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Ambiente & Sociedade Campinas v. XII, n. 2 p. 273-292 jul.-dez. 2009 *Pesquisa financiada com recursos do MCT/CNPq. 1 Doutor em Ciências Agrárias, Professor de Sociologia, Universidade Federal do Pará – Belém, Bolsista de produtividade do CNPq, E-mail: [email protected] 2 Doutora em Sociologia, Pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental, Bolsista de produtividade do CNPq, E-mail: [email protected] 3 Mestre em Fruticultura Tropical, Pesquisador da Embrapa Tabuleiros Costeiros, E-mail: [email protected] Autor para correspondência: Heribert Schmitz, Universidade Federal do Pará, Av. Augusto Corrêa s/n – Campus Universitário Guamá, CEP 66.075-900, Belém – PA, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido: 18/12/2006. Aceito: 25/7/2009 gestão coletiva de bens comuns no extrativismo da mangaba no nordeste do Brasil* HERIBERT SCHMITZ 1 DALVA MARIA DA MOTA 2 JOSUé FRANCISCO DA SILVA JÚNIOR 3 1 Introdução Desde a formulação da expressão “tragédia dos bens comuns” por Hardin (1968), o destino de recursos escassos de uso comum parecia ser a degradação 1 . No centro da discussão existe a concepção de que indivíduos defenderiam preferencialmente os seus próprios interesses e, conseqüentemente, seria impossível a ação coletiva para regular o uso apropriado de tais recursos. Olson (1965) questionou a idéia de que membros de um grupo com interesses comuns atuem voluntariamente a fim de tentar promover os seus interesses. Com exceção de certos casos, nos quais o número de indivíduos seja bem pequeno ou existam mecanismos de coerção, membros de um grupo com objetivos comuns não atuariam voluntariamente para alcançar os interesses do grupo, mesmo se eles pudessem viver numa situação melhor quando esses objetivos fossem alcançados. A argumentação de Olson baseia-se na premissa de que alguém que não pode ser excluído dos benefícios de um bem coletivo, uma vez que o bem seja produzido, tem pouca motivação para contribuir voluntariamente no fornecimento desse bem. Consequentemente, seria impossível a ação coletiva para regular o uso apropriado dos recursos. As únicas alternativas pareciam ser a regulação central (pelo Estado) ou a privatização.

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Ambiente & Sociedade ■ Campinas v. XII, n. 2 ■ p. 273-292 ■ jul.-dez. 2009

*Pesquisa financiada com recursos do MCT/CNPq. 1 Doutor em Ciências Agrárias, Professor de Sociologia, Universidade Federal do Pará – Belém, Bolsista de produtividade do CNPq, E-mail: [email protected] 2 Doutora em Sociologia, Pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental, Bolsista de produtividade do CNPq, E-mail: [email protected] Mestre em Fruticultura Tropical, Pesquisador da Embrapa Tabuleiros Costeiros, E-mail: [email protected]

Autor para correspondência: Heribert Schmitz, Universidade Federal do Pará, Av. Augusto Corrêa s/n – Campus Universitário Guamá, CEP 66.075-900, Belém – PA, Brasil. E-mail: [email protected]

Recebido: 18/12/2006. Aceito: 25/7/2009

gestão coletiva de bens comuns no extrativismo da mangaba no

nordeste do Brasil*Heribert SCHMitZ1

DAlvA MAriA DA MOtA2 JOSué FrAnCiSCO DA SilvA JÚniOr3

1 Introdução

Desde a formulação da expressão “tragédia dos bens comuns” por Hardin (1968), o destino de recursos escassos de uso comum parecia ser a degradação1. No centro da discussão existe a concepção de que indivíduos defenderiam preferencialmente os seus próprios interesses e, conseqüentemente, seria impossível a ação coletiva para regular o uso apropriado de tais recursos. Olson (1965) questionou a idéia de que membros de um grupo com interesses comuns atuem voluntariamente a fim de tentar promover os seus interesses. Com exceção de certos casos, nos quais o número de indivíduos seja bem pequeno ou existam mecanismos de coerção, membros de um grupo com objetivos comuns não atuariam voluntariamente para alcançar os interesses do grupo, mesmo se eles pudessem viver numa situação melhor quando esses objetivos fossem alcançados. A argumentação de Olson baseia-se na premissa de que alguém que não pode ser excluído dos benefícios de um bem coletivo, uma vez que o bem seja produzido, tem pouca motivação para contribuir voluntariamente no fornecimento desse bem. Consequentemente, seria impossível a ação coletiva para regular o uso apropriado dos recursos. As únicas alternativas pareciam ser a regulação central (pelo Estado) ou a privatização.

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Contrariamente, outros autores, a exemplo de Ostrom (1990), apontam casos de gestão coletiva de bens comuns bem sucedidos por longos períodos, e explicam porque os indivíduos não se comportam sempre como o previsto por Olson (1965) e Hardin (1968). Pequenos grupos locais e populações maiores são capazes de criar instituições2, elaborar as regras necessárias e garantir o respeito dos envolvidos em relação ao uso de bens comuns. Fatores externos podem dificultar a permanência desses modos de uso coletivo. A partir de experiências de usos coletivos de bens comuns de longa duração, Ostrom (1990, p. 90) identificou “princípios de instituições de sistemas duradouros” para explicar a persistência destes sistemas.

Outros autores questionam as suposições de Hardin (1968) a partir de uma análise mais detalhada dos regimes de direito de propriedade. Assim, podem ser identificados quatro regimes de direitos de propriedade, no âmbito dos quais recursos de propriedade comum são manejados, e que devem ser considerados tipos analíticos ideais: a) o livre acesso; b) a propriedade privada; c) a propriedade comunal (ou comunitária); e d) a propriedade estatal (FEENY et al., 2001, p. 20)3. Os bens comuns, segundo Hardin (1968), correspondem aos bens comuns de livre acesso, que podem ser definidos pela ausência de direitos de propriedade precisos. Em consequência, muitos dos casos anteriormente identificados como de livre acesso devem ser enquadrados na categoria da propriedade comunal.

O desafio apresentado por Olson (1965) e Hardin (1968) mudou a maneira de entender a ação coletiva. Ela continua a ser considerada um empreendimento de difícil realização; no entanto, as reflexões de Ostrom (1990) e de Feeny et al. (2001), sobre casos concretos, mostram a possibilidade da gestão de bens comuns, especialmente de recursos naturais, de longa duração, e permitem identificar critérios para um manejo bem sucedido.

Esse tem sido o caso das áreas remanescentes de mangabeiras (Hancornia speciosa Gomes) no Nordeste, onde as catadoras de mangaba4 fazem a gestão comum do recurso. As catadoras são habitantes de áreas de restinga5 e tabuleiros6, que têm conseguido conservar os recursos ao longo dos anos, a partir de um manejo tradicional que alia o extrativismo da mangaba à coleta de produtos do manguezal, à pesca, à agricultura, ao artesanato e ao assalariamento no turismo. Trata-se de uma população que gerencia os recursos naturais há décadas (MOTA; SILVA JÚNIOR; SCHMITZ, 2005).

Atualmente, essa população tradicional está sujeita, por um lado, à pressão exercida pelos proprietários das áreas remanescentes de mangabeiras que as utilizam para agricultura, turismo e construção de viveiros de camarão, atividades que dependem do corte das plantas e, por outro lado, pelo desequilíbrio ambiental que vem provocando a extinção do caranguejo nos manguezais, um dos principais componentes da dieta e da renda dessa população. Ameaçada da expropriação de seu modo de vida, a população reage, investe na reprodução das plantas e insiste no acesso às áreas naturais de mangabeira, muitas vezes privadas, mas disponibilizadas por seus proprietários. Outras vezes, são erguidas cercas para impedir o acesso e, neste caso, as catadoras, frequentemente desconsideram as regras impostas pelos proprietários. Nos dois casos, a coleta dos frutos é intensificada, tanto pela maior demanda de mercado quanto pela urgência em gerar uma renda que compense a indisponibilidade do caranguejo.

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Perante o risco de desorganização social desse sistema, este artigo analisa a gestão coletiva de bens comuns no extrativismo da mangaba, destacando o acesso aos recursos, o êxito de iniciativas de gestão coletiva e os conflitos sociais7 relativos à ação dos atores no âmbito do debate sobre o futuro do extrativismo.

2 A pesquisa

A pesquisa deu-se no período de 2005 a 2006, através de revisão de literatura sobre ação coletiva, gestão coletiva de bens comuns, extrativismo vegetal, populações tradicionais e conflitos ambientais8. O campo de investigação inclui as áreas de remanescentes de mangabeiras nos estados de Sergipe, Alagoas, Bahia e Pernambuco, selecionados pelo fato de apresentarem diferentes formas de acesso. A metodologia constou de levantamento de dados primários e secundários quantitativos9, observação direta e participante, entrevistas estruturadas e semi-estruturadas sobre o acesso aos recursos, as lógicas de reprodução social, a gestão coletiva e os conflitos sociais.

Buscou-se observar práticas e levantar visões individuais sobre o extrativismo, as instituições e as formas de acesso às plantas, além de identificar dados relativos ao sistema de recursos, como o estado de conservação dos remanescentes de mangabeiras (SILVA JÚNIOR et al., 2006). A amostra foi composta por catadores de mangaba (homens, mulheres e crianças), comerciantes, proprietários de áreas e técnicos. Foram realizadas observações diretas (visitas in loco) em 74 localidades e entrevistas semi-estruturadas com 86 pessoas, sendo 27 em Sergipe, 25 em Alagoas, 16 na Bahia e 18 em Pernambuco (MOTA; SCHMITZ; SILVA JÚNIOR, 2008). Destes, 80% foram catadores. Além disso, foram efetuadas 72 entrevistas estruturadas em Sergipe.

3 Gestão coletiva de bens comuns

Apesar do amplo debate existente sobre “gestão coletiva de bens comuns”, dentre os quais, os recursos naturais, acreditamos ser necessário buscar uma definição que possa ser empregada nos diferentes contextos. Segundo Godard (1997, p. 205), as:

várias acepções da noção de gestão têm em comum a idéia de uma ação coletiva voluntária, visando o controle do desenvolvimento do território, e isto de um ponto de vista simultaneamente espacial e ligado à exploração dos recursos naturais.

Para Ostrom (1990, p. 90), a gestão de bens comuns10, dentre eles, os recursos naturais, por longos períodos, baseia-se num arranjo institucional que, geralmente, é composto de vários elementos tais como: assembléia, negociação, decisão, acordo, regras, monitoramento, sanções e instâncias de fácil acesso para a resolução de conflitos (princípios de instituições de sistemas duradouros).

Os princípios formulados por Ostrom (1990), a partir de estudos de caso e de uma abordagem baseada na escolha racional, na teoria dos jogos e no neo-institucionalismo (GARVÍA, 1998, p. 73-75), enfrentaram severas críticas de outra abordagem influenciada pelas noções de “economia moral” (como SCOTT, 1976; THOMPSON, 1971) e

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“entitlement” (SEN, 1981)11. Essas diferenças refletem uma oposição de longa tradição entre escolas de pensamento que, de forma simplificada, têm uma visão do homem, por um lado, como indivíduo racional orientado pelos seus próprios interesses (self-interested), associado a Thomas Hobbes e Adam Smith (Homo economicus) e, por outro, como ser social orientado por normas sociais e, apenas em segundo lugar, um indivíduo, associado a Émile Durkheim (Homo sociologicus). Mosse (1997, p. 470) distingue entre escola “econômico-institutional” e escola “sociológico-histórica”.

A principal crítica dos estudiosos da escola “sociológico-histórica” é a de uma compreensão instrumental e historicamente descontextualizada das relações em torno dos bens comuns e dos fatores ecológicos e sócio-econômicos (JOHNSON, 2004, p. 421). Mosse (1997) destaca a necessidade de compreender que os recursos em questão atendem, além dos interesses econômicos imediatos e de sobrevivência, outros como status, prestígio, honra e que as instituições são uma expressão inseparável das relações sociais e das estruturas historicamente específicas de poder. Outros, como Mehta et al. (1999), defendem a necessidade de um entendimento mais profundo da complexidade, da incerteza e da dinâmica dos processes ecológicos e da mudança ambiental. Uma parte das críticas, por exemplo, a de Morrow e Hull (1996), compartilha a preocupação com a prática de intervenção e a necessidade de uma orientação mais eficiente com vistas a promover as (novas) instituições para a gestão comunitária de recursos. As propostas concretas de modificação dos princípios12 inicialmente formulados por Ostrom (1990) não alteram o teor dos mesmos, apenas acrescentam adequações para contextos específicos, a fim de que agências externas possam assessorar mais efetivamente o desenvolvimento de arranjos institucionais para uma gestão duradoura (MORROW; HULL, 1996; MOSSE, 1997; LEACH; MEARNS; SCOONES, 1999; MEHTA et al., 1999; JOHNSON, 2004).

Assim, consideramos que uma definição de gestão coletiva de bens comuns deve partir da idéia de um arranjo institucional.

Tendo em conta esse debate, como denominar o que ocorre no extrativismo realizado em áreas de livre acesso, a exemplo do que realizam as catadoras de mangaba no Nordeste do Brasil? O extrativismo praticado por esse grupo tem como característica central o direito de usufruto do recurso de todos os que residem num dado território ou mesmo em territórios vizinhos. Obedece a regras que são aceitas e seguidas através das práticas sociais instituídas pelos grupos, nas quais o saber tradicional é passado de geração a geração através da oralidade. As regras devem ser seguidas por todos e a não observância das mesmas é freqüentemente objeto de conflito (NASCIMENTO, 2001, p. 98). No entanto, alguns elementos do arranjo institucional identificado por Ostrom não são encontrados no extrativismo da mangaba em áreas livres. Não existem definições claras de quem participa, não há negociação formal e nas áreas de livre acesso não há sanções além da repreensão oral. A questão que se coloca é: podemos então caracterizar as atividades das catadoras como gestão coletiva de bens comuns?

Revisando a literatura, a noção de um arranjo institucional bem definido dilui-se. Weber (1997, p. 134), a partir da “... observação de inúmeras experiências de negociação no campo da gestão de recursos naturais renováveis, especialmente nos casos das atividades de pesca e de construção de represas de grande porte” defende “... uma concepção da decisão

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pensada como o resultado de um processo de interação entre atores individuais e/ou coletivos ...”. A gestão coletiva pode envolver vários atores com interesses diferentes, e nem sempre um centro de decisão pode ser identificado.

Mermet (1992, p. 182) usa o termo geral “gestão do meio ambiente” (gestion de l’environnement) e apresenta quatorze formas de gestão. Nos casos analisados por ele, a gestão acontece num contexto de conflitos muito diferente do que se poderia imaginar como consensual. Em vez de uma instância de decisão bem definida, pode-se descrever a gestão do meio ambiente, habitualmente, como o resultado da atuação de uma multiplicidade de atores envolvidos. Deve ser vista mais como um processo, no qual os atores resolvem os problemas comuns, cada um contribuindo através do seu comportamento e suas escolhas cotidianas. Isso se mostra claramente no exemplo descrito por Ollagnon (1979, citado por MERMET, 1992, p. 177-179), que evidencia a complexidade da gestão no exemplo da Alsácia, uma planície com alta densidade populacional, sob a qual existe um lençol freático gigantesco, ligado ao Rio Reno, que corre lentamente (um recurso migratório). O problema é a poluição desse lençol e a dificuldade de implementar uma gestão efetiva por causa da multiplicidade de atores envolvidos e da responsabilidade de mais de vinte órgãos governamentais com competências nem sempre claras, mas que devem resolver uma ameaça que aparecerá apenas a longo prazo. Além disso, a poluição depende das decisões cotidianas da população da região.

Em vez de confiar a gestão do meio ambiente a órgãos governamentais ou a serviços especializados, Mermet (1992) identifica como uma possível solução a “gestão comunitária integrada”, que envolva a população interessada que, de maneira ideal, deverá até antecipar as ações dos governos. Este tipo de gestão conta com uma dimensão ética e exige certa consciência dos atores que agem, cada um segundo o seu lugar e a sua responsabilidade, num processo ativo de comunicação e intercâmbio, o que pode incluir procedimentos negociados, mas não necessariamente um acordo.

Numa perspectiva não muito diferente de Mermet (1992), Diegues (2001) fornece a idéia de uma gestão coletiva de bens comuns que se baseia na responsabilidade social. “Em maior ou menor intensidade, existe a noção de que os recursos compartilhados devem ser usados com parcimônia, pois deles dependem a reprodução social e simbólica do grupo” (DIEGUES, 2001, p. 98). “Estas formas tradicionais se revelaram adequadas para o uso sustentado dos recursos naturais durante largo período de tempo” e se basearam na “... existência de um conjunto de regras e valores consuetudinários, através da ‘lei do respeito’, e de uma teia de reciprocidades sociais... “ (DIEGUES, 2001, p. 120).

Com essas constatações, perde força a idéia de um arranjo fixo, negociado, decidido e documentado em ata como única forma de gestão, em favor da imagem da interação de um grupo de atores com diferentes interesses e, na forma “mais tradicional” da gestão, da existência de um conjunto de regras e valores consuetudinários, baseado na “lei do respeito”. Era dessa maneira que funcionava a roça dos caiçaras e a pesca nos lagos da Amazônia e no mar, praticados em áreas de livre acesso (BERKES, 1987; DIEGUES, 2001).

Mesmo que haja uma situação predominantemente de livre acesso, podem-se observar esforços de regulamentação da apropriação dos bens para se evitar a situação de escassez dos recursos, prevista por Hardin (1968), não obstante a dificuldade de obter e fazer

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cumprir esses acordos. Exemplos são: a) o difícil e quase impossível acordo entre os países da União Européia sobre a limitação da pesca no mar aberto; b) as tentativas de implementar uma gestão comunitária da pesca nos lagos e rios nas regiões de Tefé - AM e de Santarém - PA (CUNHA, 2002; BENATTI; McGRATH; OLIVEIRA, 2003); c) os casos de gestão da pesca no mar descritos por Acheson, sobre pesca de lagostas na costa de Maine - EUA (ACHESON, 1987), e por Berkes (1987), sobre a pesca de indígenas no Canadá; d) as regulamentações relativas à poluição do ar, um bem migratório de acesso livre, como mostra a chamada “chuva ácida”; e, e) na nossa opinião, o extrativismo nos casos das quebradeiras de babaçu (Orbignya phalerata, Mart.) e das catadoras de mangaba.

Esses exemplos têm em comum a situação de transição. Eram de livre acesso, mas não apresentavam o problema do uso excessivo, porque: a) no grupo (restrito) dos principais interessados valiam as instituições; ou b) o uso era insignificante em relação ao tamanho do sistema de recursos. A aproximação à situação de exploração excessiva (por exemplo, sobrepesca) ou o interesse de novos atores na apropriação do bem tornaram áreas ou bens, praticamente com acesso restrito, em bens de acesso livre, e enfraqueceram os arranjos institucionais anteriores. Mudanças na exploração das mangabas (interesse econômico dos proprietários das terras), no uso da terra ocupada pelas mangabeiras (turismo, casas de veraneio, agricultura, viveiros de camarão), nas técnicas usadas na pesca (barcos maiores com motor, novos saberes e tecnologias), no uso do lençol freático (dreno ou depósito de substâncias poluentes por um número crescente de atores) exigiram esforços para o manejo dos recursos. Entretanto, a eficácia desse manejo é incerta, pois se trata do resultado da disputa entre atores com interesses, freqüentemente, divergentes. No nosso caso, as catadoras eram as principais interessadas na exploração da mangaba, assim conseguindo manter um conjunto de regras e valores consuetudinários entre elas. Apenas quando as transgressões devido às mudanças descritas aumentaram e erodiram os acordos anteriores, mostraram-se as características de uma área de livre acesso no sentido de Hardin. Só em situação de extrema escassez dos recursos, de ausência de regras e de falta de compromisso de todos os envolvidos com as mesmas, pode-se afirmar que a tragédia dos bens comuns seja inevitável.

Por tudo isso, não é possível concordar com Hardin (199413, citado por McKEAN; OSTROM, 2001, p. 81) de que recursos em áreas de livre acesso significam sempre recursos não manejados, idéia apresentada em trabalho posterior ao clássico artigo sobre a tragédia dos bens comuns (HARDIN, 1968) para modificar a sua visão anterior. Observam-se muitos casos de recursos manejados em áreas de livre acesso, como nos casos apresentados por Diegues (2001) e Berkes (1987) e, na nossa opinião, no caso das catadoras de mangaba, com a finalidade de evitar a situação de escassez dos recursos, prevista por ele (HARDIN, 1968).

Mermet (1992) caracteriza a gestão com o envolvimento de uma multiplicidade de atores como “gestão comunitária”, enquanto a gestão coletiva refere-se à coletividade (collectivité), quer dizer, à esfera governamental. No entanto, o termo comunidade tornou-se “algo problemático como instrumento de análise sociológica” (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 115-116)14. Por isso, preferimos usar a expressão “gestão coletiva de bens comuns”, em vez de gestão comunitária. A definição de “coletivo” por

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Ferreira (2004)15 considera a atuação de grupos com interesses diferentes e até opostos. O termo “gestão comunitária” (ou comunal)16 será reservado para situações nas quais uma comunidade de usuários interdependentes pode ser identificada através da sua capacidade de atuar conjuntamente sendo capaz de tomar decisões para alcançar um objetivo comum, por exemplo, excluir atores externos do uso dos recursos e estabelecer as suas próprias instituições (FEENY et al., 2001, p. 21).

A gestão coletiva de bens comuns depende da atuação de múltiplos atores no mesmo território. Como tipo ideal, o objetivo é garantir o uso dos bens por um largo período de tempo. Porém, a superposição de interesses pode ser motivo de conflito ambiental, por exemplo, no caso das mangabeiras, quanto à implantação de uma Reserva Extrativista (Resex), defendida pelas catadoras e rejeitada pelos proprietários de terra. Mesmo a gestão exclusiva por populações tradicionais nem sempre tem por fim a conservação de recursos (HAMES, 1987).

Tendo em conta esse debate, definimos gestão coletiva de bens comuns como o resultado de um processo de interação de indivíduos ou grupos para uso desses mesmos bens. O arranjo institucional existente para este fim pode ser, por um lado, composto por um conjunto de regras e valores consuetudinários, cujo acatamento é garantido através da “lei do respeito”, sem necessariamente passar por um acordo negociado. Por outro, considera, também, a gestão com procedimentos mais formais, como associação, assembléia, negociação, decisão, acordo, regras, monitoramento, sanções, assim como leis, governos e conselhos. Muitos desses elementos são característicos de uma sociedade letrada. Esse segundo caso refere-se a situações, nas quais os envolvidos não podem ser considerados um ator no sentido de Feeny et al. (2001) por causa do envolvimento de uma multiplicidade de atores com interesses diferentes, como descrito anteriormente, nos exemplos do lençol freático gigantesco na Alsácia, da pesca e da construção de represas de grande porte.

Em face desta definição e do objeto de análise deste artigo, a questão que se coloca é: qual o espaço para a gestão coletiva sustentável de bens comuns na atividade extrativista? Atividade esta destinada ao “aniquilamento” por uns (HOMMA, 1990, p. 4), e vista como potencial de serviço ecossistêmico e alternativa de melhor conservação da biodiversidade, por outros (DIEGUES e ARRUDA, 2001, p. 33-35; CASTRO, 1997, p. 165).

4 Extrativismo em tempos de globalização

A existência de diferentes usos dos recursos naturais, sobretudo nos países do Terceiro Mundo, estimula uma análise mais detalhada das relações entre os diversos grupos existentes no espaço rural e a natureza. Para discutir a questão sugerida, reconhecem-se, a priori, quatro posições evidenciadas na literatura. Na primeira, a cultura, os modos de fazer e o saber estão no centro da análise. O sentido da existência das populações tradicionais no contexto global é valorizado, sendo esses povos considerados como produtores de saberes e formas de manejo a eles pertinentes, essenciais na preservação da biodiversidade (CASTRO, 1997, p. 165). Ou seja, é um tipo de grupo social que se identifica como um agente do processo de desenvolvimento sustentável que tem baixo impacto sobre o meio ambiente e é visto desta maneira pelo resto da sociedade (ALMEIDA, 2000).

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Shanley et al. (2002) centram a análise nas possibilidades de integração aos mercados, questionando a suposição de que o aumento do comércio de produtos florestais não madeireiros para mercados globais poderia ser promissor mesmo que reconheçam a importância do extrativismo para a satisfação das necessidades de grupos em situações desfavoráveis, como mulheres e crianças. Assim, a dificuldade de acesso ao mercado, a baixa densidade dos recursos em muitos casos, a produção imprevisível de frutos, a perecibilidade dos produtos, dentre outros aspectos indicados, colocam as populações extrativistas em desvantagem quando comparadas a outros grupos que têm a possibilidade de regularidade da oferta e de controle da qualidade do produto (cor, tamanho e sabor) no momento da venda. Essa exigência de qualidade tende a se generalizar, mas ainda não vigora nos dinâmicos mercados regionais nordestino e amazônico de frutas nativas, nos quais a diversidade dos frutos e a irregularidade da oferta, no decorrer do ano, são consideradas quase que naturais, mesmo que o mercado de polpas supra boa parte da demanda.

Pode-se mencionar ainda como terceira tendência o novo conceito de neoextrativismo, proposto por Rêgo (1999) no Acre, que:

... abrange todo uso econômico dos recursos naturais não conflitante com o modo de vida e a cultura extrativista. No sentido econômico, neoextrativismo é a combinação de atividades estritamente extrativas com técnicas de cultivo, criação e beneficiamento imersas no ambiente social dominado por essa cultura singular.

Como quarta posição destaca-se a de Homma (1990, 1993), que aponta a inevitável extinção da atividade, afirmando que:

Apesar de se tratar de recursos naturais renováveis, o que permitiria sua extração ad infinitum, em termos potenciais, são evidenciadas na evolução de sua extração três fases distintas: expansão, estagnação e declínio. Dentre as causas endógenas que levam ao desaparecimento da atividade extrativa estão: 1) aquelas inerentes à extração do recurso em si, dado o desequilíbrio na taxa de regeneração; 2) o processo de domesticação; e 3) o desenvolvimento de substitutos industriais, dada a incapacidade do setor extrativo em atender à demanda crescente. O estudo aponta também variáveis exógenas ao processo extrativo: a expansão da fronteira agrícola e o crescimento populacional que, por requererem maior demanda de terras, destroem a base extrativa, independentemente de sua rentabilidade (HOMMA, 1990, p. 5).

Acrescenta ainda:

O extrativismo vegetal constitui uma base de desenvolvimento de vulto bastante frágil, que se justifica mais pelo nível de pobreza dos seus habitantes e do mercado de mão-de-obra marginal. Trata-se de uma economia moribunda, cuja tendência inevitável é seu desaparecimento, à medida que o mercado desses produtos fosse crescendo ... O que vai acabar com a economia extrativa ... [é] a economia do mercado. ... Qualquer tentativa

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de apoio ao extrativismo vegetal seria mais no sentido de prolongar essa agonia (HOMMA, 1993, p. viii).

Pode ser constatada, em relação ao primeiro ponto apresentado por Homma, certa predeterminação, que pressupõe o uso predatório generalizado dos recursos vegetais. Sem negar esta probabilidade, caracterizada por Hardin (1968) como “tragédia dos bens comuns”, deve ser analisado cada caso concreto de sistema de recursos nas diferentes regiões. Autores como Feeny et al. (2001) questionam as suposições de Hardin a partir de uma análise mais detalhada dos regimes de direito de propriedade. No caso do extrativismo de frutas, por exemplo, que foi caracterizado por Homma (1993, p. 4) como “extrativismo de coleta”17, trata-se de um sistema de recursos naturais que fornece um fluxo de unidades de recursos (frutos). O máximo que pode ser retirado é determinado pela oferta de frutos, no caso aqui estudado: o tamanho da área, o número de mangabeiras por área, o número de frutos por árvore e dia, etc. Mesmo que sejam retirados todos os frutos, isso não diminuirá a quantidade de unidades da próxima safra, nem prejudicará o sistema, porque sempre haverá ainda propagação por sementes de frutos caídos, não catados. Diferentemente do que ocorre no caso da sobrepesca, que diminui a disponibilidade futura. No caso das mangabeiras no litoral nordestino, segundo os entrevistados, predomina atualmente a tendência do aumento das árvores nativas (com exceção de Alagoas e Pernambuco, onde há aumento de área cultivada) e não há uma ameaça do sistema de recursos pelas próprias catadoras, ou seja, esse sistema de recursos não está sendo prejudicado pela retirada das frutas (SCHMITZ; MOTA; SILVA JUNIOR, 2006).

Além disso, pequenos grupos locais e populações maiores são capazes de criar instituições, elaborar as regras necessárias e garantir o respeito dos envolvidos em relação ao uso de bens comuns (OSTROM, 1990; CHANG, 1988; GLEITSMANN, 1980). Mas se reconhece que fatores externos podem dificultar a permanência desses modos de uso coletivo, como o apontado também por Homma, o que pode ser observado no caso dos remanescentes de mangabeiras que estão sujeitos à pressão exercida pelos proprietários de terras que as destroem, cada vez mais, para os cultivos de coqueiro e cana-de-açúcar, a construção de infra-estruturas turísticas e de viveiros de camarão, atividades cuja implantação depende do corte das mangabeiras. Neste contexto, a especulação imobiliária e a expansão agrícola levam a um aumento do plantio de mangabeiras em áreas de propriedade privada, que pode ser comparada à “domesticação”, o segundo ponto da argumentação de Homma.

A terceira causa endógena para o desaparecimento da atividade extrativa identificada por Homma é o “desenvolvimento de substitutos industriais”. Pode-se observar, no entanto, uma tendência oposta, qual seja, o processo de construção social dos produtos frescos da agricultura com fortes vínculos aos mercados nacional e internacional, tanto pelo aumento da demanda por produtos naturais e exóticos, por parte de segmentos de consumidores, quanto pelos significados de conquistar novos mercados em um contexto globalizado, por parte dos empreendedores (MOTA, 2005, p. 33).

Interessante observar as ambigüidades nos tempos globais em que, por um lado, a qualidade pela via da padronização dos produtos é uma condição para a conquista de mercados e, por outro, há uma valorização dos produtos da biodiversidade, associados a territórios e populações específicas, a exemplo dos produtos “Babaçu-Livre” das quebradeiras

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de babaçu, promovidos pela Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (ASSEMA).

5 Gestão coletiva e conflitos ambientais

O extrativismo da mangaba, nas suas áreas de ocorrência natural no litoral nordestino, está associado às comunidades tradicionais que a elas tiveram acesso em tempos pretéritos. Essas populações, possivelmente, excluídas do sistema econômico agroexportador, buscaram habitar ecossistemas ricos em recursos naturais, mas que não estivessem sob o domínio das atividades agrícolas, como era o caso dos tabuleiros costeiros e da baixada litorânea. Os primeiros, só a partir dos anos 70 do século passado passaram a ser cultivados com cana-de-açúcar (65% da cana plantada do Nordeste), em decorrência do surgimento de novas tecnologias para esse tipo de solo e da criação do Programa Nacional do Álcool (Proalcool). Já na baixada litorânea, a tradicional combinação de coco com outras culturas foi atingida pela expansão imobiliária nas últimas décadas e, atualmente, pela carcinicultura, segundo nossas observações in loco.

Nas áreas de ocorrência natural de mangabeiras, a memória oral registra uma transformação da paisagem em três grandes etapas: 1) predominância de floresta nativa, cujos recursos madeireiros e não-madeireiros constituíam recursos valiosos para essas populações, também por servir para a criação extensiva de animais (porcos); 2) agricultura itinerante (roças de mandioca) no interior da floresta, cujos espaços após a colheita eram ocupados com coqueiros, conservados alguns pés de mangabeira entre suas linhas; 3) mescla de mangabeiras e coqueiros com outras fruteiras, sendo a mangabeira hoje predominante. Nessas situações, a pluriatividade é usual em decorrência da disponibilidade de recursos que permitem o exercício do extrativismo vegetal e da pesca, além do assalariamento (turismo e cana-de-açúcar).

De maneira geral, o acesso aos remanescentes de mangabeiras pode se dar a partir de quatro diferentes formas:

a) Extrativismo em áreas comuns de livre acesso, que podem ser tanto áreas privadas quanto áreas devolutas (ausência de direitos de propriedade bem definidos)181 ou estatais (por exemplo, nas esferas nacional, estadual e municipal);

b) Extrativismo em áreas privadas de acesso restrito, onde o acesso ocorre apenas com a permissão do proprietário ou da pessoa responsável, como o caseiro;

c) Extrativismo em áreas privadas através da meia (com caseiros e conhecidos) e do arrendamento; e

d) Extrativismo em áreas de propriedade comunitária sob gestão conjunta de um grupo definido. Nas regiões visitadas, esta forma não foi encontrada192. O extrativismo em áreas comuns de livre acesso é mais freqüente em Sergipe

(27 áreas) e na Bahia (12 áreas). Em Pernambuco e Alagoas, constatam-se apenas 6 áreas em cada um. Em todos os casos, as áreas são terras públicas, devolutas ou privadas (sítios abandonados e áreas em que os proprietários permitem o extrativismo), nas quais qualquer pessoa pode entrar, coletar frutos e retirar látex (“leite”) de forma parcimoniosa. É de domínio comum, e não devem ser quebrados galhos, coletados frutos verdes e retirado látex

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além do necessário como remédio para familiares. A realização de um desses atos é motivo de repreensão, se observado por alguém. Práticas tais como: capina de plantas “daninhas” (mato), próximas às mangabeiras, e retirada de galhos secos revelam-se parte do cuidado com as plantas.

Segundo Silva Júnior et al. (2006), nas áreas de livre acesso no Nordeste podem ser observados quatro diferentes níveis de conservação dos remanescentes de mangabeiras que vão do bom (Sergipe) ao péssimo (Pernambuco). Existem semelhanças nas áreas de Sergipe e da Bahia, sendo que a melhor conservação dos recursos genéticos dá-se em Sergipe, onde há uma alta densidade de plantas no mesmo espaço. Nesses dois estados, a população conhece e pratica todas as etapas do extrativismo, além da pós-colheita e da comercialização. Isso é explicado pela forte demanda da fruta que faz parte da dieta dos habitantes e dinamiza o mercado.

Em Pernambuco e Alagoas, o extrativismo sofre fortes efeitos da pressão imobiliária (turismo). No primeiro, uma das seis áreas de uso comum é exaustivamente explorada, conformando um típico exemplo de extrativismo predatório, caracterizado pela excessiva retirada do látex, colheita de frutos verdes, queima de galhos, folhas secas e lixo próximo das plantas. Não se constatou a preocupação com a reprodução das plantas, observada em Sergipe e na Bahia.

O extrativismo em áreas privadas de acesso restrito é realizado, predominantemente, no litoral Norte da Bahia e em todo o litoral de Sergipe, muito embora a forma de ocupação do espaço dê-se diferentemente em cada estado. O maior símbolo da privatização das áreas é a existência da cerca. Observando a paisagem, constata-se que, na Bahia, a mangabeira é uma das fruteiras de um pomar diversificado, enquanto em Sergipe é encontrada em pomares homogêneos. Há uma diferença, sobretudo, no número e na densidade de mangabeiras que explicita as várias estratégias econômicas e de conservação dos recursos naturais que essas populações desenvolvem. Em Sergipe, o extrativismo da mangaba está associado ao do manguezal. Essa complementaridade na Bahia é feita pela exploração de outras frutas (manga, caju, coco), artesanato e assalariamento no turismo.

O extrativismo em áreas privadas através da “meia” dá-se via acordos entre caseiros e proprietários, como também entre pessoas que se conhecem e têm vínculos de amizade, compadrio e camaradagem em todos os estados pesquisados. Normalmente, nessas áreas, a conservação é regular, pois a mangabeira encontra-se junto com outras fruteiras em propriedades de citadinos que já não têm nenhuma preocupação com a conservação das plantas em decorrência de não dependerem do recurso para sobreviver (SILVA JÚNIOR et al., 2006).

Em Sergipe, as populações envolvidas na meia dominam as fases da colheita e pós-colheita. Em Alagoas, somente participam da retirada dos frutos, uma vez que outros processos relativos à pós-colheita já não se encontram sob a sua responsabilidade. Normalmente, compete ao proprietário disponibilizar as plantas para o extrativismo e às catadoras a retirada do fruto sem causar danos (quebra de galhos e retirada de frutos verdes). A quantidade total de frutos é dividida entre catadoras e proprietário. Para os caseiros, resta ainda a responsabilidade pela retirada, transporte e venda dos frutos. Subtraídos todos os gastos, o ganho final é dividido igualmente.

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O extrativismo em áreas privadas através do arrendamento diferencia-se da meia, uma vez que a safra é comprada por um valor que deverá ser pago ao final da colheita. É uma prática muito comum em Alagoas e Pernambuco e denota um comportamento exclusivamente mercantil dos proprietários da área. Os arrendatários normalmente se responsabilizam também pela vigilância para evitar que terceiros invadam a propriedade e aproveitem a safra. Assim, a população local somente tem acesso às plantas no momento da colheita, que é entregue diretamente aos compradores. Conseqüentemente, não domina mais todas as fases do processo.

Tanto na meia quanto no arrendamento, há a desvinculação entre a catadora e o recurso com a decorrente perda de saberes, pelo fato de existir apenas um contato rápido com as plantas e de não haver preocupação com a observação e reprodução das mangabeiras que, provavelmente, a catadora não voltará a explorar.

Neste quadro, observa-se que as formas de acesso aos recursos influenciam sobremaneira no domínio de práticas e saberes, assim como na inserção no mercado. Quanto mais etapas estão sob o controle das catadoras, mais possibilidades existem de auferir rendimentos e de contribuir para a conservação do recurso por entender que ele é importante para a sobrevivência.

6 Instituições encontradas

Ao longo dos anos estabeleceram-se alguns consensos quanto ao que é considerado aceitável ou não no extrativismo da mangaba e que estão presentes nas memórias individual e coletiva conformando o que na teoria é reconhecido como instituições: conjunto de regras de trabalho que determinam, dentre outros, os participantes, o acesso, a fronteira do sistema de recursos, as ações permitidas ou proibidas, as informações necessárias, as sanções, uma assembléia, a coordenação e a distribuição de benefícios (OSTROM, 1990, p. 51; GARVÍA, 1998, p. 73-75). Para entender o processo de organização e gerenciamento de recursos comuns, é essencial distinguir entre o sistema de recursos (estoque) e o fluxo de unidades de recursos produzido pelo sistema (OSTROM, 1990, p. 30). Desde que a média desse fluxo retirada na coleta não ultrapasse a cota média de reabastecimento, uma fonte de recursos renováveis pode ser sustentada por tempo indeterminado.

No caso específico do extrativismo da mangaba, as regras encontradas entre as catadoras, especialmente para as áreas comuns, são as seguintes:

1) Todos podem catar mangaba;2) Respeitar as cercas;3) Não quebrar galhos;4) Não catar frutas verdes;5) Não tirar leite da mangabeira;6) Não cortar mangabeiras; e7) Não catar no mesmo pé quando já tiver alguém catando.

Mesmo assim, existem também transgressões, como colher escondido dos proprietários nas áreas cercadas. Porém, como analisado em outras situações, há um sentimento de vergonha em invadir o que é considerado de domínio privado (MARTINS, 2003). No geral,

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as cercas são recentes e não alcançam todos os terrenos, muito embora quase todos tenham dono. Só se o terreno estiver abandonado, o dono estiver (quase) ausente ou a pessoa que toma conta permitir, pode-se entrar livremente em terrenos com cerca.

Dentre os cuidados com as plantas, é importante não quebrar galhos, porque prejudica o sistema de recursos (os remanescentes de mangabeira) e acarreta a diminuição da produção. Isso acontece quando alguém sobe, sem cuidado, para retirar frutas verdes contra a resistência das mesmas, puxando e forçando os galhos.

O conhecimento e a prática do uso do leite da mangabeira (por exemplo, para fazer brinquedos ou remédios) são muito freqüentes na Bahia e em Pernambuco e pouco usados em Sergipe e Alagoas, embora se tenha conhecimento sobre os usos do leite. Existem catadoras que já conhecem e praticam esta atividade desde jovens, outras que sabem, mas nunca praticaram e aquelas que souberam há cerca de dez anos atrás ou apenas recentemente. Não há unanimidade sobre a retirada do leite da mangabeira que, para uns, pode acarretar a morte da planta. Para outros, pode ser tirado com parcimônia para curar doenças. Há também visões diferenciadas quanto ao destino do leite, numa escala que vai entre os que adotam a venda como uma prática rotineira e aqueles que só admitem o seu uso para familiares e amigos, ocasionalmente. Apesar de visões tão diferenciadas quanto a essa prática, não se trata (ainda) de um conflito social, muito embora o crescimento da demanda do leite possa implicar em novas situações.

Entre as catadoras há consenso de que não se podem cortar as mangabeiras e esta regra é seguida em todos os estados. No entanto, os proprietários de terra cortam-nas para a agricultura, implantação de viveiros de camarão ou para evitar que as catadoras entrem para coletar as frutas das árvores nativas. Essas iniciativas têm gerado revoltas entre a maioria das catadoras que consideram que “a terra pode ter dono, mas a mangaba é de ninguém”, porque as mangabeiras foram plantadas por Deus.

Outra regra constatada é quanto ao ato da colheita em que cada catadora com seus filhos concentram-se em uma planta. Nas palavras de uma delas, se alguém se aproxima para colher na mesma árvore qualquer uma logo falará: “Com tanto pé de mangaba, por que vem logo tirar onde eu estou tirando?” Em geral, as pessoas respeitam o direito de quem chegou primeiro na planta. Ademais, isso facilita o processo de socialização das práticas entre mães e filhos.

7 Áreas de livre acesso: quanto se pode colher?

A característica do bem em questão é de um sistema de recursos naturais que fornece um fluxo de unidades de recursos (frutos). As unidades de recursos (as mangabas) não são usadas conjuntamente, mas o sistema de recursos está sujeito ao uso comum. Não se trata de um recurso migratório como peixe ou água, mas há uma semelhança, pois, se a mangaba não for retirada hoje, não há garantia de encontrá-la no dia seguinte, já que outra catadora pode ter colhido a fruta ou ela pode estar estragada no chão203.

O máximo que pode ser retirado é determinado, por um lado, pela oferta de frutas (tamanho da área, número de mangabeiras por área, número de frutas por árvore e dia, etc.) e, por outro, pela quantidade que as catadoras retiram por dia ou por semana, que tem

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vinculação direta com a demanda dos comerciantes locais que entregarão as frutas para as processadoras. Essa quantidade depende do número de catadoras e do tempo que cada uma dispõe para se dedicar à atividade (em função da oferta, da demanda, da possibilidade de vender e do caminho para chegar às mangabas).

Não existe a preocupação de identificar um máximo que pode ser colhido, como na pecuária, onde a capacidade de suporte indica o número máximo de cabeças de gado por área. Na pesca ou na captação de água subterrânea é importante saber a cota de reabastecimento, que é o fluxo máximo de unidades retiradas que não pode ser ultrapassado sem prejudicar o sistema de recursos.

Conseqüentemente, não existem regras para regulamentar a retirada de unidades de recursos (frutos) ou para usar determinados tipos de equipamentos, como o que ocorre na pesca. De qualquer modo, não existe uma regra para a distribuição justa do recurso. Mesmo diante das práticas que podem prejudicar as plantas (retirada do leite, quebra de galhos e cortes), ainda não existem conflitos abertos nas áreas de livre acesso.

Por que as catadoras ainda não desenvolveram novos arranjos institucionais? Provavelmente, porque a pressão ainda não as obrigou a determinar sanções. Porém, no caso de Pernambuco, elas perderam o acesso ao recurso pela rápida urbanização das áreas e pelo turismo estimulado por políticas públicas que, em muitos casos, gerou um mercado de prestação de serviços temporários atraente para essas populações num primeiro momento. Posteriormente, se constatou que o número de empregos era ínfimo e que as atividades eram mal pagas e precárias. Outra explicação refere-se à ausência de uma organização entre as catadoras, uma comunidade identificável de usuários interdependentes (ver FEENY et al., 2001, p. 21), que tenha suficiente poder e possa justificar a implantação de novas regras e que exclua a ação de indivíduos externos, ao mesmo tempo em que regule o uso por membros da comunidade local. No entanto, um dos principais motivos que dificulta o desenvolvimento de um sistema de gestão mais complexo é o fato de que as ameaças não são das catadoras, mas de atores externos fortes política e economicamente.

8 Reflexões finais

No Nordeste do Brasil, grupos de catadoras estabeleceram-se e desenvolveram saberes e práticas que conformaram sistemas de conhecimento essenciais à conservação dos recursos genéticos de mangabeira, a exemplo da propagação das plantas por sementes, do manejo e de práticas de pós-colheita. Apesar de tudo isso, a conservação vem se dando de forma diferenciada em decorrência da limitação do acesso aos recursos pela pressão imobiliária, intensificação do turismo, expansão agrícola e carcinicultura (SILVA JÚNIOR et al., 2006; MOTA; SCHMITZ; SILVA JÚNIOR, 2008).

A gestão coletiva de bens comuns demonstra um forte elemento conservacionista, quando as catadoras dominam todas as etapas do ciclo produtivo. A melhor conservação foi encontrada em áreas de livre acesso e em áreas privadas de acesso restrito, nas quais as catadoras relacionam-se intensamente com as plantas em todas as etapas de reprodução das mesmas (MOTA; SCHMITZ; SILVA JÚNIOR, 2008). Porém, a influência de atores externos “dominantes” (ver os “princípios” de OSTROM, 1990) reduz drasticamente as

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áreas de livre acesso disponíveis e, conseqüentemente, deteriora o sistema extrativista. As instituições e os saberes ficam enfraquecidos, a alienação das práticas aumenta e as catadoras guardam apenas a memória de um tempo passado melhor. As áreas privadas exploradas pelo extrativismo de meia ou de arrendamento sofrem também um processo de deteriorização, quando a relação mercantil prevalece. Quanto menos as catadoras dominam as etapas do extrativismo, mais se observa a redução da biodiversidade (SILVA JÚNIOR et al., 2006).

Nas áreas bem conservadas, apesar de usar o patrimônio natural, essas populações conservam-no interferindo minimamente no seu equilíbrio. Graças a isso, ainda podem ser observadas áreas de grande interesse, tanto do ponto de vista dos saberes e práticas como do ponto de vista de reserva genética, em virtude da elevada variabilidade observada entre as plantas (SILVA JÚNIOR et al., 2006). Uma estratégia de conservação da biodiversidade deveria ser um forte argumento para garantir que o extrativismo por populações tradicionais seja uma forma de conservação dos recursos e de modos de vida mais sustentáveis. Essa estratégia reforça a idéia de Shanley et al. (2002) e de Rêgo (1999) de apoio ao extrativismo para assegurar a sobrevivência (renda) de grupos vulneráveis.

Atualmente, o sistema de recursos não vem sendo prejudicado pela retirada dos frutos pelas catadoras. Práticas como a quebra de galhos, por causa de maior pressão para colher, ou a retirada do leite não parecem ainda ser um perigo sério214. Assim, não se observa uma tendência do extrativismo de coleta “... que leva ao seu aniquilamento a médio e a longo prazo” (HOMMA, 1990, p. 4), porque, mesmo que sejam retirados todos os frutos, sempre haverá a apropagação por sementes de frutos caídos, não catados.

O maior perigo parte atualmente dos atores externos que ameaçam a permanência destes modos de uso coletivo dos recursos. Se no passado as formas de acesso aos remanescentes eram livres, no presente têm sido restringidas com impactos, não só na conservação do recurso, mas também no domínio dos saberes e das práticas acumulados ao longo dos anos, agora ameaçados. Como visto, a ameaça ao extrativismo, atualmente, não parte das catadoras, mas de fatores exógenos, como o intenso mercado de terras, a construção de infra-estruturas turísticas, a agropecuária, que podem destruir “... a base extrativa, independente de sua rentabilidade” (HOMMA, 1990, p. 5).

Nesse contexto, o turismo tem duas faces: ameaça o ecossistema pela implantação de infra-estruturas e contribui para a melhoria das condições de vida das populações locais pela possibilidade da pluriatividade. Finalmente, seria mais interessante para o turismo uma paisagem com a vegetação da restinga do que plantações homogêneas e ordenadas de mangabeiras ou coqueiros ou uma paisagem semi-urbana com aglomerações de casas de praia.

Em relação ao uso comum dos remanescentes de mangabeiras, pode concluir-se que há um conflito social latente no campo ambiental pelo acesso aos recursos em todos os estados. Os proprietários cercam as áreas e as catadoras insistem em ter acesso às mesmas. No entanto, esse conflito não ultrapassou ainda os níveis iniciais de escalação por se tratar, pelo lado das catadoras, de grupos sociais pouco organizados, pelo menos em relação ao uso do sistema de recursos. Trata-se de atores, muitas vezes, excluídos da posse da terra e das políticas públicas, que não os reconhecem enquanto catadoras de mangaba. Os atores externos são variados, conseguem tirar mais vantagem da relação de poder existente

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e representam, muitas vezes, uma situação ambigua, ao mesmo tempo de benefício e de ameaça, como no caso do turismo.

Em relação às instituições, ainda existem poucas regras, quase nenhuma sanção, nem multas ou instâncias para a resolução de conflitos. As sanções realizam-se nas áreas de livre acesso apenas através da repreensão oral pelas catadoras mais velhas aos que desrespeitam as regras. Nas áreas privadas com acesso restrito, no entanto, sanções podem incluir a proibição de praticar o extrativismo. Mesmo assim, as regras estabelecidas parecem ser suficientes por se tratar de um extrativismo vegetal específico, a coleta de frutas, e não existir o perigo de prejudicar o sistema de recursos. O desenvolvimento de regras para garantir uma distribuição justa parece muito remoto, também por falta de definição dos participantes quanto ao uso do sistema e ao grau de sua organização. Parece que em algumas regiões, como Sergipe, as catadoras ainda não enfrentam a escassez dos frutos onde existe o livre acesso. Porém, o extrativismo estendeu-se à retirada do leite, que pode ser prejudicial para o sistema. Além disso, em outras regiões, como Pernambuco, o sistema de recursos está seriamente em perigo e as mangabas tornam-se escassas.

A leveza das sanções em torno da colheita dos frutos é adequada para a conservação das plantas, mas, no caso de ações prejudiciais às mesmas, pode ser um problema no futuro. No entanto, seria difícil estabelecer regras e sanções a serem aceitas, se a maior ameaça, o corte das mangabeiras, está a critério de atores externos sobre os quais as catadoras não têm influência.

Do ponto de vista da sustentabilidade dos agroecossistemas, o modelo de exploração pelas comunidades tradicionais não deve ser visto como única solução para o desenvolvimento agropecuário de uma nação ou de uma grande região como a Amazônia (BRUSH, 1999), mas como uma estratégia que pode ser a mais adequada quando desenvolvida em determinados territórios.

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notas1 Bens comuns são uma classe de recursos que podem ser identificados através da característica da

subtração, quer dizer, a capacidade que cada usuário possui de subtrair parte da prosperidade do outro. Uma segunda característica é a dificuldade ou até impossibilidade de se excluir potenciais usuários ou controlar o acesso dos mesmos. Trata-se de recursos naturais que não são providenciados, como peixes, águas superficiais e subterrâneas e florestas (forma pura). Podem ser também fornecidos através de construção, por exemplo, sistemas de irrigação. O termo bem comum é empregado, também, em referência exclusiva ao regime de propriedade comunal (FEENY et al., 2001, p. 21). Ao contrário do bem comum, a característica de um bem público é que a disponibilidade do mesmo não diminui pelo uso de mais pessoas (não há rivalidade). A idéia inicial do bem público era de um benefício providenciado pelo Estado.

2 Instituição, no sentido do neo-institucionalismo, significa um conjunto de regras de trabalho que determinam, dentre outros, os participantes, as ações permitidas ou proibidas, as informações

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necessárias, a distribuição de benefícios (OSTROM, 1990, p. 51). Uma instituição, no sentido mais usado na Sociologia, é uma prática social, que se segue de modo quase irreflexivo e que não necessita de elaborações de justificativas, e que alcançou certo grau de aceitação, por exemplo, o casamento ou a família (GARVÍA, 1998, p. 55-56). A expressão instituição, no senso comum, significa uma organização, em geral grande, por exemplo, pública, estatal ou religiosa (igreja; instituto de pesquisa, etc.).

3 McKean (1989, citado por DIEGUES, 2001, p. 99) distingue seis tipos de propriedade. No entanto, essa proposta não distingue entre bens comuns e bens públicos.

4 Usamos o termo catadora de mangaba, porque a atividade é realizada predominantemente por mulheres.

5 A restinga consiste de cordões arenosos situados após a praia, caracterizada por uma vegetação florestal aberta, constituida de árvores, arbustos e gramíneas.

6 Os tabuleiros são formações geológicas, mais ou menos planas, localizadas no litoral, com altitude que varia até 100 m. A vegetação é constituída por uma floresta tópica conhecida como mata de tabuleiros. Espécies como a mangabeira (Hancornia speciosa Gomes) podem ser encontradas nesses ecossistemas.

7 O conflito social é uma interação entre atores na qual pelo menos um ator vivencia incompatibilidades no pensamento, na representação, na percepção, no sentimento ou no querer com um outro, de modo que, na ação, ocorre um impedimento através do outro (GLASL, 1997, p. 14-15).

8 Usamos o termo conflito ambiental para indicar um conflito social no campo ambiental (ver BARBANTI, 2002; LIBISZEWSKY, 1991).

9 Os dados secundários foram buscados em estatísticas preexistentes. De modo geral, representam um problema pelo fato de serem limitados e de não corresponderem ao que se observa em campo, provavelmente, por terem sido coletados independentemente do momento em que se dá a produção.

10 Ostrom usa o termo “auto-governância” (self-governing). 11 A noção de entitlement usada por Sen, simplesmente traduzida com “entitulamento”, refere-se aos

direitos legais (SEN, 2000, p. 54). Scott, J. C. (1976). The Moral Economy of the Peasant: Rebellion and Subsistence in Southeast Asia. London: Yale University Press. Sen, A. (1981) Poverty and Famines. Oxford: Oxford University Press. Thompson, E. P. (1971) ‘The Moral Economy of the English Crowd in the Eighteenth Century’, Past and Present 50, p. 76-136. As últimas três referências são citadas por Johnson (2004).

12 Por exemplo, Morrow e Hull (1996, p.1643) propõem que os passos e a escala das instituições devem ser adequados ao processo tradicional de tomada de decisão.

13 Hardin, G. The tragedy of the unmanaged commons. Trends Ecol., 9:199, 1994.14 Segundo Outhwaite e Bottomore (1996, p. 115-116) comunidade é: “Um dos conceitos mais vagos e

evasivos em ciência social. ... O que une uma comunidade não é a sua estrutura, mas um estado de espírito - um sentimento de comunidade. Essa dimensão subjetiva torna comunidade algo problemático como instrumento de análise sociológica, pois os limites de qualquer grupo com auto-identificação, da perspectiva do que está dentro, são geralmente fluidos e intangíveis, em vez de fixos e finitos.”

15 Coletivo significa, segundo Ferreira (2004), algo que abrange ou compreende muitas pessoas, pertence a ou é utilizado por muitos. Não se restringe à esfera governamental, como sugerido por Mermet (1992).

16 O termo “comunal”, usado por Feeny et al. (2001, p. 20), não traz nenhuma precisão conceitual em relação ao termo “gestão comunitária”. Preferimos o termo comunitário também quando se trata da distinção entre “áreas de livre acesso” e “propriedade comunitária”, evitando o termo “propriedade comum”, ou simplesmente “comuns”, que pode levar à imprecisão.

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17 Homma (1993, p. 4) distingue entre “extrativismo por aniquilamento ou depredação”, por exemplo, extração da madeira, ou caça e pesca indiscriminadas, e “extrativismo de coleta”, como coleta de produtos extrativos produzidos por plantas ou animais, por exemplo, seringa ou castanha-do-pará.

18 Áreas devolutas “... são aquelas que não se acham aplicadas a algum uso público federal, estadual ou municipal, que não tenham legitimamente sido incorporadas ao domínio privado, já que as terras públicas pertencentes ao patrimônio público fundiário são aquelas que estão inscritas no Serviço de Patrimônio da União - SPU” (BENATTI, 2003, p. 185).

19 Porém, em pesquisas realizadas posteriormente, em 2006 e 2007, foi identificado o extrativismo da mangaba também em áreas de propriedade comunitária, como em áreas indígenas (Baía da Traição, Paraíba), reserva extrativista (Resex Maracanã, Pará), quilombo (Sítio Histórico dos Kalunga, Goiás) e assentamento (Pirambu, Sergipe).

20 Recursos migratórios como peixes, vida selvagem e águas subterrâneas impõem óbvios problemas para a regulação do acesso (FEENY et al., 2001, p. 19).

21 Porém, a última prática deve ser mais estudada, tanto no que diz respeito à sua freqüência quanto às conseqüências para a planta, assim como o efeito medicinal do uso do leite.

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Gestão coletiva de bens comuns no extrativismo da mangaba no nordeste do brasil

herIbert SChMItz dAlvA MArIA dA MotA

JoSuÉ FrAnCISCo dA SIlvA JÚnIor

Resumo: o artigo analisa a gestão coletiva de bens comuns no extrativismo da mangaba destacando o acesso aos recursos, os arranjos institucionais e os conflitos sociais entre os atores envolvidos. A pesquisa foi realizada no nordeste do brasil a partir de observações, entrevistas e dados secundários. o trabalho mostra a existência de remanescentes de mangabeiras bem conservados a partir da gestão coletiva.

Palavras-chave: bens comuns. Gestão de recursos naturais. Populações tradicionais. hancornia speciosa Gomes. extrativismo

Collective mangement of common goods in mangaba extractivism in the Northeast of Brazil

Abstract: This article analyses the collective management of common goods within the context of mangaba

fruit collection; it focuses on the access to resources, the institutional arrangements and the social conflicts

among the involved actors. The research was undertaken in northeastern Brazil and is based on observations,

interviews and secondary data. The study demonstrates the existence of well preserved mangaba trees due

to collective management.

Keywords: Common goods. Natural resource management. Traditional populations. Hancornia speciosa

Gomes. Extractivism.