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GEOMORFOLOGIA DA SERRA DE SINTRA PARQUE DA PENA BIOLOGIA NO VERÃO 2006

Geomorfologia da Serra de Sintra - cienciaviva.pt · A Geologia é a ciência que estuda a estrutura e os materiais que compõem o planeta Terra, ... crosta, o manto e o núcleo

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GEOMORFOLOGIA DA SERRA DE SINTRA ���� PARQUE DA PENA

BIOLOGIA NO VERÃO 2006

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GEOLOGIA NO VERÃO – PROGRAMA CIÊNCIA VIVA

A Geologia no Verão é uma iniciativa do programa Ciência Viva do Ministério da Ciência e da Tecnologia, na qual participam várias instituições portuguesas, que durante alguns dias abrem as portas para ensinar o que é a Geologia a todos os que tiverem curiosidade. Neste âmbito, a Parques de Sintra – Monte da Lua, S.A. convida-vos a fazerem uma viagem ao mundo da Geologia através da realização de um percurso no Castelo dos Mouros. Durante o percurso será descrita a evolução da Serra de Sintra e o processo de intrusão magmática que deu origem aos enormes blocos graníticos que hoje aqui se podem encontrar e o impacto que esse fenómeno provocou e provoca no clima bem como na fauna na flora desta serra. Será ainda observada a forma como a geodiversidade condicionou a localização do Castelo dos Mouros e a Vila de Sintra tendo em conta a importância dos seus valores estéticos, culturais, estratégicos, económicos, históricos, religiosos e naturais.

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A SERRA DE SINTRA

1. A ORIGEM GEOLÓGICA DA SERRA DE SINTRA

Ao contemplarmos a magnífica serra de Sintra tudo nos leva a crer que este imponente e luxuriante monumento natural sempre existiu na forma que hoje conhecemos. Mas de facto não é essa a realidade. A Serra de Sintra formou-se há cerca de 60-70 milhões de anos, e deve a sua origem a um fenómeno denominado intrusão magmática. A intrusão magmática consiste no aprisionamento de uma bolha de magma no interior da crosta terrestre. O magma solidifica lentamente, o que permite a formação dos cristais que constituem o granito. Devido às movimentações da crosta terrestre, esta massa de granito eventualmente emerge à superfície, formando, como no caso de Sintra, uma serra.

2. UM CLIMA MUITO ESPECIAL

A orientação (EW) e a destacada altitude da Serra de Sintra na plataforma litoral dão-lhe condições climáticas muito peculiares que, conjugadas com as características edáficas (características do solo), facultam à vegetação, um ambiente muito próprio, que contrasta com o da área, bem mais seca, que rodeia a serra a norte e a sul. A temperatura é, em geral, uns três a quatro graus inferior à das regiões limítrofes, mantendo as características da Região Mediterrânica. Mas a Serra mantém sempre, no decorrer do ano, humidade em alto grau, resultante dos ventos dominantes do nor-noroeste, ventos da costa portadores de humidade que ao ficar retida na cumeada condensa dando origem a densos nevoeiros. A precipitação oculta resultante da captação dos nevoeiros pela serra e nas copas das árvores pode fazer duplicar a quantidade da água disponível para as plantas, mesmo durante o período estival (Verão).

3. A VEGETAÇÃO EXUBERANTE

A vegetação exuberante da Serra de Sintra está longe de ser um vestígio da floresta primitiva que cobria uma vasta área do que viria a ser Portugal antes das modificações de paisagens impostas pela acção do Homem. De facto, devido às suas intervenções ao longo dos tempos, a serra encontrava-se, em pleno século XIX, praticamente despida de vegetação. Foi com a chegada do Rei D. Fernando II e Sir Francis Cook a Sintra (entre outros), que a situação se inverteu.

4. O ROMANTISMO

O romantismo foi um movimento cultural europeu, que surgiu nos finais do século XVIII e cuja influência se consolidou até meados do século XIX. A estética romântica aliou a busca pelo exotismo a uma importância crescida dos sentimentos, o gosto pela natureza, o culto do misticismo e o regresso ao passado. Foi neste contexto que se deu início à plantação do Parque da Pena, exemplo único de parques e jardins que influenciou diversas paisagens na Europa.

O CASTELO DOS MOUROS O Castelo dos Mouros é um importante testemunho da presença islâmica na região e de edificação provável entre os séculos VIII e IX. Das suas muralhas é possível admirar uma paisagem única que nos apresenta a vila de Sintra em primeiro plano, estendendo-se até ao Cabo da Roca, a Praia das Maçãs, Mafra, Ericeira e o oceano Atlântico. Em 1839, D. Fernando II aforou a velha fortaleza já bastante arruinada e procedeu ao seu restauro integral de acordo com os ideais românticos em voga no século XIX, incorporando-o no

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jardim romântico da Pena como elemento estético extremamente importante na criação do cenário envolvente ao Palácio da Pena. Actualmente o Castelo apresenta uma planta irregular sendo constituído por uma dupla cintura de muralhas. A muralha interior apresenta um adarve, ameias e o reforço proporcionado por cinco torreões. Destacam-se, no seu interior, a cisterna abastecida por águas pluviais, a porta de traça árabe em arco de ferradura e a Torre Real, a torre mais alta do castelo cujo alcance de vista nos permite compreender a relevante função de sentinela ao longo dos tempos.

GEOLOGIA E GEOMORFOLOGIA A Geologia é a ciência que estuda a estrutura e os materiais que compõem o planeta Terra, bem como a sua evolução. A geologia foi uma das ciências que nos demonstrou que a Terra tem cerca de 4500 milhões de anos e que é composta por várias camadas sobrepostas: a crosta, o manto e o núcleo. A Geomorfologia é o estudo das características das diferentes formações geológicas que observamos na Terra: os rios, as montanhas, as planícies, as praias, os desertos, entre muitas outras.

É na superfície da crosta terrestre que todos os seres vivos habitam. A vida na Terra depende directamente dos minerais que a compõem, pois são estes que permitem a existência das plantas, juntamente com a água e a energia solar. As plantas, por sua vez, são a base da cadeia alimentar.

Figura 1 – Estrutura interna da Terra (adaptado de Justice, 1980-1983)

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Figura 3 – Intrusão magmática vs extrusão (vulcão) (adaptado de Press & Siever, 1994)

Figura 2 – Erupção vulcânica (adaptado de Coelho, 1998)

É também através da geologia que se sabe onde procurar jazidas de minerais e outros materiais necessários à nossa tecnologia, como o ferro, o cobre, o ouro e até mesmo o petróleo, o carvão e o gás natural. Esta ciência explicou-nos, igualmente, o fenómeno dos terramotos, do vulcanismo, o porquê dos diferentes tipos de rochas e solos, entre outras coisas.

AS ROCHAS Existem basicamente três tipos de rochas, relativamente ao seu processo de formação: as magmáticas, as sedimentares e as metamórficas. Uma rocha é uma mistura de diferentes minerais. Um mineral, por sua vez, é um cristal formado por uma mistura de vários elementos químicos (no caso do quartzo, resultado da união de um átomo de silicone e de dois átomos de Oxigénio – dióxido de silicone) ou por um só elemento (no caso do ouro e do cobre, por exemplo). Apesar dos minerais poderem existir em estado puro, é muito mais comum estarem combinados uns com os outros formando rochas. Quase todos os processos geológicos decorrem ao longo de milhões de anos, por isso não os podemos observar em acção mas apenas observar os seus resultados. Algumas excepções são os sismos e as erupções vulcânicas. 1. AS ROCHAS MAGMÁTICAS Como o nome indica, as rochas magmáticas formam-se a partir do magma. Exemplos de rochas magmáticas são o granito e o basalto. O granito é designado por rocha plutónica ou intrusiva (por se formar no interior da Terra), enquanto que o basalto é designado de rocha vulcânica ou extrusiva (por formar-se ao ser expelida do interior da Terra através dos vulcões). Um modo de identificar o granito é através da sua resistência comparativamente a outros tipos de rochas e pelo facto dos seus cristais constituintes se notarem a olho nú (textura fanerítica). Sintra é precisamente um local onde se encontra muito granito. Porquê?

A Serra de Sintra deve a sua origem a um fenómeno geológico denominado intrusão magmática. E o que é uma “intrusão magmática”? O manto terrestre é constituído por magma que se encontra a grandes temperaturas e, consequentemente, fundido. Por ser menos denso, este material tende a subir em direcção à crosta e até mesmo a atravessá-la, dando origem aos vulcões. O processo é análogo ao das bolhas na água a ferver. Por vezes, o magma fica retido e não alcança a superfície. Quando a profundidade a que está retido relativamente à superfície da Terra é de cerca de 3 a 15 km, o magma acaba por arrefecer dando origem a rochas plutónicas. No caso de Sintra formou-se, principalmente, granito e sienito. É pelo facto de esta massa de rochas plutónicas se ter “encaixado” noutros tipos de rochas (no caso de Sintra, formações jurássico-calcárias) que se utiliza a designação intrusão. As

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Figura 4 – Granito (in http://www.geo.umn.edu)

Figura 5 – Ciclo das rochas (adaptado de Coelho, 1998)

movimentações tectónicas empurraram, muito lentamente (alguns milímetros por século!), essa massa de granito em direcção à superfície e, ao mesmo tempo, as camadas de crosta que se encontravam por cima foram sendo erodidas. Finalmente, alguns milhões de anos depois, o granito começou a surgir à superfície, dando origem à serra. Foi assim que a Serra de Sintra (ou Maciço Eruptivo de Sintra) se formou, no interior da crosta, há cerca de 80 milhões de anos, tendo o aspecto actual (granito/sieníto à superfície, rodeados pelos terrenos mais antigos através dos quais abriu caminho) desde há cerca de 30 milhões de anos! São seus contemporâneos os maciços intrusivos de Sines e de Monchique. A formação destes três maciços encontra-se associada ao processo de abertura do Oceano Atlântico Norte. Foi por esta altura que se deu a extinção dos dinossauros e de outros seres vivos. Há cientistas que pensam que foi o aumento da actividade vulcânica mundial que se estava a verificar que provocou essa extinção maciça. Outros há que pensam que tal se deveu a um gigantesco meteorito, que embateu na Terra, alterando o ambiente e o clima a ponto de provocar a extinção de inúmeras espécies. Por fim, existe outro grupo de cientistas que pensam que este acontecimento se deveu a uma combinação de ambos os factores.

O granito, como já foi referido, é geralmente uma rocha plutónica constituída por diversos minerais facilmente visíveis, sendo os principais o quartzo e o feldspato. Outros minerais constituintes do granito são a moscovite e a biotite (micas), por exemplo. Esta rocha apresenta, geralmente, uma cor acinzentada mas, conforme as proporções dos minerais que a constituem, pode ter também um tom rosado.

2. AS ROCHAS SEDIMENTARES

As rochas sedimentares resultam da acumulação e da consolidação de sedimentos (resultantes da erosão de outros tipos de rochas, incluindo rochas sedimentares) ou de precipitação química. O calcário é um exemplo de uma rocha sedimentar, formado pela precipitação nos oceanos de carbonato de cálcio (CaCO3) proveniente de restos de seres marinhos microscópicos. Chegam-se a formar depósitos de centenas de metros de espessura de calcário nos fundos marinhos e, por vezes, devido a processos tectónicos que duram milhões de anos, acabam por surgir à superfície. A Serra da Arrábida é um exemplo de uma dessas formações calcárias. Muitas vezes, a precipitação do calcário preserva vestígios de animais ou plantas, sendo este um dos processos de formação de fósseis. Uma área significativa da península de Lisboa é constituída por depósitos sedimentares formados no Jurássico e Cretácico, emersos há cerca de 70 milhões de anos por movimentações tectónicas, como a Serra de Monsanto, por exemplo. Ao mesmo tempo que as movimentações tectónicas elevavam esses sedimentos calcários, criaram episódios de vulcanismo que “temperaram” Monsanto com materiais basálticos.

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Figura 6 – Feteira da Rainha no Parque da Pena (Foto: Joel

Canavilhas

A areia é um conjunto de partículas que têm origem na erosão de outras rochas, inclusive outras rochas sedimentares. No caso da areia diz-se que é uma rocha sedimentar detrítica móvel. Um exemplo de rocha sedimentar detrítica consolidada é, por exemplo, o arenito, que é areia agregada por um cimento natural. O solo é, em parte, o resultado de processos erosivos. Este tem origem na erosão de outras rochas e na humificação (decomposição) de restos orgânicos. O solo formado a partir de rochas basálticas tem excelentes qualidades agrícolas, devido à sua riqueza de minerais. A zona de Lisboa tem solos deste tipo, daí a sua aptidão para as actividades agrícolas. Apesar de a erosão ser necessária para criar o solo, também o pode destruir. Como vimos, sem solo as plantas não sobrevivem e as plantas são a base da cadeia alimentar, logo o suporte de quase toda a vida na Terra. Um modo de evitar a erosão dos solos é precisamente através da protecção providenciada pelas plantas, que evitam que as terras sejam arrastadas pelo vento e pela água da chuva e dos rios. 3. AS ROCHAS METAMÓRFICAS As rochas metamórficas têm origem em rochas magmáticas e sedimentares que, sob condições particulares de pressão e de temperatura, sofrem um metamorfismo, i.e., uma mudança das suas propriedades, com recristalização e consequente alteração de textura e de estrutura, originando novas rochas. Como exemplos temos a ardósia, o xisto e o mármore. O próprio granito pode ter origem metamórfica mas esse não é o caso do granito que encontramos em Sintra. Por fim, as rochas magmáticas podem dar origem a rochas sedimentares e metamórficas e todas estas podem reverter ao magma, através dos processos tectónicos.

INFLUÊNCIA DA GEOLOGIA DE SINTRA NO MEIO ENVOLVENTE O maciço montanhoso de Sintra sobressai acima das plataformas calcárias que a intrusão perfurou na sua ascensão através dessas camadas sedimentares. De facto, anteriormente à formação da Serra, este local era uma zona litoral de terras baixas e planas, ocupada por braços de mar e lagunas. As lamas destes fundos pantanosos formaram camadas sedimentares que, por sua vez, num processo de petrificação que dura milhões de anos, formaram as plataformas calcárias. Ao irromper, a Serra deformou essas plataformas. Foi assim que rastos de dinossauros, previamente formados nessas lamas e preservados na horizontal, durante a formação do calcário, aparecem hoje expostos em posições quase verticais ou de grande inclinação, como é o caso na Praia Grande.

De certo modo, a Serra parece uma ilha verde no meio de uma paisagem mais plana, menos arborizada e urbanizada (principalmente a Sul). E, provavelmente, já o foi. Existem algumas evidências de tal ter acontecido entre 6 e 15 milhões de anos atrás, e de novo há cerca de 2 milhões de anos. Para tal acontecer, o nível do mar nessas ocasiões tinha de ser mais elevado que o actual (mudança eustática do nível do mar) e/ou a elevação do próprio terreno teria que ser menor. Na zona da Azóia e de Almoçageme existem vestígios de praias situadas a mais de 170 m de altitude, em relação ao nível actual do mar. A exuberância da vegetação pode ser explicada pelo clima típico da Serra, que por sua vez se deve ao seu relevo, que intercepta a humidade proveniente do Atlântico. Cria-se assim um microclima mediterrânico mas de feição oceânica, com humidade quase subtropical. A evapotranspiração gerada pela floresta ajuda a manter um

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elevado nível de humidade. A protecção constante do solo providenciada pelas copas e pela manta morta também contribui para uma temperatura e níveis de humidade no solo adequados à diversidade de espécies encontradas. Criou-se, desta forma, uma espécie de ciclo, em que a humidade vinda do oceano permite a existência de muita vegetação que, por sua vez, mantêm as condições para a permanência de um nível quase constante de humidade na Serra, o que vai beneficiar a manutenção do coberto vegetal. Uma influência visível do relevo geológico na flora pode ser constatada nos locais mais altos da Serra, como no Castelo dos Mouros. Pode-se ver que, conforme a altitude e o grau de exposição aos elementos, as árvores crescem mais ou menos. Um efeito curioso é o das copas das árvores que nasceram nos vales estarem ao quase ao mesmo nível das que nascem nos locais mais elevados. O que se passa é que as árvores dos vales, para terem acesso à luz, crescem muito rapidamente em altura, até atingirem um nível de exposição à luz mais favorável. Por sua vez, as árvores que nasceram em locais mais elevados não só não necessitam de crescer muito em altura porque já se encontram em locais de muita luminosidade, como a própria exposição ao vento o torna mais difícil. Além disso, nos locais mais altos e mais íngremes, a erosão sobrepõe-se à sedimentação, levando a que haja menos solo disponível para uma árvore poder crescer com mais vigor. Os microhabitats providenciados pelo relevo e pela variedade litológica explicam também a elevada biodiversidade que a Serra apresenta, apesar da sua relativa pequena dimensão. Uma característica das paisagens graníticas que contribui muito para a criação de microhabitats é o caos de blocos. Os caos de blocos são o resultado da erosão do granito durante milhões de anos. As variações de temperatura a que as rochas e a água nelas infiltrada estão sujeitas com o passar do tempo e das estações vão provocando alterações de volume que acabam por provocar fracturas e fendas. A essas fracturas chamam-se diáclases. Com o tempo, as diáclases transformam um bloco de granito num aglomerado de blocos menores, o caos de blocos. A vertente que se desenvolve do Castelo dos Mouros até à Vila Velha de Sintra é um bom exemplo de caos de blocos.

Figura 7 – Caos de blocos (adaptado de Coelho, 1998)

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A bioerosão amplifica esse mecanismo. Trata-se da erosão provocada pelos seres vivos durante a sua vida. Um bom exemplo são os líquenes que vão lentamente “corroendo” a superfície das rochas onde crescem, abrindo caminho para as plantas se poderem fixar. Com o tempo, cria-se uma camada de solo à superfície da rocha que permite a fixação de plantas maiores e mais exigentes. Eventualmente, uma árvore poderá aí estabelecer-se e as suas raízes irão forçar as fendas das rochas que lhe servem de suporte, até as fracturarem completamente. De um modo resumido, é este um dos processos de formação de solo, desde grandes rochas até uma camada de solo mais ou menos uniforme. São muitos os locais no Castelo dos Mouros onde se podem encontrar vestígios de bioerosão. Um aspecto muito importante a considerar é o de que a bioerosão não deve ser confundida com a erosão provocada pelas actividades humanas. Regra geral, a bioerosão tende a criar solo. A erosão de origem humana tende a fazer o oposto.

GEODIVERSIDADE A abordagem tradicional à temática da Conservação da Natureza contempla essencialmente, aspectos e preocupações relativos à Biodiversidade. Sem dúvida que esta é uma vertente importante e crucial na óptica da Conservação da Natureza. Contudo esta abordagem omite normalmente as questões relativas à Geodiversidade, esquecendo que esta constitui o suporte para a Biodiversidade. A Geodiversidade consiste na variedade de ambientes geológicos, fenómenos e processos activos que dão origem a paisagens, rochas, minerais, fósseis, solos e outros depósitos superficiais que são o suporte para a vida na terra. Neste contexto surgem associados outros conceitos tais como Geo-património, e os valores que estão inerentes à Geodiversidade. 1. GEOPATRIMÓNIO O conceito de Geopatrimónio abarca as vertentes geológicas e geomorfológicas do património natural. Nele estão contidos formas e processos de evolução das rochas e do relevo que testemunham a evolução da paisagem. 2. OS VALORES DA GEODIVERSIDADE Valor Cultural e Estético O valor cultural é atribuído pelo homem quando é reconhecida uma interdependência entre o meio e o seu desenvolvimento cultural e/ou religioso e social. O valor estético é mais subjectivo e a sua quantificação não é passível de ser atribuída. O valor estético associado à Serra de Sintra serviu de inspiração a vários poetas, retratistas e pintores nacionais e estrangeiros que referem a beleza da paisagem natural sintrense como se pode verificar no excerto das Memórias Paroquiais de 1758, segundo as quais a Serra de Sintra se define como um marco na Paisagem, “(...) compõe-se esta montanha de calhaus de imensa grandeza, (...) sem ligadura, sustentados só no equilíbrio, principalmente os que estão na eminência da Serra, onde se vêm vestígios da antiga fortificação dos Mouros” (Azevedo, 1982). A Serra de Sintra tem também um valor cultural riquíssimo. São inúmeros os vestígios arqueológicos em toda a Serra que evidenciam uma ocupação humana que vem desde a proto-história até ao século XIX. A localização do Castelo dos Mouros e da própria vila de Sintra foi condicionada pela morfologia da Serra, e desde tempos remotos que a Serra é conotada como um local sagrado e religioso pelas várias culturas que por lá passaram até aos dias de hoje. A simbiose entre o património natural, onde se inclui o geopatrimónio, e a cultura humana é perfeita. Exemplo disso foi o desenvolvimento da cultura romântica no século XIX na Serra de Sintra que teve como imaginário as paisagens criadas pelas formas graníticas da Serra e culminou com a construção de uma “Paisagem Cultural” que foi classificada em 1995 como Património Mundial pela UNESCO.

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Valor Económico A Serra de Sintra pode ser abordada de duas perspectivas económicas diferentes. A primeira virada para a exploração dos recursos geológicos através da industria transformadora vocacionada para construção civil (exploração de rochas ornamentais e extracção de saibro), e a segunda do ponto de vista da atractividade e potencialidade turística no âmbito da qual encontramos a Parques de Sintra Monte da Lua S.A,. empresa responsável pela gestão dos Parques Históricos de Sintra e outras empresas de eventos de outdoor, restauração e hotelaria. Obviamente que quando falamos em exploração dos recursos, quer seja do ponto de vista industrial, quer do ponto de vista turístico, podemos estar a falar de uma possível ameaça, caso essa exploração não seja controlada, fiscalizada e as capacidades de carga do meio não sejam previamente estabelecidas e cumpridas. Valor Funcional O valor funcional da geodiversidade pode ser encarado sob duas perspectivas:

- o valor da geodiversidade in situ, de carácter utilitário para o Homem, no suporte da realização das mais variadas actividades humanas (por exemplo todas as actividades turísticas implementadas na Serra de Sintra;

- o valor da geodiversidade enquanto substrato para a sustentação dos sistemas físicos e ecológicos na superfície terrestre. Temos como exemplo na serra de Sintra os “caos de blocos” que reúnem as condições ideais para a fixação dos vários casais de aves de rapina existentes na Serra.

Valor Científico e Educativo Não existem duvidas em relação ao valor cientifico e educativo associado à Serra de Sintra. Neste âmbito podem mencionar-se as várias saídas de campo realizadas pelo ensino Secundário e Superior, os vários artigos, trabalhos científicos e guias de campo produzidos relacionados com a Serra, e todas as actividades de educação e sensibilização ambiental levadas a cabo pelas várias entidades com responsabilidades neste território. Valor Intrínseco O valor intrínseco, de todos os valores já referidos, é o mais subjectivo de atribuir, uma vez que engloba preceptivas filosóficas e religiosas. Contudo não é por acaso que a Serra de Sintra é Património da Humanidade. O facto de ser um local de muita especificidade não deixa ninguém indiferente. A nosso ver este valor, apesar de ser extremamente difícil de quantificar, existe sempre. Quando andar a passear no campo, observe os diferentes tipos de rochas que encontra, o tipo de solo que pisa, e pense nos processos de formação envolvidos e no tempo que levou a criar estas diferentes paisagens de elementos. Leve um guia de geologia consigo para mais facilmente identificar as diferentes rochas e minerais.

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Figura 8 – Movimentação dos continentes nos últimos 200 milhões de anos (adaptado de Lambert, 1980-1982)

GLOSSÁRIO

Basalto: A mais vulgar das rochas magmáticas. Os seus minerais constituintes são a piroxena, a plagiocláse e a olivina. Varia entre a cor preta e o cinzento-escuro. Cretácico: Nome dado ao período geológico entre 144 e 66,4 milhões de anos atrás. Erosão: Desgaste contínuo das rochas por acção do vento, da água, de mudanças de temperatura ou da acção de seres vivos (bioerosão) e respectivo transporte dos materiais daí resultantes. Eustática: Termo que se refere a mudanças reais do nível do mar, a nível global, por contraste a mudanças locais devidas a movimentações verticais de uma massa de terra. Fanerítica: Textura de rochas eruptivas, holocristalina, em que todos ou quase todos os cristais, pelas dimensões, são visíveis a olho nu. Feldspatos: Um grupo de minerais característicos das rochas magmáticas ácidas. Fósseis: vestígios de seres vivos há muito mortos e conservados, principalmente, em rochas sedimentares. Através destes é possível investigar a evolução dos seres vivos ao longo do tempo e as suas condições de vida na altura da fossilização. Também tornam possível ficar a saber as condições ambientais dominantes durante a formação desses sedimentos. Se no alto de uma montanha aparecer um fóssil de um animal marinho, isso implica que os sedimentos e rochas que constituem a montanha formaram-se debaixo do mar. Geomorfologia: Ciência que estuda a morfologia da superfície terrestre e a sua origem, evolução e os processos envolvidos.

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Humificação: formação de compostos orgânicos no solo a partir dos restos orgânicos dos seres vivos. Jurássico: Nome dado ao período geológico entre 208 e 144 milhões de anos atrás. Magma: ver Manto. Manto: Camada do interior da Terra que se segue à Crosta. O material que o constitui está fundido, devido às altas pressões e temperaturas. Esse material fundido por vezes atravessa a crosta, dando origem ao magma que é expelido pelos vulcões e às intrusões magmáticas. Micas: Minerais em forma de lâmina, brilhantes, que facilmente se separam umas das outras. Microclima: Características climáticas relativamente constantes numa área relativamente pequena e que contrasta com os padrões climáticos da região circundante. Período: No contexto geológico, corresponde à unidade básica de tempo, em que sistemas específicos de rochas se formaram.

Quartzo: mineral constituído por silica (SiO2).

Tectónica: ramo da Geologia que estuda a deformação da crosta terrestre e das forças que a provocam Textura: a textura fanerítica diz-se das rochas em que os minerais são facilmente identificáveis a olho nú. O oposto é textura afanítica, como no caso do basalto. A textura pode ser

ainda vítrea, onde o arrefecimento e a solidificação é tão rápida que os minerais não se chegam a individualizar, como no caso da obsidiana. Recristalização: neste contexto, é a reorganização da estrutura espacial das ligações entre os átomos constituintes dos cristais ou a formação de novos cristais, devido a processos metamórficos. Um bom exemplo é a grafite, um mineral resultante do metamorfismo de sedimentos ricos em Carbono (a grafite também pode ter origem magmática).

Figura 9 – Escala Geológica (adaptado de Ferreira & Vieira, 1999)

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Em português:

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Em inglês:

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