente; reconhecendo a existncia de uma vitimao sim, mas tambm a
capacidade de assumir protagonismo, como medida de alteridade para o feminino diante
desses mesmos conflitos.
obvio que nos somos vitimadas, mas at que ponto produtivo, progressista parao movimento, a reproduo social dessa imagem da mulher como vitima recorrendoao sistema penal?, ou, em outras palavras, de que adianta correr dos braos violentosdo homem (seja marido, chefe ou estranhos) para cair nos braos do Estado,institucionalizado no sistema penal, se nesta corrida do controle social informal aocontrole formal, as fmeas reencontram a mesma resposta discriminatria em outralinguagem? (ANDRADE, 2003 b, p. 122)
Neste cenrio de dominao e violncia por gnero, impe-se abordar, sim, uma
alternativa, a proposio de uma dinmica relacional que no aceite as perversidades desta
modernidade varnica.
CONSIDERAES FINAIS
Em sede de consideraes finais, cumpre sintetizar e reafirmar algumas questes que
se propem a desvelar a real funo desempenhada pelo sistema penal, e principalmente que
dizem respeito a mulher diante da tutela/controle do Estado patriarcal e suas instituies
oficiais de assistncia/punio.
Como se pode verificar o sistema penal tampouco uma sada para a mulher e para a
violncia, seja na condio de autora/sujeito ativo criminalizado, seja na condio de sujeito
passivo vitimizado. Em realidade, o sistema opera nos dois lados desta problemtica com as
mesmas ferramentas a priso, o encarceramento em massa, a estigmatizao de autores e
vtimas, perpetuando e ampliando a violncia e os conflitos.
Nesse sentido, se pode ver que a mulher enquanto sujeito ativo objeto de um
sistema penal seletivo, violento, discricionrio e eminentemente masculino que se utiliza dos
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esteretipos para implantar a socializao substitutiva dirigida ao mesmo grupo
historicamente objeto de interveno docilizadora, ou seja, os grupos situados na base da
estrutura social e alijados da distribuio dos bens positivos da modernidade e suas
oportunidades.
Quando na condio de sujeito passivo e como movimento representante de um
grupo violentado, tem demandado a tutela reafirmadora dos mesmos elementos que produzem
a prpria violncia de gnero, ou seja, suposta inferioridade do feminino diante do masculino
que se reafirma com a tutela do estado patriarcal; e, nesta medida, requerendo ambiguamente
a aplicao de instrumentos que as prprias mulheres so vtimas, alm de perderem
totalmente a condio de sujeito do conflito e seus poderes (ainda que na condio de vitima)
para contribuir com a resoluo dos conflitos, que totalmente subtrado pelo monoplio do
poder/dever de dizer o direito e que se apresenta na forma nica e simplificada da pena de
priso ou de uma medida protetiva temporria, que j se mostraram ineficazes.
Por derradeiro, cumpre a tentativa de formas dialogais e alternativas de resoluo de
conflitos, que busquem encontrar a composio efetivamente do conflito e no se paute
meramente pela celeridade processual, mas sim pela resoluo qualitativa dos mesmos, e no
meramente concluir um processo com seu arquivamento judicial. Ademais, ter na pessoa da
vitima, e no s; tambm dos indiretamente envolvidos no conflito pessoas tornadas sujeitos
ativos na construo conjunta dessa resoluo, e no meramente como informantes judiciais.
Ou seja, em sntese a resoluo encontra-se em posse das prprias pessoas envolvidas, e no
no Estado que como ente externo s tem vindo a trazer mais complicadores e mais problemas
que solues.
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