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Gêneros textuais e Letramento

Gêneros textuais e Letramento - ucs.br · leitora e escritora para práticas do cotidiano – ler a bíblia, escrever para parentes distantes, compreender instruções em situações

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Gêneros textuais e Letramento

Maria do Socorro [email protected]

Base de pesquisa

Letramento e Etnografia

Objetivo e pontos de reflexão

ObjetivoDiscutir a relação ‘letramento e gênero textual’, considerandoa rica complexidade que envolve não apenas esses objetosteóricos mas também a sua aplicação no ensino-aprendizagemde língua materna. A discussão terá como ponto de partida asde língua materna. A discussão terá como ponto de partida asmudanças experimentadas pelos professores nas últimasdécadas.

Percurso da reflexãoComeçarei pela reflexão teórica a respeito dos conceitos de‘letramento’ e ‘gênero textual’ para, a seguir, problematizá-loscomo objetos de ensino, tendo como vetor o modo como osPCN chegam aos professores e os entendimentos que são poreles construídos.

Contextualização

Farei isso a partir da minha história de ensino,pesquisa e extensão desenvolvida junto aprofessores que trabalham em favor de gruposdesfavorecidos social e economicamente – criançasdesfavorecidos social e economicamente – criançasmoradoras de favelas ou pertencentes à zona rural ejovens e adultos que lutam para ter acesso a bensculturais e oportunidades sociais que se oferecemnum mundo em constante transformação, palco dapós-modernidade e das novas Tecnologias daInformação e Comunicação (TIC).

Espaço de mudança -caracterização

● Discussões feitas nasuniversidades nas décadasde 70 e 80;

● Programas de renovaçãode ensino e materiaisdestinados à formação

Inauguram uma importante e desafiadora fase na educação brasileira

dificuldade para os professores

destinados à formaçãocontinuada de professores;

● Parâmetros CurricularesNacionais (PCN).

Gera resistências

os professores que se sentem inseguros e/ou incapazes de implementar práticas didáticas fundamentadas em teorias até então desconhecidas como objetos de ensino

Espaço de mudança -caracterização

Debate e estudo dessa proposta curricular são assegurados• Pelo próprio MEC • Outros órgãos oficiais (Secretarias de Educação, Diretorias de ensino etc.)

cursos, encontros e debates

apropriação dessa nova orientaçãoe dos objetos teóricos que aintegram

Diretorias de ensino etc.)

Na voz dos professores, o que seensina agora são os gêneros

textuais, sugeridos e exploradospelos livros didáticos segundo umaperspectiva de letramento. Osprofessores também dizem que épreciso alfabetizar letrando e não hádúvida de que a linguagem é umaprática social.

• houve apropriação de tais conceitos

• apenas uma ‘popularização’ de referenciais teóricos.

A mobilização desses saberes mostra-se problemática.

Práticas tradicionais misturadas a um discurso inovador

PCN - Implicações

PCN – iniciativa de caráter nacionalcaráter generalizante, prescritivo e hegemônico

IMPLICAÇÕES

Letramento como um fenômeno neutro, natural, singular, autônomo, visível.

Neutro - indiferentemente aplicado a qualquer aluno;Neutro - indiferentemente aplicado a qualquer aluno;

Natural - resulta de um consenso social que segue a ordem regular das coisas,ignorando o diferente e o inadequado;

Singular - está equacionado a uma prática universalizante, homogeneizadora -cultura letrada, canônica, dominante;

Autônomo - ocorre de modo descontextualizado, atribuindo à escrita característicasintrínsecas;

Visível – pelo poder e legitimação que é atribuído ao letramento canônico (letramentocultural).

Gêneros textuais – unidades textuais dadas, estáticas, descontextualizadas, comcaracterísticas facilmente identificáveis, prontas para serem ensinadas.

Questões orientadoras

1) Que contribuições podem trazer os estudos de letramento egênero para o letramento do professor?

2) Como desenvolver com os professores práticas de letramentoacadêmicas (formação inicial e continuada) que sejamsignificativas para o trabalho cognitivo, social e político nosignificativas para o trabalho cognitivo, social e político noletramento escolar?

3) Uma visão canônica do letramento aliada a uma abordagem degêneros centrada no ensino explícito dos textos valorizadosnas culturas dominantes assegura o desenvolvimento dacompetência leitora e escritora de aprendizes oriundos devariados contextos sociais?

4) O letramento cultural impacta de igual forma ou garante, demodo integral, a inclusão?

Questão central

Em face do reconhecimento da diversidadesocial, dos inúmeros contextos em que aspráticas de leitura e escrita ocorrem, dosdiferentes modos que as constituem e dosdiferentes modos que as constituem e dosdiversos valores que a ela são atribuídos, comotratar o letramento e os gêneros textuais, demodo a provocar impactos na formação docentee na apropriação de práticas letradassignificativas pelo aprendiz de língua,favorecendo, naturalmente, a inclusão social?

Letramentos - campo de batalha

Enxergar o letramento comoalgo ‘singular’ é esquecer quea vida social é textualizada demúltiplas formas e com vistasa diferentes usos.É exatamente porque seconstitui como algo ‘plural’ que

Letramento - ‘campo de batalha’ no domíniopedagógico.‘guerra de letramentos’ (SNYDER, 2008) –princípios centrais à perspectiva dos ‘estudosde letramento:� necessitam ser melhor entendidos nos seuscontextos sociais e históricos;constitui como algo ‘plural’ que

vale a pena problematizá-lo.

contextos sociais e históricos;� são fruto de relações de poder;● servem a propósitos sociais na construção etroca de significados;� formatam e são formatos pela cultura;● sofrem interferência de posições ideológicas;� são dinâmicos na medida que sãodeterminados por injunções de naturezaeconômica (globalização), tecnológica(recursos da mídia e da internet), política(políticas públicas de educação) e histórica(certas práticas valorizadas numa determinadaépoca perdem o seu valor noutro tempo).

Os letramentos são:� múltiplos� Dêiticos� Ideológicos� Críticos (BAYNHAM, 1995; LEU et al.,2004).

Letramento e multiplicidade

Letramentossão

Diferentes contextos de atividade (casa, escola, lugar de trabalho, igreja,

rua, lojas, órgãos oficiais)

Atividades

Não lemos a bíblia em família do mesmo modo que a lemos na igreja.

O uso de determinados gêneros depende do sistema são

múltiplos

Atividades particulares da vida

cultural

Diferentes sistemas simbólicos (letramento eletrônico ou virtual, letramento musical,

cinematográfico)

gêneros depende do sistema de atividades nas quais as pessoas estão inseridas.

O letramento é afetado pela globalização, pelas exigências de uma

economia competitiva, pelos meios de

comunicação de massa e pelo aparecimento da

internet.

Letramento e situação

Letramentos

são dêiticos

(agora, hoje, aqui, lá, ir,

vir)

● Um único texto permite possíveis leituras em certas épocas e não em outras; ● Determinados textos sagrados são lidos hoje como pertencentes ao domínio da literatura; ● Classes sociais e instituições selecionam, apreciam e legitimam certos textos diferentemente vir)

Evoluem e se transformam

segundo condições

sócio-históricas.

apreciam e legitimam certos textos diferentemente de outras (textos canônicos ou não); ● Certos modos de ler circulam em determinados domínios e não em outros (ler em voz alta ou em voz baixa, para estudo, para ocupar o tempo, para se divertir etc.); ● determinadas leituras e textos sofrem restrição por parte de quem lê (jovem, criança, tipo de profissional etc.). ● As rápidas transformações tecnológicas que hoje se dão afetam profundamente o letramento,

Letramento e ideologia

● Mesmo as concepções que se apresentamcomo neutras (letramento autônomo)camuflam pressuposições culturais e visõesparticulares do mundo social, interessadasem sustentar determinadas relações de

Letramentos são

ideológicos

Posicionamento sensível ao em sustentar determinadas relações de

poder, sendo, por isso, ideológicas.● As crenças a respeito do modo como ascomunidades elegem seus ‘bens sociais’apontam necessariamente para um tipo deideologia (GEE, 1994).● Não há, nesse sentido, nenhumaorientação de letramento que não sejaideológica.

sensível ao caráter

sociocultural das práticas de letramento e às estruturas de

poder na sociedade

(STREET, 1993)

Letramento e cultura

● Letramentos ‘invisíveis’ em relação a outrosconsiderados ‘visíveis/dominantes’ (BAYNHAM, 1995,p. 246).● Críticas dirigidas aos letramentos locais – à forma‘romântica’ como estes são olhados e às relações quesão estabelecidas entre eles e os letramentos

Letramentos são

culturais

Posicionamentodistantes.● Em resposta à ‘aparente pobreza’ dos letramentoslocais, inúmeros pesquisadores (STREET, 2001;2003; BAYNHAN, 2004) observam que uma ricavariedade de práticas de letramento pode serdeflagrada em comunidades marginalizadas.● A verdadeira intenção não é isolar essas práticas deoutras que estão ‘fora’, mantendo-as ‘puras’, mas tê-las como ponto de partida para introduzir letramentoshegemônicos, comprometidos com o progresso e amodernização.

sensível aocarátersocioculturaldas práticas deletramento e àsestruturas depoder nasociedade(STREET, 1993)

Letramento e cultura

● Na prática, sabemos que articular o local ao globalnão é tarefa fácil.● O multiculturalismo impõe ao professor uma agendadesafiadora – a de incluir numa sociedadegrafocêntrica educandos pertencentes a uma tradiçãooral.

Letramentos são

culturais

Posicionamentosensível ao oral.

● Com a democratização e a globalização, chegam àescola indivíduos completamente clivados peloprocesso de modernização.● Nesses contextos, a imposição de letramentosexógenos acaba, muitas vezes, por expulsá-los daescola ou desinteressá-los pelas práticas escolares.● A compreensão desse quadro exige do professor edo pesquisador outro ‘enquadre’ – não hápossibilidade de agir sobre esse mundo se nãosomos capazes de ‘dialogar’ com ele.

sensível aocarátersocioculturaldas práticas deletramento e àsestruturas depoder nasociedade(STREET, 1993)

Letramento e poder

Letramentos

são

críticos

● Lutar contra a ‘cultura do silêncio’ e defender aprodução de um conhecimento cultural como umelemento de força no jogo de discursos conflitantes(FREIRE, 1973; McLAREN, 1988; GIROUX, 1997).

● A sua aplicação em sala de aula impõe grandesdificuldades, principalmente no que se refere à conciliação‘Crítico’ diz dificuldades, principalmente no que se refere à conciliaçãodo ‘local’ no ‘global’.

● O grande entrave tem sido romper com um currículoprescrito, próprio da orientação do letramento cultural(McLAREN, 1988).

● No letramento crítico, o currículo se define no processode produção do conhecimento. Ele se (re)desenha a partirde questões que emergem das práticas de letramentoescolar organizadas em eventos que objetivam atendernecessidades de linguagem específicas de umacomunidade de aprendizes envolta em propósitos tambémparticulares.

‘Crítico’ diz respeito ao modo como as pessoas usam textos e discursos para construir e negociar identidade, poder e capital (LUKE, 2004).

Letramento e poder

Alguém que está interessado emdesenvolver sua competêncialeitora e escritora para práticas docotidiano – ler a bíblia, escreverpara parentes distantes,compreender instruções emcompreender instruções emsituações de trabalho, ou ainda,exercitar seus direitos comocidadão etc. – certamente sesentirá excluído em programas deletramento cuja atenção estávoltada para o domínio dosdiscursos de poder ou deassimilação das práticascanônicas.

Gênero textual

Os estudos sobre gênero textual tem-se ampliado,favorecendo reflexões variadas provenientes deepistemologias diversas das quais floresceramestudos cognitivistas, enunciativos, interacionistasócio-discursivos, pragmático-textuais, semióticos,sócio-retóricos;

“Falar de um gênero significa

adaptar-se a uma estância

apropriada, Unificador - o gênero é uma entidade complexa emultidimensional;

Dispersor - utilização de terminologias flutuantes ecruzamentos de construtos teóricos diferentes;

Constitui-se numa relação funcional entre um tipo detexto e uma situação retórica” (COE, 2002, p. 197);

apropriada, manifestando uma ‘voz’ que leitores

experientes consideram apropriada”

(HYLAND, 2005 apud JOHNS, 2006, p. 245). O gênero inclui o textual, o social e o político;

Deve ser analisado a partir de diferentes aspectos:formal, retórico, processual, temático.

Implicações para o ensino

Implicações para o ensino

Diferentes posicionamentos● O objetivo não é tornar os gêneros objetos reais deensino, mas utilizá-los como “quadros de atividadesocial em que as ações de linguagem se realizam”(BRONCKART, 1999).● Alguns defendem o ensino explícito dos gênerosargumentando que estes se constituiriam em

Os professorescontinuamestabelecendo a argumentando que estes se constituiriam em

instrumentos de mudança social e empoderamento(CHRISTIE, 1999; ROTHERY, 1996).● Outros problematizam o ensino prescritivo dosgêneros, ao entendê-los como dinâmicos, plásticos,sujeitos a mudanças, transformações ou até aodesaparecimento (CHRIS, 2000).• Por respeitarem o conhecimento situado e o papel docontexto na linguagem, julgam que é difícil montar ummodelo ou currículo com base em gêneros.Defendem, desse modo, uma “pedagogia da imersão”(JOHNS et al. 2006; KERN, 2000).

estabelecendo aindevidacorrespondênciaentre gênero etipo textual,apesar de seampararem nodiscurso de queestão ensinandogêneros.

Voltando às questões iniciais

Pensar sobre a questão dos gêneros no contexto escolar implicaperguntar: gênero segundo que tipo de abordagem teórica? gênero paraquem (no caso, que aluno)? gênero com vistas a que concepção deletramento e, conseqüentemente, a que projeto político-pedagógico?

Diferentes concepções de gênero e de letramento resultam em diferentespráticas.

No letramento cultural, háum acordo no sentido deque o aluno domine omaior número de gêneros,a fim de que circule, demodo legítimo, emvariadas esferasdiscursivas.

No letramento crítico, aintenção é que o aluno seaproprie daqueles gêneros (enão de muitos) que lhes sejamúteis para agir no mundo oupara fazer uso de determinadaspráticas que lhes convém emtermos de necessidadecomunicativa.

Voltando às questões iniciais

Entendendo-se que os gêneros são os elementos estruturadores davida social, no letramento crítico, é a prática social o componenteorientador para o trabalho didático (ponto de partida e de chegada).

A natureza performativa dos gêneros coloca em questão: os gênerospodem ser ensinados? Se podem, que sentido devemos atribuir à palavrapodem ser ensinados? Se podem, que sentido devemos atribuir à palavra‘ensino’?

‘Ensino’ como ‘instrução’, éevidente que não poderemosensinar os gêneros. O que nessesentido se ensina é a suadimensão textual – os textos –fazer isso é ter uma visão parcialdos gêneros.

‘Ensino’ como ‘imersão’,assumimos que os gênerospodem ser objetos de ensino,uma vez que a sua apropriaçãoocorre de modo situado,orientado por propósitos reais.

Ensino e Gêneros Textuais

Ensino e imersão

Definidos ao longo do processo

Atende aos

propósitos do grupo

Amplia o espaço de circulação

social

Ferramenta para agir sobre o

mundo e sobre os outros

Reconhece o aluno como

um sujeito de conhecimento

Ensinar com os gêneros

Esse modo de ‘ensinar’ com os gêneros e não sobre os gêneros requerinserir os alunos numa verdadeira ‘etnografia’ das práticas de linguagem(DEVITT, A; REIFF, M. J.; BAWARSHI, A., 2004) ou num trabalho‘textográfico’ (SWALES,1998).

Alternativa ‘Projetos de letramento’ - as práticas de letramentoAlternativa produtiva para o trabalho com os gêneros

‘Projetos de letramento’ - as práticas de letramentodecorrem de um interesse real na vida dos alunos,servindo para atingir algum outro fim que vai alémda mera aprendizagem da língua, no seu aspectoformal (KLEIMAN, 2000, p. 238).

Trabalhar nesse sentido requer que se organize ocurrículo como algo flexível, dinâmico, voltadopara a realidade local.

Projetos de Letramento

Prática Social

Comunidade de Aprendizagem

Abordagem Colaborativa

Ensino com

os gêneros

Colaborativa

Aprendizagem Situada,

horizontal

Agentes de Letramento

Projetos de Letramento

(KLEIMAN, 2000, p. 238)

Currículo Dinâmico

Resolução de Problemas

ReferênciasBAYNHAM, Mike. Literacy practices: investigating literacy in social contexts. London: Longman,1995.BAZERMAN, Charles. Gêneros textuais, tipificação e interação. Organização de Angela PaivaDionísio e Judith Chambliss Hoffnagel. São Paulo: Cortez, 2005.BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismosócio-discursivo. São Paulo:EDUC, 1999.FREIRE, Paulo. Education for critical consciousness. New York: Seabury Press, 1973.JOHNS, Ann M. et el. Crossing the boundaries of genre studies: commentaries by experts.JOHNS, Ann M. et el. Crossing the boundaries of genre studies: commentaries by experts.Journal of Second Language Writing, n. 1, p. 234-249, 2006.LEU, D. J. et al. Toward a theory of new literacies emerging from the Internet and otherinformation and communication technologies. In RUDDELL, R. B. and UNRAU, N. (eds.).Theoretical models and processes of reading. Newark, DE: International Reading Association,2004, p. 1570-1613.McLAREN, Peter L. Culture or Canon? Critical Pedagogy and Politics of Literacy. HavardEducational Review, v. 58, n. 2, p. 213-234, 1988.OLIVEIRA, Maria do Socorro; KLEIMAN, Angela Bustos (orgs.) Letramento múltiplos: agentes,práticas, representações. Natal/RN: EDUFRN, 2008.STREET, Brian. Cross-cultural approaches to literacy. Cambridge: Cambridge UniversityPress, 1993.SWALES, J. M. Other floors, other voices: a textography of small university building. Mahwah,NJ: Lawrence Erlbaum, 1998.

Obrigada!